TERAPIA NARRATIVA *
Dados da autora Fátima Galvão Palma Psicopedagoga, Terapeuta de Família Docente do Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica e do Curso de Pós-graduação em Psicopedagogia Formação em Terapia Narrativa (Dulwich Centre, Adelaide Narrative Therapy Centre / ANTC – Austrália) e-mail: fatimagp@nitnet.com.br
Resumo A autora apresenta uma visão panorâmica da Terapia Narrativa, seus pressupostos teóricos básicos e as correspondentes práticas terapêuticas no trabalho com famílias, grupos e comunidades. A Terapia Narrativa se originou de uma parceria entre Michael White (Austrália) e David Epston (Nova Zelândia), nos anos 1980, posteriormente desenvolvida e atualizada pelo trabalho inovador e criativo de White. Dentre os principais instrumentos/mapas das práticas narrativas, constam as conversas de externalização, conversas de construção de andaimes, conversas de re-autoria, conversas de remembrança, cerimônia de definição e práticas da testemunha externa. A conversação terapêutica através da abordagem narrativa busca reconstruir significados e a identidade/self das pessoas, pelo desenvolvimento de histórias alternativas preferidas de suas vidas, para além das histórias dominantes oficiais saturadas de problema. As pessoas, as famílias e as comunidades se tornam fortalecidas e conscientes de seus recursos e competências para lidar com os desafios futuros em suas vidas.
Abstract The author presents a panoramic vision of the Narrative Therapy, its estimated basic theoreticians and the therapeutic practice correspondents, in the work with families, groups and communities. The Narrative Therapy was originated from a partnership between Michael White (Australia) and David Epson (New Zeeland), in years 1980, later developed and brought up to date for innovate and creative work of White. Amongst the main instruments/maps of the narrative practices, consists the externalizing conversations, scaffolds constructions conversations, re-authoring conversations, re-membering conversations, definitional ceremony and outsider-witness responses. The therapeutical conversation through the boarding narrative, searches to reconstruct meaning and the identity/self of the persons, for the development of preferred alternative histories of its lives, beyond official dominant histories saturated of problem. The persons, the families and the communities become fortified and conscientious of its resources and abilities to deal with the future challenges in its lives.
* Artigo publicado em: Idéias Sistêmicas – Caderno do CEFAI, ano V, número 5, Outubro / 2008.
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Introdução O conjunto de bases teóricas e as correspondentes práticas terapêuticas do que veio a ser nomeado como Terapia Narrativa, teve sua origem em um trabalho de colaboração entre Michael White (Austrália) e David Epston (Nova Zelândia), nos anos 1980. A Terapia Narrativa, desenvolvida ao longo do tempo por um trabalho criativo, inovador e original de Michael White, teve grande repercussão no campo da terapia familiar, apresentando uma nova maneira de compreender os problemas e seus efeitos na vida das pessoas e das famílias, e as relações terapêuticas configuradas a partir desta abordagem. Michael White (29/12/1948 – 04/04/2008) foi Assistente Social, Terapeuta familiar, Professor e Escritor, tendo deixado sua contribuição em inúmeros livros e artigos nos quais desenvolve e atualiza a Terapia Narrativa, ampliando sua atuação para projetos comunitários em vários países, lidando com os efeitos do trauma em diversas situações como o abuso (drogas, sexual, físico e psicológico), guerras, tortura, acidentes, perdas, separação (migração, asilo) e violência. Atualmente, a Terapia Narrativa é utilizada no trabalho com indivíduos, famílias, grupos terapêuticos multifamiliares, grupos temáticos e comunidades. Michael White foi co-diretor do Dulwich Centre (Adelaide – Austrália) e, em 2008, fundou o Adelaide Narrative Theraphy Centre (ANTC). Ao longo de sua vida envolveuse com atividades de atendimento clínico familiar, treinamento, supervisão, workshops, consultoria e Terapia Narrativa Comunitária, na Austrália e em muitos outros lugares, como Iraque, Palestina, África, Brasil, Chile, México, Europa, Estados Unidos e Canadá. Sua morte inesperada e prematura, em pleno processo criativo, deixa um legado teórico e prático a ser difundido e compreendido pelos seus seguidores, sem o generoso auxílio de sua presença carismática. A abordagem narrativa pode ser encontrada descrita de formas diferentes por outros autores e terapeutas que a utilizam em vários países do mundo. Neste artigo, apresento a minha reflexão e experiência com a Terapia e as Práticas Narrativas de Michael White, do Dulwich Centre e do ANTC.
A Construção da Terapia Narrativa Através de pesquisas e estudos em outras áreas do conhecimento para além da terapia familiar, tais como a antropologia cultural, a teoria literária e a filosofia crítica, Michael White reconhecia influências estruturantes na sua construção da Terapia Narrativa. White citava os corpos de conhecimento descritos abaixo, como os principais formadores das suas bases teóricas: a) A Metáfora narrativa → baseada na Teoria Literária criada por Jacques Derrida (1978), em busca do “ausente mas implícito” no significado criado no texto, através das expressões utilizadas pelas pessoas; b) A Metáfora cibernética da explicação negativa → desenvolvida por Gregory Bateson (1980) ao assinalar que a informação se dá por certos caminhos “ao invés de outros” e que “o problema é o problema” (a pessoa não é o problema). Os problemas são vistos como impedimentos para o recebimento das novas informações trazidas pela diferença; c) A Filosofia Crítica e a Política → Michel Foucault (1965) refletiu sobre as premissas normativas sociais que moldam as pessoas, formando um conjunto de padrões e normas culturais validadores, com foco nas relações de poder que definem a sociedade; d) O Pensamento social-construtivista → através do Construcionismo Social de Kenneth Gergen (1985) e do sócio-interacionismo de Lev Vygotsky (1934) com a zona de desenvolvimento proximal;
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e) O Feminismo → com o estudo da violência na vida familiar e das relações de poder nas questões de gênero; f) A Antropologia Cultural → nos trabalhos dos pensadores Jerome Bruner (1986) - a vida é construída através de narrativas formadas por eventos, em seqüência, ao longo do tempo, de acordo com um enredo; Clifford Geertz (1973) - interesse nos símbolos culturais que constroem a identidade dos sujeitos e Barbara Myerhoff (1976) – estudo do papel da audiência para a manutenção da cultura de um grupo em risco de se tornar invisível. As práticas narrativas partem de pressupostos básicos fundados na crença da visão da realidade como construção social. Todas as pessoas constroem sentido e significado das experiências de suas vidas, sendo que a narrativa pessoal possibilita que as pessoas dêem sentido a elas. Os sentidos dados às experiências moldam a vida e os relacionamentos, e as pessoas são bastante seletivas quanto a que experiências atribuem importância, sentido e significado, enquanto outras são negligenciadas e adormecidas. Portanto, a vida das pessoas é multi-historiada, pela história dominante/oficial que se configura em parte das experiências vividas qualificando e constituindo o sujeito, e pela história subordinada/secundária formada por uma variedade de alternativas narrativas incluindo as experiências negligenciadas pela história dominante. A busca da história subordinada alternativa através das práticas narrativas permite a entrada do sujeito em outros territórios da sua identidade, explorando recursos, habilidades e capacidades até o momento ocultas e esquecidas. As pessoas são especialistas em suas próprias vidas, possuindo competências, crenças, valores e recursos para ajudar a reduzir a influência dos problemas em suas vidas. Esses problemas, relacionados ao seu sistema de significados, refletem-se em práticas culturais opressivas, resultando em descrições de suas identidades saturadas de problema, trazendo dificuldades para o sujeito se tornar agente e autor, construindo sentido e significado para a sua existência entre os seres humanos. A identidade das pessoas é construída através de conexões sociais, podendo ser negociada em seus contextos e comunidades de pertencimento. Michael White (1989) busca definir a Terapia Narrativa como abaixo: A Terapia Narrativa fala sobre opções para contar e recontar e para o desenvolvimento e re-desenvolvimento das histórias favoritas das vidas das pessoas; retribuir os eventos únicos, contraditórios, contingentes e, às vezes, aberrantes das vidas das pessoas, significantes como presentes alternativos; um re-engajamento e uma produção da história dos presentes alternativos das vidas das pessoas; uma exploração dos conhecimentos e habilidades alternativos que informam estas expressões, e a identificação da história e localização cultural destes conhecimentos – muitas vezes os conhecimentos subordinados de habilidades da cultura; descrição rica na qual a história alternativa do presente das pessoas é ligada com as histórias alternativas de seu passado – uma ligação das histórias através dos tempos; ligação de histórias entre vidas, de acordo com temas compartilhados que falam de compromissos em comum e uma descrição rica dos contextos para as atividades de contar e recontar e recontar o já recontado.
A Estrutura Narrativa O contato de Michael White com o trabalho de Jerome Bruner (1986) trouxe para a Terapia Narrativa a idéia de que em toda boa história existem paisagens duplas, duas dimensões, que foram conceituadas por Bruner como paisagem de ação e paisagem de identidade. A paisagem de ação apresenta uma seqüência temporal de eventos ao longo da
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vida do sujeito, eventos esses que se conectam de acordo com um enredo. A paisagem de identidade demonstra como o sujeito interpreta e dá significado aos eventos e experiências de sua vida, de acordo com suas características pessoais e relacionais, suas metas, seus valores, suas crenças e seus desejos. No contexto apropriado, as histórias preferidas/subordinadas sobre a vida e a identidade das pessoas podem aparecer e serem contadas, incluindo contradições, exceções ou alternativas às histórias dominantes. Histórias preferidas são preciosas, pois revelam uma identidade diferente do sujeito, propiciando a esperança de uma vida com menos sofrimento e mais conforto, espírito cultural, conhecimentos e saberes sobre a sua vida. Michael White criou a metáfora do prédio, para simbolizar a possibilidade do desenvolvimento de histórias preferidas ricas e consistentes. Imagine um prédio vazio, composto apenas de paredes, chão e teto, sem elevador ou escadas. A história dominante se encontra no térreo e, através de perguntas, o terapeuta narrativo prepara a construção de andaimes, permitindo alcançar os outros andares, até atingir o topo do prédio onde se encontra a história preferida/subordinada. O movimento de subida se dá de forma progressiva e gradual, dentro da chamada zona de desenvolvimento proximal (Vygotsky, 1934), na qual o sujeito e a sua família ainda necessitam de um outro (terapeuta) para auxiliá-los na construção de sua autoria e autonomia, diminuindo a distância entre o já conhecido e o que é possível conhecer. Um conceito importante para a Terapia Narrativa é o “ausente mas implícito”, trazido do trabalho do filósofo francês Jacques Derrida (1978). Derrida criou um método desconstrutivo para a análise de textos, percebendo que as palavras são uma representação de algo em uma perspectiva relacional e que os seres humanos só conhecem uma experiência através do seu contraste, como a metáfora da moeda com os seus dois lados. O terapeuta narrativo pretende alcançar o contraste ou distinção da expressão da linguagem, indo além de sua expressão direta. O “ausente mas implícito” está relacionado com o que a pessoa valoriza e considera precioso em sua vida, o que ela não vai abrir mão e nem abandonar. Por exemplo, perceber o que está ausente na expressão da raiva, tristeza, dor, sofrimento, desespero, desajuste ou perda; o que está implícito mas não declarado. Nas palavras de White (2000): A noção do “ausente mas implícito” é constituída pelo entendimento de que toda expressão, e o sentido que esta veicula, não é diretamente derivada da experiência da “coisa” a que esta experiência se refere – os relatos de vida que moldam a expressão não representam uma correspondência de um para um com as propriedades que existem no que está sendo descrito nesses relatos. [...] Em vez disso, expressões de vida são entendidas como um fenômeno tornado possível ao “se dar conta”, ou ao se distinguir coisas e dar sentido a elas em relação, ou em contraste, aos sentidos ou descrições de outras coisas. Por esse viés, há uma dualidade em todas as descrições. São relacionais, não representacionais – não representam diretamente as coisas do mundo. De acordo com esse entendimento relacional de toda descrição, uma descrição única pode ser considerada o lado visível de uma descrição dupla.
As Práticas Narrativas No processo terapêutico segundo a Terapia Narrativa, o terapeuta busca, em uma postura colaborativa com os clientes, as famílias e as comunidades, a experiência significativa negligenciada, iluminando e tirando das sombras os resultados excepcionais ou acontecimentos brilhantes, que são as portas de entrada para a construção das histórias preferidas/alternativas. Quando as histórias preferidas ficarem tão fortes e importantes quanto as histórias dominantes, as pessoas poderão se apoiar nas primeiras
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ao lidar com as dificuldades da vida. As pessoas podem trocar as “lentes dos óculos que usam para ver o mundo”, dadas por definições culturais internalizadas, destrutivas e opressivas, por “outras lentes”, apoiadoras de suas habilidades, capacidades e competências. Esse processo se baseia na crença de que o self é socialmente construído e reconstruído na relação com as pessoas da família e de suas comunidades de pertencimento. Ele se forma pela reunião de pequenas histórias que são contadas sobre o indivíduo, com origem no passado e influência no seu funcionamento presente. O terapeuta narrativo necessita desenvolver algumas habilidades em seu trabalho, tais como: a) ouvir de forma dupla as descrições que as pessoas fazem de suas vidas e identidades, focalizando respeitosamente o que é dito e buscando as lacunas no discurso; b) desenvolver um estado de curiosidade visando à exploração conjunta da vida do sujeito; c) ser ativo e fazer boas perguntas que enriqueçam a história alternativa em construção; d) contribuir para o desenvolvimento da capacidade das pessoas construírem significados, expandindo as histórias negligenciadas e esquecidas; e) prover a documentação apoiadora do sujeito, através de cartas, documentos e registros por escrito; f) encontrar a audiência adequada, as testemunhas externas, para presenciar a reconstrução da identidade do sujeito. No decorrer das sessões, o terapeuta narrativo assume uma posição de “nãosaber”, na qual ele é descentrado e influente. Descentrado para que seja possível focalizar a experiência pessoal única do sujeito e não o conhecimento pessoal do terapeuta, e influente em sempre buscar a história subordinada/alternativa que ficou adormecida, com cuidadosa atenção aos detalhes e ao significado que o mesmo dá às suas palavras. O terapeuta narrativo também reflete sobre suas ressonâncias, como a sua vida é tocada pelas histórias que ouve. A Terapia Narrativa dispõe de muitos recursos práticos a serem utilizados pelo terapeuta durante o atendimento. Dentre eles figuram as conversas de externalização, conversas de re-autoria, conversas de re-membrança, cerimônia de definição, práticas da testemunha externa e conversas de construção de andaimes. O terapeuta escolhe, a cada etapa do processo terapêutico, o recurso mais adequado a ser utilizado e de que maneira fazê-lo. Os mapas da Terapia Narrativa, desenvolvidos por Michael White, funcionam como um instrumento opcional, um guia para orientar e auxiliar o terapeuta em seu trabalho. Resumidamente, temos abaixo alguns deles: 1. Conversas de externalização → o sujeito é visto não como portador do problema ou do diagnóstico, mas vivendo sob os efeitos deste. O exame dos problemas como separados das pessoas, permite que o sujeito e a sua família observem a influência dos problemas na sua vida e a sua influência na vida do problema. O objetivo deste mapa é a caracterização do problema, verificar como ele se relaciona com outras dimensões da vida do sujeito, trazer a experiência do sujeito sobre o desenvolvimento do problema e permitir a consciência das compreensões intencionais de valores atribuídos aos problemas; 2. Conversas de re-autoria → o sujeito é convidado a trazer sua experiência de vida ligando-a a paisagem de ação ao longo da sua vida (história remota, história distante, história recente, presente e futuro próximo) e à paisagem de identidade (habilidades, qualidades, objetivos/intenções, valores, esperanças/sonhos, princípios e compromissos). Esse mapa tem como finalidade a compreensão dos entendimentos intencionais e internos, do que é valorizado pelo sujeito, do seu aprendizado e das emoções evocadas conectadas à história, às pessoas significativas e aos aspectos culturais;
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3. Conversas de re-membrança → pessoas significativas podem ser trazidas de volta como “membros do clube da vida” do sujeito, fazendo parte da comunidade de membros/sócios na qual o sujeito pode ter as suas próprias expressões. Essa pessoa significativa, viva ou morta, será lembrada pela sua contribuição especial para a vida do sujeito. Pelo uso deste mapa pode-se atingir o propósito de refletir e identificar a contribuição da pessoa significativa para a vida do indivíduo, a identidade do indivíduo aos olhos da pessoa significativa, a contribuição do cliente para a vida da pessoa significativa e as implicações desta contribuição para a identidade da pessoa significativa; 4. Cerimônia de definição → nesta sessão, testemunhas externas convocadas pelo terapeuta, com autorização e escolhidas em parceria com o sujeito, formam uma audiência adequada. As testemunhas externas podem ser amigos, familiares, outros profissionais ou pessoas significativas. A sessão é composta por três partes: a) o contar – o terapeuta entrevista o sujeito focalizando no desenvolvimento da história alternativa; b) o re-contar – as testemunhas externas são entrevistadas pelo terapeuta de forma estruturada, levando em conta identificar a expressão (palavras ou frases que capturaram a atenção), descrever a imagem (imagem ou metáfora evocadas), identificar a ressonância (conexão entre o que ouviu e a sua própria vida) e reconhecer o transporte (deslocamento e movimento na vida da testemunha causada pelo impacto da experiência vivenciada); c) re-contar do re-contar – o terapeuta entrevista o cliente sobre que este ouviu das testemunhas externas segundo a mesma estrutura (expressão, imagem, ressonância e transporte). Esse mapa contribui, de maneira muito poderosa, para a visibilidade do sujeito (ser ouvido, visto e conhecido) e definição coletiva do seu self, através do reconhecimento e validação, por uma audiência especial, das suas preferências, autenticidade e recursos. No atendimento familiar pelos pressupostos da Terapia Narrativa, muitas vezes se torna imprescindível o questionamento do contexto onde se localiza a gênese da construção do problema, refletindo como a vida é moldada pelas exigências sociais e culturais. Ambientes potencialmente causadores de dificuldades, por exemplo, podem ser altamente competitivos, onde as pessoas são comparadas, a imagem corporal muito valorizada e a masculinidade relacionada com força e violência. Torna-se clara a necessidade da desconstrução das ideologias de gênero, expressas nas mensagens de expectativas culturais em relação aos sexos. O terapeuta narrativo busca questionar os domínios de gênero, cultura, classe social e espiritualidade evitando reproduzir o discurso dominante normativo. Posso trazer como exemplo uma família que estou atendendo, cuja mãe se culpa e se deprime por ver o filho de 32 anos dependente químico. Quando apareceu a noção de que “a mãe sempre é responsável/culpada por tudo que irá acontecer na vida dos filhos”, refletimos sobre a força das noções culturais interiorizadas, através das perguntas: Como você foi apresentada à idéia de que as mães são culpadas pela vida dos filhos? A quem essa idéia favorece? Onde você pensa que começou essa idéia? O que você pensa sobre essa idéia? Como ela funciona na sua vida? Como você pensa que ela funciona na vida de outras pessoas? A documentação terapêutica figura como um importante instrumento apoiador da história subordinada/preferida em construção. Registrar um momento de reflexão, aprendizagem ou descoberta, ao longo do atendimento terapêutico, disponibiliza ao sujeito e à sua família o acesso ao que já foi construído, avaliando o seu caminhar no processo de autoria da sua vida. Inúmeras são as possibilidades de documentação e utilização das mesmas, dentre as quais cito algumas: cartas, declarações, desenhos,
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músicas, manuais, listas, documentos, projetos artísticos comunitários, anotações e filmagem das sessões.
A Terapia Narrativa Comunitária A abordagem narrativa da Terapia Comunitária privilegia a reflexão sobre a desqualificação das relações opressivas de poder da cultura sobre as pessoas, as famílias e as comunidades. Particularmente, enfocando as famílias, uma das finalidades é abrir espaço para pensar as práticas de controle parental que subjugam os indivíduos. O aspecto terapêutico comunitário provê suporte e apoio para várias famílias pelo compartilhar de suas questões, através das formas narrativas de lidar com elas, objetivando a formação de redes de reciprocidade e pertencimento. A premissa básica para este trabalho é o respeito às culturas, suas formas de cura e de viver o bem-estar, suas tradições, sua história e sua espiritualidade. A Terapia Narrativa Comunitária contribui para reunir e socializar o conhecimento da comunidade e produzir documentação de suas habilidades em resolver os seus problemas, como por exemplo, as manifestações artísticas e as canções. O registro das histórias possibilitadoras de tomadas de iniciativa e prosseguimento dos processos individuais e coletivos, bem como das histórias das tradições da comunidade, também pode ser obtido através da abordagem narrativa. O grupo ou a comunidade se configura como um fórum para as pessoas reconectarem as suas vidas, expressando e identificando as formas que usam para superar os seus problemas, explorando seus dilemas e dificuldades. O contato com o pensamento do educador Paulo Freire (1992) e o seu trabalho em comunidades foi inspirador para Michael White, pela constatação de que sempre existem lacunas nos sistemas governamentais nas quais os profissionais poderiam atuar de alguma forma pelo trabalho social, mesmo que o “fatalismo neoliberal” nos induza a pensar que não podemos fazer nada. O projeto de Terapia Narrativa e Trabalho Comunitário do Dulwich Centre atua em países como Iraque, Palestina, Bangladesh e Austrália, nos locais de reunião das comunidades ou em encontros domiciliares. Foram estruturados projetos cooperativos com profissionais que atuam nas comunidades, prestando serviços de saúde mental. Os temas abordados surgem da demanda das comunidades em momentos de crise ou em momentos de questões pontuais. Por exemplo, podemos citar o trabalho com a utilização de testemunhas externas em um grupo de famílias que apresentam um membro esquizofrênico. O intuito se dirige à revisão do papel e do poder das vozes hostis que o esquizofrênico ouve, com o aparecimento de novas vozes amigáveis apoiadoras da vida dele. Outro exemplo das práticas narrativas em terapia comunitária é o trabalho com a comunidade de aborígenes da Austrália. Foi construído um serviço de terapia para e por aborígenes, em famílias onde os homens são presos e se suicidam na cadeia, acontecimento muito comum por lá. Os temas trabalhados foram trauma e injustiça, incluindo uma reflexão histórica contextual sobre a colonização da Austrália pelos ingleses: descobrimento ou invasão e ocupação? A abordagem narrativa mostra-se muito útil no lidar com o trauma, seus efeitos e suas conseqüências. O propósito é deslocar o sujeito ou os grupos que sofreram o trauma, para outro território de sua identidade através das conversas de externalização e de reautoria, para que seja possível olhar para a situação traumática e refletir sobre ela do “lado de fora”. De forma sintética, os conceitos norteadores deste trabalho são:
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a) as pessoas sempre respondem ao trauma – o terapeuta ajuda na identificação dessas respostas; b) essas respostas se fundamentam em valores, esperanças, sonhos, compromissos, habilidades e metas – o terapeuta ajuda a gerar ricas histórias em torno das respostas; c) existem conexões coletivas com as habilidades e os conhecimentos – o terapeuta ajuda a buscar a gênese social, relacional, cultural e histórica, incluindo a contribuição de pessoas significativas, os legados familiares e as tradições culturais; d) criação de segurança física e emocional – o terapeuta como parte do alicerce que cria territórios seguros de identidade; e) ligando vidas – o terapeuta ajuda a proporcionar conexões entre as pessoas isoladas pelos efeitos do trauma e as pessoas significativas da família ou da comunidade, que incentivarão o desenvolvimento das habilidades identificadas pelo sujeito. A “Árvore da Vida”, experiência desenvolvida no Zimbabwe – África, com um grupo de crianças que passaram pelo trauma da morte dos pais pela AIDS e que se encontram vivendo os efeitos da miséria e cuidando sozinhas de suas casas e vidas, sem um adulto responsável, configura-se como referência para um melhor entendimento das práticas narrativas respondendo ao trauma em grupos e comunidades.
Uma Narrativa Clínica – Adoção e Luto Para ilustrar como tenho utilizado os recursos e pressupostos da Terapia Narrativa em minha prática profissional, apresento a seguir a narrativa de um atendimento clínico familiar. Eduardo, 39 anos, me procura quatro meses após ter ficado viúvo de Ana, falecida aos 46 anos em decorrência de uma infecção hospitalar grave, adquirida por seqüelas do rompimento de um aneurisma cerebral. Na primeira sessão comparecem Eduardo, sua mãe Cláudia de 69 anos e seu irmão mais novo Bruno, de 37 anos. Bruno é casado e pai de uma menina de 4 anos. Eduardo se apresenta muito triste e deprimido e me conta que ele e Ana namoraram por nove anos antes de se casarem, ficando juntos por 12 anos até a morte de Ana. O casal queria filhos e como Ana não conseguia engravidar, buscaram ajuda médica. Ana se submeteu a uma cirurgia que não teve sucesso em recuperar a sua fertilidade. O casal decidiu adotar uma criança e iniciaram o processo de adoção, ficando por dois anos em uma fila de espera. Finalmente conseguiram adotar uma menina, com um mês e nove dias, a quem deram o nome de Vitória. Eduardo diz que “o projeto desabou”: um ano e três meses após terem adotado Vitória, Ana rompeu o aneurisma cerebral. Foram cinco meses lidando com a saúde debilitada de Ana, entre infecções e internações até a sua morte. Enquanto Eduardo relatava as suas preocupações com o seu futuro e o futuro de Vitória, sua mãe e seu irmão diziam palavras de incentivo. Ele precisava superar o abatimento e a depressão para poder continuar vivendo e cuidando da filha. Atualmente Eduardo está desempregado e Vitória freqüenta uma creche particular em meio-período, paga por seu irmão Bruno. Eduardo amava muito a sua esposa e Vitória era o sonho da vida dela. Ele se sente “totalmente perdido, desanimando, sei que tenho que seguir em frente por causa da Vitória”. Cláudia, avó da Vitória, conta que sua família é muito unida e que ela tem ajudado a cuidar da neta e apoiado o filho no seu sofrimento. Eduardo ama a sua filha e quer educá-la da melhor maneira possível. Pela narrativa de Eduardo, percebi dois temas importantes: o projeto coletivo de adoção do casal que passou a ser só do pai e a experiência do luto de Eduardo.
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Iniciei com conversas de externalização, nas quais refletimos como o desânimo e a depressão interferiam na forma como ele queria seguir sua vida e cuidar da sua filha. Terapeuta: Eduardo, você pode me descrever como o desânimo não permite que você caminhe na sua vida? Eduardo: Está muito difícil... é difícil caminhar sem ela, me pego chorando... Terapeuta: Você consegue se lembrar de outras situações difíceis que você passou e seguiu em frente? Eduardo: Eu e Ana já atravessamos muitas dificuldades financeiras, mas nós dois juntos dávamos força uma para o outro, um apoiava o outro. Agora eu estou sozinho, bate desespero. Ás vezes eu estou andando na rua, paro, sento no chão e choro... Terapeuta: Esse desespero que você sente, Eduardo... O que acontece no seu relacionamento com as outras pessoas quando você se sente assim? Eduardo: Eu tento desabafar com o Bruno, ele me ouve, eu só tenho ele para conversar. Minha mãe me ajuda muito com a Vitória, cuidando dela, mas não gosta de me ver triste, leva a Vitória para a cada dela. Com a Vitória é pior, ela me vê chorando, puxa meu rosto e diz para eu parar, ela fica muito séria e chora também.
Em outro momento tivemos conversas de re-autoria e re-membrança, nas quais Eduardo traz uma metáfora simbolizadora do seu processo atual, suas habilidades e capacidades para lidar com o luto e o cuidado com a filha e o que Ana deixou-lhe para apoiar a sua dificuldade atual. Eduardo: Tenho sentido uma dor muito grande. Tem hora que eu acho que não vou agüentar, vou ficar louco. Não me conformo com a perda da Ana, ela era uma pessoa tão boa e carinhosa, só fazia o bem... Terapeuta: Eduardo, depois desses seis meses da morte da Ana, você percebe alguma diferença em você? Eduardo: Eu não choro tanto, a dor é muito grande, mas agora eu consigo falar sobre isso, conversar sem chorar. Comecei a sentir solidão, não tinha sentido isso ainda. Sabe, eu sempre fui muito tímido, tenho dificuldade de me expressar. Mas tem uma imagem que fica na minha cabeça de uma ponte que eu tenho que atravessar... Terapeuta: Você pode me falar mais dessa ponte e como você vai poder atravessá-la? Eduardo: Eu não estou nem no meio dela... Ela balança muito é feita de troncos de árvores... Embaixo da ponte passa um rio de água limpa, um pouco revolta... Eu sofri um acidente de carro, me salvei. Fiquei na mata, caminhei, e subi na ponte. Eu preciso atravessar ela toda... Terapeuta: O que tem dentro de você que poderia ajudá-lo a atravessar? Eduardo: Força, eu preciso de força para atravessar. No final da ponte tem uma estrada, vou encontrar alguém que vai me ajudar, vou continuar caminhando para a felicidade na minha vida. Terapeuta: Gostei muito desta imagem da ponte. Você poderia desenhá-la e trazer para eu ver?
Eduardo desenha a metáfora da ponte representando-se no lugar onde se sente no seu caminhar. Esse desenho fica como um registro e combinamos de voltar a ele, ao longo do atendimento, para avaliar aonde ele se colocaria em outros momentos do seu processo de luto. Terapeuta: Eduardo, você pode me dizer o que a Ana deixou para a sua vida? O que ela valorizava na vida e que você também valoriza? Eduardo: Não sei... sinceridade, honestidade... Ana odiava mentira. Ela tinha muito capricho com as coisas da casa e era bem realista com as coisas da vida, não gastava mais do que podia. Eu também estou cuidando da casa muito bem e a Vitória está sempre arrumada e penteada. Terapeuta: De onde vem a sua competência para cuidar da sua casa e da sua filha? Eduardo: Eu sei fazer, eu sou capaz. Se alguém conseguiu eu também vou conseguir. As pessoas me mostram que é possível fazendo. Eu aprendi a pentear o cabelo da Vitória, no início foi difícil, mas eu aprendi. Terapeuta: Eduardo, quem não ficaria surpreso com o seu desempenho atual?
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Eduardo: Ana. Ela sabia que eu seria capaz de dar conta de tudo que viria depois da sua morte. Ela me disse, perto de morrer, que não queria que eu ficasse triste, que eu precisava estar bem para cuidar da Vitória.
Através das conversas de re-membrança Eduardo percebeu que Ana lutou até o fim, não queria morrer e deixar a filha. Portanto, ele poderia trazer esse “espírito de luta” para a sua própria vida. Conversei com Eduardo sobre a possibilidade de escrever cartas para Ana, contando a sua vida atual, como está lidando com tudo e cuidando da filha. Ele escreveu algumas cartas e se sentiu muito bem. Em uma delas, que Eduardo quis ler para mim, ele escreveu: “... Ana, eu encontrei uma pessoa, a Dra. Fátima, que foi enviada por Jesus para me ajudar e eu sei que você está amparando ela para poder me ajudar”... Eduardo também está escrevendo cartas para Vitória, contando sobre a morte da mãe e da sua adoção. Ele sabe pouco de sua família biológica, apenas que ela foi abandonada na porta de uma Igreja, encaminhada para uma delegacia e para um abrigo municipal. Ele está construindo a biografia da filha, reunindo fotos e registros, para mostrar quando ela estiver mais crescida. Ofereci para Eduardo a minha percepção de que Vitória é uma menina de sorte, por ter um pai dedicado e amoroso, que não a abandonou apesar da morte de Ana. Nas conversas de re-autoria com Eduardo e sua família, perguntei se ele poderia nomear a nova história que estava construindo para sua vida e para a vida de sua filha. O nome escolhido foi – “Nunca te decepcionarei, vou vencer”. Continuo cooperando com a família no sentido de enriquecer a sua história preferida, para que Eduardo possa ter suporte e se apoiar nela nos desafios futuros de sua vida com Vitória.
Considerações Finais Este artigo apresentou uma visão panorâmica da Terapia Narrativa, não se pretendendo exaustivo e completo, sem o aprofundamento em suas possibilidades, mapas e recursos, cada um deles necessitando de um estudo específico, com o detalhamento das perguntas adequadas. Decorrente da minha experiência com os pressupostos teóricos e as práticas narrativas, representa a minha construção profissional como terapeuta familiar. No meu entender, a Terapia Narrativa está sempre em construção por cada terapeuta que reflete sobre ela e a utiliza em seus atendimentos, segundo o seu estilo pessoal e a convergência entre todos os seus outros saberes apropriados. Penso que as Práticas Narrativas exerceram forte influência no campo da Terapia Familiar, por seu potencial criativo e inovador e a maneira singular de perceber as pessoas, as famílias, os grupos e as comunidades em relação aos seus problemas, em conformidade com o pensamento pós-moderno do século XXI. Considerar a construção do self como um projeto social, moldado e re-moldado nas relações sociais, corresponde a uma visão pósestruturalista da terapia familiar. O terapeuta narrativo demonstra respeito, acolhimento e cuidado ao colaborar com as pessoas no desenvolvimento das histórias preferidas de suas vidas, iluminando-as e as retirando das sombras, enriquecendo o seu patrimônio afetivo pessoal e de competências. Em relação às portas de entrada para o desenvolvimento destas histórias, o terapeuta narrativo pode utilizar as conversas de externalização, os momentos de diferença (acontecimentos brilhantes, exceções), a observação direta do que a família diz, as histórias de novos desenvolvimentos (coisas novas que estão acontecendo ultimamente) e o “ausente mas implícito” nas expressões das narrativas. A história preferida torna brilhante
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outro território de identidade do indivíduo, forte o suficiente para apoiá-lo na sua vida relacional. Usando a metáfora da “escavação arqueológica”, vamos “peneirar para encontrar ouro”, o que dá brilho para a vida. As pessoas, as famílias e as comunidades se tornam mais fortalecidas, seguras e conscientes de seus recursos e competências para lidar com os desafios futuros que, certamente, enfrentarão em suas vidas. A conversação terapêutica através das idéias narrativas busca a reconstrução de significados e da identidade/self dos sujeitos, na qual o terapeuta ouve duplamente as histórias contadas, os problemas e as habilidades no lidar com eles. As perguntas da Terapia Narrativa não focalizam diretamente sentimentos e emoções, porém certamente os evocam. As lágrimas, quando aparecem, se relacionam com aspectos muito valorizados e preciosos da vida das pessoas. O terapeuta poderia fazer perguntas sobre elas, como por exemplo; “Se as suas lágrimas pudessem falar o que elas diriam?”. Dentre os objetivos da Terapia Narrativa, destaco o rememorar dos passos que o sujeito já deu e os valores importantes por trás destes, a reflexão sobre as reverberações na memória decorrentes das sessões, a revisão de significados antigos e construção de novos, através de perguntas que permitam que as pessoas enriqueçam as histórias de suas vidas. O terapeuta narrativo mantém a esperança e acredita na autoria do sujeito, como uma forma de ver o self associada à noção de que o sujeito necessita de autorização própria para investir em sua capacidade de influir no formato de sua própria vida. Ser agente de sua vida, de suas intenções e de seus valores, permite ao sujeito optar por sua história e identidade preferidas, perceber que o mundo, ao menos minimamente, responde ao fato de sua existência e se religar aos outros seres humanos, como parte da raça humana, através da apropriação de sua competência, autonomia e possibilidades. Historiar de forma completa a vida das pessoas, me trouxe à memória o jogo infantil de “ligar os pontos”. Se os pontos forem ligados na seqüência indicada numericamente pelo jogo, aparecerá uma figura conhecida representante da história dominante/oficial. Todavia, que figura aparecerá se forem ligados outros pontos que não estão numericamente indicados, mas que fazem parte da nuvem total dos pontos? Possivelmente, a representação simbólica da história subordinada/ alternativa. Concluindo, desejo expressar o meu pesar pelo falecimento prematuro de Michael White. Pessoalmente, lamento que ele só tenha podido dispor de 60 anos de vida para contribuir para o desenvolvimento da Terapia Narrativa. Entretanto, recentemente Michael White foi membrado por mim no “Clube da minha vida” e, certamente, seria escolhido como testemunha externa do meu desenvolvimento profissional como terapeuta narrativa. Como ele mesmo dizia: “Mas isso é outra história”.
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