8 minute read

Desassoreamento do Rio Arade. Para quando?

A história do desassoreamento do Rio Arade e restabelecimento da sua navegabilidade, independentemente da condição de maré, arrasta-se há quase 40 anos, com avanços e recuos, em termos de planos, estudos e projetos técnicos, descidas e subidas do rio, mais ou menos pomposas, falsas partidas e anúncios de natureza eleitoralista, sem que o financiamento público para o lançamento da obra, alguma vez, tenha sido assegurado.

Identificamos do ponto de vista temporal, três momentos fundamentais no desenvolvimento deste dossier: 1985/1988, 1994/1997 e 2002/2011.

Advertisement

Em 1985 foi elaborado o Plano Integrado do Rio Arade, que resultou da conjugação de esforços entre os Municípios de Silves, Lagoa, Portimão e Monchique. Em julho de 1988 o Plano e o Relatório que o acompanhava foram apresentados no Parlamento Europeu pelo Deputado Coimbra Martins (PS), tendo recolhido apoio para a realização do empreendimento. Com a elaboração posterior do Estudo de Enquadramento Económico que foi levado ao conhecimento do governo, que o encaminhou para a Comissão de Coordenação da Região do Algarve (CCRA), que, inexplicavelmente, rejeitou, terminou de forma inglória a curta vida deste Plano Integrado, que abarcava toda a bacia hidrográfica do Arade, contendo a definição de linhas de orientação e ações/ projetos concretos para concretizar no médio prazo e prevendo investimentos na ordem dos 20 milhões de contos.

Em dezembro de 1993, e em final de mandato, a Câmara Municipal de Silves, de Maioria PS, firmou com a sociedade Hidroprojeto, um contrato para a elaboração do projeto “Acessibilidade Fluvial. Desassoreamento do Rio Arade e Revitalização Marítima das Suas Margens”, pelo montante de 28 mil contos. O projeto foi objeto de candidatura ao programa comunitário de “Assistência Técnica para Preparação de Projetos, PDR 1994-1999”, tendo sido aprovado.

Durante o mandato autárquico 1994-1997, de Maioria CDU, o projeto de execução foi iniciado e concluído, tendo o Presidente José Viola, o cuidado de logo contratar em abril de 1994, um assessor técnico conceituado para o acompanhamento do projeto. A contratação recaiu em José Ataíde, Comandante da Armada, portador de brilhante currículo e silvense insigne, homem que dedicou toda a sua vida ao mar, nomeadamente à oceanografia, hidrografia e cartografia.

A solução desenvolvida consiste no estabelecimento de um canal navegável entre a confluência com a Ribeira de Odelouca e uma secção transversal situada a 4,362 km, nas proximidades de Silves, que garante a navegabilidade de embarcações de recreio de pequeno calado, até 2 metros. A solução encontrada prevê também a construção de um açude, dotado de sistema de comportas, galgável pela maré, para renovação da água, assegurando-se um espelho de água permanente frente à cidade, com 2,2 m de altura, estendendo-se até à Ponte Rodoviária. O projeto integra estudo de impacte ambiental e a avaliação do património arqueológico, apresentando resposta para a deposição dos dragados. O projeto prevê a recuperação do Moinho Valentim como eco-museu de Silves, dedicado à história agrícola, à moagem, ao património

O projeto de execução foi aprovado em reunião de câmara realizada em 23 de maio de 1995 e a 1.ª fase da obra (espelho de água) foi candidatada ao Programa Operacional do Ambiente em março de 1996.

e evolução paisagística da região, e um percurso de descoberta da natureza e observação de aves (foram identificadas 77 espécies de ave, o que representa cerca de 28% do total das espécies que ocorrem regularmente em Portugal).

O projeto de execução foi aprovado em reunião de câmara realizada em 23 de maio de 1995 e a 1.ª fase da obra (espelho de água) foi candidatada ao Programa Operacional do Ambiente em março de 1996.

Somente, volvidos cerca de dois anos, após requerimentos dirigidos ao governo pelo Deputado Lino de Carvalho (PCP), a autarquia soube da rejeição da candidatura.

Note-se que este projeto técnico, promovido pelo Município de Silves, foi o único concluído até aos dias de hoje.

Em 1998, a nova liderança camarária de maioria PSD, considerou o projeto pouco ambicioso, abandonando-o no âmbito do “Protocolo de Colaboração sobre a Requalificação do Rio Arade”, que assinou em conjunto com Lagoa, Portimão e Monchique, em vez de o incluir no mesmo.

Foi um erro histórico, cujas consequências, ainda hoje, não foram ultrapassadas.

Em 2001, o Ministério do Equipamento Social por intermédio do Instituto Marítimo-Portuário, desencadeou outro procedimento para a contratação de novo projeto, que foi adjudicado à mesma empresa que elaborou o anterior, ou seja, a firma Hidroprojeto.

Entre 2002 e 2011 desenvolveram-se várias fases dos estudos, do Estudo Prévio ao Anteprojeto, incluindo o Estudo de Impacte Ambiental e o Levantamento Hidrográfico do rio Arade, prosseguindo-se em 2009 com o procedimento para a realização do Projeto de Execução e das peças processuais para a execução da empreitada. Os trabalhos terminaram em 2011 com a insolvência da Hidroprojeto.

Curiosamente, sobre a suposta falta de ambição do único projeto até agora concluído – o do Município de Silves - e estabelecendo comparação com este último projeto inacabado, que compreende a dragagem de canal com cerca de 11,2 km, as estimativas orçamentais são idênticas, na ordem dos 4 milhões de euros (preços correntes). A par disto, este último projeto inacabado, não prevê a construção do espelho de água em frente da cidade e a navegabilidade, somente é garantida para embarcações com o calado máximo de 1,2 m, em vez dos 2 m, na solução anterior.

Chegados aqui o que fazer?

(I) é necessária vontade política do governo e dos seus órgãos desconcentrados na região, vontade que sempre faltou ao longo dos anos, que temos esperança, que haja agora; (II) é indispensável a conjugação de esforços e vontades entre os Municípios de Silves, Lagoa, Portimão e Monchique, e explorar as complementaridades existentes entre eles, no âmbito do rio Arade que partilham; (III) é necessário pragmatismo e espírito prático, “agarrar” no projeto inacabado, que se encontra sob a tutela da Direção-Geral dos Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, proceder à sua revisão e atualização (integrando a componente do “espelho de água” do projeto da CMSilves de 1995, e considerá-la como 1.ª fase da obra a lançar a concurso público), evitando partir novamente da estaca zero e aproveitar grande parte do trabalho já desenvolvido; (IV) é necessário resolver previamente a problemática complexa da arqueologia subaquática com a Direção- -Geral do Património Cultural; (V) é curial decidir quem executará a empreitada (Estado ou Municípios), sendo que o Estado se obrigará ao financiamento da obra através do acesso aos fundos comunitários.

As questões suscitadas em torno da preservação dos ecossistemas ou da arqueologia terrestre e subaquática, cujas sensibilidades são elevadas, são variáveis incontornáveis, que terão tratamento adequado em sede de novo projeto final. O problema da dragagem e deposição dos dragados encontra-se resolvido através das soluções técnicas encontradas, com a indicação de 4 lugares para a sua deposição, prevendo- -se a utilização de dragas de corte, sucção e repulsão, com capacidade para bombear os materiais dragados.

É do interesse do Poder Local conciliar o desenvolvimento económico com a defesa intransigente dos valores dos ecossistemas terrestre e aquático, da integração paisagística e património arqueológico, cumprindo com as exigências contemporâneas do desenvolvimento sustentável.

Na ótica do governo e das entidades regionais é justamente reconhecida a importância da necessidade de desassoreamento do rio Arade, que se atesta com a inclusão do projeto em documentos oficiais, como os são os casos do: “Plano Intermunicipal de Alinhamento com a Estratégia Regional Algarve 2020”, por proposta do Município de Silves (2014-2017); “Plano de Investimentos nos Portos de Recreio 2016-2020”, por iniciativa do governo (foi prevista a dotação de 3 milhões de euros em Orçamento de Estado, que não se verificou); e do “Plano de Recuperação do Algarve”, 1.ª prioridade, na qualidade de “projeto diferenciador” que “permite

O que faz falta é passar das intenções aos atos.

responder de forma significativa aos grandes desafios da região” (AMAL, 10mar2021), por iniciativa do Município de Silves e da Associação dos Municípios do Algarve (AMAL).

O que faz falta é passar das intenções aos atos.

Que mais-valias trariam o desassoreamento do rio Arade? O restabelecimento da navegabilidade do rio Arade criaria fluxos turísticos alternativos, o incremento de atividades de recreio e lazer e o desenvolvimento das potencialidades turísticas das zonas ribeirinhas adjacentes, na condição imperativa da preservação paisagística e ambiental dos locais. As cerca de 3500 embarcações de recreio existentes, segundo dados da Capitania do Porto de Portimão, são, na sua maioria, potenciais utilizadores do canal navegável. O desassoreamento do rio Arade é um projeto âncora de cariz regional, impactante ao Barlavento e ao Algarve, numa perspetiva de visão integrada

Não desassorear o rio Arade não é opção válida.

do Algarve, em conjunto com o eixo do Guadiana, atendendo ao seu valor em domínios como o turismo, património, ambiente, acessibilidades, mobilidade e desenvolvimento económico sustentável, com efeito multiplicador na economia e como veículo de atenuação das assimetrias interior/ litoral.

Não desassorear o rio Arade não é opção válida. Manter o rio Arade assoreado é prosseguir com o agravamento dos impactos paisagísticos negativos. Não desassorear o rio Arade é antagonizar o discurso certeiro de combate ao fosso e desigualdades crescentes entre o Litoral e o Interior algarvios. Não desassorear o rio Arade é abandonar um extraordinário recurso e desistir do desenvolvimento dos territórios.

This article is from: