Nightwalkers 04 - Damien

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DAMIEN Jacquelyn Frank

Des d e o início d os tem pos exis tem os Nightw alk ers - seres noturnos que vivem nas sombras. Um d os m ais poderos os d eles é Dam ien, o príncipe d os vam piros . Mas um a m ulher o tentará com um des ejo m ais forte d e tud o que ele conhece e, juntos , eles enfrentarão um inimigo atemorizante e implacável... Como príncipe dos vampiros, Damien já experimentou todos os prazeres possíveis. Cansado de aventuras, ele agora con cen tra su as energias em proteger seus semelhantes. A guerra entre humanos e Nightwalkers avança, e quando o inimigo rapta Syreena, a princesa licantropo, Damien audaciosamente vai atrás e consegue resgatála... mas não está preparado para o desejo que aquela mulher lhe desperta! Dotada de raras capacidades, Syreena cresceu confinada, proibida de fazer contato com outras pessoas, porém a atração que Damien sente por ela é imediata e impossível de resistir. No entanto, o desejo por Syrenna pode ter repercussões desastrosas para um homem como Damien, e deixar seus inimigos ainda mais perigosos que antes...


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Doação: Mana Digitalização e Revisão: Alê M.

Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos, de fãs para fãs. Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida. Cultura: um bem universal.

Querida leitora, Qu an d o Da m ien , o ch arm os o p rín cip e v a m p iro, s egu e s eu s in s tin tos p a ra s alv ar S y reen a d a s força s qu e a m e a ça m os Nigh tw a lk ers , vê-se irremediavelmente a tra íd o p ela prin ce s a lica n trop o. De term in a d o, ele en fren ta a re s is tên cia d e s s a cria tu ra ú n ica qu e o en can ta e s ed u z , fazendo-o a n s ia r p ela s s en s a ções n ega d a s d u ran te ta n tos s écu los a os d e s u a es p écie. Poré m , en qu a n to exp erim e n ta m a p od eros a u n iã o a qu e es tã o d es tin a d os , eles tê m d e en fren ta r os tra id ore s qu e põem em risco o fu tu ro d e ta n tos p ovos ... Leonice Pomponio Editora

TRADUÇÃO Débora Guimarães Copyright © 2008 by Jacquelyn Gentilella Originalmente publicado era 2008 pela Kensington Publishing Corp. PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING CORP NY, NY —USA Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. TÍTULO ORIGINAL: DAMIEN EDITORA Leonice Pomponio ASSISTENTES EDITORIAIS Patrícia Chaves Paula Rotta Vânia Canto Buchala EDIÇÂO/TEXTO Tradução: Débora Guimarães Revisão: Giacomo Leone ARTE Mônica Maldonado MARKETING/COMERCIAL Andrea Riccelli PRODUÇÃO GRAFICA Sónia Sassi PAGINAÇÃO Andrea Carmassi

© 2009 Editora Nova Cultural Ltda. Rua Paes Leme, 524 — 10° andar — CEP 05424-010 — São Paulo - SP www.novacultural. com. br Premedia, impressão e acabamento: RR Donnelley

PRÓLOGO 2


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Inglaterra, 1562

E lizabeth riu alto, e o som ecoou pelo salão de baile, apesar de seu estado ofega n te. Pr es s ion a va com u m a d a s m ã os u m la d o d a cin t u r a , ju s ta m en te on d e o cor p ete cos tu m a va r ed u zir s u a ca p a cid a d e r es p ir a tór ia . Por ém , s ó os m a is ín tim os s a b er ia m d es s e d eta lh e. Pa r a tod os n a cor te, a jovem r a in h a Bes s a p en a s adotava uma postura elegante ao dançar. S eu p a r ceir o er a im p la cá vel, con d u zin d o-a p a s s os d a cor eogr a fia . Ha via p ou ca s p es s oa s n a p a ixã o e en er gia p a r a a d a n ça s e equ ip a r a va m à p r ín cip e r om en o com qu em Bes s d a n ça va n ã o s ó a levava ao limite de sua energia.

gir o a p ós gir o p elos com p lexos cor te d a r a in h a E liza b eth cu ja d a m on a r ca . Ap a r en tem en te, o con s egu ia a com p a n h á -la , com o

Rob er t Du d ley, o con d e d e Leices ter , a s s is tia à cen a com u m olh a r s om b r io, cob iços o, e u m tiqu e leve, m a s r evela d or , em s u a m a n d íb u la . Lor d e Bu r gh ley n ã o resistiu à oportunidade de provocar o negligenciado favorito da rainha. — Du d ley, p a r ece qu e n os s a Bes s es tá m u ito im p r es s ion a d a com o p r ín cip e Damien. Não me lembro de ter visto nossa rainha travar amizade tão rapidamente com outro dignitário visitante antes. Dudley n ã o r es p on d eu d e im ed ia to. E r a for ça d o a ver p r eten d en tes d e vá r ios p a ís es cor teja n d o s u a Bess, m a s es s e p r ín cip e r om en o ter ia o m es m o s u ces s o d e s eu s a n teces s ores , s e p r eten d ia p r op or ca s a m en to à n otor ia m en te caprichosa rainha da Inglaterra. O coração dela é meu, pensou com ardor. Mes m o qu e Cecil or ga n iza s s e u m a p a r a d a d e b elos dignitários interessados em desposá-la, Bess nunca trairia seu coração... ou o dele. Damien finalmente se curvou para a rainha ao final da dança. — Você me superou esta noite — a soberana declarou ofegante, deixando-se leva r d e volta a o tr on o. — Com o a p r en d eu a d a n ça r n os s a s d a n ça s m a is modernas com tanta energia e habilidade? O príncipe coçou a barba como se considerasse a questão. — Ach o qu e m e em p en h ei m u ito. Ou vi d izer qu e a m elh or m a n eir a d e a tr a ir a a ten çã o d a s ob era n a in gles a é p ela d a n ça . — E le em itiu u m s u s p ir o d r a m á t ico. — E a gor a qu e r evelei m eu a r d il, s u s p eito d e qu e va i m e m a n d a r em b or a e m e proibir de voltar a pisar em sua bela pátria. — Tudo depende de seus motivos para tentar atrair minha atenção. — Pos s o in ven ta r u m m otivo ocu lto e d ia b ólico, s e a s s im o d es eja r . Ca s o contrário, terei de confessar que fui impelido por pura curiosidade. Elizabeth inclinou a cabeça para trás e riu. Seu charme e seu humor franco ca u s a va m es câ n d a lo n a cor t e in gles a , m a s er a evid en te qu e o p r ín cip e n ã o s e 3


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in com od a va . E la gos ta va d is s o. Fica r a en ca n ta d a com Damien d es d e o m om en to em qu e ele a cu m p r im en ta r a qu a tr o d ia s a tr á s . O p r ín cip e s e a p r es en ta r a com a ir r everen te ob s er va çã o d e qu e n ã o es ta va a li p a r a cor tejá -la ou im p r es s ion á -la, qu e ela n ã o d evia es p er a r n en h u m a p r op os ta d e ca s a m en to, p or qu e ele s a b ia qu e ela era boa demais para ele e estaria muito melhor sem sua inoportuna presença. Ha via s id o u m a for m a ú n ica d e qu eb r a r o gelo, qu e a tranquilizara em relação à s s u a s in ten ções , e d es d e en tã o eles es ta va m s em p r e ju n tos . Elizabeth via em Damien u m igu a l, ta lvez u m p os s ível con fid en te ca p a z d e en ten d er s u a posição única no mecanismo mundial. — Ca m in h e com igo, Damien — ela con vid ou , leva n ta n do-s e d o tr on o com a energia renovada. Conduziu-o a os r ecôn d itos d o gr a n d e p a lá cio d e Lon d r es . E s ta va m s en d o s egu id os , é cla r o, p ela s d a m a s d e com p a n h ia d a r a in h a , m a s os d ois s ob er a n os ignoraram a presença do grupo. — Gracejos à parte, Damien, qual é seu verdadeiro propósito aqui? — Nã o ten h o u m p r op ós ito. E s tou s im p les m en te via ja n d o e con h ecen d o o mundo. — E seu povo? Seu país? Não precisam de seu príncipe? — É cla r o qu e s im . Ma s m eu principado n ã o é com o o s eu r ein a d o. Min h a cultura... Bem, é muito diferente da sua. Minha ausência pode ser tolerada de vez em quando. — É um homem de muita sorte, então. Damien olh ou p a r a b a ixo, a va lia n d o-a d e s u a con s id er á vel es ta tu r a , e s or r iu d e leve. Nã o er a frequente qu e s e m is tu r a s s e a es s a cu ltu r a , m a s a lgu m a s vezes obtinha in for m a ções s ob r e os a con tecim en tos n o m u n d o e s e s en tia compelido a verificar por si mesmo. A jovem r a in h a d a In gla ter r a er a s in gu la r . S eu fu tu r o con tin h a u m a p r om es s a e u m p oten cia l qu e p od ia m s u p er a r a té m es m o s u a s p r óp r ia s expectativas. Seria uma pena deixar de obter uma visão mais próxima da mulher. E s ta va a li com a in ten çã o d e s e d iver tir , e a qu ele p equ en o n ich o d o m u n d o tin h a s u a s d elícia s in tr iga n tes . As s om b r ia s tr a m a s p olítica s d a cor te in gles a er a m s u ficien tes p a r a d es p er ta r s u a cu r ios id a d e. As s u tileza s er a m ta n ta s , qu e a p en a s tentar acompanhá-las se transformava em um exercício mental. — Bem, milady, r eceio ter d e p ed ir s u a licen ça — ele d is s e s or r in d o, os olhos negros cintilando com irresistível magnetismo. Elizabeth a p r ecia va s u a b eleza . E le er a a lto, m a is d o qu e a m a ior ia d os h om en s , tin h a u m a d en s a b a r b a n egr a , e u m a p ele p á lid a e acetinada qu e n ã o p r ecis a va d e p ó ou ou tr o tip o d e m a qu ia gem p a r a a d qu ir ir a qu a lid a d e tr a n s lú cid a qu e exigia a m od a . E le ta m b ém n ã o u s a va gor d u r a n a b a r b a ou n o b igod e, n em os d eixa va cr es cer exces s iva m en te p a r a r etor cer a s p on ta s , com o em voga. Em vez disso, ele os mantinha limpos, como os cabelos, que estavam presos n a a ltu r a d a n u ca p or u m a fita d e s ed a a zu l qu e com b in a va com o n egr o cintilante das mechas abundantes.

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Qu a lqu er qu e fos s e s u a p os içã o en tr e s eu p ovo, ele n ã o er a u m m on a r ca qu e r ep ou s a va ocios o em s eu tr on o. S eu cor p o tin h a a for ça e a a gilid a d e d e u m habilidoso guerreiro acostumado ao peso da espada. A potência dos braços não se d es en volvia n a tu r a lm en te, e a la r gu r a d os om b r os p a r ecia p od er s u s ten ta r o p es o d o m u n d o. As p er n a s er a m lon ga s , musculosas, e n ã o h a via u m gr a m a d e gor d u r a extr a em s u a cin tu r a . O con ju n to er a s u ficien te p a r a fa zer a té u m a r a in h a u m ed ecer os lá b ios em a n tecip a çã o. Felizm en te, o h om em a o s eu la d o n ã o podia ler pensamentos. — E u o proíbo d e p a r tir — ela d is s e, d etes ta n d o a ideia d e s ep a r a r -s e d o ú n ico h om em n a In gla ter r a qu e n ã o es p er a va d ela m a is d o qu e o p r a zer d e s u a companhia. Era um luxo, sabia, mas, como rainha, tinha direito a alguns deles. Infelizmente, não era a rainha dele. — Nor m a lm en te, m in h a d oce d a m a , eu m es m o m e p r oib ir ia d e p a r tir . Por ém , es ta n oite, s ou for ça d o a p r iva r -m e d a com p a n h ia d e S u a Ma jes ta d e p a r a cuidar de assuntos de Estado. Minhas humildes desculpas. — Não, Damien, n ã o é n eces s á r io s e d es cu lp a r . Nós , s ob er a n os , s om os s em p r e m a is es cr a vos d e n os s o p ovo d o qu e s om os líd er es . Pod e ir , d es d e qu e p r om eta volta r a m a n h ã à n oite. Tem os u m a a p r es en ta çã o m a r ca d a p a r a n os s o entretenimento, e sei que vai se encantar. — Sem dúvida. Seu gosto é impecável. Damien levou a os lá b ios a m ã o a d or n a d a p or a n éis e b eijou a p ele p á lid a e s en s ível d a p a r te in ter n a d o p u ls o. E le a com p a n h ou o ges to com u m a p is ca d a ou s a d a . Dep ois , a fa s tou -se com u m s or r is o, cu r va n d o-s e s u tilm en te a o p a s s a r pelas sorridentes e agitadas damas da rainha. — Damien — Da wn cu m p r im en tou -o n o m om en to em qu e ele en tr ou n o castelo que usavam como gabinete na periferia de Londres. Don os d e s en tid os a gu ça d os , os va m p ir os d etes ta va m viver n a s cid a d es . As r u a s ch eir a va m m a l, os h u m a n os tin h a m h á b itos r ep u gn a n tes , o r io er a u m es goto a céu a b er to, e n em m es m o ga lões d e p er fu m e fr a n cês p od ia m en cob r ir a fa lta d e a p r eço d os h u m a n os p elo h á b ito d e b a n h a r -s e. E les a cr ed ita va m qu e o contato constante com a água os faria adoecer, quando o contrário correspondia à realidade. — Meu b em — ele r etr ib u iu o cu m p r im en to com u m grunhido de a p r ecia çã o, r in d o a o ver qu e ela s e a p r oxim a va com a s p r es a s p r on ta s p a r a mordê-lo. — Tenho coisas a fazer antes de lidar com seus apetites. A r u iva in s olen te s or r iu , r evela n d o qu e n ã o fica r ia a fa s ta d a p or m u ito tem p o. E , s e tives s e d e a ten d er à s d em a n d a s d o cor p o com u r gên cia , ela n ã o h es ita r ia em p r ocu r a r ou tr o volu n tá r io. Com exceçã o d o d es ejo m ú tu o, n ã o h a via entre eles nenhum compromisso. Damien removeu as luvas e desarmou-se da espada que levava na cintura e d a a d a ga qu e es con d ia n a b ot a . E n tr egou a s a r m a s a Racine, qu e es ta va p r on ta , com o s em p r e. Dep ois , p u xou u m d e s eu s lon gos ca ch os ca s ta n h os d e m a n eir a afetuosa antes de deixá-la levar suas coisas. 5


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Atr a ves s ou o s a gu ã o e u m a s a la com u m n a d ir eçã o d o s a lã o p r in cip a l. Lá , ocu p a n d o ca d eir a s , divãs e s ofá s , for m a n d o u m cír cu lo acolhedor qu e ocu p a va tod a a cir cu n fer ên cia d a s a la , es ta va m os m em b r os d e s u a cor te qu e o h a via m s egu id o p a r a a In gla ter r a . Simone a cen d er a a la r eir a , com p leta m en te d ep en d en te daquele conforto. Ela repousava em uma poltrona bem na frente do fogo. — Damien — ela o chamou com aquele tom petulante que prenunciava uma queixa. — É sempre tão tedioso aqui? Quando nos mudaremos? — Acabamos de chegar, meu bem — ele lembrou. — Bem , é a b or r ecid o. E s s a s p es s oa s s ã o m u ito... fed id a s . E ter r ivelm en te sem graça. Não podemos voltar a Bizâncio? — Você s em p r e qu er volta r a Bizâncio — Lind com en tou em tom s eco, erguendo a cabeça loura dos seios fartos de Jéssica, onde cochilava. Damien ign or ou a s qu eixa s e olh ou em volta , es tu d a n d o os d ez a d u ltos qu e s e con s id er a va m s eu s a m igos m a is p r óxim os . Tr oca r a cor te d e Elizabeth Tudor p or a qu ela s a la on d e tod os s e ves tia m com o s e n em p en s a s s em m u ito n o a s s u n to exigia sempre alguma adaptação. Difer en tes d os h u m a n os d a qu ela d éca d a , qu e s e ves tia m com in ú m er a s ca m a d a s d e saiotes e cor p etes e ou tr a s p eça s d es n eces s á r ia s , os va m p ir os n o cír cu lo ves tia m o m ín im o p os s ível. Algu m a s m u lh er es u s a va m ca lça , ou tr a s preferiam kilts m a s cu lin os . Tu d o er a u m a qu es tã o d e gos to. E m b or a s u a es p écie n or m a lm en te s e or igin a s s e em s u a ter r a n a ta l r om en a , ca d a u m d eles h a via n a s cid o em u m s écu lo d ifer en te, e Damien a cu m u la va a m iza d es com o ou t r os colecion a va m u m a va r ied a d e d e s a fr a s d e vin h o. O m od o d e ves tir d eles cos tu m a va r efletir a ép oca e a cu ltu r a em qu e h a via m n a s cid o, ou u m a combinação simbólica daquilo que os deixava mais confortáveis. Damien n ã o s e im p or ta va com a a p a r ên cia d os a m igos . Nã o s e im p or ta va n em com o qu e fa zia m , d es d e qu e n ã o fos s e con tr a a s leis e n ã o os exp u s es s e a r is cos . O qu e o es p a n ta va er a o ch oqu e d e cu ltu r a qu e s ofr ia s em p r e qu e p a s s a va do reino humano ao mundo dos vampiros. Olh ou p a r a a ú n ica p es s oa qu e n ã o es ta va d eita d a , a b a n d on a d a a o téd io. Jasmine permanecia em p é, a ten ta , olh a n d o p ela ja n ela , a s p er n a s a fa s ta d a s e levem en te flexion a d a s , os p és ca lça d os p or b ota s . Ap r oxim ou -s e, s a lta n d o a lgu n s pares de pernas no caminho. — Milorde — J a s m in e cu m p r im en tou -o, e tor ceu o n a r iz a o s en tir s eu cheiro. — Precisa de um banho. — Por que perder tempo antes da caçada dessa noite? — Faz sentido. — O que temos hoje à noite, Jasmine? — Além d e p r egu iça , luxúria e u m a va r ied a d e d e ou tr os p eca d os m or ta is ? — ela perguntou, inclinando a cabeça em direção aos ocupantes do aposento. — Mes m o com r ela çã o a tu d o is s o, es tá olh a n d o p a r a o la d o er r a d o — ele p r ovocou , s a b en d o qu e J a s m in e n ã o d em on s tr a va o téd io com o os d e s u a gen te. E la er a u m a pensadora. S em p r e con tem p la va a s p ectos m a is p r ofu n d os qu e 6


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gr a tifica çã o im ed ia ta . Com o s eu ir m ã o Hor a tio, p or qu em for a cr ia d a . E le h a via r ecu s a d o o con vite p a r a a com p a n h á -los à In gla ter r a . Na ver d a d e, Damien se surpreendera quando Jasmine aceitara no lugar dele. — Estou olhando para o futuro, Damien — ela disse com tom suave, o olhar p er d id o n a d is tâ n cia a lém d a ja n ela . — E d e r ep en te m e ocor r e qu e s ei p or qu e alguns de nós dormem décadas seguidas. — Por qu ê? — ele in d a gou , em b or a h ou ves s e en con tr a d o es s a m es m a resposta havia quatrocentos anos, mais ou menos. — Pa r a n ã o en lou qu ecer , s eja d e téd io, ou p elo ca os d e tod a s a s es p écies s e m is tu r a n d o n es s e p la n eta . Pen s a r n is s o m e fa z s en tir exa u s ta e com von ta d e d e dormir. — Você s ó tem cinquenta e qu a tr o a n os . Um a cr ia n ça . J ovem d em a is p a r a p en s a r n a a vid ez p or en tr eten im en to em s u a velh ice, e a in d a m a is jovem p a r a s e preocupar com o destino de tantas espécies espremidas no nosso planeta. — E le a b eijou n o r os to com a feto. Com o tod os os va m p ir os , ela n ã o h a via en velh ecid o a p ós a tin gir s u a m a tu r id a d e s exu a l a os vin te a n os . — Por ém , s e is s o a fa z s e s en tir m a is s a tis feita , p os s o p r om eter m u ita d iver s ã o, ca s o u m d ia s e sinta entediada. S ó p r ecis a p ed ir m in h a a ju d a . — S or r in d o, vir ou -s e p a r a olh a r a sala. Pigarreou, a tr a in d o a a ten çã o d e tod os . Algu n s a té s e s en ta r a m , r evela n d o expectativa. — Meu tem p o n a cor te tem s id o m u ito p r od u tivo. Há u m leva n te r eligios o na França. Protestantes, católicos, e aquele absurdo habitual. — Oh! Estão enviando homens jovens? — Jéssica perguntou animada. — É um exército ou só um bando de rebeldes? — Sim, você precisa quantificar, Damien — Lind insistiu. — Diga m os a p en a s qu e o ta l leva n t e é s u ficien te p a r a en cob r ir n os s a ch ega d a e n os s a ca ça d a p or a lgu m tem p o — d is s e, r in d o. — Pa r tir em os em u m a semana. Na n oite s egu in te, Damien ch egou a o p a lá cio e d es cob r iu qu e Elizabeth estava enferma e que, por isso, não presidiria a corte. Ficou preocupado. Londres, m es m o n o in ver n o, er a s olo fér til p a r a ter r íveis p r a ga s e ou tr a s en fer m id a d es traiçoeiras. Elizabeth Tu d or n ã o lh e d a va a im p r es s ã o d e s er p r op en s a a d oen ça s ou in clin a d a a b u s ca r a ca m a a o m en or s in a l d e fr a qu eza . E la er a u m a m u lh er teimosa e entusiasmada; por isso mesmo, ele a apreciava tanto. Decid iu en con tr a r ou tr o ca m in h o p a r a a s a com od a ções d a r a in h a d ep ois d e ter s id o a legr em en te d is p en s a d o p or Rob er t Du d ley. Pod er ia ter in flu en cia d o o homem com facilidade para entrar, mas estava entediado com as ideias de Dudley sobre o que constituía um jogo de poder. Dirigiu-s e, con fia n te, à a la on d e fica va m os a p os en tos p es s oa is d e Elizabeth, aproximando-s e o s u ficien te p a r a ou vir a s con ver s a s p r eocu p a d a s e tod a s a s in for m a ções p os s íveis , con s tr u in d o u m p a n or a m a d a s itu a çã o. As s im qu e tives s e cer teza d e qu e a d oen ça d a m on a r ca n ã o er a im p or ta n te e d e qu e logo 7


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ela es ta r ia b em , r eu n ir ia s u a com itiva e p a r tir ia p a r a os ca m p os d e b a ta lh a n a França, onde novos entretenimentos os aguardavam. Por ém , p r ecis ou a p en a s d e u m m om en to p a r a com p r een d er qu e Elizabeth não ficaria bem. Na verdade, ela provavelmente morreria antes do final da noite. A rainha contraíra a fatal varíola. Que amolação, Damien pensou, zangado. Afastou-s e d a p a r ed e em qu e estivera a p oia d o e a tr a ves s ou o s a lã o. Nã o foi d etid o, p ois n in gu ém tin h a con s ciên cia d e s u a p r es en ça . E n tr ou n o qu a r to d e Elizabeth e ca m in h ou a té a ca m a d ela , a fa s ta n d o a s cor tin a s . Ao vê-la , fr a n ziu a tes ta em fu r ios o d es gos to. E la p a r ecia fr a ca e p á lid a , qu a s e com o s e n ã o fos s e a mesma pessoa que rira, dançara e flertara com ele na noite anterior. Ha via d u a s m u lh eres s en ta d a s m u ito p er to d a ca m a . Damien s egu r ou ca d a u m a p elo qu eixo p or u m b r eve m om en to, fita n d o-a s n os olh os a t é m a n ip u la r suficientemente seus pensamentos e percepções. Depois, olhou para Bess, apoiou u m joelh o n a ca m a e a s u s ten tou con tr a o p eito. S u a ca b eça p en d ia com o a d e uma boneca de pano enquanto ele afagava os cabelos ruivos. Damien er gu eu o qu eixo, s u a s p r es a s s u r gin d o cin tila n tes e en con tr a n d o o caminho para o pescoço da jovem rainha da Inglaterra. O p r ín cip e va m p ir o s en tiu o s a n gu e, superaquecido p ela feb r e, flu in d o p a r a d en tr o d e s u a b oca . Com o n ã o tin h a ca ça d o a n tes , s en tiu a qu ele s ú b ito p r a zer p r ovoca d o p ela saciedade d e s u a fom e, qu e s em p r e a com p a n h a va a p r im eir a infusão do sangue de uma vítima. Ap es a r d a en fer m id a d e e d a feb r e, Elizabeth r ea giu à in va s ã o. E la gem eu b a ixo, b u s ca n d o à s cega s toca r o b r a ço qu e a a m p a r a va . Damien n ã o p od ia ignorar a carícia dos dedos e os movimentos do corpo em seus braços. O estímulo a u m en ta va o p r a zer d a a lim en ta çã o d a m es m a for m a qu e o a to d a n u tr içã o s em p r e d es p er ta va a s en s u a lid a d e in s tin tiva d a vítim a . A ú n ica cois a qu e ter ia ca u s a d o m a is s a tis fa çã o er a m ed o, r a iva ou o qu e qu er qu e p rovoca s s e u m a descarga de adrenalina humana imediatamente antes da perfuração da pele. Esse era o tempero perfeito. E la já es t a va fr a ca e, p or ta n to, ele n ã o s or veu tu d o qu e gos ta r ia . Nem p er to d is s o. Ma s m a n teve a b oca s ob r e a fer id a qu e a b r ir a . A ca r ótid a p u ls a va freneticamente con tr a s u a lín gu a , e n ela ele ca u s ou a s egu n d a p er fu r a çã o, in jeta n d o n o or ga n is m o d e Elizabeth os a gen tes coagulantes qu e fica va m es toca d os em s u a s p r es a s , com o o ven en o qu e é inoculado p or u m a s er p ente. Mas, ao contrário do veneno, essa inoculação não causaria mal a ela. Pelo con tr á r io. E m a lgu m lu ga r , m is tu r a d o à qu ím ica dos coagulantes que continham o sangramento, estava o anticorpo de que ela precisava para combater o invasor que ameaçava sua vida. Pou cos va m p ir os er a m velh os ou for tes o b a s ta n te p a r a en fren ta r u m a infecção d a m a gn itu d e e d a com p lexid a d e d a va r íola . Por ém , a qu eles qu e, com o Damien, er a m s u ficien tem en te p od er os os , tin h a m a ca p a cid a d e d e loca liza r e id en tifica r o p a tógen o, extr a í-lo d a s célu la s d oen tes e for çá -la s a p r od u zir o a n ticor p o n eces s á r io. Nã o er a fá cil, e va m p ir os d es p r ep a r a d os p a r a a ta r efa 8


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p od ia m s e en ven en a r com a d oen ça . Felizm en te, tod os p od ia m s en tir es s a s anomalias em suas vítimas antes do ataque. A r ecom p en s a p a ra o r is co d e con ver ter a d oen ça em cu r a er a u m a lem b r a n ça p a tológica d o a n ticor p o, qu e s e u n ia a cen ten a s d e ou tr a s m em ór ia s e er a a d icion a d a a o coagulante in jeta d o n a vítim a a o fin a l d a a lim en ta çã o. Damien h a via m or d id o u m a p es s oa in fecta d a p ela va r íola a n tes , e is s o h a via p er m itid o qu e s eu cor p o cr ia s s e o a n ticor p o d o qu a l Elizabeth a gor a p od er ia d es fr u ta r . Nã o s e a lim en ta va d ela p or s en tir fom e. A saciedade er a s ó u m p equ en o b ôn u s . Alimentava-se dela para curá-la. Afastou-s e d a r a in h a , d eita n d o-a gen tilm en te s ob r e vá r ios tr a ves s eir os d e plumas. S u a m or d id a n ã o er a u m a cu r a m ila gr os a . E r a a p en a s u m a ta lh o qu e d a r ia a o s is tem a imunológico d a vítim a u m a gr a n d e va n ta gem . Elizabeth er a for te e lutadora. A combinação a ajudaria na recuperação. Só levaria algum tempo. E le ir ia à Fr a n ça , s e banquetearia com s eu s com p a n h eir os n os ca m p os d e batalha, e retornaria depois, esperando encontrá-la viva, bem e feliz por revê-lo.

CAPÍTULO I

San Jose, Ca lifórn ia , te m p o a tu a l

D amien s e vir ou a o s en tir a lgu ém m u ito p er to. O m ovim en to r ep en tin o fez a tr a n ça n a a ltu r a d e s u a n u ca es ta la r com o u m ch icote con tr a a la ter a l d o pescoço. A es cu r id ã o er a com p leta . A a u s ên cia d a lu a cr ia va a im p r es s ã o d e qu e u m pesado manto negro cobria a paisagem. As lâmpadas das ruas, espaçadas demais u m a s d a s ou tr a s n o s u b ú r b io d a Ca lifór n ia , n ã o er a m s u ficien tes p a r a p en etr a r a escuridão. Mas Damien não se importava com aquilo. Pelo contrário. Era seu ambiente n a tu r a l, p ois ele p os s u ía s en tid os a gu ça d os qu e fu n cion a va m m elh or à n oite. Mesmo assim, alguma coisa o incomodava. Nã o er a u m s er h u m a n o qu e s e a p r oxim a va , con fia n te. Hu m a n os n or m a is n ã o p od ia m ch ega r tã o p er to s em qu e ele os n ota s s e. Ten tou a d ivin h a r qu em , ou o que, o seguia. Pr im eir o, tin h a d e d eter m in a r s e a p er s egu içã o er a p r op os ita l ou a cid en ta l. Meneou a ca b eça . Tu d o qu e d es eja va a qu ela n oite er a p a r ticip a r d e u m a b oa 9


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ca ça d a e d ep ois volta r p a r a ca s a tranquilidade, não podia ter inimigos.

em

p a z.

Ma s ,

pa ra

d es fr u ta r

d es s a

In felizm en te, va m p ir os tin h a m m u itos in im igos . E o p r ín cip e n or m almente tin h a d ez vezes m a is qu e o n ú m er o com u m à m a ior ia d eles . Sem m en cion a r a p olítica exter n a , os h u m a n os in tr om etid os e ou tr a s r a ça s d e Nightwalkers, os va m p ir os tin h a m a ir r ita n te ten d ên cia d e d is p u ta r a lid er a n ça u n s com os ou tr os . A m a ior ia s a b ia qu e n ã o d evia d es a fiá -lo, m a s s em p r e h a via u m ou ou tr o qu e s u p er es tim a va a p r óp r ia ca p a cid a d e e ten ta va d ep or o va m p ir o r ea l d e s eu tr on o. Vivia m em u m a s ocied a d e n a qu a l a s ob r evivên cia d os m a is for t es es ta va n o cen tr o d e m u ita s m otiva ções . No ca s o d o tr on o, ela d eter m in a va qu em lid era r ia a espécie. Damien s e tor n a r a p r ín cip e h a via s écu los d er r ota n d o o m on a r ca a n ter ior . Ma s s eu a n teces s or er a u m ca n a lh a e h a via m er ecid o a decapitação ritual, pensou, esperando que seu perseguidor o alcançasse. J á s a b ia qu e o p er s egu id or n ã o er a u m va m p ir o. Pa r a is s o, s ó tiver a d e a ju s ta r a s p equ en a s m em b r a n a s ocu lta s n a a n a tom ia d e s eu s olh os . E s s a m em b r a n a d a va a ele a ca p a cid a d e d e vis u a liza r u m a a u r a b r ilh a n te qu e va r ia va com a quantidade de calor que um corpo desprendia. Va m p ir os n ã o tin h a m u m a cir cu la çã o n a t u r a l, m a s r etin h a m o ca lor d o cor p o d a s vítim a s en tr e u m a a lim en ta çã o e ou tr a , e p od ia m m a n ter s u a tem p er a tu r a , d es d e qu e s e a lim en ta s s em a ca d a vin te e qu a tr o h or a s . Por ém , a fa lh a n es s e s is tem a er a qu e a s extr em id a d es , com o d ed os d a s m ã os e d os p és , p er d ia m es s e ca lor a r tificia l m a is d ep r es s a . Sen d o a s s im , em s u a p er cep çã o vis u a l, u m va m p ir o qu e a in d a n ã o tives s e s e a lim en ta d o ter ia o efeito d e u m a lvo d es en h a d o. Peito e cor a çã o s er ia m o cen tr o b r ilh a n te, p or con cen tr a r em m a is ca lor , m a s es s e cír cu lo es ta r ia cer ca d o p or ou tr os n u m a p r ogr es s ã o d e cor es , ver m elh o, la r a n ja e r os a , a té p és e m ã os s e tor n a r em p r a tica m en te im p er cep tíveis à visão de calor, misturando-se à temperatura do ambiente. Um vampiro que já tivesse caçado seria de um vermelho uniforme, diferente d e u m h u m a n o, qu e for m a va u m a s ér ie em con s ta n te tr a n s for m a çã o com p os t a p or b r a n co e d ifer en tes ton s d e ver m elh o. Os n íveis d e ca lor h u m a n o es ta va m sempre se alterando com o movimento, o esforço, a doença ou a excitação, e havia u m p er íod o p er cep tível d e tem p o a n tes d e o cor p o com p en s a r es s a s m u d a n ça s , nivelando-as de alguma forma. Porém, os que tinham olhar mais aguçado e maior con h ecim en to p od ia m d eterm in a r com fa cilid a d e a d ifer en ça en tr e u m va m p ir o aquecido e um mortal, especialmente após um ou dois séculos de prática. Quem o seguia não era humano ou vampiro. Mas era um Nightwalker capaz d e d a r a o cor p o a tem p er a tu r a d es eja d a , ou , m a is es p ecifica m en te, u m d em ôn io. A r a ça er a fa m os a p or s u a tem p er a tu r a cor p or a l vá r ios gr a u s m a is b a ixa qu e tod a s a s es p écies exis ten tes n o p la n eta . O cor p o qu e s e p r otegia n a s s om b r a s atrás dele tinha temperatura bastante baixa. As es p écies d os Nigh twa lk er s er a m a qu ela s qu e vivia m a p en a s n a n oite, ocu lta s d e u m a va r ia çã o a m p la d e efeitos n ega t ivos ca u s a d os p elo s ol. Den tr e es s a s es p écies , os d em ôn ios er a m a s egu n d a m en os p r ová vel a ca u s a r s ofr im en to ou r ep res en ta r p er igo p a r a o p r ín cip e va m p ir o. Dem ôn ios er a m r econ h ecid a m en te m or a is e r es er va d os , foca n d o-s e n eles m es m os e n a p r óp r ia p olítica d e con s ta n te 10


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controle da raça, e não saíam de seus domínios para causar problemas em outros locais. Normalmente. Problemas ocorridos recentemente tornavam tudo possível. Podia ser um habitante das sombras. Os seres pequeninos e ardilosos eram os m es tr es d a ca m u fla gem . E qu iva len tes a o ca m a leã o, eles ca u s a va m s em p r e gr a n d e a b or r ecim en to. Tin h a m p ou ca ou n en h u m a es tr u tu r a p olítica , perambulando em clã s ou a gr em ia ções r eligios a s , frequentemente ca u s a n d o m a is p er tu r b a çã o e p r ob lem a s d o qu e d ever ia m . E r a m com o cr ia n ça s r eb eld es im p or tu n a n d o os Nigh twa lk er s , b riga n d o en tr e s i, e u s a n d o os m or ta is com o brinquedos por pura diversão. Damien com p r een d ia o en ca n to exis ten te n is s o. Ta m b ém s e en volver a com mortais em sua juventude. Bem, talvez juventude fosse força de expressão. Honestamente, ainda era capaz de brincar com as raças que o cercavam, se fosse adequado à sua disposição. Ele riu. Gideon, um velho demônio e amigo, já o a cu s a r a d e s er u m in tr om etid o cós m ico, e n ã o p od ia d izer qu e a a cu s a çã o er a inteiramente mentirosa. An tes d e s e con ven cer d e qu e o d em ôn io em qu es tã o ta m b ém er a u m amigo, precisava reverter as posições na perseguição e surpreendê-lo. In es p er a d a m en te, a s om b r a d eixou o es con d er ijo e ca m in h ou em s u a d ir eçã o. Ab or d a gem d ir eta . Is s o s ign ifica va a p en a s d u a s cois a s : in cr ível es tu p id ez ou a d m ir á vel a u s ên cia d e m ed o. Ad a p t a n d o a vis ã o p a r a es tu d a r o r os to d a qu ele que se aproximava, percebeu que a resposta, nesse caso, era a coragem. — Noah! — excla m ou , d eixa n d o a s s om b r a s p a r a ir a o en con tr o d o r ei d os demônios. Noah sorriu e apertou a mão estendida. — O qu e o tr a z a qu i, tã o lon ge d e ca s a ? — Damien p er gu n tou . Noa h vivia n a In gla ter r a , m u it o lon ge d a Ca lifór n ia , on d e ele a tu a lm en te es ta b elecer a s eu território. — Vim tr a ta r d e n egócios . E p eço d es cu lp a s p or ter ch ega d o b em n a h or a do jantar — ele brincou. Damien fez u m ges to in d ica n d o qu e n ã o tin h a im p or tâ n cia , e o gr a n d e r u b i no anel em seu dedo médio brilhou. — Tudo bem. Eu ainda nem havia escolhido a presa. — Eu percebi — confessou Noah. O r ei er a u m d em ôn io d o Fogo. Tod os os d em ôn ios tin h a m u m p od er d ecor ren te d a a fin id a d e com u m d eter m in a d o elem en to d o m u n d o n a tu r a l qu e os cercava e compunha. O fogo era o mais volátil e impressionante desses elementos. Com o ta l, Noa h p od ia s en tir p a d r ões en er géticos e, a p ós s eis s écu los d e vid a , tin h a p r á tica s u ficien te p a r a s a b er s e ele já p os s u ía u m a lvo p a r a o ja n ta r daquela noite.

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Noa h con qu is ta r a s eu tr on o, com o Damien, m a s for a es colh id o p or eleiçã o p or s u a for ça in qu es tion á vel e s u a evid en te ca p a cid a d e d e lid er a n ça . O r ei a n ter ior tiver a d e m or r er p a r a qu e a s u ces s ã o p u d es s e a con tecer . E ele h a via m or r id o d e ca u s a s n a tu r a is , p or qu e os d em ôn ios r ep r ova va m lu ta ou m or te en tr e eles mesmos embora, sendo basicamente imortais, raramente ocorria um episódio de morte natural em qualquer uma das raças da noite. Nor m a lm en te, o fim er a d ecorr en te d e a s s a s s in a t o. Nes s e ca s o, p or ém , u m d em ôn io n ã o s er ia eleito r ei d ep ois d e ter a s s a s s in a d o o a n teces s or . Os d em ôn ios consideravam grave afronta matar um monarca. Noa h ja m a is p od er ia s er d es titu íd o d e s eu p os to. O Gr a n d e Con s elh o o eleger a , m a s n ã o p od ia d ep ô-lo. A m or te s er ia a ú n ica m a n eir a d e s u b s titu í-lo. E m tem p os m en os civiliza d os , s e o Con s elh o d ecid is s e ter com etid o u m en ga n o, haveria uma trama de assassinato para promover a substituição do rei. Por ou tr o la d o, n en h u m a r a ça d e Nightwalkers er a in teir a m en te civiliza d a . Damien acreditava que isso jamais ocorreria. — Que tipo de negócios? — Damien convidou o soberano a caminhar ao seu lado. — A biblioteca. — Ah, sim. Não esqueci. O que você quer? — Pa r a s er b em ob jetivo, es tu d ios os d a s u a s ocied a d e. Nã o tem os a in ten çã o d e m a n ter ocu ltos os m is tér ios con tid os n es s a Bib lioteca Nightwalker. Trata-s e d e u m a coleçã o u n iver s a l d e m u ita s h is tór ia s d a s r a ça s d a n oite. Nã o volta m os a o loca l d es d e qu e ele foi d es cob er to n a s ca ver n a s d o ter r itór io licantropo. O povo de Siena também não voltou lá. — Noah sorriu ao mencionar o n om e d a r a in h a lica n tr op o qu e s e ca s a r a r ecen tem en te com o com a n d a n te d o exér cito d os d em ôn ios . E lija h , o ca p itã o gu er r eir o, er a es tim a d o p elo gover n a n te. — Nós ... Qu er o d izer , S ien a e eu d ecid im os qu e s er ia ju s to con vid a r m os os va m p ir os p a r a in tegr a r es s e gr u p o d e es tu d ios os qu e va i com eça r a p es qu is a r a im p or tâ n cia d a qu ele lu ga r . Com o n en h u m d e n ós ja m a is es teve lá a n tes e tod o o m a ter ia l foi com p ila d o d a s lin gu a gen s d a s r a ça s Nigh twa lk er , é ju s to qu e ca d a u m a d es s a s r a ça s t en h a u m a ch a n ce d e con h ecer o con teú d o d a qu ele m a ter ia l. Chances iguais para todos. — É m u it o ju s to, r ea lm en te, m a s n ã o p r ecis o lh e d izer qu e m eu p ovo n ã o é d o tip o er u d ito. Com exceçã o d a n os s a es tr u tu r a p olítica e d a m in h a cor te m u ito com p a cta , s om os u m a n a çã o d e tr ib os . Fu n cion a m os em gr u p os p equ en os e in d ep en d en tes , n os p r eocu p a m os b a s ica m en te com a a lim en ta çã o, evita n d o os ca ça d or es h u m a n os e b u s ca n d o s en s u a lid a d e. Se n ã o p od em os con s u m ir , m a t a r ou celebrar com um determinado objeto, ele não nos interessa. Noah r iu . As p a la vr a s d e Damien d es cr evia m d e m a n eir a r es u m id a basicamente todas as raças de Nightwalkers. Mas o rei dos demônios sabia que os va m p ir os er a m a r ep r es en ta çã o m a is p u r a d es s e es ter eótip o. O téd io d os va m p ir os er a a lgo a s s u s ta d or . Qu a n d o n ã o es ta va entretido ou d is tr a íd o, u m va m p ir o p od ia ca u s a r gr a n d e com oçã o. Ma s Damien tin h a s u a m a n eir a b em p ecu lia r d e p olicia r a es p écie. Atu a lm en te, s eu s s ú d itos n ã o es ca p a va m a o controle como no passado. O príncipe havia amadurecido. 12


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— S e eu m a n d a r a lgu m in ter es s a d o — ele p r os s egu iu —, es s e in d ivíd u o cer ta m en te ter á m otivos es cu s os . Ta lvez qu eir a es tu d a r es s a es tr a n h a b ib liot eca p a r a con s egu ir p od er . Nã o h á n a d a qu e u m va m p ir o a p r ecie m a is d o qu e p od er . S e m a n d a r a lgu ém qu e n ã o ten h a in ter es s e, cer ta m en te s ó va i a tr a p a lh a r . Pr efir o ob ter tod a s a s in for m a ções p er tin en tes p or você m es m o, Noa h . Os es tu d ios os demônios e licantropos são os melhores para esse tipo de tarefa. — E u s a b ia qu e es s a s er ia s u a d ecis ã o, m a s a ch ei m elh or vir p er gu n ta r . E fico surpreso por não demonstrar nenhum interesse pessoal. — Pelo con tr á r io, es tou a r d en d o d e cu r ios id a d e. Um a b ib lioteca com livr os em va r ia d os id iom a s d e m u ita s r a ça s d e Nigh twa lk er s tem im p lica ções in tr iga n tes . A qu e con s id er o m a is in tr iga n te é com o con s egu im os p er m a n ecer n o m es m o a p os en to p elo tem p o n eces s á r io p a r a p en s a r m os em con s tr u ir es s e lu ga r , e a in d a en ch er m os tod a s a qu ela s p r a teleir a s . Tu d o is s o s u ger e h is tór ia s tã o antigas que nem nós, os mais velhos, conhecemos. É uma situação que flerta com a ideia d e qu e n ós , os Nigh twa lk er s , p od em os ter or igen s com u n s d a s qu a is n em s u s p eita m os . E ta m b ém a b r e a p os s ib ilid a d e d e con tr a r ia r os elitis ta s p u r is t a s existentes em todas as raças, arrogantes preconceituosos que somos. Resumindo, isso vai causar problemas. — E eu sei o quanto você gosta de problemas. — Ad m ito qu e tem r a zã o. — Damien riu. — Ten h a cer teza d e qu e ir ei d a r u m a es p ia d a n o s eu tr a b a lh o d e vez em qu a n d o. Além d is s o, Hor a tio s er á instruído a comparecer às reuniões e informar-se de todas as descobertas. Ele me manterá informado. — Hor a tio? Des d e qu a n d o d ip lom a ta s s ã o b on s es tu d ios os ? A h is tór ia e os dados registrados são factuais demais para eles! Para Horatio, tudo seria material de propaganda. — Ain d a a s s im , ele já in tegr a s u a cor te. Is s o fa cilita a in ter a çã o. E ta m b ém há Kelsey. E la es tá n a cor te d e Siena n o m om en to. Com a a ju d a d os d ois e m in h a s vis ita s oca s ion a is , s ei qu e ter ei u m a b oa ideia do p r ogr es s o d a s pesquisas. — Muito bem, mas não deixe de me avisar se mudar de ideia. — Eu raramente mudo de ideia. — E u s ei. — Noa h p a r ou e es ten d eu a m ã o. — Ob r iga d o p or ter m e ou vid o, Damien. Espero que compareça à cerimônia de nomeação. — Quando sua irmã terá a criança? — E m u m ou d ois m es es . Nor m a lm en te, u m a fêm ea d e d em ôn io tem ges ta çã o d e tr eze m es es com p letos , m a s Gideon s en te qu e a cr ia n ça es tá a n s ios a p a r a n a s cer . Com o Ma gd a legn a ta m b ém es tá a n s ios a p elo fim d a gr a vid ez, n ã o tenho dúvida de que terei mais um sobrinho em breve. — Tr a n s m ita a ela m in h a s felicita ções . Hor a tio m e in for m a r á s ob r e o nascimento. Noah assentiu, a cen ou , e d es a p a r eceu n u m a es p ir a l d e fu m a ça qu e p er m a n eceu p or a lgu n s in s ta n tes on d e a n tes estivera o h om em a lto e d e om b ros largos, antes de subir ao céu e se perder na noite. 13


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Sozinho, Damien voltou a pensar no jantar.

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S yr een a ch egou a o ch ã o com u m gr u n h id o a lto, fa zen d o s u b ir u m a n u vem d e p oeir a qu e p en etr ou em s eu s p u lm ões . E la tos s iu , cu s p iu o s a n gu e d a b oca e se contorceu para olhar para a pessoa que a atingira. Devia dizer as pessoas. Eram Os Três. E ela os havia enfurecido. — Levante-se, criança — ordenou a figura central coberta por seu manto. E la ob ed eceu a o com a n d o. E m p é, jogou p a r a tr á s os lon gos ca b elos , misturando m om en ta n ea m en te a s m ech a s d e d u a s cor es , ca s ta n h o-cla r o e cin za m etá lico, a n tes d e ela s s e d ivid ir em em d u a s ca m a d a s u n ifor m es , u m a cor p a r a cada hemisfério da cabeça. Os olhos dela estavam iluminados pela fúria. Também tin h a m d u a s cor es , ca s ta n h o e cin zen to, con tr a s ta n d o com a cor d o ca b elo p or es ta r em em la d os op os tos . O efeito a r lequ im er a s in is tr o, m a s , a o m es m o tem p o, curioso. — Nã o s ou u m a cr ia n ça — ela d ecla r ou ir r ita d a , con ten d o o m ed o qu e Os Três causavam nela desde a infância. — Não vou me desculpar por meus atos. — Sua insubordinação é inaceitável, Syreena. Não condiz com a criação que recebeu. — E u s ei com o fu i cr ia d a — ela d is p a r ou , cu s p in d o m a is u m a vez a n tes d e lim p a r a b oca com o d or s o d a m ã o. — Há qu in ze a n os m e lib er tei d o Pr id e, S ila s . Se n ã o s e lem b r a , vocês m e r ejeita r a m . Mandaram-me p a r a a cor te d os licantropos para que eu pudesse servir a minha irmã. — Você n ã o foi r ejeita d a . Foi en via d a em u m a m is s ã o. Os m on ges d o Pr id e es tã o s em p r e s er vin d o d u p la m en te. O tem p o tod o. Por qu e h a ver ia d e s er diferente com você? É monja e é conselheira da rainha. — E s ou u m a p r in ces a . S ou m em b r o d a fa m ília r ea l. Min h a ir m ã exa lta s u a s a b ed or ia e r econ h ece o p r otocolo exigid o em d eter m in a d a s oca s iões , m a s ela a in d a r ein a s ob r e você e tod os os m em b r os d a r a ça lica n tr op o. E s s e p od er a gor a ta m b ém é m eu . Você m e d is s e qu e er a h or a d e tom a r m eu m a n to d e r ea leza , e agora me pune por isso! — Nós a p u n im os — d is s e a figu r a à es qu er d a —, p or qu e a ta cou u m d e seus irmãos sem motivo. — O ca n a lh a a r r oga n te ou s ou qu es tion a r a s ob r evivên cia d e m in h a ir m ã quando ela estava à beira da morte. Ela foi envenenada pelo sol, estava sofrendo e cor r en d o r is co d e n ã o volta r à vid a , e ele a in s u ltou , d im in u in d o a im p or tâ n cia d e s eu es for ço p or u m a p a z p ela qu a l ela s e d is p u n h a a m or r er ! Fiz m es m o, e fa r ei tudo de novo se alguém...

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— Ninguém toca em um membro do Pride! — Silas gritou, perdendo a calma pela primeira vez desde o início do incidente. — Or a , m a s n ã o a ca b ou d e toca r em m im ? Fa ça o qu e eu d igo, n ã o fa ça o qu e eu fa ço? Is s o p od ia fu n cion a r qu a n d o eu er a cr ia n ça , m a s a gor a cr es ci. S ou u m a a d u lta exp er ien te, e a gr a d eço p elo tr ein a m en to qu e t a n to b em m e fez. Ma s , S ila s , eu o p r evin o: s e en cos ta r u m d ed o em m im n ova m en te, va i d es cob r ir o qu e tenho contido durante todos esses anos de aprendizado. É melhor parar enquanto pode. Não vai me subjugar nunca mais. Esse tempo passou. S ila s s a b ia d o qu e a p r in ces a er a ca p a z, e s a b ia ta m b ém qu e n ã o tin h a a tota l m ed id a d e s u a for ça . Nin gu ém a con h ecia r ea lm en te, em b or a ela h ou ves s e passado o último século sob a tutela das melhores mentes do Pride. S yr een a er a u m a a n om a lia lica n tr op o. A cu r a d e u m a d oen ça d a in fâ n cia ca u s a r a u m a m u ta çã o d r a m á tica . Ao a tin gir a p u b er d a d e, ela s e d es en volver a em um ser jamais visto antes. Tod o lica n tr op o p od ia exis tir em tr ês for m a s . O a s p ecto h u m a n o, o a s p ecto d o a n im a l qu e exis tia em s eu s a n gu e, e u m a com b in a çã o d os d ois qu e adotava forma humana e era chamada de duoforma. S yr een a tin h a d ois a s p ectos a d icion a is , u m a d ivis ã o qu e p r om ovia a for m a e a d u ofor m a d e u m a n im a l a d icion a l. Is s o d a va a ela u m a p os içã o d e p r eced ên cia . Nin gu ém s a b ia a o cer to qu a l er a o lim ite d e s u a s h a b ilid a d es . Ninguém a não ser ela mesma. E ninguém se dispunha a desafiá-la para conhecer seus limites. As s im , em b or a Os Tr ês fos s em os m a is tem id os e p od er os os m on ges d o Pride, Syreena n ã o s e s u r p r een d eu qu a n d o eles r ecu a r a m . E m s ilên cio, S ila s s e retirou da sala de disciplina seguido pelos outros dois. S yr een a exa lou r u id os a m en te, tom a d a p ela revolta . E r a temperamental, e s ó p elo tr ein a m en to e p ela m ed ita çã o con s egu ia con tr ola r a n a tu r eza b eliger a n te qu e h er d a r a d a fa m ília . Siena ta m b ém h a via con tr ola d o es s a n a tu r eza violen ta . Ta n to qu e, a gor a , er a u m a r en om a d a pacificadora. Ha via u m a d ifer en ça en tr e a política d e S ien a e s u a p er s on a lid a d e, u m a d is tin çã o qu e s e tor n a va evid en te n o homem que escolhera para marido: um guerreiro. S yr een a p er m a n eceu n a s a la s u b ter r â n ea d o m on a s ter io, a n d a n d o d e u m la d o p a r a o ou tr o n u m a ten ta tiva a flita d e ga s ta r a en er gia em ocion a l a cu m u la d a . Hon es ta m en te, já es p er a va p or es s a ten ta tiva d e con ten çã o. Dep ois d e qu a s e ter es tr a n gu la d o os d ois m on ges qu e ou s a r a m d u vid a r d e s u a von ta d e e d a s in ten ções d e s u a ir m ã , n ã o p od ia es p er a r n a d a d ifer en te. A cen s u r a er a in evitá vel para quem ameaçasse um membro do Pride. Até mesmo para Siena. Ma s is s o n ã o qu er ia d izer qu e S ien a a ceita r ia a cen s u r a . E la n ã o ter ia permitido que Silas a agredisse, caso ele fosse insano o bastante para tentar. Mas S yr een a er a s ó u m a jovem p r in ces a a os olh os d os m on ges , h er d eir a d o tr on o somente a té S iena ter o p r im eir o filh o. Nã o h a via p or ela a m es m a es tim a e o mesmo respeito dispensado à sua irmã. Nã o im p or ta va n em m es m o o fa to d e p od er s e tor n a r ela m es m a u m a d a s integrantes do grupo denominado Os Três. E isso a incomodava, embora jamais demonstrasse. 15


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J ogou os ca b elos p a r a tr á s , exib in d o a p en a s a m eta d e ca s ta n h a . Dep ois s a cu d iu a ca b eça e o cor p o, cob r in d o-s e tota lm en te com a s m ech a s . Cabelos transformaram-s e em p en a s , a s r ou p a s fica r a m n o ch ã o, e u m fa lcã o-peregrino deixou o porão do monasterio e a caverna do Pride. Siena vir ou a ca b eça a o ou vir o s om d e a s a s b a ten d o. Pelo ca n to d o olh o, ela viu o fa lcã o p en etr a r n o a p os en to qu e u s a va p a r a s u a s m ed ita ções , transformando-s e im ed ia ta m en te n a p r in ces a qu e a ter r is s ou s ob r e p és . A r a in h a ergueu-se de sua posição de meditação, de joelhos, ajeitando o vestido. S yr een a p er m a n ecia n u a , ob s er va n d o a ir m ã cu jos a b u n d a n tes ca ch os ca s ta n h os cob r ia m a s cu r va s exu b er a n tes d e s eu cor p o com m a is d is cr içã o qu e o ves tid o m in ú s cu lo. A n u d ez n a d a s ign ifica va p a r a ela s e p a r a os d e s u a es p écie. u m licantropo não podia mudar de forma dentro da restrição das roupas, por isso u s a va m p ou ca ou n en h u m a ves tim en ta . O qu e ves tia m er a r a p id a m en te descartado antes ou durante a transformação. — Como foi? — Vamos dizer apenas que tão cedo ninguém vai me convidar para o chá. As d u a s ir m ã s er a m op os ta s . S ien a er a a lta e curvilínea, tin h a ca b elos e p ele d ou ra d os e u m a b eleza s ed u tor a . S yr een a er a p equ en a , esguia e exótica com s eu ca b elo bicolor e os olh os d e arlequim. Siena cr es cer a cer ca d a p ela s in tr iga s d a cor te e com a lib er d a d e d e in ter a gir com ou tr a s r a ça s d e Nightwalkers en qu a n to S yr een a for a cr ia d a n o monasterio, r eclu s a e is ola d a d o m u n d o r ea l desde o instante em que fora identificada como diferente. Nã o h a via s id o d is cr im in a d a n em s ofrera p r econ ceito. Pelo con tr á r io. Os licantropos apreciavam uma boa mutação, especialmente se fosse poderosa, como a d ela . For a en via d a a o Pr id e n ã o s ó p a r a r eceb er tr ein a m en to e ed u ca çã o, m a s p a r a s er p r otegid a d a qu eles qu e p od er ia m u s á -la com o a r m a p a r a ob ter p od er . Ma is es p ecifica m en te, p a r a con qu is ta r o tr on o qu e o p a i d ela ocu p a r a a té qu in ze a n os a tr á s e qu e, d ep ois d e s u a m or te, a ir m ã h er d a r a . Siena exigir a o r etor n o d e S yr een a n o d ia em qu e a s cen d er a a o tr on o, a r r a n ca n d o-a d a exis tên cia a b r iga d a p a r a colocá -la em s eu p os to d e h er d eir a e fa zer u s o d e s u a s h a b ilid a d es e d e s eu conhecimento de diplomata, nomeando-a sua conselheira-chefe. No d ia em qu e a p r in ces a volta r a p a r a ca s a , a s d u a s s e h a via m d es cob er to praticamente estranhas, apesar da constante troca de cartas durante a separação d e u m s écu lo. Syreena s e s en tir a u m a for a s teir a , m a s S ien a s e tor n a r a imediatamente uma irmã amorosa e dedicada. S yr een a d es cob r ira qu e er a fá cil a m á -la , a p es a r d e ter s id o cr ia d a e ed u ca d a p elos fr ios m on ges . Nu n ca im a gin a r a qu e er a capaz d e a m a r , a té s er tã o bem acolhida. — Espero que não tenham sido duros demais — Siena comentou. — S e es tá s e r efer in d o a o cor te n o m eu lá b io, n ã o s e p r eocu p e. Nã o é n a d a sério. — Nã o gos to d e p en s a r qu e a lgu ém a a gr ed iu . Devia s er tr a ta d a com o mesmo respeito que eu mereço. — Eu disse isso a eles. E tenho certeza de que Os Três me ouviram. 16


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— Nes s e ca s o, s e já en cer r ou s eu ep is ód io com os m on ges , a ch o qu e va i poder me fazer um favor. — Que favor? — Quero que se junte ao grupo de estudiosos que vai pesquisar a biblioteca. Mu itos s er ã o m on ges d o Pr id e, é cla r o. E com o você tem u m p é n a cor te e ou tr o n o m on a s ter io, é m in h a m elh or es colh a p a r a a p r oxim a r es s es d ois in ter es s es tã o afastados. Terá o respeito pelo estudo e pela tradição, indispensável aos olhos dos membros do Pride, e manterá em vista meus interesses. — Parece fácil. — Fá cil, S yr een a , é u m a p a la vr a qu e ja m a is va i s er vir p a r a d es cr ever tu d o qu e es tá liga d o à Bib lioteca Nightwalker. E h á ou tr a r a zã o p ela qu a l qu er o en via r você. — Uma r a zã o qu e d eve es ta r r ela cion a d a a o fa to d e eu s em p r e ga n h a r u m a briga. — Tod os os m on ges d o Pr id e s a b em lu ta r , em b or a s ó u tilizem es s a h a b ilid a d e em d efes a p r óp r ia e d e s eu s in ter es s es . Nã o es tou p r eocu p a d a com a d efes a d eles , p or qu e s ei qu e ca d a u m p od e cu id a r d e s i m es m o. Além d o m a is , já n otei qu e, p es s oa lm en te, você é m a is p a cifis ta qu e gu er r eir a . Ap es a r d e tu d o is s o, d evo con s id er a r qu e fom os for ça d os a d es tr u ir u m a ca m p a m en to d e nigromantes, ca ça d or es e tr a id or es d a r a ça d os d em ôn ios , e es s e a ca m p a m en to es ta va loca liza d o m en os d e tr in ta m etr os a cim a e d is ta n te d a ca ver n a on d e fica a biblioteca. Além do mais, tudo isso fica no nosso território, e estaremos recebendo outros Nightwalkers n es s a exp ed içã o d e con h ecim en to. Pr ecis o d e a lgu ém qu e ten h a tid o a lgu m con ta to com ou tr os Nigh twa lk er s , a lgu ém qu e s eja ca p a z d e con s id er a r a s egu r a n ça e o b em -es ta r d os n os s os vis ita n tes . Nã o p os s o coloca r u m a b r iga d a m ilita r n a qu ela á r ea . A p a z en tr e lica n tr op os e d em ôn ios a in d a é r ecen te d em a is , d ep ois d e ta n tos s écu los d e gu er r a , e os Nigh twa lk er s têm m em ór ia s m u ito d u r a d ou r a s . Os d em ôn ios qu e es ta r ã o en tr e n ós s er ã o estudiosos, mas ainda existe um grande potencial para algum tipo de explosão. — Entendo. — E n ã o tem os com o s a b er qu e in for m a çã o a b ib lioteca va i r evela r . Pod em surgir questões capazes de transformar o debate teórico em conflito de interesses. Há m u ita s va r iá veis , m u itos fa tor es qu e es ca p a m a o n os s o con tr ole. Você é a ú n ica qu e con h eço com o p od er e, evid en tem en te, com a cor r eçã o d e ca r á ter indispensável p a r a im p or -s e d ia n te d e m em b r os d e tod a s a s r a ça s . Nã o tem e o Pr id e, n ã o tem p r econ ceito con tr a os d em ôn ios , e con h ece m eu d es ejo d e m a n ter a p a z es ta b elecid a . S em p r e d efen d eu m eu s in ter es s es e m in h a von ta d e p olítica , e ta m b ém n ã o tem m ed o d os d em ôn ios . Dep ois d e m im m es m a , você é a m elh or es colh a p a r a in tegr a r es s a m is s ã o. Con fio em você, S yr een a , e p r ecis o d e s u a ajuda nessa questão. — E u en t en d o. S ou p r in ces a em s u a cor te, m a s s ou u m a r a in h a qu a n d o o assunto é correr com um pé de cada lado da cerca. — Fa la com o s e a ca p a cid a d e d e con s id er a r tod os os â n gu los d e u m a situação fosse um defeito, não uma virtude. Essa é uma de suas habilidades mais valiosas, Syreena. 17


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— Sim, eu sei. O qu e S ien a n ã o p er ceb ia er a qu e tod os va lor iza va m e a d m ir a va m a natureza multifacetada d ela . O p r ob lem a er a en con tr a r u m p on to d e con cilia çã o. Nã o com a ir m ã , p or qu e ela a r es p eita r ia e a m a r ia m es m o qu e tives s e vin te ca b eça s e u m a p er s on a lid a d e p a r a ca d a u m a d ela s . Ma s n in gu ém n a qu ela s ocied a d e a via com o u m s er in d ivid u a l. E la er a s em p r e s in gu la r p or s u a r a r id a d e, m a s n u n ca in d ivis ível a os olh os a lh eios . S em p r e h a via a lgu ém ca p a z d e a p r ecia r u m ou ou tr o d e s eu s a s p ectos , m a s r a r a m en te er a a d m ir a d a com o u m todo. A cor te s e en ca n ta va com s u a a u r a d e m is tér io. O Pr id e s e ga b a va d e ter d es cob er to s u a s ca r a cter ís tica s ú n ica s . Os m on ges qu er ia m d is cip lin á -la . O p ovo a queria casada e procriando. E r a com o u m ca va lo s elva gem p a r a os h u m a n os qu e o ca p t u r a va m . In teligen te, p er igos a , for te e b ela . Ter ia d e s er d om a d a p a r a a ceita r a s ela e procriar, p er p etu a n d o a lin h a gem e a s u p er ior id a d e gen ética . Devia s er vir com docilidade a causas alheias, mas nunca poderia percorrer os próprios caminhos. Se tivesse algum caminho próprio. Hon es ta m en te, n ã o s a b ia p a r a on d e ir ia , s e p u d es s e es colh er . Nã o s a b ia s e era um ser inteiro, ou duas metades tentando compor um todo. — Syreena? — Hum? Ah, eu... sinto muito. O que estava dizendo? — Perguntei se alguma coisa a incomoda. — Nada de extraordinário. — O ordinário, então...? — Segurando o braço da irmã, ela a levou ao fundo da caverna, onde ficava a residência real. — E s ta va a p en a s p en s a n d o s e es tou à a ltu r a d a ta r efa qu e m e p r op õe. Va i m e coloca r em á gu a s tu r b u len ta s , e es tou m a is h a b itu a d a a evita r es s a s s itu a ções d e con flito. E s tou m a is p r ep a r a d a p a r a a tu a r com o s u a con s elh eir a , s u ger ir for m a s d e a çã o, coloca r ou tr a s p es s oa s em s itu a çã o d e con flito p a r a d efen d er s eu s in ter es s es . Por ou tr o la d o... — E la s u s p ir ou . — Ta lvez s eja b om p a r a m im . No fu tu r o, s a b er ei con ter a a n s ied a d e d e a tir a r ou tr a s p es s oa s a os lobos. — Ela riu. — Essa é a voz da filósofa, sempre ávida pela chance de aprender algo novo. — É claro. — Syreena... está feliz aqui? — É claro que sim. Acha que não me adaptei bem? — Não é isso. Demorou um pouco, mas está perfeitamente ajustada à vida e à s r es p on s a b ilid a d es d e u m m em b r o d a r ea leza . Ma s n ã o foi is s o qu e eu perguntei. Quero saber se está feliz. Pessoalmente feliz. — Nã o ta n to qu a n to você — ela s or r iu —, p or qu e n ã o ten h o u m m a r id o para me fazer feliz todas as noites... e todas as manhãs, pelo que ouvi dizer. Siena gargalhou com evidente satisfação. 18


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— Às vezes eu od eio s er r a in h a . Nã o p os s o n em u s a r o b a n h eir o s em qu e a lgu ém p er ceb a ! Ap os to qu e m in h a s cr ia d a s já es tã o a com p a n h a n d o m eu s ciclos antecipando a chegada de um herdeiro! — E eu também devo ficar atenta? — Nã o! Vou fica r b em lon ge d e E lija h qu a n d o en tr a r n o m eu p er íod o fér til. Pelo menos por alguns anos. Aquela era uma proeza que Syreena gostaria de ver! — E lija h n ã o a ceita r ia d u a s s em a n a s d e celibato, mesmo que fosse somente d u a s vezes p or a n o! E você n u n ca teve u m p er íod o fér til a o la d o d e u m companheiro. Acha que vai conseguir ficar longe dele? — Vou me esforçar para isso. Elijah e eu temos de aprender a viver um com o outro antes de colocarmos mais ingredientes nessa receita. — Min h a es p os a es tá a n a lis a n d o n os s a vid a conjugal? — As d u a s s e vir a r a m qu a n d o o com en tá r io p a s s ou p or ela s com o u m a b r is a n o in ter ior d a caverna. Num piscar de olhos, o guerreiro demônio se materializou a partir de seu elemento, metamorfoseando vento em matéria numa fração de segundo. S ien a cor r eu a a b r a çá -lo, e a r ever ên cia com qu e ele a a p er tou con tr a o peito a fez parecer ainda mais delicada. Eles eram a definição do que os demônios chamavam de marca. Almas gêmeas, como rotulavam os humanos. Casal perfeito. Um encontro de forças da vida que transcendia os limites do corpo. S yr een a es ta va feliz p or eles , m a s ta m b ém os in veja va . E la s em p r e h a via d es eja d o con s titu ir fa m ília e con s tr u ir u m la r d e a m or e com p r een s ã o. S ien a s em p r e ju r a r a ja m a is s e ca s a r , tem en d o r ep etir os er r os d a m ã e, u m a m u lh er d oce qu e d es p os a r a u m s a n gu in á r io s en h or d a gu er r a . Na s ca r ta s qu e tr oca r a com S ien a a o lon go d e d éca d a s , s em p r e fa la r a d e s eu s on h o d e ter u m a ca s a ch eia d e filh os . Os n ob r es lica n tr op os p od ia m ter a p en a s u m com p a n h eir o. Somente u m p a r ceir o. Qu a n d o es colh ia m u m a m a n te, es s a es colh a equ iva lia a tr oca r votos eter n os . O elo ter ia d e p er d u r a r p ela eter n id a d e, e d e u m a vid a a outra. E Syreena sonhava com isso. — Bem , a p es a r d e m a n ter em u m a liga çã o telep á tica , ten h o cer teza d e qu e a estadia de Elijah na corte de Noah foi repleta de eventos que ele está ansioso para com p a r tilh a r . S en d o a s s im , vou d eixa r vocês d ois s ozin h os . — S yr een a s e r etir ou antes que um deles pudesse protestar. — Maldição — Siena resmungou. — O que é? — Elijah indagou preocupado. — Na d a . S ó p er ceb i qu e ela n ã o r es p on d eu à p er gu n ta qu e fiz a n tes d e você chegar. — Rep ita a p er gu n ta m a is ta r d e, en tã o. Agor a ... Qu er o s a b er s e s en tiu minha falta. — Ele sorriu. — Você s en tiu a m in h a ? — ela in d a gou in s in u a n te, d es liza n d o a s m ã os pelas costas do marido e puxando-o contra o corpo. 19


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Da m ien en tr ou em ca s a d ep ois d a ca ça d a , levita n d o p or s ob r e a s m u r a lh a s e aterrissando em u m a s a ca d a d o ter ceir o a n d a r . A va r a n d a d a va p a r a u m a b ib lioteca b em ilu m in a d a , e ele en tr ou , cu r ios o p a r a s a b er qu em h a via ch ega d o antes dele na mansão em Santa Bárbara. J a s m in e lia , con for ta velm en te in s ta la d a em u m a p olt r on a . E la n ã o en velh ecer a u m d ia em qu a s e qu in h en tos a n os . Os ca b elos n egr os er a m abundantes e brilhantes, os olhos eram expressivos e a pele era perfeita. Ela era a única presença de que não conseguia se cansar. Olh a r p a r a ela foi s u ficien te p a r a s a b er qu e ela n ã o s a ír a p a r a ca ça r . S eu cor p o es ta va fr io, n ã o em a n a va o ca lor r ecen tem en te a b s or vid o d e u m h u m a n o. Ma s ela p a r ecia b em con for tá vel com s eu livr o, s em n en h u m a in ten çã o ou necessidade de sair tão cedo. — Jasmine? — Qu a n d o ela leva n tou a ca b eça , p er gu n tou : — Por qu e n ã o saiu? Ela fechou o livro sem marcar a página. — Ainda vou sair. De repente decidiu vigiar meus passos? — Nã o é r ep en tin o. Você fa z p a r te d o m eu gr u p o h á tem p o s u ficien te p a r a s a b er qu e vigio tod os os p a s s os . — E le s e s en tou s ob r e a m es a d e cen tr o d ia n t e dela, fitando-a nos olhos. — Está melancólica outra vez. — O nome atual não é "depressão"? — Nã o s om os h u m a n os . E s s es ter m os adotados p or eles ja m a is s er vir ã o para nós. — S u p on h o qu e n ã o. E n ã o es tou m ela n cólica . Nem a b or r ecid a . Nã o s e preocupe. Não vou criar problemas para me distrair. — Então, por que está tão retraída? — Acho que nasci assim. Sempre fui um pouco... instável. — O qu e vejo n ã o é in s ta b ilid a d e. Con h eço você, J a s m in e. Va i com eça r a s e negligenciar, cair em torpor, e não a verei por um século inteiro. J a s m in e s or r iu . E le r ea lm en te a con h ecia b em . O p r ín cip e er a s eu m a is velho amigo; seu mentor, de fato. Ficaria surpresa se ele não a conhecesse. — E u n ã o s er ia a p r im eir a a m e r etir a r , e você n ã o fica p er s egu in d o os ou tr os qu e s e d es en ca n ta m e d ecid em r ep ou s a r p or u m t em p o p r olon ga d o. Por que se preocupa comigo? Por que está sempre insistindo nesse assunto? — Porque sinto sua falta quando você me deixa. Ainda preciso dizer? — Ta lvez. É b om ou vir . Ma s eu es tou b em . Ta lvez s in ta fa lta d e a lgo com que me ocupar, apenas. Não sei. Da m ien s or r iu , e o s or r is o con fer iu harmoniosos e eternamente jovens.

a in d a

m a is

b eleza

a os

tr a ços

— Acon tece qu e ta lvez eu ten h a es s a ocu p a çã o qu e p r ocu r a — ele anunciou. 20


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O s om d e p a s s os ecoou n a s ca ver n a s qu e leva va m à b ib lioteca r ecém d es cob er ta , con for m e S yr een a s e a p r oxim a va . As a r m a d ilh a s h a via m s id o r em ovid a s , e a s fech a d u r a s es ta va m tem p or a r ia m en te d es p r ovid a s d e s egr ed os . A p ed r a qu e h a via p r otegid o a m is ter ios a b ib lioteca for a a fa s ta d a , e es tu d ios os d e d ifer en tes r a ça s d e Nigh twa lk er s p er corr ia m os cor r ed or es en tr e a s es ta n tes com uma constância que só fazia crescer. E la p a r ou n a en tr a d a , s ob r e o ta p ete m a n ch a d o p or s écu los d e umidade e p oeir a , m a s a in d a vib r a n te em s eu s va r ia d os ton s d e ver m elh o e d ou r a d o. E r a s u a s egu n d a vis ita . O ch eir o d e umidade h a via d im in u íd o. Ad m ir ou o es p a ço. Ha via p r a teleir a s d o teto a o ch ã o, d o extr em o d ir eito a o extr em o es qu er d o. Nela s , livr os d e ta m a n h o e es p es s u r a va r ia d os s e es p r em ia m em fileir a s p er feita s . E m u m a p r im eir a olh a d a , s ó con s egu iu ler u m d e ca d a d ez títu los . E r a im p r es s ion a n te, p or qu e p od ia ler e es cr ever em d iver s os id iom a s , h u m a n os e Nightwalker. O corredor principal era largo o bastante para abrigar várias mesas. Alguém p r ovid en cia r a la m p a r in a s a óleo e qu er os en e qu e er a m m a n tid a s a ces a s . Toch a s p r es a s à s p a r ed es ta m b ém es p a lh a va m s u a lu m in os id a d e d ou r a d a . S yr een a sentia os olhos ardendo pelo excesso de luz. J á h a via d ois m on ges e u m demônio n a s a la d e leitu r a . Devia h a ver ou tr os es tu d ios os n os cor r ed or es , a lém d e s eu ca m p o d e vis ã o. Tod os com eça va m p or a lgu m lu ga r , a b r in d o o p r im eir o livr o qu e lh es d es p er ta va o in ter es s e. Até on d e s a b ia , n in gu ém con h ecia o s ign ifica d o d a s m a r ca s en ta lh a d a s n a s p a r ed es , s ob r e as prateleiras, mas certamente eram símbolos. Pr ova velm en te in d ica r ia m a lgu ém p a r a cu id a r d e tu d o p or a li. Um b ib liotecá r io, ta lvez. Algu ém qu e p u d es s e coor d en a r o es for ço, im p ed ir qu e o m es m o tr a b a lh o fos s e r ea liza d o p or vá r ios es tu d ios os . Algu ém qu e r egis tr a s s e os volu m es e os m a n tives s e em or d em , qu e in for m a s s e a n eces s id a d e d e rep a r os e quaisquer problemas que pudessem danificar os livros. Os Nigh twa lk er s d ivid ia m a im p or ta n te d es cob er ta , m a s S yr een a s a b ia qu e ja m a is ch ega r ia m a u m a cor d o s ob r e a es colh a d e u m b ib liotecá r io. De qu a lqu er m a n eir a , fa r ia a s u ges tã o a S ien a . Afin a l, a b ib lioteca es ta va em ter r itór io lica n tr op o. Ta lvez, s e d es ign a s s em a lgu ém s em con s u lta r os ou tr os , a es colh a fosse aceita como norma. Não haveria questionamento ou dificuldades. Uma Nightwalker surgiu em seu campo de visão. Ela era pequena, delicada, e p a r ecia m u ito in s egu r a . Percor r ia a exten s ã o d a s p r a teleir a s com o s e ten ta s s e entender que objetos eram aqueles enfileirados. Nã o er a u m a fêm ea d e d em ôn io. Dem ôn ios er a m a ltos , b r on zea d os , gr a cios os e im p on en tes e, a p es a r d e b ela , a cr ia tu r a en igm á tica p a r ecia ter r ivelm en te fr á gil. Ta m b ém n ã o er a lica n tr op o ou va m p ir o. Os lica n tr op os s e r econ h ecia m , e va m p ir os n ã o em itia m s in a is d e cir cu la çã o d e s a n gu e. Nã o d ep ois d e cer ta id a d e, p elo m en os . E a qu ela cr ia tu r a tin h a p u ls a çã o r á p id a e flu xo sanguíneo muito eficiente. Quem mais pudia estar estudando a Biblioteca Nightwalker?

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Syreena aproximou-se da desconhecida, que se virou com ar amedrontado e recuou, colando as costas em uma prateleira. Nesse momento, percebeu quem ela era. — Olá. Meu nome é Syreena. Você é mistral, não é? S ó tiver a op or tu n id a d e d e ver u m a cr ia tu r a m is tr a l em tod a a s u a vid a , e er a s u r p reen d en te qu e a gor a s e d ep a ra s s e com a s egu n d a . E la s er a m s em p r e r eclu s a s , n ã o s e a s s ocia va m a n in gu ém for a d a es p écie, e, em b or a vives s em em p equ en os vila r ejos , r a r a m en te s e r eu n ia m . Tin h a m p a vor d e m u ltid ões , e certamente temiam os que tinham algum tipo de poder. A jovem assentiu. A princesa sabia que ela não falaria. As fêmeas de mistral er a m ch a m a d a s d e s er eia s p or u m m otivo m u ito r a zoá vel. A m elod ia d e s u a voz er a en ca n ta d or a , h ip n otiza n d o qu em a ou via . E r a u m m eca n is m o d e d efes a m a is qu e a d equ a d o. Com o o s in is tr o ch oca lh o d a ca u d a d e u m a ven en os a s er p en te, s eu efeito er a u n iver s a lm en te paralisante. Ma s , ta m b ém com o a s á b ia s er p en te, ela s p r efer ia m s e es con d er a p a r ticip a r d e u m con fr on to. Por ém , em ca s o d e necessidade, podiam causar graves danos ao oponente. A delicada jovem apertou a mão que Syreena estendeu, tremendo da cabeça a os p és . Ap es a r d o p a vor a p a r en te, ela d evia s er m u ito cor a jos a p a r a d eixa r s eu refúgio e aceitar o convite para conhecer a biblioteca. S yr een a s oltou s u a m ã o e olh ou p a r a a s m es a s m a is p r óxim a s . S or r in d o p a r a a mistral, p egou u m a folh a d e p a p el d e u m a p ilh a n o ca n to d e u m a prateleira, apontando para a caneta que a jovem segurava. — Qual é seu nome? A mistral s or r iu , p egou a folh a d e p a p el, qu e a p oiou n o livr o qu e s egu r a va , e escreveu: "Ária". S yr een a s en tiu u m a im ed ia ta s im p a tia p or ela . Tin h a m m u ito em com u m , em b or a o p ovo mistral s ó s e tr a n s for m a s s e em a ves , en qu a n to os lica n tr op os p od ia m t er a form a d e qu a lqu er cr ia tu r a d o r ein o a n im a l. Por ém , com o com p a r tilh a va m a for m a d e u m a a ve, ta lvez p u d es s em com p a r tilh a r cen á r ios e exp er iên cia s . S er ia s ó u m a qu es tã o d e con qu is t a r a con fia n ça d a cr ia tu r a a té convencê-la a b a n ir o en ca n ta m en to d e s u a voz, com o u m a cob r a qu e m a n tém p a r a d o o ir r ita n te ch oca lh o, p a r a p od er em con ver s a r . O r ela cion a m en to d e Siena com ou tr a mistral chamada Windsong p r ova va qu e exis tia es s a p os s ib ilid a d e, mesmo que fosse rara. Ár ia r ecu ou u m p a s s o e s e en colh eu , r ep en tin a m en te n er vos a . Syr een a olhou por cima de um ombro tentando identificar o que ela vira. O ar ficou preso em seu peito. Damien. Ha via con h ecid o o p r ín cip e va m p ir o em ou tr a oca s iã o, e ter ia s id o im p os s ível es qu ecê-lo. E le er a a lto com o u m d em ôn io, esguio, em b ora a tlético, e d on o d e om b r os s in gu la r m en te la r gos , con s id er a n d o o p or te d elica d o d os d e s u a es p écie. E le s e m ovia com a qu ela gr a ça qu e p a r ecia s er in er en te a tod os os va m p ir os . Da va a im p r es s ã o d e p r egu iça , d es cu id o, r ela xa m en to e d es ca s o, m a s 22


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tu d o a qu ilo er a s ó u m a en cen a çã o. Um a ca m u fla gem . O p r ín cip e m a n tin h a -se alerta a ponto de ser mortal para um eventual inimigo. S ien a o vir a lu ta r , e h a via com en ta d o qu e ja m a is a n t es tes tem u n h a r a a lgu ém s e m over com ta n ta r a p id ez ou d em on s tr a r ta m a n h a a legr ia n a tu r a l p or matar. A im p r es s ã o d e S yr een a er a d ifer en te. Fica va n er vos a qu a n d o o via , em b or a n ã o s ou b es s e p or qu ê. Nã o s e a p a vor a va com o a jovem Ár ia , m a s p r efer ia r ed u zir ao mínimo o tempo de convivência. O im p u ls o d e fu gir a ir r ita va , p or qu e n ã o er a d e s u a n a t u r eza s e a s s u s ta r ou s en tir m ed o. Nã o com ta n ta fa cilid a d e. E com o p od er ia cu m p r ir s eu d ever a li, s e o d eixa s s e in tim id á -la ? S eu ú n ico con s olo er a qu e ele n ã o s a b ia d e s u a r ea çã o. Ou n ã o s a b er ia , en qu a n to ela m a n tives s e a o m en os o con tr ole n eces s á r io p a r a impedir a detecção telepática. Ária havia desaparecido. Garota esperta! Vampiros eram imprevisíveis, temperamentais. Syreena também gostaria de s e r etir a r , m a s , com o n ã o p od ia , d ecid iu in s p ecion a r o p r ín cip e e a m u lh er qu e o a com p a n h a va . Alt a , com lon gos ca b elos n egr os e u m a r m ela n cólico, ela er a certamente vampira. E não parecia animada com a visita. Com o n ã o es p er a va r ep r es en ta n tes d os va m p ir os , d ecid iu a b or d á -los p a ra d es cob r ir o qu e p r eten d ia m . E r a m b em -vin d os , com o tod os os ou tr os , m a s , n a n oite a n ter ior , d u r a n te u m a reu n iã o p a r a d ecla r a r a a b er tu r a oficia l d a b ib liot eca aos estudiosos, Noah havia informado que Damien recusara o convite. A m u lh er d e r ep en te olh a va em volta com gr a n d e in ter es s e, fa s cin a d a p elos livr os . Um a va m p ir a es tu d ios a ? Qu e in teres s a n te p a r a d oxo! J a m a is s ou b er a qu e eles direcionavam sua interminável energia para coisas que não fossem... carnais. Damien notou-a im ed ia ta m en te. Além d a color a çã o d e arlequim, ela era u m a p r es en ça im p on en te e for te, em b or a n ã o tives s e a s en s u a lid a d e evid en te d a irmã. — Syreena — Damien a cumprimentou com entusiasmo. — Jasmine, essa é a princesa Syreena. Syreena, essa é Jasmine. Ela é... — Ele se interrompeu ao ver qu e, d ep ois d e u m a cen o d es in ter es s a d o, J a s m in e já s e d ir igia a u m a d a s prateleiras. — Ela está ansiosa para começar. — Não esperava ninguém além de Kelsey ou você. Por que a mudança? — J a s m in e é u m a excelen te es tu d a n te e é m u ito lea l a m im . S e es tá preocupada, posso assegurar que ela não vai causar problemas. — Que contradição! Um vampiro que não causa problemas? E le r iu . S em a s p r es a s , retr a íd a s n es s e m om en to com o a s ga r r a s d e u m ga to, ele er a b elís s im o e m u ito a tr a en te. Da m ien u s a va b a r b a cu r ta e b igod e, o qu e a cen tu a va o con tor n o m á s cu lo d o qu eixo. Ou tr a a n om a lia . Va m p ir os er a m qu a s e s em p r e d es p r ovid os d e p elos fa cia is . E r a r a r o qu e u m d eles cu ltiva s s e b a r b a e b igod e, com o o p r ín cip e. E s ta r ia ele d es a fia n d o a s n or m a s cu ltu r a is ? E por quê?

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Os olh os a zu is b r ilh a va m , ilu m in a n d o os tr a ços s in gu la r es . Um a tr a n ça es p es s a ca ía s ob r e s eu s om b r os , a p on ta a lca n ça n d o a p a r te in fer ior d o m ú s cu lo p eitor a l. S u a b eleza er a ta m a n h a , qu e ele d a va a im p r es s ã o d e s er o h om em m a is inofensivo do planeta. E era isso que fazia Syreena sentir arrepios. Não confiava nele. Não devia con fia r n ele. Qu em p od ia con fia r em u m m em b r o d e u m a es p écie qu e con ta va ju s ta m en te com a con fia n ça a lh eia p a r a a r r a n ca r d o ou tr o s u a nutrição? — Não há proteção aqui — ele comentou. Con s id er a n d o qu e o lu ga r er a ocu p a d o a p en a s p or es tu d ios os , e qu e h a via p ou co tem p o in im igos fer ozes tin h a m es ta d o es ca va n d o a s u p er fície p r ocu r a n d o ju s ta m en te p or a qu ela b ib lioteca , ele tin h a cer ta r a zã o p a r a es ta r a d m ir a d o. Ma s Syreena se sentiu pessoalmente insultada. — Eu estou aqui — ela respondeu. — S im ... es tá . Nã o qu er o s u b es tim a r s u a for ça , m eu b em , m a s n ã o vejo com o p od er ia en fr en ta r u m b a n d o d e s egu id or es d e m a gia n egr a e ca ça d or es h u m a n os lid er a d os p or u m a fêm ea d e demônio vira-ca s a ca , ca s o eles d ecid a m voltar. — Bem, m eu b e m , com o eles fr a ca s s a r a m n a p r im eir a ten ta tiva , s u p on h o que não conheçam este lugar... — Ainda — ele interferiu. — ...e não saibam da existência de Nightwalkers na caverna neste momento — Syreena concluiu com tom debochado e hostil. — Qu a n tos s ã o? Dez? Cin co? In clu in d o J a s m in e, vejo a p en a s qu a tr o. Um n ú m er o p equ en o d em a is p a r a s ob r eviver a u m a ta qu e. S om os for ça d os a d or m ir d u r a n te o d ia ; n os s os in im igos h u m a n os n ã o têm es s a lim ita çã o. Ta lvez n em a traidora dos demônios, agora que desenvolveu poder tão impressionante. Ele tinha razão. Então, por que se sentia tão ofendida? Damien tinha de admitir que a provocação era deliberada. Queria perturbar a ca lm a qu e ela u s a va com o u m m a n to. Dep ois d a n oite em qu e a vir a d efen d er a ir m ã , n u n ca m a is con s egu ir a es qu ecer s u a d eter m in a çã o e cor a gem , ou o fogo que havia iluminado seus olhos. O p r ín cip e en tr ou n a b ib lioteca e s e a p r oxim ou d e J a s m in e, en la ça n d o-a p ela cin tu r a e coch ich a n d o a lgu m a cois a em s eu ou vid o. A m u lh er olh ou n a direção de Syreena, dando a impressão de que ela era o assunto. S yr een a r es p ir ou p r ofu n d a m en te, ten ta n d o con t er a fú r ia . Recen tem en te, er a com o s e n ã o fizes s e ou tr a cois a . Com o s e es tives s e a n s ios a p or u m a b oa b r iga . Tu d o qu e qu er ia er a es m u r r a r o n a r iz p er feito d o p r ín cip e d os va m p ir os . Con s equ ên cia s p olítica s à p a r te, a té S ien a ter ia r econ h ecid o qu e ele m er ecia o castigo.

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Per d er a a von ta d e d e es tu d a r . S a iu , olh a n d o em volta a o p a s s a r p ela p or ta . As r a m ifica ções d a ca ver n a er a m ta n ta s qu e n ã o con s egu ia es colh er . Por is s o os lica n tr op os gos ta va m ta n t o d e viver em ca ver n a s . E r a m p r otegid a s , a con ch ega n tes , ch eia s d e fon tes d e á gu a fr es ca e n a s cen tes m or n a s , e n u n ca h a via m u ltid ões ou p er tu r b a ções . A tem p er a tu r a er a con s ta n te, e o a m b ien te er a fresco e confortável. E como se não bastasse, ali era sempre noite. Com o a exp os içã o a o s ol er a ven en os a p a r a eles , es s a er a u m a va n ta gem in d is cu tível d a s ca ver n a s . Um lica n tr op o intoxicado p elo s ol p a s s a va d ia s d e ter r ível a gon ia , com d or es h or r íveis e o cor p o cob er to p or b olh a s , a té m or r er . Siena escapara por pouco dessa morte. No m u n d o d a s u p er fície, er a in ver n o. Um in vern o r u s s o, p or qu e era lá qu e fica va o ter r itór io lica n tr op o. As ca ver n a s tin h a m d ezen a s d e s a íd a s , e Syreena en tr a r a p elo ca m in h o qu e a n tes con d u zia a o loca l d e h ib er n a çã o d e u m a lica n tr op o ch a m a d a J in a er i. E la s e m u d a r a p a r a ou tr o lu ga r a n tecip a n d o a m ovim en ta çã o qu e a b ib lioteca a ca b a r ia p r ovoca n d o, o qu e ter ia p r eju d ica d o s eu repouso de inverno. S yr een a a d or a r ia es ta r h ib er n a n d o. Pr ecis a va m es m o d e p a z e s olid ã o. Ma s o fa lcã o e s u a ou tr a for m a , o golfin h o, er a m cr ia tu r a s m igr a tór ia s . S eu im p u ls o p ed ia m a is u m a m u d a n ça n a loca liza çã o em b u s ca d e ca lor d o qu e u m s on o p r olon ga d o. Ta lvez p or is s o n ã o con s egu is s e fica r qu ieta . Ta lvez p or is s o es tives s e tão agitada recentemente, tão propensa à irritação. Escolheu um dos caminhos dentro da caverna. Quando Damien s e vir ou , a p r in ces a lica n tr op o h a via d es a p a r ecid o. Olh ou a o r ed or d o en or m e a p os en to, fr a n zin d o a s s ob r a n celh a s , m om en ta n ea mente con fu s o. E la n ã o p a r ecia d o tip o qu e fu gia , m a s ta lvez s u a p r ovoca çã o a tives s e leva d o a is s o. In clin ou u m p ou co a ca b eça , u s a n d o s eu s s en tid os p a r a ten ta r localizá-la . Por ém , n ã o foi b em -s u ced id o; a s ca ver n a s cr ia va m es tr a n h os ecos em s u a r ed e sensorial. A ú n ica cois a d e qu e tin h a cer teza er a qu e ela n ã o es ta va p or perto. Decidiu procurá-la, embora não soubesse por que se importava. S yr een a p is ou n o s olo cob er to d e n eve e en ch eu os p u lm ões com o a r gela d o. Ao m es m o tem p o, cr u zou os b r a ços d ia n te d o p eito p a r a p r es er va r o ca lor d o cor p o. Us a va a p en a s u m ves tid o qu e m a l a lca n ça va os joelh os , e os ca lça d os a b er tos er a m im p r óp r ios p a r a ca m in h a r n a n eve. Ma s , com o tin h a em s u a natureza uma porção animal, estava equipada para enfrentar essas dificuldades. Encontrava-s e n a flor es ta . Com eçou a a n d a r , ou vin d o o r a n ger d os p a s s os s ob r e o s olo gela d o. S en tia -s e ten ta d a a d es p ir -s e e vir a r fa lcã o, p ois a m a va voa r livr em en te n a n oit e, m a s tin h a r es p on s a b ilid a d es n a n oite d e a b er tu r a d a b ib lioteca . Ter s e a fa s ta d o h a via s id o u m er ro. Da r ia a p en a s u m a r á p id a e refrescante ca m in h a d a , e d ep ois volta r ia . A in ten çã o er a es fr ia r a ca b eça , r ecu p er a r a p er s p ectiva . Tin h a o d ever d e s er cor d ia l e d ip lom á tica com tod os os Nightwalkers qu e n ã o a a m ea ça s s em , e já h a via tr a ta d o com im p er d oá vel rispidez o p r ín cip e va m p ir o. Um in s u lto, n a s s ocied a d es b eliger a n tes em qu e vivia m , poderia ser suficiente para causar uma guerra. 25


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S egu iu em fr en te p ela n oite es cu r a e s em lu a r . Pr ecis a va en ten d er o qu e es ta va a con tecen d o com ela . Tin h a cen to e oito a n os d e id a d e, for a b em -educada, bem treinada... Não podia se comportar como uma criança temperamental. Pa r ou a o ou vir u m b a r u lh o. Na for m a h u m a n a , s en tia -s e s em p r e m a is vu ln er á vel. Pa s s a va m a is tem p o com o fa lcã o, e ter ia es colh id o o golfin h o com o forma dominante, se houvesse algum outro lugar de águas profundas além de um ou ou tr o la go n a ca ver n a . Nes s a s for m a s , p od ia a o m en os r egu la r a tem p er a tu r a d o cor p o p a r a en fr en ta r tem p er a tu r a s extr em a s , com o a qu e exp er im en ta va agora. O s om s e r ep etiu a t r á s d ela . Ab a ixou -s e, a p oia n d o-s e s ob r e u m a d a s m ã os p a r a olh a r em volta e va r r er a es cu r id ã o. Na d a . Ma s s a b ia qu e h a via m a is a lgu ém ali. S en tiu u m r ep en tin o d es loca m en to d e a r . Os p elos em s u a n u ca s e a r r ep ia r a m , e ela s e vir ou com velocid a d e es p a n tos a . Ao fa zer is s o, p er ceb eu qu e havia caído numa armadilha. Agora dava as costas para o atacante. Ou a a ta ca n te. E r a u m a m u lh er qu e s u r gia n a es cu r id ã o. Ca b elos lou r os emolduravam o rosto de olhos azuis dominados pela loucura e pelo ódio. — Vamos brincar, princesa — a voz pastosa e desequilibrada convidou. Ruth. Identificar a traidora que abandonara os demônios de sua raça para unir-se a h u m a n os qu e b r in ca va m com m a gia cor r om p id a s ob r e a qu a l n a d a s a b ia m foi a única coisa que teve tempo de fazer antes de ser atacada. Pen s ou em cor r er . Nã o p od ia p er m itir qu e Ru th a toca s s e, ou o demônio da Men te a telep or ta r ia p a r a lon ge d a s egu r a n ça , d a fa m ilia r id a d e e d o a p oio d e s eu ter r itór io. A cr ia tu r a a gor a er a u m a a b er r a çã o, u m demônio qu e u s a va m a gia n egr a , a lgo qu e n in gu ém ja m a is fizer a a n tes , e ela já s e h a via m os tr a d o ca p a z d e poder e crueldade extraordinários. — Va m os ver qu a n to s u a ir m ã a m a o a s s a s s in o qu e ch a m a d e m a r id o. Quando ela souber que o guerreiro é responsável por sua morte... S yr een a foi tom a d a p or u m p â n ico r ep en tin o. A cr ia tu r a p en etr a va s u a m en te, a lter a n d o s u a p er cep çã o e a m ea ça n d o s eu equ ilíb r io. Um a on d a d e n á u s ea a la n çou a o ch ã o. In s tin tiva m en te, vir ou a ca b eça p a r a u m la d o, exp on d o a porção castanha do cabelo. Ma s Ru th antecipou-se e, com o u m r a io d e lu z, telep or tou -s e p a r a s u a s cos ta s , ob r iga n d o-a a vir a r o r os to p a r a a n eve a fim d e s u s ten ta r o p es o in es p er a d o. S yr een a sentiu-a a ga r r a n d o s eu s ca b elos , p u xa n d o-os a té fazê-la gritar de dor. Com os ca b elos p res os , a tr a n s for m a çã o n ã o er a p os s ível, e es s e tip o d e p r is ã o er a o p ior p es a d elo d e u m lica n tr op o. Além d is s o, a gor a Ru th tin h a o contato fís ico d e qu e p r ecis a va p a r a r em ovê-la d a flor es ta r u s s a . A p r in ces a s a b ia qu e s eu ú n ico r ecu r s o er a in ter fer ir n a ca p a cid a d e d e con cen tr a çã o d o demônio. Levando a m ã o à s cos ta s , u s ou a s u n h a s p a r a fer ir o r os to e o p es coço d a atacante, que gritou.

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E m s egu id a , Ru th p u xou s eu s ca b elos com m a is for ça , a r r a n ca n d o ta n tos qu e ch egou a s e s olta r , ca in d o p a r a tr á s . S yr een a m u d ou im ed ia ta m en te d e p os içã o. De qu a tr o, viu o s a n gu e qu e jor r a va d o loca l on d e os fios h a via m s id o arrancados formando pequenas poças na neve. A dor era fenomenal. Ruth levantou-se e agarrou-a p elo p es coço, lem b r a n d o-a d e qu e ela h a via s id o u m a gu er r eir a n o p a s s a d o. Um a gu er r eir a for te e com p eten te qu e s er vir a n a gu er r a d e tr ezen tos a n os en tr e demônios e lica n tr op os . E la con h ecia tod a s a s fraquezas do inimigo e sabia como explorá-las. E Syreena pensara estar à altura do desafio? Ru th es ta va im p ed in d o a p a s s a gem d e a r p or s u a ga r ga n ta , for ça n d o o medo a p en etr a r s u a m en te a té s eu s p en s a m en tos s e tor n a r em con fu s os . Dom in a d a , S yr een a n ã o con s egu ia p en s a r ou contra-atacar. J a m a is h a via enfrentado um demônio antes. E só agora dava-se conta do incrível poder daquele povo. Essa foi a última coisa que pensou antes de mergulhar na escuridão. Da m ien s egu ia a s p ega d a s d a p r in ces a n a n eve. De olh os fech a d os , ten ta va ign or a r o fr io cor ta n te, u s a n d o os s en tid os p a r a loca lizá -la . E r a d ifícil. Ta lvez Syreena houvesse voado. Ab r iu os olh os e con tin u ou a n d a n d o, n ota n d o a qu ietu d e in com u m qu e o cer ca va . Mem b r a n a s en cob r ir a m s eu s olh os e, a o lon ge, u m a m a n ch a r os a d a d e ca lor r es id u a l s e d es ta cou com o u m fa r ol. Nã o h a via n en h u m s er vivo a li, m a s alguém passara pelo local recentemente. Continuou rastreando os sinais. Nã o s a b ia p or qu e s e s en tia com p elid o a p ed ir d es cu lp a s p a r a a p r in ces a , mas sempre seguia seus instintos. As pegadas na neve se modificavam. Havia um segundo jogo de marcas, um desenho que ele não conseguia identificar. Retom a n d o a vis ã o n or m a l, ajoelhou-se. Nenh u m s in a l leva va p a r a for a daquele círculo, embora o rastro de Syreena terminasse ali. Ela devia ter voado. Mas... se não estava com as membranas de detecção de calor ativadas, por que via aquela névoa rosada no chão, como se... Tocou a área. E tocou a calça no local em que se sujara ao ajoelhar. Sangue. Tu d o fica va r ep en tin a m en te cla r o. J a m a is ter ia d eixa d o d e s en tir o ch eir o d e s a n gu e. Nem em u m m ilh ã o d e a n os . Deixara-se en volver p or u m tr u qu e barato, magia de principiante. Levantou-s e, p r ojeta n d o tod a a s u a ca p a cid a d e d e p er cep çã o p a r a a lém d a influência externa que havia confundido sua mente. Sentia agora o odor e a vibração da luta. Medo, raiva, desespero... e o cheiro d e s a n gu e. S a n gu e d e lica n tr op o. S yr een a . E h a via ca b elos n a n eve. Ca b elos cinzentos.

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Agor a qu e gr a va r a em s u a m em ór ia in s tin tiva o ch eir o d o s a n gu e d e Syreena, poderia encontrá-la mais depressa. E isso era tudo que importava. Ru th jogou a p r in ces a lica n tr op o em u m ca n to d a s a la d e p is o d e p ed r a . S eu p r a zer er a in equ ívoco. S yr een a p r otegeu a ca b eça p a r a im p ed ir qu e a á r ea ferida se chocasse contra a parede, aumentando a hemorragia. Nu m p r im eir o m om en to, ela a p en a s s e p r otegeu . E m s egu id a , em p é, in ves tiu con tr a a fêm ea d e demônio. O b ícep s p od er os o en con tr ou a ga r ga n ta d e Ruth, jogando-a no chão. Mas, rápida, Ruth aproveitou sua posição para dar uma r a s teir a n a p r in ces a , qu e ca iu d e cos t a s s ob r e a p ed r a , b a ten d o violen ta m en te a ca b eça . Além d a p er d a d e s a n gu e, a gor a s en tia ta m b ém a ton tu r a p r ovoca d a p ela pancada. Ru th tir ou p r oveito d a d es or ien ta çã o d a a d ver s á r ia e gr itou u m a fr a s e n u m idioma incompreensível. Um encantamento. Um demônio usando magia. S yr een a s en tiu qu e m ã os in vis íveis a ga r r a va m s eu p es coço. Qu er ia lu ta r , m a s n ã o h a via n a d a a en fr en ta r . Na d a qu e p u d es s e ver ou a ga r r a r . E m s eu p es coço h a via a p en a s o cor d ã o com a p ed r a -da-lu a , s ím b olo d e s u a p os s ib ilid a d e de ascensão ao trono licantropo. Ru th , tota lm en te r ecu p er a d a , ajoelhou-se a o la d o d a vítim a , s or r in d o, satisfeita. — As s im é m elh or — d is s e, toca n d o a tes ta d a p r in ces a . Ver m elh a , S yr een a chutava violentamente, em busca de algum alvo. — Se ficar quieta, eu solto você — Ruth prometeu. S yr een a n ã o a cr ed ita va n ela , e a d ú vid a d evia es ta r es ta m p a d a em s eu s olhos. Morreria nas mãos da criatura enlouquecida, mas nunca se submeteria. — Fa ça com o qu is er , en tã o. — Ruth irritou-se, b a ten d o p a lm a s u m a vez para encerrar o encantamento. Syreena arfava, tentando levar ar aos pulmões, e lutava contra a náusea e a dor de cabeça que explodia atrás de seus olhos inchados. — Mu ito b em , va m os d eixa r cla r o a lgu m a s cois a s a qu i. S ou u m demônio da Mente, por isso posso ler seus pensamentos. Ela estava mentindo. Só os homens tinham o dom da telepatia. — Nã o es tou m en tin d o — Ru th s u s s u r r ou , r in d o. — Hou ve u m tem p o em qu e tive d e a ceita r a s lim ita ções im p os ta s a o m eu s exo. Ma s , d es d e qu e m e d es ligu ei d a qu ela cu ltu r a h ip ócr ita , en con tr ei o ca m in h o p a r a d es en volver tod a s as habilidades contidas em mim. Sendo assim, vamos poupar seu tempo e o meu. — Vadia! — S ei d e on d e tir ou es s a id eia , ta m b ém . E a cu lp a é d a s u a ir m ã . E la n ã o d evia ter leva d o p a r a a ca m a a qu ele a s s a s s in o s em cor a çã o. Con s or te r ea l! Fr a n ca m en te! Pelo m en os , ela teve o b om s en s o d e n ã o cor oá -lo r ei! Pod e 28


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im a gin a r ? Logo, eles ter ã o u m h er d eir o, p r in ces a , e você s er á ob s oleta . S en d o a s s im , é m elh or u s á -la a gor a , en qu a n to a in d a tem a lgu m va lor . — Aga r r ou -lhe os cabelos. — Você e s u a ir m ã es tã o fis ica m en te liga d a s ? Notei com o s e m ovem em h a r m on ia n o ca m p o d e b a ta lh a . E xis te u m a liga çã o? Nã o? Ah , qu e p en a ! Pen s ei que ela poderia sentir... isto. — Puxou a mecha com toda a força. Os ca b elos s e s olta r a m d o cou r o ca b elu d o, p r ovoca n d o u m s a n gr a m en to a b u n d a n t e e im ed ia to. E r a com o s e Ru th h ou ves s e a m p u ta d o o p é ou a m ã o d e Syreena. A p er d a d e s a n gu e e a d or er a m , cer ta m en te, incomparáveis. A p r in ces a gritou, b a ten d o os p és con tr a o ch ã o e s ofr en d o u m a violen ta con vu ls ã o. Us a n d o a for ça qu e lh e r es ta va , fu giu p a r a o ou tr o ca n to d a s a la , on d e ficou en colh id a , tremendo como um animal acuado, incapaz de enxergar a atacante ou o ambiente por conta da cortina de sangue que lavava seu rosto. Ruth examinou a mecha cinzenta em sua mão e sorriu. — Isso vai ser divertido. Pelo m en os h a via u m r a s tr o. E u m a for te ten s ã o n a qu ela p is ta , in d ica çã o cla r a d e qu e a lgu ém leva r a S yr een a con tr a s u a von ta d e. S a b ia com o ela h a via s id o ca p tu r a d a . S en tia o ch eir o d e d em ôn io em ca d a eta p a d o ca m in h o, e s ó u m a cr ia tu r a s er ia s u ficien tem en te lou ca p a r a p r a t ica r ta m a n h a tr a n s gr es s ã o em território real. Ruth. Ela e a filha Mary haviam causado mais dor e morte para a comunidade dos demônios no último ano do que ele jamais teria imaginado ser possível. Agora que Ma r y es ta va m or ta , a cid en ta lm en te a s s a s s in a d a p ela p r óp r ia m ã e n u m a ten ta tiva d es es p er a d a d e p ôr fim à vid a d e E lija h , er a im p os s ível p r ever o qu e ela p od er ia fa zer com S yr een a . Siena r ea gir ia , a p es a r d e s u a n a tu r eza p a cífica . Com o os demônios interpretariam sua reação era algo difícil de antever. Damien d ecid iu voa r p a r a s egu ir a tr ilh a d eixa d a p elo telep or te. Ruth era for te, m a s tin h a s u a s lim ita ções . E la n ã o p od ia ter id o a lém d o continente eu r op eu . Ma s , com a a ju d a d a s a r tes n egr a s ... Nin gu ém p od ia s a b er qu e poderes ela tinha ao seu dispor. Jasmine s ó n otou a a u s ên cia p r olon ga d a d e Damien u m a h or a d ep ois d e s u a p a r tid a . Com o es ta va m em ter r itór io es tr a n h o, cer ca d o p or Nightwalkers, in icia n d o u m a ta r efa n a qu a l ele p r om eter a a com p a n h á -la p a r a s e cer tifica r d e que tudo era seguro e tranquilo, ficou intrigada. E r a p r eocu p a n te, s em d ú vid a . Nã o qu er ia b a n ca r a gu a r d iã d e u m va m p ir o com o dobro de sua idade e o triplo de poder, mas... Saiu d a b ib lioteca e olh ou p a r a os tú n eis qu e s e es ten d ia m em tod a s a s direções. Não foi difícil encontrar o rastro deixado por Damien, e ela o seguiu com grande cautela.

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Damien a ter r is s ou em u m a á r ea qu e a cr ed ita va p er ten cer à p er ifer ia d e Paris. De território lica n trop o à terra mistral? Ruth for a exp u ls a d a Rú s s ia h a via p ou co m a is d e u m m ês , d ep ois d e ter es ca va d o a ter r a s ob r e a r egiã o on d e os Nightwalkers a lia d os h a via m en con tr a d o a m on u m en ta l b ib lioteca . Agor a es ta va a li, n ova m en te em ter r itór io d e Nightwalkers de outra raça. O qu e fa zia ? E p or qu e telep or ta r ia S yr een a p a r a tã o lon ge? Devia es ta r es gota d a d ep ois d a via gem d e id a e d e volta , es p ecia lm en te p or ter tr a n s p or t a d o uma passageira que devia ter lutado com unhas e dentes durante o processo. Mas ele s a b ia qu e n ã o d evia con ta r com es s e tip o d e va n ta gem . Ruth es ta va cer ca d a d e ca ça d or es e u s u á r ios d e m a gia n egr a , cr ia tu r a s qu e n ã o h es ita r ia m em torturá-lo por pura diversão. Ela era louca. Não era estúpida. Damien se misturou às sombras. Estava em uma rua de pedras tomada por con s tr u ções d os d ois la d os . E r a u m a cid a d e a n tiga , exa ta m en te o tip o d e lu ga r on d e n ã o s er ia d ifícil en con tr a r m is tr a is . Por ém , h a via n o loca l m a is d e qu a tr ocen tos h a b ita n tes , e u m p ovoa d o mistral r a r a m en te exced ia d u a s d ezen a s de moradores. Ruth h a via p r efer id o s e p r oteger , em vez d e in s ta la r -s e en tr e os m is tr a is com o gr u p o a s s u s ta d or qu e a s egu ia . E m u m a m b ien te rea lm en te mistral, ela s e destacaria. E le s a b ia qu e es ta va ca d a vez m a is p er to d e Syr een a . A b r is a d a n oite s op r a va a fragrância qu e s ó u m s eleto gr u p o p od er ia id en tifica r com o d ela . Um grupo do qual ele mesmo, Siena e Jacob, o demônio Defensor, faziam parte. O id ea l s er ia en con tr a r u m a for m a d e r es ga tá -la e p a r tir s em s er n ota d o. A p r im eir a cois a a fa zer er a d eter m in a r s e ela es ta va viva . Nes s e ca s o, ter ia d e a gir s em d em or a . S e n ã o, ter ia tem p o p a r a ir b u s ca r r efor ços . Recu p er a r ia m o cor p o dela e puniriam os culpados de maneira exemplar. A ideia era lógica e p r á tica , m a s ele n ã o con s egu ia a ceitá -la . Pod ia es ta r caindo em uma armadilha preparada por Ruth para capturar quem fosse resgatar a princesa, Siena e Elijah, por exemplo, mas não pouparia esforços para salvá-la. Aproximou-s e d e u m ga lp ã o on d e ter m in a va a tr ilh a . Qu a n d o tocou a p a r ed e, s in a is d e a la r m e s oa r a m em s u a m en te e d es p er ta r a m tod os os s eu s in s tin tos . O ch eir o d e m a gia er a in con fu n d ível, rep u gn a n te. Pod ia s e a p r oxim a r s em s er n ota d o, m a s s ó p or d eter m in a d o tem p o. Ruth logo d es cob r ir ia qu e u m a p r es en ça exter n a a m ea ça va s eu s p la n os . Mes m o com tod o o p od er m en ta l, Damien jamais poderia enfrentar com igualdade um demônio da Mente. Ca m in h ou d eva ga r p elo p er ím etr o d a s m u r a lh a s , tes ta n d o com cu id a d o o poder que emanava daquele lugar. Ruth s e a p er feiçoa va com o tem p o. S u a p r is ã o a gor a er a feita p a r a a com od a r tod os os Nightwalkers, e n ã o s ó os d em ôn ios . E la h a via a p r en d id o b em a liçã o d es d e qu e os Nigh twa lk er s h a via m s e u n id o p a r a en fr en tá -la . E la n ã o er a

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a p en a s u m a r en ega d a ten ta n d o s e vin ga r d o p r óp r io p ovo. E r a u m a a m ea ça e u m terrível perigo para todos. Damien piscou p a r a b a ixa r a s m em b r a n a s s en s íveis em s eu s olh os , e foi ofu s ca d o p ela lu m in os id a d e in ten s a ger a d a p elo ca lor d e m u itos cor p os r eu n id os n o cen tr o d e u m a p os en to. Ha via ou tr a s s a la s , e em tod a s ela s os cor p os emanavam calor. Ma s es ta va p r ocu r a n d o p elo ca lor abrasador d e u m lica n tr op o, e n ã o foi d ifícil en con tr a r es s a lu z. E la es ta va en colh id a n o ch ã o em u m qu a r to d o a n d a r superior, ao lado do corpo mais frio e ereto daquela que a capturara. Tin h a d e s e es for ça r p a r a con ter o ód io p or Ruth. E r a a b s u r d o qu e u m a cr ia tu r a t ã o p r ocu r a d a fos s e ca p a z d e en ga n a r os m a is h á b eis ca ça d or es d o p la n eta . E qu a n d o a en con tr a va m , com o a con tecer a n a ú ltim a b a ta lh a , a cr u eld a d e com qu e ela s e d is p u n h a a s a cr ifica r d ezen a s d e h u m a n os p a r a defender-se os confundia, possibilitando sua fuga. E a gor a n ã o er a d ifer en te. Ruth m a n tin h a m u it os h u m a n os n os côm od os d a qu ela ca s a , e n ã o h es ita r ia em s a crificá -los. Damien p r ecis a va en con tr a r u m meio de impedi-la de jogá-los contra ele. Levitou, erguendo-s e d o ch ã o a té s e a p r oxim a r d e u m a ja n ela d e on d e ele p od ia ver o côm od o on d e Ruth m a n tin h a s u a ca tiva . A ja n ela er a m u ito p equ en a , pouco maior que a mão dele. Muito astuto... E r a tã o p equ en a qu e p od ia im p ed ir a en tr a d a d e qu a lqu er cois a , exceto, é cla r o, d e u m d em ôn io d o Ven to em s u a for m a m olecu la r iza d a . E , s em d ú vid a , equ ip a d a com u m d is p os itivo qu e fech a r ia a p a s s a gem im ed ia ta m en te d ep ois d e s u a en tr a d a , com o u m a r a toeir a s e fech a n d o s ob r e o p es coço d o r a to qu e va i buscar o queijo. E Syreena era o queijo. E s p er ou p a cien tem en te qu e Ruth saísse d a s a la . E m d u a s h or a s , n o m á xim o, ele e S yr een a s er ia m im p ed id os d e s e locom over em es p a ço a b er to, p ois o s ol es ta r ia n a s cen d o. Ruth er a ca p a z d e con tr ola r a leta r gia qu e a im p elia a d or m ir d u r a n te o d ia . Dem ôn ios m a is velh os e p od er os os s em p r e p od ia m contornar essa necessidade, pelo menos por algumas horas. E le e S yr een a n ã o tin h a m a m es m a s or te. S yr een a m or r eria p elo en ven en a m en to ca u s a d o p elos r a ios s ola r es , e ele s e tor n a r ia u m a p ilh a d e cinzas. Tudo isso em duas horas. Qu a r en ta m in u tos d ep ois , con s ta tou qu e Ruth h a via d eixa d o a p r is ion eir a s ozin h a . Nã o s a b ia p or qu a n to tem p o ela s e a u s en ta r ia , m a s s a b ia qu e, qu a n d o con s egu is s e r es ga ta r a p r in ces a , ter ia d e p en s a r em u m m eio d e im p ed ir Ruth de rastreá-los, com o ele a ca b a r a d e fa zer . Pod ia en cob r ir os p r óp r ios r a s tr os , m a s não os de Syreena. E la es ta va en colh id a em u m ca n to p r óxim o d a ja n ela , for a d e s eu ca m p o d e visão. Damien en xer ga va a p en a s a s p a r ed es d e p ed r a cob er ta s p or a m u letos e en ca n ta m en tos . Nã o p od er ia p a s s a r p or ta n ta s cer ca s m ís tica s s em s er n ota d o. Sendo assim, recorreria à abordagem direta. Invasão era a palavra de ordem. 31


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Syreena os cila va en tr e a con s ciên cia e a inconsciência qu a n d o a s p a r ed es d e p ed r a exp lod ir a m em tor n o d ela . A for ça m on s tr u os a s a cu d iu o a p os en to com o u m ter r em oto. Um a es p écie d e ca m p o d e for ça a cer ca va , u m p od er tã o in ten s o qu e ela o s en tia com o u m a d or fís ica . Felizm en te, es ta va a b a tid a d em a is p a r a s e incomodar. E r a com o s e u m a tem p es ta d e d e fogo s op r a s s e em s u a d ir eçã o, e ela n ã o d is p u n h a d e n a d a a lém d o p r óp r io cor p o p a r a s e p r oteger . E s ta va en colh id a , a p a vor a d a , a tu r d id a ... E , a in d a a s s im , a b a ixou a ca b eça , ten ta n d o r es p ir a r enquanto esperava que o calor intenso a queimasse... ou passasse. Nes s a p os içã o, ela s en tiu a s m ã os for tes s egu r a n d o s eu s b r a ços , ten ta n d o colocá-la em pé. Mas suas pernas não podiam sustentá-la. E la foi er gu id a d o ch ã o. S en tia -s e p es a d a , com o s e tives s e u m m ilh ã o d e toneladas. Como era possível que alguém a levantasse com tanta facilidade? Houve uma mudança de posição, uma exclamação abafada, e de repente ela era arremessada no ar para a noite escura. Damien s a iu d o a p os en to d em olid o d a m es m a for m a qu e en tr a r a , p ela abertura criada pelo impacto de seu corpo contra a parede. S yr een a p es a va em s eu s b r a ços . Ruth la n ça r a s ob r e ela u m en ca n ta m en to, a u m en ta n d o s eu p es o d ezen a s d e vezes . E r a com o ten ta r voa r ca r r ega n d o u m elefante. Ain d a a s s im , ele con s egu iu s a ir d a ca s a e s u b ir r u m o à s es tr ela s qu e pontilhavam o céu es cu r o. E r a esgotante, es p ecia lm en te d ep ois d o a b u s o d e magia a que se expusera momentos antes. O a s p ecto p os itivo er a qu e Ruth n ã o p od ia voa r , en tã o s eu s poderes de teleporte er a m in ú teis . E la p od er ia s e telep or ta r a o céu e s u r gir d ia n te d ele, s e quisesse, mas cairia em seguida para a morte. Ter ia d e recor r er a ou tr os m eios , e Damien já p od ia s en tir qu e ela ten ta va extr a ir d e s u a m en te o d es tin o d a qu ela ter r ível via gem . S e ela con s egu is s e, esperaria por eles em seu destino. Por is s o, ele a gir a p or im p u ls o, s em p la n eja r . Nin gu ém p od ia a r r a n ca r d e sua mente o que nem ele mesmo sabia. Os u s u á r ios d e m a gia p od ia m levitar, o qu e os exp u n h a a r is cos a té m es m o n o a r . J á p od ia s en tir os p er s egu id ores s e er gu en d o d o ch ã o. Des ca n s a d os e s em nenhuma carga extra, elas logo o alcançariam. Olh a n d o p a r a b a ixo, p r ojetou s ob r e os h u m a n os u m m a n to d e ter r or , espalhando o medo como ondas emitidas por uma bomba nuclear. O ca os im ed ia to d es tr u iu a con cen tr a çã o d o gr u p o. Cor p os ca ír a m p or ter r a , e a té a in va s ã o d e Ruth em s u a m en te p er d eu for ça . E la ten ta va m a n tê-lo sob vigilância e combater os efeitos hipnóticos de sua projeção. Mesmo com seu formidável poder, ela fracassaria. 32


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Damien tir ou p r oveito d es s e in s ta n te e b a n iu d efin itiva m en te a in va s or a d e s u a m en te, en cer r a n d o-a com u m a violên cia qu e, p a r a o in va s or , tin h a u m efeito doloroso, algo como prender o dedo na porta de um carro. Con for m e s e a fa s t a va m d a fon te d o feitiço, o p es o em s eu s b r a ços ia d im in u in d o. Dez m in u tos d ep ois d e ter in icia d o a jor n a d a , Damien carregava S yr een a s em n en h u m a d ificu ld a d e, com o s e ela n em tives s e p es o, a p es a r d e s eu corpo estar frio e totalmente inerte. E la h a via s id o b r u ta liza d a d e vá r ia s m a n eir a s , a lgu m a s a in d a d es con h ecid a s p elo p od er os o p r ín cip e d os va m p ir os . O ch eir o for te d o s a n gu e d es p er ta va s eu s s en tid os , e ele s e en ver gon h a va p or p en s a r n o p r óp r io p r a zer qu a n d o ela es ta va à b eir a d a m or te, in con s cien te e in d efes a . O efeito er a tã o poderoso, que ele começou a tremer. Nã o h a via ca ça d o a n tes d e a com p a n h a r J a s m in e a té a b ib lioteca n a n oit e a n ter ior , p or qu e n ã o tiver a tem p o d e p ed ir p er m is s ã o a S ien a . S a b ia qu e ela o a u tor iza r ia a b u s ca r a lim en to em s u a s ter r a s , p or qu e os va m p ir os n u n ca p r eju d ica va m ou tir a va m a vid a d a qu eles qu e os n u tr ia m , m a s er a u m a qu es tã o d e cor tes ia p olítica . Por is s o, es ta va fr a co e fa m in to, vu ln er á vel a o a r om a d o s a n gu e qu e S yr een a p er d era e a in d a p er d ia . Pr ecis a va en con tr a r a ju d a p a r a salvá-la, e não tinha muito tempo para isso. — Lyric, por favor, traga-me o cesto de costura. A jovem d elica d a e p equ en in a er gu eu os olh os d o livr o p a r a fita r os gr a n d es olhos azuis de sua companheira. — Mas hoje é quarta-feira, e você só costura às quintas — ela disse. — Nã o é exatamente u m a lei. E , em b r eve, ter em os h ós p ed es . Pr ecis o reparar meu vestido azul — Windsong explicou com um sorriso paciente. — Hóspedes? Nu n ca tin h a m h ós p ed es ! Vivia m em u m p equ en o vila r ejo fr a n cês , a p en a s u m a gr u p a m en to d e ch a lés , u m lu ga r ch a m a d o Br is e Lu m in eu s e, cu ja p op u la çã o total era de quinze pessoas, sem contar as crianças pequenas. E m s eu s dezenove a n os d e vid a , n en h u m for a s teir o ja m a is h a via vis ita d o o loca l. E m d ez a n os com o a p r en d iz d e Win d s on g, tin h a m a p en a s d ois vis ita n tes recorrentes, que viviam ali. — Quem? — ela perguntou, tentando conter o tremor das mãos. — Lyric, não me faça perguntas. Vá buscar o cesto. Damien aterrissou d e for m a p ou co gr a cios a . De joelh os , d eitou S yr een a n o solo úmido, n ota n d o qu e ela p er d ia ca lor r a p id a m en te e já r es p ir a va com dificuldade. Não podia seguir viagem sem correr o risco de tê-la morta nos braços, mesmo sentindo que o inimigo se reagrupara e já estava em seu encalço. Ela estava morrendo. Ruth havia arrancado mechas de seus cabelos longos, p r ovoca n d o o a b u n d a n te s a n gr a m en to. S u a in ten çã o d e m a ta r a vítim a er a cla r a , 33


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ta n to qu a n to s u a d is p os içã o p a r a tor tu r á -la a n tes . E qu a n d o ter m in a s s e, ela d evolver ia o cor p o s em vid a a o ter r itór io r u s s o, en via n d o s u a m en s a gem d e vingança. Olh ou em volta , ten ta n d o en con tr a r a ju d a . Nã o s a b ia com o s a lvá -la . Ha via superstições, protocolos, detalhes que não podia deixar de considerar. Se fizesse o que o instinto pedia... S e ela fos s e va m p ir o, n ã o h es ita r ia n em p or u m m in u to. Ma s ela er a d e uma raça distinta. Uma licantropo. E isso fazia toda a diferença. Por ou tr o la d o, d en tr e tod a s a s r a ça s d e Nigh twa lk er s , va m p ir os e lica n tr op os er a m a s m a is p r óxim a s em h a b ilid a d es , p en s a m en to, cu ltu r a e in s tin to. S e h a via u m a p os s ib ilid a d e p a r a o qu e es ta va im a gin a n d o, es s a ch a n ce remota existia entre eles. E s ta va es cr ito n a h is tór ia d os va m p ir os o qu e er a ou n ã o a ceitá vel p a r a s eu paladar. Por exemplo, o sangue de um usuário de magia negra os envenenaria em pouco tempo. S a n gu e h u m a n o er a a b a s e d e s u a p ir â m id e a lim en ta r . Ap es a r d a cr en ça p op u la r , va m p ir os n ã o m a ta va m com s u a m or d id a . E r a fis ica m en te im p os s ível s or ver m a is d o qu e a m eta d e d o s a n gu e d e u m s er h u m a n o, e m es m o es s a qu a n tid a d e er a u m exa ger o, s e o va m p ir o n ã o es tives s e fer id o ou p er d en d o s a n gu e r a p id a m en te, ten d o, p or ta n to, qu e rep ô-lo. A fr a qu eza er a in evitá vel, m a s os s er es h u m a n os s e r ecu p er a va m r a p id a m en te. Na p ior d a s h ip ótes es , s ofr ia m de um quadro de anemia. Va m p ir os n ã o er a m es tú p id os . Por qu e ca u s a r d a n o à fon te a lim en ta r , s e p od ia m s or ver p equ en a s qu a n tid a d es s em qu e o h u m a n o em qu es tã o p er d es s e u m s egu n d o s equ er d e s u a vid a ? As s im , a p r es a con tin u a va viva e s er via d e alimento outras vezes. Com o tod a s a s cois a s n a n a t u r eza , o in s tin to d eter m in a va qu e u m va m p ir o compensas s e d e a lgu m a for m a a qu ilo qu e tom a va . E m s u a op in iã o, p or is s o eles er a m m u n id os d e s is tem a s coagulantes p a r a im p ed ir a p r es a d e s a n gr a r a té a m or te, s em m en cion a r o n otá vel efeito cola ter a l d e u m a tr a n s ferên cia d e anticorpos que podia curar a maioria das enfermidades humanas. Ma s p ou ca s cois a s n a n a tu r eza er a m u n iver s a is . Algu m a s d oen ça s m u d a va m tã o r a p id a m en te, qu e m u itos a n ticor p os s e tor n a va m ob s oletos . O qu e s ign ifica va qu e exis tia m cois a s qu e n em os va m p ir os p od ia m cu r a r . Ha via , p or ta n to, a qu es tã o d o qu e er a n u tr itivo, o qu e er a b en ign o, o qu e er a m or ta l e o que era desconhecido. Tod o va m p ir o s a b ia qu e u m lica n tr op o n ã o p od ia s e b en eficia r d a cu r a proporcionada por seus anticorpos. O que ainda era desconhecido era o que podia a con tecer a o va m p ir o qu e s or via s a n gu e d e u m lica n tr op o. Nightwalkers eram ta b u s p a r a os va m p ir os , com o a çú ca r p a r a d ia b éticos : p od ia m con s u m ir , ta lvez até sobreviver, mas era impossível prever que sofrimento teriam de enfrentar. E esse era o dilema de Damien naquele momento. Exau s to com o es ta va , tem ia s e ver ob r iga d o a u s a r s eu s poderes para con tr ola r u m a even tu a l r ea çã o n ega tiva à in ges tã o d a qu ele s a n gu e. De qu a lqu er 34


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m a n eir a , tin h a m a is ch a n ce d e s ob r eviver n es s a s cir cu n s tâ n cia s s om b r ia s d o qu e Syreena sem sua ajuda. O a u xílio d e qu e ela p r ecis a va es ta va d en tr o d e s eu cor p o, n a for m a d e fatores coagulantes in jetá veis qu e en tr a va m em a çã o im ed ia ta m en te d ep ois qu e u m va m p ir o s e a lim en ta va d a vítim a . Ma s , p a r a a cion a r es s es fa tor es , ele ter ia d e s or ver o s a n gu e d ela . E ela já h a via p er d id o m u ito s a n gu e. Tom a r m a is p od er ia matá-la antes de curá-la. Não fazer nada certamente a levaria à morte. Damien tomou sua decisão. Pa s s a n d o u m b r a ço s ob os om b r os d e S yr een a , a com od ou -a s ob r e s u a s p er n a s . Com u m a gen tileza qu e b eir a va a r ever ên cia , a fa s tou os ca b elos cin zen tos . Os olh os en con tr a r a m a a r t ér ia qu e p u ls a va , fr a ca , em s eu p es coço, e ele fez u m a p r ece r á p id a p ed in d o p ela s egu r a n ça e p elo b en efício d ela . Ped iu também por si mesmo. Nã o es ta va p r ep a r a d o p a r a a in cr ível exp er iên cia . A fom e er a vor a z, u m a s en s a çã o r ep en tin a com o n en h u m a ou t r a , u m a ca r ên cia qu e o fa zia tr em er . E r a s om b r ia , p r ofu n d a , p er s is ten te e, d e r ep en te, ele p er ceb eu qu e a u r gên cia exis tia h a via m u ito tem p o em s eu s u b con s cien te e em s u a s veia s , s ilen cia d a a p en a s p elo seu fabuloso autocontrole. Pr es a s s u r gir a m em s u a b oca , b u s ca n d o o a lvo com fer ocid a d e con tid a . A n eces s id a d e o in va d ia n a for m a d e on d a s s u ces s iva s , er ótica com o a n oite, u m m is tér io p r on to p a r a s er exp os to. S em h es ita r , ele a m or d eu com a velocid a d e d e uma serpente dando o bote. Um a fr a çã o d e s egu n d o a n tes d o con t a to, S yr een a a b r iu os olh os . Algo n o in ter ior d a Nightwalker s a b ia qu e ela es ta va s en d o a ta ca d a e a em p u r r a va d e volta à con s ciên cia , n a es p er a n ça d e p r om over u m a d efes a qu a lqu er . Com o n u m estado de choque, aquele era o último esforço do corpo para se salvar. As s im , ela es ta va con s cien te qu a n d o a s p r es a s d e Damien p er fu r a r a m s eu p es coço. E ta m b ém es ta va fr a ca d em a is p a r a fa zer qu a lqu er cois a a lém d e em itir u m a excla m a çã o d e s u r p res a . Nã o p or s en tir d or — a p er fu r a çã o foi r á p id a e p r ecis a d em a is p a r a ca u s a r s ofr im en to p r olon ga d o. A b oca , p or ém , er a qu en te como fogo, comparada ao frio mortal que dominava seu corpo, e foi esse contraste qu e a es p a n tou a p on to d e leva r u m a gr a n d e qu a n tid a d e d e a r a o in ter ior d os pulmões. Im ed ia ta m en te a p ós a m or d id a , os lá b ios s e s ela r a m em tor n o d a s d u a s perfurações, a língua deslizando ocasionalmente pela pele, uma carícia aveludada e úmida que a fez tremer nos braços dele. A sucção tinha uma intensidade erótica que crescia a cada instante. Damien s en tiu o tr em or d o cor p o em s eu s b r a ços . S a b ia qu e a a qu ecia com seu calor, e sentia o sangue fluindo e descendo por sua garganta como um uísque forte e de boa qualidade. S or ver a s a n gu e d e m u lh eres h u m a n a s m ilh a r es d e vezes , e os feromônios con tid os n ele s em p r e o a feta va m im ed ia ta m en te, in u n d a n d o-o com uma sensação pulsante qu e em m u ito s e a s s em elh a va a o d es ejo s exu a l. Ma s o s a n gu e d e Syreena er a d ifer en te d e tu d o qu e já p r ova r a , d e tu d o qu e p od ia im a gin a r en con tr a r . Ha via p od er , es tím u lo, s en s u a lid a d e... Com o u m a d r oga p od er os a , 35


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in va d ia s eu or ga n is m o e o leva va a u m es ta d o d e r ela xa m en to qu e er a qu a s e u m coma. E le s e s en tou s ob r e o s olo ú m id o, a p er ta n d o-a con tr a o p eito. Pr ecis a va p en s a r . Tin h a d e lem b r a r tu d o qu e er a tã o im p or ta n te m a n ter em m en te, m a s a ú n ica p r es en ça con s ta n te em s u a con s ciên cia er a o s a n gu e d e S yr een a , o cor p o em s eu s b r a ços , os gem id os qu e ela em itia . Os d ed os d es liza va m p or s u a s cos t a s como se ela desejasse acariciá-lo. — Damien... Ou vir S yr een a p r on u n cia r s eu n om e com a qu ela voz r ou ca d es p er tou s eu corpo com a velocidade e a força de um raio cortando o céu. Nã o er a u m a r ea çã o b iológica a o fer om ôn io con tid o n o s a n gu e qu e a ca b a r a d e in ger ir . A d ifer en ça er a cla r a . S eu cor p o qu eim a va , tom a d o p or u m a n eces s id a d e qu ase incontrolável. Nã o d evia s en tir es s a s cois a s . Nã o qu a n d o h a via tanto em jogo. Ma s er a in evitá vel. S yr een a er a a fa n ta s ia d e u m sensualista. O ch eir o, o s a b or , a m a n eir a com o ela s e contorcia lentamente, friccionando o cor p o con tr a o dele... Cerrou os punhos, agarrando o tecido fino do vestido. Deixe-a! Deixe-a a gora! Sua consciência tentava afastá-lo dali, mas o clamor contrariava tudo que ele realmente queria. E ele queria Syreena. Nes s e m om en to, a s m ã os d ela s e a fa s ta r a m d e s eu cor p o, ca in d o in er tes . A s en s a çã o d e p er d a o fez a b r ir os olh os e volta r à r ea lid a d e. A vid a d ela es ta va em risco. A ú ltim a cois a qu e S yr een a s en tiu a n tes d e m er gu lh a r n a es cu r id ã o foi a s egu n d a m or d id a , e d ep ois d ela u m a s en s a çã o qu en te qu e s e es p a lh a va com o fogo do pescoço para todo o corpo. *** Damien ca iu d eita d o d e cos ta s , arfante, a p er ta n d o S yr een a con tr a o p eito. O fr io e a u m id a d e p en etr a va m p or s u a s r ou p a s , m a s ele n em n ota va . Nã o con s egu ia s e m over . Nã o p od ia p en s a r . Den tr o d ele h a via u m tu m u lto d e s en tim en tos e s en s a ções qu e a s con d ições exter n a s n ã o p od ia m toca r ou modificar. E s ta va s u cu m b in d o a o efeito inebriante d e s en ti-la d en tr o d e s i. E r a u m a es p écie d e tr a n s cen d ên cia , com o ir a lém d e s u a liga çã o com o tem p o e o es p a ço. Olh a va p a r a a s á r vor es e a s via d e u m a p er s p ectiva d is tor cid a , tr id im en s ion a l. As estrelas giravam no céu num carrossel cintilante, desenhando trilhas de luz. Fech ou os olh os p a r a com b a ter a n á u s ea , d izen d o a s i m es m o qu e tu d o er a a p en a s u m a leve alucinação. O qu e n ã o p od ia d es ca r ta r com a m es m a fa cilid a d e era a excitação que dominava seu corpo. Sentia o hálito morno de Syreena em seu pescoço, um sinal claro de que ela h a via s ob r evivid o, e s e s en tia gr a to p or is s o. Com o p a s s a r d a s h or a s e d a n oite, ela foi se tornando mais e mais quente em contato com seu corpo. 36


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Lembrou-s e d e qu e n ã o p od ia p er d er m a is tem p o e exp ô-los a o p er igo, m a s n ã o con s egu ia s e m over . E r a com o s e h ou ves s e con s u m id o u m a d r oga paralisante. Não podia se movimentar, mas sentia tudo com mais intensidade. E foi então que a dor começou. Damien gr itou qu a n d o ela exp lod iu em s eu cor p o com r ep en tin a b r u ta lid a d e. O s om ecoou n a n oite e en tr e a s á r vor es , u m rugido fer oz d e a gon ia . E r a com o s e veia s e a r tér ia s fos s em a r r a n ca d a s d e s eu cor p o, com o s e m ú s cu los , tendões e p ele s e r a s ga s s em . Con vu ls ões violen ta s o s a cu d ia m . S a b ia qu e er a vítim a d e u m a ta qu e b r u ta l. Com a a lter a çã o fís ica vin h a a a lter a çã o m en ta l. Por u m m om en to d e h or r or , ele im a gin ou o p r óp r io p eito exp lod in d o, a b r in d o ca m in h o p a r a o golfin h o saltitante qu e, d e a lgu m a for m a , es ta va p r es o d en t r o dele. Ao saltar para a liberdade, o animal se transformou em um falcão. De falcão, ele assumiu a forma de um pombo. A a ve d elica d a p ou s ou a o la d o d e s u a ca b eça . E le p is cou e, n o in s ta n te seguinte, estava olhando para delicados pés descalços. Ator d oa d o, foi s egu in d o a lin h a d os tor n ozelos e d a s panturrilhas a té es ta r olhando para uma mulher que jurava ter visto antes. Windsong ajoelhou-s e a o la d o d o p rín cip e va m p ir o e tocou s u a p ele, ver ifica n d o o ca lor d o cor p o. E r a a ú n ica m a n eir a d e s a b er s e u m va m p ir o es ta va vivo ou n ã o, d es d e qu e n ã o es tives s e d eca p ita d o ou tr a n s for m a d o em cin za s . Essas eram mortes fáceis de identificar. Mes m o n a es cu r id ã o, ela p od ia ver o s a n gu e n os lá b ios d ele. Con s id er a n d o os ferimentos no pescoço da licantropo, era fácil compreender o que Damien havia feito e o qu e o for ça r a a tom a r tã o ter r ível d ecis ã o. O s a cr ifício qu e ele fizer a p a r a salvar a licantropo emocionava a sensível mistral. — Lyric — ela disse ao sentir a aproximação de sua aprendiz e ouvir o bater de s u a s a s a s . A a ve d elica d a s e tr a n s for m ou n a jovem com qu em ela con vivia h a via a n os . — Tem os d e im p r ovis a r macas p a r a levá -los p a r a ca s a . E les p r ecis a m de tratamento e proteção. — Mas como vamos proteger seres tão fortes e... — Da m es m a for m a com o n os p r otegem os , qu er id a . Com a voz, o ca n to e o coração. Eles estão sendo perseguidos. Depressa, não há tempo a perder. Lyric começou a recolher galhos, enquanto Windsong os examinava. E la fech ou os olh os e in s p ir ou p r ofu n d a m en te. Dep ois , com eçou a ca n t a r u m a p od er os a ca n çã o d e p r oteçã o. Com ela , im p ed ir ia a d etecçã o d a p r es en ça d e tod os eles , cr ia n d o u m cír cu lo d e con for to. A exp a n s ã o d es s e cír cu lo s ó d ep en d ia do quanto sua voz poderia se aquecer e ganhar força. Em poucos momentos, toda a flor es ta vib r a va com a s n otas qu e ia m s u b in d o n a es ca la m u s ica l. A m elod ia enfeitiçava e con fu n d ia tod os os qu e es tives s em n o cír cu lo for m a d o p or s u a ressonância, ou que nele tentassem penetrar.

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— Syreena — Siena sussurrou. Levantou-se da neve ensanguentada e olhou para a fêmea de vampiro. — Acha que Damien foi atrás dela? — Com o é im p r ová vel qu e ele a ten h a a ta ca d o, es s a é a ú n ica a lter n a tiva lógica — Jasmine respondeu. — O ch eir o m e tr ou xe a té a qu i, m a s é im p os s ível s egu ir o ra s tr o, p or qu e ele m or r e a qu i, com o o d e s u a ir m ã . A m en os qu e eles tenham fugido para se divertir... — É im p r es s ã o m in h a , ou es tá s e d iver tin d o com a s itu a çã o? — S ien a irritou-se. — E s tou in tr iga d a , s ó is s o. É n a tu r a l d a m in h a es p écie. S or te s u a , p or qu e esse foi o motivo que levou Damien a seguir a princesa. — Ora, sua... — S ien a , J a s m in e n ã o qu is ofen d er n in gu ém ! — E lija h s en tia a ten s ã o aumentar entre as duas. — Ela está apenas relatando fatos. — Exatamente — confirmou Jasmine. — Pode rastreá-los? — S ien a p er gu n tou a o m a r id o, ign or a n d o a fêm ea d e vampiro. — E u p os s o — J a s m in e a n u n ciou . — Pos s o s egu ir Damien s em p r e qu e ele qu is er s er en con tr a d o. E já p er ceb i qu e ele n ã o en cob r iu s eu r a s tr o. E le qu er s er en con tr a d o. E é p r ová vel qu e es teja p r ecis a n d o d e a ju d a . S eu con s or te e eu podemos voar até ele, mas você vai ter de ficar. S ien a n ã o gos ta va d e ou vir a for a s teir a lh e d izen d o o qu e p od ia ou n ã o fa zer , m a s tin h a d e a d m itir qu e ela es ta va cer ta . S u a for m a a n im a l er a u m p u m a , e por isso estava p resa ao chão. — S ien a , fiqu e — E lija h a con s elh ou . — Algu ém tem d e es ta r a qu i, ca s o Damien r etor n e com S yr een a . S e is s o a con tecer , você va i p od er n os a vis a r , e n ós r etor n a r em os im ed ia ta m en te. Tr a r em os s u a ir m ã d e volta . S e ela p u d er volta r , nós a traremos. — Eu sei — ela respondeu amargurada. Jasmine a b r iu os b r a ços , a s p a lm a s d a s m ã os volta d a s p a r a o céu e p a r a a n oite, e s eu cor p o com eçou a s u b ir . E lija h d es p ed iu -s e d a es p os a com u m b eijo breve e a seguiu, alcançado-a imediatamente. — Para onde? — ele perguntou. — Seja paciente. Isso vai levar algum tempo, guerreiro. O rastro está frio. — Eu sei — ele respondeu, olhando para baixo com evidente preocupação. A ter n u r a d o d em ôn io gu er r eiro p or s u a es p os a er a s u ficien te p a r a com over até a endurecida fêmea de vampiro.

CAPÍTULO II 38


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D amien a b r iu

os olh os p a r a a lu z b r ilh a n te qu e o cerca va . As s u s ta d o, exibiu as presas e olhou em volta com um grunhido, pensando em se defender. A jovem s en ta d a a o s eu la d o gr itou a p a vor a d a e cor r eu , d er r u b a n d o a cadeira. — Ten h a ca lm a , Lyric — d is s e u m a voz d oce. — E le n ã o va i lh e fa zer m a l. Vai, Damien? — Windsong? — Ele a reconheceu de imediato. — Sim, sou eu. E r a d ifícil con cilia r tod a s a s in for m a ções qu e r eceb ia a o m es m o tem p o, n ã o só por estar em choque, mas porque a voz de Windsong era um hipnótico natural. Um va m p ir o d e s eu p od er e d e s u a id a d e es ta va im u n e a o en ca n ta m en to, m a s h a via s em p r e u m efeito n a voz d e u m a mistral qu e n ã o s e p od ia ign or a r . Por ém , como ela estava bem intencionada, não havia perigo. — Desculpe — ele m u r m u r ou , d ir igin d o-s e à jovem qu e qu a s e m a ta r a d e pavor. O a lívio qu e o in va d ia er a in d es cr itível. E s ta va m em s egu r a n ça . A es colh a d e Br is e Lu m in eu s e h a via s id o in ten cion a l. Pr eten d er a b u s ca r a b r igo n o vila r ejo, s e fos s e n eces s á r io e, p a r a s u a s or te, Win d s on g p er ceb er a s u a p r es en ça n o momento de maior necessidade. — E s p er o qu e m e d es cu lp e, Lyric — ele r ep etiu , d es s a vez com m a is firmeza. Depois olhou para Windsong. — Sua aprendiz? — Sim. Como se sente? — Cansado. Aparentemente, sobrevivera ao experimento de ingerir sangue de licantropo. Por ém , s a b ia qu e n ã o d evia r ep etir o a to d e cor a gem n o fu tu r o p r óxim o. Ain d a s e lembrava da dor, e sabia que essa memória o atormentaria por muito tempo. Sentia-se pesado e exausto, mas não estava com fome. O corpo ainda lidava com os d a n os ca u s a d os p ela exp er iên cia . A r ecu p er a çã o ca u s a va u m a s ensação de impotência que ele odiava. — E Syreena? — Está descansando — respondeu Windsong. — Ela está bem? Vai sobreviver? — Gr a ça s a você, Damien, sim — r es p on d eu a mistral, r evela n d o ter conhecimento do que ele fizera em sua tentativa desesperada de salvá -la. — Graças à sorte — ele a corrigiu com um suspiro cansado.

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— Nes s e ca s o, d evem os fa zer u m a p r ece d e a gr a d ecim en to p or s u a s or te antes de irmos dormir esta manhã. — Qu a n to tem p o tem os a té o a m a n h ecer ? — Nor m a lm en te, s eu cor p o s a b ia exa ta m en te qu a n t a s h or a s fa lta va m p a r a o r etor n o d o s ol, m a s n ã o s e surpreendia com o temporário entorpecimento de suas sensibilidades internas. — Já está amanhecendo — informou a aprendiz. — Ob r iga d o, m eu b em . No m om en to, a ch o qu e es ta r ia a r d en d o a n tes d e perceber. Lyric riu. — E n tã o, es tá es tu d a n d o p a r a s er u m a cu r a d or a ... Nã o p od er ia ter m elh or tutora. A m u lh er qu e s a lvou h oje n ã o ter ia ch ega d o à id a d e a d u lta , s e n ã o fos s e por Windsong. — Ah , b em , n or m a lm en te p r od u zim os m ed ica m en tos à b a s e d e er va s . Windsong não me permite acompanhá-la nos casos mais sérios. — Por qu e a in d a es tá a p r en d en d o. Um d ia d e ca d a vez — exp licou a m a is velha. — Não é espantoso, Damien, como os jovens estão sempre ansiosos para se meter em confusão? Damien con cor d ou , r in d o. Con h ecia va m p ir os p r ecoces com es s a m es m a característica. Jasmine era uma delas. — Agor a , Lyr ic, volt e a o s eu lu ga r e r etom e s u a ca n çã o d e r ecu p er a çã o — Win d s on g a in s tr u iu . — Lyr ic tem u m a voz excep cion a l, Damien. E la o a ju d a r á a adormecer. — Não duvido disso — ele respondeu. Relaxan d o ta n to qu a n to er a p os s ível n a ca m a d es con h ecid a , ele fech ou os olh os e ten tou ign or a r os ecos e r es íd u os d a d or qu e p er s is tia em s u a m em ór ia e em seus nervos. Lyr ic com eçou a ca n ta r a s ca n ções qu e h a via p r a tica d o d u r a n te a n os , s em p r e es p er a n d o p or u m a ch a n ce d e u s á -la s . E r a fa s cin a n te e u m a h on r a qu e seu primeiro paciente fosse o poderoso príncipe dos vampiros. A voz da mistral fluía pelo corpo de Damien como uma brisa lenta. A canção er a r ep leta d e im a gen s relaxantes, d e ca m p os e a r fr es co e lu a r cintilando s ob r e a p a is a gem s er en a . E le s e d eixou en volver p or es s a for m a es p ecia l d e m a gia . Enquanto Windsong estivesse ali, todos teriam segurança. Mergulhou num sono profundo depois de pensar nisso. Damien acordou com uma canção poderosa em algum cômodo distante. Era fá cil r econ h ecer o ta len to e a voz a in d a d es tem p er a d a d e Lyr ic. Ma is a lgu m a s décadas de estudo com sua eficiente mentora, e ela seria insuperável. Ficou ou vin d o o cor o d a s d u a s m is tr a is , d eixa n d o-s e leva r à qu ele es ta d o semi-h ip n ótico qu e a ca lm a va a té a m a is d u r a d a s a lm a s . E la s p r ep a r a va m a p r im eir a r efeiçã o d a n oite e ca n ta va m . O ca lor d a cozin h a e s eu s a r om a s tentadores acompanhavam as notas melodiosas. 40


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Sentou-s e e alisou os ca b elos com os d ed os . E n tã o, n otou a s egu n d a ca m a no quarto, colocada em posição perpendicular à direita da dele. Levantou-s e, h es ita n d o a o n ota r qu e a s r ou p a s s u ja s d e s a n gu e h a via m s id o r em ovid a s d e s eu cor p o e qu e ele s e en con tr a va n u s ob a cob er ta . Des p i-lo d evia ter s id o u m a in con tes tá vel n eces s id a d e, con s id er a n d o qu e a raça mistral era mais conservadora e recatada que a dele. S or r iu . Ha via m u ito tem p o n ã o p r ecis a va p en s a r com o u m ca va lh eir o. Enrolou-s e n o len çol e s a iu d a ca m a . S en tia u m p ou co d e fom e, o qu e er a b om sinal, e tinha o coração leve. Devia ser efeito da canção. Aproximou-s e d a ca m a d e Syreena, inclinando-s e p a r a toca r a s bandagens qu e cob r ia m s eu cou r o ca b elu d o. S en tia s u a p u ls a çã o es tá vel, for te, e o ch eir o d a s er va s u s a d a s p a r a tr a tá -la e b a n h á -la . E r a u m for te p er fu m e d e lavanda, um de seus favoritos. Sentou-s e n a b eir a d a d a ca m a p a r a u m a in s p eçã o m a is d eta lh a d a . S yr een a tin h a h em a tom a s h or r íveis n o r os to e n o p es coço. A p er d a d e s a n gu e r eta r d a va s u a r ecu p er a çã o, n or m a lm en te r á p id a , ou já es t a r ia m qu a s e p r on tos p a r a volt a r para casa. As m ã os d ela es ta va m en volta s em cu r a tivos e fa ixa s , e ele rem oveu a s bandagens d e u m a d ela s p a r a d es cob r ir o qu e h a via a con tecid o. Ao ver os fer im en tos qu e p en etr a va m p r ofu n d a m en te a s m ã os d elica d a s , n ã o con teve u m grunhido furioso. A ca d ela d oen te n ã o h a via a p en a s a r r a n ca d o a s p en a s d a p r in ces a , m a s ta m b ém cor ta r a s u a s a s a s . Os fer im en tos n ã o d u r a r ia m u m d écim o d o tem p o pelo qual perdurariam as lembranças de sua aquisição. Tocou a s fer id a s com d elica d eza . S en tin d o qu e a p u ls a çã o d ela s ofr ia u m a im ed ia ta a lter a çã o, fitou o r os to p á lid o. Os olh os d e S yr een a es ta va m a b er tos . Ou m elh or , qu a s e a b er tos . E r a im p os s ível er gu er com p leta m en te a s pálpebras inchadas. — Bem-vinda de volta — ele murmurou. Ela não respondeu. Em vez disso, olhou em volta, obviamente confusa. — Veio atrás de mim? A voz s oa va r ou ca , r es u lta d o d a ten ta tiva d e es tr a n gu la çã o qu e a r r eb en ta r a muitos vasos no interior da garganta. — Sim, quando percebi o que havia acontecido. — Obrigada. — S u s p ir ou , fech a n d o os olh os e ten ta n d o s e m over . O gem id o de dor foi suave, considerando o sofrimento físico que devia estar enfrentando. — Nã o p r ecis a s e m exer . E s tá r eceb en d o cu id a d os e tr a ta m en to. Va i s e recuperar. Ela abriu os olhos novamente. — Onde estamos? — Brise Lumineuse.

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S a b ia qu e ela con h ecia o lu ga r e s eu s h a b ita n tes . Windsong salvara Siena d o en ven en a m en to p or lu z s ola r p ou co m a is d e u m m ês a tr á s . Pelo olh a r d ela , percebeu que tinha consciência de que estava aos cuidados da generosa mistral. S yr een a olh ou p a r a a m ã o qu e ele a in d a a fa ga va , e Damien s en tiu u m a incrível tristeza ao ver de novo os terríveis ferimentos. — Sinto muito — ele disse. — Por quê? — Por ter demorado tanto a encontrá-la. E le n ã o tin h a m otivo p a r a s e d es cu lp a r . Ta n ta s en s ib ilid a d e e p r eocu p a çã o vindas de uma fonte tão improvável a enchiam de uma emoção que não conseguia exp lica r , e qu e m a n tin h a s ob r ígid o con tr ole d es d e qu e tod o a qu ele tormento com eça r a . Lá gr im a s b r ota r a m em s eu s olh os , m a s ela vir ou o r os to en qu a n to ten ta va r ecu p er a r o d om ín io s ob r e os s en tim en tos d e m ed o, r a iva , e... e ta n tos outros que nem podia reconhecer. — Não faça isso — ele pediu, tocando seu rosto para que o fitasse. — Não se envergonhe do que sente. — É es tr a n h o ou vir es s e con s elh o d o p r ín cip e d e u m a es p écie qu e s en te pouco e expressa menos ainda. — Como pode saber? — Ele sorriu. — Só conheceu dois vampiros em toda a s u a vid a ! O qu e s a b e s ob r e n ós é o qu e a p r en d eu com s eu s m on ges , e os livr os não nos retratam com fidelidade. S yr een a s a b ia d is s o. J á p erceb er a a lgu m a s d ifer en ça s im p or ta n tes . Ma s não gostava de se sentir vulnerável e exposta. Notou qu e Da m ien es ta va d es p id o, e s ó en tã o p en s ou qu e ele p od ia ter s id o fer id o, ta m b ém . Lembrava-se d e u m a violen ta exp los ã o e d o d es en ca d ea m en to d e p od er os a m a gia qu a n d o ele s u r gir a p a r a s a lvá -la . A exp eriên cia cer ta m en te h a via sido dolorosa, e só alguém com a força do príncipe poderia ter sobrevivido. — Você es tá b em ? — ela p ergu n tou , já qu e n ã o con s egu ia id en tifica r s in a is d e fer im en tos gr a ves . Na ver d a d e, ele p a r ecia s a u d á vel d em a is p a r a a lgu ém qu e enfrentara tantos perigos em uma só noite. — Até agora, sim — ele respondeu sério. O com en t á r io d eixou d e s er m is ter ios o n o in s ta n te s egu in te, qu a n d o a s lembranças a atingiram. Sentou-se tão repentinamente, que o surpreendeu com o movimento. — Damien! — ela excla m ou ch oca d a , exa m in a n d o-o com m a is a tenção. — Você es tá b e m ? — Sim, estou — ele garantiu, empurrando-a de volta sobre os travesseiros. — Por que fez isso? Podia ter morrido! — Não morri. — Arriscou sua vida pela minha como se não tivesse responsabilidades com toda uma raça! Foi uma atitude tola e ridícula! 42


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— Não gosto de ser criticado por meus atos, Syreena. — Pois d evia s e a cos tu m a r . E u ja m a is t er ia p er m itid o qu e S ien a com etes s e tamanha loucura! — É mesmo? Por isso a impediu de quase morrer para salvar o marido? O com en tá r io teve o efeito d e u m golp e fís ico, e Da m ien com p r een d eu qu e ela r ea lm en te s e cu lp a va p elo in for tú n io qu e qu a s e leva r a a ir m ã à m or te n o último mês de outubro. — O que esperava, Syreena? Acha que eu devia ter deixado você sangrar até a morte? — ele perguntou, tentando fazê-la esquecer a dor que acabara de causar com a s p a la vr a s impensadas. — Por qu e a ch a qu e m in h a vid a va le m a is qu e a sua? — Por qu e n ã o s ou tã o es p ecia l qu e tod a u m a r a ça d eves s e s er p r iva d a d e seu monarca por minha causa! — Para sua sorte, não concordo com isso. E la o en ca r ou p or u m in s ta n te, com o s e qu es tion a s s e s u a s a n id a d e m en ta l. Depois, sem nenhum aviso, ergueu-se para beijá-lo. Da m ien r ea giu em ch oqu e a o a to ou s a d o e ilógico, m a s ficou a in d a m a is ch oca d o qu a n d o s en tiu o s a b or s a lga d o d a s lá gr im a s d ela . S yr een a s e a fa s tou a p en a s a lgu n s cen tím etr os , o cor p o trêmulo s ob a s m ã os d ele, os olh os r evela n d o uma terrível confusão de emoções e sensações, provocando nele idêntica resposta. — Por que você... — Damien — ela o interrompeu, emocionada —, isso é um conto de fadas. E nos contos de fadas, a princesa sempre beija o príncipe que a salva. E r a u m com en tá r io ingênuo e en ca n ta d or . S yr een a er a u m a m u lh er for te, in s tr u íd a , d on a d e u m a r a cion a lid a d e qu e n ega va tod a e qu a lqu er ilu s ã o d e in gen u id a d e, m a s tin h a cor r id o o r is co d e s e exp or com o id ea lis ta r om â n tica p a r a exp r es s a r s u a gr a tid ã o. A r evela çã o d es s a fa ceta tã o p r otegid a d e s u a p er s on a lid a d e s ign ifica va m a is p a ra Da m ien d o qu e o m a is eloqu en te agradecimento. — S yr een a , n ã o s ou u m h er ói — ele d is s e. — Nã o ten te m e tr a n s for m a r em um. E la o b eijou n ova m en te, e Da m ien cor r es p on d eu com a r d or . Nen h u m d os d ois con s egu ia com p r een d er o im p u ls o, o d es ejo d e es ta r p r óxim o d o ou tr o. Ma s S yr een a exib ia em s u a s a titu d es u m a cer teza in a b a lá vel. S a b ia o qu e qu er ia , e es ta va d is p os ta a tor n a r a qu ele m om en to m u ito p r ecios o Pa r a a m b os . Logo chegaria o momento seguinte. Mas esse momento... E s s e m om en to er a d e gr a tid ã o, d e gen tileza e, a cim a d e tu d o, u m m om en to para sentir algo que não fosse dor, luta ou consequências imediatas. Aquilo seria simplesmente o que era. Um beijo. Um beijo entre um homem e uma mulher. Não Nightwalkers. Nem príncipe e princesa. Nem vampiro e licantropo. Simplesmente um homem e uma mulher. 43


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Damien s e s en tia in u n d a d o p ela p u reza d o a to. Per ceb ia , d e r ep en te, qu e Syreena tin h a s a b or , ca lor , textu r a , qu e er a líqu id a , s ólid a e m a cia , e tod a s a s outras qualidades essenciais naturais à vida. Ao m es m o tem p o, p er ceb ia qu e ela n u n ca h a via b eija d o u m h om em a n tes . Nunca, em todo o seu século de vida. Vivi e m u m a m b ien te fech ad o, n o claustro, p riv a d a d e tod a s a s op ortu n id a d e s d e form a r ligaçõe s ou afe ições fora d o relacion a m e n to en tre p rofes s or e alu n o. No in ício, s en ti fa lta d e tu d o, m a s d epois m e s en ti tã o en torp ecid a p ela falta d e s s e n u trien te d a v id a , qu e n u n ca p en s e i e m procurá-lo. Esses eram os pensamentos que ele lia com facilidade, embora não pudesse analisá-los. O b eijo foi ta m b ém u m a to d e cor a gem . Um d es n u d a r d a a lm a e d e s u a vu ln er a b ilid a d e, u m a r evela çã o d e s u a tota l in exp er iên cia . Devia s er d es con for tá vel e con s tr a n ged or , m a s n ã o er a . Dep ois d e ter p a s s a d o b oa p a r te d a vida como aluna, ela revelava toda a sua capacidade de aprender e se adaptar. Os lá b ios s e entreabriram. As lín gu a s s e en con tr a r a m p a r a u m a d a n ça sensual e quente. Damien p er d eu a n oçã o d e t u d o, tom a d o p ela d elica d eza s in gu la r d a qu ele b eijo e d om in a d o p elo cr es cen te in ter es s e d e s eu cor p o. S en tia o ch eir o d e lavanda e d e ou tr a s es s ên cia s , u m a m is tu r a qu e o leva r a a cr u za r ocea n os p a r a encontrá-la e r es ga tá -la . Os d ed os d a m ã o cu jos cu r a tivos ele h a via r em ovid o a ca r icia va m s u a n u ca , d es a fia n d o os s en tid os e a r a zã o. O b eijo ga n h a va intimidade e despertava apetites mais primitivos. Des lizou a m ã o p ela s cos ta s n u a s d e S yr een a , qu e es tr e- m eceu e colou o cor p o a o d ele. In ter r om p eu o b eijo a o s en tir os s eios r oça n d o s eu p eito, o ca lor d a p ele n u a in cr ivelm en te in ten s o e p r ovoca n te. E le s e es for ça va p a r a r ecu p er a r o equilíbrio, repousando a testa na dela. J a m a is h a via im a gin a d o qu e p u d es s e exis tir ta n ta p r ofu n d id a d e em u m s im p les con ta to fís ico. O ca lor qu e o in va d ia d es p er ta va lem b r a n ça s d o s a b or d o s a n gu e d e S yr een a , d e com o ela gem er a d e p r a zer a o s en tir a in va s ã o d a s p r es a s e os lábios sugando-lhe o pescoço. Damien gem eu , e o s om tr a iu u m in ten s o d es ejo, u m a m is tu r a d e s en s u a lid a d e e fr u s tr a çã o. E le a a b r a çou , cola n d o a fa ce à d ela , r es p ir a n d o profundamente antes de soltá-la e se afastar. — Não... — Syreena pediu. — É necessário. — Por quê? — Por várias razões. — E não há nenhuma razão para ficar? — Mu ita s m a is — ele con fes s ou , m a n ten d o a d is tâ n cia en tr e eles . — J á m e a gr a d eceu , S yr een a , e d e m a n eir a en ca n ta d or a . Ma s es s e é o p on to em qu e a gr a tid ã o d eve a ca b a r . Qu a lqu er cois a a lém d is s o... p od e a con tecer , ta lvez, ou tr o dia... por razões distintas. 44


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Com um suspiro resignado, ela se deitou sobre os travesseiros. — Há u m a cois a qu e u m va m p ir o d e id a d e a va n ça d a a p r ecia m a is d o qu e tu d o n o m u n d o — Damien disse. — E é s er d elicios a m en te s u r p r een d id o. Você é uma coleção inesgotável de surpresas, doçura. E la s or r iu . O p r ín cip e s e in clin ou p a r a b eijá -la n a tes ta e s a iu d e p er to d e sua cama. E lija h p er cor r ia a á r ea d a cela len ta m en te, ten ta n d o en ten d er o qu e via . S u a p a r ceir a tem p or á r ia es ta va a b a ixa d a em um ca n to on d e h a via m u ita s manchas escuras de sangue. — A p r in ces a foi m a n tid a n es s e a p os en to, n ã o h á d ú vid a m u r murou Jasmine. — Ca ça d or es , u s u á r ios d e m a gia ... u m d em ôn io. — E n ca r ou -o, intrigada. — Ruth. Uma traidora. — Ah, sim. Ela. — Damien havia lhe contado a história. — Bem , tod os a b a n d on a r a m o lu ga r com gr a n d e p r es s a . E ter ã o m u ita s horas de vantagem sobre nós, já que tivemos de parar para nos proteger da luz do sol. — Vamos pensar nisso mais tarde. Damien e Syreena... — Não consigo localizar o rastro. Ele deve ter se escondido para despistar os p er s egu id or es . Ma s s in to p er feita m en te o s a n gu e d e S yr een a . E la es tá s a n gr a n d o muito. E lija h já h a via n ot a d o a s m a n ch a s a s s u s ta d or a s . Nã o con s egu ia im a gin a r com o ela p od er ia s ob r eviver a tã o gr a ve p er d a d e s a n gu e, p or m a is qu e Da m ien obtivesse ajuda rapidamente. — Estamos em território mistral — Elijah observou. — E eles estiveram aqui p or u m b om tem p o. — Pod ia ver s u p r im en tos e r es tos , evid ên cia s d e u m a es ta d ia prolongada. — Nã o p a r ece qu e es ta va m p r ep a r a d os p a r a p a r tir — J a s m in e com en tou , p a s s a n d o a o cômodo vizinho. — Veja is to. E s ta va m n o m eio d a r efeiçã o qu a n d o Damien chegou. — Mesas longas ainda sustentavam pratos com comida e canecas cheias. — Nã o en ten d o. Por qu e u m exér cito s e r ega la com u m a la u ta r efeiçã o, qu a n d o mantém um prisioneiro perigoso na sala ao lado? — Ta lvez n em s ou b es s em qu e h a via u m p r is ion eir o. Ten h o a s en s a çã o d e que Ruth agia por conta própria, deixando seus tolos seguidores no escuro. — Tem ra zã o. E la é m es m o lu n á tica ! S ó p es s oa s d es equ ilib r a d a s fa zem essas escolhas tão impulsivas. — Nã o foi a s s im qu e en s in ei Ru th a p en s a r . S ei qu e ela é ca p a z d e m uito mais. — Olh ou p a r a J a s m in e. — É m elh or con tin u a r m os s egu in d o Da m ien e S yr een a . Por m a ior qu e s eja m in h a von ta d e, n ã o p os s o p er s egu ir es s es nigromantes agora. Não enquanto não tiver certeza de que os dois estão seguros. 45


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— De acordo — ela respondeu. Aquela ca p a cid a d e d e con tr ola r o in s tin to e im p or a lógica er a a gr a n d e d ifer en ça en tr e u m gu er r eir o e u m líd er gu er reiro. E r a o qu e a fa zia ter cer teza a b s olu ta d e qu e E lija h p ega r ia Ru th n o fin a l. Ru th n ã o tin h a ca p a cid a d e d e lid er a n ça . Des p er d iça va s u a en er gia e s eu s r ecu r s os p a r a s a tis fa zer n eces s id a d es emocionais próprias, em vez de obedecer a uma estratégia adequada. Jasmine seguiu o guerreiro que já localizava o rastro de Syreena. Da m ien es ta va em p é n a es cu r id ã o gela d a , d eixa n d o o ven to fr io en volver seu corpo. As rajadas sacudiam suas roupas limpas e a trança refeita. Pr ecis a va s e a lim en ta r . Por ém , d eixou d e la d o es s a n eces s id a d e. Nã o p od ia s a ir d o ch a lé e a b a n d on a r s eu s ocu p a n tes , m es m o qu e p or p ou co tem p o. Win d s on g e Lyr ic s e exp u n h a m a gr a n d e r is co p or eles , e n ã o a s d eixa r ia d es p r otegid a s d ep ois d e ter p r a tica m en te con d u zid o in im igos fer ozes à p or ta d a ca s a d ela s . A p r oteçã o d a s ca n ções d e Win d s on g er a im p r es s ion a n te, m a s n ã o d u r a r ia p a r a s em p r e, n em p od er ia m a n ter a fa s ta d a u m a cr ia tu r a com o Ru th . Francamente, estava surpreso por ela ainda não ter aparecido. E r a evid en te qu e Ru th h a via a b a n d on a d o tod a n oçã o d e a u top r es er va çã o, b u s ca n d o a p en a s vin ga n ça . E n fu r ecid a e d es equ ilib r a d a , ela n ã o tin h a m a is lógica ou n oçã o d e p er igo. S e s eu s s egu id or es n ota s s em o gr a u d e lou cu r a d a líd er , cer ta m en te d eixa r ia m d e a ca ta r s u a s or d en s . Se fos s em elim in a d os d a equ a çã o, ca p tu r á -la s er ia m u ito m a is fá cil. A m á gica er a u m r ecu r s o n ã o qu a n tificá vel, d es tit u íd o d e diretrizes, r ep leto d e p os s ib ilid a d es . Até o m om en to, ninguém jamais soubera que um Nightwalker podia usar magia. E s s a er a u m a p er s p ectiva a t er r or iza n te. A m a gia n egr a tin h a u m a ver d a d e u n iver s a l: cor r om p ia d e m a n eir a u n â n im e. Por is s o, os u s u á r ios exa la va m u m cheiro tão repugnante para os Nightwalkers. O aroma era a essência da corrupção da alma, da podridão da consciência. Era a antítese do amor entre almas gêmeas. E lija h e S ien a er a m a lm a s gêmeas. O a m or qu e os u n ia tr a n s cen d ia o ta b u cu ltu r a l, a in d ep en d ên cia es p ir itu a l, e d es a fia va tod a s a s r egr a s es cr ita s d o mundo Nightwalker. A m a gia ta m b ém p od ia p r od u zir es s a s cois a s , m a s a diferença estava nos efeitos. Siena e s eu p a r ceir o er a m a gor a u m s er s in cr on iza d o. Ha via m s e h a r m on iza d o p a r a cr ia r u m a for ça u n ifica d a im p r es s ion a n te e s u p er ior . E s s a união destruíra rapidamente muralhas de preconceito e desconfiança; eliminava a p os s ib ilid a d e d e gu er r a s fu tu r a s en tr e a s d u a s s ocied a d es e con s tr u ía u m a possibilidade para os que viviam o presente, e para seus filhos no futuro. Ma gia s ó cr ia va d is cór d ia . Doía , fer ia , r a s ga va cos tu r a s d e p on tos fir m es e cu id a d os os . A n a tu r eza s ofr ia d es equ ilíb r io e d or s ob s u a in flu ên cia ven en os a . Um exem p lo d is s o er a a intimação, n a qu a l o d em ôn io n om ea d o er a r ou b a d o d e s u a vid a , a p r is ion a d o em u m p en ta gr a m a ven en os o, s u b ju ga d o p ela for ça n egr a d a m a gia . E s s e p r oced im en to os tr a n s for m a va em m on s tr os s em a lm a e s em con s ciên cia , e r ep r es en ta va o in s u lto s u p r em o a u m m em b r o d e u m a es p écie normalmente moral e consciente do próprio comportamento. 46


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A m a gia ta m b ém tin h a s u a m a n eir a d e a tin gir os va m p ir os . Damien os vir a m or tos p or ela , d eca p ita d os , eviscerados e p a r a lis a d os , prostrados a té a ch ega d a do sol que os transformava em cinzas. Essa praga jamais seria erradicada até que o último livro de magia, o último pergaminho d e p a la vr a s a m a ld içoa d a s fos s e qu eim a d o e d es tr u íd o, a té qu e fos s em d es tr u íd os ta m b ém os qu e gu a r d a va m es s a s m es m a s p a la vr a s n a memória. E r a u m a t a r efa im p os s ível. A d es cob er ta d e com p ên d ios d e en ca n ta m en to e m a gia n a b ib lioteca ocu lta er a p r ova d is s o. Por cem a n os a m a gia for a s u foca d a e con tr ola d a , m a s eu r es s u r gim en to r ecen te er a a p r ova d e qu e ela n ã o s er ia erradicada. Não realmente. — Damien? Ele se virou ao ouvir a voz melodiosa. — Syreena, devia estar descansando. — Não consigo dormir. E la s e en r ola r a n o cob er tor p a r a p r es er va r o ca lor d o cor p o, e er a p os s ível ver o tecid o a zu l qu e cob r ia s u a s p er n a s a té a a ltu r a d os joelh os . Windsong devia ter em p r es ta d o a ela u m d e s eu s ves tid os p a r a s u b s titu ir o qu e for a r a s ga d o. Seus pés estavam descalços sobre o piso frio. — Sente-se aqui — ele s u ger iu , a p on ta n d o p a r a u m b a n co d e p ed r a a o s eu la d o. O b a n co er a a lto, e ele a er gu eu p a r a a com od á -la . E s tu d ou -a com in ter es s e e preocupação. — Só estive doente uma vez em toda a minha vida — Syreena contou. — Isso não é doença. — A sensação é a mesma. Ou pior. A primeira vez foi quando me tornei essa criatura... bicolor. — E la s or r iu . — Hoje n em m e lem b r o m a is d e qu e cor er a m eu ca b elo. Fu i in s u p or tá vel d u r a n te a lgu m tem p o, e a gor a ... E en gr a ça d o com o cois a s qu e p a r ecia m tã o im p or ta n tes n a ju ven tu d e p er d em a im p or tâ n cia com o passar do tempo. — Ta m b ém n ã o m e lem b r o m u ito d os m eu s p r im eir os cem a n os — ele confessou, rindo. Era mentira, é claro. — Não lembra? Ou prefere não lembrar? Você deve ter sido terrível. — É , eu fu i. Ma s m e d iver ti m u ito. Ma is ta r d e, com ecei a s en tir u m d es en ca n ta m en to qu e s e tr a n s for m ou em tor p or , e es s a foi a p ior cois a qu e já s en ti em tod a a m in h a vid a . Pa s s ei cen to e vin te e u m a n os d ep r im id o, en colh id o em u m b u r a co. Qu a n d o a cor d ei, p r om eti a m im m es m o qu e s er ia m a is gen til e com ed id o com m in h a d iver s ã o, qu e s a b er ia a p r ecia r m elh or a d á d iva d o tem p o e d o en tr eten im en to. Des d e en tã o, n u n ca m a is p r ecis ei m e r ecolh er p a r a s u p er a r a depressão. — E p or is s o a cu m u lou p od er e s a b ed or ia p a r a s e tor n a r o p r ín cip e d e s u a raça.

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— Ach o qu e s im . Nu n ca s e r es s en tiu con tr a o fa to d e s u a vid a ter s id o sempre decidida por terceiros? — Res s en tim en to é u m a p a la vr a for te d em a is . Cr ia n ça s s e r es s en tem . Adultos ficam frustrados. Damien entendia bem a distinção. A posição que Syreena ocupava não dava a ela o direito de ter uma crise temperamental. — Talvez um dia você possa seguir o caminho que escolher — ele disse. — Ta lvez. Qu a n d o S ien a tiver filh os e a s s egu r a r a s u ces s ã o a o tr on o. E , m es m o en tã o, a in d a s er ei s u a con s elh eir a e con fid en te. S ou a lógica qu a n d o ela é emoção. Siena precisa de mim. — E você, Syreena? Do que precisa? — Preciso ser necessária. Por que me pergunta isso? — Na verdade, a questão é "Por que não pergunta isso a si mesma?". — De repente me conhece tão bem assim? — S ei o qu e s ign ifica ter r es p on s a b ilid a d es e s er o foco d e tod a s a s exp ecta tiva s . S ei o qu e s ign ifica s er d a r ea leza . Além d e s u a ir m ã , s ou a p es s oa mais parecida com você. E le tin h a r a zã o, e con s ta ta r qu e u m es tr a n h o er a ca p a z d e in ter p r etá -la tã o b em a d eixa va exp os ta , vu ln er á vel e fu r ios a . A s en s a çã o d e fr a gilid a d e s em p r e a incomodara. — E s cu te, s eu d ever com m in h a ir m ã es tá m a is d o qu e cu m p r id o. Nã o precisa mais ser tão gentil comigo. Ela saltou do banco, e ele a seguiu, intrigado. — S u a ir m ã n em m e p a s s ou p ela ca b eça qu a n d o d ecid i ir a tr á s d e você, Syreena. Ela parou e se virou com os olhos cheios de suspeita e raiva. — Não se atreva a me tratar com essa condescendência paternal! — Não é o que estou fazendo. — Por qu e is s o a gor a ? Por qu e a in d a es tá a qu i? Por qu e con tin u a m e seguindo? — Por qu e você p r ecis a d e p r oteçã o. E , com o d is s e h á p ou co, p r ecis a s er necessária. Da m ien en ten d ia a exp r es s ã o d e s u r p r es a d ela . Nã o s a b ia d e on d e h a via tirado essa última colocação. — De que maneira posso ser necessária para você? A in fin id a d e d e r es p os ta s qu e in u n d ou s u a con s ciên cia teve o p od er d e fazer até um vampiro corar. — Nã o s ei. E n ã o vou con s egu ir en con tr a r r es p os ta s s e você in s is tir em fugir delas. 48


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— Não precisa ter pena de mim só porque chorei nos seus braços há pouco. Não sou uma menina mole que precisa de elogios e tapinhas na cabeça. — Tod os n ós p r ecis a m os d e elogios . E s e fos s e m ole, S yr een a , m er ecer ia minha aversão, não minha piedade. Não tenho paciência para gente que fica pelos cantos choramingando, esperando que alguém as salve. E r a d ifícil fica r fu r ios a com a lgu ém qu e p en s a va com o ela . Da m ien es ta va surpreso por constatar como ela era parecida com o pai nesse aspecto. — Não sou! — ela reagiu furiosa. — E u n ã o d is s e n a d a , S yr een a . Ap en a s p en s ei. E n ã o m e lem b r o d e ter permitido seu acesso aos meus pensamentos. O qu e ele n ã o d is s e er a qu e es ta va ch oca d o p or ela ter con s egu id o in va d ir s eu s p en s a m en tos . E r a m p ou ca s a s cr ia tu r a s qu e con s egu ia m ler s eu s p en s a m en tos , m es m o com s u a p er m is s ã o. E com o ela con s egu ir a ? Lica n tr op os não eram telepatas. Apenas adivinhavam as coisas, valendo-se de uma coleção de d a d os vib r a tór ios e d e u m s exto s en tid o m u ito p r ecis o. E S yr een a ler a s eu pensamento literalmente. Ela também estava confusa. — De qu a lqu er m a n eir a — ele p r os s egu iu , a b a la d o —, eu es ta va p en s a n d o n o s eu tem p er a m en to, n ã o n a es s ên cia d e qu em você é. Na d a qu e você já n ã o saiba. — Nã o p r ecis o d e u m es tr a n h o m e d izen d o qu em s ou — ela p r otes tou , m a s a s p a la vr a s p er d er a m a in ten s id a d e. E s ta va ca n s a d a , p er tu r b a d a e fa zen d o u m grande esforço para culpá-lo por seus sentimentos. — Precisa descansar. Ainda não se recuperou. — Pare de me dizer o que devo fazer, por favor. Ela caiu onde estava, tão exausta que nem conseguia mais sustentar o peso d o p r óp r io cor p o. Da m ien moveu-se d ep res s a , a mparando-a a n tes qu e ela chegasse ao chão. Tomou-a n os b r a ços e en cos tou o r os to n o d ela , d eixa n d o s en tir s eu ca lor e a segurança de sua presença. — Pa r e com is s o — ele m u r m u r ou . — Pa r e d e ten ta r m e m os tr a r com o é cheia de qualidades. — Mas eu não... Não entendo você. Não entendo o que quer! — Eu sei, e não estou surpreso. — O que você quer, Damien? — E u qu er o... Qu er o s a b er o qu e você qu er . E , com o voe n ã o s a b e, vou ter d e es p er a r a té p od er d es cob r ir . Agor a voe va i d es ca n s a r . — E n tr ou n o ch a lé carregando-a . Deitada, Syreena teve d e a d m itir qu e h a via u s a d o Damien com o u m a vá lvu la d e es ca p e p a r a o m a u h u m or e a r evolta qu e s en tia con tr a s i m es m a p or 49


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ter s e m etid o n es s a s itu a çã o. E le s u p or ta r a tu d o com p a ciên cia , s a b ed or ia e infinita serenidade. Sentou-se na cama e começou a remover as bandagens da mão, cansada da r es tr içã o e d a s en s a çã o d e invalidez. Nã o p od ia fa zer o m es m o com a s fa ixa s d a ca b eça , m a s já s e con ten ta va em p od er m ovim en ta r os d ed os . Ain d a s en tia d or , m a s n a d a qu e n ã o p u d es s e s u p or ta r com u m p ou co d e con cen tr a çã o. Ma is algumas horas, e tudo desapareceria. Por ém , leva r ia m u ito tem p o p a r a ter d e volta os lon gos ca b elos . S en tia -se com o S a n s ã o, tr a íd a e a b a n d on a d a com a fr a qu eza r es u lta n te d a m u tila çã o. Com o o p er s on a gem b íb lico p er m itir a qu e o a m or fos s e s u a fr a qu eza , ela ta m b ém s e d eixa r a en fr a qu ecer p elo a m or p or Siena? Ou o a m or d e Siena p or ela d eixa va a r a in h a vu ln er á vel? Detes ta va ideia d e s er u m a fr a qu eza p a r a a ir m ã . Pior , u m a fragilidade que podia ser usada por inimigos. — Pare! Syreena sobressaltou-se ao ouvir a batida da porta. Viu a fúria nos olhos de Damien e olhou para as mãos livres das bandagens. — Não preciso delas... — Nã o m e r efir o a os cu r a tivos , S yr een a ! — E le s e a p r oxim ou e s e a joelh ou a o la d o d a ca m a . — Por qu e in s is te em s e ca s tiga r ? Va i s e d eixa r in flu en cia r p ela a titu d e d e u m a lou ca ? S e Ruth d ecid iu com s u a lógica d is tor cid a fa zer d e você u m m eio p a r a a ta ca r s u a irm ã , va i a ceita r o p a p el d e in s tr u m en to? Va i s e s en tir culpada? — Como?... — Você é ca p a z d e tes ta r a p a ciên cia d e u m s a n to! Ou es tá qu er en d o s e tor n a r s a n ta ? Nã o tem d es ejos , n ã o tem a m b ições , n ã o tem a m a n tes ... Tu d o p a r a os ou tr os , n a d a p a r a você? O qu e es p er a com es s e tip o d e con d u ta ? E u n ã o consigo entender! — Nem eu ! Ao con tr á r io d e você, o m u n d o n ã o tem s id o u m p a r qu e d e d iver s ões p a r a m im . Um d ia fu i u m a cr ia n ça com u m , com tod a a lib er d a d e d a infância, e no dia seguinte acordei de uma febre e tudo havia mudado. Minha vida es ta va m a p ea d a . E u h a via s id o for m a ta d a , p r ep a r a d a p a r a ob ed ecer à s ideias de outras pessoas sobre quem e o que deveria ser. E isso é tudo que sei! — É tu d o qu e s e p er m ite s a b er . J á vi você s e op or à s u a con d içã o a n tes , n o dia em que desafiou seus professores para defender Siena. Por que não pode fazer o mesmo por você? — Quem pensa que é? Já tem muita gente me dizendo o que fazer! — Ma s foi p a r a m im qu e você es colh eu m os tr a r a cr ia n ça qu e foi u m d ia , Syreena. A criança que ousa ter esperança, apesar de tudo e de todos. O beijo. Era a isso que ele se referia. Parte dela sabia que havia verdade por trás das p a la vr a s d e Damien. Tin h a m es m o m os tr a d o es s e a s p ecto d e s i m es m a . Beija r a -o s im p les m en te p or qu e s en tir a von ta d e. Nin gu ém m a n d a r a , n in gu ém es p er a r a aquilo dela. Havia sido um impulso, uma manifestação das carências que relegara 50


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a o fin a l d a lis ta d e cois a s qu e u m d ia r es olver ia , s e tives s e tem p o, d ep ois d e fa zer tudo o que era esperado dela. — Pare de falar comigo como se soubesse quem sou — ela exigiu. — Só quando admitir que nem você mesma sabe quem é. — Cale a boca! — Tanta educação, e essa é a única resposta que consegue me dar? Ela resmungou uma palavra ainda menos sofisticada. Damien riu. — S a b e, a ch o qu e s eu tem p er a m en to é a ú n ica cois a qu e a in d a r es ta d e realmente seu. Syreena o agrediu. Uma bofetada. Forte. Ela gritou de dor, segurando a mão e soprando a área onde a pele fina ardia ter r ivelm en te. S u a ú n ica s a tis fa çã o er a ver a im p r es s ã o d e s eu s d ed os logo a cim a da linha da barba dele. Ta m b ém h a via p r ovoca d o u m cor te n o lu ga r em qu e o lá b io en tr a r a em contato com os dentes, e Damien tocava o local do sangramento com um dedo. — Parece que Siena não é a única explosiva na família — ele observou. — Ora, seu... Syreena atacou-o, atirando-se sobre seu peito sem pensar que ele era muito m a is for te, e p od er ia tê-la d etid o s em n en h u m es for ço, s e qu is es s e. Ma s Damien ca iu d e cos ta s n o ch ã o, b a ten d o a ca b eça n a s tá b u a s com u m b a qu e r u id os o. E la colocou-se sobre ele, tentando agarrar seu pescoço. O p r ín cip e a s egu r ou p elos p u ls os , e n ã o h a via n en h u m a p os s ib ilid a d e d e vencê-lo n u m con fr on to d ir et o. E la s ó p er ceb eu qu e es ta va en cr en ca d a qu a n d o, de repente, ele rolou, deitando-a no chão e imobilizando-a com o próprio corpo. — Saia de cima de mim! Damien con tin u ou on d e es ta va . Pa r a lis a d a , ela p er ceb eu qu e con s egu ir a s e colocar em posição muito delicada. Literalmente. Com o s e n ã o b a s ta s s e es ta r d eita d a s ob o cor p o musculoso, ainda conseguira a proeza de encaixá-lo entre as pernas. E le a exa m in a va , u s a n d o o olfa to. Com eçou p elo p es coço, es tim u la n d o-a com seu hálito morno, depois passou ao ombro, ao colo, ao vale entre os seios. E r a u m ges to a lta m en te er ótico. E ela n ã o con s egu ia im a gin a r p or qu e ele agia dessa maneira. Damien qu er ia m a n tê-la a b a la d a . S a b ia qu e ela n ã o con s egu ia r a ciocin a r qu a n d o er a d om in a d a p elo in s tin to. E m s u a op in iã o, ela d evia recor r er m a is a os instintos. Ma s ele h a via s e es qu ecid o d e leva r em con ta os p r óp r ios in s tin tos . S yr een a ch eir a va a lavanda, e a gor a tr a zia ta m b ém o ch eir o d a n oite, ten d o a qu ecid o em sua pele o aroma pungente.

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De todos os Nightwalkers, os licantropos eram os que tinham a temperatura cor p or a l m a is eleva d a . S a b ia d is s o p or m eio d e s u a vis ã o d e d etecçã o d e ca lor . Porém, nada o preparara para estar tão perto desse calor. — Damien, não... — Nã o o qu ê? — E r gu eu -s e u m p ou co p a r a fitá -la n os olh os . — O qu e n ã o quer que eu faça? Ou melhor, o que quer de mim? — Eu... Eu não quero isso! — Is s o o qu ê? — E le s e in clin ou n ova m en te p a r a ch eir a r s eu p es coço. — Não faça isto, é o que quer dizer? — Não... — ela m u r m u r ou , fech a n d o os olh os e ten ta n d o n ã o r ea gir a o estímulo poderoso. — Então, eu devo fazer isto? — Ele repetiu a ação. — Damien... — Não é o bastante? — Ele aperfeiçoou o toque, utilizando os lábios. E la vir ou o r os to, ofer ecen d o o p es coço s em n em s equ er p er ceb er qu e o fazia. Damien viu-s e s u b ita m en te en r ed a d o em u m a teia qu e ele m es m o tecer a . A veia qu e p u ls a va n o p es coço d elica d o o ten ta va , latejando em s eu lá b io com u m ritmo provocante. Obrigou-se a se afastar da tentação. S yr een a a b r iu os olh os a o s en tir o m ovim en to a b r u p to e vê-lo er gu er a ca b eça , p r a gu eja n d o. Foi n es s e m om en to qu e p er ceb eu qu e n ã o er a a ú n ica a r ea gir à m a n ip u la çã o d os s en tid os . E com p r een d eu qu a l er a a in t en çã o d ele com tod a es s a p r ovoca çã o. E le qu er ia fa zê-la en ten d er qu e h a via es colh a a lém d a s imposições com que se deparava. Precisava apenas ouvir os próprios instintos. Damien soltou-a e s e p r ep a r ou p a r a s a ir d e cim a d ela . E m n en h u m m om en to tiver a a in ten çã o d e colocá -la em p er igo. Nã o p r eten d er a es tim u la r -se d a qu ela m a n eir a . Devia ter p er ceb id o d es d e o in ício qu e a qu ele jogo n ã o er a s egu r o. E la p r ovoca va s eu s s en tid os com m u ita fa cilid a d e. E r a d ifer en te, ú n ica , e era esse tipo de coisa que o atraía. E depois de ter provado o sabor de Syreena... Nã o, es p ere u m m in u to! E s s a er a a n ovid a d e. Nu n ca s e in ter es s a va d u a s vezes p ela m es m a cois a . Nã o qu a n d o s e a lim en ta va . Rep etir a fon te d e n u tr ien tes era como jantar sobras. Sem graça, morno, sem sabor. Confuso, ele se levantou. Ou tentou... Nã o es p era va qu e ela o s egu r a s s e p elos ca b elos e o p u xa s s e d e volta . Por isso, cedeu sem resistir. Seu nariz deparou-se com o pescoço dela, e percebeu que tin h a s id o a li qu e t u d o com eça r a . Com s u a b oca p r es s ion a d a n a veia pulsante. Ela envolveu-o com as pernas. Ótim o! Agora ela m os tra te r von ta d e p róp ria ! — Syreena, não... 52


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— Não o quê? E la vir a va o jogo d e for m a m a gis tr a l. S e es tives s e a s s is tin d o à cen a d e longe, ele teria rido. Mas estava perto demais para se sentir confortável. — Syreena, ainda não me alimentei esta noite. Ela não respondeu. Damien sentiu-a virar a cabeça e passar o nariz por seu p es coço, or elh a e ca b elo. Qu a n d o p er ceb eu qu e ela o ch eir a va len ta m en te, teve que conter um gemido. S yr een a n ã o s a b ia p or qu e p r ovocá -lo a excita va ta n to, m a s n ã o con s egu ia s e con ter . E s a b ia qu e ele es ta va reagind o. Pod ia s en tir ca d a m ilím etr o d e s eu cor p o, ca d a p on to d e con ta to com o d ela . E le ten ta r a a m ed r on tá -la , m a s ela n ã o tinha medo dele. Nem mesmo depois do aviso. E n ten d eu qu e n ã o s en tia m ed o p or qu e con fia va n ele. Por qu e ele d er a dezenas de motivos para isso. Acima de tudo, dissera-lhe a verdade. Uma verdade que nem mesmo sua irmã conhecia. — Ach o qu e p r ecis o r etr ib u ir u m fa vor — ela s u s s u r r ou . Damien n ã o s a b ia d o qu e ela es ta va fa la n d o, m a s tin h a u m es tr a n h o p r es s en tim en to. Ten tou s e a fa s ta r m a is u m a vez, m a s ela es colh eu a qu ele m om en to p a r a coloca r a b oca onde sua pulsação estaria. O p es coço d e u m va m p ir o er a u m a zon a er ógen a . E tor n ou -s e evid en te p ela for m a com o ela p er cor r ia s u a p ele com os d en tes qu e ela s a b ia d is s o. Damien praguejou, ofegou e tentou se desvencilhar. Por ém , ela o a ga r r ou , r ola n d o com ele a té es ta r s ob r e s eu cor p o ou tr a vez. Ele estendeu a mão até a cintura delgada, tentando empurrá-la. — E r a você qu em qu er ia s a b er o qu e eu d es eja va — ela lem b r ou -o, esquivando-s e d a s ten ta tiva s d ele d e a fa s tá -la , e cola n d o o p es coço a os s eu s lábios. Des ta vez, Damien n ã o con s egu iu r efr ea r o r u íd o qu e s u r giu em s u a garganta. Ela riu de deleite quando ele emitiu um som de prazer e envolveu-a pela nuca. — Syreena, está brincando com fogo... — J á m e qu eim ei em s u a s ch a m a s a n tes — ela r es p on d eu . E le a ga r r ou -a p elos ca b elos , d em on s tr a n d o qu e es ta va en volvid o a p on to d e s e es qu ecer d e s er cu id a d os o com s eu s fer im en tos . E r a inebriante sentir-s e p od er os a a p on to d e ameaçar o equilíbrio do príncipe dos vampiros. Sentiu-o a ca r icia r s eu p es coço com a lín gu a . Logo d ep ois , p a r ecen d o perceber o que fazia, ele tentou novamente se afastar. — Syreena, pare! — Por quê? Não gosta de mulheres agressivas? — Gosto demais! — Que bom... De r ep en te, a s m ã os d ela s e tor n a r a m ou s a d a s . E la a s d es liza va p or s eu p eito, p elo a b d ôm en , p elo qu a d r il. O cam inho d e volta foi a in d a m a is p r ovoca n te, 53


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com os d ed os Pr es s ion a n d o a r egiã o d o u m b igo e a s u n h a s a r r a n h a n d o os mamilos. Damien n ã o con s egu ia m a is s e con tr ola r . Atu r d id o, er gu eu a ca b eça e lambeu-a no pescoço, onde a veia pulsava convidativa. Dessa vez, não havia como deter sua reação. As presas surgiram reluzentes, e a er u p çã o violen ta o d eixou ton to. O in s tin to a s s u m iu o com a n d o e, a p a r t ir d es s e m om en to n a d a r es ta va d e civiliza d o p a r a im p ed ir a n a tu r a l s u ces s ã o d os eventos. A m or d id a foi tã o r á p id a , qu e ela qu a s e n em a s en tiu . Mas Syreena sentiu os lá b ios s e fech a n d o s ob r e a s d u a s a b er tu r a s circulares. Um gem id o d e p r a zer b r otou d e s eu p eito. S eu cor p o lib er a va en d or fin a s e a d r en a lin a em r es p os ta à in va s ã o d os a n ticor p os d e Damien, e a r ea çã o qu ím ica a d eixou a tu r d id a . Pr ecis ou d e a lgu n s m om en tos p a r a p er ceb er qu e es ta va n ova m en te d eita d a s ob o corpo dele. E la o s egu r a va p ela n u ca , tem en d o qu e ele in ter r om p es s e o con ta to. E n qu a n to s or via s eu s a n gu e, ele p res s ion a va , o cor p o con tr a o s eu , a n u n cia n d o a incrível excitação com o s ú b ito ca lor e r igid ez. E s ta va m tã o p r óxim os , tã o u n id os , qu e ela s e via p elos olh os d ele. Por u m m om en to, s en tiu o qu e ele s en tia , e p ôd e in clu s ive exp er im en ta r o s a b or d o p r óp r io s a n gu e em s u a b oca , a for ça com qu e sua seiva o nutria. E também soube com perfeita clareza como ele a via. Como uma pessoa inteira. Um indivíduo. Qu a n d o r etor n ou a s i, S yr een a foi tom a d a p or u m in im a gin á vel s en tim en to de p len itu d e. E m u m ú n ico m om en to, h a via exp er im en ta d o a fu s ã o qu e b u s ca ra es ta b elecer en tr e s u a s d u a s m eta d es d u r a n te t od a a vid a . Vir a -se inteira pelos olh os d e ou tr o s er , a lgu ém qu e n ã o a con h ecia com o d u a s im a gen s d is tin ta s , es tu d a n te ou con s elh eir a , fa lcã o ou golfin h o. E le via tu d o. Gos ta va d e tu d o. Queria tudo. S e p os s ível, S yr een a er a a in d a m a is d oce d o qu e d a p r im eir a vez. Ma is inebriante. O m a is es p a n tos o er a o tem p ero d os n íveis h or m on a is eleva d os p ela excitação. S en tia o p es o d e s eu s s eios , o ca lor en tr e s u a s p er n a s . Pela p r im eir a vez na vida, ele se tornava consciente da possibilidade da morte. S e es tives s e d en tr o d ela , m er gu lh a d o em s eu ca lor e p a r tilh a n d o o p r a zer qu e a d om in a va , p od er ia s e en tr ega r à ideia d a m or te s em p is ca r . A exp er iên cia s er ia o pináculo d a p r óp r ia vid a . Ma s com o era p ou co p r ová vel qu e m or r es s e dessa maneira, ele pensou que poderia repetir a visita muitas e muitas vezes. Com o s e r es p on d es s e à s u ges tã o m en t a l, ela arqueou a s cos ta s e gr itou n u m êxta s e incontrolável. E le a b s or veu o im p a cto d o cor p o fem in in o, o ca lor qu e dele emanava, e gravou o cheiro almiscarado que se desprendia dela. Só quando ela ficou quieta e sem ação, Damien começou a recobrar a razão. E, naquele segundo de horror, ele percebeu o que estava fazendo. S a ltou p a r a lon ge d ela , ca in d o n o ch ã o com u m b a qu e s u r d o. Um gos to a m a r go en ch ia s u a b oca , e ele s e d eu con ta d e qu e h a via es qu ecid o a m or d id a final. 54


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Ten tou s e m over , volta r p a r a p er to d ela , im p ed ir o qu e s er ia in evitá vel, s e não concluísse a alimentação de maneira apropriada. Mas estava paralisado, e era incapaz de se movimentar. De on d e es ta va , ele via o s a n gu e for m a r u m a p oça aterrorizante s ob a cabeça e o pescoço de Syreena. — Merde! Windsong n ã o con s egu iu im p ed ir a excla m a çã o a o a b r ir a p or ta d o qu a r to e ver o príncipe e a princesa caídos no chão. S yr een a es ta va desfalecida em u m a p oça d o p r óp r io s a n gu e, e Damien se retorcia. — Lyric! Win d s on g s e a joelh ou a o la d o d a p r in ces a lica n tr op o, coloca n d o a m ã o sobre a ferida em seu pescoço para estancar o sangramento. — O que é? Por que está gritando tanto? Lyric parou de falar ao se deparar com a cena de horror. — Vá b u s ca r a s er va s ! Dep r es s a , m en in a ! — ela or d en ou . E n qu a n to Lyr ic cor r ia d e volta à cozin h a , Win d s on g p r es s ion a va a m ã o con tr a o p eito d e Damien e com eça va a en toa r s u a m a is p oten te ca n çã o d e cu r a . Lyric voltou e s e a joelh ou a o la d o d a m en tor a , s egu r a n d o a ca b eça d o va m p ir o p a r a im p ed ir qu e, em s u a a gita çã o, ele s e fer is s e a in d a m a is . E n qu a n to is s o, ela en toa va ou tr a m elod ia cu jo propósito era acalmar um corpo em choque. Lyr ic r etir ou d a b ols a d e er va s tu d o d e qu e p r ecis a va p a r a p r ep a r a r u m b á ls a m o coa gu la nte p a r a o pescoço d e S yr een a . As er va s s u r tir a m o efeito d es eja d o, m a s ela n ã o in ter r om p eu a ca n çã o p a r a s u s p ir a r a livia d a . Pelo con tr á r io, con tin u ou tr a b a lh a n d o, d es p eja n d o n a b oca d a lica n tr op o u m líqu id o p a r a p r om over a for m a çã o d e glób u los ver m elh os e r ep or o s a n gu e p er d id o. A p u ls a çã o d a p r in ces a a in d a er a fr a ca , m a s p r ogr ed ia r a p id a m en te, e is s o er a tu d o que importava. Era hora de cuidar do outro paciente. A p ele d e Da m ien tin h a u m p a vor os o tom a cin zen ta d o, d ep ois s e tor n ou a ver m elh a d a , d ep ois a d qu ir iu u m a es tr a n h a color a çã o ca s ta n h a qu e lem b r a va o b r on zea d o d e u m d em ón io. Win d s on g n ã o s a b ia o qu e fa zer . Va m p ir os n ã o, tin h a m cir cu la çã o, p u ls o ou r es p ir a çã o qu e s e p u d es s e m on itor a r , e os m is tér ios d e s eu s is tem a d e n u tr içã o er a m p or ela d es con h ecid os . Tu d o qu e p od ia fa zer er a sustentá-lo com sua canção e encorajar Lyric a fazer o mesmo. Syreena acordou de repente. A primeira coisa que notou foi o sentimento de vazio, a ausência de peso. Ou a falta do peso de Damien sobre seu corpo. Aparentemente, havia desmaiado outra vez. 55


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E la vir ou a ca b eça , es tr a n h a n d o a d or n o p es coço. Nã o lem b r a va n itid a m en te a p r im eir a vez qu e ele s e a lim en ta r a d e s eu s a n gu e, m a s n ã o s en tir a aquela dor, disso estava certa. Sentou-se e teve d e b u s ca r u m a p oio, p or qu e o m u n d o gir ou . A m ã o es ten d id a tocou ca b elos m a cios , e ela s e vir ou a s s u s ta d a . Lyr ic d or m ia n a ca d eir a ao lado de sua cama. — Lyric? — Ten tei a cor d á -la , m a s ela es tá exa u s ta . Pob r ezin h a . S yr een a r econ h eceu a voz de Windsong, que descansava em outra cadeira ao lado da cama de Damien. Alguma coisa estava errada. — O que aconteceu? — Ta lvez você p os s a m e d izer . Por qu e Da m ien r ep etiu u m a to qu e qu a s e o matou da primeira vez? — Qu a s e o... m a t ou ? Ma s ele d is s e qu e... E le fa lou com o s e fos s e a lgo simples, comum! — Nã o foi. Agor a a t em p er a tu r a d ele es tá os cila n d o, d o qu en te a o fr io, e s ei qu e is s o n ã o é n or m a l. A tem p er a tu r a d e u m va m p ir o ca i a o lon go d o d ia , e s ó volta a s u b ir qu a n d o eles s e a lim en ta m . Qu a n d o s e a lim en ta m com n or m a lid a d e, quero dizer. — O que vai acontecer, Windsong? Ele vai sobreviver? — Ach o qu e s im . E le s ob r eviveu d a ú ltim a vez. Lyr ic e eu in ter fer im os em tempo. E r a a p r im eir a vez qu e fa zia u m a es colh a , qu e d ecid ia qu e ca m in h o s egu ir . E qu e b ela es colh a fizer a ! Pis cou p a r a d eter a s lá gr im a s . Nã o ch or a r ia com o uma criança. Isso não traria bem algum. Pare com isso... S yr een a r iu com h is ter ia a o s e lem b r a r d a s p a la vr a s d e Da m ien . Se ele a o menos soubesse no que estava se metendo... Eu s ei. E n ão m e a rrep en d o. E la ofegou a o p er ceb er qu e ou via a voz d ele em s eu s p en samentos. Esforçou-se p a r a s e leva n ta r , p a s s ou p ela con fu s a m is tr a l e ca iu s ob r e a ca m a d o príncipe. — Damien? Pode me ouvir? Qu a n d o o tocou , ela s en tiu a p ele qu en te, qu a s e feb r il, s e is s o er a p os s ível entre os de sua raça, e soube que ele estava vivo. — Syreena... — chamou a mistral. — Shhh... — a princesa a silenciou. Syreena... — Damien! Por que fez isso, se ia machucá-lo? Por que não me disse?

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Pare d e s e preocu p a r. Eu vou fica r b e m e m pou co te m p o. Agrad eço o fa to d e você n ão e s ta r ferid a . Fiqu ei preocupado de ter machucado você. — Não, eu estou bem. Apenas cansada. Per p lexa a o ver a p r in ces a fa la n d o s ozin h a , Win d s on g logo d ed u ziu qu e ela o ouvia em seus pensamentos. Va m p ir os p od ia m fa la r à m en te a lh eia . Nor m a lm en te u s a va m im a gen s e ilusão, m a s con ver s a r ta m b ém er a p os s ível, a ju lga r p elo qu e es ta va p r es en cia n d o. O p r ín cip e d a va a im p r es s ã o d e es ta r m er gu lh a d o n u m s on o p r ofu n d o, e es ta va , m a s s ó s eu cor p o d or m ia . A m en te p er m a n ecia a ler ta, a ten ta ao bem-estar de Syreena. Win d s on g s e leva n tou e s a iu d o qu a r to. Da r ia a p en as u m in s ta n te a os d ois , e depois os faria dormir, mesmo que não quisessem. Qu a n d o r etor n ou , en con tr ou a p r in ces a d or m in d o n a ca m a d e Da m ien , a ca b eça a p oia d a em s eu p eito e a m ã o s egu r a n d o a d ele, com o s e tem es s e qu e o príncipe desaparecess e. E s t a va tã o exa u s ta qu e a d or m ecer a a s s im qu e tivera certeza de que ele estava bem. Decid iu d eixá -la d or m ir . S or r in d o, aproximou-se d e Lyr ic e a fez d eita r n a ca m a va zia . E com o já p a s s a va d o m eio d ia , ela m es m a foi s e d eita r n o s ofá d a sala para descansar também. J á es ta va es cu r o h a via u m a h or a qu a n d o E lija h e J a s m in fin a lm en te ch ega r a m à ca s a d e Win d s on g, leva d os a té a li por u m em a r a n h a d o d e p is ta s confusas e de deduções. A m is tr a l n ã o s e s u r p r een d eu a o r eceb ê-los n a p or ta . E r a com o s e os es tives s e es p er a n d o. E la n ã o fa la va , u m a cor tes ia com o demônio qu e n ã o tin h a recursos para se defender do efeito de sua voz, mas gesticulava para convidá-los a en tr a r . S a b en d o o qu e os leva r a a té a li, a b r iu a p or ta d o qu a r to e os d eixou d a r uma rápida olhada em Syreena e Damien. J a s m in e n ã o con teve o ch oqu e d ia n te d a cen a . Da m ien a in d a d or m ia , àquela h or a d a n oite, e es ta va a b r a ça d o a u m a d elica d a fêm ea lica n tr op o. E la o ter ia a cor d a d o p a r a p ed ir exp lica ções , n ã o fos s e p ela fir m eza com qu e a m is tr a l a removeu da porta e a levou de volta à sala. E lija h es t a va s a tis feito p or s a b er qu e S yr een a es ta va viva e r eceb en d o cuidados apropriados. Pela ligação que mantinha com Siena, transmitiu seu alívio imediatamente e sentiu a resposta igualmente aliviada da esposa. — S ien a m e p ed e p a r a tr a n s m itir s u a gr a tid ã o — ele d is s e a Win d s on g. — Ela diz que se precisar de alguma coisa algum dia... A m is tr a l er gu eu a m ã o p a r a s ilen ciá -lo. E la s a b ia o qu a n to S ien a es ta va a gr a d ecid a e com o a qu ilo p od er ia even tu a lm en te s er vir a ela , a s s im com o E lija h tin h a con s ciên cia d e qu e ta lvez h ou ves s e u m d ia em qu e o fa vor p u d es s e s er r etr ib u íd o. O gu er r eir o s e d eu p or s a tis feito. J a s m in e, p or ou tr o la d o, n ã o es ta va tã o con ten te. Tin h a d ezen a s d e d ú vid a s e qu er ia s a b er , p r in cip a lm en te, com o podia estar na mesma casa que Damien e não sentir sua presença. 57


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S yr een a a b r iu os olh os , vir ou o r os to e s e d ep a r ou com os olh os a zu is , escuros como a noite, e com o lindo sorriso debochado. — Olá — ele a cumprimentou. — Olá? — E la s e a p oiou s ob r e u m cotovelo p a r a en ca r á -lo. — Olá ? É tu d o que tem para me dizer? — É um começo tradicional. Syreena se levantou da cama e apoiou os punhos cerrados na cintura. — Da m ien , qu a l é o p r ob lem a com você? Qu er m or r er ? Por qu e n ã o m e disse... Por que não me avisou... E le s or r iu n ova m en te e er gu eu u m a s ob r a n celh a . O ges to d es p r eocu p a d o a enfureceu ainda mais. — Você é um maluco! — Syreena... — Nã o m e ven h a com es s e tom , com o s e eu fos s e u m a h is tér ica d es es p er a d a com o r a to qu e viu cor r en d o p ela cozinha! Damien, você p r ecis a d e uma babá! E le d es is tiu d e s e d efen d er . E la n ã o o d eixa r ia fa zer is s o e ele n a ver d a d e a com p r een d ia . Nã o p od ia exp lica r s eu com p or t a m en to in s a n o. Com eter a u m a estupidez, mas não permitiria que ela se culpasse por sua irresponsabilidade. De repente, ela parou de falar e inclinou a cabeça, alerta. — O que é? — Damien perguntou. — Ah, que maravilha! Ele também havia sentido a vibração. — E s p er a va qu e s u a ir m ã fica s s e s en ta d a es p er a n d o p or s u a volta ? — ele perguntou. Syreena n ã o d is s e o qu e ele p od ia fa zer com o comentário perfeitamente lógico. E m vez d is s o, a r r a n cou a camisola com qu e Windsong a ves tir a e a tr ocou p elo ves tid o a zu l em p r es ta d o p ela d on a d a ca s a . S u r p r een d en tem en te, o ves tid o havia sido lavado e não exibia uma única mancha de sangue. Vestida, ela se virou para Damien. — Nã o qu er o qu e Siena s a ib a d is s o. E n ten d eu ? — E la já es con d ia a s m a r ca s em s eu p es coço u s a n d o os ca b elos e o cola r d a p ed r a -da-lu a , s ím b olo d e s u a p os içã o n a ca s a real. — Nos s a s ocied a d e tem r egr a s , ta b u s , s u p er s tições ... Desrespeitamos tantas leis, que fico tonta só de pensar. — E s tá ton ta p or qu e p er d eu m u ito s a n gu e. Des r es p eita r a s leis a d eixa apavorada. — E você também devia sentir uma dose saudável de medo, Damien! É uma a m ea ça p a r a você m es m o, s a b ia ? u m a a legr ia s a b er qu e vou es ta r b em longe enquanto vai destruir em outro lugar qualquer! A princesa licantropo saiu do quarto, batendo a porta. 58


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— Gatinha? — Hum? — Va i a b r ir u m b u r a co n o ta p ete. S ien a p a r ou d e a n d a r d e u m la d o p a r a o outro e encarou o marido, que estava estendido na cama como se não tivesse uma única preocupação na vida. Sentiu vontade de espancá-lo por isso. — Eu ouvi — ele disse, rindo. — Tem cer teza ? Qu er o d izer , tem cer teza a b s olu ta ? — ela p er gu n tou p ela décima vez naquela noite. — Siena... — Qu er o s a b er com o ela con s egu e! Com o a cr etin a p od e d es a p a r ecer n o a r d es s e jeito? Nos s os m elh or es ca ça d or es ten ta r a m loca liza r Ruth. Os m eu s , os s eu s , os d e Damien, e n en h u m d eles en con tr ou o r a s tr o d a vadia t r a id or a ! Nem mesmo Jacob! E le é o Defen s or d e s eu p ovo, en ca r r ega d o d e ca ça r os r en ega d os de sua espécie, e nem ele conseguiu localizá-la! Quero saber como ela faz isso! — Ruth t em u m p od er con s id er á vel — E lija h exp licou . — Pod em os es ta r b em a tr á s d ela , m a s ela m a n ip u la n os s a m en te e n os fa z a cr ed ita r qu e es tá a m ilh a r es d e qu ilôm etr os . Qu er s a b er qu em va i con s egu ir p ôr a s m ã os n ela u m dia? — Quem? — E u a p os to m eu d in h eir o em Damien. Ou Ma gd a legn a . Legn a é o ú n ico d em ôn io d a Men te s u ficien tem en te p od er os o p a r a en fr en ta r Ruth e ven cê-la u s a n d o os m es m os tr u qu es . In felizm en te, ela n ã o p od e a gir en qu a n to n ã o d er à luz. — E Damien? — Siena foi se deitar ao lado do marido. — Damien é im u n e a os tr u qu es d e Ruth, d es d e qu e es teja a ten t o a eles . Depois de Jacob, ele é o melhor caçador que conheço. — Ma s a in d a n ã o con s egu iu n a d a , e es s e tormento com eçou h á cer ca d e um ano! — S ien a , os d ia s d e Ruth es tã o con ta d os . E la va i a p a r ecer n ova m en te, e então... — S im , eu s ei qu e ela va i a p a r ecer . E é d is s o qu e ten h o m ed o. Ru th está tr a m a n d o a lgu m a cois a . E é a lgu m a cois a r ela cion a d a à b ib lioteca e a o território mistral. Não gosto disso. Sinto arrepios quando penso que ela está solta por aí. — S ien a s e a n in h ou em s eu p eito, ten ta n d o b a n ir d o cor p o a s en s a çã o d e fr io e medo. — É você qu e ela od eia , E lija h . Na m en te d is tor cid a d a qu ela lu n á tica , você é r es p on s á vel p ela m or te d a filh a d ela . Ten h o m ed o d e qu e ela o s u r p r een d a e faça alguma coisa como fez... — Nã o va i m a is a con tecer , Siena. Sei qu e com eti u m er r o qu e qu a s e m e levou à m or te, m a s p od e ter cer teza d e qu e n ã o va i m a is a con tecer . Nã o ten h a m ed o d ela . É is s o qu e Ruth d es eja . E la qu er qu e você ten h a m ed o p or m im , p or Syreena... 59


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— Nã o vou ter m ed o d ela ... n ã o d ep ois d e r a s ga r a vadia a o m eio e a r r a n ca r seu coração negro! Elijah riu. — Esta é minha garota — disse, beijando-a e conduzindo-a por um caminho repleto de outros tópicos. Syreena se levantou depois de ter passado algum tempo ajoelhada diante do a lta r , on d e estivera m ed ita n d o p ela m a ior p a r te d a s ú ltim a s vin te e qu a tr o h or a s . Nã o p od ia jejuar en qu a n to s e r ecu p er a va d o ch oqu e fís ico qu e sofrera uma s em a n a a tr á s , e la m en ta va qu e os m on ges in s is tis s em n a p r oib içã o. S en tia -se b em , e a ch a va qu e o jeju m tor n a r ia m a is fr u tífer a s a s ten ta tiva s d e m ed ita r . Sempre havia funcionado no passado. Não... Honestamente, a alimentação não tinha nada a ver com a dificuldade de concentração. Precisava saber como Damien estava depois de tudo que havia passado. Por n ã o ter con ta d o tu d o a S ien a , s u a ir m ã n ã o ju lga r a n eces s á r io b u s ca r m a is informações sobre o bem-estar do príncipe dos vampiros. S a b ia qu e n ã o h a via d em on s tr a d o s u a a p r ecia çã o p or tu d o qu e ele fizer a . Nã o con s egu ia en ten d er p or qu e fica va tã o ir r ita d a e volá til qu a n d o es ta va p er to d ele. As lem b r a n ça s volta r a m a p er tu r b á -la e, in qu ieta , com eçou a a n d a r p elos corredores do monasterio subterrâneo do Pride. Crescer a a li, e con h ecia o lu ga r m elh or d o qu e con h ecia o ca s telo r ea l. De cer ta for m a , a ca vern a d e m u ita s câ m a r a s en cr a va d a n a im en s a m on ta n h a r u s s a er a s eu la r , m a is d o qu e o lu ga r on d e n a s cer a . Ao m es m o tem p o, n ã o h a via a m or ou ternura entre as paredes de rocha fria. Professores, aulas, disciplina, sim, mas nada que se aproximasse de carinho ou bondade genuína. Por is s o, b u s ca r a o r efú gio d o m on a s tér io. Ali, n in gu ém s e in ter es s a r ia p or ela o s u ficien te p a r a d es cob r ir o qu e a in com od a va . S e fica s s e com Siena, a ca b a r ia en lou qu ecen d o s ob s u a con s ta n te a p r een s ã o. E s e p er d es s e o con tr ole e revelasse o que acontecera entre ela e Damien... Um rubor tin giu s eu r os to. Por qu e fica va tã o a gita d a s em p r e qu e p en s a va n ele? E n qu a n to viver a n o m on a s tér io, for a for ça d a a a d ota r o celibato. Como p r in ces a , tin h a d e m a n tê-lo a té en con tr a r o p a r ceir o qu e fica r ia a o s eu la d o p or tod a a vid a . E n tr e u m a cois a e ou tr a , a ca b a r a s e con for m a n d o com a s itu a çã o e nunca havia considerado essa exigência um fator de grande interesse. Damien era o primeiro a forçá-la a rever esse conceito. Agor a en ten d ia tod a s a s r es tr ições im p os ta s a o cr u za m en to en tr e r a ça s d e Nightwalkers. S ien a e E lija h er a m a exceçã o, e o a ju s te n ã o for a fá cil p a r a n en h u m d os en volvid os . De fa to, a cor te e o p ovo d e S ien a a in d a ten ta va m s e adaptar à novidade, e havia os mais resistentes. Ma s , p elo m en os , eles n ã o ca u s a va m m a l u m a o ou tr o. E s ta va m felizes e s a u d á veis . Ta l cois a ja m a is s er ia p os s ível en tr e Damien e ela . E n tã o, p or qu e n ã o s e con ven cia d es s a im p os s ib ilid a d e e p a r a va d e p en s a r n is s o? Por qu e, a p es a r d e tudo, tinha esse impulso quase irresistível de ir procurá-lo? 60


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Ha via ou t r a s cois a s qu e a in com od a va m . A m a n eir a com o tod os qu e a via m olh a va m p a r a os es p a ços va zios em s u a ca b eça , p or exem p lo. Se toler a s s e a opressã o, já ter ia a d ota d o o u s o d o véu s ó p a r a s e p r oteger d os olh a r es cu r ios os . Mas nenhum licantropo suportava a ideia de cobrir os cabelos. E os dela levariam anos para crescer novamente. E enquanto o cabelo crescia, o golfinho permanecia con fin a d o, a d or m ecid o d en tr o d ela . E r a qu a s e com o s e es tives s e s ofr en d o u m a p u n içã o cós m ica p elo r es s en tim en to qu e n u tr ir a con tr a s u a s d u a s m eta d es . Agor a qu e u m a d ela s es ta va for a d e s eu a lca n ce, r em ovid a com os ca b elos cinzentos, queria desesperadamente tê-la de volta. Ajeitou os ca b elos ca s ta n h os d e for m a a cob r ir a s á r ea s va zia s em s u a ca b eça . Melh or m is tu r a r a s cor es , ou o qu e r es ta va d ela s , a s e exib ir com a qu ela a p a r ên cia p a tética . Ha via em s u a cu ltu r a os qu e tin h a m ca b elos n a tu r a lm en te m es cla d os em d u a s ou m a is cor es . Os qu e n ã o a con h ecia m n em olh a r ia m d u a s vezes para o novo arranjo. Infelizmente, eram poucos os que não a conheciam. O príncipe vampiro estava carrancudo. Jasmine s u s p ir ou a o olh á -lo d a va r a n d a d a m a n s ã o. E r a ir r ita n te! Nor m a lm en te, ele a ob s er va va e s e p r eocu p a va com s u a m ela n colia con s ta n te, m a s a gor a n ã o tin h a m a is tem p o p a r a fica r m ela n cólica . E s ta va p r eocu p a d a demais com Damien para se incomodar com o tédio. Ele caminhava pelo jardim sob o manto da noite, dirigindo-se ao rochedo de on d e p a s s a r ia m a is a lgu m a s h or a s olh a n d o p a r a o ocea n o Pa cífico. S a b ia qu e ele olhava para a Rú s s ia . Nã o qu e ele h ou ves s e feito confidências sobre os d ia s qu e passara com a princesa licantropo, mas... Bem, ela tirara as próprias conclusões. A p r in ces a p od ia es con d er a ver d a d e d e s u a ir m ã e d e s eu p ovo r ecor r en d o à es tética e à s jóia s , m a s u m va m p ir o n ã o se d eixa va en ga n a r p or es s e tip o d e tr u qu e. A m or d id a d e u m va m p ir o er a com o a d em a r ca çã o d e u m ter r itór io p or um animal, uma declaração de poder dentro de certos limites. Um va m p ir o s em p r e s en tia on d e o ou tr o tin h a es ta d o a n t es . Com o s er es territoriais, era assim que evitavam invadir o espaço alheio. E m s u m a , qu a lqu er va m p ir o qu e s e a p r oxim a s s e d a p r in ces a lica n tr op o s a b er ia qu e Da m ien es tiver a a li. E , com o s e is s o n ã o b a s ta s s e, ela os vir a dormindo abraçados na casa da mistral. Damien se deitava com muitas mulheres, mas nunca dormia com elas. E se ele a a ceita va com o a m iga , s e a a d m itia com o p r es en ça con s ta n te em s u a vid a , J a s m in e s a b ia qu e is s o s ó a con tecia p or qu e n ã o o in com od a va . Nu n ca tin h a m s id o a m a n tes , n u n ca s e a p a ixon a r a p or ele, n u n ca fizer a cob r a n ça s . E r a es s a liberdade que os havia mantido próximos por tantos séculos. O en volvim en to com a p r in ces a ca u s a r a u m a im p or ta n te m od ifica çã o n ele. E s ta va p r eocu p a d a , p or qu e m u d a n ça s er a m s em p r e vis ta s com o s in a is d e fr a qu eza em s u a s ocied a d e. O qu e qu er qu e a con teces s e, n in gu ém d evia n ot a r a transformação.

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E la m es m a n ã o con s egu ia p er ceb er a n a tu r eza d es s a s m u d a n ça s , p or qu e ele a bloqueava. Sozinho, passava horas sentado naquele rochedo, olhando para o ocea n o. E ela gu a r d a va s egr ed o. S e u m ú n ico s u s s u r r o s ob r e es s es n ovos even tos u ltr a p a s s a s s e a s m u r a lh a s d a m a n s ã o, a s consequências s er ia m ter r íveis . Vampiros ambiciosos passariam a cobiçar a coroa, certos de que o príncipe estava enfraquecido. J a s m in e n ã o er a u m a cr ia tu r a m u ito p a cien te. Por is s o s e ca n s a va com ta n ta fa cilid a d e d o m u n d o qu e a cer ca va . E r gu eu os b r a ços e flu tu ou s ob r e a s á r vor es , d ir igin d o-s e a o r och ed o d e on d e Damien a p r ecia va o Pa cífico. Ater r is s ou ao lado dele sem fazer barulho. Damien in s p ir ou p r ofu n d a m en te. E s p er a va o con fr on to e s a b ia qu e s er ia impossível adiá-lo por muito mais tempo. — Jasmine, por que não desiste? — S e p a r a r d e s e a r r a s ta r p ela m a n s ã o com o s e ca r r ega s s e o m u n d o n a s costas, não farei mais perguntas. — Não estou me arrastando. — E s tá m ela n cólico, d ep r im id o... Con h eço você, Damien. S ei, p or exem p lo, qu e es s e com p or ta m en to p od e levá -lo a pôr em r is co cois a s qu e s ã o im p or ta n tes para você. — Talvez não sejam mais tão importantes. A s itu a çã o er a m a is s ér ia d o qu e ela im a gin a va . Damien n u n ca qu es tion a va suas prioridades e seus objetivos! — Damien, s ou s u a m elh or a m iga . Por qu e n ã o m e con ta o qu e es t á acontecendo? De onde vem esse sofrimento? E le s e s en tiu en volvid o p ela ter n u r a d e J a s m in e. S a b ia que ela o via com o er a a gor a , u m s er tr a n s for m a d o e a tor m en ta d o, a lgu ém qu e n u n ca m a is s er ia o m es m o. Nã o tin h a o d ir eito d e p r eocu p á -la d es s a m a n eir a s em d a r exp lica ções que pudessem confortá-la. — Lembra-se de 1562? — ele perguntou. — A revolta na França? — Antes disso. — Ah... A rainha sardenta da Inglaterra. — S im . Pou co a n tes d e eu d es cob r ir qu e ela h a via con tr a íd o va r íola . Foi a última vez que estivemos todos juntos. — Simone, Racine, Lind, Jéssica... — Dawn. — Men in a tola ! Entregar-se à m or te em u m ca m p o d e b a ta lh a n a Fr a n ça ! Transformar um banquete em um funeral! — Foi u m er r o. Tod os n ós os com etem os . In felizm en te, o d ela foi fa ta l. Deve lem b r a r qu e for a m m u itos os er r os d a qu ele gr u p o n o s écu lo s egu in te. E n fim ... eu a havia rejeitado naquela noite na Inglaterra. Sempre achava que haveria tempo... 62


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— Damien, ela aquecia sua cama, não seu coração. — E u s ei, m a s ela é o exem p lo d e tu d o qu e s em p r e p en s ei p od er r etom a r mais tarde, mas nunca mais tive oportunidade de recuperar. — Por que está falando nisso agora? — Por qu e h á a lgo qu e p r ecis o r etom a r . Nã o a m a n h ã . Nã o d a qu i a u m a semana. Agora. — A p r in ces a lica n tr op o — ela d ed u ziu , in cr éd u la . — Da m ien , ela n ã o significa nada para você! — Tem certeza? Jasmine o encarou. — Nã o ten h o cer teza d e m a is n a d a qu e es teja r ela cion a d o a você. O qu e a con teceu ? Qu er o en ten d er . Nã o p os s o a p oiá -lo s em en ten d ê-lo. E s e es tá pensando o que acho que está pensando, vai precisar de muito apoio! Damien refletiu p or u m in s ta n te, o olh a r p er d id o n o ocea n o. Dep ois , fa lou em voz baixa: — Sabe por que não nos casamos, Jasmine? — Por qu e p r ecis a m os d e va r ied a d e. Nã o a cr ed ita m os em p r á tica s tola s e ultrapassadas como as que são adotadas pelos demônios e licantropos. — Ou p or qu e n ã o fa zem os o qu e é n eces s á r io p a r a en con tr a r es s e tip o d e parceiro. — Não entendo. — S ou o m a is velh o m em b r o d e n os s a es p écie. E m tod o es s e tem p o, n u n ca vi u m va m p ir o s e a p a ixon a r , ca s a r , ou s e u n ir a a lgu ém p a r a s em p r e, p or tod a a vida. E acho que entendi por quê. — Damien... — Porque não nos alimentamos de Nightwalkers. — Não entendo o que isso tem a ver com... — Ta lvez p os s a m os en con tr a r exp lica ções n a b ib lioteca . A h is tór ia d os Nigh twa lk er s es tá con tid a n a qu ela ca ver n a , e exis tem a li exp lica ções m u ito m a is a n tiga s d o qu e eu ou qu a lqu er ou tr o s er d a n oite a in d a vivo n es s e p la n eta . Ta lvez lá es teja a ver d a d eir a exp lica çã o p a r a a p r oib içã o d e b eb er m os s a n gu e d e ou t r os Nigh twa lk er s . Pen s e n is s o. Pen s e em com o s om os , em tu d o qu e n os fa lta . Por exemplo, por que você não me ama? — Que pergunta ridícula! — Nã o é r id ícu la ! Nós n os con h ecem os h á s écu los . Você veio m or a r em m in h a ca s a h á qu in h en tos a n os . S om os os d ois va m p ir os m a is p r óxim os d o p la n eta . J a m a is con h eci em n os s a cu lt u r a a lgu ém qu e m e d es s e ta n ta a m iza d e, compreensão e companheirismo. Então, por que não existe amor entre nós? — Porque o amor não funciona desse jeito.

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— E com o fu n cion a ? J á s e a p a ixon ou , J a s m in e? Por qu e exp er im en ta m os tod os os ou tr os s en tim en tos qu e exis tem , ta n to p a r a h u m a n os qu a n to p a r a Nigh twa lk er s , m a s d es con h ecem os o a m or ? Con h ece a lgu m va m p ir o qu e já ten h a amado? — Não. Somos egoístas demais para... — Qu e d es cu lp a con ven ien te! Até os h u m a n os , qu e p en s a m es ta r a p a ixon a d os e d ep ois m u d a m d e id eia , a ch a va m qu e a m a va m . Nós n u n ca com etem os n em m es m o es s e en ga n o! S im p les m en te a fir m a m os qu e n ã o fom os feitos p a ra is s o. Você m es m a d is s e h á p ou co qu e eu n u n ca a m ei Da wn . Com o s e a cr ed ita s s e n a p os s ib ilid a d e d o a m or p a r a u m va m p ir o. Agor a d iz o con tr á r io, afirma que esse amor não é possível. O que é isso, afinal? — E s tá m e con fu n d in d o, Damien. Qu a l é s u a in ten çã o? J u s tifica r o d es ejo de voltar para a mutante? — S e fos s e a p en a s d es ejo, eu p od er ia ign or á -lo, com o b em s a b e. É ob s es s ã o. Nã o con s igo p en s a r em m a is n a d a . Nã o qu er o m a is n a d a . Min h a m en te se limita a repetir certos... incidentes que ocorreram conosco. — Paixão. — Um r ótu lo con ven ien te p a r a en cob r ir os ver d a d eir os s en tim en tos d a qu eles qu e d es eja m ju s tifica r com p or ta m en tos in u s ita d os . — E le s e leva n tou . — Mas eu já senti essa paixão a que se refere. Sei que é intensa, mas passageira. — Então...? — Jasmine, is s o é o qu e a con tece qu a n d o u m va m p ir o a b s or ve em s eu corpo o sangue de um licantropo. — E o que é? Amor? — Ela riu. — Tem ideia de como isso soa ridículo? — Tem ou tr o a r gu m en to a p r op or ? Pa r a os d em ôn ios , u m s im p les toqu e é s u ficien te p a r a a tiva r a con exã o com a a lm a gêm ea . Pa r a os lica n tr op os , é o a to s exu a l. Até os m is tr a is e os h a b it a n tes d a s s om b r a s p os s u em ga tilh os semelhantes. E nós? O que temos? — E s tá d izen d o qu e o ga tilh o p a r a n ós é s or ver o s a n gu e d e u m Nightwalker? Mas nós... bebemos uns dos outros! — Mas nunca nos alimentamos de outros Nightwalkers.; Nunca. É um tabu, um limite que nenhum vampiro ousa ultrapassar. Mas não por temermos a morte que essa prática poderia acarretar, como é certa a morte causada pela ingestão do s a n gu e en ven en a d o d e u m p r a tica n te d e m a gia n egr a . E n tã o, d e on d e vem es s e medo? Como ele foi plantado em nós? — Onde quer chegar, Damien? — Nã o s ei. Nã o ten h o p r ova s , n ã o h á a r gu m en tos lógicos ... S ã o a p en a s suposições. E só conheço duas maneiras de encontrarmos essas respostas. — E uma delas obviamente requer um encontro com certa princesa... — Nã o vou n ega r . E la s e tor n ou p a r te d e m im . J á m e a lim en tei d e m u itos s er es , m a s o s a n gu e d a p r in ces a p er m a n ece n o m eu s is tem a . E d is s o eu ten h o prova. Não notou nada em mim, Jasmine? 64


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E la fech ou os olh os e ten tou es tu d á -lo com os s en tid os d es en volvid os e a gu ça d os . Ha via m u ito d es eja va r ea liza r es s e exa m e e, p or is s o, a ceitou o con vite s em qu es tion á -lo. Um s egu n d o m a is ta r d e, a b r iu os olh os , qu e exib ia m u m b r ilh o chocado. Podia sentir em Damien o cheiro da princesa. Dentro dele. — Com o p od e s er ? Nu n ca gu a r d a m os a m a r ca d a p r es a . E la leva n os s a marca. — E qu em ca ça o p r ed a d or , J a s m in e? Qu em cor r es p on d e a o p er igo p a r a n ós ? Ach o qu e ca d a u m d e n ós en fr en ta u m r is co d ifer en te. Pa r a m im , o p er igo é u m a m u lh er d e olh os d e cor es d ifer en tes e qu e a gor a es tá d o ou tr o la d o d o mundo. — E n u n ca p en s ou qu e p od e s er a s s im s im p les m en te p or ela s er u m a m u ta çã o? E la é a n or m a l, Damien! É ven en o p a r a você! Vi em qu e con d içã o s e encontrava quando chegamos à casa da mistral. Doente, cansado, fraco... — Veneno é algo que mata. E eu ainda estou vivo. — Alguns venenos matam lentamente, outros causam necrose... — E outros nos tornam mais fortes, Jasmine. — De qu e m a n eir a s en te qu e es tá m a is for te? S ó vejo in s egu r a n ça , d ú vid a , fr a gilid a d e... E é o qu e tod os ver ã o qu a n d o olh a r em p a r a você! E a lgu n s n ã o hesitarão em matá-lo diante dessa fraqueza aparente. — Acho que não. J a s m in e n ã o teve tem p o d e r es p on d er , p or qu e, d ia n te d e s eu s olh os , Damien desapareceu no ar. Apavorada, ela sentiu algo cair em seu rosto. Uma pena de corvo. Ainda assustada, ouviu o bater de asas. A ave sobrevoou sua cabeça e pousou na rocha ao seu lado. Houve mais um estranho lampejo, como um piscar de olhos, e Damien se materializou no lugar do pássaro. — Min h a s a ter r is s a gen s a in d a d eixa m a d es eja r , mas a ch o qu e p os s o melhorar com o tempo e com muita prática. — Mas isso... não é possível! Essa é uma característica do povo mistral! — Ou o resultado do sangue de um licantropo no corpo de um vampiro. Jasmine es ta va s em fa la . Mes m o qu e con s egu is s e p en s a r , ter ia s id o im p os s ível exp r es s a r -s e. A tota l im p os s ib ilid a d e d e r ea çã o s e es ten d eu p or a lgu n s segundos. — E qu a l é o ou tr o ca m in h o? — ela p er gu n tou fin a lm en te. — Dis s e qu e s ó havia duas maneiras... — A biblioteca, Jasmine. E, para isso, vou precisar da sua cooperação. — Qu er qu e eu en con tr e o S a n to Graal? Um tes ou r o d e cu ja exis tên cia n em tem certeza? Quer que eu comece uma cruzada que pode ser infrutífera? 65


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— Tem r a zã o, ta lvez es s e m a ter ia l n em exis ta . Ma s , s e exis tir , va m os p r ecis a r d e a lgu ém qu e con h eça n os s o a n tigo id iom a p a r a d ecifr a r os textos . Algu ém qu e d efen d a n os s os in ter es s es n es s a b u s ca coletiva . S ei qu e s em p r e foi d eter m in a d a , m a s a gor a qu er o qu e s eja ob s tin a d a . S e n ã o p or m im , p elo efeito qu e es s a d es cob er ta p od e ter p a r a m u itos d e n ós . S ei qu e va i s e a cova r d a r d ia n te de tudo que puder representar uma ameaça de compromisso, mas resista! Sei que va i s en tir es s e p a vor , p or qu e h á u m a s em a n a eu ter ia s en tid o a m es m a cois a . E u m e n ega r ia a a cr ed ita r qu e a lgu m a cois a p od e m e liga r irrevogavelmente a ou tr o s er , m a s a gor a s in to es s a p os s ib ilid a d e em m im , n o s a n gu e qu e p er m a n ece em meu sistema. — S e s a b e qu e n ã o p os s o s en tir o qu e você s en te a gor a p or qu e m e en via nessa missão? — Não sei. Mas espero que você possa me trazer respostas. — Eu... raramente sinto medo, Damien, mas isso tudo me deixa apavorada. — Con fie em m im . E p r ocu r e a s r es p os ta s . Pr ecis o en ten d er o qu e es tá acontecendo ou vou enlouquecer. — Mu ito b em , vou m e em p en h a r n es s a b u s ca . Nem qu e s eja p a r a p r ova r qu e você es tá er r a d o. E s e d es cob r ir qu e a lica n tr op o é a es colh a er r a d a p a r a você, fa r ei tu d o qu e p u d er p a r a s ep a r á -lo d ela p a r a s em p r e. S e ela for o ven en o, n ã o vou h es ita r em a d m in is tr a r o a n tíd oto. Pr efir o m a tá -la e cor r er o r is co d e enfren ta r s écu los d e gu er r a a p er d er você p a r a a lgo qu e, n o fin a l, s er á s u a destruição. Precisamos muito de você. Eu preciso muito de você. A d ecla r a çã o n ã o o p er tu r b ou , com o er a s u a in ten çã o. No p a s s a d o, a s palavras de carência e afeto o teriam afastado rapidamente por serem incômodas. Ma s a gor a ele qu er ia s a b er o qu e er a p r ecis o p a r a s u p r ir es s a n eces s id a d e n o ou tr o e em s i m es m o. E le d es eja va d es cob r ir o qu e er a en con tr a r em a lgu ém uma alma complementar. E isso mudava tudo. — O qu e va i fa zer , Damien? E s tá p en s a n d o em cor r er p a r a a Rú s s ia e d ecla r a r s eu a m or p or u m a es tr a n h a ? — Nã o s u p or ta va a ideia d e vê-lo a gir d e maneira tão irracional. — Nã o. Nem es tou d izen d o qu e a a m o. O qu e qu er o d es cob r ir é s e is s o é possível. Se sou capaz de amá-la.

CAPÍTULO III

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S yr een a r ola va n a ca m a . Ain d a fa lta va u m a h or a p a r a o a n oitecer . A luz d o d ia n ã o p en etr a va n a s p r ofu n d eza s d o m on a s tér io, m a s ela n ã o qu er ia s e leva n ta r . E s ta va exa u s ta d e va ga r p elos cor r ed or es . A in qu ieta çã o fís ica e m en ta l que experimentava estava ameaçando levá-la à loucura. E r a h or a d e volta r p a r a p er to d e S ien a . Lá , ter ia alguma cois a p a r a fa zer além de refletir sobre si mesma. Preferia estar ocupada. Sabia que os sentimentos e os p r ob lem a s n ã o d es a p a r ecia m qu a n d o er a m ign or a d os , m a s p elo m en os teria uma trégua, o que já seria um alívio. Além d o m a is , em a lgu m m om en to ter ia d e en ca r a r s eu p ovo. Nã o p od ia fica r a fa s ta d a es p er a n d o o ca b elo cr es cer p a r a fu gir d os olh a r es qu e ta n to a in com od a va m . J á con s egu ir a ter a ces s o a o fa lcã o d u a s vezes p or b r eves p er íod os ! As penas que faltavam não impediam o voo. Na medida em que fosse superando o trauma, poderia passar mais tempo na forma da ave. Era o que esperava. Nã o con fes s a r a is s o a n in gu ém , e ch ega va a la m en ta r ter r econ h ecid o p a r a si mesma, mas algo havia mudado na experiência da transformação. E r a d ifícil id en tifica r ou d es cr ever o qu e m u d a r a . For m a s e cor es a in d a er a m a s m es m a s , o p r oces s o d e con cen tr a çã o e o b a la n ça r d a ca b eça a in d a er a m fu n d a m en ta is p a r a a id a , com o o foco e o b a la n ça r d o cor p o er a m necessários para a volta à forma humana, e podia voar, planar e usar a voz do falcão. Em sua s egu n d a for m a , ela a in d a er a u m a m u lh er cob er ta p or p en a s d e fa lcã o e com lon ga s a s a s . Nã o con s egu ia ter a ces s o a o golfin h o, n em à s er eia r es u lta n te d a combinação entre mulher e golfinho. Mas isso já era esperado. Então, o que havia mudado? Tem ia volta r p a r a a ca s a d a ir m ã s em es s a r es p os ta . Fr u s tr a d a com a in qu ieta çã o, ela s e vir ou d e b r u ços e en ter r ou o r os to n o tr a ves s eir o. Com a s mãos cobrindo as orelhas, começou a cantar, repetindo a melodia várias vezes até s en tir o in ício d e u m a on d a d e con for to. Qu in ze m in u tos m a is ta r d e, ela s e s en tiu relaxar e cochilou. Da m ien s or r iu a o ou vir S yr een a ca n ta r e coch ila r r ep etid a s vezes . A aproximação de uma nevasca escondera o sol mais cedo, mas ela não podia saber d is s o com o r os to en ter r a d o n o tr a ves s eir o, es con d id a n a s p r ofu n d eza s d o m on a s tér io. For a fá cil en con tr á -la . Dep ois d e ter p a s s a d o o d ia com o h ós p ed e d e Noah na Inglaterra, usara a tempestade para transportá-lo até ali. A va n ta gem d o cor vo em qu e d e r ep en te p od ia s e tr a n s for m a r er a qu e n en h u m lica n tr op o qu es tion a r ia a p r es en ça d a a ve n os s u b ter r â n eos d o monastério. Quase todos ainda dormiam, mas os poucos pelos quais passara nem haviam olhado em sua direção.

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Gostava d e s er u m a a ve, p en s ou , aproximando-se d a ca m a d e S yr een a . Além d a leveza , s eu n ovo cor p o er a ca p a z d e a tin gir im p r es s ion a n te velocid a d e. A forma aerodinâmica era incrível, apesar da aparente vulnerabilidade. De repente, entendia como era a vida de Syreena. Liberdade e velocidade, mas, em troca, vulnerabilidade. S em p re h a via u m a tr oca . Qu a is s er ia m a s vu ln er a b ilid a d es d a ter ceir a forma da princesa? Pa r ou p a r a a p r ecia r o cor p o esguio e a tlético s ob r e a ca m a . E la es ta va d eita d a d e bruços, e er a p os s ível ver a s cu r va s p er feita s e s in u os a s s ob a colch a de tecido fino. Pod ia ta m b ém s en tir o ca lor d a qu ele corp o. Con s id er a n d o a tem p er a tu r a d e suas mãos àquela hora da noite, quando ainda não havia caçado, se a tocasse ela certamente pularia alto o bastante para tocar o teto. Ma s o m om en to n ã o er a p r op ício p a r a es s e tip o d e tr u qu e. Um a b r in ca d eir a dessa natureza naquela fase de sua vida poderia lhe custar a cabeça. E la ca n ta va , e o ca n to in cer to e entrecortado expressava a d ificu ld a d e p a ra a d or m ecer , u m p r ob lem a qu e ele com p r een d ia p er feita m en te b em . E qu e o con for ta va . E r a o p r im eir o s in a l d e qu e ele n ã o er a o ú n ico en fr en ta n d o dificuldades. Ao ver os ca b elos d ela es p a lh a d os , m a is ca s t a n h os d o qu e cin zen tos , exp er im en tou u m a for te on d a d e p es a r . Ruth m er ecia qu e ele s e vin ga s s e s im p les m en te p elo qu e ela fizer a com Syreena. Pen s a r n a va d ia en s a n d ecid a tocando-a fa zia s eu s a n gu e fer ver n u m a r ea çã o d e u ltr a je p os s es s ivo. E r a u m sentimento que o fortalecia e enchia de vigor e, por isso, nem tentava evitá-lo. Pa ixã o. Nã o h a via n a d a d e fr io, ted ios o ou blasé nela, e gos ta va d es s a efer ves cên cia . Des a p a r ecer ia com o tem p o? E r a s ó m a is u m a d elícia p a s s a geir a que perderia o encanto? Ta lvez, m a s n es s e m om en to, tom a d o com o es ta va pela s en s a çã o, n ã o p od ia imaginar seu enfraquecimento. Ajoelhou-s e a o la d o d a ca m a , d eb r u çou -s e s ob r e o ombro d e S yr een a e soprou delicadamente os cabelos que cobriam suas costas. Ela sacudiu um ombro, mas não despertou. Damien repetiu o gesto do outro lado, rindo. E la a cor d ou d e r ep en te e leva n tou a ca b eça . Olh os a zu is com o a n oite a espreitavam. — Damien — ela m u r m u r ou , in u n d a d a p or u m in exp licável entusiasmo. Nã o s a b ia d e on d e vin h a , m a s n ã o lu ta r ia con tr a o s en tim en to. E r a a m elh or cois a qu e exp er im en ta va d es d e... b em ... d es d e a ú ltim a vez qu e o toca r a . — Damien... E le n ã o es p er a va es s a r ea çã o. Ha via im a gin a d o qu e ela s e za n ga r ia , e qu e ta lvez r es is tis s e a vê-lo n ova m en te. Afin a l, n o ú ltim o en con tr o, gr it a r a com ele, tomada por uma mistura de frustração e medo. 68


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Medo por ele. E r a is s o. A a legr ia em vê-lo s ign ifica va qu e S yr een a es ta va a livia d a com s u a recuperação. Emocionado, ele não conseguiu falar nem para cumprimentá-la. E la s e s en tou , s egu r a n d o-o p elos om b r os p a r a in s p ecion á -lo. Damien sentou-s e s ob r e a ca m a , e ela s e a joelh ou , exa m in a n d o-o a ten ta m en te. As m ã os seguiam os olhos, tocando os ombros, o rosto, o peito. — Você está bem? — ela sussurrou aflita. A r es p os ta foi u m b eijo a r d en te. S yr een a em itiu u m s om qu e n ã o tr a d u zia surpresa, mas que expressava todo o seu alívio. Damien estava aliviado, também. Segurou-a p ela ca b eça , d e for m a qu e ela n ã o s e a fa s ta s s e. As m ã os d ela s e er gu er a m e o toca r a m n a fa ce, e S yr een a entreabriu os lá b ios , a ca r icia n d o-o com a língua. A a tm os fer a n o qu a r to m u d ou r a p id a m en te. S on s ofegantes ecoa va m n a s p a r ed es d e p ed r a , e a ca m a r a n geu qu a n d o ela s e m oveu p a r a cola r o cor p o a o dele. Damien s en tia n ova m en te o tor p or , a qu ela s en s a çã o d e em b r ia gu ez qu e h a via exp er im en ta d o d a p r im eir a vez em qu e s e a lim en ta r a d ela , m a s , n o momento, seu único alimento era o néctar dos beijos doces e íntimos. Foi qu a n d o ele p er ceb eu qu e n ã o h a via s id o o s a n gu e d e S yr een a qu e ca u s a r a a qu ela r ea çã o a n ter ior . Ha via s id o ela . Pon to. A qu ím ica , o m ovim en to... a paixão. In ter r om p eu o b eijo d e r ep en te, d e for m a a p od er fitá -la n os olh os . Examinando-lhe os traços, logo percebeu qual havia sido seu erro. Com o n u n ca h a via con h ecid o a p a ixã o, fica r a p a r a lis a d o p elos s en tim en tos que Syreena libertara em sua alma. Paixão ou amor? Amor ou um incrível desejo? Nã o s a b ia d izer . Tu d o qu e s a b ia er a qu e n u n ca tin h a s en tid o n a d a p a r ecid o, e que a dor de abrir mão daquilo era insuportável. De r ep en te, ele r iu , u m a ga r ga lh a d a de compreensão e a lívio d ep ois d o turbulento período de confusão. — E u s a b ia — Damien murmurou. — S a b ia qu e d evia con fia r n os m eu s instintos. — An tes qu e ela p u d es s e fa zer p er gu n ta s , b eijou -a n ova m en te. — E u s a b ia qu e você n u n ca p od er ia m e m a ch u ca r — ele s u s s u r r ou com os lá b ios roçando os dela. — Apenas lamento ter ferido você. — Você n ã o m e fer iu . Pelo con tr á r io. Nu n ca s en ti n a d a p a r ecid o em tod a a minha vida. — Quase sangrou até a morte. — Is s o s ó a con teceu p or qu e você n ã o es ta va p r ep a r a d o p a r a o qu e s en tiu . Não é isso? — Como você pode saber? Se eu só consegui entender isso agora. — Não sei como, Damien, eu apenas percebi. — Ah, bem... De qualquer maneira, já me sinto melhor. 69


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Syreena r iu e o a b r a çou . Por ém , qu a n d o ele tocou -a n a s cos ta s , ela n ã o con teve u m gr ito d e ch oqu e e d es con for to, m exen d o-s e com ta n ta for ça qu e foi parar no chão. Damien im ed ia ta m en te p er ceb eu o qu e a con tecer a uníssono com ela conforme se virava para ajudá-la.

e p r a gu ejou

em

— Des cu lp e, eu es qu eci — ele d is s e com s in cer id a d e. — E s tou gela d o p or qu e h á u m a nevasca lá for a , e a in d a n ã o tive op or tu n id a d e d e ca ça r . Per d oeme. — Is s o s egu r a m en te d es p er ta u m a ga r ota à n oite. — Ela aceitou a m ã o estendida, deixando-o erguê-la enquanto ele ria de sua observação. — Com certeza. Sinto muito. — E u s ei. Nã o p r ecis a s e d es cu lp a r . — E xp ir ou e p ôs a m ã o s ob r e o p eito. — Dê-m e a p en a s u m in s ta n t e p a r a r ecu p er a r o fôlego. —De r ep en te, ela voltou -se p ara olhar ao redor. — Damien, não sei se percebeu, mas... está no monasterio do Pride. — Eu sei. Já estive aqui e fui bem recebido pelos monges. — Ta lvez, m a s n ã o n o qu a r t o d a h er d eir a r ea l, u m a m on ja d e qu em s e espera o celibato. — Bem, depois do encontro das minhas mãos com suas costas, celibato não vai ser problema — ele debochou. S yr een a r iu , com p r een d en d o qu e s er ia fá cil s e en tr eter n a com p a n h ia d o p r ín cip e, s e con s egu is s em p a s s a r u m tem p o r a zoá vel d o m es m o la d o d e u m interesse qualquer. — Ma s , s e m in h a p r es en ça ca u s a d es con for to ou a p r een s ã o, p os s o ir embora. — Não! Quero dizer... bem, sim. Não, o que quero dizer é que... — Talvez — ele a in ter r om p eu , d ep os ita n d o u m b eijo em s u a m ã o —, ta lvez eu saia para caçar e a encontre mais tarde fora do monasterio. E la ficou u m s ilên cio p or u m m om en to, e Damien teve d e fa zer u m gr a n d e esforço para resistir à tentação de invadir seus pensamentos. — Por que veio até aqui? — Você sabe por que, Syreena. Por você. — Mas... Damien, eu n ã o p os s o... Nã o t en h o a lib er d a d e qu e você tem . S ou da família real, e isso significa... — E u s ei o qu e s ign ifica — d is s e com fir m eza . — Is s o s ign ifica qu e va m os n os en con tr a r m a is ta r d e p a r a d is cu tir a qu es tã o. No m om en to, ou ço p a s s os n os cor r ed or es . Os m on ges es tã o d es p er ta n d o. Com o n ã o qu er o d es r es p eit a r n en h u m a r egr a , p r efir o en con tr á -la m a is ta r d e n a ca s a d e s u a ir m ã . Nã o a ch a que é melhor assim? — Sim — ela m u r m u r ou , assentindo en qu a n to ele a a ca r icia va n os ca b elos destruídos. O toque era terno e cativante, como se ele visse um atrativo adicional, em vez da mutilação que todos os outros, incluindo ela mesma, viam. 70


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Depois, Damien afastou-s e e, p a r a ch oqu e d e S yr een a , m eta m or fos eou -se em um corvo e voou para fora do quarto. — Ele fez o quê? — Siena murmurou atônita. — Tomou meu sangue. Duas vezes. — Duas vezes? S im . E a ca b ei d e ver Damien s e tr a n s for m a n d o em u m cor vo. Nu n ca ou vi falar em vampiros se metamorfoseando! — Eu já. As d u a s ir m ã s olh a r a m p a r a E lija h . E s ta va m r eu n id os n o qu a r to d e Syreena na casa real. — E você ta m b ém já — E lija h d is s e a Siena. — É u m a len d a d os h u m a n os . Vampiros que se transformam em animais... — Os h u m a n os t a m b ém p en s a m qu e u m a es ta ca n o p eito d e u m va m p ir o é suficiente para matá-lo — Syreena argumentou. — E não estão completamente errados. Um trauma dessa magnitude levaria u m va m p ir o a s a n gr a r a té a m or te, s e ele n ã o con s egu is s e r ep or a p er d a . Com o qualquer um de nós. — É ver d a d e — S ien a con cor d ou . — Ma s m eta m or fos e? Sem p r e ou vi d izer que essa era uma característica dos licantropos e dos mistrais, apenas. — E d os d em ôn ios . E d os h a b ita n tes d a s s om b r a s ta m b ém , p a r a s er m a is preciso. — Elijah — S yr een a in ter r om p eu —, es tá d izen d o qu e vocês s e tor n a m o elem en to d e qu e s e or igin a m , e qu e os h a b ita n t es d a s s om b r a s s e tr a n s for m a m em sombras para esconder a substância de seus corpos? — Ah , vejo qu e u m s écu lo n a es cola s er viu p a r a a lgu m a cois a — ele brincou. — E n tã o, os va m p ir os s ã o a exceçã o — S ien a con clu iu . — Nightwalkers que não mudam de forma. — Nos a n tigos es cr itos d os h u m a n os , h á r ela tos s ob r e va m p ir os s e transforma n d o em m or cegos , a ves , lob os , névoa e s om b r a . E u a ch o qu e d eve h a ver ou tr a s for m a s , m a s n ã o s ou o es tu d ios o a qu i, p or is s o n ã o p os s o d izer qu a is s ã o. Ma s vou p er gu n ta r à n os s a es tu d ios a o qu e ela p en s a d es s a lis ta em particular. — A lis ta r ep r es en ta vá r ia s for m a s d e ca d a es p écie d e Nigh twa lk er s — S yr een a res p on d eu . — Ma s ... s e Damien tom ou m eu s a n gu e e s e tr a n s for m ou em ave, o que aconteceria se ele tomasse o sangue de um habitante das sombras? — E le ter ia o p od er d a s s om b r a s ? — S ien a a r r is cou . — E s e t om a s s e o sangue de um demônio? — Dependeria do demônio — Elijah respondeu.

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— Águ a , Fogo, Ter r a , e Ar ... Men te e Cor p o. S ã o es s es os elem en tos d o s eu povo, Elijah. — Névoa, fu m a ça , p oeir a , ven to... telep or te e cu ra — ele p r os s egu iu . — Li ficçã o h u m a n a es cr ita n o a lvor ecer d a h u m a n id a d e, e os va m p ir os já er a m citados. Esses textos afirmam que eles podem fazer todas essas coisas. Então, por que os vampiros que conhecemos são diferentes? Exceto por Damien, é claro. — Porque Damien tomou meu sangue para salvar minha vida... — E p or qu e eles a cr ed ita m qu e os Nigh twa lk er s s ã o o m a ior ta b u , d ep ois d os u s u á r ios d e m a gia — S ien a a cr es cen tou . — Damien s e a lim en tou d e você p a r a p od er in jeta r os coagulantes d e qu e p r ecis a va qu a n d o es ta va p er d en d o s a n gu e p elo ca b elo lesionado. Tod os n ós s a b em os qu e, p a r a u m lica n tr op o, u m a les ã o ca p ila r é tã o gr a ve qu a n to cor ta r u m a a r tér ia , d ep en d en d o d e qu a n to ca b elo perdemos. — Per d i o s u ficien te — S yr een a d is s e m ela n cólica , toca n d o a r egiã o a feta d a . — E, contrariando tudo que sempre soube e respeitou, ele arriscou-se para salvar minha vida. — Um ato de grande importância — Siena concordou. — S im , u m a to cu ja s r a m ifica ções s ã o m u ito elu cid a tiva s — r efletiu E lija h . — Fico im a gin a n d o s e é a p en a s S yr een a ... S e é u m efeito cu m u la t ivo, ou s e h á u m lim ite, a lgo com o u m efeito p or p es s oa . E le p od e tom a r m eu s a n gu e, p or exem p lo, e d ep ois s er ca p a z d e s e tr a n s for m a r em cor vo e em ven to? Ou is s o elim in a r ia o cor vo e d eixa r ia a p en a s o ven to? Ou a gor a é s ó o cor vo e n a d a m a is ? Aposto que Damien também tem essa dúvida. Por a lgu m a r a zã o s om b r ia , S yr een a n ã o gos ta va d e p en s a r em Damien mordendo pescoços aleatoriamente para acumular poder. Na ver d a d e, n ã o gos ta va d e p en s a r n ele m or d en d o p es coços. Por n en h u m a razão. Especialmente pescoços femininos. S en tia qu e h a via p r a zer en volvid o qu a n d o va m p ir os s u ga va m o s a n gu e d o s exo op os to, in d ep en d en tem en te d a es p écie. E qu e eles n ã o es ta va m im u n es a s e envolver com humanos. — S er ia in ter es s a n te ver ifica r s e exis te n a b ib lioteca a lgu m m a ter ia l s ob r e isso — sugeriu Siena. Mas Syreena não prestava atenção. Estava tomada pelo desejo de encontrar Damien, d e tê-lo a o s eu la d o. S a b ia qu e n ã o tin h a o d ir eito d e s en tir ciú m es , m a s a lógica era insuficiente para sufocar o sentimento. Sem dizer nada, transformou-se no falcão-peregrino, deixando cair o vestido vazio. — Syreena! Tarde demais. O falcão já voava pelos corredores escuros da caverna. Damien deixou a presa adormecida no solo gelado. 72


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Paciente, o cão esperava e abanava a cauda enquanto Damien se afastava. — Bom m en in o — o p r ín cip e d is s e a o a n im a l. — Nã o s e es qu eça d e d a r u m a s b oa s la m b id a s n o r os to d o s eu a m igo d ep ois qu e eu for em b or a , p or qu e a s s im ele d es p er ta r á . Nã o o d eixe n o fr io p or m u ito tem p o, p or qu e os h u m a n os não têm pelos para aquecer o corpo. Um a n im a l en ten d ia os ciclos d a n a tu r eza e a r ela çã o en tr e p r ed a d or e presa. Desde que Damien não fizesse mal ao humano, o animal não o atacaria. Afastou-se do guarda e de seu cão, voltando às sombras do edifício que eles p r otegia m . Con cen tr a d o, p r od u ziu u m a p er cep çã o a lter a d a n o h om em d e qu e s e a lim en ta r a , con fu n d in d o a r ea lid a d e e im p ed in d o-o d e ver n o p r óp r io p es coço a s marcas deixadas por seus caninos. Ninguém mais as veria. Qu a n d o fez a ú ltim a ver ifica çã o sensorial n a á r ea p a r a s e cer tifica r d e qu e a n im a l e h om em fica r ia m em s egu r a n ça , s u r p r een d eu -s e a o d etecta r a aproximação de Syreena. — Nã o a ch a qu e es tá u m p ou co fr io p a r a fica r voa n d o p or a í? — ele perguntou quando ela aterrissou ao seu lado. — É engraçado que saiba disso. E le n ã o s e d a r ia a o tr a b a lh o d e fin gir qu e n ã o s a b ia qu e ela s e r efer ia a o corvo. — Ah, sim. Você notou, é? — E u ter ia qu e s er es tú p id a com o u m p os te n o qu a l você n ã o es tives s e empoleirado p a r a n ã o p er ceb er . Pos s o im a gin a r a teor ia p or tr á s d es s a n ovid a d e, mas adoraria ouvir mais sobre o assunto. — Pod em os con ver s a r em a lgu m lu ga r m a is con for tá vel? — E le a s egu r ou p elo b r a ço, p u xa n d o-a p a r a p er to d o cor p o qu en te e r ecém -alimentado. — Va i a ca b a r con gela n d o. Nu a n u m a n oite com o es ta ... Ven h a , va m os en con tr a r u m abrigo. E le ten tou en volvê-la com os b r a ços , m a s S yr een a es qu ivou -s e. Ba la n ça n d o a ca b eça , ela s e cob r iu r a p id a m en te d e p en a s , m a s p r es er vou a for m a fem in in a . As a s m u ito gr a n d es s e a b r ia m em s u a s cos ta s , e ela s e er gu eu n o a r , fita n d o-o por um momento antes de subir ao céu. Ma n ten d o a for m a h a b itu al, Damien a s egu iu p a r a a s ca ver n a s on d e fica va o ca s telo d a r a in h a lica n tr op o. S yr een a o gu iou p or u m a en tr a d a s ecu n d á r ia qu e p ou cos d evia m con h ecer e, qu a n d o ch ega r a m à ver d a d eir a en tr a d a d o ca s telo s u b ter r â n eo, já h a via m p er cor r id o a s en tr a n h a s d a ter r a p or p elo m en os vin t e minutos. S yr een a s e d eteve em u m a alcova com u m a p is cin a d e á gu a qu en te n o cen tr o. Nova m en te n a for m a h u m a n a , ela m er gu lh ou d e ca b eça n a á gu a fumegante. A n a s cen te er a u m a excelen te m a n eir a d e s e a qu ecer d ep ois d e enfrentar o frio da noite de nevasca. Damien es p er ou qu e ela volta s s e à s u p er fície, con s cien te d e qu e ela n ã o p od er ia a d ota r s u a s egu n d a for m a n o m om en to. Por ém , m es m o s em s e tr a n s for m a r n o golfin h o, a in d a p od ia p er m a n ecer s u b m er s a p or qu a n to tem p o 73


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qu is es s e. Pa r a ela , a á gu a er a tã o n a tu r a l qu a n to o a r . S e fos s e n eces s á r io, S yr een a p od er ia via ja r p or ter r a , p or á gu a ou p elo a r . E r a u m a excelen te h a b ilid a d e. Ca p a z d e a lca n ça r velocid a d e ver tigin os a , ela n ã o s e d eixa va d eter p or quase nada. Da m ien n ã o gos ta va m u ito d e á gu a , m a s n a d a va b em e o fa to d e n ã o p r ecis a r d e a r er a u m gr a n d e b en eficio. Ca m in h a va s ob r e a ter r a , com o ela , e p od ia voa r . E , com a m u dança no tamanho do corpo proporcionada pela tr a n s for m a çã o em cor vo, ob tin h a u m a n ova m ob ilid a d e qu e já com eça va a apreciar. Syreena voltou à superfície e empurrou os cabelos para trás. — Melhor? — Damien perguntou. — Um pouco. A r es p os ta er a en igm á tica , m a s ela s e a fa s tou n a d a n d o a n tes qu e ele p u d es s e p ed ir exp lica ções . Seu cor p o m olh a d o s e r etor cia e gir a va , im ita n d o os movimentos d e u m golfin h o, oferecen d o d elicios a s vis ões d e p ele d es n u d a e cin tila n te, d e p er n a s lon ga s e p és d elica d os . Dep ois d e u m tem p o, ela n a d ou em direção à margem onde ele se encontrava. Apoiou-se e ergueu-se na pedra seca. A á gu a qu e es cor r ia d e s eu s lon gos ca b elos m olh ou o ch ã o, os p és d ele e a p a r t e in fer ior d a s ca lça s . Da m ien er gu eu u m a s ob r a n celh a , p er ceb en d o qu e h a via cer ta malícia no suposto acidente. — E s s e tip o d e com p or ta m en to n ã o com b in a com você — in for m ou -a com suavidade. — Nem ciú m es — ela d is s e, ten s a . — E , a in d a a s s im es tou s en tin d o. Ta lvez possa me dizer por quê. — Ciúmes? — Ele refletiu s ob r e o ter m o com os ten s iva cu r ios id a d e, qu e continha um pouco de divertimento demais para o gosto dela. — Não seja convencido — avisou. — Não até que tenha visto uma licantropo enciumada. — Ros n ou com im p a ciên cia . — Diga -me p or qu e m e s in to a s s im ! Ma l o con h eço. Nã o tem os d ir eitos u m s ob r e o ou tr o. Você p a r ece s a b er a lgo s ob r e tudo isso que eu não sei. Quero que me diga o que está acontecendo! — Sua premissa é um erro. Temos, sim, direitos um sobre o outro. — Porque bebeu meu sangue? Foi só uma refeição! — Cer tos a lim en tos s ã o es p ecia is , S yr een a . J á p en s ou qu e p od e ter s id o a refeição mais deliciosa que já provei? Depois de você, tudo ficou sem graça. — E a s s im qu e m e vê? — p er gu n tou , ob via m en te es p a n ta d a . — E u a d m ito qu e n ã o ten h o id eia . Tu d o qu e a con teceu en tr e n ós a té a gor a foi p r ovoca d o p or n eces s id a d e ou im p u ls o. E s tou p er d id a , m a s você p a r ece ter u m con s id er á vel conhecimento. — É essa a sua impressão? — Tocou-a no rosto, secando algumas gotas que escorriam de sua testa. — Não, Syreena. O que tenho é a experiência de uma vida lon ga gu ia d a p or m eu s in s tin tos . E s em p r e fu n cion ou b em a s s im . O qu e você p er ceb e com o con h ecim en to ou fa cilid a d e d e com p r een s ã o é s ó fa m ilia r id a d e d e ação. 74


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— Ta lvez eu ten h a m ed o ju s ta m en te d is s o — ela con fes s ou , dirigindo-se à outra sala, onde ficavam seus aposentos. Damien a seguiu. — Você se importaria de esclarecer o comentário? E la o ign or ou en qu a n to a b r ia o a r m á r io, es colh ia u m ves tid o cu r to d e s ed a verde e o colocava. Da m ien a p r oveitou p a r a a va lia r o a p os en to. O a m b ien te er a es p a r ta n o, com o o d o m on a s ter io. E la n ã o tin h a d a m a s a o s eu d is p or , p a r a a ten d er à s s u a s n eces s id a d es , com o a ir m ã . Siena a p r ecia va os p r ivilégios e, a p es a r d a s r ou p a s qu e S yr een a u s a va e d o tecid o d e s eu s len çóis , qu e d em on s tr a va m qu e ela também gostava de alguns luxos, era evidente que não ia além disso. E la er a u m a p es s oa r es er va d a , com o ele s e tor n a r a a o lon go d os a n os . E r a u m a p en s a d or a , a lgu ém qu e m ed ita va a r es p eito d e s u a s a b or d a gen s , p en s a m en tos e ações, m a n ten d o u m a m b ien te s im p les qu e evita va distrações e perturbação. — Sou simplesmente a mais recente escolha do seu instinto, Damien? — A m a is r ecen te? Sim . S im p les m en te? Nã o. S u a n a tu r eza ja m a is p erm itira que tal escolha fosse simples. — Vampiros são difíceis de impressionar e raramente mostram sentimentos. É o que sei. Mas você está contraria n d o a n or m a , com o já fez ta n ta s ou tr a s vezes . Por quê? — Não sei por quê. Só sei que é assim. — E d ep ois ? Am a n h ã ? O qu e va i s er ? Va i tom a r o s a n gu e d e ou tr a fêm ea e agir por instinto, também? Ah! O ponto! Damien conteve um sorriso. — Digamos que seja assim. Isso vai mudar o que você sente? — Dep en d e d o qu a n to vou p er m itir qu e es s a s itu a çã o p r ogr id a . Nã o m e arriscaria a tu d o, com o fez m in h a ir m ã . E la a p os tou qu e fa zer a m or com u m h om em qu e n ã o fos s e d a n os s a es p écie s u s p en d er ia a s r egr a s d e p a r cer ia e a ca s a la m en to. E p er d eu a a p os ta , em b or a , n o fin a l, ten h a ga n h a d o m u ito. E lija h é s eu p a r p er feito, n ã o h á d ú vid a d is s o. S ó a lgu ém com o ele p od er ia m od er a r a personalidade de minha irmã. — E que tipo de homem moderaria a sua, princesa? Syreena o en ca r ou e teve certeza d e qu e a con ver s a o divertia. Damien se deliciava com quem ela era. — S e tem in ten çã o d e s er es s e h om em , p r ín cip e, d eve s a b er qu e, p a r a m im , é im p os s ível volta r a tr á s . Nã o h a ver ia a lter n a tiva s . Pelo r es to d a vid a , eu s ó desejaria você, e ninguém mais. Está escrito no código genético em cada célula do meu corpo. Nenhum membro da casa real jamais conseguiu desafiar essa regra. E nem tentou ou desejou contrariá-la. — E, se entendi bem, ela também se aplica ao seu parceiro.

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— Nor m a lm en te. Ma s es s e é u m ter r itór io a in d a p or d es b ra va r . Você n ã o é licantropo. — Deu certo com Elijah. — Um extr a or d in á r io golp e d e s or te. Os d em ôn ios têm a m a r ca . Nós ta m b ém a tem os , m a s a ch a m a m os p or ou tro n om e. Nu n ca ou vi fa la r d es s e tip o de elo entre vampiros. — Va m p ir os n u n ca s e tr a n s for m a r a m a n tes — ele lem b r ou , toca n d o s eu r os to n ova m en te. E r a qu a s e u m a com p u ls ã o, com o s e n ã o p u d esse m a n ter a s m ã os lon ge d ela . — S yr een a , n ã o p os s o ga r a n tir o qu e n em eu m es m o en ten d o. Com p r een d o o r is co en volvid o n a s u a es colh a , e s ei qu e n ã o con s id er a a m in h a es colh a u m r is co igu a lm en te eleva d o, m a s qu er o qu e s a ib a qu e s ó p en s ei em você d es d e qu e n os s ep a r a m os . Nã o con s igo d or m ir , n ã o s in to p r a zer qu a n d o m e alimento... Jasmine d iz qu e m e a r r a s to p ela m a n s ã o em con s ta n t e m ela n colia . Nã o en fren to es s e es ta d o d e d es en ca n to h á qu a s e oito s écu los , e n ã o p os s o m e d a r a o lu xo d e m er gu lh a r em u m a d ep r es s ã o, p or qu e p r ecis o cu id a r d e tod a u m a es p écie. Ma s es tou d es a n im a d o. Nen h u m a ou tr a fêm ea d e qu a lqu er es p écie m e a fetou com o você. Nu n ca . J á tive ob s es s ões e p a ixões , m a s n a d a p a r ecid o. E r a is s o qu e qu er ia s a b er , d oçu r a ? Ou qu er m e ou vir d izer qu e n ã o vou ten t a r es ca p a r d e s eu s b r a ços n o d ia em qu e m e ca n s a r d e você? Ta lvez qu eir a u m a p r om es s a d e qu e n ã o a leva r ei p a r a a ca m a p elo s im p les p r a zer d e con h ecer n a in tim id a d e u m a cria tu r a tã o s in gu la r , a lgu ém s em equ iva len te gen ético? Nã o im p or ta . Tod a s a s ju r a s e p r om es s a s s er ã o in s u ficien tes p a r a b a n ir s u a p r eocu p a çã o. S u a in s egu r a n ça . Pr ecis a a cr ed ita r m a is em você m es m a , S yr een a . — Aca r iciou -a n o ca b elo a té toca r n o p on to s en s ível a tr á s d a or elh a , fa zen d o-a estremecer. — Tu d o qu e p os s o d izer é qu e, d es d e qu e a vi p ela p r im eir a vez, en xer gu ei b eleza . For ça , d eter m in a çã o... Vi a d oçu r a d o a m or qu e s en te p or s u a ir m ã . E vi tu d o is s o qu a n d o es tá va m os n a es cu r id ã o. Lem b r a ? Nã o vi s eu s olh os n em s eu s ca b elos , n ã o vi s u a cor oa . Nã o tom ei n a d a d e s u a cor r en te sanguínea. Fiqu ei in tr iga d o e d es ejei-a . Ta lvez p or qu e es tives s e a m ea ça n d o m in h a vid a . Considero isso particularmente sensual. — Damien! — Ela riu, estendendo a mão para tocar o peito largo e forte. — S eu cor a çã o é u m arlequim, com o o r es ta n te d e você. Cin zen to em alguma s á r ea s , n a tu r a l em ou tr a s . Gos ta r ia d e con h ecer tod a s ela s , s e p u d er . E em b or a n ã o n egu e m in h a in t en çã o d e p a s s a r m u ito tem p o exp lor a n d o tu d o em você, s ei qu e, n es s e ca s o, d evo d eixá -la d ecid ir qu a n d o va i qu erer m e p r ocu r a r e saciar esse desejo. Syreena fech ou os olh os p a r a s a b or ea r o b eijo s u a ve qu e ele d ep os ita va em s eu s lá b ios . E n ten d ia o qu e Damien es ta va p r op on d o. E le s e d is p u n h a a s a ir d e cen a , d a r a ela tem p o e es p a ço p a r a p en s a r . Ma is tranquila, ela p ôd e a b r ir os pensamentos para possibilidades até então fora de seu alcance. — Suspeito de que isso não seja possível — ele murmurou. — O que não é possível? — Ap la ca r m eu d es ejo p or você. Nã o im a gin o u m a fom e com o a qu e s in to sendo saciada por uma pequena prova.

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Syreena fech ou os olh os , d eixa n d o-s e a b r a ça r e in s p ir a n d o p r ofu n d a m en te, deliciando-s e com a s evid en tes m u d a n ça s n o ch eir o d e Damien. Era im p r es s ion a n te con s ta ta r a in ten s id a d e d o d es ejo qu e d es p er ta va n ele simplesmente estando perto. Registrava todas as atraentes e deliciosas mudanças n a qu ím ica d o p r ín cip e, e ela s p a r ecia m cir cu la r p or s eu s a n gu e, d es p er ta n d o respostas poderosas em seu sistema. E le es ta va p en etr a n d o n a qu ele ter r itór io d e d es con tr ole s ob r e a s fu n ções d o p r óp r io cor p o. O r eflexo s e r evela va em s u a r es p ir a çã o arfante, n a ten s ã o mus cu la r , em ou tr os s in a is qu e, es tr a n h a m en te, d es p er ta va m em S yr een a u m a sensação de poder. — Gosta do efeito que tem sobre mim — ele comentou. — S u a s a t is fa çã o r a d ia com o u m s ol a qu ecen d o m eu cor p o. — E le a b eijou com a r d or . — Ten h a cu id a d o, p r in ces a , ou va i com eça r u m in cên d io qu e n ã o poderei controlar. Qu a n d o ele a toca va e b eija va com o es ta va fa zen d o, S yr een a es qu ecia a s consequências. — Nã o s ei m a is o qu e fa zer com você — ela con fes s ou , a ga r r a n d o a ca m is a qu e cob r ia s eu p eito. — Diz a s cois a s cer ta s , faz a s cois a s cer ta s ... Até a s cois a s qu e con s id er o er r os , você con s egu e exp lica r com o s e h ou ves s e n ela s tod a a lógica do mundo. De onde tira essa certeza inabalável, Damien? —Pa r a m im , is s o é in s tin to d e s ob r evivên cia . S em es s a cer teza , m eu tr on o ca ir ia em ou tr a s m ã os ... e m in h a ca b eça ca ir ia n o ch ã o. Nã o p os s o m e d a r a o luxo de sentir insegurança. — Não imagina como eu gostaria de poder dizer o mesmo. — Você s a b e qu e p od e. Nã o p r ecis a d a r s a tis fa ções a n in gu ém . Só p r ecis a d es cob r ir o qu e tem d e p er gu n ta r a s i m es m a . S ei qu e eu p od er ia in flu en ciá -la com toda a facilidade. — Pa r a p r ova r o qu e d izia , ele tocou a veia qu e p u ls a va em s eu p es coço e a viu fech a r os olh os , en tr ega n d o-s e à r ea çã o ca u s a d a p elo con ta to. — S yr een a , você p er m ite qu e o m u n d o m a n ip u le s u a vid a . Nã o vou lh e d izer o qu e fa zer . S ó vou relacionar as opções. — Diga a p en a s o qu e qu er d e m im , Damien. De n ós , s e é qu e is s o é possível. E le fitou os olh os bicolores e s ou b e exa ta m en t e o qu e ela qu er ia ou vir . E surpreendeu-se ao perceber o quanto desejava dizer aquilo. — Qu er o a p r en d er a a m a r você, S yr een a . E n ã o m e r efir o a fa zer a m or com você. Is s o é fá cil d e a p r en d er . Qu er o d es cob r ir p or qu e e com o você p r ovocou es s a s m u d a n ça s d en tr o d e m im , ta n to n o a s p ecto fís ico, qu a n to n o es p ir itu a l. Qu er o s a b er com o a lgu ém com o eu , tã o d es titu íd o d e em oçã o e s en tim en to, p od e s e s en tir tã o a b a la d o p or u m a cr ia tu r a d elica d a com o você. O qu e es ta m os viven d o n ã o é s ó u m a fa s e p a r a m im . Nã o é u m ca p r ich o qu e va i p a s s a r . Vivi o suficiente para saber o que faz parte da minha natureza e o que é novo para mim, o qu e va i fica r e o qu e va i p a s s a r . S e qu er p r om es s a s , en con tr a r ei m a n eir a s d e fazê-la s e cu m p r i-la s . S e qu er a eter n id a d e, d oçu r a , viverei com p r a zer m a is u m 77


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milênio. — E le a s oltou com evid en te r elu tâ n cia . — Agor a , é você qu em d eve d ecid ir s e is s o é s u ficien te p a r a fa zer você feliz, s e qu er a m es m a cois a qu e eu qu er o. E lem b r e-s e d e qu e tu d o is s o tem d ois la d os . Nós d ois t em os r es p on s a b ilid a d es qu e vã o m u ito a lém d a n os s a vid a p es s oa l. S e n ã o p u d er m os con cilia r es s a s cois a s , va m os ter d e es colh er o qu e s a cr ifica r em os em p r ol d e nossa felicidade. Nem eu mesmo tive tempo para pensar nisso. Só tive tempo para con s ta ta r qu e is s o n ã o é m a is tã o im p or ta n te p a r a m im qu a n to foi n o p a s s a d o, e talvez esse seja o primeiro passo. Entende o que eu quero dizer, Syreena? — S im , es tá fa la n d o d o tr on o. O s eu e o d os lica n tr op os . E n tã o, exis te alguém, ou alguma coisa a quem devemos satisfações, afinal. — Apenas se quisermos. — Nã o é u m a qu es tã o d e von ta d e, Damien. S ou h er d eir a d e Siena, e n a d a vai mudar essa situação. — S ó s e você n ã o qu is er qu e m u d e. Ma s n ã o é es s a a qu es tã o im ed ia ta . E s s a é s ó u m a consequência d a r es p os ta . Des cu b r a u m a , e d ep ois s e p r eocu p e com a outra. — E s tá s u ger in d o qu e d evo d es cob r ir o qu e m eu cor a çã o qu er , s em considerar minhas responsabilidades? — Pa r a você, is s o p od e s oa r ir r es p on s á vel. E u s ei. Ma s é a m a rca d a verdadeira liberdade. Seguir seu coração e o instinto acima de tudo. Damien beijou-a n a tes ta e s e vir ou p a r a p a r tir . Syreena qu er ia a ga rr á -lo, s a lta r s ob r e ele, im p ed i-lo d e ir . A p ele gr ita va a d or d e s u a a u s ên cia , o cor a çã o a inundava com um fluxo de sangue excessivo, resultante do medo. Era como se ele es tives s e p r es o a o s eu es p ír ito. Com o s e, a o p a r tir , ele leva s s e u m a p a r te d e s u a alma. — Damien, espere! Ela se projetou contra suas costas antes de ele cruzar a soleira, envolvendoo com os braços. Havia em seus olhos lágrimas de alívio. Damien fech ou os olh os e s egu r ou u m a d a s m ã os em s eu s om b r os . Qu er ia ficar. Mais do que tudo. Mas ela ainda tinha muitas dúvidas. — Syreena... — Você tem r a zã o! A es colh a é m in h a , e n ã o s u p or to ver você p a r tir . Por favor, Damien... Ele se virou devagar, deixando-se abraçar. — Em dez minutos, você vai duvidar de mim outra vez — disse. — Não vou! E la o en ca r ou , s egu r ou s u a s m ã os e levou -a s a o própria pescoço. Damien compreendeu imediatamente o significado do gesto. Ha via u m for te m is ticis m o n a s jóia s qu e os lica n tr op os u s a va m n o p es coço. E la s s em p r e s e a ju s ta va m à for m a d a qu ele qu e a u s a va , qu a lqu er qu e fos s e es s a forma. Mas, ainda mais importante, ninguém sabia como remover o colar. A lenda da jóia dizia que só havia um meio de retirá-la. 78


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Pela mão do único e verdadeiro parceiro do membro da família real. — Se você for minha alma gêmea, suas mãos me dirão. — Entendo. Então, não pode decidir, afinal. Mais uma vez, prefere depender de um fator externo. E le ten ta va ign or a r o d olor os o d es a p on ta m en to, m a s o s en tim en to er a for t e demais. Livrou-se dos braços que o envolviam. — Cresça, menininha! — E le ir r itou -se. — E , en qu a n to n ã o cr es cer , n ã o m e a tor m en te com s u a s p r ovoca ções e s eu s p ed id os va zios . Ap es a r d o qu e d izem , eu ta m b ém ten h o u m cor a çã o, e ele é s en s ível com o qu a lqu er ou tr o. — Metamorfoseou-se violentamente em corvo e partiu. Ch oca d a , S yr een a p er m a n eceu on d e es ta va , a in d a com os d ed os toca n d o o cola r em s eu p es coço, tom a d a p or u m a d or com o n u n ca s en tir a a n tes . In ca p a z d e sustentar-se sob o peso do sofrimento, ela caiu no chão do quarto. — Elijah, Syreena não é assim — Siena repetiu, preocupada. — Ga tin h a , p r ecis a p a r a r d e s e p r eocu p a r com u m a m u lh er qu e tem m a is d e cem a n os d e id a d e! — O giga n te lou r o a a b r a çou , ten ta n d o a ca lm á -la. — Além d o m a is , ela p r ecis a d e es p a ço. S e qu is er a ju d a , s u a ir m ã s a b e on d e en con tr á -la. Não interfira, ou vai acabar afastando-a ainda mais. — Ma s eu m e s in to p er d id a s em ela , Elijah! S yr een a é s em p r e a voz p r á tica em meu ouvido. — Agor a h á ou tr a voz, ga tin h a . E ela p r ecis a s er livr e p a r a s egu ir o p r óp r io caminho. Os dias de proteção e segurança chegaram ao fim. — E la es tá tr is te! E p os s o s en tir qu e es s a tr is teza es tá ligada a Damien. Ele fez a lgu m a cois a ! Pr ecis o en con tr a r o p r ín cip e e s a b er o qu e h ou ve, ta lvez en fia r um pouco de juízo naquela cabeça oca e arrogante! Elijah suspirou e olhou para o jardim sob a varanda onde estava ao lado da esposa. S yr een a con tin u a va s en ta d a em u m b a n co, tr is te e s olitá r ia . Nos ú ltim os d ia s , ela s e m os tr a va inconsolável. Nã o h a via n en h u m a em oçã o evid en te, m a s também não havia mais o brilho de interesse pela vida, a curiosidade, a energia. Siena s ofr ia com a a m a r gu r a d a ir m ã e, p or consequência, com o s eu p a r ceir o, ele ta m b ém s en tia tod a es s a d or . S en tir a -s e ten ta d o a p r ocu r a r Damien, con ver s a r com ele e ten ta r en ten d er ... Ou , ta lvez, fos s e a p en a s o d es ejo d e S ien a in ter fer in d o em s eu s p en s a m en tos . S a b ia qu e a r ecíp r oca er a verd a d eir a , qu e ela ta m b ém s en tia s u a s em oções e, p or is s o, a s gu a r d a va em s egr ed o, es p ecia lm en te nesse caso. Esperava que o tempo reduzisse a intensidade de sua apreensão. — Eu não apostaria o castelo nisso — ela murmurou. O guerreiro riu e beijou-a no topo da cabeça. — A esperança é a última que morre, gatinha — disse. Jasmine lia os títu los d os livr os , ten ta n d o en con tr a r entr e eles a lgo qu e pudesse ajudar em sua pesquisa. 79


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S u a ca s a vivia o ca os qu e s e in s ta la r a em s eu s en h or. Damien n ã o r evela va a or igem d o con flit o, m a s ela s a b ia qu e o p r ín cip e en fr en ta r a a lgu m tip o d e rejeição por parte da caprichosa princesa licantropo. Cria tu ra in s u p ortáv el, pensou, com forte ressentimento. Damien n ã o con h ecia a d or d a r ejeiçã o. Con s id er a n d o a es p er a n ça qu e in ves tia n a in gr a t a p r in ces a , a n ovid a d e s e tor n a va a in d a m a is d olor os a e humilhante. S em con h ecer os d eta lh es d a s itu a çã o, r es ta va a ela a p en a s fa zer s u p os ições . E m s u a p r eocu p a çã o com o b em -estar d o p r ín cip e, a p es a r d e es ta r con ven cid a d e qu e a es n ob e lica n tr op o n ã o o m er ecia , J a s m in e p r ecis a va encontrar prova s d es p id a s d e p recon ceito p a r a s u s ten ta r a s n ova s crença s d e Damien. E r a a ú n ica m a n eir a d e retifica r a terrível s itu a çã o. S e p u d es s e p r ova r que as teorias dele estavam baseadas em fatos, a mutante teria ao menos de ouvilo e considerar as possibilidades. Só lamentava não ser capaz de ler mais depressa.

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Damien ca m in h a va p elo ja r d im d a m a n s ã o en volta p elo m a n to d a n oite, p en s a n d o em u m a m u lh er qu e vivia d o ou tr o la d o d o m u n d o. Nã o h a via ca ça d o d es d e a ú ltim a vez qu e a vir a , e o fr io em s eu cor p o com b in a va com o gelo qu e s e in s ta la r a em s u a a lm a . Dis tr a íd o com o es ta va , n ã o s er ia s en s a to s a ir e exp or -se a os in ú m er os p er igos qu e o a m ea ça va m n o m u n d o exter ior . S e n ã o tives s e cuidado, acabaria morto. Na ver d a d e, já s en tia p od er os a s p r es en ça s em tor n o d e s eu ter r itór io. E r a m va m p ir os , d ois d eles , e es p er a va m p or u m a op or tu n id a d e d e con fr on to. Nor m a lm en te, já os ter ia en fr en ta d o, m a s es ta va d es in ter es s a d o e s em in clin a çã o p a r a lu ta r . E les qu e s e a r r is ca s s em e s u p or ta s s em a s consequências. Pa r a qu e m a is vivia , s e n ã o p a r a en tr eter oca s ion a is p er s on ifica ções d e cob iça ? E les qu e cobiçassem sua posição, suas propriedades e sua casa, se quisessem. Na verdade, podiam ficar com tudo. Nesse momento, nada o incomodava. J a s m in e fica r ia b em s ozin h a . E la já h a via d ecla r a d o vá r ia s vezes qu e n ã o p r ecis a va d ele ou d e s u a p r oteçã o. E d evia es ta r cer ta . E le a p en a s a estivera u s a n d o p a r a s e m a n ter s ob r e a s u p er fície d a ter r a p or tod os a qu eles s écu los . Precisava dela mais do que ela dele. Uma ocorrência comum entre as mulheres que atraía ultimamente. Maldição! Deixara Syreena h a via d u a s n oites . E m tod o es s e tem p o, ela a in d a n ã o con s egu ir a tom a r u m a d ecis ã o? E p or qu e ele s e s u r p r een d ia ? E la n ã o fizer a u m a es colh a p es s oa l em tod a a s u a vid a ! Ta lvez p r ecis a s s e d e m a is cem a n os p a r a d es cob r ir com o is s o er a p os s ível. Nã o fica r ia s en ta d o es p er a n d o por ela . Nã o continuaria sofrendo e se martirizando. 80


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Nã o es ta va h a b itu a d o com a in ten s id a d e d os s en tim en tos qu e o a tor m en ta va m , e is s o o con fu n d ia e p er tu r b a va , s a b ia qu e es ta va fa zen d o a lgo qu e ja m a is fizer a em tod a a sua lon ga vid a : a gia con tr a r ia n d o os in s tin tos . S u a bússola in ter n a a p on ta va p a r a a Rú s s ia . Devia volta r lá e a ceita r Syreena como ela er a , a ceita r s u a lógica . Qu e im p or tâ n cia tin h a o ca m in h o qu e ela p er cor r ia , s e esse caminho a levasse aos seus braços? O que importava se, no final, o resultado seria o mesmo? Ma s n ã o s er ia a m es m a cois a . S e m a n ip u la s s e a es colh a d e S yr een a , s e a coa gis s e n o s en tid o d e u m a d ecis ã o, d a r ia a ela a in d a m a is es p a ço p a r a d u vid a r . S e ela n ã o a cr ed ita va n ele a gor a , n ã o a cr ed ita r ia n u n ca ! Tin h a cer teza d e qu e tu d o n ela cla m a va p or ele, a s s im com o tod o o s eu s er s u p lica va p or ela . Ma s ela r es is tia , lu ta va con tr a s i m es m a , ca m b a lea va p ela vid a es p er a n d o qu e a lgu ém lh e dissesse qual era a escolha certa. Ela já sabia. Como ele sabia. S e S yr een a qu er ia ga r a n tia s , s ó a s en con tr a r ia d en tro d e s i m es m a . E le já h a via d ito tu d o qu e p od ia s ob r e o a s s u n to. Ma s , a p a r en tem en te, n ã o h a via s id o s u ficien te. E p or qu e s er ia ? Se ela n ã o con fia va em s i m es m a , com o con fia r ia em outra pessoa? Sentou-s e s ob r e a r och a qu e s e tor n a r a s eu la r recen tem en te. Olh a va p a r a o ocea n o e s en tia o ven to gela d o e ú m id o. E s ta va d ep r im id o, en fr a qu ecen d o. Logo ter ia d e s u p er a r es s e es ta d o ou ir p a r a o fu n d o d a ter r a , p ois s ó a s s im p od er ia s ob r eviver. S e con tin u a s s e s e exp on d o n o es ta d o em qu e s e en con tr a va , n ã o demoraria muito até alguém desafiá-lo. E, na condição em que estava, as chances de vitória eram nulas. E les qu e tom a s s em tu d o en qu a n to ele d or m ia p r otegid o p ela ter r a . A in d ecis ã o d e S yr een a o m a ta va a os p ou cos , m a s n ã o p er m itir ia qu e os gananciosos de sua raça recolhessem seus ossos. Quando Damien a cor d ou , h or a s m a is ta r d e, o céu s e tin gia d e r os a com a ch ega d a d o a m a n h ecer . Sen tou -s e d e r ep en te, p er ceb en d o qu e d or m ira n a r och a s ob r e o m a r e, no m om en to, s e d ep a r a va com tod a a for ça d o s ol n a s cen te. Ch oca d o, p ôs u m b r a ço s ob r e os olh os , qu e já la cr im eja va m p ela d olor os a exp os içã o. Ha via d ois d ia s , m u n id o d e tod a a s u a for ça , ter ia s u p or ta d o es s a lu z m a tin a l a in d a p á lid a . No es ta d o en fr a qu ecid o em qu e s e en con tr a va , a h is t ór ia era bem diferente. La m en ta n d o a fa lta d e ca u tela , leva n tou -s e. Pr ecis a va cor r er p a r a ca s a , b u s ca r p r oteçã o... Ma s , d e r ep en te, com o s e d ecid is s e qu e tu d o er a s ó u m truque da mente, ele parou. Deva ga r , b a ixou os b r a ços e s e vir ou p a r a olh a r o s ol n a s cen te. Qu e cois a lin d a p od ia s er o s ol m or ta l! De cer ta for m a , ta m b ém er a u m p r ed a d or , e es ta va n o top o d a ca d eia a lim en ta r . Alim en ta va -s e d e tu d o. E n golia a es cu r id ã o com u m a m or d id a vor a z. Dep ois , m a s tiga va os Nightwalkers com o s e fos s em a s ob r em es a . S u ga va a en er gia d os d em ôn ios , ca u s a va b olh a s fa ta is n os licantropos, desidratava os vampiros até transformá-los em uma pilha de cinzas. — Damien, o que está fazendo? 81


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Jasmine agarrou-o. O p â n ico a in va d ia com o u m a on d a violen ta , e ela u s ou tod a a for ça p a r a d om in á -lo. Nã o foi d ifícil, con s id er a n d o s eu es ta d o d e leta r gia . Levou-o p a r a d en tr o d a m a n s ã o, p a r a a s egu r a n ça p r op or cion a d a p or p es a d a s cortinas e janelas fechadas. Supera d o o p er igo im ed ia to, a com od ou -o em u m s ofá e s e a joelh ou d ia n t e dele, agarrando suas mãos geladas e fitando-o com desespero. — Damien, ela não merece tudo isso! Nenhuma mulher é digna de sua vida! Podia ter morrido. Por favor, pare de se m achucar desse jeito! Mas ele não a escutava. Seu olhar estava perdido na distância, vazio. — Damien! — Jasmine gritou, à beira das lágrimas. Abraçou-o, decidindo que não o deixaria mais sozinho. Não era seguro. Mas s u a p r es en ça s er ia a p en a s u m a m ed id a p a lia tiva . S e n ã o ca ça s s e, ele en tr a r ia em tor p or . Ma is d ois ou tr ês d ia s , e es s e es ta d o s er ia in evitá vel. Rep en tin a m en t e, entendeu o sofrimento que causara a Damien cada vez que caíra ela mesma nesse torpor. E le es ta va fr io a o toqu e, e já er a p os s ível s en tir ta m b ém o fr io qu e em a n a va d e s u a a lm a . Jasmine qu er ia m a ta r a lica n tr op o! Ain d a a b r a ça d a a o velh o a m igo, murmurou: — Você precisa se alimentar. Venha... — disse, oferecendo o pescoço. Damien n ã o tin h a fom e. Nã o qu er ia exp er im en ta r a s s en s a ções qu e acompanhavam o momento da saciedade, especialmente com uma mulher. Soltou-s e d os b r a ços qu e o en volvia m e s e leva n tou , s a in d o d a s a la s em d izer n a d a . Ir ia p a r a o qu a r to e d or m ir ia a t é a es cu r id ã o cob r ir o m u n d o novamente. A primeira coisa registrada pelos sentidos sonolentos d e Damien foi o cheiro de lavanda. Chocado, sentou-se e olhou em volta. Havia ao lado da cama um vaso com flores e ramos variados, entre eles... lavanda. Ca iu s ob r e os tr a ves s eir os s ob o p es o d a d ecep çã o. Fu r ios o e fr u s t r a d o, a ga r r ou o va s o e a r r em es s ou -o con tr a a p a r ed e, ca u s a n d o u m gr a n d e es tr on d o e espalhando água e flores em todas as direções. Com eter a ta n tos p eca d os qu e m er ecia es s e a m a r go ca s tigo? E qu a n to à s com p en s a ções ? Qu a n ta s vid a s s a lva r a com s u a in ter fer ên cia ? Per d er a a s con ta s m u ito a n t es d e ter s a lva d o a vid a d a r a in h a in gles a qu e r ein a r a s ob er a n a p or s eten ta a n os . S em p r e a ch a r a qu e a h er a n ça d o Ren a s cim en to E liza b eta n o h a via s id o extr a or d in á r ia , u m a con tr ib u içã o va lios a p a r a o d es en volvim en to d a r a ça h u m a n a . E a qu ela er a p od er ia n em ter exis tid o, s e a r a in h a h ou ves s e m or r id o d e varíola no ano em que a conhecera. Não merecia uma recompensa por isso? O a ta qu e d e fú r ia s ó s er vir a p a r a tor n a r a in d a m a is in ten s o o p er fu m e d e lavanda n o qu a r to. Leva n tou -s e e ca m in h ou a té o gu a r d a -r ou p a , d is p os to a vestir-s e e s a ir p a r a ca ça r . E r a p er igos o fa zer is s o gu ia d o a p en a s p ela em oçã o, 82


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m a s n ã o s e im p or ta va com m a is n a d a . Melh or a r r is ca r a vid a ten ta n d o r ecu p er a r a saúde do que continuar afundando em autocomiseração e melancolia. Ma s , a n tes d e s a ir , qu eim a r ia a s m a ld ita s flores e b a n ir ia o p er fu m e d e s u a ca s a . Ves tid o a p en a s com a ca lça , vir ou -s e p a r a r ecolh er a s flor es e qu a s e ca iu em cima de Syreena. — O qu e fa z a qu i? — ele p er gu n tou em tom fu r ios o, s em s a b er s e d evia ou n ã o a cr ed ita r n o qu e via e s en tia . O ca lor d o cor p o s in u os o o en volvia , o p er fu m e invadia seus sentidos e, de repente, experimentava uma forte necessidade de tê-la n os b r a ços . — Nã o ten h o a s r es p os ta s qu e p r ocu r a . Vá em b or a . Teve tr ês d ia s e três noites para falar comigo, mas perdeu a chance. Ou p erd erá , a s s im qu e eu pu d er s a ir d e p erto d e você e obte r u m pou co d e calor para meu corpo. S yr een a en ten d ia o m otivo d e tod a a qu ela fú r ia . E ele tin h a r a zã o. Pa s s a r a d ia s in s egu r a a r es p eito d e a lgo qu e, d e r ep en te com p r een d ia , n ã o er a r ea lm en te uma questão de escolha. Damien s a b ia d is s o d es d e o in ício. A ú n ica es colh a qu e tin h a er a ign or a r a s d em a n d a s d o cor a çã o e d o es p ír ito, o qu e cer ta m en te ten ta r a fa zer . Ma s , n o fin a l, tivera de reconhecer que não havia opção. Pertencia a ele. E ele era dela. — Damien... — ela protestou, precisando dizer que compreendia tudo agora. Entendia o que ele tentara dizer, o que ele aceitara baseado na fé e no sentimento en qu a n to ela s e d eb a ter a , ca u s a n d o-lh e o qu e d evia ter s id o u m a in s u p or tá vel agonia. — Já disse para não falar comigo! — ele rosnou, avançando com violência. E la r ecu ou u m p a s s o, m a s logo r ep en s ou a a çã o e a p r oxim ou -s e ou tr a vez, chocando-se com seu corpo. Damien h es itou qu a n d o ela n ã o ced eu , in s in u a n d o-s e em s eu es p a ço p es s oa l. O ca lor , o a r om a e a p r es en ça d ela o inva d ir a m com o u m vír u s , fa zen d o r es s u r gir s eu d es ejo. E la er gu eu a m ã o, toca ndo-o n o p eito. E le a ga r r ou -lhe o pulso, torcendo-o para dissuadi-la da proximidade. —Pod e qu eb r á -lo, s e qu is er . Is s o n ã o va i m e d eter .—Tocou-o com a ou tr a mão, estremecendo ante o frio de sua pele. Ele sorriu com amargura. — E u n ã o ca cei d es d e a ú ltim a vez qu e n os vim os . E s tá m e ofer ecen d o u m a refeição? Como pode ver, seria bom que eu me aquecesse um pouco. Uma mulher ou outra não fará diferença. — Tem certeza? — Ab s olu ta . S eu s a n gu e p od er ia m e a qu ecer , S yr een a , m a s m eu cor a çã o permaneceria frio para você como está no momento. — Certo. — E la ofer eceu o p es coço. O cola r d e p ed r a d a lu a cintilou na es cu r id ã o. S eu s olh os es ta va m fech a d os e o cor p o p u ls a va , em a n a n d o u m ca lor que, para Damien, era irresistível. 83


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Ma s , em vez d os lá b ios , foi a m ã o d o p r ín cip e qu e tocou s eu p es coço. E la abriu os olhos ao sentir a pressão que a sufocava. — Per d eu a r a zã o? — ele p er gu n tou n u m s u s s u r r o a m ea ça d or . — S e qu er b r in ca r com fogo, p r in ces a , s u gir o qu e vá p r ocu r a r ou tr a ch a m a . Nã o vou m or d er a isca, se me permite um trocadilho! — Por qu e n ã o? É s ó m a is u m a r efeiçã o, n ã o é? Você t em , u m a necessidade; eu posso supri-la. É simples. Lógico. — Lógico? — Tu d o p a r a ela s e r es u m ia a r a zã o, lógica , p r a ticidade. — A lógica d eter m in a qu e, qu a n d o u m va m p ir o es tá fu r ios o, é m elh or fu gir , p or qu e ele pode rasgar sua garganta! — Cachorro que late... não morde! — provocou. E le a em p u r r ou con tr a o gu a r d a -r ou p a com t a n ta for ça qu e, p or u m instante, Syreena ficou s em a r . O qu a r to gir ou , e ela exp er im en tou u m a for te ver tigem . An tes qu e p u d es s e r ecu p er a r o equ ilíb r io, ele a p r es s ion a va com o cor p o. Nã o er a u m a b r a ço. E r a u m a p u n içã o, u m a a m ea ça , m a s ... Nã o p od ia d eixa r d e ver n o con ta to u m a r ecom p en s a . S en tir n ova m en te o cor p o d e Damien con tr a o s eu er a a r ea liza çã o d e u m s on h o. Mes m o com a m ã o a p er ta n d o s eu p es coço e d ificu lta n d o a r es p ir a çã o, n ã o tin h a m ed o. S a b ia qu e ele ja m a is fa r ia qualquer coisa que pudesse prejudicá-la. E esse era o centro de todas as recentes revelações. Damien jamais a machucaria. Nem no aspecto físico, nem no psíquico, nem n o em ocion a l. Mes m o qu e ela o h ou ves s e fer id o tã o p r ofu n d a m en te n es s a s tr ês esferas. Era hora de compensá-lo por não ter sido tão gentil com ele. Com fir m eza , s egu r ou -lh e o p u n h o e p a s s ou u m a p er n a p or tr á s d e s eu joelh o, em p u r r a n d o-o. Qu a n d o ele ca iu , ela d eitou -s e s ob r e s eu cor p o. Com u m a d a s m ã os em s eu p es coço e u m joelh o en tr e s u a s p er n a s , ela n ã o teve d ificu ld a d e p a r a im ob ilizá -lo. E , a n tes qu e ele p u d es s e fa la r , p r otes ta r ou t en ta r r ea gir , inclinou-se e aproximou a boca de seu pescoço. O con ta to ca u s ou u m ch oqu e violen to em Damien. O ca lor o in va d iu a n tes m es m o d e s en tir a m or d id a s u r p r een d en te. Ma s n ã o s e d eixa r ia m a n ip u la r . Nã o ced er ia à s exigên cia s d o cor p o. Nã o p er m itir ia qu e ela o d om in a s s e qu a n d o qu is es s e p a r a , em s egu id a , m u d a r d e ideia e d eixá -lo en tr egu e à d or e à desolação. Não daria a ela mais poder. Agarrou-a p elo ca b elo, ten ta n d o m a n tê-los en tr e os d ed os , a p es a r d a r es is tên cia d os fios qu e s e contorciam com vid a p r óp r ia . Syreena leva n tou a cabeça, sufocando um grito de dor. O movimento repentino expôs seu pescoço e a veia que nele pulsava, convidativa. Era difícil resistir. Não podia negar o efeito que ela exercia sobre seu sistema. Des es p er a d o, ele a jogou p a r a lon ge, e a violên cia d o ges to a fez d es liza r p elo ch ã o a té o ou tr o la d o d o qu a r to. S yr een a b a la n ça va a ca b eça , ten ta n d o superar a tontura, quando ele se levantou. — Pare de se comportar como uma tola, Syreena! Você é uma princesa, pelo amor de... 84


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— Ah , e d e r ep en te is s o é im p or ta n te? — ela gr itou fu r ios a , leva n ta n d o-s e e in ves tin d o con tr a ele. S u a a p r oxim a çã o er a tã o exp los iva e a gr es s iva , qu e Damien teve m ed o d e qu e ela en con tr a s s e u m a m a n eir a d e tocá -lo n ova m en te. Sem s a b er se poderia resistir a um novo contato, ele recuou. Até deparar-se com uma parede. S yr een a con tin u ou a va n ça n d o a té cola r o cor p o a o d ele. Determinada, beijou-o com os lá b ios ú m id os e entreabertos. Dep ois d e d es p er ta r s eu s s en tid os e s u a m em ór ia com o h á lito qu en te, ela a fa s tou -s e u m p ou co e d es lizou a s u n h a s por seu peito nu com violência. Damien u r r ou d e u ltr a je e d or , e o s om a in d a m or r ia em s u a ga r ga n ta qu a n d o ela o b eijou n ova m en te. E r a u m b eijo a gr es s ivo e d om in a d or . O es tím u lo o levou r a p id a m en te à qu ele ter r itór io en tr e s u a p or çã o civiliza d a e s eu la d o selvagem e incontrolável. Por u m in s ta n te, ele s e es qu eceu d e qu e a en s in a r a a b eija r . E la u s a va os in s tin tos d e u m a for m a qu e n ã o s e r ela cion a va com o qu e h a via m a p r en d id o ju n tos . O con ta to er a s elva gem e inebriante, roubando-o d e s u a von ta d e e r es is tên cia , com o ela s a b ia qu e a con tecer ia . E la p u xou -o p elo ca b elo p a r a a fa s tá lo, e ele em itiu u m r u íd o es tr a n gu la d o qu e er a u m m is to d e p es a r p ela a u s ên cia dos lábios dela e fúria pelo tratamento agressivo. E então ela o esbofeteou com força. Des s a vez, qu a n d o a en ca r ou , ele já exib ia a s p r es a s a m ea ça d or a s . Des con tr ola d o, s egu r ou -a p elos b r a ços e a lter ou s u a s p os ições , em p u r r a n d o-a contra a parede sem desgrudar o corpo do dela. Syreena o leva r a a té on d e d es eja va . Pa r a a lém d o lim ite. Pa r a a lém d a r a zã o, d a d or , d a ca p a cid a d e d e fa zer qu a lqu er cois a qu e n ã o fos s e in s tin tiva . Pr ecis a va d es s e d es con tr ole p a r a a lca n çá -lo a tr a vés d a fú r ia teim os a com qu e ele se protegia. Ela vir ou s u a ca b eça , exp on d o o p es coço. Os d en tes p er fu r a r a m s u a p ele. Os lá b ios com eça r a m a s u ga r . As s im qu e s en tiu o p r im eir o con ta to d a b oca fa m in ta , ela s ou b e qu e Damien n ã o s e deteria a n tes d e s a cia r a fom e d os ú ltim os tr ês d ia s . E la p egou a s m ã os con tr a íd a s e con d u ziu -a s a té s eu cor p o, leva n d o-as aos seios, ofegando ao sentir o toque frio nos mamilos. A s en s a çã o d o cor p o qu en t e e d os s eios a r r ed on d a d os em s u a s m ã os p en etr ou a névoa d a vor a cid a d e com n itid ez ch oca n te. Com b in a va -s e a o efeito n a r cótico e er ótico d a qu ím ica in va d in d o s eu s is tem a , leva n d o-o a u m n ovo patamar sensorial, p r ovoca n d o u m a excitação qu e com eça va d en tr o d ele e exp lod ia p a r a o exter ior com u m a for ça a va s s a la d or a . S yr een a gem ia , e a voz rouca em seu ouvido alimentava o desejo. E n qu a n to m a n tin h a u m a d a s m ã os s ob r e o s eio fir m e, a ou tr a d es liza va p ela s cos ta s e d es cia len ta m en te, p a s s a n d o p ela s n á d ega s p er feita s , exp lor a n d o u m a coxa musculosa e r etor n a n d o p elo m es m o ca m in h o. O ca lor qu e o in va d ia era revigorante. Syreena sentia seu corpo se aquecer e se contorcia sob as carícias ousadas. Tocou-lh e a s cos ta s com u m a m es cla d e d es es p er o e s en s u a lid a d e. E , d u r a n te tod o o tem p o, os lá b ios s u ga n d o s eu p es coço a en lou qu ecia m , p r ovoca n d o 85


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a r r ep ios e u m fogo abrasador qu e n ã o p od er ia s er r em ovid o d e s eu cor p o, p or m a is qu e ele a s u ga s s e. Afa gou -o n o p eito, tom a n d o o cu id a d o d e r ecolh er a s ga r r a s d es s a vez, p or qu e n ã o qu er ia ca u s a r d or . A p ele d ele er a m a cia e fir m e, e a fr ieza ia s en d o b a n id a r a p id a m en te. Ca d a carícia fa zia s u b ir a tem p er a tu r a , ca d a gota de sangue era uma gota de poder recuperado. A exp er iên cia d e s en ti-lo p a s s a r d e fr a co e gela d o a for te e qu en te er a inebriante, in es qu ecível. S en tia os con tor n os d os m ú s cu los n a p on ta d os d ed os e n a p a lm a d a s m ã os , gr a va n d o n a m em ór ia ca d a d eta lh e d a es cu ltu r a d e r a r a b eleza e p er feiçã o. Aca r iciá -lo er a u m p r a zer . Qu a n to m a is o toca va , m a is o queria. Dep ois d e s u b ir e d es cer p elo p eito la r go e p ela s cos ta s musculosas duas vezes , in tr od u ziu u m a d a s m ã os n o cós d a ca lça , tr a ça n d o o con tor n o d a n á d ega fir m e e a lca n ça n d o u m a coxa p od er os a , con tor cen d o-s e p a r a es tica r o b r a ço s em interromper o contato da boca com seu pescoço. Damien s e s en tia com o s e ela o tives s e in cen d ia d o. As ch a m a s o con s u m ia m . As m ã os qu e a té en tã o a fa ga va m s u a s n á d ega s a gor a b u s ca va m a p a r te fr on ta l d e s eu cor p o com ou s a d ia . No m om en to em qu e ela en con tr ou o qu e procurava, ele a mordeu pela segunda vez. S yr een a gem eu a o s en tir o ca lor a gor a fa m ilia r in va d ir seu p es coço e u m ca lor d es con h ecid o em s u a s m ã os cu r ios a s . E le es ta va tot a lm en te excita d o, e o membro ereto implorava por seu toque. Damien finalmente a fastou a b oca d e sua p ele e inclinou a cabeça para tr á s , gem en d o com a intensidade do prazer provocado pela carícia íntima. Colados u m a o ou tr o, d om in a d os p elo d es ejo, eles es cor r ega r a m p a r a o ch ã o n u m em a r a n h a d o d e b r a ços e p er n a s . E le a d es eja r a p or tem p o d em a is , a qu er ia m a is d o qu e tu d o. Agor a ela o in va d ia d e tod a s a s m a n eir a s , p on d o em p r á tica u m a ir r es is tível m a gia fem in in a p a r a a qu a l n ã o h a via p os s ib ilid a d e d e resistência. Ajudou-o a r em over a ca lça qu e a im p ed ia d e tocá -lo com tota l liberdade. Depois, deitada de costas, Syreena o convidou a cobrir seu corpo com o dele e o en la çou com a s p er n a s , toca n d o o r os to p a r cia lm en te cob er to p ela b a r b a e a ca r icia n d o or elh a s , p es coço e n u ca . E r gu en d o a ca b eça , b u s cou a b oca úmida e qu en te. Da m ien a r d ia com u m fogo qu e er a in teir a m en te d ela , d e u m a for m a ou de outra, e correspondia ao beijo com uma paixão violenta e voraz. S yr een a p r ecis a va r es p ir a r . E n qu a n to ela ten ta va leva r a r a os p u lm ões , ele s e b a n qu etea va s or ven d o o s a b or d e ca d a cen tím etr o d e p ele a cetin a d a , b eija n d o om b r os , colo, s eios , ven tr e e coxa s n u m a s u ces s ã o len ta e p r ovoca n te. De r ep en te, ele ca p tu r ou u m m a m ilo in t u m es cid o en tr e os lá b ios , s u ga n d o-o a té ouvi-la gritar de prazer. As p r es a s a in d a s a lien tes a r r a n h a va m s u a p ele, a m p lifica n d o a s en s a çã o e a cr es cen ta n d o u m n ovo es tím u lo a o contato já tã o er ótico. E la gr itou , a ga r r a n d ose aos ombros largos, arqueando-se em uma reação selvagem. — Damien, me perdoe, por favor... Ele se deteve para fitar os olhos repletos de paixão e an siedade. — E se eu não perdoar, Syreena? 86


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— E n tã o... a p en a s fa ça a m or com igo — ela s u s s u r r ou . — Mes m o qu e s eja só esta vez. Não importa. Eu sei o que eu quero. E eu quero você. — Qu e p a r te d e m im , d oçu r a ? — E n qu a n to a en ca r a va ele s e p os icion ou p a r a p en etr á -la , d es liza n d o o m em b r o er eto p ela fen d a úmida e qu en te. — Esta parte? — Damien! — Arqueando as costas, ela foi ao encontro dele sem reservas ou hesitação. E le r a n geu os d en tes e em itiu u m r u gid o b a ixo e r ou co qu e b r ota va d o fu n d o d e s eu p eito, ca u s a n d o u m a vib r a çã o in ten s a e en volven te. Com u m a d a s m ã os a p oia d a n o ch ã o, a ou tr a s egu r a n d o u m a coxa d e S yr een a , ele fez exatamente o oposto de tudo que pretendia. Planejara manter-se a fa s ta d o, ga r a n tir o es p a ço n eces s á r io p a r a ou vir a s r es p os ta s qu e ela n ã o d er a . Ma s er a ta r d e d em a is p a r a is s o. Nã o p od ia m a is deixá-la , n em s e m a n ter for a d ela . Penetrou-a com u m m ovim en to d eter m in a d o, in va d in d o u m es p a ço es tr eito, a in d a m en or p or ca u s a d a ten s ã o d os m ú s cu los que reagiam à presença nova e inesperada. E la er gu eu os om b r os e a ca b eça a o s en tir a p en etr a çã o, p er ceb en d o, d e r ep en te, qu e s a b ia m u ito p ou co s ob r e a r ea lid a d e d es s e m om en to. E r a a lgo in d es cr itível. Pa r a u m h om em s em cir cu la çã o, er a im p r es s ion a n te com o ele p u ls a va d en tr o d e s eu cor p o. O en ca ixe er a p er feito, com o s e ele h ou ves s e sido d es en h a d o p a r a s u p r ir s u a s n eces s id a d es , com o s e fos s em d u a s m eta d es d e u m todo. — Boa Deu s a , eu d evia es ta r lou ca — ela m u r m u r ou , con tor cen d o-s e d e prazer. Da m ien s or r iu , com p r een d en d o exatamente o s en tim en to. E la er a p r ecios a e p er feita p a r a ele, e n a d a qu e ele fizes s e ou s en tis s e p od er ia a lter a r es s a realidade. Ap r ofu n d ou u m p ou co m a is a p en etr a çã o, d elicia n d o-s e com a exp er iên cia sublime. Beijou-a, a b s or ven d o s eu s gem id os , e com eçou a s e m over . Des s e m om en to em d ia n te, p er d eu a n oçã o d e tu d o qu e o cercava, exceto d ela e d o corpo pulsante e quente sob o seu. Com a lgu n s m ovim en tos , S yr een a p a s s ou d o p r a zer in ten s o a o êxta s e. O qu e Da m ien fa zia com ela er a qu a s e m ís tico. E r a m á gico. Nã o a m a gia p er ver s a qu e en ven en a e d es tr ói, m a s o en ca n ta m en to d os con tos d e fa d a e d os a n jos , a mágica boa, doce e limpa. Uma magia que era muito mais forte por sua pureza. Da m ien ob s er vou o r os to d ela s e tor n a r u m m a p a d e b elas reações. Sabia que vivia uma experiência única. Ele a amava. Amava-a com loucura, e esse sentimento fazia toda a diferença. — Syreena — murmurou, emocionado. — Doce Syreena... Qu a n to m a is s e m ovia , m a is s en tia qu e p a s s a va a fa zer , p a r te d ela . S e a lgu ém p od ia r ea lm en te p os s u ir ou tr a p es s oa , ela o p os s u ía n es s e m om en to e 87


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para sempre. Tudo nela se mistu r a va a ele. S yr een a s e en ca m in h a va r a p id a m en te p a r a u m a exp los ã o sensorial a n u n cia d a p or gem id os ca d a vez m a is in ten s os e gr itos s u foca d os , u m êxta s e qu e ele n ã o p od ia n em s equ er com eça r a en ten d er . Ma s , em in s ta n tes , d es cob r iu qu e es ta va en ga n a d o. De r ep en te, er a m u m a s ó con s ciên cia , u m a ú n ica s en s a çã o r es u lta n te d a m is tu r a d os cor p os ferventes, dominados por emoções de intensidade espantosa. Damien n ã o p od ia m a is s e con ter . Fa zia a m or com ela com u m a p a ixã o s elva gem qu e b eir a va a b r u ta lid a d e, e ela o en cor a ja va a p r os s egu ir , acompanhando-o n a qu ela via gem d e in ten s a s en s u a lid a d e e a r d or , u m a experiência que desafiava a sanidade. E le a lca n çou u m a u ge n u n ca a n tes im a gin a d o, p er d en d o tod o o s en s o d e r ea lid a d e e equ ilíb r io, tod o o cen tr o e tod o o foco. E d a li, d o p ico d o m u n d o, m er gu lh ou p a r a o a b is m o d e u m clím a x pulsante e p od er os o. E n qu a n to is s o, S yr een a im p lod ia n o êxta s e m a is r u id os o e p r olon ga d o qu e ele ja m a is p r es en cia r a em u m a fêm ea . E r a com o s e ela fos s e u m a va m p ir a , com o s e bebesse d ele com voracidade in s a ciá vel. Agor a , Damien er a a p r es a , e en con tr a va im en s o p r a zer n es s a tr oca d e p a p éis . Mes m o qu e ela o s u ga s s e a té o es got a m en to, n ã o protestaria. Nem agora, nem no futuro. Nunca. E, como poderia, se arriscar a sua vida por ela antes mesmo de conhecê-la? Fin a lm en te, ca iu s ob r e o cor p o d ela com u m gem id o de in cr ível s a tis fa çã o. O p od er qu e ela exer cia s ob r e ele er a com p leto. S yr een a a in d a s u s p ir a va e gem ia , p er d id a em a lgu m tr ech o d o ca m in h o d e volta a o m u n d o r ea l. A con h ecid a dormência d om in ou os b r a ços d ela , e ele s en tiu a s m ã os d es liza n d o p or s u a s cos ta s a té ca ír em in er tes a o la d o d e s eu cor p o. E xa u s ta , ela m er gu lh a va em u m estado de semiconsciência. Damien levantou-s e e tir ou -a d o ch ã o. Dep ois d e d eitá -la em s u a ca m a , acomodou-s e a o la d o d ela . Nã o s e lem b r a va d e ter es ta d o t ã o a qu ecid o em tod a a sua vida, e não queria perder o confortável e delicioso calor. Virou-a d e la d o, d e cos ta s p a r a ele, e a a b r a çou , a com odando-a con tr a o p eito. Com u m b ra ço em tor n o d e s u a cin tu r a , ele p en s ou qu e S yr een a n u n ca mais poderia deixá-lo ou se afastar sem que ele soubesse. Damien a cor d ou a s s u s ta d o, s u r p r es o p or ter d or m id o, e a p r im eir a cois a qu e n otou foi qu e S yr een a n ã o es ta va m a is em s eu s b r a ços . E la con s egu ir a s e virar na cama de forma a manter os pés bem perto de seu rosto. Beijou um pé delicado, contente por tê-la ali. Ela mudou de posição e voltou a dormir. Tocou a s ola d o ou tr o p é, e qu a s e foi a tin gid o p or u m ch u te n a ca b eça . Syreena, a herdeira do trono licantropo, tinha cócegas! — E n cos t e n o m eu p é m a is u m a vez, e a r r a n co s u a ca b eça — ela a m ea çou de onde estava. — É importante demais para ter cócegas, princesa? S yr een a gr itou a o s en tir a m ã o em s eu p é. Vir a n d o-se, ten tou ch u tá -lo enquanto ria. 88


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— Estou avisando... — disse entre uma gargalhada e outra. Pa r a es ca p a r , ela s e jogou n o ch ã o. Damien teve a ou s a d ia d e olh a r p a r a baixo, como se a procurasse. — Esse tipo de conduta não condiz com uma princesa — ele provocou. — E u m olh o r oxo n ã o con d iz com u m p r ín cip e. Nã o é u m com p a n h eir o d e cama muito atencioso. — Não me lembro de ter ouvido queixas ontem à noite. — Talvez porque estivesse roncando alto demais para ouvir alguma coisa. — Riu ao vê-lo franzir a testa. — O quê? É importante demais para roncar, príncipe? — Por qu e qu a n d o você d iz "p r ín cip e" d es s a for m a , eu m e s in to u m p a s tor de ovelhas? — S e a ca r a p u ça s er vir ... — E r gu eu -s e e a jeitou os ca b elos com u m m ovim en to d ign o d a r ea leza . Dep ois , s en tou -s e n a ca m a , fita n d o s u a exp r es s ã o divertida. — S a b e, eu n u n ca p en s ei n is s o a n tes ... — In ter r om p eu -s e, com o s e estivesse refletindo. Ele não se deixou enganar. Reconhecia uma armadilha quando via uma. No entanto, permitiu que ela prosseguisse. — Pensou no quê? — Nu n ca im a gin ei qu e você p u d es s e s er divertido. E eu a ch a n d o qu e o s exo seria meu único entretenimento... — Bem, suponho que deva se considerar uma criatura de sorte. Já eu... Syreena sorriu com malícia ao vê-lo devolver a provocação. — Você o quê? — Acho que tenho ainda mais sorte. A seriedade da resposta a surpreendeu. — Por quê? — Por qu e n in gu ém ja m a is teve con d içã o d e m e in for m a r qu e eu r on co, e é delicioso ouvir isso. — Não entendi. — Nu n ca d or m i com n in gu ém , S yr een a . Ach o qu e é u m a qu es tã o d e confiança... — Eu... nunca pensei nisso antes. — Ma s eu ten h o d e p en s a r n is s o s em p re. Gos to d e ter a ca b eça b em fir m e em cima dos ombros. E já a teria perdido se não fosse tão desconfiado. — Mas Jasmine... — Jasmine? — E le r iu . — E la ter ia p r efer id o cor r er n u a s ob o s ol a d or m ir com uma criatura como eu! Jasmine é muito mais sensata que você.

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— E s tou com eça n d o a a cr ed ita r nisso. — E la in clin ou -se s ob r e o p eito d ele até seus narizes quase se encostarem. — Agora, deixe-me perguntar outra coisa... Pode me devolver? Damien piscou, confuso por um instante, e depois sorriu. — Ah... não pensei que tivesse percebido. S yr een a r iu e es ten d eu a m ã o. Damien p egou s ob o tr a ves s eir o o ob jeto qu e ela reclamava. Ouro e pedras-da-lua foram depositados na palma de sua mão. J a s m in e es ta va s en ta d a n o s ofá d o s a lã o, folh ea n d o u m gr a n d e livr o u m pouco embolorado. Virava as páginas lentamente. — Isso é da biblioteca? E r gu eu os olh os a o ou vir a voz d e S yr een a e fitou -a com evid en te r ep r ova çã o. A lica n t r op o u s a va u m a ca m is a d e Damien, qu e a cob r ia a té a a ltu r a dos joelhos. Per ceb er a a p r es en ça es tr a n h a n a ca s a a s s im qu e r etor n a r a d a vis ita à biblioteca . A ju lga r p ela s ves tim en ta s d a p r in ces a e p ela s ga r ga lh a d a s qu e ou vir a no quarto de Damien, eles haviam conseguido se reconciliar. Era bom saber que o príncipe estava feliz, mas ainda não havia esquecido os dias de desespero. — É , s im . S u a ir m ã d es ign ou u m a b ib liotecá r ia p a r a or ien ta r a s eleçã o d os volu m es . E la es tá tr a b a lh a n d o h á d ois d ia s , e já con s egu iu fa cilita r a s p es qu is a s . Agora podemos retirar os livros e estudá-los em casa. — Quem ela escolheu? — Uma morena delicada e sexy com uma marca muito singular no pescoço. — Jinaeri. — S e n ã o s e im p or ta , eu es ta va es tu d a n d o. — Voltou a o livr o e vir ou a página, embora nem houvesse concluído a anterior. S yr een a n ã o er a es tú p id a . S a b ia qu e a fêm ea d e va m p ir o n ã o gos ta va d ela . Nor m a lm en te, n ã o ter ia s e in com odado. Ma s , com o Jasmine er a im p or ta n te p a r a Damien, p r ecis a va s e p r eocu p a r . Ha ver ia tem p o p a r a m elh or a r a r ela çã o en tr e elas mais tarde. Por isso, retirou-se e deixou-a em paz com sua leitura. Ain d a h a via vá r ia s cois a s p a r a ver n a m a n s ã o d o p r ín cip e d os va m p ir os . As janelas eram todas escuras, exceto as da cozinha e da biblioteca. A cozinha, como n ã o er a m u ito u tiliza d a , tin h a os vid r os a p en a s u m p ou co es cu r ecid os , ca s o a lgu ém p r ecis a s s e ir a té lá . Na b ib liot eca , n o en ta n to, a p es a r d e o ca s o s er o mesmo, havia uma varanda de onde era possível ver o jardim. Damien a prevenira do perigo ao vê-la sair do quarto. A p r in ces a tocou s eu cola r . Ao con tr á r io d a ir m ã , con h ecia o s egr ed o p a r a devolvê-lo a o p es coço. Nã o d evia ter es s a in for m a çã o en qu a n to n ã o s e ca s a s s e, mas a encontrara em um manual no monastério. Só não sabia como retirá-lo. Não tinha importância. Agora, só precisava pedir a ajuda de Damien.

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S u a es colh a for a feita . Nã o h a via m a is com o volta r a tr á s . E xis tia m cer im ôn ia s p a r a for m a liza r ta is cois a s , m a s , n o m in u to em qu e Damien rompera sua virgindade, ele se casara com sua alma. Com o s e o a to s exu a l tives s e a lgu m a cois a a ver com is s o, r efletiu com h u m or . A a lm a d e Damien ca p tu r a r a a d ela m u ito a n tes d is s o. E le a con qu is ta r a com s a b ed or ia , p a la vr a s p er feita s , gen tileza , com p r een s ã o. Com o res is tir a a tu d o isso e por quê... Não conseguia compreender. Foi a té a cozin h a p a r a p r ocu r a r a lgu m a cois a p a r a com er . E s ta va exa u s ta e fraca depois da noite de amor e de ter dado seu sangue para fortalecer o parceiro. Nã o qu e s e a r r ep en d es s e... Pelo con tr á r io. Ha via s id o er ótico, m ís tico... in cr ível! E m a is ta r d e, qu a n d o tin h a m feito a m or s em o b ôn u s d a a lim en ta çã o, s eu p r a zer também havia sido pleno. — Com fome? E la s e vir ou , a s s u s ta d a , a o ou vir a voz d o p r ín cip e. De p os s e d e s eu s poderes m a is u m a vez, ele r ecor r ia a o velh o tr u qu e d e s e m over p a ir a n d o n o a r e surgir de repente atrás dela. — Pr ecis a m e en s in a r com o fa z is s o — ela com en tou a d m ir a d a , s or r in d o a o sentir o braço em torno de sua cintura e o beijo na nuca. — É u m tr u qu e d a m en te. S er ia in ter es s a n te d es cob r ir s e você con s egu e realizá-lo. Não duvido que consiga. — Nem eu — ela concordou com petulância, fazendo-o rir. Damien beijou-a , es tim u la n d o-a . E m p ou cos m in u tos , ele s egu r a va s eu cor p o com o s e m a n ip u la s s e a r gila m a cia , fa zen d o d ele o qu e b em en ten d ia . E la cor r es p on d eu com p a ixã o, s a b en d o a gor a o qu e o a gr a d a va . Um a la m b id a , u m a m or d id a ... Um d es ejo incomparável p or ele qu e o a feta va p or s u a in ten s id a d e e a b a n d on o. E la a ceita va com a legr ia a s carícias, encorajando-o, em itin d o s en s u a is ruídos de prazer. Qu a n d o ele fin a lm en te s e a fa s tou d a b oca con vid a tiva , n ã o foi m u ito lon ge. E la o a ga r r ou , en volven d o-o com u m a d a s p er n a s , os b r a ços a o r ed or d e s eu s ombros. — Syreena... — ele murmurou com voz rouca, abraçando-a. Ela con h ecia ca d a s en tim en to n ã o ver b a liza d o qu e a com p a n h a va o ges to. Sentia-se da mesma forma. — S ou u m a m u lh er d e m u ita s or te — s u s s u r r ou em s eu ou vid o. — Agor a en ten d o. Des s e m om en to em d ia n te, s em p re en con tr a r ei o ca m in h o d e volta p a r a os s eu s b r a ços , Damien. S a b er ei qu e s eu s b eijos , s eu s a b r a ços e s u a gen tileza es ta r ã o s em p re es p er a n d o p a cien tem en te p or m im , com o m eu cor a çã o s er á s em p r e s u a ca s a , u m lu ga r p a r a on d e p od er á volta r . S e a lgu m d ia n os s ep a r a r m os p or u m d es en ten d im en to qu a lqu er , s e m e m a goa r , ou s e eu volta r a magoá-lo, com o já fiz, s a b er ei on d e en con tr á -lo ou fica r ei es p er a n d o p or você. E farei qualquer coisa por nós. Pela nossa felicidade. Damien en goliu a em oçã o qu e desabrochava em s eu p eito. Nã o es p er a va uma declaração como essa, uma manifestação de total confiança e entrega. 91


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— Eu jamais a magoaria. — Não deliberadamente, eu sei. Mas também sei que vamos discutir, vamos ter d es en ten d im en tos . S e eu a ch a s s e qu e exp er im en ta r ía m os a p en a s u m m a r d e rosas e sexo glorioso, eu seria uma fêmea tola e ingênua. — O que você não é — ele assegurou, com uma risada. — Glorioso, hum? Ela riu, mordiscando-lhe o pescoço sensível. — Como se o seu ego precisasse de afagos... — Na verd a d e, eu n ã o es ta va p en s a n d o n o ego... — Des lizou a s m ã os p or s u a s cos ta s a té s egu r a r a s n á d ega s fir m es e a r r ed on d a d a s d e m a n eir a insinuante. — Damien! — E la r iu . — E s tou com fom e. — Os d ed os con tin u a va m acariciando sua pele, se esgueirando pela barra da camisa de seda. — Damien... E le d es lizou a s m ã os s ob o t ecid o, toca n d o-a n o ven tr e, n os s eios , d eten d os e n os m a m ilos , p r os s egu in d o a té o p es coço e a n u ca . Qu a n d o ele com eçou o caminho de volta, Syreena gemia, ofegante. Segurou-se aos ombros dele, sentindo os músculos sob seus dedos conforme ele se movia para afagar seu corpo. — Também es tou fa m in to — ele m u r m u r ou , p a r a n d o p a r a b eija r a p on ta d e sua orelha. — Acho que meu apetite por suas guloseimas é insaciável, doçura. — Eu já percebi. Qu a n d o tocou n ova m en te s u a s n á d ega s , ele a tir ou d o ch ã o e colocou-a s ob r e u m b a lcã o en cos ta d o a u m a p a r ed e, a com od a n d o-s e en tr e s eu s joelh os . As m ã os con tin u a va m p a s s a n d o p or s eu cor p o, d es cen d o p elo ven tr e a té toca r a p ele suave e sedosa entre as coxas. Ela tentou protestar, mas estava presa. E le d es lizou os d ed os p elo ca lor úmido d e s u a in tim id a d e, es tim u la n d o a região sensível de forma incrivelmente habilidosa. — Va m os a p la ca r s u a fom e, p r in ces a — ele m u r m u r ou em tom s en s u a l e debochado. Ela riu, um som rouco que era uma mescla de divertimento e prazer. — Hum... Ainda está com fome? Vamos tentar outra coisa, então... A m ã o livr e s e fech ou em t or n o d e s u a n u ca , s egu r a n d o-a d e for m a a impedi-la d e d es via r os olh os d os d ele. S yr een a s en tia a in va s ã o d e s eu s p en s a m en tos e p er cep ções . Por u m m om en to, foi com o s e ele exis tis s e d en tr o d e s u a ca b eça , m a s logo s u a con s ciên cia o a colh eu com o p a r te d ela , oferecendo-lhe livre acesso. No m es m o in s ta n te, Da m ien p la n tou d en tr o d ela a p er cep çã o d e s er toca d a em tod a s a s p a r tes d o cor p o a o m es m o tem p o. E r a com o s e o s en tis s e em tod a a exten s ã o d a p ele, u m a ca r ícia giga n tes ca e p r ovoca n te. E s tr em eceu . A b oca d ele apoderou-se d a s u a , s u foca n d o s eu s gem id os com b eijos a r d en tes . E le a m a n ip u la va com o s e es cu lp is s e u m a ob r a d e a r te, d em on s tr a n d o con h ecer d e m a n eir a ín tim a lu ga r es qu e a té b em p ou co tem p o a tr á s ja m a is h a via m s id o toca d os . Mis tu r a va com p er feiçã o os m is tér ios d o toqu e, d o b eijo e d a fa n t a s ia ,

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envolvendo-a em s en s a ções qu e er a m leves o b a s ta n te p a r a d es a fia r a lei d a gravidade. Habilidoso, ele se despiu e invadiu o santuário de seu corpo trêmulo. Tê-lo d en tr o d e s i levou-a a u m p r a zer exp los ivo. Gr itou , a ga r r a n d o os om b r os d ele. Da m ien gr u n h iu , m oven d o-s e com ím p eto a té ta m b ém a lca n ça r o á p ice, n o in s ta n te em qu e s en tiu os m ú s cu los s e con tr a ír em em tor n o d e s eu membro. Foi um clímax poderoso, duradouro e mútuo. Logo, ela apoiou-se n ele, ten ta n d o r ecu p er a r o fôlego. Riu qu a n d o ele a r etir ou d o b a lcã o e sentou-se com ela em u m b a n co, mantendo-se d en tr o d ela e acomodando-a sobre as pernas. — Que recanto mais aconchegante — ela provocou. — Mu ito a colh ed or , m es m o — ele r es p on d eu com m a lícia , m oven d o a s sobrancelhas com lascívia. Syreena riu até perder o fôlego. No cor r ed or , d o ou tr o la d o d a p or t a d a cozin h a , J a s m in e con tin u a va a p oia d a a u m a p a r ed e. E la s e vir a r a u m m om en to a n tes d e s er vis ta , qu a n d o Da m ien m u d a r a d e p os içã o. E le es ta va tã o en volvid o com o n ovo b r in qu ed o, qu e nem notara sua presença. Com eça va a p er ceb er qu e p a ga r ia u m p r eço m u ito a lto p ela felicid a d e d o m on a r ca . Ta lvez n ã o im ed ia ta m en te, m a s n o fu tu r o p r óxim o, s er ia for ça d a a d eixa r a qu ela ca s a . E er a egoís ta d em a is p a r a s e p r eocu p a r m a is com a felicid a d e d ele d o qu e com os p r óp r ios in ter es s es . E m u m p is ca r d e olh os , a lica n tr op o invadira seu mundo e mudara tudo. Um piscar de olhos, contra cinco séculos de amizade. E a piscada venceria sem fazer nenhum esforço. S e fica s s e, a ca b a r ia p r om oven d o u m con fr on to com Syreena, e n ã o s er ia u m a cen a b on ita d e s e ver. Damien a a m a va , m a s es ta va apaixonado pela lica n tr op o. S en d o a s s im , qu a lqu er cois a qu e a s d u a s fizes s em p a r a fer ir u m a à outra acabaria por magoá-lo também. E essa era uma consequência inaceitável. Jasmine não conseguia conter as lágrimas. O que faria sem ele? Damien andava pela casa procurando por Jasmine. Syreena saíra em busca de algo para comer, mas prometera voltar logo. Ele seguiu o sentido que o impelia a ir p r ocu r a r n a adega, u m lu ga r en cr a va d o n a r och a e tota lm en te s egu r o, ca s o s en tis s em n eces s id a d e d e ga r a n tir p r oteçã o d u r a n te o s on o. S ó h a via u m a en tr a d a , qu e er a in vis ível a os olh os h u m a n os . Ta m b ém er a n eces s á r ia gr a n d e força para remover e recolocar o portal de pedra que dava acesso ao local. Ficou d es a p on ta d o a o con s ta ta r qu e J a s m in e h a via d ecid id o d or m ir a li. E n ten d ia a d es con fia n ça p r ovoca d a p ela n ova p r es en ça n a ca s a , e s a b ia qu e fa r ia o mesmo, se suas posições estivessem trocadas, mas não conseguia impedir certa tr is teza . Res olveu d eixá -la d es ca n s a r . Ter ia m ou tr a s op or tu n id a d es p a r a conversar. 93


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Voltou a o s a lã o, fech a n d o a p a s s a gem p a r a a es ca d a qu e con d u zia a o s u b ter r â n eo d a m a n s ã o. S ozin h o, s en t ou -s e n o s ofá e viu s ob r e a m es a cen tr a l o livr o qu e ela estivera es tu d a n d o. Com tu d o qu e h a via a con tecid o, p r a tica m en te es qu ecer a a b ib lioteca . E es s a s m es m a s d is tr a ções o im p ed ia m d e folh ea r o livr o naquele momento. Preferia tomar um banho e trocar de roupa antes do retorno de Syreena. J a s m in e es p er ou a té Damien en tr a r n o b a n h o. E n tã o, cor r eu a té a s a la e resgatou o livro que ele nem chegara a abrir. O volu m e er a tr ês vezes m a is velh o qu e ele e con tin h a exp lica ções p a r a m u ita s qu es tões com p lexa s . S im , es s a s d ú vid a s d evia m s er es cla r ecid a s n os ou tr os livr os d a Bib lioteca Nightwalker, m a s a d ifer en ça er a qu e Damien não a p a r ecer ia p or lá tã o ced o. E le n ã o s e m os tr a va m a is in ter es s a d o n es s a s in for m a ções , n ã o p r ecis a va m a is d ela s e, p or is s o, n ã o s e s en tia com p elid a a d ivu lga r o qu e es ta va d es cob r in d o. S e ele p er gu n ta s s e d ir eta m en te, a s itu a çã o s er ia ou tr a . Ma s , p or en qu a n to, gu a r d a r ia com zelo o velh o com p ên d io e s eu conteúdo. O que Damien desconhecia não podia atingi-lo ou fazê-lo sofrer.

CAPÍTULO IV

A p en u m b r a ga r a n tia s u a s egu r a n ça , e S yr een a s egu ia a es tr a d a p a r a a cid a d e s itu a d a a lgu n s quilômetros a o s u l p elo litor a l. Ter ia s id o u m a jor n a d a m en os d em or a d a , s e n ã o fos s e for ça d a a ca m in h a r . Da m ien e os m is tr a is con s egu ia m r ea liza r a m eta m or fos e s em s e d es p ir , p or qu e a s r ou p a s a com p a n h a va m a s n ova s for m a s , m a s com os lica n tr op os is s o n ã o er a p os s ível. Por is s o, t in h a d e ir a n d a n d o, ou cor r eria o r is co d e a ter r is s a r n o m eio d e u m a loja ch eia d e h u m a n os ... com p leta m en te n u a . Us a va a s r ou p a s qu e Da m ien h a via tir a d o d o a r m á r io d e J a s m in e, e s e s en tia p ou co con for tá vel n a ca lça com p r id a e na blusa de seda. Como se não bastasse, Jasmine era mais alta que ela. Com passos vigorosos e uma determinação inabalável, logo chegou à cidade litorânea, e lembrou por que preferia evitar as metrópoles humanas. E les er a m m u itos ! Tu d o er a s em p re ch eio, b a r u lh en to... s u foca n te. E a p op u la çã o h u m a n a cr es cia a s s u s ta d or a m en te, com o s u a ga n â n cia e a n eces s id a d e con s ta n te d e con s u m o. O p la n eta es ta va em r is co. O qu e p od er ia proteger os Nightwalkers desse tipo de efeito avassalador? Essa era uma pergunta que nem os monges haviam conseguido responder. 94


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Na Rú s s ia , a p olítica e o clim a in ós p ito h a via m m a n tid o a tundra e ou tr os s is tem a s p r otegid os . Mes m o a s s im , a lgu m a s es p écies d es a p a r ecia m r a p id a m en t e d e s u a s ter r a s , com o er a o ca s o d o tigr e s ib er ia n o. S e u m a cr ia tu r a t ã o lin d a er a d es r es p eita d a e a s s a s s in a d a s em clem ên cia , o qu e os h u m a n os p od er ia m fa zer com os Nightwalkers que consideravam perigosos? A con s id er a çã o d os Nigh twa lk er s p elos h u m a n os n ã o er a cor r es p on d id a . Os ca ça d or es qu e a tor m en ta va m o p ovo d e Da m ien e d e S yr een a er a m u m exem p lo d is s o. A ú n ica d efes a à d is p os içã o d os Nigh twa lk er s er a s eu en or m e e va r ia d o p od er . In felizm en te, h a via em con tr a p a r tid a u m a fr a qu eza qu e p od ia s er explorada com facilidade: a vulnerabilidade à luz do d ia . E tu d o fica va p ior gr a ça s a s écu los d e folclor e e m itos qu e os h u m a n os tin h a m cr ia d o s ob r e eles . Ha via u m fundo de verdade em cada uma dessas histórias, o suficiente para causar grandes danos. Qu a n d o en tr ou n o m er ca d o, p er ceb eu qu e tu d o is s o a p r eocu p a va p or qu e, p ela p r im eir a vez, es ta va con s id er a n d o o qu e a con tecer ia em s eu fu tu r o. S u a s a p r een s ões s em p re tin h a m s e lim ita d o a o qu e os ou tr os es p er a va m d ela . E s s e cír cu lo s e a m p lia r a p a r a in clu ir os in t er es s es d e S ien a e s eu bem-estar havia qu in ze a n os . Agor a , Da m ien ta m b ém fa zia p a r te d is s o, e com ele vin h a m ou tr os . E les er a m p a r tes in d eléveis d e s u a p s iqu e e d e s u a s em oções e, p or is s o, s e volta va p a r a cois a s r ela cion a d a s à s egu r a n ça d e tod os eles . Nã o er a u m a p es s oa fr ia , com o m u itos p en s a va m . E r a a p en a s in exp er ien te com d eter m in a d os sentimentos. Mu n id a d e u m a ces ta d e com p r a s , com eçou a p er cor r er os cor r ed or es d o m er ca d o. S en tia fa lta d os s is tem a s d e ilu m in a çã o e r efr iger a çã o. Os lica n tr op os a p r ecia va m os con for tos d a vid a m od er n a , em b or a vives s em em ca ver n a s , m a s , d es d e qu e em b a ixa d or es d os demônios e d os va m p ir os h a via m se m u d a d o p a r a o ter r itór io lica n tr op o, Siena or d en a r a qu e tu d o volta s s e a s er com o a n tes , com iluminação a gás e sem nenhuma conveniência tecnológica. A química desses dois grup os n ã o com b in a va com tecn ologia . Os a p a r elh os qu eim a vam, exp lod ia m , en tr a va m em cu r to ou s im p les m en te n ã o funcionavam. Agor a qu e o demônio E lija h m or a va n a cor te lica n t r op o, e con s id er a n d o qu e s eu n ovo p a r ceir o er a u m va m p ir o, ela s u p u n h a qu e s ó s e a p r oxim a r ia de eletricidade em oca s iões com o a que estava vivendo agora. Fez es colh a s r á p id a s , d evor a n d o d u a s m a çã s d e u m a em b a la gem p r épesada antes mesmo de chegar ao caixa. Din h eir o er a u m con ceito in t er es s a n te p a r a ela . E s ta va h a b itu a d a a o es tilo r ea l, u m a vid a n a qu a l tod a s a s n eces s id a d es er a m s u p r id a s e d in h eir o s e r es u m ia a n ú m er os em u m a folh a d e p a p el. E n tr egou o qu e Da m ien lh e h a via d a d o e r eceb eu olh a r es in tr iga d os qu a n d o r iu a o s en tir o fr io d a s m oed a s n a p a lm a d a m ã o. Qu a n d o s a iu d o m er ca d o, a in d a inspecionava a text u r a e a for m a dos estranhos pedaços de metal. De repente, todos os seus sentidos entraram em alerta. Alguém a seguia. Nã o d evia fica r a la r m a d a . Nã o er a a s s im qu e Ru th e s u a gen te cos tu m a va m a gir , d a n d o à p r es a a op or tu n id a d e d e p er ceb er s u a p r es en ça . Ma s es ta va 95


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d es con fia d a , p or qu e s en tia qu e n ã o er a u m h u m a n o qu e s e es gu eir a va p ela s sombras atrás dela. Também não era Damien. Ela o teria reconhecido imediatamente, agora que eram como uma extensão do outro. Ten s a , jogou a s m oed a s n a s a cola e tes tou o cós d a ca lça . S e tives s e d e s e transformar rapidamente, como se livraria das roupas? S egu iu ca m in h a n d o, d eixa n d o o p er s egu id or r a s t r ea r s eu s p a s s os . Qu a n to mais o levasse para perto do território de Damien, melhor seria. E r a a lgu ém d o s exo m a s cu lin o, e s e a p r oxim a va . E s ta va qu a s e u ltr a p a s s a n d o os lim ites d a p r op r ied a d e d e Da m ien , qu a n d o s en tiu a p r es en ça invadindo seu espaço pessoal. Ainda faltava um bom trecho até a porta da casa, e er a evid en te qu e ele p r eten d ia con fr on tá -la a n tes qu e p u d es s e en tr a r . O significado dessa urgência era claro: quem a seguia sabia bem onde estava. Ela parou e se virou. — Sei que está aí — disse. E le s a iu d a s s om b r a s im ed ia ta m en te. E r a a lto e m a gr o, p á lid o e r u ivo. Sorriu e ergueu as mãos num gesto eloquente. — Não quero lhe fazer mal nenhum. Estava apenas observando... Um va m p ir o. Nã o o vir a a n tes , m a s p od ia r econ h ecê-lo p ela fa lta d e ca lor e pelos traços clássicos. Além do mais, ele não tinha pulsação discernível. — Damien o mandou? — Bem, de certa forma... Ele não me disse exatamente para ir atrás de você, porque sei que ficaria ofendida com a ideia... — Tem r a zã o. E , m es m o s a b en d o d is s o, d ecid iu cor r er o r is co d e ofenderme? — Nã o in ten cion a lm en te. Só es tou fa zen d o o qu e qu a lqu er a m igo d o príncipe faria para proteger seus outros... amigos. Nin gu ém a lém d e Da m ien e J a s m in e s a b ia s ob r e s eu rela cion a m en to com o p r ín cip e. E n tã o... Algu ém h a via m a n d a d o o ta l va m p ir o s egu i-la . Da m ien ? Ou Jasmine? Jasmine mal reconhecia sua presença na casa, então... Doía d es cob r ir qu e Da m ien n ã o con fia va n ela , qu e n ã o a con s id er a va ca p a z d e cu id a r d e s i m es m a . E r a es s a a im p r es s ã o qu e d a va ? Sim , s a b ia qu e ele for a for ça d o a r es ga tá -la , e qu e n ã o d em on s tr a va gr a n d e ca p a cid a d e p a r a fa zer escolhas, mas acreditava que ele a conhecia um pouco melhor. — Quem é você? — Nicodemus. Mas todos me chamam de Nico. — Bem , Nico, brincadeira.

es tou

cu r ios a

para

s a b er

— Brincadeira? — Seu desconforto era evidente. 96

a té

on d e

leva r em os

es s a


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— S im . Va m os en tr a r ju n tos , ou va m os fin gir qu e m eu p r ín cip e con s egu iu me proteger sem que eu percebesse? — Seu... — E le r ela xou e s or r iu . — S eu p r ín cip e fica r ia a b or r ecid o s e n os visse entrando juntos na mansão. — Nes s e ca s o, cr eio qu e d eve volta r p a r a a s s om b r a s . — E la s e vir ou p a r a entrar. — Mas... — Nico a s egu r ou p elo b r a ço. — Ma s eu n ã o gos ta r ia d e m en tir para ele. Syreena olh ou com a r d e r ep r ova çã o p a r a os d ed os s ob r e s u a p ele s en s ível. O va m p ir o n ã o en t en d eu o olh a r e con tin u ou s egu r a n d o s eu b r a ço. E la s or r iu , encarou-o e a cer tou s eu n a r iz com o p u n h o fech a d o, em p r ega n d o ta n ta for ça n o golp e qu e foi p os s ível ou vir o s om d o os s o s e qu eb r a n d o. E m s egu id a , la r gou a b ols a d e com p r a s , u s a n d o o b r a ço qu e ele s egu r a va p a r a tor cer o d ele, gir a n d o o cor p o em s en tid o con tr á r io a té o va m p ir o gr it a r e ca ir d e joelh os . Con clu iu o a ta qu e com u m a joelhada n a n u ca d a vítim a . Nico ca iu , e ela p is ou em s u a s costas para imobilizá-lo. — Agor a , p r es te a ten çã o: p os s o a r r a n ca r s u a ca b eça d o p es coço com u m m ovim en to s im p les e r á p id o, s e eu qu is er , m a s p r efir o lh e d a r a ch a n ce d e explicar por que estava me seguindo. — Já disse, eu... E la a u m en tou a p r es s ã o. Sen tiu a s m ã os s egu r a n d o s eu tor n ozelo, m a s ele teria uma ingrata surpresa, se acreditava ser capaz de superá-la. — E s ta va s egu in d o a m u lh er d o p r ín cip e va m p ir o, e d ecid iu a b or d á -la p ou co a n t es d a en tr a d a d a ca s a , qu a n d o a in d a p od ia m a n tê-la for a d a á r ea d e telep a tia d e Damien? E le p od er ia s en tir m in h a p r es en ça e a s u a , m a s n ã o s a b er ia que estava me ameaçando. E tudo isso foi só uma coincidência? Mais pálido que antes, o vampiro a encarou com surpresa. — Você não é humana! — Uau! — ela excla m ou , zom b a n d o d a con s ta ta çã o, va m p ir o d evia s er jovem d em a is p a r a p er ceb er a d ifer en ça en tr e h u m a n os e lica n tr op os com s u a vis ã o d e in fr a ver m elh o. E ju ven tu d e s em p r e a n d a va d e m ã os d a d a s com a m b içã o. E es tu p id ez. — Ach ou qu e o p r ín cip e es ta va fr a qu eja n d o, n ã o é? Ma s a in d a es tou cu r ios a . O qu e es p er a va ob ter d e m im ? Nã o p od e s er o tr on o. O qu e p la n eja va fa zer ? Us a r -m e p a r a b a ter n a ca b eça d ele? — E r a evid en te qu e ele n ã o tin h a u m plano. — E m d ez s egu n d os , você es ta r á livr e. E m s eu lu ga r , eu leva r ia em con s id er a çã o a lgu n s fa tor es . Pr im eir o, p os s o cor r er m u ito m a is d o qu e você. S egu n d o, s e m e p ega r , eu n ã o s er ei tã o gen til ou t r a vez. E ter ceir o e ú ltim o fa tor , se eu encontrar uma única maçã amassada naquela sacola, posso mudar de ideia e arrancar sua cabeça. Por isso, sugiro que corra. Muito. E la r em oveu o p é, e o va m p ir o s e a r r a s tou p a r a lon ge, leva n ta n d o-s e com gr a n d e d ificu ld a d e e olh a n d o em s u a d ir eçã o com o s e p reten d es s e d izer a lgu m a coisa. Mas ela já se abaixava para pegar a sacola de compras. Nico correu muito. 97


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— Cr ia n ça s ... Nã o s e p od e viver s em ela s , e n ã o s e p od e m a tá -la s a té qu e cresçam... S yr een a s e vir ou a o ou vir o com en tá r io em voz gr a ve. Um m om en to d ep ois , u m s egu n d o va m p ir o a a ga r r a va p elo p es coço com for ça d es com u n a l. E le er a m u ito m a is a lto qu e Damien, e a tir ou d o ch ã o p a r a er gu ê-la a té a a ltu r a d e s eu s olh os . E la ten tou s e lib er ta r , m a s n ã o con s egu iu . O va m p ir o qu e a a ta ca va a gor a era adulto, dono de indescritível poder. — Pr ecis a p er d oa r m eu filh o — ele d is s e com u m s or r is o gela d o. — E le tem a a m b içã o d o p a i, m a s é fr a co com o a m ã e. Felizm en te, foi a s tu to e s e a p r es en tou com m eu n om e. Você ter ia d ito a o p r ín cip e qu e Nico a s egu iu . Damien ter ia vin d o a tr á s d e m im , en qu a n to ele s e es con d er ia em a lgu m lu ga r . Um a lica n tr op o? Escolha interessante... Nico a p u xou p a r a m a is p er to, e a s p er n a s d ela s e ch oca r a m con tr a o cor p o do vampiro, que a inspecionava como se examinasse uma boneca de pano. S yr een a s a b ia qu e n ã o p od er ia p a s s a r m u ito m a is tem p o s em r es p ir a r . Tin h a d e s e s a lva r , e n ã o p od ia s u p er á -lo u s a n d o for ça b r u ta , com o fizer a com o filh o. Ter ia d e r ecor r er à in teligên cia e a o con h ecim en to a cu m u la d o em d éca d a s de estudo. — Is s o m es m o. O qu e u m lica n tr op o a p r en d e s ob r e com o m a ta r u m vampiro? Dr oga ! E le p od ia ler s u a m en te. Tin h a d e s er m a is cu id a d os a . S e p od ia ler seus pensamentos, também seria capaz de manipulá-los. — Ca s o es teja cu r ios a , n ã o p r eten d o u s á -la p a r a b a ter n a ca b eça d o príncipe — Nico con tin u ou com s er en id a d e. — S ó p a r a a tr a í-lo p a r a for a d a ca s a . Pos s o cu id a r d e Da m ien . Ma s d e Da m ien e d e J a s m in e já é u m a s itu a çã o b em d ifer en te. In felizm en te, ela n ã o d es gr u d a d o p r ín cip e. S u p on h o qu e p od er ia tê-la usado e poupado você de tudo isso, mas ela é uma praga. De qualquer maneira, o qu e ela qu er é p od er . A id en tid a d e d o p r ín cip e n ã o im p or ta , d es d e qu e ela fa ça parte da residência real. E Damien deve tirar proveito dessa ambição desmedida... en tr e u m a p a ixã o e ou tr a , qu er o d izer. E n tr e liga ções com o a qu e m a n tém com você. S yr een a n ã o en ten d ia p or qu e a s p es s oa s gos ta va m d e fa la r ta n to qu a n d o es ta va m ten ta n d o m a ta r a lgu ém . E la leva n tou os d ois p és e u s ou o p eito d o vampiro como base para executar um salto mortal para trás. S egu r a r u m objeto em r ota çã o cer ta m en te qu eb r a r ia s eu p u ls o e, p or is s o, ele a s oltou . S yr een a aterrissou em p é, r es p ir a n d o p ela p r im eir a vez em vá r ios minutos. O va m p ir o s e r ecu p er a va r a p id a m en te d a s u r p r es a . E la a ga r r ou o objeto m a is p r óxim o, s u a s a cola d e com p r a s , e girou-a, acertando-o n a ca b eça com força. Nico os cilou a o r eceb er o golp e, ch oca d o com s u a velocid a d e e com a for ça d e s eu s m ú s cu los . Ma s S yr een a s a b ia qu e n ã o tin h a ch a n ce d e ven cê-lo n u m confronto direto, e teria ainda menos oportunidades se desse a ele a possibilidade de brincar com sua cabeça. 98


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Por is s o, ela cor r eu . E n qu a n to cor r ia e s en tia a p r es en ça d o op on en te ca d a vez m a is p r óxim a , d ecid iu recor r er a u m a m ed id a d es es p er a d a . Sem s e d eter , r a s gou a b lu s a e s a ltou d e d en tr o d a ca lça já n o m eio d a tr a n s for m a çã o. Qu a n d o a ga r r ou s eu b r a ço, o va m p ir o s egu r ou a p en a s u m p u n h a d o d e p en a s . E le levitou , ga n h a n d o a ltitu d e, m a s , s en d o m en or e m a is veloz, ela con s egu iu a u m en ta r a d is tâ n cia qu e os s ep a r a va . Ma s s a b ia qu e s er ia p or p ou co tem p o, con s id er a n d o o grande poder do adversário. De r ep en te, s u a a s a d ir eita s e ch ocou con tr a u m objeto s ólid o. A d or d om in ou o fa lcã o, gir a n d o-o n o a r . S yr een a p er ceb eu qu e h a via b a tid o con t r a u m a á r vor e. O va m p ir o m a n ip u la r a s u a m en te, convencendo-a d e qu e ga n h a r a m a is a ltitu d e d o qu e r ea lm en te h a via a lca n ça d o, in d u zin d o-a a ir d e en con tr o a u m ga lh o. Mes m o a s s im , ela con s egu iu s e m a n ter n o a r com a a s a ín tegr a , m a s girava em círculos descendentes em função da imobilidade de seu lado direito. Des equ ilib r a d a e fer id a , ca iu s ob r e o leito d e folh a s s eca s d o b os qu e em tor n o d a m a n s ã o. Nico ta m b ém aterrissou. A p r in ces a n em con s egu iu s e m over antes de ser alcançada. E dessa vez não teria nenhuma vantagem. O vampiro a invadia com o pavor qu e p od ia p la n ta r n a a lm a d a p r es a . S yr een a r ela xou e s e d eixou d om in a r p ela s reações n a tu r a is p r ovoca d a s p elo p â n ico. Um a for te d es ca r ga d e a d r en a lin a invadiu seu sistema, alterando o equilíbrio químico do organismo. Da m ien foi a tin gid o em ch eio p elo p a vor d e S yr een a . Ch oca d o, ele s e vir ou com ta n t a violên cia qu e d er r u b ou u m a es tá t u a d e m á r m or e, ca u s a n d o for te es tr on d o. Ha via em s u a m en te u m ter r or tã o a b s olu to, qu e p or cer ca d e vin te segundos ele não conseguiu enxergar nada. Ma s , r ecu p er a d o, com p r een d en d o o qu e a con tecia , cor r eu p a r a for a d a mansão, atravessando o bosque como uma sombra negra. Não devia ter se descuidado. Sabia que eles estavam por perto. Ma s n ã o im a gin a r a qu e in com od a r ia m S yr een a , u m a vez qu e n in gu ém tinha conhecimento da importância da licantropo em sua vida. E agora ela pagava caro por sua falta de cautela. Fu r ios o, ele s a ltou s ob r e S yr een a e u s ou a for ça d o cor p o p a r a a tin gir o va m p ir o qu e a a ta ca va . Os d ois ca ír a m n o ch ã o lon ge d ela , o qu e h a via s id o s u a intenção inicial. Nico caiu de costas, e Damien não perdeu tempo. Ágil, fincou um joelho no peito do inimigo, pressionando-lhe as costelas e imobilizando-o. — Nico, s eu b a s ta r d o m is er á vel, vou m a ta r você p or ter t oca d o n ela ! — As p r es a s exp lod ir a m e ele rugiu, en ter r a n d o u m p u n h o n o p es coço d o a d ver s á r io. S u a in ten çã o er a a r r a n ca r a ca b eça d o va m p ir o com a s m ã os , m a s Nico era poderoso demais para permitir isso. Ele reagiu, jogando o príncipe contra o tronco de uma árvore. O som da madeira golpeada ecoou por toda a área. Nico levantou-s e e a va n çou , tom a d o p or u m a fú r ia in s a n a , exib in d o os ca n in os a lon ga d os , u r r a n d o. Por ém , a n tes qu e p u d es s e a lca n ça r o p r ín cip e, foi a tr op ela d o p or u m r a io d e ca b elos ca s ta n h os e cin zen tos . A m u lh er d e Damien era forte para o tamanho que tinha, e, mais importante, era astuta. A licantropo o a tin giu n a p a r te d e tr á s d os joelh os , d er r u b a n d o-o. Nico ca iu em cim a d ela , e aproveitou a confusão momentânea para tentar agarrá-la pelos cabelos. 99


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Por ém , s u a s m ã os con tin u a r a m va zia s , exceto, ta lvez, p or d u a s mechas, qu e ele s oltou p a r a in ves tir n ova m en te con tr a Damien. O p r ín cip e es ta va em p é e pronto para enfrentá-lo. Nico tir ou d o ca n o d a b ot a u m a fa ca cu r ta e encurvada e a ta cou o adversário. A m ã o d e Damien s e m oveu com velocid a d e im p er cep tível, d es a r m a n d o o op on en te a n tes qu e ele p u d es s e cor ta r s u a ga r ga n ta . A lâ m in a fer iu s u a m ã o, mas agora ele estava armado. Nico s a b ia qu e a qu a n tid a d e d e s a n gu e d er r a m a d o d eter m in a va ven ced or es e p er d ed or es , e já con s egu ir a tir a r o p r ecios o líqu id o d o cor p o d o p r ín cip e. A m ã o d ele s a n gr a va . Mu n iu -s e d e ou tr a fa ca qu e leva va n a ou tr a b ota e a ta cou com velocidade espantosa. Damien s en tiu a p er fu r a çã o n o la d o es qu er d o d o cor p o, n o b a ixo-ventre, m a s n ã o s e d eixou d eter . Na ver d a d e, p er m itiu o a ta qu e p a r a p od er p a s s a r u m b r a ço em tor n o d o p es coço d o op on en te. A lâ m in a p en etr ou a in d a m a is p r ofu n d a m en te em s eu cor p o qu a n d o ele p u xou o in im igo con tr a o p eito, enterrando a faca em suas costas. Nico gr u n h iu d e d or , m a s os d ois va m p ir os s e a fa s ta r a m a in d a a r m a d os . Damien sentia o sangue ensopando a camisa e a cintura da calça, mas ignorava a fer id a . E m u m a b a ta lh a en t r e va m p ir os , o p er d ed or er a s em p r e a qu ele qu e ced ia a o m ed o d e p er d er s a n gu e. A d is tr a çã o p r eju d ica va a s h a b ilid a d es d e lu ta , e era difícil de evitar. Damien n ã o viver a a té os 9 7 4 a n os ced en d o a es s a s fr a qu eza s . E s s a er a a p a r te p r in cip a l d e s eu p od er : n ã o s en tia m ed o. Nã o s e p r eocu p a va com a possibilidade da morte. Os va m p ir os s e ch oca va m em m ú ltip la s in ves tid a s , a r r a n ca n d o s a n gu e u m d o ou tr o. Damien olh a va fixa m en te n os olh os d e Nico. Ma n ip u la r a m en te d o in im igo er a u m gr a n d e feito n es s e tip o d e b a ta lh a . E ta m b ém er a p r a tica m en te impossível, porque todo oponente se mantinha atento a essa possibilidade. Mas Damien não era um vampiro normal. Nico atacou, mas o príncipe desapareceu diante de seus olhos. Sentindo um tr u qu e, ele s e vir ou , ten ta n d o qu eb r a r a ilu s ã o e loca liza r o a d ver s á r io. Tu d o qu e viu foi o falcão voando sobre sua cabeça. De r ep en te, Nico s en tiu o cor p o exp lod ir d a s cos t a s p a r a o p eito, d om in a d o p or u m a d or in im a gin á vel. Ch oca d o, viu o ga lh o qu e b r ota va d e s eu p eito provocando um jato de sangue. Virando-s e, ele a r r a n cou a ou tr a extr em id a d e d o ga lh o d a s m ã os d e s eu a ta ca n te. A lica n tr op o a in d a tin h a en tr e a s m ã os a lgu m a s folh a s , e s eu s a n gu e manchava a pele nua e acetinada. Nico olh ou p a r a cim a , ten ta n d o loca liza r o fa lcã o. A ilu s ã o s e d es fez, e ele identificou Damien n o cor vo qu e s ob r evoa va o loca l, a tr a in d o s u a a ten çã o p a r a que a licantropo pudesse atacá-lo pelas costas. Der r ota d o, cor ren d o r is co d e m or te, Nico b a teu em r etir a d a . O ga lh o qu e a tr a ves s a va s eu cor p o ia s e ch oca n d o con tr a tr on cos d e á r vor es e ou tr os ga lh os , 100


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p r ovoca n d o u m a d or h or r ível a té ele s e er gu er a cim a d a s cop a s fr on d os a s . Mas ele n ã o s e d etin h a . Damien ta m b ém h a via d es a p a r ecid o, e s a b ia qu e ele n ã o o deixaria escapar com a cabeça sobre os ombros, se o pegasse. Ma s ele n ã o p r ecis a va ter s e p r eocu p a d o, p or qu e a p r in cip a l p r eocu p a ção de Damien era Syreena. E la p er d er a m a is a lgu m a s p en a s e fr a tu r a r a u m b r a ço, mas ia ficar bem. Carregando-a, ele a levou para casa. — É u m a fr a tu r a — d is s e Gideon, u m velh o d em ôn io d o Cor p o e m éd ico competente. — Com o s a b e, n ã o p os s o cu r a r lica n tr op os , m a s p os s o im ob iliza r a fratura e deixar seu organismo cuidar do resto. — Fico feliz por tê-la trazido para casa, Damien — Siena confessou aliviada. — Bem , com d ois d e n ós tr ês fer id os , a ch ei qu e es s a er a a m elh or alternativa — disse o vampiro, sentando-se ao lado da cama de Syreena. — Isso é ridículo! Ele está muito mais ferido que eu — Syreena protestou. — E p er d eu s a n gu e d a Ca lifór n ia a té a qu i — Jasmine a cr es cen tou em tom seco. — Gideon já conteve a hemorragia. — Ma s você p r ecis a ca ça r — in s is tiu J a s m in e. — E s tá fr io com o a m or te e fraco como uma criança! — Ir em os a s s im qu e Gideon ter m in a r s eu tr a b a lh o p or a qu i. Até lá , n ã o quero sair de perto de Syreena. — Ela não vai morrer se você sair de perto. — Chega, Jasmine. E la s e ca lou , con s tr a n gid a e fu r ios a com a a titu d e in com p r een s ível e p ou co p r á tica d o p r ín cip e. S yr een a a ta ca r a u m d os m a is tem íveis in im igos d e Damien, liter a lm en te com u m b r a ço a ta d o! E m b or a o m ito d a es ta ca n o p eito fos s e in ver íd ico, p or qu e n ã o ca u s a va a m or te in s ta n tâ n ea , h a via n ele u m fu n d o d e ver d a d e. Ao r em over o ga lh o qu e o atravessara, Nico p od er ia s a n gr a r a té a m or t e. A p r in ces a p r ova velm en te o elim in a r a . S en d o a s s im , ela n ã o er a u m a cr ia tu r a fr á gil ou d elica d a . Nem p od er ia , p or qu e Damien n ã o ter ia s e en ca n ta d o com u m a mulher desse tipo. Sacrificar sua saúde por causa de um braço quebrado era ridículo. — Se não quer sair daqui, pelo menos se alimente — ela disse, afastando os cabelos do pescoço. — Jasmine. O a vis o d e Damien veio a p en a s u m s egu n d o a n tes qu e u m grunhido predatório e ameaçador surgisse da mulher deitada na cama. J a s m in e olh ou p a r a a p r in ces a e leu o a vis o em s eu cor p o ten s o. E la a expulsava do território que delimitara e marcara como dela. Sua propriedade.

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Com o s e a tre ve a in te rferir? Qu e m ela p en s a qu e é? Ap oie i e s u s te n te i Damien d u ran te tod a a m in h a vid a ! — Faça como quiser — Jasmine disparou irritada antes de se retirar. Assim que ela desapareceu, Syreena olhou para o parceiro. — Desculpe. Não sei por que fiz isso. — Sabe — S ien a in ter fer iu . — E u fa r ia o m es m o s e u m a m u lh er s e oferecesse para Elijah na minha frente. Ela foi insensível. — Nã o. E la foi p r á tica , a p en a s — Damien a cor r igiu . — Com o s em p r e. Syreena e ela têm em comum essa característica, essa objetividade. Além do mais, ela es tá con fu s a com tu d o qu e a con teceu n os ú ltim os d ia s . — Decid iu en cer r a r o assunto. — Tem certeza de que ela vai ficar boa, meu amigo? — O b r a ço s ofr eu u m a fr a tu r a . O h em a tom a é feio, eu sei, m a s va i d es a p a r ecer qu a n d o o os s o cola r . S e n ã o con fia em m im , ta lvez d eva p r ocu r a r u m dos monges que praticam a cura. — Con fio em você. Foi s ó u m a p er gu n ta , e você ta m b ém s e p r eocu p a r ia , s e tivesse de colocar a saúde de Magdalegna em outras mãos. Todos os Nightwalkers protegem suas esposas com a própria vida, se for necessário. E lija h a s s is tia à cen a em s ilên cio. S e a u n iã o en tr e u m d em ôn io e u m a lica n tr op o h a via s id o d ifícil, en tr e u m a lica n tr op o e u m va m p ir o s er ia praticamente impossível! Siena também estava preocupada. Nos s o p ovo ace ita rá d ois con s ortes d e raça s d iferen te s p a ra a ra in h a e a princesa? Ain d a n e m s e i s e você foi com p le ta m e n te a ce ito! Min h a p re ocu p açã o v a i a lé m d is s o, ga tin h a. Os v a m p iros pod e m te n ta r m a ta r o príncipe, quando souberem que ele tomou uma licantropo por parceira. Por qu ê? Os v a m p iros n ã o tê m n a d a con tra n ós ! Va m p iros tê m p ou ca s regra s n a v id a, S ie n a, e p or is s o re s p e ita m a s qu e tê m . Por algu m a ra z ã o, es s a s le is p roíb e m qu e Damien s e a lim e n te d e s u a irm ã . J u n te a is s o a im e n s a ga n â n cia p or p od er e p ela p os içã o qu e Damien ocu p a, e v a i p erceb er qu e a s egu ran ça d o p rín cip e es tá e m risco. En tã o, s e fica re m a qu i, ele s en fren ta rã o cen s u ra e h os tilid ad e. E s e fore m p ara lá , e n fren ta rã o o m e s m o ou p ior. E lija h olh ou p a r a o p is o d e p ed r a , s em p od er con s ola r a es p os a n a qu ele aposento cheio. S e m e toca s s e a gora , eu com eçaria a ch orar com o u m a cria n ça. Eu s ei. E a ú n ica cois a qu e m e m an té m afa s ta d o d e você. Siena virou a cabeça, sentindo as lágrimas arderem em seus olhos. — Ga tin h a , va m os d eixa r o m éd ico cu id a r d os p a cien tes — E lija h d is s e d e repente. O ca s a l s a iu d o qu a r to. Do la d o d e for a , E lija h a b r a çou S ien a e d eixou -a chorar em seu ombro toda a angústia que ela enfrentava pelo futuro da irmã. 102


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Syreena d or m ia com a ca b eça a p oia d a n o p eito de Damien. Nes s e m om en to de tranquilidade, o p r ín cip e refletia s ob r e a s d u r a s es colh a s qu e ter ia d e fazer. Jasmine, p or exem p lo. Nã o s er ia a cor d a em u m ca b o-de-gu er r a en tr e a s d u a s m u lh er es m a is im p or ta n tes d e s u a vid a . Pr ecis a va en con tr a r u m a s olu çã o p a r a es s e con fr on to, e tin h a d e s er r á p id o. S a b ia qu e S yr een a ja m a is o p r es s ion a r ia p a r a qu e es colh es s e en tr e ela , s eu gr a n d e a m or , e J a s m in e, s u a m elh or a m iga . Ma s J a s m in e n ã o es ta va a cim a d is s o. A n a tu r eza d os va m p ir os er a b a s ica m en te egoís ta . O qu e n ã o en ten d ia er a p or qu e a va m p ir a s e s en tia a m ea ça d a a gor a , d ep ois d e ter em con vivid o d u r a n te cin co s écu los . O qu e a leva va a p en s a r qu e tudo mudaria de repente? Ta m b ém h a via p er ceb id o a qu e tip o d e p er igo es ta va exp on d o S yr een a . As ações agressivas de Nico abriram seus olhos para a realidade. Estava habituado a lu ta r p elo tr on o, p or qu e es s e er a u m fa to d a vid a , m a s n ã o p od ia m a is s e d a r a o lu xo d e s er in d ifer en te qu a n to a is s o. Nã o tin h a m ed o d e m or r er . Ma s a gor a p r ecis a va con s id er a r os in ter es s es d e S yr een a ta m b ém . Nã o s u p or t a va a ideia de fazê-la sofrer. E, apesar de ela não ter dito nada ainda, sabia que ela o amava. Além d is s o, com o telep a ta qu e er a , s en tir a o in ter câ m b io ocor r id o h a via p ou co en tr e E lija h e S ien a . S a b ia qu e a r a in h a tem ia p ela felicid a d e d a ir m ã e a n tecip a va cer to d es con ten ta m en to d e s eu p ovo. E s s a p os s ib ilid a d e er a a r a iz d o maior conflito de Syreena nesse momento. Ca n s a d o e fa m in to, Damien d ecid iu a p r oveita r qu e ela d or m ia p a r a ca ça r . Volta r ia o m a is d ep r es s a p os s ível, r evigor a d o e p r on to p a r a a p oiá -la em s u a recuperação. Nico es ta va fu r ios o. Tr a n s tor n a d o. S e con s egu is s e p ôr a s m ã os n a qu ela ver s ã o lica n tr op o d e meretriz, n ã o h es ita r ia em u s a r s u a fa ca m a is a fia d a p a r a cortá-la em dezenas de pedaços. In felizm en te, p a r a is s o ter ia d e s ob r eviver à r em oçã o d o ga lh o cr a va d o em seu corpo. Dep ois d a lu ta , r efu gia r a -s e n o d es er to d e Neva d a , p or qu e a li en con tr a r ia a r eia em qu a n tid a d e s u ficien te p a r a p r een ch er o b u r a co qu e a r em oçã o d o ga lh o a b r ir ia . Dep ois d is s o, en con tr a r ia u m a b r igo p a r a es ca p a r d o s ol e d e h u m a n os e animais, e se entregaria ao torpor durante o período de cura. S a n gu e fres co er a s em p r e u m excelen te fortificante, mas n ã o p od er ia ca ça r naquelas condições. Teria de se contentar com o torpor. Dormiria e refletiria sobre o que dera errado. Havia algo de muito estranho na situação. Um va m p ir o s e d eita n d o com u m a lica n tr op o er a in u s ita d o, mas Damien h a via b eb id o o s a n gu e d a Nightwalker. Ma is d e u m a vez, s e in ter p r eta r a b em a s m a r ca s n o p es coço d ela . Ha via m u itos va m p ir os qu e tir a r ia m p r oveito d es s a informação. Talvez pudesse explorar essa vantagem mais tarde. Mas havia algo além disso. Era velho e experiente demais para não perceber quando coisas estranhas estavam acontecendo. O truque do falcão e do corvo, por exemplo. Como era possível? 103


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E Cyril... S eu p r óp r io filh o o a b a n d on a r a . Fu gir a com o u m h u m a n o cova r d e. O r a p a z er a a m b icios o, m a s n ã o tin h a in telecto ou cor a gem . De on d e havia tirado a ideia de que poderia superar Damien, o príncipe dos vampiros? — Precisa de ajuda? Ajoelh a d o n o ch ã o d e a r eia , s egu r a n d o o ga lh o com a s d u a s m ã os , Nico olh ou p a r a cim a . E s ta va tã o es gota d o e d ep a u p er a d o p ela d or e p ela p er d a d e flu id os es s en cia is , qu e n em ou vir a a a p r oxim a çã o d a d es con h ecid a qu e o a b or d a va . E la er a a lta , jovem , lou r a e m u ito b on ita . A p ele b r on zea d a a tes t a va qu e n ã o er a va m p ir o, m a s a a titu d e in d iferen te d ia n te d e s u a con d içã o s u ger ia tratar -se de uma Nightwalker. E la o fita va com olh os a zu is e fr ios , d em on s tr a n d o in teligên cia e tota l fa lt a de temor. A mistura o intrigou. — Posso ajudá-lo — ela sussurrou. — E cer ta m en te va i qu erer a lgo em tr oca . Ob r iga d o, m a s p os s o cu id a r d e mim mesmo. — Não m e r efer ia s ó a es s a b ob a gem . — E la r iu , a p on ta n d o p a r a o ga lh o atravessado em seu peito. — E n tã o, fa le d e u m a vez o qu e qu er , e s eja r á p id a . O tem p o é im p or ta n te aqui. — Posso ajudá-lo a conseguir o que quer. Posso lhe dar a cabeça de Damien em uma bandeja de prata. E com o coração de uma licantropo ao lado. — Quem é você? — perguntou, intrigado. — Ap en a s a lgu ém qu e s a b e com o Damien o d er r otou . Algu ém qu e p od e torná-lo m a is for te d o qu e ja m a is im a gin ou s er p os s ível. S ou s eu ver d a d eir o a n jo, Nico. Ela agarrou o galho e o puxou com força. Nico gr itou , e s eu u r r o foi ou vid o p or tod a s a s cr ia tu r a s d o d es er to. Tom a d o p ela d or , ele a ga r r ou a m u lh er e a jogou n o ch ã o d e joelh os . Per d ia s a n gu e s u ficien te p a r a m or r er em p ou ca s h or a s , m a s a n tes a es p a n ca r ia p or tê-lo surpreendido daquela maneira. E la r iu . Dep ois , t ocou com d ois d ed os a fer id a a b er ta e com eçou a s u s s u r r a r p a la vr a s qu e ele n ã o com p r een d ia . A m u lh er m is tu r a va la tim , á r a b e, e m a is tr ês id iom a s qu e ele id en tificou im ed ia ta m en te. O r es ta n te er a d es con h ecid o para o vampiro. Nico s en tia a fer id a s e fech a n d o s ob s eu s d ed os , com eça n d o p elo cor a çã o e seguindo na direção da pele. — Você é um demônio — ele acusou. — Humm... — E es tá u s a n d o m a gia . Nã o é cen s u r a d a p or is s o? — Ao vê-la r ir , prosseguiu: — Ah, já sei. Seria censurada... se eles soubessem. O en con tr o er a m u ito in ter es s a n te d o p on to d e vis ta d e Nico. Pelo qu e a d es con h ecid a r evela r a a té a qu ele m om en to, er a evid en te qu e ela qu er ia s e vin ga r 104


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de Damien ou d a lica n tr op o. Pr ova velm en te a s s is tir a a o con fr on to en tr e eles e o s egu ir a a té a li p r ocu r a n d o p or u m a lia d o. E , a p a r en tem en te, es ta va d is p os ta a tudo para conquistá-lo. Com o s e p u d es s e ler s eu s p en s a m en tos , ela o s egu r ou p elos ca b elos , beijando-o n a b oca com u m a vor a cid a d e es p a n tos a . E s fr ega va o cor p o n o d ele d e for m a p r ovoca n te, ten ta n d o-o, a té qu e, tom a d o p ela s en s u a lid a d e n a tu r a l d os vampiros, Nico reagiu e correspondeu. Então, ela se afastou. — Quer saber como Damien conseguiu tanto poder de repente? — Eu adoraria... Ela afastou os cabelos e inclinou o pescoço, chamando-o a mordê-la. — Bom apetite — Ruth murmurou com um sorriso transtornado. Jasmine olh ou em volta , cer tifica n d o-s e d e qu e n ã o h a via es qu ecid o n a d a . E r a m p ou ca s a s cois a s qu e d es eja va leva r . Ao la d o d a b ols a com a lgu m a s r ou p a s estava o livro qu e tom a r a d a b ib lioteca . O títu lo es cr ito em vampyr, o idioma mais antigo de sua raça, dizia apenas Razão. Um títu lo tã o m od es to p a r a u m tóp ico tã o p r ofu n d o. Na s ú ltim a s qu a r en ta e oito h or a s , n ã o fizer a n a d a a lém d e exa m in a r e r eexa m in a r a p r óp r ia r a zã o, tom a d a p ela s en s a çã o d e es ta r p en s a n d o em cír cu los , d ila cer a d a en tr e lógica e em oçã o. Sen tia -s e com o u m a cr ia n ça ch or a n d o p or qu e ou tr a cr ia n ça p ega r a s eu b r in qu ed o, en qu a n to u m a d u lto a cen s u r a va e exp lica va p or qu e ela d evia compartilhar. Ha via d ivid id o Damien com s u a s m u lh er es a n tes . Por qu e d es s a vez er a tã o difícil? — Porque ela não é vampiro e não entende o nosso jeito — ela explicou para o silêncio da mansão. Um a lica n tr op o p od ia en ten d er com o va m p ir os com p en s a va m t éd io e s olid ã o com u m a in tim id a d e d e toqu e qu e n a d a tin h a a ver com s exo? A p r in ces a a ceita r ia qu e ela e Damien p a s s a s s em o d ia tod o tr a n ca d os em u m côm od o, simplesmente conversando, como costumavam fazer antes? S e ter m in a s s e d e fa zer a s m a la s e p a r tis s e, qu em es ta r ia fer in d o? Damien e ela m es m a , a p en a s . Syreena ja m a is com p r een d er ia a p r ofu n d id a d e d es s a m u d a n ça n a d in â m ica d a ca s a . S u a p a r tid a em n a d a a a feta r ia . A m en os qu e s ofr es s e com o s ofr im en to d e Damien, o qu e s ign ifica r ia qu e ela r ea lm en te s e preocupava com ele. E isso era o que Jasmine não queria aceitar. Sua mente cansada focou o segundo dilema de ação e consequência. Dentro d a qu ele livr o es ta va a p r ova qu e Damien qu er ia , a s r a zões e a s consequências p ela s qu a is va m p ir os evita va m , ou m elh or , er a m veem en tem en te con tr á r ios a s e alimenta r d e ou tr os Nightwalkers. Pa r te d o qu e ler a con fir m a va a s s u s p eita s d e Damien e r es u m ia tu d o qu e ele qu er ia ou vir . A in for m a çã o o liga r ia a in d a m a is à licantropo, se isso fosse possível.

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Ma s tod o es s e m a ter ia l ta m b ém exp lica va p or qu e s e en volver com ou tros Nigh twa lk er s s e tor n a r a ta b u em s u a s ocied a d e. A lógica d o a r gu m en to er a tã o in con tes tá vel, qu e p od er ia a fa s ta r Damien d e s eu s u p os to a m or e, com s or te, conduzi-los de volta à pacata rotina de antes. Ma s J a s m in e od ia va r otin a e n or m a lid a d e. Ha via d u a s s em a n a s s e preparara para buscar o subterrâneo e lá ficar por um século. Agora estava diante d e in ú m er a s p os s ib ilid a d es d e a ven tu r a . Ma s d evia p ôr em r is co o b em -es ta r d e Damien p elo p r óp r io en tr eten im en to? Nã o qu e o p er igo fos s e d efin itivo. S e fos s e, ela não hesitaria em agir. Afinal, Damien estava acima de tudo. Morreria por ele. E es s a s p er igos a s ver d a d es e consequências ta m b ém p od er ia m m or r er . Por exem p lo, s e a b ib lioteca d es m or on a s s e, s e qu eim a s s e a té vir a r cin za s , e s e n ela es tives s e o livr o qu e a gor a r ep ou s a va s ob r e s u a ca m a ... Um a toch a p er to d e u m livro... Todos os segredos retornariam à tumba de onde nunca deveriam ter saído. E ninguém perderia nada. Se haviam sobrevivido por tanto tempo sem eles... Sobrevivido. Meramente sobrevivido. E o volu m e tã o ch eio d e in for m a ções p od er ia levá -los a u m a exis tên cia muito mais plena e bela do que a sobrevivência vazia que conheciam. Estava de volta ao início. Círculo completo. De volta ao zero. Com tod a a s u a id a d e e exp er iên cia , n ã o con s egu ia d ecid ir o qu e fa zer com u m livr o es tú p id o e u m a m u lh er p equ en in a ? S e Damien s e ca s a s s e com S yr een a , ela s er ia s u a rainha! Jasmine s er ia s ú d ita d e u m a cr ia tu r a qu e n em im a gin a va como poderia beneficiar a raça dos vampiros. E , ca s a d o com ela , Damien n ã o p od er ia p r es cin d ir d e s u a a ju d a . Deixá -lo o tor n a r ia d om es tica m en te vu ln er á vel. Stephan, ch efe d a s for ça s d e lu ta d e Damien, era muito competente para lidar com outras raças e caçadores humanos, m a s n ã o o ju lga va ca p a z d e m a ta r os d e s u a p r óp r ia r a ça , e em m a s s a , ca s o eclodisse u m a gu err a civil. E m es m o qu e con s egu is s em evita r u m leva n te in ter n o, a in d a h a ver ia os in ter m in á veis d es a fios p elo tr on o. Damien p r ecis a va d e a lgu ém confiável ao seu lado. Alguém que fosse capaz de matar por ele. Algu ém qu e n ã o ter ia o bracinho qu eb r a d o n o p r im eir o con fr on to. Ma s , s e ficasse, teria de apoiar rei e rainha. Teria de aguentar a Madame Delicadeza. Não suportava essa ideia. Por que não matava logo a vadia e acabava com isso? Um es ta lo em s u a ca b eça a fez olh a r em volta . Ha via a lgu ém n a ca s a . Um intruso. E não era vampiro. J a s m in e s e vir ou p a r a a p or ta n o exa to in s ta n te em qu e a p r es s ã o n o qu a r to s ofr eu u m a violen ta a lter a çã o. Qu a n d o Ruth s e m a ter ia lizou , ela já exib ia as presas e rugia furiosa. — Qu e m ed o... — Ruth com en tou com u m tr em or tea tr a l. — S en ta d a , menina — ela d is s e, com o s e lid a s s e com u m ca ch or r o. — Nã o qu er o m a ch u ca r você. — Nem poderia, se quisesse. 106


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— S e você d iz... S ó vim tr a zer u m r eca d o p a r a s eu p r ín cip e, a vadia qu e o a com p a n h a e tod os os ou tr os m is er á veis , in clu s ive o gu er r eir o qu e m a tou m in h a filh a . Diga a eles qu e tu d o va i m u d a r d e a gor a em d ia n te. S e eles p en s a m qu e cr iei p r ob lem a s a n tes , qu e es p er em p a r a ver o qu e vou fa zer a gor a . Meu p od er s ó va i cr es cer , ga r a n to. Com o m in h a fú r ia e m in h a s ed e d e vin ga n ça . É extraordinário, Jasmine. Ah, mas você já sabe disso agora. Não sabe? A fêm ea d e d em ôn io es tu d ou J a s m in e p or u m m om en to e, d e r ep en te, exp lod iu em s u a m en te. Tod a a for ça d a va m p ir a er a n a d a com p a r a d a a o p od er que invadia seus pensamentos. — Pob r e m en in a con fu s a ... — Ruth murmurou. — Aqu eles lica n tr op os s ã o m es m o u m p r ob lem a , n ã o s ã o? Por qu e s e martiriza ta n t o? Você s a b e o qu e d eve fa zer . E eu p os s o lh e m os tr a r com o tê-lo d e volta . Nin gu ém ja m a is va i d es con fia r . E u p os s o... — De r ep en te, olh ou p a r a a ca m a e a r r ega lou os olhos. — On d e con s egu iu a qu ilo? — Pegou o volu m e com a s d u a s m ã os , fa s cin a d a . J a s m in e qu er ia d etê-la , m a s es ta va p a r a lis a d a . Ruth com eçou a gr it a r . — Um a b ib lioteca ? Um a Bib lioteca Nightwalker? Ma s es s e d ever ia s er o meu tes ou r o! Pa s s ei m es es ca va n d o a qu ela s m a ld ita s ter r a s gela d a s ! Você viu o Tom o Negr o! — excla m ou . — Sabia que estávamos perto. Posso senti-lo! J a s m in e s a b ia s ob r e o qu e Ruth es ta va fa la n d o. Ha via u m livr o n a b ib lioteca , u m volu m e qu e fica va s ob r e u m p ed es ta l cen tr a l, com ca p a p r eta e páginas in fin ita s d e en ca n ta m en tos e m a gia em tod os os id iom a s im a gin á veis e, como outros livros escondidos naquelas prateleiras, alguns até inimagináveis. E s ta va fu r ios a e im p oten te. S en tia r a iva d e Ruth, m a s , a cim a d e tu d o, s en tia r a iva d e s i m es m a . Su a m en te s e tor n a r a u m a m in a d e d ia m a n tes p a r a o d em ôn io, qu e a es ca va va , extr a in d o d ela tes ou r os va lios os . Devia ter s id o ca p a z de impedir a invasão. — Ah , m a s eu n ã o s ou u m d em ôn io qu a lqu er . Nã o ou viu fa la r d e m im ? Na ver d a d e, a ch o qu e p os s o d izer qu e n em s ou m a is u m d em ôn io. E p or qu e d es eja r ia s er ? Tod a a qu ela h ip ocr is ia , tod o a qu ele clim a d e p er feiçã o e s a n tid a d e... Aqu ilo m e en joa ! E s a b e... Cr eio ter a s r es p os ta s qu e es tá p r ocu r a n d o. Com o foi m u ito ú til p a r a m im , vou r etr ib u ir com gen er os id a d e. Há m u ita s p er gu n ta s p er tu r b a n d o s u a p a z, J a s m in e. Pod ia ter a vid a excita n te qu e sempre quis e todas as respostas. Juro, todos os dias aprendo alguma coisa nova. Vejo cois a s n a s qu a is você n ã o ia a cr ed ita r . O m u n d o é m in h a p ér ola , e você n ã o im a gin a o qu e Pér ola s com o es ta — a fa gou a ca p a d o livr o — p od em fa zer ! E a maior de todas, o Tomo Negro... O que não faríamos com ela! Aprendi muito sobre m a gia . E s ta va s em p r e p r ocu r a n d o u m nigromante h u m a n o p od er os o p a r a ju n t a r s e a m im . Agor a s ei qu e is s o n ã o exis te! Por is s o, s em p r e os d er r ota m os . A m a gia n ã o é p a r a eles . É p a r a n ós ! Nã o h á lim ites p a r a o p od er qu e p od em os ter . E u já ten h o m eu b r a ço d ir eito, m a s você p od e s er m eu b r a ço es qu er d o. Pod e ocu p a r o lu ga r d a m in h a filh a . Com igo, você n u n ca s en tir á fa lt a d e n a d a . Nem s er á a b a n d on a d a ou tr oca d a p or ou tr o, p or qu e n ã o s ou volú vel com o os h om en s . Nã o va i en fr a qu ecer p elo s ofr im en to. Pelo con tr á r io, ter á m a is p od er d o qu e ja m a is teve! Sei qu e es tá p en s a n d o n is s o. E u s in to. Va m os , d eixe-m e m os tr a r a s verdades que transformam em mentiras tudo que você aprendeu. Jasmine não conseguia falar. Quem ela poderia ser sem Damien? 107


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Era desanimador perceber que estava presa em outro círculo sem fim. Syreena acordou com dor no braço, mas feliz por estar cercada pelo calor de s eu p a r ceir o. Vir ou-s e p a r a ele, a con chegando-s e com u m s u s p ir o. E le d es p er tou do sono, buscando sua face com os lábios e os dedos gentis. — Eu poderia facilmente me acostumar com isso — ela sussurrou. — Ach o qu e va i s er ob r iga d a a s e a cos tu m a r — ele r es p on d eu , com u m r is o baixo. — Não despertará ao lado de mais ninguém em toda a sua vida. — Essa é uma promessa bastante prolongada, príncipe Damien. — Qu e eu p r eten d o m a n ter , p r in ces a S yr een a . — E le a b eijou p a r a s ela r o ju r a m en to s olen e. — Pr ecis a m os con ver s a r s ob r e a lgu n s a s s u n tos , m a s m a l s ei por onde começar. — Vamos começar por Jasmine. — Cer to. O qu e p os s o fa zer p a r a s a tis fa zer vocês d u as. Hon es ta m en te, eu não sei. — Pos s o d izer o qu e p r efir o qu e n ã o fa ça . Nã o s e a lim en te d ela d e n ovo. E u n ã o s u p or ta r ia o a r om a em você. Nu n ca a ch ei qu e eu fos s e ciu m en ta , m a s a ch o que sou. — Nã o m a is d o qu e eu s er ia . Nã o p r eten d o m e a lim en ta r d e ou tr a fêm ea d e n ovo. S er ia com o p er m itir qu e ou tr o va m p ir o s or ves s e s eu s a n gu e. Ten h o cer teza de que minha reação seria possessiva e provavelmente violenta. — Bem, então concordamos quanto a isso. O que mais posso dizer? Não vou p ed ir qu e d eixe d e s er s eu a m igo. E la s e s en te a m ea ça d a e ter em os d e en con tr a r uma forma de fazê-la entender que não é minha intenção excluí-la. — Nã o, você n ã o fa r ia is s o. S er em os a m igos , m a s ela ter á d e d ecid ir s e va i ou não ficar sob meu teto. Odiaria perdê-la. — E la p od er ia a ju d á -lo a p r oteger n os s o ter r itór io. Ach o qu e va m os precisar. — Logo t er ei qu e r eceb er m eu s équ ito. Ter em os p r iva cid a d e em n os s os aposentos, mas a casa terá uma dinâmica diferente assim que eles voltarem. — Bem , a ch o qu e n ã o fa r em os a m or n a cozin h a d u r a n te a lgu m tem p o. — Ela riu. — E les n ã o s e im p or ta r ia m . Por fa la r n is s o, a s cois a s ta lvez s eja m u m pouco liberais para o seu gosto. E bastante conservadora, para um licantropo. — E n tã o, ter em os qu e n os a d a p ta r . Con ta n to qu e eu s eja a ceita , o r es ta n te são detalhes. — Con cor d o. Qu a n d o à a ceita çã o, a cr ed ito qu e os qu e s ã o lea is a m im acabarão aceitando. Aqueles que se opõem apenas por prazer, irão criar polêmica, m a s is s o logo va i p a s s a r . O qu e m e p r eocu p a s ã o os qu e s e r es s en tem d o m eu p od er . Ter em os d e n os m a n ter a ten tos . — Ficou em s ilên cio p or a lgu n s in s ta n tes . — E , qu a n d o vier gover n a r com igo, m eu a m or , o qu e s er á d a h er d eir a d e s u a irmã? 108


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— E la va i r en u n cia r a is s o. Os lica n tr op os n u n ca a ceita r ã o d ois m a ch os d e ou tr a es p écie ca s a d os com a r ea leza em s eu ter r itór io. Nã o a r r is ca r ei o tr on o d e Siena com o p oten cia l p a r a u m a r eb eliã o. S e eu m e ca s a r em s olo es tr a n geir o, is s o p od e s er u s a d o com o... u m tip o d e p r op a ga n d a . S e eu n ã o tiver u m p é em seu trono, eles acharão fácil celebrar nosso... nos celebrar. — Você p od e d izer — fa lou s u a vem en te. — Nos s o ca s a m en to. Pod e fa la r nisso como um fato consumado, pois nós dois sabemos que é. — Vampiros não se casam — lembrou-o. — Va m p ir os n ã o s e ca s a m a gor a — ele cor r igiu . — Nós n os ca s á va m os a n tes . Por ém , n os tor n a m os m u ito m im a d os e ca p r ich os os em n os s o egoís m o para encontrar necessidade e sentido nisso. Eu encontrei as duas coisas, amada. — Você é meu amado, Damien. Sinto isso no fundo do meu coração. — Eu sei. Eu senti seu coração em cada beijo, em cada toque. Seria um tolo se confundisse isso. — Gos ta r ia d e ter a s u a con fia n ça . — S u s p ir ou . — Tive d ificu ld a d es em exp r es s a r m eu s s en tim en tos e, a in d a a s s im , você a cr ed itou n eles com ta n ta certeza. Você pareceu saber antes de mim. — Ap en a s p or qu e d u r a n te m in h a vid a a p r en d i a d is cer n ir a ver d a d e d a con fu s ã o. Você ta m b ém a p r en d er á , u m d ia , qu a n d o tiver vivid o b a s ta n te. — Hes itou p or u m m om en to, b eija n d o-a n o r os to. — Ain d a n ã o d is s e s e qu er s e casar comigo. Para seu desconforto, ela riu. — On d e es tá o s r. Con fia n ça a gor a ? O qu e a con teceu com o "fa to consumado"? — Ela não conseguia parar de rir. — Você é uma menina ingrata. — Por qu e eu ou s o r ir d e você, m eu p r ín cip e? S ofr er á es s e tip o d e cois a s e p en s a em ca s a r com u m a p r in ces a qu e n ã o s e d eixa im p r es s ion a r p or u m tít u lo. Ma s você ca u s a im p a ctos d e ou tr a s m a n eir a s , m eu a m or . E u n ã o m e p reocu p a r ia muito. Ele sorriu ante aquelas palavras. — Diga d e n ovo — exigiu em u m s u s s u r r o. — S e s ou b es s e com o eu a d or o escutar... — Meu a m or — ela r ep etiu , corando. — E u n ã o ter ia fu tu r o s em você, Damien. — Beijou -o com a feto. Ao a fa s ta r -s e, p er gu n tou : — Há a lgo m a is qu e gostaria de discutir? — S im . Qu er o fa la r s ob r e Ruth. E la es ca p ou d o qu e fez a você, a s s im com o tem s e es qu iva d o d a s consequências d e tod a a d or e m or te qu e es tá p r ovoca n d o. E la p r ecis a s er p u n id a . Ach o qu e é h or a d e fa zer m os u m es for ço con ju n to d os Nightwalkers para combatê-la. — Con cor d o tota lm en te com is s o. E la p er d eu a r a zã o. Lou cu r a e m a ld a d e formam a pior combinação.

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— Acr es cen te a is s o in teligên cia e gr a n d e p od er , e ch ega -s e a o m otivo p elo qual ela tem escapado repetidas vezes. — Acr ed ito qu e ela é a m a ior a m ea ça — Damien op in ou n o S a lã o Pr in cip a l d o ca s telo d e Noah. — S e n os d ivid ir m os p a r a p r ocu r á -la , e a in d a d ivid ir m os n os s os es for ços en tr e ela e os nigromantes, va m os n os en fr a qu ecer e fica r vu ln er á veis . Acr ed ito qu e é is s o qu e n os im p ed e d e ca p tu r á -la d e u m a vez p or tod a s . E la s e a liou a ou tr a s es p écies , e p or is s o a gor a tem m u ito m a is p od er . Nós também devemos combinar culturas. Os líd er es Nigh twa lk er s o ou via m com gr a n d e a ten çã o. Aqu ela er a u m a r eu n iã o s em p r eced en tes . Tod a s a s es p écies es ta va m r ep r es en ta d a s n o en con tr o organizado às pressas. Lá es ta va m Siena e E lija h , r a in h a e con s or te d os lica n tr op os ; Noa h , r ei d os demônios; Hawk, o mistral b a r d o, e Windsong, a mistral s er eia , a m b os en tr e os m a is id os os e r es p eita d os d a es p écie; Isabella, a p r im eir a druida a em er gir d o es ta d o d e dormência; e, p a r a s u r p r es a d e tod os , Malaya e Tristan, os d ois a ltos ch a n celer es d os h a b ita n tes d a s s om b r a s , qu e n ã o cos tu m a va m s e r ela cion a r com a s ou tr a s es p écies . Por ca u s a d eles , a ilu m in a çã o er a a m en a , res tr ita a o fogo b r a n d o n a la r eir a e a a lgu m a s vela s es p a lh a d a s p elo s a lã o. Tod os con h ecia m sua s en s ib ilid a d e à lu z, e eles er a m os qu e m a is d es p er ta va m cu r ios id a d e en tr e os dignitários vis ita n tes . S eu s tr a ços com b in a va m o exotismo d o Or ien te Méd io com a for ça d os a m er ín d ios , e a m b os tin h a m ca b elos n egr os e lis os qu e b r ilh a va m como ônix polido. Vestiam-se com elegância e sofisticação. — Nós ta m b ém d evem os com b in a r cu ltu r a s — Da m ien r ep etiu . — Nã o s ó u m a ou d u a s , m a s tod a s . Tod os os Nigh twa lk er s cor r em o r is co d e s er a tin gid os pelas tramas de Ruth. Ela já atacou demônios, druidas, licantropos, e foi vista em território mistral. — On tem ela es teve n o ter r itór io d os va m p ir os . Da m ien e tod os os ou tr os olharam para Jasmine, autora da declaração. — O que aconteceu? — perguntou o príncipe. — Esteve com Ruth? — indagou Noah. — Pa s s ei b oa p a r te d a n oite com ela . Ru th ch egou p or volta d a s on ze e partiu uma hora depois do amanhecer. Deve ter planejado o horário da partida de forma a me impedir de segui-la. — Oh, Deus! — exclamou Isabella. — J a s m in e, p or fa vor , conte-nos o qu e a con teceu — in s is tiu Da m ien , estran h a n d o qu e J a s m in e h ou ves s e es ca p a d o iles a d e u m en con tr o com Ru th . E s ta va a livia d o, s im , m a s a in d a lem b r a va o qu e S yr een a h a via s ofr id o n a s m ã os daquela criatura diabólica e transtornada. — Vou com eça r d izen d o qu e tu d o qu e você m e d is s e s ob r e Ru th er a mentir a , Da m ien . Pelo m en os é a gor a . E la é d ez vezes m a is p od er os a d o qu e m e d is s e. Us a n d o a p en a s a for ça d a m en te, ela m e fez p r is ion eir a d u r a n te tod o o tem p o qu e p a s s ou com igo. Tu d o qu e eu s a b ia , a gor a ela s a b e. E is s o in clu i... a localização da biblioteca. 110


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— Pela Deu s a ! — S ien a excla m ou . — J in a er i es tá d es p r otegid a ! E xis tem apenas alguns guardas, e os Nightwalkers que lá estão agora... — Por is s o vim a s s im qu e p u d e. Pod e fica r ca lm a , S ien a — J a s m in e a tranquilizou. — Estive com Anya, a general de seu exército, e ela está cuidando do assunto. Ela me disse onde eu poderia encontrá-los. — Olhou para Damien. — Não sei o que aconteceu depois disso. Se Ruth é capaz de viajar sob a luz do sol ou teleportar-se por grandes distâncias talvez seja tarde demais. — Nenhum d e n ós p od e fa zer n a d a a gor a — Elijah manifestou-se. — Ruth teve o d ia tod o p a r a a gir . S ei qu e ela é for te o b a s ta n te p a r a en fr en ta r a let a r gia qu e n os d om in a d u r a n te a s h or a s d e lu m in os id a d e, m a s n ã o p od e r es is tir p or m u ito tem p o. Ain d a p od em os es p er a r qu e ela ten h a es p er a d o p ela n oite p a r a causar problemas. — Elijah, não posso ficar aqui sentada e... — S ien a , is s o p od e s er o qu e Ru th qu er . Cor r er p a r a a b ib lioteca com o u m a m a lu ca é o m es m o qu e p u la r n a r a toeir a . E la d eve ter tid o u m b om m otivo p a ra permitir qu e J a s m in e ch ega s s e a qu i iles a . Ta lvez a r a zã o s eja exatamente essa: ela qu er qu e o a la r m e s eja d a d o, p or qu e a s s im va m os cor r er tod os p a r a a s armadilhas que ela já preparou. — Nã o en ten d o — Ma la ya fa lou com s u a voz m elod ios a p ela p r im eir a vez, atraind o a a ten çã o d e tod os . — Por qu e u m demônio r en ega d o es tá a ta ca n d o vampiros e licantropos? — Ma la ya , es s a é u m a lon ga h is tór ia qu e en volve o r a ciocín io d is tor cid o d e uma mulher desequilibrada — disse Noah. — Não — Jasmine o contrariou. — É um erro pensar que não há método na lou cu r a d e Ru th . Qu a n d o fa lou com igo, ela r evelou lógica e in teligên cia a s s u s ta d or a s , a p es a r d a r is a d a en lou qu ecid a . Ta lvez a n tes ela ten h a feito ameaças vazias, mas agora está claro que ela tem um plano traçado com astúcia. — J a s m in e es tá cer ta — d is s e E lija h . — Nós a en con tr a m os a cid en ta lm en te n os ú ltim os m es es n os lu ga r es m en os es p er a d os , n os m om en tos m en os p r ová veis fazendo coisas para as quais não tínhamos explicação. Se unirmos tudo isso... — E la es tá p r ocu r a n d o a lgu m a cois a — deduziu S yr een a . — S a b ía m os qu e ela procurava a biblioteca quando a encontramos escavando território licantropo. — O Tomo Negro — revelou Jasmine. — É isso que ela quer. — E já d eve ter con s egu id o p egá -lo! Pela Deu s a ! — Syreena r ea giu com pavor e ultraje. — Você tinha razão, Noah! Devíamos ter queimado o livro! Noa h olh ou p a r a Isabella, ú n ica qu e s e op u s er a à d es tr u içã o d o livr o, e leu a culpa em sua expressão. Precisava aliviar sua consciência. — Podemos queimar o livro agora, se decidirmos. Esta lá embaixo. — Está... onde? — Na b ib lioteca d os d em ôn ios . Siena e eu d is cu tim os o a s s u n to h á a lgu m tem p o e d ecid im os qu e, d ep ois d a a b er tu r a d a b ib lioteca , o Tom o Negr o es ta r ia m a is s egu r o a qu i. E s p ecia lm en te com Ru th p er a m b u la n d o p elo ter r itór io 111


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lica n tr op o. Dep ois d o qu e a con teceu com você, Syreena, achei m elh or a gir rapidamente. — Mas eu vi o livro no pedestal há poucos dias — argumentou Jasmine. — É cla r o qu e viu . Nã o s er ia s en s a to r evela r a tod os os frequentadores da b ib lioteca o qu e h a via a con tecid o com o tom o, ca s o Ruth en con tr a s s e o lu ga r e com eça s s e a in va d ir s eu s p en s a m en tos . Con h eço o in im igo, J a s m in e. Deixei n o lu ga r d ele u m com p ên d io d e a p a r ên cia id ên tica , m a s ch eio d e p oem a s d e demônio. — Ele sorriu. Todos riram, reconhecendo a inteligência do ato. — Então, essa Ruth levou u m ver s o d e r im a s in ocen tes em vez d o p od er os o compêndio que esperava — comentou Tristan, sorrindo. — S ó es p er o qu e ela ten h a p er ceb id o a tr oca d ep ois d e levá -lo, e n ã o a n tes — Noa h com en tou , p r eocu p a d o. — Nã o qu er o p en s a r n o qu e Ruth pode fazer durante um ataque de fúria. — Tem os d e tom a r p r ovid ên cia s p a r a m a n ter o livr o for a d o a lca n ce d es s a criatura — J a s m in e op in ou . — E la a cr ed ita qu e o u s o d a m a gia é d ir eito d os Nightwalkers, qu e os h u m a n os s ã o fr a cos d em a is p a r a d om in á -la , m a s qu e n ós , seres da noite, podemos usá-la sem sofrer nenhuma influência do Mal. — E la n ã o d eve s en tir o p r óp r io ch eir o — d is s e E lija h . — É p os s ível s en tir de longe a mácula da magia negra e do Mal. — Agor a ela fa z p a r te d o Ma l, p or is s o n ã o s en te o ch eir o em s i m es m a — disse Siena. — Há mais alguém com ela — Jasmine revelou. — Mais alguém? Quem? — Noah agitou-se. — Qu a n d o m e con vid ou p a r a fa zer p a r te d e s eu gr u p o d e s egu id or es , Ruth r evelou a exis tên cia d e u m b r a ço d ir eito. E la con s egu iu a licia r ou tr o Nightwalker. Não sei quem é ou como ela fez isso, mas sei que aconteceu. — S e con s egu iu a licia r o p r im eir o, ela va i ten ta r con qu is t a r ou tr os a lia d os — Elijah comentou. — S im , ela s a b e qu e os h u m a n os s ã o fr a cos d em a is p a r a n ós . S a b e qu e p r ecis a d o a p oio d e Nigh twa lk er s . Por is s o ela n ã o fez n a d a con tr a m im , Damien. Qu er ia qu e eu fos s e a p or ta d or a d es s e r eca d o. E la qu er qu e tod os vocês s a ib a m que não vai ser fácil derrotá-la com os novos seguidores. — E la es t á b lefa n d o — Noa h op in ou . — Qu er n os d eixa r com m ed o, p or qu e o medo reduz nossa força. — Está funcionando — Isabella confessou. A discussão prosseguiu, mas Jasmine cochichou alguma coisa no ouvido do p r ín cip e, qu e p ed iu licen ça p a r a r etir a r -s e p or u m in s ta n t e com a velh a a m iga . S yr een a os viu s a ir e ten tou n ã o s en tir ciú m e d a evid en te cu m p licid a d e en tr e os dois. No jardim, certa da privacidade que os cercava, Jasmine não perdeu tempo.

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— Damien, ten h o u m a con fis s ã o a fa zer . S ei qu e va i fica r m u ito za n ga d o comigo, mas preciso falar, porque há muitas coisas importantes em jogo. — O que é? — Ruth levou o livro que eu estava lendo. — E u já im a gin a va . E ela ter á a ces s o a tod os os ou tr os qu e exis tem n a biblioteca, se Anya não a detiver. — Sim, mas não sei qual é a importância dos outros livros. Já o que eu lia... Bem , r econ h eci s u a im p or tâ n cia h á a lgu m tem p o, e n ã o p os s o ign or a r s eu potencial de dano. — O que quer dizer? — Você m e in cu m b iu d e p r ocu r a r p or u m p r eced en te p a r a s u a r ela çã o com aquela... com Syreena. E eu encontrei o que buscava nas páginas daquele livro. — Há quanto tempo? — Há dias. Desde que Jinaeri foi designada bibliotecária. Mas você já estava r econ cilia d o com a ... com S yr een a . Dis s e a m im m es m a qu e você n ã o p r ecis a va mais da explicação, mas cometi um erro, agora eu sei. Há coisas... coisas terríveis e maravilhosas que você precisa saber. — Jasmine, vamos direto ao ponto, está bem? — Mu ito b em . O livr o r ela ta ou tr a s u n iões en tr e va m p ir os e lica n tr op os . Na ver d a d e, ele r ela ta cer im ôn ia s es tr ita m en te d es ign a d a s p a r a es s es ca s a m en tos . Há m ilh a r es d e a n os , a ocor r ên cia er a com u m e, com o você s u s p eita va , foi a p a r tir d a í qu e s u r gir a m os m it os s ob r e va m p ir os qu e m u d a va m d e for m a . E n ã o er a m m itos . S e u m va m p ir o e u m lica n tr op o s e s en tia m a tr a íd os e er a m com p a tíveis , p od ia m d es en volver u m a p r á tica ch a m a d a d e tr oca . A tr oca é o p r im eir o p a s s o em u m a cer im ôn ia d en om in a d a u n iã o. Um ca s a m en to, em ter m os m a is s im p les . A tr oca é exa ta m en te is s o. O va m p ir o s e a lim en ta d a p a r ceir a . Ao s or ver s eu s a n gu e, ele a b s or ve u m a s p ecto d a p a r ceir a e o in cor p or a definitivamente em sua estrutura. — O corvo, no meu caso. — S im , m a s is s o a in d a va i m a is lon ge. É u m cír cu lo com p leto. E la p r ecis a d o s eu s a n gu e p a r a con clu í-lo. Qu a n d o es s e cír cu lo s e fech a , ela a b s or ve u m a s p ecto s eu . Nã o s ei qu a l, m a s é a lgu m a cois a com a qu a l n os s os a n ces tr a is ficar a m m u ito im p r es s ion a d os e p r eocu p a d os . Ta m b ém d es cob r i qu e h á u m b om m otivo p or tr á s d os ta b u s qu e h er d a m os . E m b or a s ó p os s a h a ver u m a u n iã o en tr e u m va m p ir o e ou tr o Nightwalker, p od e h a ver d ú zia s d e tr oca s . Você en ten d e? S eu cor a çã o va i es ta r liga d o a o d a qu ela m u lh er p or tod a a eter n id a d e a p a r tir d o m om en to em qu e ela s e a lim en ta r d e s eu s a n gu e. Na d a , n en h u m a for ça n a ter r a va i p od er m u d a r es s a s itu a çã o. S ó a m or te. O m es m o va le p a r a ela . E la estará unida a você até a morte. — E o que... — Ain d a n ã o ter m in ei. O ter r or vem d o va m p ir o, Damien. O va m p ir o qu e s e a lim en ta d e Nightwalkers p od e colecion a r p od er com o u m a cr ia n ça a cu m u la b r in qu ed os , a u m en ta n d o s eu es toqu e a ca d a m or d id a , a b s or ven d o a s p ectos d e 113


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tod os a té ter d en tr o d e s i tod a s a s cr ia tu r a s . E n ten d e o qu e es tou d izen d o? Um va m p ir o p od e s e tor n a r in d es tr u tível. A es colh a d e n ã o s e a lim en ta r d e Nigh twa lk er s foi m or a l. Nos s os a n ces tr a is s e r eu n ir a m e ju r a r a m en s in a r a os d es cen d en tes o p a vor d e s or ver o s a n gu e d e ou tr o Nigh twa lk er . Cr ia r a m fá b u la s e histór ia s e os en ch er a m d e m ed o, con tr ola n d o a s ger a ções fu tu r a s p a r a evita r o p od er d es m ed id o. Foi u m s a cr ifício, Damien, com in ú m er a s r a m ifica ções . E les con s egu ir a m o qu e qu er ia m , e a s s im n os tr a n s for m a r a m n o qu e s om os a gor a . Qu a n d o tir a r a m d e n ós es s a p os s ib ilid a d e d e u n iã o tã o es p ecia l, r ou b a r a m ta m b ém n os s a ch a n ce d e con h ecer o a m or e a p r ofu n d id a d e d e em oções qu e o a com p a n h a . Pr iva r a m -n os d a exp er iên cia qu e a gor a você es tá viven d o com es s a m u lh er qu e es colh eu . É is s o qu e n os fa z tr is tes , Damien. A s olid ã o. Nã o tem os m a is a p os s ib ilid a d e d e n os tor n a r m os m on s tr os d e p od er in ven cível, m a s também não podemos encontrar nosso ser complementar. — Entendo... — Por is s o h á tã o p ou ca s cr ia n ça s . S em o a m or ver d a d eir o, p ou cos s e s en tem com p elid os a ter filh os e cr iá -los . Tem os filh os , m a s n u n ca os cr ia m os . E les s im p les m en te... cr es cem . Tem os s exo, m a s n ã o a m or . Nã o tem os p r a zer ver d a d eir o, p or qu e o b u s ca m os d e m a n eir a con s ta n te e in d is cr im in a d a p ela s en s u a lid a d e. Qu er em os , p r ocu r a m os , m a s n ã o s a b em os r ea lm en te o qu e b uscamos. Desconhecemos o medo, mas também não sabemos o que é felicidade. — Como os demônios quando destruíram os druidas. — S im , m a s eles n ã o s a b ia m o fu tu r o qu e es ta va m cr ia n d o p a r a eles m es m os . Nos s os a n ces tr a is s a b ia m , eu a ch o. Há m u itos eu fem is m os n o livro. E les es cr ever a m a h is tór ia com a es p er a n ça d e qu e u m d ia tivés s em os a m a tu r id a d e n eces s á r ia p a r a r ea b r ir a s p os s ib ilid a d es . Por a cid en te, foi o qu e você fez. A tr oca . Pod e im a gin a r o qu e ou tr os fa r ia m d elib er a d a m en te, s e s ou b es s em disso? E agora Ruth tem o livro. Se ela descobrir... — Se encontrar um vampiro que possa atrair como aliado... — Nos s o p r ob lem a va i s er m u ito m a ior d o qu e en fren ta r u m demônio que u s a m a gia . E a in d a n em d is cu tim os a qu es tã o d a in for m a çã o p r op r ia m en te d ita , da importância dessa descoberta para o nosso povo. — Sim, eu sei. Devo deixar meu povo continuar melancólico e sozinho? Dou a tod os a ch a n ce d e p r ocu r a r o a m or qu e en con tr ei p or a ca s o? Com o u m h om em p od e tom a r u m a d ecis ã o tã o im p or ta n te s ozin h o? Com o p os s o s ela r o d es tin o de tantos? — Esse é seu dever de príncipe. — Nã o, n ã o é! Um gover n o n ã o tem o d ir eito d e d ecid ir s e o p ovo p od e ou n ã o s er feliz! E n ã o es ta m os fa la n d o s om en te d o m eu p ovo, J a s m in e. Os líd er es r eu n id os n a s a la qu e a ca b a m os d e d eixa r com a n d a m in d ivíd u os qu e ta m b ém serão afetados. Quantos Nightwalkers vivem solitários por não poderem encontrar os parceiros vampiros? — Ou os p a r ceir os demônios — ela a cr es cen tou , p en s a n d o em E lija h e Siena. Nã o er a a p r im eir a s u ges tã o qu e en con tr a va m d e qu e r a ça s d is tin ta s d e Nigh twa lk er s h a via m s e liga d o n o p a s s a d o. A b ib lioteca er a a m a ior d e tod a s ela s . 114


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Um es for ço com b in a d o en tr e clã s qu e s e tor n a r a m con h ecid os p ela tota l fa lta d e cooperação. — J a s m in e, p er ceb e qu e é a p r im eir a vez qu e n ã o exis te u m a gu er r a en tr e Nightwalkers? Sem p r e exis tiu a lgu m a cois a , u m a d ifer en ça en tr e d u a s r a ça s ... Desde que Siena foi coroada, restou apenas a guerra fria entre todas as raças e os h a b ita n tes d a s s om b r a s . E n ã o m e lem b r o d e n en h u m a h os tilid a d e p r a tica d a p or eles a o lon go d os s écu los , m a s h a via u m a d es con fia n ça en cob er ta , a cu s a ções vela d a s ... Hoje, qu a n d o olh ei p a r a os ch a n celer es , p en s ei qu e eles p od em ter s id o bodes expiatórios para muitas coisas. — O que quer dizer? — Ta lvez s eja h or a d e d eixa r m os d e s ep a r a r a s s u n tos d e va m p ir os , d e demônios e d e lica n tr op os , e com eça r a tr a ta r tu d o com o a s s u n tos d e Nightwalkers. O que acabou de me contar afeta a todos igualmente. — Damien! Não pode estar pensando em entrar naquela sala e contar isso a tod os os líd er es ! E les n os ver ã o com o u m a a m ea ça qu a n d o fa la r s ob r e a tr oca e o poder que podemos absorver. — Ta lvez. E ta lvez es teja m cer tos . Ma s eles têm o d ir eito d e s a b er qu e p od em os es ta r ca u s a n d o a s olid ã o d e m u itos em tod a s a s r a ça s . S ei qu e n ã o s e im p or ta com es s a b ob a gem em ocion a l, qu e con s id er a tu d o is s o u m a gr a n d e fr a qu eza , m a s é a lgo im p or ta n te. Rep r es en ta u m a for ça . Am a r e s er a m a d o é a maior fonte de poder que pode existir. — Um poder que o faz querer torrar ao sol? — ela disparou com sarcasmo. — Ou beber veneno na cripta da família, ou trair o rei de Camelot, ou trocar p és p or nadadeiras a o ver s eu a m or s e ca s a r com ou tr a . S im , tod a s es s a s cois a s h or r íveis e m u ito m a is . Ma s , qu a n d o d á cer to, qu a n d o t em u m a ch a n ce d e s e realizar, acontece a marca, você tem a união, e passa a eternidade feliz ao lado de s u a a lm a com p lem en ta r . Você fica s ob r e a ter r a , J a s m in e, e a p r en d e a lgo n ovo todos os dias. Não há mais tédio. Não quer viver essa alegria? — Nu n ca m a is qu er o s en tir a d or qu e con h eci n es s a ú ltim a s em a n a , qu a n d o p en s ei qu e es ta va p er d en d o você. Am a r a lgu ém e s en tir is s o... Nã o suporto nem pensar! Ma s h a via a lgo n os olh os d e Da m ien , em s eu tom d e voz, u m a es p écie d e vibração nova que despertava nela o desejo de conhecer essa emoção. De repente, queria saber o que estava perdendo. Não. Não era de repente. Sempre. Tod os os d ia s d e s u a vid a s ou b er a qu e fa lta va a lgu m a cois a . Ma is s en s ível qu e os ou t r os , ca ír a m u ita s vezes em d es es p er o s em n em s equ er s a b er por quê. E se esse fosse o motivo? — Droga!

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O p r ín cip e viu Jasmine s e a fa s ta r , d om in a d a p or in ú m er os conflitos. Pa s s a r a p or is s o m u ita s vezes n a ú ltim a s em a n a . Ma s a gor a s a b ia qu e s ó h a via uma verdade em tudo isso, uma única verdade a que tudo se resumia. E iria ao fim do mundo para ver a amiga feliz como ele estava. Arriscaria tudo por isso. E s ta va cer to d es d e o in ício. Tin h a o d ever d e d izer a ver d a d e e d eixa r ca d a u m d ecid ir p or s i. S u a r es p on s a b ilid a d e s er ia con ter a qu eles qu e ten t a s s em u s a r es s e n ovo con h ecim en to p a r a o Ma l. E s colh er ia a lgu ém p a r a d es em p en h a r em s u a s ocied a d e o p a p el qu e er a d e Jacob en tr e os d em ôn ios . Um Defen s or . Algu ém que conteria e puniria os que abusassem do privilégio da troca. Jasmine voltou ao ler seus pensamentos. — Stephan — ela d is s e. — E le tem u m exér cito s ob s eu com a n d o, e com o n ã o es ta m os em gu er r a ... Bem , p od em os d a r u m p r op ós ito a o com a n d a n te e s eu s com a n d a d os . S tep h a n s em p r e es colh eu e tr ein ou s eu s s old a d os com com p etên cia e d ed ica çã o. S e os es p a lh a r m os p elos ter r itór ios cer tos ... va m p ir os , Nightwalkers, humanos... Bem, seria como ter uma... uma... — Um a r ed e sensorial — Damien concluiu. — Um s is tem a d e m on itor a m en to ca p a z d e in ter cep ta r e d eter va m p i- r os m a l-in ten cion a d os a n tes que possam ir longe demais. — Melh or qu e is s o. Um a r ed e ca p a z d e in ter cep ta r Nigh t wa lk er s em ger a l. Nã o fa r ía m os n a d a con tr a os d e ou tr a s r a ça s , m a s p od er ía m os a ler ta r o gover n o responsável sobre os crimes praticados. — Entende agora o que digo? Se as seis espécies de Nightwalkers se unirem d es s a m a n eir a , p od em os a s s egu r a r n os s a p r oteçã o d e cr ia tu r a s com o Ruth. Deve h a ver u m a ver s ã o d e Ruth, ou vá r ia s ver s ões , em ca d a u m a d e n os s a s s ocied a d es . Os qu e s em p r e con s egu em s e m a n ter for a d o a lca n ce d os n os s os métodos de policiamento. — Como Nico. Você teve s or te, Damien p or ele ter m or r id o n a qu ele con fr on to. Ta lvez d eva for m a r e m a n ter u m a cor te, a fin a l, p a r a ga r a n tir s u a p r oteçã o. E a d e Syreena, ta m b ém . E les n ã o h es ita r ia m em ca p tu r á -la p a r a chegar até você. — E u s ei e, a p es a r d e ela s er for te, p r efir o n ã o exp ô-la a es s e d es ga s te. E s p ecia lm en te s e... — E le p a r ou , olh ou p a r a o ch ã o e ch u tou u m a p ed r a com u m s or r is o a ca n h a d o. — E s p ecia lm en te s e qu er em os com eça r u m a fa m ília , e eu s ei que ela quer. Graças a você, Jasmine, agora sei que isso é possível. — Você me surpreende, Damien. Nunca quis ter filhos! — Você também não. — Não sou do tipo maternal. — Não perca a oportunidade de mudar isso, Jasmine. — Eu, grávida? Nunca! — E quanto a se apaixonar?

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— É p a r a os p oeta s , n ã o p a r a m im . Qu er o d izer , n ã o a gor a . Nem tã o ced o. Tenho uma tarefa importante diante de mim. Preciso ajudar Stephan a preparar o exér cito, e ten h o d e coor d en a r os es for ços com n os s os em b a ixa d or es . Dep ois , vou ter de ajudá-lo a escolher embaixadores para a corte dos habitantes das sombras, p or qu e s ei qu e es tá p en s a n d o em en viá -los . Pr ecis a m os d e a lgu ém p a r a ir viver en tr e os m is tr a is . Algu ém m en ta lm en te for te p a r a r es is tir a o en ca n to d e s u a s vozes , e m u s ica l, ta lvez, p a r a p od er a p r ecia r o n ovo p os to. Algu ém s ilen cios o e recatado, que fale pouco, mas que, quando abra a boca, tenha muito a dizer. — Ah , é b om s a b er qu e vou ter u m a r ed e d e s egu r a n ça . S in to qu e a lgu ém está cobiçando meu trono — ele brincou. — Isso significa que vai ficar conosco? — Vou fica r n a corte — ela o cor r igiu . — Ach o qu e d evia s e in s ta la r n a Romênia, Damien. Nos s a ter r a n a ta l. A p r op r ied a d e que m a n tém lá é gr a n d e o b a s ta n te p a r a exp a n d ir s u a cor te com o é n eces s á r io, s em p er d er a p r iva cid a d e. E a in d a va i s ob r a r es p a ço p a r a r eceb er t od os os h ós p ed es qu e qu is er . Além d is s o, é m a is p er to d a s ter r a s d e s u a es colh id a . Des s a m a n eir a , ela va i p od er vis ita r a irmã mais vezes. E, quanto mais visitas ela fizesse, melhor. — Prometa-m e u m a cois a , Jasmine. Se Syreena p r ova r qu e é d ign a d o m eu trono, vai tratá-la com o respeito que ela merece? — S im . E m p ú b lico, s em p r e s er ei a s ú d ita qu e você es p er a qu e eu s eja . Mas, honestamente, nunca deixarei de pensar que ela é fraca demais para ser sua rainha. Damien r iu e a b r a çou -a . J a s m in e s u s p ir ou , con ten te com a d em on s tr a çã o d e a feto. E r a com o s e n a d a en tr e eles h ou ves s e m u d a d o. Com o s e n a d a ja m a is fosse mudar. Fa lta va m d u a s h or a s p a r a o a m a n h ecer qu a n d o eles fin a lm en te r eceb er a m n otícia s s ob r e o qu e a con tecer a n a b ib lioteca . Damien já h a via r evela d o a s r ecen tes d es cob er ta s s ob r e a h is tór ia d os va m p ir os e s eu s p os s íveis d es d ob r a m en tos p a r a o fu tu r o, e ofer ecer a u m em b a ixa d or p a r a a cor te d os habitantes das sombras, o que fora prontamente aceito. A m en s a geir a en via d a p or An ya , Nita , a b a n d on ou a for m a d e cor u ja e curvou-se diante de Siena e de todos os dignitários presentes. — Min h a r a in h a , tr a go n otícia s d a b ib lioteca . Qu a n d o lá ch ega m os , ela havia sido saqueada. Jinaeri é a única sobrevivente. Só se salvou porque adquiriu a for m a d e lêm u r e e es ca lou a s es ta n tes p a r a s e es con d er em u m ca n to a lto afastado. Os monges... Todos os outros... — Kelsey? — Damien perguntou. — Nã o s ob r eviveu . S in to m u ito. Ha via qu a tr o gu a r d as, tr ês m on ges , e u m a mistral, além de Kelsey. Lamento todos. — Prossiga. — Jinaeri relata que Ruth não estava sozinha. Havia um... vampiro com ela. — O quê? — Damien explodiu. — Como ela sabe que era um vampiro? 117


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— E le r a s gou o p es coço d a mistral e a d eixou s a n gr a r a té a m or te. S ó u m va m p ir o p od er ia s u p er a r o ca n to d e u m a mistral e exib ir s u a s p r es a s . E les ch ega r a m telep or ta d os , a ta ca r a m e s a qu ea r a m a b ib liot eca . Nã o h á r a s tr o qu e possamos seguir. E isso é tudo que sabemos. — Eu posso ir atrás dela. Vou matar aquela... — Não, Damien. Nã o p od e en fr en ta r Ruth s ozin h o. E ela es tá a com p a n h a d a p or u m va m p ir o — Noah argumentou. — Ch egou a h or a d e r ea liza r m os u m esforço concentrado. — Quanto mais tempo eles tiverem, pior será — opinou Jasmine. — Tem os qu e cor r er o r is co — p er s is tiu Noa h . — Pr ecis a m os n os p r ep a r a r . Não vou sacrificar mais gente por causa dessa psicótica. E meu povo é o que corre maior risco com a associação desse vampiro a Ruth. Estamos todos em risco, mas são os demônios que têm o tipo de poder que os vampiros cobiçam. Por enquanto, o m elh or a fa zer é fica r lon ge d ela . Va m os a ler ta r tod os os m em b r os d e n os s a s s ocied a d es . S e os d eixa r m os es p a lh a d os e desprevenidos, eles s er ã o com o cordeiros esperando pelo sacrifício. Damien começou a andar pela sala, impaciente. — Nã o p os s o toler a r es s a fa lta d e a çã o p elo tem p o qu e es tã o p r op on d o — ele d is s e, s u b ita m en te. — S er ia im p er d oá vel d eixa r es s a op or tu n id a d e p a s s a r quando Ruth pode ser rastreada agora... hoje. — E d ep ois fa r em os o qu ê? Lu ta r em os con tr a s eu p od er incomensurável a s s im com o o d o va m p ir o d es con h ecid o? Um p od er qu e m a tou d iver s os Nightwalkers d e u m a vez? — qu es tion ou Siena. — S in to-m e com o você, Damien, m a s p er d i m u ita s p es s oa s b oa s p a r a es s a vadia a s s im com o Noa h , e a p r en d i qu e caçá-la em u m im p u ls o n u n ca n os leva a lu ga r n en h u m . Pes s oa lm en te, voto p ela sua ideia or igin a l d e cr ia r u m a r ed e, u m s is tem a d e m on itor a m en to. Ruth vai tropeçar nos próprios pés e... — Com s or te a n tes d e ela ter p od er s u ficien te p a r a n os m a ta r à s cen t en a s — disse Damien, com sarcasmo. — Minha ideia s e refer ia a fu tu r a s ocor r ên cia s , e n ã o a ign or a r o p r es en te. Ma s d iga m os p or u m m om en to qu e qu eir a m os qu e es s e tipo de colaboração funcione no futuro. Que melhor maneira de provar aos nossos s egu id or es qu e d a r á cer to d o qu e s e tod os n es ta s a la e a qu eles m u ito p od er os os tomarem conta agora de Ruth de uma vez por todas? — E a r r is ca r o gr u p o d e líd eres qu e, a p ós m u itos m ilên ios , con s egu iu a p a z en tr e a s es p écies ? S e a lgu m d e n ós m or r er , Damien, as consequências afetarão todos os povos, e essa calma é muito recente para sobreviver a isso. Damien olhou Syreena com fr ieza a s s im qu e ela s e m a n ifes tou . For a a lgo im p u ls ivo d izer o qu e es ta va p en s a n d o, s em s e p r eocu p a r com a m a n eir a com o ele r eceb er ia o com en tá r io. E la s e a cos tu m a r a a m a n ifes ta r s u a op in iã o m es m o con tr a a a u tor id a d e d e Siena. Até s en tir o d es a gr a d o d o p r ín cip e, n ã o tin h a p er ceb id o com o ele p od ia en ca r a r s u a p os içã o, qu a n d o es p er a va a p oio d e s u a p a r te. Por ém , n ã o s e a r r ep en d er ia d o com en tá r io, n em s equ er p or a m or a ele. Havia muito em risco. — Enquanto isso — Syreena prosseguiu com mais suavidade —, deveríamos leva r a ca b o a s a ções qu e d is cu tim os , a s s im com o a lgu m a s ou tr a s . A b ib liot eca , 118


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ou o qu e r es tou d ela , d eve s er tr a n s fer id a . Ain d a h á m u itos tes ou r os n o a cer vo, cois a s qu e Ruth n em im a gin a . É a s s im qu e va m os n os p r oteger , gu a r d a n d o es s e conhecimento pelo bem das gerações futuras que um dia podem precisar dele. — E n tã o, tem os u m p la n o — Malaya con clu iu com fir m eza . — E m u it a s eta p a s a r ea liza r a n tes d e p ô-lo em p r á tica . O p r im eir o p a s s o é qu e n os aperfeiçoemos no policiamento, para manter a ordem entre os nossos. — E m s egu n d o lu ga r , p r ecis a m os coloca r em b a ixa d or es em tod a s a s cor tes p a r a con h ecer m os m elh or u n s a os ou tr os . A ver d a d e. S em es p ecu la çã o ou preconceito — acrescentou Tristan. — E m ter ceir o, d evem os p r oteger a b ib lioteca — d is s e S yr een a . — E la s er á in s ta la d a em loca l com u n itá r io on d e p os s a s er vis ita d a com fa cilid a d e e segurança, um lugar protegido por todos nós. — E , p or fim , tem os d e a ler ta r tod os os Nightwalkers s ob r e a a m ea ça a qu e estamos expostos — lembrou Damien. — E vamos formar uma rede multicultural. Uma versão Nightwalker das Nações Unidas, podemos dizer. — É is s o. Policia m en to, p r ep a r o, p r oteçã o, e tranquilidade — r es u m iu Syreena, com um sorriso. — E p r op a ga n d a — Noah sugeriu. — Um a r eu n iã o m en s a l com o es s a qu e tem os a qu i, a b er ta , b em d ivu lga d a , d e for m a qu e a qu eles qu e n os s egu em en ten d a m p er feita m en te qu a is s ã o os ob jetivos . Des s a vez, fa r ei tu d o qu e p u d er p a r a m a n ter a b er tos os ca n a is d e com u n ica çã o en tr e os Nigh twa lk er s d e tod a s a s raças. Todos concordaram.

CAPÍTULO V

S yr een a a n d a va p elos cor r ed or es d o ca s telo d e Da m ien n a Romênia. Ele s a ír a p a r a ca ça r , e J a s m in e for a a té a m a n s ã o n a Ca lifór n ia , m a s r etor n a r ia em b r eve. A p r in ces a es ta va s egu r a en tr e a s es p es s a s p a r ed es d e p ed r a . O lu ga r er a u m a m is t u r a d e ca s telo e m on a s tér io, com tor r es s e er gu en d o em tor n o d e u m a área retangular d e on d e s e a b r ia m d iver s os a p os en tos . Da m ien p a s s a r a d éca d a s lon ge d a li, m a s n ã o n egligen cia r a a p r op r ied a d e. Nã o fos s e p elo b r a ço fraturado, ela s e ter ia tr a n s for m a d o n o fa lcã o p a r a s ob r evoa r o lu ga r e a p r ecia r m elh or s u a beleza. E ainda poderia fugir das teias de aranha que via nos cantos. As criaturas causavam arrepios que ela não conseguia conter! — Eca! — reclamou ao sentir no rosto uma das armadilhas sedosas. — Acho que você tem uma aranha no cabelo. 119


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S yr een a ofegou , leva n d o a m ã o a o ca b elo con for m e vir a va p a r a en ca r a r Damien. — Onde? — Bem a tr á s d a qu ela p a r te d e s u a ca b eça qu e gos ta d e m e con tr a d izer diante de mais de meia dúzia de dignitários visitantes. — Damien! — Bateu com força no ombro dele, obrigando a recuar um passo enquanto ele ria. — Não tem graça. — A ex-monja tr ein a d a p a r a m a ta r com a s p r óp r ia s m ã os tem m ed o d e aranhas? — É m in h a fu n çã o con tr a d izer egos r ea is in fla d os , es p ecia lm en te qu a n d o eles querem sair correndo para ter a cabeça arrancada. — Nunca percebi que tinha tão pouca confiança em minhas habilidades. — Você mesmo sabe que não enfrentaria Ruth sozinho. Por que não fez isso qu a n d o foi m e r es ga ta r ? Teve a op or t u n id a d e, o tem p o e a for ça e tod o o s eu poder. Por que não a eliminou de uma vez por todas? — Porque eu estava ocupado salvando seu traseiro insolente e ingrato. — Uma vida em troca de dúzias de outras que estaria salvando? — Uma vida muito importante para mim. — Bom. Lembre-se d is s o d a p r óxim a vez qu e eu con tr a r iá -lo d ia n te d e m a is de meia dúzia de dignitários. Ele suspirou profundamente. — Lembrar-me ou me arrepender? — Muito engraçado. Damien sorriu, incapaz de se conter. Ela o encantava. — Acho que nós dois podemos mesmo fazer isso dar certo a longo prazo. — Fico feliz que você acredite nisso — ela disse, com um sorriso travesso. Damien puxou-a para perto de seu corpo. — Você vai ser feliz aqui? — Ele a abraçou. — Longe da sua casa? — É cla r o qu e s im . S ien a n ã o p r ecis a m a is d e m im . Ta lvez m in h a a u s ên cia s ir va p a r a ela s u p er a r o m ed o d e ter filh os . O p ovo es p er a u m h er d eir o p a r a o trono. — Siena tem medo de ser mãe? — Pa vor ! E la a in d a n ã o p er ceb eu , s ó is s o. E E lija h ta m b ém n ã o n otou qu e ela está adiando a procriação. — E lija h ... p a i! — Da m ien n ã o con teve o r is o. — E le n ã o va i s a b er o qu e fazer com um bebê! — Tem r a zã o. Pen s a n d o b em , fico feliz p or n ã o es ta r lá . E les m e d eixa r ia m exausta! — As crianças? 120


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— Não, os pais! — E você, doçura? Não quer ter filhos? — Você quer? — E s s a é u m a d a qu ela s qu es tões im p or ta n tes qu e a in d a n ã o d is cu tim os , não é? — Sim. Eu sempre quis encher uma casa de filhos... — Não essa casa, espero. — Ele riu. — Nã o! Defin itiva m en te n ã o ta n tos p a r a en ch er es s a ca s a . — E la s or r iu . — Bem, talvez possamos procurar uma maior... — Engraçadinha... Falando sério, Syreena, o que você quer? — Qu er o s er feliz — ela r es p on d eu com s im p licid a d e. — Um d ia d e ca d a vez. Um a d is cu s s ã o d e ca d a vez. Um filh o d e ca d a vez. A vid a é m u it o volá til p a r a planejarmos o futuro distante. Especialmente agora. — E n ten d o. Ma s n ã o a ch o qu e d evem os s u s p en d er nossa vid a p or m ed o d o que Ruth possa fazer. — Ma s p od em os a gir à s p r es s a s e n os a r r is ca r ? Damien eu n ã o en ten d o você. Segu r o p a r te d o tem p o, d es cu id a d o em s egu id a ? Você m e d es eja e qu er filh os , e h á m en os d e u m a h or a es ta va con s id er a n d o a lgo p r óxim o d o s u icíd io. Não esp er o qu e s en tem os tranquilamente en qu a n to ou tr os s e a r r is ca m p or n ós , m a s es p er o qu e você s e lem b r e d e qu e n ã o o ú n ico a con s id er a r a gor a . Nã o s a b e que leva meu coração com você aonde vai? — As s im com o você leva o m eu . — In clin ou -s e p a r a b eijá -la n a t es ta . — Você tem razão, e eu sinto muito. Prometo que vou ser mais cuidadoso em relação a os s eu s s en tim en tos e op in iões n o fu tu r o. E u es ta va a b or r ecid o a n tes . Ain d a estou me adaptando a essa nova e súbita profundidade de sentimentos. — Eu sei... Damien, você confia em mim? — Que tipo de pergunta é essa? — E s ta va a p en a s p en s a n d o s e a lgu m d ia va i con tem p la r a p os s ib ilid a d e d a troca comigo. — Por que não? — Por qu e é a s s u s ta d or ! Da r p a r te d e s i m es m o s em s a b er o qu e va i a con tecer ... E u n ã o s a b ia o qu e es ta va fa zen d o qu a n d o você receb eu a qu ela p a r te de mim que fez de você corvo. Não tive de escolher. — Está arrependida? — Nã o. E s tou feliz p or tu d o ter a con tecid o com o foi. Nã o s ei s e ter ia s id o ca p a z d e es colh er . Lem b r e-s e, eu n ã o er a m u ito b oa p a r a d ecid ir a s cois a s sozinha. Ainda não sou. — Mas está melhorando. Você quer completar a troca, Syreena? E la h es itou , s en tin d o-o ob s er vá -la com exp ecta tiva . Fica r a s a b en d o d a qu ilo apenas algumas horas antes, e sua maior preocupação era o que aconteceria com ela . Nã o qu e tives s e m u ito a t em er . Qu a n d o er a cr ia n ça e a d oecer a , Windsong a 121


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cu r a r a d es p eja n d o n ela s eu es p ír ito p or m eio d a s ca n ções m ís tica s , e d es s a in ter ven çã o s e or igin a r a s u a p or çã o a ve. Os m is tr a is s ó s e tr a n s for m a va m em p á s s a r os . Nã o p od ia s er coin cid ên cia qu e ela fos s e ta m b ém u m fa lcã o. Dep ois s u r gir a o golfin h o, e a gor a p a r te d e Damien s e m es cla r ia à qu ela miríade qu e er a sua personalidade. — Damien... — E u s ei. S in to m u ito, m a s a cu r ios id a d e levou a m elh or . Nã o con s egu i resistir a espiar seus pensamentos. — Então, já sabe minha resposta. — Sim. Damien es ten d eu a s m ã os p a r a p u xá -la p a r a m a is p er to, a ga r r a n d o-a n a p a r te in fer ior d os joelh os p a r a d eslizá-la em s u a d ir eçã o. E la es cor r egou com fa cilid a d e s ob r e os len çóis a té qu e os qu a d r is toca s s em a p a r te in ter n a d e s u a s coxa s , e a s p er n a s b em tor n ea d a s o en volves s em . S en ta va m -s e fa ce a fa ce, m u ito p r óxim os . E le colocou a s m ã os n a cin tu r a d elga d a . Sua s tes ta s s e toca va m en qu a n to ele a b eija va d ivers a s vezes . E s ta va m n u s . Os mamilos r oça va m s eu peito, e ele se deliciava com a própria reação. — Adoro senti-la — murmurou de encontro aos lábios inchados. Syreena s or r iu b r evem en te, a n tes d e r eceb er ou tr o b eijo s en s u a l. Aca r iciou o n a s cos ta s , en ca n ta n d o-s e com a m a ciez e o ca lor d a p ele fir m e. Qu a n d o Damien tocou s eu s ca b elos , a s mechas en volver a m os b r a ços d ele a té a a ltu r a d o cotovelo com o cob r a s fa m in t a s . O ch eir o com b in a d o d e s u a s p eles in u n d a va o aposen to p r in cip a l d o ca s telo, on d e s e en con tr a va m . E la cor r es p on d eu com a r d or a o b eijo, s em a b a n d on a r a len ta exp lor a çã o d o cor p o musculoso. Pa r ecia qu e n ã o se tocavam havia muito tempo. — S olte m in h a s m ã os — ele d is s e b em -h u m or a d o, p u xa n d o d e leve u m caracol de seu cabelo. — Por que eu faria isso? — Porque quer que eu toque você. Ela não podia contrariá-lo, e então relaxou, libertando-o. Assim que ele se soltou da amorosa prisão, afagou-a no rosto, nos ombros e b r a ços . Com a s p on ta s d os d ed os , s egu iu a tr ilh a d o p es coço a os mamilos intumescidos, antes de tomar os seios nas mãos. Syreena sentia o corpo inteiro pulsar, sensibilizado com as carícias eróticas. Fechou os olhos, inspirando profundamente, tomada pelo calor. — Damien, a d or o s en tir s eu toqu e — m u r m u r ou d e en con tr o a os lá b ios dele. E le ca p tu r ou s eu s lá b ios en qu a n to p er cor r ia com a s m ã os s u a cin tu r a e quadris. Agarrou-a com firmeza, colocando-a no colo, posicionando-a com incrível in tim id a d e s ob r e ele. E la ofegou, s u r p r es a , a o s en tir o m em b r o ereto pressionando-a, mas logo se abandonou à sensação prazerosa, gemendo. 122


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— S en ti s u a fa lta — ele s u s s u r r ou em s eu ou vid o. — Nã o fa z m a is d e u m d ia qu e es tive a qu i, tã o p er to d e s eu cor p o, en volvid o em s eu ca lor , m a s a in d a assim senti sua falta. — Você a in d a n ã o es tá en volvid o em m eu ca lor — ela p r otes tou , contorcendo o corpo de encontro ao dele, demonstrando a frustração em relação a isso. — Pa r ece im p a cien te, d oçu r a — ele p r ovocou , s or r in d o, a n t es d e mordiscar o lóbulo de sua orelha, fazendo-a estremecer. — Diga-m e qu e você n ã o es tá — exigiu , p on tu a n d o o p ed id o com u m movimento provocante dos quadris. — Estou. — Damien em itiu u m grunhido a o s en tir o p u ls a r d a gr u ta ú m id a e quente que o recebia com evidente prazer. Deliciou-s e com s u a r ea çã o s em r es er va s e com a m a n eir a com o ela in clin a va a s cos t a s , p r om oven d o u m con ta to a in d a m a is ín tim o. Os b eijos a com p a n h a va m a s en s a çã o in igu a lá vel d a qu ele con ta to tã o in ten s o. Nes s e m om en to, ele s en tia qu e S yr een a con fia va n ele com p leta m en te. Ca s o con tr á r io, não se entregaria ao ato de completa exposição e vulnerabilidade. Syreena apoiou a mão em seu peito, empurrando-o alguns centímetros para fitá-lo n os olh os . E a qu ele olh a r p en etr a n te o fez lem b r a r p or qu e es ta va m a li naquele momento. Ela pegou a adaga de metal com uma inscrição em vampyr no cabo. — S erá cra v a d a e m qu alqu er coraçã o con trá rio a o m e u — ela leu em voz alta, impressionando-o com a habilidade de compreender seu idioma. — É um lema de família — ele explicou sorrindo. — Pa s s ion a l d em a is p a r a u m va m p ir o. — E la d es lizou a lâ m in a fr ia p or s eu peito. — Diga-me onde — pediu. — Em qualquer lugar. A escolha é sua, Syreena. A escolha era dela. Essa era a base do relacionamento entre eles. Mas, dessa vez, ela não vacilaria. Com seus corpos perfeitamente unidos e a confiança que Damien depositava nela, não havia necessidade de escolher. Moveu-s e tã o d ep r es s a , qu e ele qu a s e n em s en tiu o fr io d a lâ m in a n o p es coço. Um a gota d e s a n gu e b r otou d o cor te, cor r en d o r a p id a m en te p elo p eito e p elo a b d ôm en . O r a s tr o d eixa d o p ela s eiva d a vid a s e es ten d eu a té a tin gir o loca l on d e s eu s cor p os s e u n ia m . Syreena s oltou a a d a ga n o ch ã o e s e in clin ou , aproximando os lábios do pescoço de Damien. No momento em que a boca tocou sua pele, ele teve a sensação do equilíbrio d o m u n d o s e a lter a n d o à s u a volta . As p r es a s s u r gir a m com violên cia qu a n d o ela começou a sugar. S yr een a tin h a con s ciên cia d o efeito qu e exer cia . O m em b r o ereto pulsava d en tr o d ela , e ele gem ia com evid en te p r a zer . O s a b or n ã o er a o qu e ela es p er a va . Diferente da mistura de sal e metal que antecipara, era quase doce. E havia poder em s eu s a n gu e. Aqu ilo er a d ifer en te d e tu d o qu e ela p od er ia ter es p er a d o. E r a 123


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u m a m is tu r a d en s a , er ótica , en tor p ecen te. Nã o es ta va p r ep a r a d a p a r a o fogo qu e exp lod iu em s eu ven tr e e s e es p a lh ou p or s eu s m em b r os , qu a s e com o s e qu is es s e sair pelas extremidades das unhas e dos cabelos. Damien es ta va a u m p a s s o d o clím a x, exp er im en ta n d o tod a s a s s en s a ções qu e S yr een a d es cob r ia e ou tr a s qu e ele con h ecia . E la en cer r ou o con t a to d a b oca com s eu p es coço. J á h a via s or vid o m a is qu e o s u ficien te. E le a en volveu com os b r a ços e con tin u ou s e m oven d o, u r r a n d o com o u m a n im a l n o cio, a s p r es a s brilhando intensamente. Ton ta , ela fech ou os olh os e s e en tr egou a o er otis m o, d eixa n d o-s e leva r a o a b is m o d e on d e m er gu lh a r ia p a r a o p r a zer m a is a b s olu to qu e já s en tir a . Damien cr a vou os ca n in os a lon ga d os em s eu p es coço, em b or a já h ou ves s e ca ça d o n a qu ela n oite. O ca lor d o cor p o d e S yr een a o in u n d ou , a lim en ta n d o a luxúria. Nes s e m om en to, Damien en ten d eu p or qu e tu d o en tr e eles tin h a d e s er com o er a. Aqu ele er a o tem p er o d a vid a . E r a em oçã o e p a ixã o em for m a líqu id a , e s a b ia qu e n u n ca s e ca n s a r ia d a s en s a çã o. Nem em u m m ilên io. E r a a u n iã o d e a lm a s , o casamento de espíritos, sangue, e corpo. Era tudo. Ela era tudo. — E u a m o você — S yr een a arfou bem p er to d e s eu ou vid o, a ga r r a n d o-s e a ele. Damien s elou a s ferid a s a b er ta s em s eu p es coço e fitou -a. — E u a m o você — ela repetiu, ao ver seus olhos azuis. Ela soluçou, chorando de emoção e prazer. Damien n u n ca s en tir a o a r d er d a s lá gr im a s . E n ter r ou o r os to n a cu r va d o p es coço d ela , os cílios ú m id os em r es p os ta a os s en tim en tos exp os tos com ta n ta honestidade. Qu a n d o ela ch egou a o clím a x, foi com o s e s ofr es s e u m a con vu ls ã o. Tod o o cor p o s e en r ijecia e p u ls a va em es p a s m os s u ces s ivos , a com p a n h a n d o os r it m os dos soluços que ela não podia conter. Damien tin h a a im p r es s ã o d e es ta r d eixa n d o o m u n d o r ea l. Qu a n d o ch egou ao orgasmo com a p a r ceir a , teve cer teza d e qu e n en h u m a ou tr a for ça d o p la n eta podia ser tão intensa. E le ca iu s ob r e os tr a ves s eir os , e S yr een a la r gou -se s ob r e s eu p eito. Am b os r es p ir a va m com d ificu ld a d e, ten ta n d o s e r ecu p er a r . Damien n ã o im a gin a va n a d a mais completo do que o que experimentara. E la h a via d ecla r a d o s eu a m or . S em p r e s ou b er a d a exis tên cia d o sentimento, mas ouvir as palavras o afetara de uma maneira nova e ofuscante. De repente, acreditava ser capaz de qualquer coisa. Por qu e o a m or d e S yr een a p or ele s ign ifica va m u ito m a is d o qu e o a m or dele por ela. Acon ch ega d a a o p a r ceir o, Syr een a viu a lu m in os id a d e qu e in d ica va o n a s cer d o d ia . Sen tia -s e con ten te e s egu r a . Algo qu e s em p r e for a tem id o p or s eu p ovo, o s ol a gor a a n u n cia va qu e os in im igos es ta va m in a tivos , e qu e n en h u m d eles d eixa r ia a for ta leza n ova m en te a n tes d o a n oitecer . Além d is s o, es ta r p r es a no mesmo aposento que Damien reforçava a sensação de intimidade e segurança. — E u p os s o ou vir es s es p en s a m en tos a b s tr a tos m es m o s em ten ta r — ele murmurou. 124


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E la s or r iu e p er ceb eu qu e n u n ca s or r ir a ta n to em s u a vid a . S em p r e for a u m a p es s oa m u ito s ér ia . Des cob r ir a o h u m or a o ir viver com a ir m ã . Ma s er a Damien qu em p r ovoca va u m s or r is o a tr á s d o ou tr o d e u m a m a n eir a qu e n u n ca im a gin a r a s er p os s ível. Sen tia -s e con for tá vel con s igo m es m a p ela p r im eir a vez n a vida, e isso era necessário para tornar-se bem-humorada e feliz. — Vai sempre se tornar tão filosófica depois de fazermos amor? Ela riu, erguendo a cabeça para fitá-lo. — E s p er o qu e s eja a telep a tia a p a r te d e você qu e vou a d qu ir ir . Gos ta r ia muito de bisbilhotar seus pensamentos. — Doçu r a , eu a d or a r ia is s o, p ois m e p ou p a r ia a s p r elim in a r es — ele provocou. — Hu m m , ten h o cer teza qu e s im — d is s e, d es cr en te. — Ach o qu e você ficaria aborrecido se subtraíssemos as mordidas no pescoço disso tudo. — É verdade — ele con cor d ou , r in d o. — S in to m u ito s e m e d eixei leva r . Nã o consigo me conter. — Nã o s e d es cu lp e, Da m ien . Pa r ece n a tu r a l qu a n d o a con t ece. Nã o é u m a invasão. Pelo contrário, amplifica as sensações. — Acr ed ito n is s o. Nu n ca s en ti n a d a p a r ecid o a n tes . Você d a r ia u m a vampira excelente. — Obrigada. Syrena ergueu-se, apoiando-s e n os b r a ços , m a s p a r ou , em itin d o u m r u íd o de desconforto ao sentir o corpo protestar. — Dolorida? — Um pouco. Eu me sinto... Eu sinto como... — Como se tivesse sido virada do avesso? — ele completou — Sim. Claro, você sabe. — Mas acredito que foi um pouco mais violento para mim. — Permita-me discor d a r . E s tou a ch a n d o violen to n o m eu ca s o. — Gemeu ao mexer-se um pouco mais. S en tiu a s m ã os d ele s e es ten d er em p a r a a ju d á -la , m a s en tã o ele ficou imóvel, e ergueu o queixo como se ouvisse alguma coisa. — O que foi? Ele a olhou como se estivesse surpreso. — Na d a . Nã o, n ã o é ver d a d e. Nã o é n a d a m a u . Rela xe, d oçu r a , es ta m os seguros aqui. — Como sabe disso? — E s ta m os cer ca d os p or va m p ir os . E les s a b em qu e r etor n ei, e n u n ca permitiriam que um invasor se aproximasse da propriedade. — Pensei que vampiros não se congregassem na mesma área. 125


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— A Romênia é n os s a ter r a n a ta l. Aqu i é d ifer en te. Os va m p ir os d es s e p a ís es tã o liga d os à s m in h a s lin h a gen s p or ger a ções . E xis tem cer ta s lea ld a d es . Por is s o J a s m in e s u ger iu qu e viés s em os p a r a cá . E la s a b ia qu e es ta r ía m os p r otegid os de todas as ameaças quando eu me cercasse de aliados. — Então, o que está ouvindo? — Era uma mensagem telepática. — Que tipo de mensagem? E por que sonega tanta informação? — Ach o qu e n ã o es tou h a b it u a d o a ... b em , es qu eça . Foi s ó u m a s a u d a çã o. Um cu m p r im en to m u ito a n t igo s em equ iva len te lin gu ís tico. — Pa r ou p a r a ten ta r p en s a r em u m a exp lica çã o. — É u m a es p écie d e "tu d o es tá b em ". An u n cia o a m a n h ecer , m a r ca a p a s s a gem d o tem p o e r evela qu e tu d o es tá s ob con tr ole. S e a lgu ém r es p on d er , s ign ifica qu e h á a lgo er r a d o. É s em p r e b om fica r a ten to p a r a o caso de haver uma resposta. — Isso é tão... licantropo! — Não somos tão diferentes quanto podem pensar. — E s tou p er ceb en d o is s o. E u ... — E la p a r ou a o s en tir o qu a r to gir a r violentamente. — O que foi? — Damien inquietou-se. — Na d a . S ó u m a ton tu r a . Aí es tá , es s a é a p a r te d e você à qu a l es tou destinada. A falta de equilíbrio. — Nã o b r in qu e qu a n d o, d e fa to, n ã o es tá s e s en t in d o b em . E s p er o qu e n ã o tenhamos sido irresponsáveis ao fazer essa troca com tão poucas informações. — Ma s fom os in for m a d os ... — ela s e in ter r om p eu n ova m en te, a gor a sacudida por um tremor. — Syreena?—Ha via u m a fa lta d e tônus em s eu cor p o qu e o p r eocu p a va . E le a a m p a r ou , s en ta n d o-a s ob r e a s p er n a s e a p oia n d o s u a ca b eça con tr a o p eito, esperando que a vertigem amenizasse. — Vai passar — ela murmurou. — S a b e, m e ocor r eu qu e você n ã o tem s e a lim en ta d o, d es d e qu e com eçou a passar muito tempo com dois de nós, que não precisam de comida. Pode ser isso. — É , deve ser isso. Claro. Ela respirou profundamente e desmaiou nos braços dele. Damien es ta va en cu r r a la d o. Nu m a ca s a va zia , com o s ol b r ilh a n d o d o la d o d e for a , s em s u p r im en tos e s em m eios d e ob ter a ju d a . Syreena r es p ir a va com d ificu ld a d e. Deita d a n a ca m a , cob er ta p or u m len çol, ela p er d ia ca lor r a p id a m en te. E le n ã o con s egu ia en con tr a r exp lica çã o p a r a is s o, s e n ã o a qu ela que mais temia. Ele sobrevivera à sua parte da troca, mas fora por pouco. Jasmine garantira qu e a tr oca tin h a s id o b em -s u ced id a d iver s a s vezes n o p a s s a d o. Ma s , e s e a s m u ta ções d e S yr een a a tor n a s s em d ifer en te d os ou tr os Nightwalkers? S e a lgu m a coisa acontecesse a ela em função da experiência, ele não sobreviveria. 126


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Obrigou-s e a s e tranquilizar. E la es ta va p a s s a n d o p or u m a a lt er a çã o dramática em sua estrutura fisiológica. Precisava de tempo para se recuperar. Ele m es m o leva r a u m d ia p a r a s u p er a r o efeito. Pen s a r n is s o o im p ed iu d e en tr a r em pânico, mas não o ajudou a relaxar. Passou o dia em vigília, tão atento que sabia quantas vezes ela respirava em u m a h or a . Cer ca d e cin co h or a s d ep ois d o d es m a io, ela com eçou a r es p ir a r melhor, como se apenas dormisse. Sustentando-a con t r a o p eito, fech ou os olh os , m a s n ã o d or m iu . Cer ca d e três horas antes do anoitecer, ela começou a ficar inquieta, piscando sem abrir os olh os e r etor cen d o a b oca em in ter va los ir r egu la r es . De r ep en te, com eçou a s e contorcer b r u ta lm en te, com o s e tives s e u m p es a d elo. S a b er qu e ela m es m a fizer a a escolha não amenizava o desconforto que ele sentia diante de seu sofrimento. E la tr em ia , e os tr em or es s e in ten s ifica r a m a té qu e ele teve a im p r es s ã o d e qu e s u a colu n a s e qu eb r a r ia com os es p a s m os violen tos . Na qu ele m om en to, d es ejou qu e J a s m in e n u n ca tives s e m en cion a d o a tr oca . Na d a qu e d is s es s e r es p eito a o a m or e à u n iã o d ever ia s er tã o d olor os o, p en s ou com r a iva . E s qu eceu s e d e qu e ele m es m o n ã o tin h a s e im p or ta d o ta n to a p ós en fr en ta r o p r oces s o. Porém, tudo que ele conseguia ver era a mulher que amava sofrendo. Fin a lm en te, u m a h or a a n tes d o a n oitecer , ela m er gu lh ou n u m s on o p r ofu n d o. Nã o h a via m a is s on h os . A tem p er a tu r a d o cor p o volta va a o n or m a l como a respiração. A transpiração abundante havia cessado. E le tr ocou o len çol e, d eita d o a o la d o d ela , con tin u ou a cor d a d o, a in d a s u s ten ta n d o s u a ca b eça con tr a o p eito. Mes m o a s s im , n ã o n otou a s om b r a cin za n a lin h a d a tes ta , on d e os ca b elos n ovos cr es cia m r a p id a m en te, con tor n a n d o o rosto de Syreena. O cinza ia ganhando um tom mais escuro e o castanho também s e tor n a va m a is p r ofu n d o. Pela p r im eir a vez d es d e a en fer m id a d e qu e qu a s e a m a ta r a n a in fâ n cia , ela a d qu ir ia u m tom qu a s e u n ifor m e d e ca b elo. No fin a l, tod a s a s mechas er a m n egr a s , r elu zen tes , em b or a d e u m tom m en os in ten s o qu e o d e Damien. Res ta va m a lgu m a s mechas cin zen ta s e ca s ta n h a s , e o m a n to qu e com eça va em s u a ca b eça e d es cia p ela s cos ta s s e d ivid ia a gor a em p r eto, castanho e cinza, com o negro predominante. Qu a n d o S yr een a fin a lm en te a b r iu os olh os , já er a n oite. S en tiu -se in cr ivelm en te feliz a o p er ceb er qu e d es p er ta va en tr e os b r a ços d o p a r ceir o. Tod os os tr a ços d e ver tigem h a via m d es a p a recid o, m a s s en tia a lgu m a s á r ea s d o cor p o doloridas. Não sabia o quanto a metamorfose poderia ser precisa. Damien s en tiu s eu s p en s a m en tos a n t es m es m o d e ela s e m over , e a b r iu os olh os r a p id a m en te, fita n d o-a . A m u d a n ça e o cr es cim en to d os ca b elos er a m d r a m á ticos , e ele p r ecis ou d e a lgu n s in s ta n tes p a r a a b s or ver o im p a cto. Ain d a n ã o s e h a via r ecu p er a d o qu a n d o viu os olh os d e S yreen a . Agor a a m b os er a m negros, com reflexos cinzentos, castanhos, e de um azul-escuro. Por um momento, foi como fitar os olhos de uma estranha. Mas ela sorriu, e ali estava Syreena, a mulher que ele amava. Suspirou, aliviado. — Acho que tenho uma ideia do que vai absorver de mim — ele disse. — Incomoda-se de compartilhar?

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— Bem... — Ele se debruçou na beirada da cama e pegou a faca no chão. — Olhe para a lâmina. Ela viu o reflexo distorcido do próprio rosto. — Eu combino! E r a u m a excla m a çã o in fa n til d e d eleite, e ele ficou u m p ou co con fu s o. Im a gin a r a qu e ela p u d es s e fica r p er tu r b a d a com a qu ilo, e n ã o lh e ocor r er a qu e a n ova u n ifor m id a d e d e cores p od er ia s er prazerosa p a r a ela . E en ten d eu o motivo. Ap es a r d e a cor a in d a s er ú n ica , n ã o er a a lgo qu e a m a r ca s s e com o u m s er d ifer en te. E la con tin u a va vir a n d o a lâ m in a p a r a a p r ecia r s u a n ova a p a r ên cia d e diferentes ângulos. — Eu gostaria de saber o que significa — ela disse suavemente. — O que significa? — O negro, Damien. Lembra? A cor do cabelo de um licantropo representa a forma que ele toma. — Um corvo? — É p ou co p r ová vel. E u lh e d ei es s a for m a . Du vid o qu e p os s a d evolvê-la . E m eu b r a ço... — E la s e s en tou e r em oveu a b a n d a gem e a ta la , s or r in d o a o movimentá-lo perfeitamente. — Quero voar! — Syreena! Mas ela já corria para a janela e a abria. — Syreena! E se você perdeu o falcão? — Eu saberia. Ele ainda está comigo. E la m er gu lh ou n o a r a in d a em s u a for m a h u m a n a . Da m ien cor r eu a té a janela com o coração apertado, quase temendo olhar para baixo. Logo, avistou-a. S eu cor p o a tlético d es cr eveu u m a r co a s cen d en te, p a s s a n d o d ia n te d a ja n ela com o u m a flech a . A lu a b r ilh a va s ob r e os ca b elos n egr os d e s u a for m a mista, asas largas transportando-a pelo céu como uma criatura mítica, um anjo. No in s ta n te em qu e o cor vo s a ltou p a r a unir-se à p a r ceir a , ela s e tr a n s for m ou n o fa lcã o, qu e a gor a os ten ta va a n ova cor d e s eu ca b elo. As cos ta s er a m n egr a s , a b a r r iga er a d e u m cin za s u a ve, e tod o o r es ta n te d o cor p o er a escuro como carvão. Fa lcã o e cor vo m er gu lh a r a m com a s in cr on ia im p r es s ion a n te d a s a ves . S yr een a o con d u zia . S a b ia qu e s er ia n eces s á r io a lgu m tem p o a té ele d es en volver s u a s h a b ilid a d es , m a s já h a via a p r en d id o o s u ficien te p a r a s e m a n ter n o a r . E la tom ou a d ir eçã o d o la go e, m a is u m a vez, transformou-se n o a r , a s s u m in d o a for m a d e qu e ta n ta fa lta s en tir a , o á gil golfin h o. E la cor tou a s u p er fície d a á gu a em a lta velocid a d e e s em ca u s a r r es p in gos . O golfin h o s e m ovia com o u m r a io cinzento, desafiando o olhar com sua espantosa velocidade. Da m ien p ou s ou n a m a r gem d o la go, r etom a n d o s u a for m a m a is n a tu r a l. Ela emergiu como mulher, sua risada exultante enchendo-o de alegria. — Só uma semana, mas parece tanto tempo! — Syreena exclamou. 128


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— Então, existe alguma diferença além da coloração? — Sim, certamente, mas ainda não sei o que é. — Não consegue ouvir meus pensamentos? — Sim, eu escuto, mas não tem nada a ver com telepatia. — Ela ergueu uma das mãos, chamando-o com sensualidade. — Humm, o resultado é o mesmo — ele disse, mergulhando. Quando ele emergiu, emitiu um chiado ofegante. — Isso mesmo. Estamos no inverno, não? — Deixe-me adivinhar: não está sentindo a temperatura da água? — Não muito — ela concordou, deixando-se abraçar. — Mas sinto suas mãos frias. — Mas não como antes. — Por qu e eu es ta va p r ep a r a d a . E p or qu e n ã o es tou n a m in h a for m a inteiramente humana. Só então ele sentiu uma longa cauda batendo em suas pernas. — Or a , or a , s e n ã o é a p equ en a s er eia . — E le r iu , a ca r icia n d o s u a s cos ta s e sentindo a textura da região onde pele encontrava escamas. — Não me peça para cantar! Sou muito desafinada. — Até m es m o com o es p ír ito d a s er eia em você? Difícil d e a cred ita r . — Beijou-a antes que ela pudesse responder. — Ach ei qu e tives s e ou vid o r ecla m a ções qu a n to à tem p er a tu r a d a água — ela murmurou, aconchegando-se ao corpo imerso. — S im , m a s con for m e p er co o ca lor d o cor p o, fica m a is fá cil. Ach o qu e você n ã o p od e d izer o m es m o. Im a gin o com o va i r ea gir à s m ã os gela d a s d o p r ín cip e desta vez. Ela riu e se soltou, mergulhando com surpreendente agilidade. — Pa r a d es cob r ir , va i ter qu e m e p ega r ! — gr it ou , a gita n d o a ca u d a d e maneira insolente para espirrar água nele. Da m ien n ã o a s egu iu . Pa r a d o on d e es ta va , es p er ou qu e ela tives s e d e volta r à ton a p a r a r es p ir a r . Qu a n d o is s o a con teces s e, ter ia d e a qu ecê-lo com o penitência. J a s m in e en tr ou n o ca s telo e ten tou id en tifica r a p od er os a m a r ca d a presença de Damien. E le es ta va lá for a . Im p a cien te, s u s p ir ou a o r econ h ecer a p r es en ça d e s u a nova sombra. A mulher nunca o deixava em paz? os

Ter ia d e s e r es ign a r com is s o. Da m ien p r eten d ia mantê-la a o s eu la d o com o h u m a n os m a n tin h a m a n im a is d e es tim a çã o. Um a com p a r a çã o m u ito 129


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apropriada, considerando-se qu e ela er a m a is a n im a l d o qu e qu a lqu er ou tr a coisa. J a s m in e ter ia d e s e a d a p ta r à s m u d a n ça s . Consolava -se com os a con tecim en tos qu e s e a p r oxim a va m tã o r a p id a m en te. Pelo m en os , n ã o fica r ia en ted ia d a . Por ou tr o la d o, p r ova velm en te h a ver ia a lgu m a s b a ixa s in d es ejá veis . E Damien tinha grande chance de estar no topo da lista. Por ém , já fizer a s u a es colh a . Decid ir a fica r a li. Per m a n ecer ia a o la d o d o h om em qu e er a com o u m ir m ã o e u m p a i p a r a ela . E s u p or ta r ia a p r es en ça d e S yr een a . Da m ien p r ecis a va d e s u a a ju d a , e n ã o o a b a n d on a r ia em u m m om en to tão perigoso. E m b or a h ou ves s e s id o d ecid id o qu e s e es p er a r ia p elos in im igos , J a s m in e h a via tom a d o u m a d ecis ã o p es s oa l. Con cor d a va com a n eces s id a d e d e tem p o e es for ço p a r a a b or d a r em a s itu a çã o d a m a n eir a m a is a p r op r ia d a , m a s h a via a lgo que podia e devia ser feito imediatamente. Dep ois d e p en s a r n is s o o d ia tod o, d ecid ir a in clu ir Da m ien em s eu s p la n os . E le m a n ifes ta r a s u a op in iã o s ob r e o a s s u n to d e ta l for m a qu e, a gor a , tin h a recursos para convencê-lo de seu ponto de vista. Des d e qu e s u a a m igu in h a n ã o tives s e op or tu n id a d e d e s e op or . Nes s e ca s o, S yr een a o a fa s ta r ia d o ca m in h o qu e ela tr a ça r a . Algo qu e cos tu m a va fa zer com uma frequência irritante. O tr u qu e con s is tia em s ep a r á -los p or tem p o s u ficien te p a r a con ven cer Da m ien d e qu e s u a id eia er a b oa . Tin h a u m p la n o p a r a is s o, e já com eça ra a colocá-lo em p r á tica . E m p ou co tem p o, a lia d os com eça r ia m a ch ega r , e eles r eor ga n iza r ia m e r evita liza r ia m o ca s telo. E s er ia m a is ca id ea l p a r a a princesinha. S egu iu p a r a os a p os en tos qu e s em p r e ocu p a r a n o ca s telo. Agor a , er a m p r óxim os d em a is d os d e Da m ien , e, p or is s o, es colh er ia ou tr os n a a la m a is afastada do adorável casal. E n qu a n to es p er a va p ela ch ega d a d os ou tr os , com eçou a tr a n s fer ir s u a s coisas. Damien interrompeu o beijo para olhar para o castelo. — Temos companhia — ele disse. — Vamos ver se adivinho... — S im , é J a s m in e. — E le r iu . — Ma s eu n ã o m e p r eocu p a r ia com is s o. Há va m p ir os s e m oven d o n es s a d ir eçã o. Vá r ios . Devem s er os a lia d os qu e vã o fica r conosco no castelo. — Lembre-m e d e d izer a ela o qu a n to s ou gr a ta p or is s o — Syreena com en tou com ir on ia . E m u m a cor te ch eia e m ovim en ta d a , ter ia m p ou ca s op or tu n id a d es p a r a a d elicios a in tim id a d e qu e vivia m n o m om en to. Dep ois d e qu in ze a n os s en d o con s ta n tem en te ob s er va d a , a d or a r ia ter m a is tem p o p a r a viver em paz, sem olhos atentos acompanhando cada um de seus passos.

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— E la n ã o é tota lm en te r es p on s á vel. Os ou tr os s en tir a m m in h a p r es en ça e foram atraídos por uma combinação de tradição e curiosidade. Damien s a b ia qu e ela en ten d ia qu e s er ia m elh or a s s im , em b or a o m om en to fosse de perigo. A relação entre eles se tornaria conhecida, e teriam de enfrentar a op in iã o p ú b lica e a r ea çã o d o p ovo. E la d evia es ta r p r eocu p a d a . Ma s va m p ir os n ã o er a m com o os lica n tr op os n es s e s en tid o. Os qu e d is cor d a s s em d a ideia do r ela cion a m en to n ã o a n u n cia r ia m a b er ta m en te, p r efer in d o gu a r d a r s egr ed o e a d equ a r a s itu a çã o a p r op ós itos p r óp r ios . A m a ior ia , p or ém , d eixa r ia d e s e in ter es s a r p ela h is tór ia r ela tiva m en te d ep r es s a . E s s a er a u m a cir cu n s tâ n cia em que a instabilidade dos vampiros seria conveniente. S yr een a e Damien r etor n a r a m ju n tos p a r a a n ova ca s a , on d e s e ves tir a m par a r eceb er os qu e logo ch ega r ia m . E la ficou p r on ta p r im eir o e, qu a n d o es ta va saindo, chocou-se contra Jasmine. A fêm ea d e va m p ir o com eçou a s e d es cu lp a r , m a s ca lou -s e a o p er ceb er a a lter a çã o n os ca b elos e n os olh os d a p r in ces a . S yr een a com p r een d ia a s u r p r esa em s eu s olh os , e via cla r a m en te qu e, a lém d o ch oqu e, h a via ta m b ém u m profundo descontentamento com a transformação. — Pelo qu e vejo, vocês con clu ír a m a t r oca — ela com en tou fin a lm en te. — E u os con gr a tu lo p or is s o. S ã o os p r im eir os em m ilh a r es d e a n os a r ea liza r es s a eta p a d a u n iã o. S e p r ecis a r d e a ju d a p a r a o r es ta n te d a cer im ôn ia , n ã o h es ite em me procurar. — É cla r o. — S yr een a es ta va s u r p r es a com a in u s ita d a generosidade. — Damien me disse que os aliados estão chegando. — Sim, logo estarão aqui. Suponho que esteja ansiosa. Ma is u m a vez, S yr een a teve a s en s a çã o d e qu e J a s m in e es con d ia a lgu m a cois a e qu e, p or is s o, s en tia gr a n d e p r a zer com u m a a fir m a çã o a p a r en tem en te banal. — Por quê? — Agor a , é a s en h or a d es s e ca s telo, p r in ces a . E , com o ta l, ter á d e tom ar todas as providências para que funcione perfeitamente. Sempre desempenhei esse papel, mas agora ele é seu. — Ah , s im , en ten d o. Bem , es tou fa m ilia r iza d a com is s o. Ad m in is tr ei a ca s a de minha irmã dessa mesma maneira. J a s m in e s or r iu . S er ia d iver tid o ver a lica n tr op o ten ta n d o d a r or d en s p a r a uma equipe de vampiros. — E n tã o, s u gir o qu e vá r eceb ê-los . E les já es tã o n a p or ta . — S egu r a n d o o b r a ço d e S yr een a , ela a con d u ziu n a d ir eçã o cer ta . — E vã o con tin u a r ch ega n d o d u r a n te t od a a n oite. Você va i con s egu ir d ifer en cia r os cr ia d os d om és ticos d os serviçais d e p os içã o m a is eleva d a , é cla r o. S yb il, qu e n o p a s s a d o foi n os s a gover n a n ta , s er á a p r im eir a a a p a r ecer , s e a con h eço b em , e s er á u m a excelen te assistente para você.

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Damien es ta va en cos ta d o a u m a p a r ed e, os b r a ços cr u za d os s ob r e o p eito, os olh os es cu r os s egu in d o a p a r ceir a qu e, a gita d a , s e in cu m b ia d e or ga n iza r t u d o n a ca s a . E la or ien t a va cr ia d os , cu m p r im en ta va h ós p ed es , e tr a ta va a tod os com cor tes ia e a ten çã o. A ca s a , ela exp lica va , es ta r ia em or d em em a lgu m a s n oites , e en tã o ela or ga n iza r ia u m a r eu n iã o p a r a tod os qu e d es eja s s em p r es ta r s u a s h om en a gen s a o p r ín cip e. E la evita va ofen d ê-los r ecu s a n d o d ir eta m en te a com p a n h ia d eles , va len d o-s e d e u m a s im p a tia e d e u m a gr a ça qu e er a m p u r a diplomacia. Per ceb eu qu e n in gu ém qu e n ã o es tives s e m u ito a ten to d ir ia qu e ela n ã o er a va m p ir o. Pr im eir o, er a u m a ideia in con ceb ível qu e Damien es ta b eleces s e u m a u n iã o com u m a fêm ea qu e n ã o p er ten cia à r a ça e, p or ta n to, n ã o h a via r a zã o p a r a es p er a r p or is s o. Os qu e es ta va m in tr iga d os p or ela n ã o d es p er ta r a qu ela s en s a çã o qu e a ler ta va os va m p ir os p a r a a p res en ça u n s d os ou tr os n ã o ia m a lém d e u m in tr iga d o er gu er d e s ob r a n celh a . S e a lgu ém a exa m in a s s e va len d o-s e d a s membranas oculares s en s íveis a o ca lor , s a b er ia im ed ia ta m en te a ver d a d e, p or qu e ela seria um lampejo fulgurante de vermelho na visão daquelas criaturas. E n es s e m om en to h a ver ia u m a r ea çã o. Por is s o, Damien os ob s er va va atentamente, pronto para interferir em caso de alguma resposta adversa. Logo o equ ilíb r io en tr e a qu eles qu e a li es ta va m p a r a tr a b a lh a r ou m or a r n a ca s a ch egou a o p on to a p a r tir d o qu a l Damien p od ia r ela xa r . Aqu ela s er a m a s pessoas mais leais que conhecia, seres que haviam defendido sua casa arriscando a p r óp r ia vid a . Do m or d om o à lavadeira, s u a s fa m ília s o s er via m h a via er a s e con s id er a va m is s o m otivo d e or gu lh o. Pa r a ele, n ã o im p or ta va qu e fos s em os m en os p od er os os d a es p écie, o qu e os lim ita va à qu ela ca m a d a s ocia l n a cu lt u r a dos vampiros. Havia nesse povo aparentemente submisso um poder que superava de longe os daqueles com quem Damien se relacionava na esfera pessoal. E r a o p od er d o con ten ta m en to, d a lea ld a d e, d a s a tis fa çã o, cois a s tã o elu s iva s p a r a os qu e d etin h a m h a b ilid a d es s u p er ior es . S ó a gor a en ten d ia tu d o is s o. E s s e p od er vin h a d a tranquilidade, d e n ã o ter em d e s e p r eocu p a r com a p os s ib ilid a d e d e, a qu a lqu er m om en to, a lgu ém os es fa qu ea r p ela s cos ta s ou a r r a n ca r s u a ca b eça . E r a m cr ia tu r a s qu e h a via m es ta d o s em p r e lim ita d a s à m es m a ter r a , a o m es m o clã , a os m es m os r ela cion a m en tos . S em p r e. E is s o d a va a eles segurança, em vez de tédio. Damien estava fascinado. Agor a qu e ta m b ém en con tr a r a con ten ta m en to, ele s en tia u m a gr a n d e a legr ia em p od er a s s is tir à qu ela d in â m ica . E vita r a a qu ela ter r a e a qu ela s p es s oa s p or m u ito tem p o p or qu e eles o a b or r ecia m e fr u s tr a va m com s eu s p r a zer es aparentemente simplistas. Antes, não compreendia a vida como agora. Podia perceber, pela atmosfera jubilante, que todos estavam felizes com seu retorno. Tinham sentido falta da presença de seu príncipe. S e os d e p os ições m a is elevadas o receb es s e m tão b e m ... Mas lidaria com isso quando fosse a hora. Qu a n d o p er ceb eu qu e h a via n o s a lã o p elo m en os d ez va m p ir os d om és ticos con h ecid os , a fa s tou -s e d a p a r ed e. Nin gu ém ca u s a r ia p r ob lem a s , a gor a qu e tod os tin h a m vis to qu e Syreena com a n d a va a ca s a com s u a a p r ova çã o. Os qu e a gor a a cer ca va m ga r a n tir ia m s u a p r oteçã o, ca s o a in d a h ou ves s e a lgu m tolo com a 132


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in ten çã o d e d es a fiá -la . E r a evid en te qu e ela er a a p a r ceir a d o p r ín cip e, e s er ia respeitada e protegida tanto quanto ele. E le a p r oveitou a op or tu n id a d e p a r a p r ocu r a r Jasmine, qu e h a via s olicita d o u m a a u d iên cia p r iva d a a s s im qu e fos s e con ven ien te. Com o qu er ia fa zê-la en ten d er qu e a in d a er a im p or ta n te e qu e va lor iza va m u it o s u a op in iã o e s u a presença, decidiu que era uma boa hora para atender ao pedido. Jasmine in s tr u ía Lú cia , u m a cr ia tu r a p equ en in a e d elica d a , s ob r e com o ela qu er ia qu e o qu a r to fos s e m a n tid o, e com o s u a s cois a s d evia m s er or ga n iza d a s , quando Damien a en con tr ou . E la h a via s e m u d a d o p a r a u m a a la a fa s ta d a , d ep ois de cinco séculos ocupando o quarto em frente ao dele. E le s en tia u m a in ten s a d or em s eu cor a çã o a o ob s er va r es s a r es is tên cia p a s s iva à s m u d a n ça s em s u a vid a , m a s fizer a tod o o p os s ível p or ela , e a gor a ela fa zia tu d o qu e p od ia p a r a s e a d a p ta r . Ta lvez o tem p o tr ou xes s e s olu ções melhores. — Queria falar comigo? — Damien perguntou ao entrar. Teve d e con ter o r is o a o ver Lú cia fitá -lo com olh os m u ito a b er tos e a s s u s ta d os . J ovem , ela n u n ca h a via es ta d o n a p r es en ça d o p r ín cip e va m p ir o antes, e devia se sentir intimidada por histórias e rumores que tinha ouvido. — Damien — J a s m in e o cu m p r im en tou com u m s or r is o ter n o, cor r en d o a abraçá-lo. — Fico feliz por ter vindo. Há algo que gostaria de discutir com você. Com o b r a ço en tr ela ça d o a o d ele, conduziu-o p a r a empoeirada e vazia.

uma

a n tes s a la

— Está tr a m a n d o a lgu m a cois a — ele com en tou a s s im qu e a p or ta s e fechou. — Con fes s o qu e s im . Da m ien , con cor d o com tu d o qu e já foi d eb a tid o s ob r e es s a s itu a çã o en volven d o os r en ega d os Nigh twa lk er s , m a s a cr ed ito qu e h á a lgo que devemos fazer. — Jasmine, está procurando encrenca. — Exatamente! E você ta m b ém d ever ia es ta r ! Da m ien , você é o p r ín cip e, e eu s ou s u a con s elh eir a m a is confiável. S em p re es tive n o com a n d o d os a s s u n tos d om és ticos , e você s em p r e os d elegou a m im . Des d e qu a n d o p er m itim os qu e ou tr os d ecid a m n os s a s qu es tões in ter n a s ? Tem os u m a r es p on s a b ilid a d e à qu a l d evem os n os d ed ica r im ed ia ta m en te. O p a tife va m p ir o. Tem os d e d es cob r ir s u a id en tid a d e. Pr ecis a m os s a b er qu em é o tr a id or , ou cor r em os o r is co d e divulgarmos informação a quem não deve tê-la. Damien estudou-a, ten ta n d o en con tr a r a s r ea is m otiva ções em s u a exp r es s ã o e n a lin gu a gem cor p or a l. O qu e ela d izia fa zia s en tid o, m a s er a im p os s ível ign or a r a im p r es s ã o d e qu e h a via m otivos ocu lt os p or tr á s d a lógica . Por outro lado, Jasmine sempre os tinha. — É b em p r ová vel qu e o tr a id or s eja u m d a qu eles n os qu a is n u n ca confiamos — ele argumentou. — E se não for? Você nunca ignorou possíveis ameaças, Damien. 133


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— J a s m in e, n ã o m e s in to feliz com o qu e vou d izer , m a s n ã o p r eten d o promover um confronto com um vampiro que tem o apoio de alguém como Ruth... e d e m a gia n egr a , t a m b ém . Qu em qu er qu e s eja , ele já m a t ou u m in ocen te. Is s o o modificou para sempre. — S im , e n ós d ois s a b em os em qu e p od e s e tr a n s for m a r u m va m p ir o qu e a tr a ves s ou es s e lim ite. No p a s s a d o, você n ã o d es ca n s a r ia en qu a n to n ã o d etives s e esse ser. Por que hesita agora? — Porque não penso mais somente em mim mesmo. — Está dizendo que tem medo de preocupar sua frágil parceira? — Estou dizendo que tenho um povo para comandar, e que sou responsável por liderar essa gente nessa era de paz. Se eu morrer agora, quem pode saber que tipo de vampiro vai me suceder? — Pr ova velm en te s er ia eu . — E la r iu . — Ach a qu e eu n ã o m a n ter ia s u a s ideias? — Você? — Da m ien ga r ga lh ou , p r ovoca n d o s u a in d ign a çã o. — Jasmine, você n ã o con s egu e p a s s a r m a is d e u m s écu lo s ob r e a t er r a ! S er ia d ep os ta n a primeira crise de melancolia. — Agora está sendo injusto! — Nã o es tou , ou você n ã o es ta r ia tã o a b or r ecid a . Meu b em , você n ã o tem p a ciên cia p a r a gover n a r . Você s a b e qu e a a m o e con to m u ito com você, m a s ta m b ém a con h eço com o n in gu ém . No fu n d o, s a b e qu e es tou cer to. Min h a m or t e, con d içã o in d is p en s á vel p a r a você s u b ir a o tr on o, s er ia s u ficien te p a r a la n çá -la num poço sem fundo de dor e depressão. — E s tá s u p eres tim a n d o s u a im p or tâ n cia — ela d is p a r ou . Ma s a m b os s a b ia m qu e er a b r a va ta . — De qu a lqu er m a n eir a , n ã o es tou s u ger in d o qu e p a r ticip e p es s oa lm en te d es s a b a ta lh a . Ma s a ch o qu e d ever ía m os ten ta r u m reconhecimento. Não quer saber quem traiu nosso povo dessa maneira tão vil? Se n ã o es tá cu r ios o, s ó p r ecis a m e d izer, e n u n ca m a is ten ta r ei con ven cê-lo a descobrir o nome do culpado. Jasmine o conhecia bem. — S u p on h o qu e já tem u m a id eia d e com o p od em os d es cob r ir qu em é o traidor? — Devem os com eça r p ela b ib lioteca . É p os s ível qu e en con tr em os a lgu m a cois a p or lá . S e tiver m os s or te, o r a s tr o d e Ru th a in d a n ã o ter á es fr ia d o p or completo. Só nós poderíamos nos aproximar dela sem sermos detectados. — E s e o va m p ir o qu e a a com p a n h a for s u ficien tem en te p od er os o p a r a perceber nossa presença? — Nin gu ém tem es s e p od er . Va m os n os en cob r ir . Nin gu ém ja m a is n os percebeu nessas condições. Damien ficou em s ilên cio p or u m m om en to, ten t a n d o p en s a r com cla r eza , em vez de agir por impulso. Queria descobrir o traidor e puni-lo. Se conseguissem s a b er o n om e d o cu lp a d o, ter ia m u m a va n ta gem , p ois ele a cr ed ita r ia p od er s e m over p or en tr e os d e s u a r a ça s em s er id en tifica d o p ela d u p licid a d e. Ta lvez 134


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a s s im p u d es s e s ep a r á -lo d a fêm ea d e d em ôn io, tor n a n d o ca d a u m d eles m a is vu ln er á vel. E n tã o, ca s tiga r ia o tr a id or d e for m a exem p la r , com o s em p r e fizer a . E is s o s ó s er ia p os s ível n es s e m om en to, a n tes d e Ruth ter a ch a n ce d e exp lor a r s eu con h ecim en to s ob r e a tr oca , ou a n tes d e o va m p ir o com eça r a a p r en d er os truques de magia negra com a nova aliada. — Muito bem — ele decidiu. — Dê-me apenas um instante com Syreena... — Nã o tem os tem p o, Damien. Os lica n tr op os es tã o es va zia n d o a b ib lioteca . Logo não haverá mais um rastro a ser encontrado. — Nã o p os s o d eixá -la s ozin h a em u m a ca s a ch eia d e va m p ir os qu e n ã o percebem quem e o que ela é! — E la é tã o fr á gil a s s im ? Dep ois d e ter m a ta d o Nico, im a gin o qu e con s iga manter na linha um punhado de meros criados. Jasmine tinha razão. Estava sendo superprotetor. Syreena era mais forte do qu e im a gin a va , e es ta va a cos t u m a d a a cu id a r d e u m a ca s a ch eia d e cr ia d os e d e h ós p ed es es tr a n h os . Nã o h a via n in gu ém ca p a z d e fa zer m a l a ela . S e con s egu ir a d er r ota r s ozin h a e com fa cilid a d e o filh o d e Nico, cer ta m en te s a b er ia s e im p or diante dos criados. O d es ejo d e s a b er qu em er a o p a tife er a m a ior d o qu e tu d o, e Damien sucumbiu ao impulso. Apressado, deixou o castelo acompanhado por Jasmine.

***

Passou-s e m a is d e u m a h or a a n tes qu e S yr een a p er ceb es s e qu e Damien d eixa r a a p r op r ied a d e. Nes s e p er íod o, estivera ocu p a d a d is tr ib u in d o ta r efa s e ignorando olhares desconfiados de mais e mais recém-chegados em todas as salas em qu e en tr a va . A equ ip e d e va m p ir os com eça va r a p id a m en te a p erceb er qu e ela n ã o er a u m d eles . Sa b ia d is s o, p ois er a ca d a vez m a is d ifícil fa zê-los r es p on d er à s suas solicitações. Nã o qu er ia cor r er ch or a n d o p a r a os b r a ços d e Damien e, p or is s o, s e em p en h a r a em r es olver a s itu a çã o s ozin h a , m a s n ã o tin h a u m ú n ico a lia d o, e a dificuldade começava a prejudicar sua eficiência. J a s m in e cer ta m en te es p er a va a lgu m a cois a d es s e tip o e, p or is s o, tin h a desaparecido. S yr een a h a via es p er a d o a lgu m a s d ificu ld a d es , m a s n ã o im a gin a r a qu e Damien a d eixa r ia s ozin h a em con d ições tã o h os tis . Por ou tr o la d o, es ta va s a tis feita p or ele ter s a íd o d o ca m in h o e d eixa d o tu d o em s u a s m ã os , em vez d e ficar tentando cercá-la de cuidados e proteção. — Bem, não posso ter as duas coisas — ela resmungou. E le d evia ter s a íd o p a r a ca ça r . Com importância. Só queria que ele voltasse logo. 135

ou

s em

J a s m in e. Nã o tin h a


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Viu u m a cr ia d a qu e d evia es ta r va r r en d o a s la r eir a s va ga n d o p elo s a lã o. E er a a ter ceir a vez qu e a s u r p r een d ia em fla gr a n te d es ob ed iên cia . E r a h or a d e mostrar quem estava no comando. Abordou-a qu a n d o ela en tr a va n o s a lã o p r in cip a l, on d e ou tr os qu a t r o serviçais ten ta va m p ôr tu d o em or d em . Ali a la r eir a já h a via s id o va r r id a . Respirou fundo para conter a ira. — Oria! O s ilên cio a b a teu -s e s ob r e o s a lã o. O tom d e voz d a n ova s en h or a n ã o deixava dúvidas quanto ao motivo do chamado. — Sim? — respondeu a jovem indolente. — A lareira desse salão já foi varrida. — E...? Syreena notou o interesse dos outros quatro criados. — E ... A m en os qu e qu eir a la va r os b a n h eir os , s u gir o qu e volte a va r r er a s la r eir a s qu e a in d a n ã o es tã o lim p a s . E , s e ou s a r m e d es ob ed ecer ou d es res p eita r , será expulsa dessa casa e nunca mais voltará a ela. Fui clara? — Nã o p od e m e p ôr p a r a for a . Você n ã o é n a d a ! Logo Da m ien ter á ou tr a mulher em sua cama, e ninguém vai nem se lembrar do seu nome. Ris a d a s a b a fa d a s s oa r a m n a s a la , m a s d u r a r a m a p en a s tr ês s egu n d os . Foi o tem p o d e qu e Syr een a p r ecis ou p a r a a ga r r a r a jovem in s u b or d in a d a p elo pescoço e s egu r á -la con tr a a p a r ed e m a is p r óxim a com u m es tr on d o a s s u s ta d or. A cr ia d a em itiu u m s om es tr a n gu la d o, ten ta n d o s e livra r d a m ã o qu e er a com o uma garra de aço. Quando os outros se aproximaram para tentar ajudá-la, Syreena os recebeu com um grunhido que os deteve. — Ten tem toca r em m im , e d es cob r ir ã o exatamente qu a l é a im p or tâ n cia d a m in h a p r es en ça n a ca s a d e s eu p r ín cip e. Pos s o ga r a n tir qu e ele n ã o va i s e contentar em simplesmente expulsá-los daqui. A d em on s tr a çã o d e con fia n ça os a tin giu , e eles r ecu a r a m . S yr een a olh ou novamente para a jovem criada mantida contra a parede. — Tod os vã o a p r en d er com a s u a liçã o, m en in a . Nã o gos to d e m e r ep etir , e s ó a vis o u m a vez. S ou u m a p r in ces a lica n tr op o, e es tou a cos t u m a d a a s er ob ed ecid a s em qu es tion a m en to. Nã o a ceita r ei m en os d os cr ia d os qu e s er vem n a casa de meu parceiro. O a vis o s e es p a lh a r ia r a p id a m en te en tr e os va m p ir os . Os qu a tr o cr ia d os qu e h a via m a s s is tid o à cen a con ta r ia m a os ou tr os s ob r e a n a tu r eza volá til d a princesa licantropo, e sobre como não era sensato provocá-la. — S a ia d es s a ca s a p or con ta p r óp r ia , ou va i ter d e s a ir p ela s m in h a s m ã os . E n ã o es qu eça qu e s ó a vis o u m a vez — S yr een a d is s e, s olta n d o-a . Ign or a n d o a ga r ota qu a s e d es fa lecid a a os s eu s p és , vir ou -s e p a r a os ou t r os s or r in d o. — Estão fazendo u m excelen te tr a b a lh o a qu i n o s a lã o. Qu a n d o ter m in a r em , S yb il d a r á n ova s in s tr u ções . Lembrem-se, a voz d ela é a m in h a voz a qu i d en tr o, e m in h a voz 136


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é a voz d e Da m ien . — Ap ós la n ça r u m olh a r d e d es d ém p a r a Or ia , s a iu p a r a procurar o príncipe. As s im qu e S yr een a s e r etir ou , a in d ign a d a fêm ea d e va m p ir o s e leva n tou e caminhou para os outros. — Nã o é a b s u r d a a ou s a d ia d es s a for a s teir a ? Qu em ela p en s a qu e é? Pa r ceir o? Pa r ceir a d e Da m ien ? E le ja m a is s e liga r ia a a lgu ém qu e n ã o fos s e vampiro! — Ca le a b oca , Or ia — u m d os h om en s a cen s u r ou . — O qu e s a b e a r es p eito d ele? O p r ín cip e p a s s ou m u ito tem p o lon ge d a qu i. Ma is tem p o d o qu e você tem de vida. — S e s a b e o qu e é b om p a r a você, m en in a , s u gir o qu e vá em b or a — disse outro. — S e o qu e ela d iz é ver d a d e, Da m ien va i a r r a n ca r s u a ca b eça p or ter ousado desafiá-la. S em a lia d os , Or ia com p r een d eu qu e s eu d es tin o es ta va s ela d o. A mutante vencera, ela havia perdido, e nada podia fazer para mudar a situação. Ultrajada, deixou o castelo. Um a h or a s e p a s s a r a , e Da m ien a in d a n ã o tin h a r etor n a d o. S yr een a começava a se perguntar onde ele poderia ter ido. Não o conhecia muito bem, mas ele n ã o d evia s er o tip o d e h om em qu e p r olon ga va u m a ca ça d a qu a n d o h a via ta n to p or fa zer . J a s m in e ta m b ém n ã o h a via volta d o, o qu e s ó a u m en ta va s u a preocu p a çã o. Dep ois d o in cid en te com Or ia , a cr ia d a gem a ob ed ecia s em qu es tion a r , e ela os d eixa r a cu id a n d o d a s ta r efa s qu e d is tr ib u ír a . S egu iu p a r a os n ovos a p os en tos d e J a s m in e. Ta lvez lá p u d es s e d es cob r ir a lgu m a cois a s ob r e o paradeiro dos dois. Ao a b r ir a p or ta , en con tr ou u m a fêm ea d e va m p ir o m u ito jovem d ob r a n d o r ou p a s e p en d u r a n d o p eça s d elica d a s n o guarda-roupa. A ga r ota s e a s s u s tou a o vê-la . Rá p id a , ela s e cu r vou n u m a r ever ên cia , o qu e a fez s or r ir . E r a o p r im eir o ato de respeito de alguém da criadagem. — Olá, minha jovem. Sabe onde está sua senhora? — Diante de mim, alteza. Syreena sorriu novamente. — Cer ta m en te. Porém , Jasmine va i qu er er qu e s eja m a is lea l a ela d o qu e a mim, e não a culparei ou punirei se estiver em conflito. Qual é seu nome? — Lúcia. — Lúcia, por acaso viu meu... seu príncipe? — S im , s en h or a . aproximadamente.

E le

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— Sabe para onde ele foi? Lúcia hesitou. — E s cu te, s ó qu er o s a b er p or qu e... es tou p r eocu p a d a com es s a d em or a . Eles já deviam ter voltado. S e n ã o ten h o r a zões p a r a m e p reocu p a r , s ó p r ecis a m e dizer. Vou acreditar em você. 137


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— Nã o p os s o d izer is s o. E u n ã o d evia s a b er p a r a on d e eles for a m , m a s ... eu sei. — Pode ser mais clara? — E u es ta va n o s a lã o e ou vi m in h a s en h or a ... J a s m in e, qu er o d izer , conversando com o príncipe na antessala de sua suíte. Eles vão tentar descobrir a identidade do vampiro que chamam de traidor. S yr een a teve a s en s a çã o d e qu e o cora çã o p a r a va d e b a ter . S a b ia a qu e a jovem se referia, embora ela mesma nem desconfiasse. — Agradeço por sua franqueza, Lúcia. — E u é qu e d evo m a n ifes ta r m in h a gr a tid ã o, s en h or a . Os ou tr os ja m a is d ir ã o, m a s tod os qu er ia m qu e Damien volta s s e. S e ele es tá a qu i a gor a p or s u a causa, todos devemos ser gratos. S yr een a m oveu a ca b eça , d es p ed in d o-s e e a gr a d ecen d o a o m es m o tem p o. Depois se retirou, levando com ela uma avalanche de emoção e especulações. De m a n eir a es tr a n h a , a n a lis ou p r im eir a m en te a p or çã o m a is in ofen s iva d a in for m a çã o. Nã o h a via p er ceb id o qu e Damien se mantivera lon ge d e ca s a d u r a n te u m p er íod o tã o lon go. Pelo qu e Lú cia d is s er a , os va m p ir os tin h a m s e s en tid o negligenciados, e isso exigiria um tempo razoável. O que o mantivera a fa s ta d o p or tanto tempo? S ó en tã o a qu es tã o m a is s ér ia ch a m ou s u a a ten çã o. Damien e J a s m in e h a via m s a íd o p a r a fa zer exa ta m en te o qu e ele p r om eter a qu e n ã o fa r ia ! E le p a r ecia ter com p r een d id o qu e cor r er r is cos d es n eces s á r ios s er ia ir r a cion a l e tolo, e havia prometido refletir antes de agir. S yr een a s en tia u m m ed o incontrolável. E s en tia -s e tr a íd a , ta m b ém . Qu er ia acreditar que ele e Jasmine podiam se defender, mas como confiar em um homem qu e n ã o m a n tin h a a p a la vr a ? Com o p od er ia p a s s a r o r es to d a vid a com a lgu ém qu e m en tia p a r a ela , qu e fa zia p r om es s a s va zia s e es p er a va p elo m om en to oportuno para quebrá-las? Como poderia acreditar nele? Doía p en s a r qu e ele er a ca p a z d is s o. Ter ia er r a d o ta n to a o ju lga r s eu caráter? Teria um discernimento tão ruim? Nã o. Nã o p od ia s er tã o d u r a con s igo m es m a n em com ele. Damien estava p er tu r b a d o com a ideia d a exis tên cia d e u m tr a id or em s eu p ovo. E s t a va h a b itu a d o com a n a tu r eza egoís ta d os va m p ir os e com s u a p er s on a lid a d e p ou co con fiá vel, m a s s ó a t é cer to p on to. E d ep ois d es s e p on to... Bem , er a evid en te qu e ele considerava traição uma questão pessoal. Sabia que Siena reagiria de maneira muito parecida, caso algo semelhante ocorresse em sua corte. Ma s ela s em p r e a con s elh a va a ir m ã a ter ca u tela , e s a b ia qu e s u a s op in iões er a m a ceita s com s in cer id a d e. A r a in h a n ã o fin gia con cor d a r p a r a d ep ois a gir d e maneira contrária. Damien ter ia d e en ten d er qu e n ã o p od ia tr a tá -la d es s a m a n eir a . Aceita r ia s eu es tilo d e vid a e s eu s h á b itos d e va m p ir o, in clu in d o o téd io e os es tr a n h os relacionamentos e entretenimentos, mas não aceitaria duplicidade.

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Pr ecis ou a p en a s d e a lgu n s s egu n d os p a r a d ed u zir p or começariam a busca. Determinada, aproximou-se da janela e saltou.

on d e

eles

Voou p a r a a b ib lioteca n a ca ver n a com tod a a velocid a d e. Nã o s a b ia o qu e fa r ia qu a n d o os en con tr a s s e, m a s es ta va com p leta m en te in u n d a d a p or em oções e p or u m a d eter m in a çã o qu e d ir ecion a va s eu s a tos . Via ja r ia qu ilôm etr o a quilômetro, tomando as decisões na medida em que progredia. Ch ega n d o à ca ver n a , n otou o s ilên cio e a b a gu n ça n o in ter ior d a b ib lioteca . O lu ga r es ta va ilu m in a d o a p en a s p or u m a toch a e, p elo qu e s e p od ia ver , for a d es titu íd o d o qu e r es ta va d e s eu in ven tá r io e d a m ob ília . O qu e a n tes tin h a s id o or ga n iza çã o, a gor a er a s ó d es or d em . E r a p os s ível s en tir n o a r o ch eir o d e s a n gu e de todos os tipos. Hes itou n a soleira, s en tin d o a violên cia d a s m or tes a li ocor r id a s . Nã o era cova r d e ou s u p er s ticios a ; a p en a s a ch a va qu e a s itu a çã o d evia s er tr a ta d a com r es p eito. Ha via n o a r u m s en tim en to es tr a n h o, com o em u m a tu m b a p r ofa n a d a por ladrões. Além d o ch eir o d a m or te e d os r a s tr os va r ia d os d eixa d os p elos lica n tr op os qu e cu id a va m d a tr a n s fer ên cia d a b ib lioteca , h a via n o a r o ch eir o d e va m p ir os . Um cheiro recente. E um daqueles odores agora era familiar para ela. Damien. Ch ega r a a ter es p er a n ça s d e qu e Lú cia es tives s e en ga n a d a , m a s h a via s id o u m a fa n ta s ia tola . Damien er a a p a ixon a d o p or s eu p ovo. Mu ito m a is d o qu e p or ela. Sufocando o desapontamento, abaixou-se na escuridão para seguir o rastro. Damien e Jasmine h a via m d eixa d o a ca ver n a ju n tos . Mu ito b em . Ma s ... Seria capaz de rastreá-los no ar? E r a a for ça d o r a s tr o d eixa d o p or Damien qu e a leva va a a cr ed ita r qu e s im . Ou ele n ã o fa zia n en h u m es for ço p a r a es con d er s u a s a ções , ou ela d es en volver a u m a h a b ilid a d e es p ecia l p a r a en con tr á -lo. Rastreá-los foi m a is fá cil d o qu e es p er a r a . E les n ã o tin h a m m otivos p a r a en cob r ir a s p is ta s , m es m o qu e Ruth e s eu s s egu id or es d ecid is s em loca lizá -los p or a lgu m a r a zã o. Ma s , s e Ruth decidisse encontrá-los, isso significaria que ela era a vencedora no jogo, qualquer que fosse, e es s a er a u m a ideia qu e lh e ca u s a va u m a d or in s u p or tá vel. Voou com vigor redobrado. S u a va n t a gem er a qu e s egu ia u m r a s tr o r ecen te, d ifer en te d e Damien e J a s m in e, qu e ia m a tr á s d e p is ta s m a is a n tiga s . Por is s o, via ja va m u ito m a is d ep r es s a qu e eles . S ó es p er a va p od er a lca n çá -los a n tes qu e s e m etes s em em alguma confusão. S eu cor a çã o p a s s ou a b a ter a celer a d o, tom a d o p ela a n s ied a d e, qu a n d o p er ceb eu qu e a s p is ta s a leva va m d e volta à Fr a n ça , p a r a ter r itór io mistral. Era com p r een s ível qu e es tives s e p r eocu p a d a , p ois sofrera u m gr a n d e tr a u m a em s u a ú ltim a via gem à qu ela r egiã o. Ma s n ã o er a s ó is s o. Pen s a r em Damien s e exp on d o a o r is co d e en con tr a r a qu ela fêm ea d e d em ôn io lou ca e r en ega d a a en ch ia d e pavor.

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Agor a , ob s er va va tu d o com m a is a ten çã o, voa n d o b a ixo, u s a n d o a s cop a s d a s á r vor es com o es con d er ijo. S a b ia qu e es ta va p er to d e Br is e Lu m in eu s e. Ta m b ém n ota r a qu e o r a s tr o ter m in a r ia em b r eve. Ruth tin h a u m a m otiva çã o recente para andar por terras mistrais, e era bem provável que ela ainda estivesse por ali, buscando realizar seus propósitos. Is to é, s e a s in for m a ções con tid a s n o livr o qu e ela r ou b a r a d e J a s m in e n ã o h ou ves s em d ir ecion a d o s u a s p a ixões . Afin a l, ela já h a via es ta d o em ter r itór io va m p ir o e r ecr u ta d o u m a lia d o en tr e eles . Qu em p od er ia d izer qu e n ã o volta r ia tentando aliciar mais Nightwalkers? Pou s ou n u m ga lh o p a r a or ien ta r -s e. S a b ia qu e es ta va p er to. Mu ito perto. De r ep en te, teve m ed o d e s e a p r oxim a r m a is d os d ois . J a s m in e e Damien p os s u ía m h a b ilid a d es m en ta is qu e os p r oteger ia m d a d etecçã o d e Ruth. Se con tin u a s s e voa n d o, e os va m p ir os es tives s em es con d id os p or a lgu m a r a zã o, ela os entregaria simplesmente com seus pensamentos. Era tão culpada quanto Damien por não ter pensado antes de agir. E estava fu r ios a , ta m b ém . S e ele p r ecis a va d e a ju d a , com o p od er ia s a b er ? Com o p od er ia ajudá-lo n a qu ela s cir cu n s tâ n cia s ? S e con s egu is s em es ca p a r d a qu ela s itu a çã o inteiros, ela o mataria! Fech ou os olh os , r es p ir ou fu n d o e ten tou s e a ca lm a r . S e con tin u a s s e a gita d a com o es ta va , a n u n cia r ia s u a loca liza çã o p a r a qu a lqu er u m ca p a z d e percebê-la . Com o fa lcã o, er a im p os s ível d is tin gu i-la d os ou tr os a n im a is , a m en os que alguém se aproximasse o suficiente para ver o colar em torno de seu pescoço, meio escondido entre as penas. Ma is ca lm a , olh ou n a d ir eçã o s egu id a p elos d ois va m p ir os . Deixa n d o o galho onde estava, voou por entre folhas e ramos até as garras encontrarem outro ga lh o. A m u d a n ça d e p os içã o foi p er feita m en te s ilen cios a , e o ga lh o s ob s eu p es o qu a s e n em s e m oveu . O s ilên cio p er m itiu qu e ela ou vis s e a s a s b a ten d o n o a r . Os olh os va r r er a m a es cu r id ã o. O b r ilh o d a s a s a s n egr a s con tr a a lu a p r a tea d a foi a visão mais linda que ela já teve. O cor vo m er gu lh a va d o céu em s u a d ir eçã o, em a lta velocid a d e e com a b s olu ta p r ecis ã o. Por ém , o b a la n ça r d a s a s a s er a p r eocu p a d o, a gita d o... Um d ia , ele ter ia a h a b ilid a d e tota lm en te d es en volvid a , e n es s e d ia p od er ia s e con fu n d ir com lica n tr op os e m is tr a is qu e s em p r e h a via m voa d o. Ma s , p or en qu a n to, a in d a era possível identificá-lo como um inexperiente vampiro. Syreena p u lou d o ga lh o. Qu a n d o ch egou a o ch ã o, já h a via a d qu ir id o s u a forma humana. O cor p o for te d e Damien s e d es d ob r ou d o cor vo, e ela s u s p ir ou a livia d a a o vê-lo inteiro, sem nenhum ferimento. — Ficou maluca? — Era exatamente o que eu ia perguntar! O que está fazendo aqui, Damien? — Depois — ele r es p on d eu , s ilen cia n d o-a com u m ges to b r eve. — E s tá muito perto de Ruth. Se eu pude sentir sua presença, ela também pode. Precisa ir embora antes que...

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— An tes qu e eu p os s a ver a m a lu ca qu eb r a r s eu p es coço? An tes qu e eu perca a cabeça e mate você antes dela? — Esse não é o melhor momento para isso, Syreena. — E xa ta m en te! Ma s você veio a tr á s d ela , m es m o d ep ois d e tu d o qu e foi discutido e acertado. Mesmo depois de ter prometido... — S ó es t ou ten ta n d o d es cob r ir qu em é o va m p ir o tr a id or ! Nã o ten h o n en h u m a in ten çã o d e en tr a r em con fr on to com Ruth, m a s , s e você n ã o for embora agora, posso me sentir forçado a fazer exatamente isso! — Nã o s e a tr eva a m e cu lp a r ! Você p r om eteu , Damien, e qu eb r ou a promessa! É um mentiroso, um egoísta sem consideração! — Damien, faça-a ficar quieta, ou eu mesma o farei. S yr een a r econ h eceu o s u s s u r r o fem in in o n a es cu r id ã o. O ultraje tin giu s eu r os to d e ver m elh o. Com os p u n h os cer r a d os e a mandíbula ten s a , fitou Damien com os olh os r efletin d o tod a a in ten s id a d e d e s u a s em oções . Os olh os d ele er a m frios. — Nã o es tou a cos tu m a d o a r ep or ta r tod a s a s m in h a s a ções com o s e eu fosse criança, Syreena, e lamento se isso a incomoda, mas não creio que esse seja o melhor momento para uma discussão dessa natureza. — Mu ito b em . Vá bisbilhotar ter r itór io p er igos o com es s a encrenqueira, se qu is er , m a s s e a ch a qu e va i m e en con tr a r es p er a n d o d ócil e suplicante quando voltar, está completamente enganado! — Pense bem antes de fazer ameaças e agir precipitadamente. — Com o você fez, p or exem p lo? "Fa ça o qu e eu d igo, n ã o fa ça o qu e eu fa ço"? Ach a qu e s ou cr ia n ça ? Ou u m a n im a l d e es tim a çã o a s er tr ein a d o p a r a se tor n a r ob ed ien te? S em p r e in cen tivou m in h a in d ep en d ên cia , m a s a gor a , qu a n d o ela o con tr a r ia , você d ecid e qu e ela é in d es ejá vel? Nin gu ém m a is va i m a n d a r em m im ! Nu n ca m a is ! S er ei s u a com p a n h eir a , a lgu ém d ign a d o s eu r es p eito, d a s u a consideração e da sua lealdade, ou não serei nada para você! Virou-s e d e r ep en te p a r a aproximava dela pelas costas.

p a r tir ,

s u r p r een d en d o

Jasmine,

qu e

se

— E n cos t e u m d ed o em m im , va m p ir a , e a r r a n co s eu cor a çã o com m in h a s mãos! — S e n ã o ca la r es s a b oca , vou ter d e p ôr à p r ova s u a for ça , p r in ces a . E n ã o s er á con tr a m im , m a s con tr a Ruth e s eu s s egu id or es . Ser á qu e p od e s e con tr ola r antes que ela apareça no meio de tudo isso? _Que venha! Pelo menos ela é honesta em suas motivações! — Obrigada pelo elogio, princesa. Syreena s en tiu os d ois va m p ir os s e sobressaltarem a o ou vir em a voz d e Ruth. E la , p or ém , m a n teve-s e ca lm a . Vir ou -s e, a fa s tou os p és e cer r ou os punhos, com o coração batendo forte no peito. — Temos uma pendência — ela sussurrou, fitando a fêmea de demônio, que sorria. 141


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— Ima gin o qu e s im . Ven h a , m en in a , e m os tr e d o qu e é ca p a z, s e tiver coragem. — Syreena! O gr ito d e Damien foi in ú til, p ois a p r in ces a lica n tr op o já in ves tia con tr a a nigromante d em ôn io. S yr een a m u d ou d e for m a n o m eio d o s a lto, d es en volven d o a s a s e ga r r a s , m a s m a n ten d o o cor p o d e m u lh er . Ruth n u n ca h a via lu ta d o con tr a a s for m a s a lter a d a s d e S yr een a a n tes , e o m om en to d e s u r p r es a d eu -lhe vantagem. Com a con cen tr a çã o p er tu r b a d a , Ruth n ã o con s egu iu s e telep or ta r . Por ém , a in d a p od ia s e m over e a gir com o a gu er r eir a qu e for a u m d ia . Mes m o a s s im , s ofr eu n o om b r o es qu er d o o violen to im p a cto d a s ga r r a s qu e r a s ga r a m r ou p a e carne de um só golpe. Damien e Jasmine s e p r ep a r a r a m p a r a lu ta r , m a s for a m d etid os p ela fu m a ça n egr a qu e exp lod iu en tr e eles e a s d u a s op on en tes . As n u ven s s e dissiparam rapidamente revelando uma figura conhecida. — Nico — Damien sibilou furioso. — Faz sentido — Jasmine opinou em tom neutro. Nico d is s e u m a ú n ica fr a s e, r á p id a e p r ecis a , a p on ta n d o os d ed os d a m ã o aberta para os inimigos. O chão da floresta ganhou vida sob os pés deles. Raízes brotavam do chão e envolviam os tornozelos dos vampiros, imobilizando-os com eficiência. A s olu çã o d e Damien foi r á p id a . O cor vo s u r giu d e rep en te, es ca p a n d o d a a r m a d ilh a m á gica . J a s m in e foi m en os cr ia tiva e d elica d a . Fu r ios a , a r r a n cou com as próprias mãos as raízes que a prendiam, jogando-as longe enquanto rugia. Damien voou con tr a a ca b eça d e Nico, m u d a n d o d e for m a n o m eio d o m ovim en to p a r a ga n h a r p es o. O ch oqu e d er r u b ou os d ois , e eles r ola r a m p elo chão da floresta. Quando pararam, Damien estava em cima do inimigo, agarrando sua camisa e exibindo as presas. — Finalmente, Nico, chegou o momento que você tanto esperava. Vamos ver quem merece meu trono! Jasmine pairava sobre a terra, fora do alcance das raízes enfeitiçadas, perto d a lu ta en tr e os d ois va m p ir os . Damien p od ia cu id a r d e Nico. A p r in ces a d eixa r a s u a m a r ca em Ruth e con s egu ir a lid a r com ela a té o m om en to. Por ém , a s u r p r es a havia sido sua principal arma, que agora perdera o efeito. Aproximou-s e d a s d u a s op on en tes n o exa to in s ta n te em qu e Ruth investia con tr a S yr een a com u m gr it o d e fú r ia . S yr een a h a via s id o a p r im eir a a a r r a n ca r s a n gu e d a a d ver s á r ia , e is s o a feta va s er ia m en te a auto imagem d a fêm ea d e d em ôn io e s u a ideia d e in vu ln er a b ilid a d e. Ruth gr itou u m encantamento, for ta lecid o p ela ir a , e tod a a flor es ta foi s a cu d id a p ela exp los ã o cu jo ep icen tr o er a Damien. J a s m in e e S yr een a for a m la n ça d a s n o a r p ela for ça d o d es loca m en to e s e ch oca r a m con tr a a s á r vor es . Atu r d id a d em a is p a r a u s a r a s a s a s , S yr een a ca iu n o

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ch ã o e foi a tin gid a p or u m a ch u va d e es com b r os qu e a d eixou ton t a p or a lgu n s momentos. Mas Jasmine não precisava de asas para flutuar. A dor lancinante podia ser ign or a d a p or u m m om en to, em b or a tives s e cer teza d e qu e h a via fr a tu r a d o algumas costelas no impacto. S eu p r ob lem a im ed ia to er a ca la r Ruth. Com o? E n qu a n to ela p u d es s e fa la r , n ã o ter ia m com o s u p er á -la . Os en ca n t a m en tos er a m d es con h ecid os , in es p er a d os e in d efen s á veis . Mas, J a s m in e p en s ou , ela n ã o p od eria recita r en ca n ta m e n tos s e sua língua fosse arrancada. Logica m en te, s a b ia qu e n u n ca con s egu ir ia s e a p r oxim a r o s u ficien te p a r a tanto. Precisava encontrar uma alternativa. Damien e Nico ta m b ém h a via m s id o a r r em es s a d os lon ge p ela exp los ã o, e os dois estavam feridos depois de terem rolado pelo chão coberto por raízes e plantas espinhosas. Des s a vez, Nico con s egu iu u m a p os içã o d e va n ta gem s ob r e Damien. E le m a n tin h a o m on a r ca n o ch ã o, im ob iliza d o, va len d o-s e a p en a s d o p es o d o p r óp r io cor p o, d a s p er n a s for tes e d a s m ã os fir m es n o p es coço d o p r ín cip e. E , agora que tinha um alvo fixo, tentava usar sua adaga. Mas, quando tentou atingilo n o cor a çã o, Damien er gu eu o b r a ço. A flor es ta tr em eu com o s om es tr id en te d e metal contra metal. Nico ten ta va a b r ir ca m in h o n a ca r n e d e Damien, cor ta r o cou r o d a ja qu eta qu e ele ves tia , m a s er a com o s e a p ele d o p r ín cip e fos s e d e a ço. E m p en h a d o, ele ten tou u m s egu n d o a ta qu e, e d es s a vez con s egu iu a b r ir u m a b r ech a n o cou r o, mas não foi além disso. S a b ia qu e ja m a is ven cer ia o p r ín cip e n u m con fr on to d ir eto, es p ecia lm en te se Damien mantives s e m a is a r m a s es con d id a s s ob a r ou p a . Ao r a s ga r o cou r o d a ja qu eta , ele vir a o b r ilh o d e ou tr o p u n h a l em s eu b r a ço, s ob r e a m a n ga d a camisa. O va m p ir o tr a id or n ã o tiver a m u ito tem p o p a r a a p r en d er en ca n ta m en tos , m a s já s a b ia a lgu n s tr u qu es ú teis , com o o rosnar h ip n ótico qu e p od ia im ob iliza r u m a d ver s á r io. Com o o p r ín cip e es ta va n o ch ã o, d ecid iu a p r oveita r a va n ta gem p a r a tes ta r o con h ecim en to a in d a tã o r ecen te. Agor a qu e o m a n tin h a p r es o, s er ia muito perigoso que o príncipe mudasse de forma. Nico começou a pôr em prática o feitiço que faria de Damien um alvo imóvel e vulnerável sob sua lâmina. Por u m m om en to Syreena n ã o con s egu iu r es p ir a r . Os p u lm ões n ã o fu n cion a va m , e ela con tin u ou ca íd a , a p oia d a s ob r e a s m ã os e os joelh os n o ch ã o d a flor es ta . Fin a lm en te, tos s in d o e in s p ir a n d o p r ofu n d a m en te, con s egu iu exp a n d ir os p u lm ões con tr a a s cos tela s d olor id a s . Com d ificu ld a d e, leva n tou -s e e olh ou em volta , b u s ca n d o loca liza r a in im iga a n tes m es m o d e es ta r completamente ereta. A p r im eir a cois a qu e viu foi Jasmine, qu e in ves tia con tr a u m a lvo. De on d e es ta va , S yr een a n ã o con s egu ia ver qu em er a . Com o im p a cto, r etor n a r a à for m a h u m a n a . Hes itou p or u m in s ta n te, ten ta n d o d ecid ir qu e cr ia tu r a a la d a s er ia m a is conveniente naquele momento, quando um baque metálico soou atrás das árvores 143


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con tr a a s qu a is ela h a via s id o a r r em es s a d a . Gir ou s ob r e os ca lca n h a r es p a r a olh a r a lém d o tr on co em qu e s e a p oia va , e viu a lâ m in a d e Nico b r ilh a n d o a o lu a r e b u s ca n d o o cor a çã o d e s eu op on en te. E n qu a n to er gu ia a a d a ga , ele p r on u n ciou uma frase num idioma desconhecido. Raízes brotaram do chão e se enroscaram em Damien, con tor n a n d o p er n a s , braços e pescoço, imobilizando-o. Syreena foi imediatamente dominada pela fúria. Valendo-se de toda a velocidade, voou até onde eles estavam. Damien sentiu s u a a p r oxim a çã o, u m p eta r d o d e ca b elos es cu r os e in s tin to p r otetor . E la a tin giu o in im igo com tod a a for ça d o cor p o. O im p a cto foi s u ficien te p a r a m over u m h om em d o ta m a n h o d e Nico. Na ver d a d e, ter ia s id o s u ficien te p a r a m over u m a m on ta n h a ! E la o r em oveu d e cim a d e Damien, e os d ois r ola r a m p elo ch ã o d a flor es ta . E n qu a n to is s o, o p r ín cip e s e lib er ta va d o ca tiveir o d e r a ízes en ca n ta d a s , u s a n d o tod a a s u a for ça p a r a a r r eb en ta r a s tir a s r es is ten tes , qu e, p ou co a p ou co, ced ia m s ob s u a d eter m in a çã o. Qu a n d o a s r a ízes d e u m m em b r o eram rompidas, outras brotavam da terra e o prendiam novamente. As árvores em tor n o d ele s e in clin a va m p er igos a m en te em s u a d ir eçã o, a b a la d a s p ela interferência em suas raízes. Todo o equilíbrio da floresta era alterado pelo feitiço. Enqua n to is s o, Nico a p r en d ia a ver d a d eir a d efin içã o d e com p etên cia d o p on to d e vis ta d e u m a m on ja b em tr ein a d a n o Pr id e. Ao d er r u b á -lo, S yr een a o d es a r m a r a com d es tr eza es p a n tos a . J á n o ch ã o, ela o p r es s ion a va u s a n d o u m joelho contra seu pescoço e se preparava para desferir o golpe fatal. A a d a ga r a s gou -lh e a p ele, a b r iu ca m in h o n a ca r n e e r om p eu os s os e m ú s cu los , b u s ca n d o o cor a çã o. Nico r u giu d e d or e u ltr a je qu a n d o ela fin a lm en te a tin giu o ór gã o vita l. S yr een a r ep etiu o golp e, e o va m p ir o rugiu novamente, inca p a z d e a cr ed ita r qu e ela o h a via a tin gid o p ela s egu n d a vez. E d es s a vez er a m u ito p ior . E la con s egu ir a r em over a lâ m in a , a b r in d o o b u r a co qu e fizer a a o cravá-la , p r om oven d o u m ja to d e s a n gu e qu e a la va va com o u m a ch u va r ed en tor a . E a n tes qu e ele p u d es s e r ea gir , a lica n tr op o o a ta cou m a is u m a vez. S eu s olh os tin h a m o b r ilh o d a ir a e d a lou cu r a , s u a ga r ga n ta em itia u m rugido fer oz, e os ca b elos em old u ra va m s eu r os to e s eu cor p o com o s e tives s em vid a p r óp r ia , m oven do-s e em tod a s a s d ir eções . E la r em oveu a fa ca n ova m en te, aumentando a hemorragia. Nico ten tou d etê-la , s egu r a n d o a s m ã os qu e b u s ca va m a tin gi-lo m a is u m a vez, e a r es is tên cia s ó a en fu r eceu a in d a m a is . Syreena lu tou con tr a s u a for ça , descobrindo que, apesar dos ferimentos, ele ainda era capaz de enfrentá-la. Nico a tir ou d a p os içã o d e va n ta gem com u m p od er os o gir o d o cor p o, ten ta n d o s ela r a s fer id a s a b er ta s em s eu cor p o com a p a lm a d a s m ã os , r a s teja n d o d e joelh os n a d ir eçã o d a a d vers á r ia . S yr een a es ta va em p é, a r m a d a com a a d a ga ensanguentada. E m ou tr a p a r te d o violen to cen á r io, Jasmine s e es qu ivou d e Ruth, surpreendendo-a por um momento. Mas logo o demônio da Mente percebeu que a n a tu r eza d a va m p ir a er a m u ito s em elh a n te à d ela . S em elh a n te d em a is , p a r a in felicid a d e d e Damien. Des d e qu e n ã o a a m ea ça s s e d ireta m en te, J a s m in e n ã o a r r is ca r ia o p r óp r io p es coço p or n en h u m p r op ós ito qu e n ã o fos s e a b s olu ta m en te p es s oa l. S eu ód io p ela n ova p a r ceir a d o p r ín cip e er a evid en te. Por qu e en tã o ela tentava salvar a pele da princesa licantropo? 144


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Ruth teleportou-s e, s u r gin d o a o la d o d e Damien. Dep ois d e con s ta ta r qu e ele não representava uma ameaça imediata, pois lidava com as raízes encantadas, ela s e telep or tou n ova m en te, a p a r ecen d o a gor a a o la d o d o a lia d o e d a lica n tr op o que o ferira gravemente. — Fin a lm en te vou p ôr a s m ã os em você — d is s e Ruth com u m p r a zer evidente. Enquanto Nico in ves tia con t r a a p r in ces a , Ruth es ten d eu a m ã o p a r a agarrá-la p elos ca b elos , s eu p on to m a is fr a co e, a o m es m o tem p o, s u a fon te d e força. Pa r a s u r p r es a d os d ois , eles p a s s a r a m d ir eto p elo a lvo e s e ch oca r a m u m con tr a o ou tr o. Ruth s e en fu r eceu con tr a Nico; Nico a xin gou e em p u r r ou com violência, tentando localizar a criatura que conseguira escapar novamente. Qu a n d o os d ois fin a lm en te en con tr a r a m S yr een a , ela es ta va em p é a o la d o de Damien, não muito longe deles. — Impossível... — Ruth murmurou furiosa. — É um truque! Uma ilusão! — disse Nico. — Im p os s ível! — insistiu o demônio da Mente. — Certamente não é — Damien respondeu em tom firme e seco. Ruth levantou-s e p a r a a ta ca r o ca s a l qu e a s u p er a r a , cer ta d a s u p r em a cia d e s eu con s id er á vel p od er m en ta l. E la a in d a n em h a via s a íd o d o lu ga r qu a n d o foi violen ta m en te a ga r r a d a p or tr á s , s u a ca b eça p u xa d a com ta n ta for ça qu e foi quase impossível se manter em pé. Gritou de dor. J a s m in e u s ou a ou tr a m ã o p a r a cob r ir s u a b oca , in tr od u zin d o n ela o p u n h a d o d e lod o qu e r ecolh er a a n tes d o a ta qu e, p reen ch en d o com p leta m en te a cavidade e silenciando-a com grande eficiência. Damien s a cou o p u n h a l qu e leva va p r es o à m a n ga d a ca m is a , e ele e S yr een a a va n ça r a m ju n tos con tr a Nico. Per ceb en d o qu e es ta va fer id o d em a is e m u ito fr a co p a r a ten ta r s e d efen d er , Nico fech ou os olh os e d es a p a r eceu imediatamente numa nuvem de fumaça negra. — Maldição! — Teleporte. — Pa r ece qu e Ruth en con tr ou u m m eio d e d ivid ir s eu p od er com ele — Jasmin e com en tou . — Nã o é m es m o, m in h a qu er id a ? — ela p er gu n tou , p u xa n d o p elo ca b elo a m u lh er qu e qu a s e s u foca va com a b oca ch eia d e b a r r o. — Nã o gos ta r ia d e m e con ta r on d e es con d eu m eu livr o? — E la olh ou p a r a Damien e S yr een a com u m s or r is o r a d ia n te e s a tis feito. — Op s ... E u es qu eci. Nã o p od e falar... — E la m a n tin h a a m ã o s ob r e a b oca d e Ruth, impedindo-a d e cu s p ir a pasta. — O qu e va m os fa zer ? Ma ta m os a d es gr a ça d a , ou a en tr ega m os a Noah? — Damien refletiu em voz alta. — Vamos matá-la. Acabamos com ela antes que...

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As p a la vr a s d e Jasmine for a m s u foca d a s p or u m a violen ta exp los ã o e fu m a ça n egr a . A n u vem r olou en tr e s eu s b r a ços , d e on d e Ruth havia desaparecido. Damien e Syreena ou vir a m o gr it o fu r ios o d a fêm ea d e va m p ir o, uma clara manifestação de frustração e ultraje. O príncipe olhou para sua parceira. — Nico... — os dois deduziram em uníssono. De m a n eir a ger a l, a m is s ã o h a via s id o vitor ios a , em b or a J a s m in e a in d a n ã o s e con for m a s s e com a p er d a d a im p or ta n te p r is ion eir a . S yr een a s a b ia qu e a qu ela h a via s id o a p en a s a p r im eir a d e u m a lon ga s ér ie d e b a ta lh a s , e qu e a in d a ter ia m d e p er cor r er u m a lon ga es tr a d a a té n eu tr a liza r a for ça in im iga . E a gor a a in d a tin h a m d e con s id er a r a for ça a d icion a l d e Nico. Apesar d o in d es ejá vel d es fech o, deviam s e or gu lh a r d o feito r ea liza d o. S u p er a r a d u p la h a via s id o u m gr a n d e p a s s o r u m o à vitór ia fin a l. E s a b ia qu e Da m ien p en s a va com o ela . Nem p or is s o p od er ia m evita r a iminente d is cu s s ã o. S en tou -s e n a ca m a on d e eles h a via m completado a troca na noite anterior. Damien entrou no quarto com uma bacia de á gu a , p a n os lim p os e m a ter ia l p a r a cu r a tivos . S en tou -s e a o s eu la d o, d eixou a bacia sobre o criado-mudo, umedeceu um pano, e só então a encarou. — Vire-se — disse com firmeza. E la ob ed eceu , d eixa n d o-o lim p a r os in ú m er os cor tes em s u a s cos tas. Damien ficou em silêncio por alguns minutos antes de dizer: — Tem tod o o d ir eito d e es ta r za n ga d a com igo. Ap es a r d e tu d o qu e d is s e, s ei qu e d eixei J a s m in e m e con ven cer a fa zer o qu e fizem os . E ela n em p r ecis ou s e esforçar muito. Estava pensando em vingança por causa da morte de Kelsey e por que um vampiro se aliara a Ruth. Não sou nenhum idiota, mas imagino que, para você, eu estivesse agindo como um. — Nã o m e im p or to s e é ou n ã o u m id iota , Damien. O qu e m e in com od a é qu e qu eb r ou u m a p r om es s a qu e h a via feito h or a s a n tes . Con fiei em você completamente sem pedir nada em troca, e na primeira oportunidade... — E u s ei, eu s ei... — ele a in ter r om p eu con s tr a n gid o, b eija n d o s eu om b r o n u m ges to ca r in h os o. — Nã o a gi cor r et a m en te. Pior a in d a foi ten ta r cu lp á -la p ela m in h a d ecis ã o. Tem i p or s u a s egu r a n ça . J a s m in e e eu n ã o h a vía m os s id o detectados, mas quando senti sua presença... — Essa parte foi minha culpa. Agi de maneira irresponsável e impulsiva. Sei qu e p od er ia ter p r ovoca d o a m or te d e tod os n ós . Damien continuou lim p a n d o os fer im en tos d a p a r ceir a . E r a m s u p er ficia is , e es ta r ia m tota lm en te cica tr iza d os n a n oite s egu in te, m a s qu er ia cu id a r d ela . E m p a r te p a r a s e d es cu lp a r , em p a r te porque estava mesmo preocupado, e principalmente por gratidão. Ela se mostrara corajos a con tr a in im igos qu e já a h a via m s u p er a d o u m a vez, e d es d e en tã o r ep r es en ta va m u m a a m ea ça con s ta n t e e u m a fon te d e gr a n d e p a vor p a r a ela . S yr een a er a a cr ia tu r a m a is cor a jos a qu e ele já con h ecer a e or gu lh a va -s e d e tê-la ao seu lado, em sua vida. Quando fin a lm en te ter m in ou d e lim p a r os fer im en tos , S yr een a fez o m es m o p or ele, d es es p er a n d o-s e a o n ota r p ela p r im eir a vez os a n éis d e laceração que marcavam sua pele. 146


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— Damien! — O en ca n ta m en to h a via s id o m a is p od er os o d o qu e p er ceb era a p r in cíp io, es tr a n gu la n do-o em vá r ia s p a r tes d o cor p o com a for ça d a s r a ízes . O dano parecia severo, e a dor devia ser intensa. — Eu sinto muito! — Va i d es a p a r ecer em u m ou d ois d ia s — ele lem b r ou , s or r in d o. — Va leu a p en a , p or qu e a gor a s ei qu em é o va m p ir o tr a id or . E u ja m a is ter ia d es cob er to s em es s e con fr on to. De cer ta for m a , você n os a ju d ou a d es cob r ir exa ta m en te o qu e queríamos saber. Você os fez deixar a proteção do esconderijo. — Na ver d a d e, foi u m a tr em en d a con fu s ã o, e tivem os s or te p or es ca p a r m os relativamente ilesos. — A p r op ós ito, s er á qu e p od e m e d izer com o con s egu iu en ga n a r Nico e Ruth? Como os fez pensar que estava em um lugar onde não estava? — Eu.... realmente não sei. Apenas tive um impulso... Um instinto... — Um instinto de projetar uma ilusão de si mesma enquanto deixava a área visada. — Damien sorriu. — Bem , a ch o qu e já p od em os p a r a r d e es p ecu la r s ob r e qu e p a r te d e m im você r eceb eu n a tr oca . Qu er o d izer , foi u m tr u qu e b em p od er os o, es p ecia lm en te s e con s id er a r m os a h a b ilid a d e m en ta l d os op on en tes que conseguiu enganar. E sendo você uma amadora... —Você não é um amador. — Nã o. Ma s você tem vá r ia s for m a s , é com p eten te em tod a s ela s , e eu n ã o herdei essa característica na troca. — Ta lvez ten h a h er d a d o, s im . Nã o tod os os d eta lh es , m a s s ã o n eces s á r ia s vá r ia s d éca d a s a té qu e s e p os s a m u d a r d e for m a com a fa cilid a d e qu e você d em on s tr ou u m ou d ois d ia s d ep ois d a tr oca . E h oje você s e tr a n s for m ou d u r a n te o voo, algo que poucos conseguem fazer. — Cer to. E n tã o, ta lvez você p os s a p r ojeta r p od er os a s ilu s ões , m a s va i p r ecis a r d e tem p o e p r á tica p a r a p od er en xer ga r es s es m es m os tr u qu es praticados por outras pessoas. — Ah! Então, são duas habilidades diferentes? — S im , tota lm en te d is tin ta s , d oçu r a . Ma s , s e m e en s in a r a a ter ris s a r , eu ensino você a projetar ilusões mais fortes. — Acho que vou gostar dessa habilidade. Por um tempo, cheguei a ter medo de me ver desenvolvendo caninos. — Teve m ed o? E u t ive es p er a n ça d e qu e is s o a con teces s e — ele con fes s ou com um sorriso malicioso e sensual. — Pervertido. — Ela riu. — Você nunca pensa em nada além de sexo? — Com você sentada do meu lado? Nua? Como poderia? — Pa r e com is s o — ela o cen s u r ou , b a t en d o n a m ã o qu e d es liza va p or s u a coxa. — E s tou cob er ta d e s a n gu e e tod a m a ch u ca d a , e ta lvez a in d a es teja m u ito zangada com você. Ainda não decidi. — Por qu e a ch a qu e es ta r cob er ta d e s a n gu e a tor n a m en os a tr a en te p a r a um vampiro?

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— Por qu e o s a n gu e em qu es tã o p er ten cia a u m va m p ir o cor r om p id o p ela magia negra. — Ah ... Bem , es s e é u m a r gu m en to in con tes t á vel. — E le a tom ou n os braços para levá-la até a banheira. — Damien! O que está fazendo? — Nã o ten te m e con ven cer d e qu e n ã o qu er tom a r u m b a n h o. E u s ei qu e quer. — Por qu e s em p r e s e com p or ta com o s e p u d es s e d es ven d a r tod os os m is tér ios d a m in h a m en te? É cla r o qu e qu er o tom a r b a n h o! No m eu lu ga r , qu em desejaria outra coisa? — In felizm en te, a á gu a es tá fr ia — ele d is s e, d eixa n d o-a n o ch ã o p a r a a b r ir a tor n eir a d a a n tiga b a n h eir a d e p és a ltos . — O s is tem a d e a qu ecim en to p r ecis a s er r ep a r a d o, p elo qu e m e in for m a r a m . Ma s im a gin o qu e is s o va i in com od a r m a is a mim do que a você. — S e qu is er , p os s o m a n d a r a qu ecer á gu a p a r a o s eu b a n h o — ela s u ger iu , entrando na banheira sem se incomodar com a temperatura da água. Damien ajoelhou-s e n o ch ã o d o la d o d e for a , cr u za n d o os b r a ços s ob r e a borda de metal e fitando-a diretamente nos olhos. — Lamento ter preocupado você. Syreena suspirou, refletindo por um instante antes de responder: — Nã o é es s e o p on to, Damien. Você qu eb r ou u m a p r om es s a . Is s o é o qu e m a is m e a b or r ece, e tu d o qu e p ed i foi qu e n ã o com etes s e n en h u m a lou cu r a . Pod ia ter fa la d o com igo, s e tin h a u m n ovo p r op ós ito e u m n ovo a r gu m en to. E u n ã o ter ia fica d o feliz p or vê-lo d eixa r o ca s telo com Jasmine, m a s ter ia s id o m elh or d o qu e d es cob r ir p or con ta p r óp r ia qu e h a via s a íd o s em m e a vis a r . S e h ou ves s e m e con ta d o a on d e ia e p or qu e, n ã o ter ía m os p a s s a d o p elo h or r or d es s a noite. Você prometeu considerar meus sentimentos, e tudo que levou em conta foi qu e, s e d is cu tís s em os o a s s u n to, eu m e op or ia e ten ta r ia im p ed i-lo d e fa zer o qu e qu er ia . E a ver d a d e, Damien, é qu e eu ter ia vis to a lógica e os r is cos p or tr á s d e sua intenção. Sempre fui capaz de ver os dois lados de uma questão. Gostaria que tives s e p en s a d o, m es m o qu e s ó p or u m m om en to, em m e ju lga r ca p a z d is s o. Ma s você p r efer iu a gir s em m e d a r s a tis fa çã o. Fu giu com o s e eu m er eces s e s er enganada. — Já expliquei que não estou habituado a dar satisfações. — Nã o é es s e o p on to. Nã o ten h o a m en or in ten çã o d e colocá -lo n u m a coleira, n em d e tr ein a r s u a ob ed iên cia . Is s o ir ia con tr a r ia r a p r óp r ia es s ên cia d o qu e m a is m e a tr a i em você. Tu d o qu e qu er o é qu e n os s a r ela çã o s eja d e fa to u m a parceria, uma ligação que envolva reciprocidade. Sei que é capaz disso. Vejo como s e r ela cion a com Jasmine. E n ten d o qu e va m os p r ecis a r d e tem p o p a r a d es en volver es s e m es m o gr a u d e familiaridade e con for to qu e tem com ela , m a s espero ao menos que se lembre de tentar. — Syreena, a in d a es ta m os a p r en d en d o a n os com u n ica r . S eu p ed id o é r a zoá vel, e s ei qu e ter ia tid o p or m im m a is con s id er a çã o d o qu e d em on s tr ei p or 148


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você. Con tr a r iei u m a d ecis ã o qu e h a vía m os tom a d o ju n tos , e es tou p ed in d o desculpas por isso. — E u ta m b ém com eti u m er r o gr a ve. Agi s em p en s a r , fu i a o en con tr o d o p er igo s em p en s a r n a s consequências, e tu d o p or qu e es ta va fu r ios a e qu er ia manifestar minha revolta. — Tem razão — ele concordou apressado. Syreena riu. —Agora fique quieto e me ajude a livrar-me desse sangue. — Suavizou o comando com um beijo nos lábios do parceiro. — Ach o qu e cr iei u m m on s tr o — ele com en tou , r in d o. — E s tá com eça n d o a soar bastante autoritária ao manifestar seus desejos, princesa. — Lamento informar, mas vai ter de se acostumar com isso. — Acho que não vai ser difícil, doçura. —Nes s e ca s o, s ou ob r iga d a a con cor d a r com você. Ach o qu e n ós d ois podemos mesmo fazer isso dar certo, afinal.

EPÍLOGO

J a s m in e

s en tou -s e n a s om b r a , n ã o n eces s a r ia m en te d ep r im id a , m a s afastada das festividades que se desenvolviam em toda a parte. Damien conseguira. Ele se casara com a princesa licantropo. Agor a p r in ces a d os va m p ir os , d ep ois d e p r om eter a o p ovo lica n tr op o u m a a b d ica çã o for m a l p or oca s iã o d o n a s cim en to d o p r im eir o filh o d e Siena. Havia s id o u m ges to d es ign a d o p a r a a p la ca r u m a p os s ível revolta d ia n te d o ca s a m en to com u m p a r ceir o d e ou tr a r a ça , m a s a a u s ên cia d e lica n tr op os n a cer im ôn ia expressava com clareza como a união era aceita. Ha via a u s ên cia s qu e Damien con s id er a va r a zoá veis , com p a n h eir os qu e n ã o haviam comparecido, apesar de próximos. Mas isso não surpreendia realmente os qu e a lm eja va m d es eja r felicid a d e à u n iã o d a s d u a s ca s a s r ea is d e Nightwalkers. E r a u m r om p im en to d e ta b u s a r r a iga d os e p r oib ições a n tiga s , d e n or m a s en r a iza d a s p r ofu n d a m en te n a p s iqu e d os va m p ir os p or m u ita s ger a ções . A ú n ica cois a qu e os im p ed ia d e p r om over u m a gu er r a civil ou u m a m a n ifes ta çã o d e p r otes to er a m os textos d a b ib lioteca . Lá es ta va m a s con fir m a ções d o qu e J a s m in e r ela ta r a , a h is tór ia d e r itu a is com o a qu ele, r ea liza d os m u ito a n tes d o surgimento do tabu. 149


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Mes m o a s s im , o ca s a l h a via es p er a d o a p r im a ver a p a r a r ea liza r a cer im ôn ia . S ó en tã o, tranquilos n a cer teza d a or ga n iza çã o e d a eficiên cia d o sistema d om és tico d e p olicia m en to, eles a n u n cia r a m o ca s a m en to for m a l. Ha via s id o u m a s á b ia d ecis ã o. O m om en to for a es colh id o cu id a d os a m en te d e for m a qu e a in for m a çã o ju s tifica n d o o ca s a m en to fos s e d ivu lga d a a p en a s qu a n d o a r ed e d e s egu r a n ça d es tin a d a a con ter o com p or ta m en to d os va m p ir os es ta va d evid a m en te in s ta la d a . Tod os já es p er a va m p ela n otícia , é cla r o, p or qu e Damien e Syreena presidiam a corte juntos e publicamente. Porém, as reações a essas manifestações deviam ser contidas por Jasmine e Stephan. Esse era o trabalho deles, agora. E la s or r iu . A a tivid a d e a mantivera b em lon ge d o téd io. E r a es tr a n h o com o a lgo com qu e n ã o con cor d a va p es s oa lm en te p od ia ger a r u m r ep en tin o s en tim en to d e s a tis fa çã o e r ea liza çã o. As in tr iga s n a cor te d os va m p ir os a m a n tin h a m em esta d o d e a ler ta con s ta n te, s em m en cion a r a ten s ã o cr es cen te em tod a s a s comunidades Nightwalkers. Tod a a a tm os fer a p olítica com eça va a m u d a r d e maneira dramaticamente pública. O m om en to er a d e gr a n d e vola tilid a d e. E is s o a a gr a d a va m u ito. O qu e n ã o a a gr a d a va er a o s ilên cio n o r ein o d os tr a id or es . Nã o h a via n en h u m s in a l d eles , com o s em p r e. Nem m es m o com a exp a n s ã o d a r ed e d e s egu r a n ça p elos con tin en tes . Nã o h a via com o s a b er s e Nico es ta va vivo ou m or to. Nã o h a via com o a d ivin h a r qu a l s er ia a p r óxim a tá tica d e Ruth. Na ver d a d e, eles n u n ca s a b ia m o qu e ela es ta va tr a m a n d o, e J a s m in e s u s p eita va d e qu e a fêm ea d e d em ôn io s e tor n a r ia m a is ca u telos a n a m es m a m ed id a em qu e d es en volvia s eu p od er . Ao exp lor a r s u a fr a qu eza , J a s m in e a p u s er a em gu a r d a con tr a eles . No fin a l, s ó conseguira piorar ainda mais a situação. Por ém , s e Nico s ob r evives s e m a is u m a vez, ele p a s s a r ia m u ito tem p o em es ta d o d e tor p or a n tes d e r etor n a r p a r a ca u s a r m a is p r ob lem a s com a n ova a lia d a . J a s m in e p en s ou qu e, com u m p ou co d e s or te, ta lvez tives s em o tem p o d e qu e n eces s ita va m p a r a s e for ta lecer a n tes d e u m n ovo con fr on to com a d u p la . Tin h a d e r econ h ecer qu e o cr éd ito er a d a p r in ces a lica n tr op o. S u a s a ções e a habilidade de luta haviam garantido esse tempo de preparação. — Se o casamento a desagrada tanto, por que veio? Jasmine olhou para a mulher que acabara de falar. Era Malaya, a chanceler dos habitantes das sombras. — J á s u p er ei m eu d es con ten ta m en t o in icia l — J a s m in e r es p on d eu , en colh en d o os om b r os . — Mes m o a s s im , n ã o p os s o fin gir qu e es tou eu fór ica. Fico satisfeita com a felicidade de Damien, mas é só isso. — Ten tei m e coloca r n o s eu lu ga r . Com o eu m e s en tir ia s e m eu irm ã o, cogovernante da nossa espécie, se casasse com alguém de outra espécie? — Chegou a alguma conclusão? — S im . Per ceb i qu e, com o n ã o s ou va m p ir a , n ã o p os s o m e coloca r n o s eu lugar. Mesmo que acontecesse comigo, seria diferente. J a s m in e s or r iu a o ou vir a d ecla r a çã o d e gr a n d e s a b ed or ia . O s or r is o de Malaya brilhou na penumbra. — Sei menos sobre seu povo do que você sobre o meu, por isso também não teria mais sorte na comparação — Jasmine confessou. 150


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— E n ten d o. No en ta n to, s ei r econ h ecer u m a u n iã o p er feita qu a n d o a vejo. Lu ta r con tr a u m a for ça d es s a n a tu r eza s er ia o m es m o qu e ten ta r d eter u m a on d a do mar estendendo a mão. É enfrentar o inevitável. Tolice. — Concordo. Sendo assim, já respondeu à sua questão inicial. — S u p on h o qu e s im . Con h eci o filh o d a p r ofecia p er d id a d o d em ôn io — ela contou. — O r ecém -n a s cid o d a ir m ã d o r ei. Acr ed ita -s e qu e es s a cr ia n ça va i leva r um novo poder aos demônios. — O qu e s ign ifica qu e va i ter d e s er p r otegid o s em p r e. Ruth con h ece a p r ofecia , com o qu a lqu er d em ôn io, e va i ten ta r p ôr a s m ã os n es s a cr ia n ça . O menino e sua contraparte, u m a m en in a qu e va i n a s cer d os Defen s or es . Os d ois ter ã o d e a p r en d er a con viver com o p er igo con s ta n te. Por qu e a lgu ém tem filh os num período tão volátil, expondo os pequenos a tão grande perigo? Não entendo! — Aparentemente, seu governante não concorda com essa avaliação. — O que quer dizer? — Qu er o d izer qu e a p r in ces a es tá em s eu ciclo d e procriação, e o p r ín cip e n ã o s e com p or ta com o qu em p r eten d e fica r lon ge d a p a r ceir a n a s p r óxim a s semanas. Malaya tin h a r a zã o. Damien toca va a p a r ceir a s em es con d er s u a p a ixã o p or ela , b eijando-a s em p r e qu e tin h a u m a op or tu n id a d e, coch ich a n d o em s eu ou vid o cois a s qu e a fa zia m r ir . Syreena n ã o s e com p or ta va com o h a b itu a l con s er va d or is m o, a p es a r d e h a ver d ezen a s d e tes tem u n h a s p a r a a s demonstrações de afeto. — É Belta n e — Jasmine argumentou. — E eles s ã o r ecém -ca s a d os . Tod os se comportam de forma um pouco mais... liberal nessa noite. — E s tá u s a n d o a p en a s os olh os . E u a n a lis o a s itu a çã o com s en tid os m a is abrangentes. Ela está no cio, e é certo que vai haver um herdeiro para o trono dos vampiros. O primeiro em milênios. Filho de um vampiro e uma licantropo. É de se supor... — Por favor, já estou com dor de estômago. Não piore a situação. — Não gosta de crianças? — Od iei s er cr ia n ça . E n ã o gos to d e p en s a r n a s com p lica ções qu e u m filh o d eles p od e tr a zer . Ma s é b ob a gem es p ecu la r s ob r e o fu tu r o. Na d a é cer to. Nu n ca . Pod e s er qu e es s e lon go p er íod o d e ta b u s ten h a d es tr u íd o a com p a tib ilid a d e necessária para a procriação entre as espécies. — Nã o s e d eixe d es a n im a r p or is s o. Su a vid a va i s er ch eia d e excitação e realizações, mesmo que Damien não faça parte dela. — Chanceler, é evidente que não me conhece bem. — Nã o, m a s con h eço o fu tu r o com o ou t r os Nightwalkers ja m a is p od er ã o vêlo. E n ã o fa ça p er gu n ta s , p or qu e es s a é u m a in for m a çã o qu e n ã o d ivu lga m os a s er es d e ou tr a s r a ça s . E s tou fa la n d o com você p or u m a r a zã o. S u a tr is teza tem r a ízes n a h is tór ia , em u m p a s s a d o m a is d is ta n te d o qu e você im a gin a , e s u a felicid a d e d ep en d e em gr a n d e p a r te d o extr em o d es es p er o d e ou tr os . De qu a lqu er m a n eir a , s eu d es tin o é es p ecia l, e com eça a qu i, h oje, com es s a cer im ôn ia . Nã o 151


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ten h o d eta lh es es p ecíficos , p or is s o n ã o m e fa ça p er gu n ta s . S ó p en s ei qu e olh a r ia com m a is gen er os id a d e p a r a s u a s itu a çã o a tu a l s e s ou b es s e qu e Damien e S yr een a u m d ia s er ã o in teir a m en te r es p on s á veis p ela vid a qu e n o fu tu r o você va i conhecer. J a s m in e es ta va s em fa la . Tu d o qu e p od ia fa zer er a p is ca r a tu r d id a en qu a n to a ou tr a m u lh er s e a fa s ta va d ela com u m a gr a ça e u m a elegâ n cia qu e lembravam em grande parte os movimentos de Damien. Dep ois d e u m m in u to, ela s e p er m itiu olh a r n ova m en te p a r a o ca s a l feliz e apaixonado com qu em con vivia fa zia a lgu n s m es es . E les tin h a m con s egu id o aprender a viver um com o outro, respeitando suas contribuições mútuas. Ta lvez, e a p en a s ta lvez, eles p u d es s em ir m u ito a lém d is s o com o p a s s a r d o tempo. É cla r o qu e is s o d ep en d ia ta m b ém d e J a s m in e, e ela p r efer ia ca u s a r m a is a lgu n s p r ob lem a s p a r a a m u lh er qu e r ou b a r a d ela o m elh or h om em qu e já conhecera, antes de ceder de má vontade ao impulso crescente de gostar dela.

*** FIM ***

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