Especial ~ Edição Zero
Movimento SteamPunk Existe mesmo um movimento no país ou é exagero? CyberPunk e SteamPunk O que um tem a ver com o outro e qual o interesse de um pelo outro? Tecnologia e Cultura Qual o impacto da forma como nos relacionamos com a Tecnologia? Juno Corsets Os espartilhos continuam tendo charme nos dias de hoje? O Fascínio do Século XIX Por que o público se encanta tanto com a Era Vitoriana?
...e muito mais!
Edição de Colecionador
VA P O PUB R MAR GIN LIC AC AL Ã O GRA É UMA TUI TA
CON
Editorial
SEL
HO STE A Jane BRASIL MPUN K: iro de 2 011
TEL E 21.8 FONE 530 .651 2
BRU
Janeiro de 2011
EDI TOR NO ACC I O LY
Edição nº 0
vapormarginal.com.br
Vap or: mar gin al por exc elê nci a, evasiv o por nat ureza, intang ível em nome de despis tar definições , rót ulos e avaliações objetivas.
2011: A Revolução do Vapor SEJA BEM VINDO AO FUTURO DO PRETÉRITO UMA MÁQUINA A VAPOR À MARGEM DO TEMPO
É preciso dizer que este periódico é o veículo através do qual mais se poderá compreender cada um daqueles que retiraram o SteamPunk do papel e do acetato para transformá-lo em no Movimento SteamPunk. Mesmo com todos os recursos oferecidos pelos podcasts, vidcasts, e tudo mais de que viemos lançando mão nos últimos dois anos para alcançar entusiastas como você, é aqui que cada um que colaborou com a confecção deste periódico pode se expressar com profundidade. É aqui que os membros participantes do Conselho SteamPunk encontram espaço e tempo para se colocar à margem do momento histórico em que vivem de fato para embarcar em uma viagem crononáutica em direção à uma Era do Vapor que jamais aconteceu. Vapor Marginal é mais que uma revista sobre um gênero literário ou sobre um movimento nele baseado, mas a manifestação orgânica, caótica e fervilhante do imaginário daqueles que aqui se expressam, em um periódico aberta e intrinsecamente anárquico, mas norteado pelo porpourri de valores nobres, éticos e morais que talvez tenham existido mais na ficção que na dura realidade e que vão nortear a Revolução do Vapor em 2011.
Loja São Paulo do Conselho SteamPunk
Loja Paraná
Loja Paraíba
“Nosso maior talento reside na capacidade e disposição para a colaboração, generosidade e produção cultural...”
Bruno Accioly
Continua na pagina 39
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O Con sel ho Ste am Pun k
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Bruno Accioly, Silvia Taschen, Carlos Felippe Savonne, casal de entusiastas, Maicon Minhoto, Lili Angelika, Cássia Elener, Eduardo Castellini, Jesse Soares, Carol Chilwi
DIVULGAR, INSPIRAR E PRODUZIR
COMO FAZER PARTE DO MOVIMENTO?
O Conselho SteamPunk é um grupo crescente de amigos que ajudou a transformar um sub-gênero da ficção científica em movimento cultural, na medida em que tem por meta produzir e incentivar o crescimento da produção de cultura SteamPunk. São quase cem pessoas diretamente ligadas ao Conselho SteamPunk e mais algumas dezenas de colaboradores recorrentes, além de cerca de quatrocentos cadastrados no Registro SteamPunk e na Rede Social SteamBook.com.br. A organização, que funciona fundamentalmente graças ao seu talento para a colaboração e a valores inespecíficos que remetem à um Século XIX imaginário, dá suporte a produção de websites tanto por parte de suas Lojas - g rupos que representam o Estado em que se situam quanto por parte de entusiastas espalhados por todo país. Ainda que tendo raízes em ideais fundamentalmente anárquicos - ou talvez por isso mesmo - o Conselho SteamPunk é uma fraternidade coesa, de abrangência continental e que se orgulha em apontar para o fato de que não precisa de líderes para funcionar.
Para ser um entusiasta não é preciso fazer parte de um grupo. Se você gosta de SteamPunk e se você consome ou produz cultura SteamPunk isso já é suficiente. Para aqueles que tem intenção de se afiliar ao Conselho SteamPunk e ter uma experiência mais completa como Steamer, basta entrar em contato conosco pelos nossos sites ou pelo e-mail conselho@steampunk.com.br e vamos ficar felizes em colocá-lo em contato com a Loja de seu Estado ou mesmo ajudá-lo a fundar uma. EM BUSCA DA HISTÓRIA DE FORMA LÚDICA
Costumamos argumentar, dentro da organização, que a natureza lúdica do Movimento e a diversidade de disciplinas nas quais os Steamers se manifestam funcionam em favor não só da produção, mas da fruição e do resgate cultural, tornando o SteamPunk uma ferramenta poderosa para o ensino e para o aprendizado. Reconhecer o potencial pedagógico do gênero, em um momento no qual se questiona acerca dos problemas educacionais, éticos e morais identificados nas “Terras de Santa Cruz”, o Brasil.
Bruno Accioly
Quando se gosta de SteamPunk você já faz parte do Movimento O SteamPunk não é ligado a qualquer produto, nem exige o pagamento qualquer taxa O Movimento oferece a oportunidade de ensinar e aprender se divertindo e conhecer pessoas que, embora totalmente diferentes, partilham de interesses em comum
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Índ ice
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CHAMADO ÀS ARMAS
O NOCTURLÁBIO
Lidia Zuin entrevista Bruno Accioly e Raul Cândido Ruiz acerca do Conselho SteamPunk
Lidia Zuin entrevista Raul Cândido sobre sua obra literária “O Nocturlábio”.
Página 5
Página 19
TROCANDO CHIPS POR PARAFUSOS
CONTOS
Lidia Zuin fala do interesse dos entusiastas de CyberPunk pelo movimento SteamPunk.
Introdução da área de contos de Literatura Fantástica da revista Vapor Marginal.
Página 6
Página 22
PANIS ET CIRCENSES
MODELO B
Leona Volpe reflete acerca da relação entre tecnologia e cultura, apontando as influências de uma sobre a outra.
Conto de Romeu Martins Página 23
Página 8
OBRAS PÓSTUMAS
Carlos Felippe Sazonne CIDADE PHANTÁSTICA
Página 29
Raul Cândido Ruiz entrevista Romeu Martins acerca de um dos mais movimentados sites sobre o gênero SteamPunk e Literatura Fantástica.
A CIÊNCIA MÍSTICA DE UM VIAJANTE EXTRACORPÓREO
Página 9
Gabriela Barbosa Página 33
JUNO CORSETS
Dana Guedes entrevista os responsáveis pela marca Juno Corsets que confecciona espartilhos de todos os tipos. Página 13
ROTA DE FUGA
Bruno Accioly Página 36
O FASCÍNIO EXERCIDO POR UMA ÉPOCA
2011: A REVOLUÇÃO DO VAPOR
Romeu Martins discorre acerca da força do Século XIX sobre o imaginário do público.
O que esperar do Conselho SteamPunk e do ano de 2011 em termos de produção.
Página 16
Página 39
O Colecionador, R. Matriz 1234, Cidade, Estado CEP | 12-3456-7890 | www.apple.com/iwork
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Cha ma do às Arm as
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Steamers do mundo, uni-vos! VAPOR MARGINAL E STEAMCAST VÊM COMO NOVIDADE PARA OS QUE NÃO SÃO MEMBROS DO CONSELHO STEAMPUNK No ano de 2010, o termo SteamPunk atingiu um significativo pico de popularidade, prometendo, no entanto, não perder o ritmo em 2011. O movimento cultural esteve presente tanto na imprensa quanto nos lançamentos de editoras de literatura fantástica e de ficção científica (FC), além de outras áreas como a moda, música, artes plásticas e cinema. Em 2008 já havia sido criado um grupo dedicado ao gênro, o Conselho Steampunk – fundado pelo carioca Bruno Accioly e os paulistas Raul Cândido e Carlos Felippe. Em entrevista com os dois primeiros, respectivamente representantes da Loja Rio de Janeiro e São Paulo, tiramos algumas dúvidas que podem estar remanescentes aos interessados e curiosos.
Como, por exemplo, o que seria Steampunk? Para Cândido, trata-se de uma construção de universos literários semelhantes aos da literatura científica produzida no século XIX, em que o cenário político, social e estético vitoriano contrastava com adventos tecnológicos. Accioly vai mais a fundo, entendendo o gênero como algo que vai além de suas fronteiras originais (a literatura), tornando-se sinônimo de um movimento que se fundamenta no conceito do DIY (do it yourself), com uma releitura “retrofuturista do século XIX”. Bruno conta que o termo surgiu como uma sugestão do escritor K.W.Jeter ao seu editor, conforme ele descrevia obras de James Blaylock, Tim Powers e as próprias, que emulavam a FC produzida no século XIX por autores como George Tucker, Edgar Allan Poe, Julio Verne e H.G.Wells. Devido à essa abrangência, Accioly, Cândido e Felippe resolveram criar o Conselho Steampunk, de forma a divulgar e incentivar a produção artística do gênero. “Além disso, é nosso objetivo é inspirar, homenagear e produzir cultura Steam”, diz o representante da Loja Rio de Janeiro. A iniciativa fomenta entusiastas fornecendo infraestrutura gratuita para qualquer pessoa ou grupo interessado em
fundar, em seu estado, uma Loja – termo usado para simbolizar segmentos do Conselho. Esse suporte é feito através de redes sociais e sites, como o SteamBook e o aoLimiar, sendo este uma fonte para editoras e produtoras cinematográficas. “Fazemos um trabalho sem fins lucrativos de assessoria de comunicação, ao mesmo tempo que nos divertimos e produzimos cultura S t e a m p u n k ” , a fi r m a A c c i o l y, responsável por todo o aparato online. Assim, a revista Vapor Marginal tornase mais um meio de expressão dos fãs que fazem parte do Conselho. “É ao mesmo tempo um jornal literário, um pasquim escandaloso, uma revista para damas, um tratado pirata e tudo o mais que for necessário”, brinca Cândido. A publicação tanto visa cobrir eventos, obras literárias e apetrechos Steampunk quanto trabalhar a história e filosofia do século XIX, “desde o que existiu até o que deveria ter existido”. Esta iniciativa é firmada no contexto brasileiro, tendo o Steamcast como opção inter nacional e bilíngüe (português e inglês). Além dessas novidades, Accioly antecipa que estão negociando a mudança do esquema editorial dos sites SteamGirls.com.br, SteamBoys.com.br e SteamPedia.com.br, além da rede social SteamBook.com.br. “É esperada, também, uma mudança de estrutura e projeto gráfico do site do Conselho Steampunk e de nossa rede social”, acrescenta.
Lidia Zuin CON SELH O STEA MPU NK MODELO: LIDIA ZUIN FOTO S: LETÍC IA TATS CH
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Ste am Pun k vs. Cyb erP unk
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Trocando Chips por Parafusos FÃS DO CYBERPUNK DEMONSTRAM INTERESSE PELO STEAMPUNK A cultura pop tem trazido grandes – e obscuros – gêneros da ficção científica à tona. Com o lançamento do filme Matrix, em 1999, o primeiro ro m a n c e d e Wi l l i a m G i b s o n , publicado em 1984, retornou com força: as comparações entre a obra d o s i r m ã o s Wa c h o w s k i c o m Neuromancer incentivaram os espectadores a pesquisar mais sobre o Cyberpunk. Foi assim que Mariana Sgambato, de 28 anos, descobriu esse segmento da FC. Autora do blog Mundo em Distopia, onde publica esporadicamente resenhas de filmes, bandas e eventos que envolvem a cena cyber e steam, Mariana conta que o primeiro contato com o Steampunk foi durante uma pesquisa sobre moda gótica. “Acabei me deparando com cosplayers de Steampunk, os quais logo chamei de ‘Cyberpunk bisavô’, por imaginar que se na época do meu avô se contemplasse o Cyberpunk, ele seria esse tal de Steampunk – eu mal sabia que era isso mesmo!”, relembra. Foi assim que Mariana adentrou ao mundo “punk” da FC. Apesar da e t i m o l o g i a s u p e r fi c i a l m e n t e aproximar as duas vertentes, o jornalista Fábio Fernandes, autor da ficção cyberpunk Os Dias da Peste e do livro A construção do imaginário cyber, explica que o Cyber e o Steampunk em muito se diferenciam, principalmente no campo da literatura. Segundo ele, a única congruência entre as vertentes é que William Gibson e Bruce Sterling, fundadores do Movimento Cyberpunk, escreveram The Difference Engine, livro considerado o marco inicial do Steampunk – apesar de obras como Morlock Night e Infernal Devices, de K.W. Jeter, que foi quem
cunhou o termo “SteamPunk”, serem anteriores. Acontece também que o Cyberpunk é muito mais crítico, politizado e ideológico que o Steampunk, ilustra Fernandes: “O Cyber faz questão de mostrar o abismo entre os muito ricos e os muito pobres, mas sempre mostrando que os mais pobres, apesar de vítimas, não esperam apoio e acabam sucateando a tecnologia dos países desenvolvidos, recriando-a a sua imagem e semelhança”. Enquanto o Cyber traz mensagens anarcolibertárias e esquerdismos, o Steampunk poucas vezes faz jus à parte de seu nome. “O Steam não é punk a não ser como homenagem etimológica ao seu primo Cyber”, afirma o jornalista. As ressalvas do Steam seriam alguns poucos autores, como Paul Cornell que, em Catherine Drewe, criou cenários revolucionários nos quais há tentativas de derrubada do Império Britânico. Seria, então, o amor pela tecnologia o elo entre o Cyber o Steam, o qual acaba se tornando também a isca de um para os outros punks da ficção científica. No entanto, as preferências per manecem: Mariana insiste no Cyberpunk. “Creio que isso se deve ao fato de que o Steampunk tem referências no passado e, assim, acaba ficando só no campo da ‘imaginação’, no mundo das idéias. O Cyberpunk é real e acontece todos os dias. Isso me fascina”, declara. Já Fernandes acredita que o Steampunk seja muito mais factual que o Cyber, por abordar engenhocas já inventadas
previamente e sem reinventá-las demais. “O Steam se apóia muito no que aconteceu de verdade do que o Cyber, o qual costuma extrapolar mais”, argumenta. Mesmo assim, quando questionado sobre sua preferência, o escritor confessa: “Cyber. Sempre”. A ESTÉTICA
De longe, parece até que as ladies vitorianas de goggles e cartolas têm a ver com as runners pós-modernas de dreadlocks e também goggles. É com os acessórios que o Steam e Cyberpunk mais visualmente chamam atenção. O estudante de jornalismo Paulo Lutero, de 20 anos, ao conferir um teclado de computador estilizado como teclas douradas de uma máquina de escrever, mostrou-se fascinado. “O que é isso? Steampunk? Também quero ser Steampunk!”, disse rindo. “É por ser fruto da imaginação e por não ter qualquer referência real que a estética Steampunk encanta muito. É criar uma arte: aqueles
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Ste am Pun k vs. Cyb erP unk apetrechos com jeitão retrô, mas que são maravilhas tecnológicas super avançadas, mesmo que feitas com uma técnica ultrapassada como o vapor”, complementa Mariana. Já Fernandes é menos fashion e mais técnico ao afirmar que o Cyber e o Steampunk não possuem semelhança visual alguma. “O que pode haver em comum é o gosto pela tecnologia aparente, ou seja, dispositivos e circuitos visíveis do lado de fora das máquinas”. Para ele, são as diferenças que se sobressaem: o Cyberpunk se assemelha à época de onde vem (anos 1980), apesar da pretensão de emular um futuro distante; o Steampunk se volta ao fim do século XIX, ou seja, ao passado, e, por isso, não se modifica muito. “O Cyber tem se reinventado nos últimos anos e já está na terceira geração, sendo que o marco da primeira é William Gibson, da segunda são Neal Stephenson e Cory Doctorow e, da terceira, David Louis Edelman, Davis Williams e Ted Chiang. O Steam, por sua vez, apesar de ter a mesma idade do Cyber, não mudou em termos de estética e pensamento – até porque não é sua intenção mudar”, conclui. O PÚBLICO
No dia 4 de junho, o escritor e jornalista Carlos Orsi lançou mais um livro de ficção científica, agora pela Editora Draco. “Guerra Justa”, considerado Cyberpunk, vai em contrapartida à
grande febre Steampunk que ronda o Brasil. “O livro já existe há um bom tempo, só demorou a ser publicado. Quando comecei a trabalhar nele, o Steampunk ainda não tinha estourado. Não o fiz para ser ‘do contra’”, revela. Orsi compreende que o público interessado em ficção especulativa está mais preocupado com boas histórias, independentemente do segmento da FC que elas seguirem. “Estou certo de que quem se encantou a sério com o Steampunk logo sentirá, se não está sentindo ainda, curiosidade sobre os gêneros irmãos”. E vice-versa. E essa convivência entre os gêneros não se dá de forma
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necessariamente conflituosa. “Não creio que o grande interesse pelo Steampunk esteja ‘esmagando’ o Cyberpunk, da mesma forma que o Cyberpunk não ‘esmagou’ a spaceopera, digamos. O fato é que existe uma oscilação natural entre as preferências do público, que vão e vem”, argumenta Orsi. Ele vê no Steampunk o valor de um convite à reflexão sobre o presente. “O desenvolvimento mecânico desenfreado que muitas obras Steampunk pressupõem oferece uma metáfora até certo ponto romântica para a nossa era de grande d e s e nvo l v i m e n t o e l e t r ô n i c o e informático”, comenta. No fim, o entusiasmo com o Steampunk vem por conta da máscara de novidade que a vertente veste hoje. “Acho que existem boas histórias em ambos os gêneros. Do meu ponto de vista, embora a estética Steampunk – madeira, bronze, dirigíveis – tenha um apelo maior atualmente, o gênero ainda não me parece ter atingido o mesmo grau de maturidade que o Cyberpunk obteve. Mas está caminhando para isso”, conclui Orsi. Talvez os velhos punks futuristas estejam querendo acompanhar de perto a trajetória dos novos punks vitorianos.
Lidia Zuin
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Pan is Et Cir cen ses
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Uma reflexão sobre Tecnologia, Cultura e as consequências de uma sobre a outra LEONA VOLPE FALA DAS NOSSAS FERRAMENTAS E DE NOSSA RELAÇÃO COM ELAS “Pão e Circo” já era o lema de Roma antes mesmo do homem conhecer a tecnologia e os seus benefícios, pois afinal, não há nada que a população deseje com mais afinco do que diversão e comida e é isso o que move a conciliação entre as nações desde tempos imemoráveis, afinal o que promove mais a integração e a aparente fraternidade das pessoas do que uma bela festa? Atualmente a evolução tecnológica não tirou o nosso pão, mas foi capaz de nos dar um circo muito mais viciante e interessante do que qualquer outro que já tenhamos conhecido. Quem já não passou horas em frente a um computador jogando um game simples, nada inteligente, mas que conseguiu deixálo vidrado? Sangue, massacre, violência... Ah, César já conhecia esse tipo de entretenimento, eram conhecidos como Gladiadores! Acredito que a política seja um jogo extremamente interessante de ilusionismo, de modo que ao mesmo tempo que o mágico tira uma importante carta do baralho, sem permitir que seus atentos espectadores notem, ele a substitui por outra apenas para ludibriá-los com a sensação de que eles viram o que eles queriam ver. Tirar o conhecimento e presentear diversão gratuita tem funcionado por milhares de anos, como uma forma de alienar a população e fazê-la se sentir feliz com que ela tem, com o tangível a sua frente, ao invés do idealizado por trás da cortina vermelha, e a tecnologia tem sido uma importante ferramenta neste processo, nos tornando cada vez mais vulneráveis e dependentes. Quantos dos leitores deste artigo, caso se perdessem em um local onde
não há sinal para celular, e tendo apenas suas próprias noções de direção, conseguiria sobreviver em uma floresta, por um dia que seja. Melhoremos; quantos saberiam acender uma fogueira? Agora, o que aconteceria a essa população desnorteada caso não houvesse mais esses agradáveis veículos de comunicação? Sem energia elétrica, sem computadores, sem internet. Quem seríamos nós? O que teríamos aprendido? O que ensinaríamos as gerações futuras? Nós temos filmes, livros, peças de teatro e programas de TV, que não dizem nada, apenas colaboram para que, ao invés de nos preocuparmos com o que realmente importa, nos detenhamos no que iremos vestir, como pentearemos o nosso cabelo e o que a mocinha da novela está usando. Isso também é um comércio, há estudos que apontam que até os nomes que os pais dão aos seus filhos, muitas vezes têm ligações com nomes de personagens de novelas! Cria-se um modelo do que existe em maioria por aí: a jovem desajeitada, feia, sem graça, que ninguém quer e então, inesperadamente ela encontra seu príncipe encantado, e ele é lindo e cobiçado por todas as outras! Ao menos os contos-de-fada possuem uma lição de moral, algum conhecimento para passar a quem os lê. Faz bem que as donas de casa devaneiem sobre o romance de seus sonhos, enquanto esquecem suas vidas e a de seus filhos? Criando uma nova geração de solitários e histéricos, que não conseguem suportar a própria família — e não lutarão pelos s e u s d i r e i t o s, c o m p l e t a m e n t e naufragados na sua busca pelo esquecimento! Onde está a
preocupação com a educação, com a saúde e com o crescimento do país? Mas aqui deve existir espaço para todos os julgamentos: obviamente a tecnologia também trouxe os avanços da ciência, e esta se superou grandemente e se supera a cada dia mais, trazendo infor mação, medicamentos e cura para o que há séculos atrás causava mortes, portanto não posso apontar para os que contribuíram para esse avanço e acusá-los de serem monstros, pois não é a coisa em si que é perigosa e sim a maneira como é usada, e até manipulada. Mas é uma escolha da população ser idiotizada (alienada) ou não! Troque de canal, saia daquele site, ouça outro tipo de música. Uma busca por algo que não irá nos levar a lugar algum, é uma busca tola, e de fato conseguiremos chegar a lugar nenhum. No fim não teremos crescido, seremos crianças brutas se divertindo com um brinquedo novo, pois é isso o que temos visto. Encontramos a democratização da cultura, o conhecimento livre para todos e simplesmente não sabemos o que fazer com esse novo poder. Digo, nós não sabemos o que fazer com ele, porque os poucos que conseguem enxerg ar além, já descobriram uma funcionalidade bem interessante. Porque temos de admitir que não é interessante que a população pense, pois gado que pensa não vai querer ficar confinado, fornecendo leite e carne para uma gigantesca população faminta, sem se rebelar, não é verdade?
Leona Volpe
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Cid ade Pha ntá sti ca
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Entrevista com Romeu Martins sobre o blog Cidade Phantástica RAUL CÂNDIDO RUIZ INTERROGA ROMEU MARTINS Tendo se popularizado bastante por meio da coletânea SteamPunk da Tarja editorial o universo de Cidade Phantástica transcende a noveleta e permeia uma série de contos. Alem dos contos também há o blog homonimo que nos traz constantes novidades nacionais e internacionais sobre o universo Steampunk. Vapor Marginal: Em primeiro lugar vem a pergunta que não quer calar: Quem é Romeu Martins? Fale um pouco sobre o Terrorista. Romeu Martins: A mais metafísica das perguntas. Vapor Marginal: Quero saber de onde surgiu o Terroristas da Conspiração. Romeu Martins: O Terroristas da Conspiração surgiu numa piada, era para ser só uma piada. Estávamos conversando numa comunidade sobre FC do Orkut, quando um membro chamado Fábio Neves usou uma expressão curiosa para se referir ao que normalmente é chamado de teóricos da conspiração. Ele chamou o grupo de teoristas. Juro que, de cara, li "terroristas" e comentei que daria um conto. Na mesma hora, Fábio Fernandes, criador daquela comunidade, a maior em português dedicada à FC, me incentivou a escrever o tal conto. Nunca tinha escrito ficção na vida, nem científica nem de tipo algum. Mas fiquei com aquilo na cabeça e fui juntando ideias. Assim nasceu um conto chamado "A teoria na prática" que é praticamente uma fanfic de Planetary, do Warren Ellis, HQ protagonizada por um certo Mr. Snow. Dali, vieram mais contos, convidei outras pessoas a escreverem naquele universo, que hoje conta com um livro na rede aoLimiar, criada pelo Conselho Steampunk. E reforço o convite, quem quiser escrever naquele universo, ele está aberto para contribuições. Ah, sim, o conto acabou sendo publicado em uma coletânea chamada Paradigmas, a primeira de uma coleção, pela Tarja Editorial. Entre os
colaboradores que já escreveram para os Terroristas está Alexandre Lancaster, parceiro da coletânea Steampunk. Vapor Marginal: Em particular o seu conto: A Teoria na prática. Teve influências de Ellis como você mencionou, mas também mencionou Cory Doctorow e Grant Morrison. Romeu Martins: Ah, sim. Doctorow pelo fato de o conto ser algo na linha do cybernow, com a tecnologia existente nos dias de hoje já criando uma atmosfera que antes Romeu Martins só imaginávamos em futuros cyberpunk Grant Morrison pela série Invisíveis e toda a linha de conspirações que ele cria. Tem outras coisas do Warren Ellis que me inspiraram, aquele mundo é uma espécie de deturpação do conceito de Frequência Global. É uma FG do mal, podemos dizer. E ali nasceu uma certa obsessão minha com protagonistas monocromáticos. Sr. Neves é branco dos pés à cabeça grisalha e João Fumaça, de "Cidade Phantástica", é cinza de alto a baixo. Tenho um outro sujeito, de um conto de fantasia urbana ainda inédito, que só se veste de preto. E outro, de um espada e magia, todo dourado. Uma pequena obsessão particular ;) Tenho um esboço de um mundo cyber punk protagonizado por uma mestiça de índios ruiva, também, hehe Vapor Marginal: No terroristas da conspiração também conta com contos de diversos outros autores não? Romeu Martins: Sim, autores como Ludimila Hashimoto e Rafael Lupo. Naquele blog onde publiquei os contos, eu também abri espaço para textos de outros autores. Dezenas deles, mas a maioria não faz parte do universo dos TdC. Daí publiquei contos do Fábio Fernandes,
SteamPunk não é um modelo único, não é só um subgênero da ficção científica
SteamPunk É algo que pode se integrar à literatura fantástica em geral, pode fazer parte da fantasia, do horror, pode ser uma utopia, pode ser distopia
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Cid ade Pha ntá sti ca
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alguns do ebook dele "Interface com o vampiro". Bem como do Carlos Orsi, Tibor Moricz, Maria Helena Bandeira, Rodolfo Londero... dezenas de autores. www.terrorcon.blogspot.com Vapor Marginal: Me Conte um pouco de Romeu martins o Jornalista, sua trajetória profissional. Acredita que o Jornalista influencia o escritor? Romeu Martins: Eu sempre gostei de ficção científica como leitor. Mas como jornalista, tinha um forte bloqueio para pensar em escrever ficção. Mesmo quando me envolvi em um projeto de quadrinhos, eles eram de não-ficção.
Romeu M
Mas a influência da FC está na profissão, já que desde sempre escrevi sobre tecnologia. Já fui sócio de uma editora, a Azimute, que publicou uma revista de ciência e tecnologia chamada Nexus (juro que não pensamos em Blade Runner ao batizá-la) e mais recentemente comecei a escrever livros na mesma área. Dai, com aquele impulso do conto sobre os Terroristas da Conspiração, fiz um mashup desses mundos. E acho que dá para ver a influência jornalística no tipo de conto que escrevo, na linguagem. Vapor Marginal: Me perdi um pouco com uma coisa tudo bem? Quando falou dos quadrinhos sublinhou: NãoFicção. O que quis dizer ? Romeu Martins: Era um projeto de resenhas de quadrinhos feitas em quadrinhos para o trabalho de conclusão de cursos de amigos meus, da faculdade. Semelhante ao que Scott McCloud fez numa trilogia de livros: Desvendando os quadrinhos, Reinventando os quadrinhos e Desenhando quadrinhos. Resenhei dessa forma a graphic novel Asilo Arkham, de Grant Morrison e Dave McKean, e o mangá Akira, de Katsuhiro Otomo. A terceira história ficou inédita no papel, era uma comparação entre o mangá Gen – Pés descalços, de Keiji Nakazawa, e a graphic novel Maus, de Art Spiegelman. Como pode ver, até assim eu não escrevia ficção, eram quadrinhos jornalísticos.
artins
quadrinhos do Warren Ellis eu já era fã do inspirador, Hunther Thompson. Spider Jerusalém é uma grande figura, mas não tenho a verborragia cybergrunge dele. Talvez quando eu tinha uns dez anos e uns dez quilos a menos. Até porque já tivemos um site aqui em Santa Catarina chamado O Malaco, dez anos atrás, que era uma tradução muito livre para o termo Punk, como no zine de Legs McNeill que acabou batizando todo o movimento. Vapor Marginal: Bem, falemos um pouco então sobre Cidade Phantástica. A Noveleta e o universo que a permeia. Inspiração? Romeu Martins: Foi tudo planejado a partir do convite para escrever na coletânea. Eu nunca tinha pensado a sério em escrever algo no gênero, apesar de que em um conto dos terroristas, "Espírito animal", eu dava uma brecha para algo assim. Na época do convite, feito por Gian Celli, estava comprando uma série de revistas de uma coleção da História Viva sobre as estradas de ferro no Brasil. Numa das edições, a primeira, eles relembravam que o Barão de Mauá era citado no livro Da Terra à Lua de Jules Verne. Esse foi o embrião de tudo.
Vapor Marginal: Qual o seu ponto de vista sobre a natureza da crítica literária?
Vapor Marginal: Alguma identificação entre autor e herói?
Romeu Martins: Eu não tenho formação em letras. Sou jornalista, mas sempre gostei de escrever resenhas sobre livros, quadrinhos, cinema.
Romeu Martins: João Fumaça é um herói meio sui generis. Não é alguém que se destaque pelo físico, gosta de se vestir como eu, hehe. Acho que ele poderia ser uma versão mais magra e mais fumante de mim. Um policial tísico.
Sendo assim, não sou exatamente um teórico da área. Mas fiquei conhecido entre escritores de FC do Brasil justamente por uma série de resenhas e de entrevistas de livros lançados nesta década. O material foi publicado no site www.over mundo.com.br e em outro blog www.romeumartins.blogspot.com. Então, meu ponto de vista é o de alguém mais prático do que teórico, pode-se dizer ;) Vapor Marginal: Alguma identificação com Spider jerusalém( só que com bons modos)? rs Romeu Martins: Hehe. Antes mesmo de ler aqueles
Mas acho que todo escritor se enxerga um pouco em cada personagem, não? No protagonista de "A diabólica comédia", por exemplo, há bastante de uma certa história da minha vida, apesar de tudo ser disfarçado em um conto de espada e magia. Vapor Marginal: Este resgate da cultura brasileira por meio de personagens históricos e oriundos de telenovelas foi planejado? Acredita que este seja um papel importante da literatura nacional?
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Cid ade Pha ntá sti ca Romeu Martins: Eu não gosto de levantar bandeiras, nem de pregar algo tão controverso quanto o nacionalismo. Mas não vou negar que a ideia de fazer um resgate do tipo me agrada. Veja, as inspirações iniciais daquele texto foram o romance de um francês, Jules Verne, e o conto de um inglês, Artur Conan Doyle. Mas eu queria que a história tivesse algo de nacional, para não simplesmente se passar no Brasil. Então, pensei num personagem, em domínio público, como os outros, que é também o mais famoso vilão da ficção brasileira. Achei isso simplesmente irresistível usá-lo na noveleta. O romance de onde ele veio foi escrito no século XIX e também foi adaptado em telenovelas de muito sucesso. A telenovela é nosso folhetim, nossa literatura pulp em forma eletrônica. Acho que é uma homenagem justa algo assim estar ao lado de Verne e de Doyle. Mas há mais um pouco de literatura brasileira em “Cidade Phantástica”. Ela se encerra com uma citação a Machado de Assis, mas usada numa brincadeira com histórias em quadrinhos. Esse é um dos grandes baratos do SteamPunk. Podemos nos apropriar de coisas que marcaram a vida de gerações anteriores e usar para algo nosso. E uma das coisas mais complicadas da noveleta foi mexer com tantos elementos díspares. Eu uso nela personagens de Verne entre uma página e outra de um mesmo livro. No caso do conto do Doyle, a história se passa anos antes de quando os personagens em questão foram criados, quando eles ainda eram jovens. E no caso do livro brasileiro, a noveleta é situada quase dez anos depois do período em que ela se passa. Harmonizar tudo isso foi um desafio muito legal, teve uma boa dose de pesquisa ali. Vapor Marginal: Dois elementos bastante peculiares na noveleta que gostaria que comentasse, são a presença do Gun Club e existência de uma Malta tão peculiar. Romeu Martins: O Gun Club é uma criação maravilhosa de Verne. Engenheiros bélicos americanos querendo um uso pacífico para seus conhecimentos. A gênese da NASA! Claro que o sonho de Impey Barbicane não poderia agradar a todos e foi um prazer caçar um descontente no meio daquele grupo ;) A Malta foi uma interação muito legal com meus beta readers. No início eu queria brincar com as expressões que Alan Moore usa em sua série Liga Extraordinária. O nome da gangue de assaltantes de trens seria Vagabundos Vaporosos. Uma beta gostou, outros dois odiaram. Daí mudei pra Malta do Vapor. Veja que a ideia era brincar com a questão da tradução mal feita, como fizemos naquele site, O Malaco. Na mesma frequência de usar personagens brasileiros no meio de criações estrangeiras. Pelo mesmo motivo que João Fumaça vira John Steam quando os americanos falam com ele. Então Malta do Vapor é igual a Vagabundos Vaporosos que é igual a... SteamPunk ;)
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Vapor Marginal: O Web-site surgiu para divulgar a noveleta e acabou se transformando em um folhetim S t e a m P u n k b a s t a n t e p o p u l a r. C o m o fo i e s t a transformação? Romeu Martins: Pois é, aquele era pra ser um blog totalmente descartável. A ideia era apresentar o universo e interagir com os comentaristas, para me ajudar a fazer algo que nunca tinha feito: um texto ficcional maior que um conto. Mas eu gosto de, sempre que possível, tentar agregar mais gente, interagir mais com mais autores. Então, ao longo dos meses, a coisa passou a ser um blog sobre o projeto de outras pessoas também. Acho que começou com uma resenha de uma flash fiction que o Fábio Fernandes publicou no site Everyday Weirdness. Que na época eu nem sabia, mas, foi a base do conto que ele publicou também na coletânea SteamPunk, da Tarja. Dai pra frente, comecei a ver o que estava acontecendo no país em termos de produção nacional no gênero e tudo o que fiquei sabendo fui publicando por lá. Começou como uma ferramenta auxiliar pra noveleta, passou a ser o espaço da clipagem das resenhas do livro e uma fonte de informação sobre o SteamPunk no Brasil. Vapor Marginal: Qual a fonte das noticias que chegam até nós pelo blog Cidade Phantástica? Romeu Martins: Vocês, do Conselho, pelos blogs hospedados no Steambook. Muitos dos meus contatos no Twitter, pessoas que espontaneamente me mandam sugestões, consultas periódicas ao grande oráculo Google, que me ajudou a encontrar, por exemplo um cara que faz action figures SteamPunk em São Paulo e um outro na Amazônia que escreve um projeto no gênero... enfim, as mais variadas possíveis, dentro dessa loucura que foi se tornando no país, com gente produzindo romances, contos, noveletas, quadrinhos, traduzindo dentro do gênero. Vapor Marginal: Acredita que a divulgação do SteamPunk tenha contribuído com a literatura fantástica como um todo?(está é pessoal, ok?) Romeu Martins: Eu acho que literatura é uma dessas coisas raras em que a concorrência só faz aumentar o consumo. Veja, alguém que começa a ler ficção fantástica por um gênero raramente vai se manter só nele, certo? Seja SteamPunk, space opera, distopia, cyberpunk... Um leitor que se forma ali, vai querer mais, conhecer mais coisas, estilos, gêneros, autores diferentes. Acredito que a onda steamer só tem a colaborar com tudo o que se venha a produzir e a se consumir no Brasil. Vapor Marginal: Na sua opinião particular qual é o papel das novas mídias na divulgação da literatura? Romeu Martins: É irreversível que elas ocupem mais e mais importância. Veja o caso da coletânea SteamPunk,
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Cid ade Pha ntá sti ca de blog em blog, de link em link, ela chegou a alguns dos espaços mais cobiçados de divulgação da literatura de gênero mundial, não? Na Locus Magazine (onde o termo SteamPunk foi criado) e no site da Wired, pelo blog de Bruce Sterling, um dos criadores do gênero. Isso só foi possível pelo trabalho maravilhosamente espontâneo das dezenas de pessoas que comentaram a coletânea. Vapor Marginal: E atualmente esta é uma ferramenta útil para autores, editoras e público? Romeu Martins: É a mais democrática de todas. Autores podem divulgar seus textos, editoras podem divulgar seus livros, o público pode mandar seu recado. Veja, eu não sou a Pollyana, longe disso, nem o Doutor Pangloss. Não acho que vivemos no melhor dos mundos, muito melhor se tivéssemos aqui uma imprensa especializada nesse nicho como acontece nos EUA, na Inglaterra. Mas a opção que temos é essa, então, vamos fazer o melhor uso que pudermos dela, certo? Estamos na Frequência Global – no sentido original, não na minha deturpação cínica ;) Vapor Marginal: Ahn... tem uma coisa que não posso deixar passar. O Universo da noveleta está se expandindo não? O que pode contar a respeito? Romeu Martins: Engraçado que ele começou a se expandir antes mesmo da noveleta sair. Enquanto esperava a resposta se o texto era ou não aprovado na coletânea, eu acabei participando de um concurso organizado por um artista plástico californiano. Mandei um miniconto, traduzido para o inglês por Ludimila Hashimoto, a mesma tradutora de Difference Engine de Sterling e Gibson, e o texto foi publicado lá. Esse miniconto deverá sair refeito e em português em um zine. Também escrevi uma nova noveleta, chamada "Tridente de Cristo", mas ainda não tenho informação sobre a coletânea na qual ela deve sair, Por fim, há o conto publicado na Vapor Marginal, que nasceu a partir de uma ilustração que me foi enviada por Tibúrcio, veterano colaborador da Mad. E não sei para onde mais o universo pode ir. Eu gostaria de escrever mais textos, tenho uma vaga ideia de qual seria o destino final de João Fumaça, mas não sei bem como ele chega lá ;) Acho que é bom o escritor não ter muitas certezas. Espero que o interesse do público e das editoras em relação ao SteamPunk continue para além do Ano do Vapor. Acho que um bom indicativo de que isso está ocorrendo, até mais do que obras inteiramente dedicadas ao gênero, são coletâneas mistas em que surgem elementos retrofuturistas infiltrados entre outros estilos. Caso de Brinquedos Mortais e de Imaginários 3, da Draco, que vão trazer respectivamente um conto sandalpunk, de Carlos Orsi e dois SteamPunk, um de Douglas MCT, outro de Fábio Fernandes.
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Isso, me parece, é uma boa prova de maturidade para além de qualquer oba-oba. Não podemos ficar numa nota só. Mas acho importante também não vivermos de ondas, de modismos. Veja, no exterior, obras steamers concorrem e ganham prêmios que não são exclusivos, como Boneshaker, de Cherie Priest. Esse é o melhor cenário que poderia ocorrer no Brasil, a cultura a vapor fazer parte integrante do todo e não ser um gueto isolado. Vapor Marginal: Romeu, existe uma pergunta que sempre faço às pessoas que entrevisto. Tente definir o SteamPunk em uma frase. Romeu Martins: Rum, steam, iron. Sabe o que é isso? É um anagrama pra Romeu Martins e pretendo que seja o título de um conto SteamPunk sobre piratas. Seria um bom lema e uma boa definição, não? Rum, vapor e ferro. Bem, SteamPunk não é um modelo único, não é só um subgênero da ficção científica. É algo que pode se integrar à literatura fantástica em geral, pode fazer parte da fantasia, do horror, pode ser uma utopia, pode ser distopia. É algo fascinante e que pode se integrar às propostas de praticamente todos os nossos escritores de literatura especulativa. Desejo a eles que pelo menos uma vez experimentem se aventurar por esse subgênero ;) É bom lembrar que há novidades internacionais... Isso é algo em primeira mão para você e para a revista. Como todo mundo sabe, a onda atual, internacionalmente falando, do gênero começou com o trabalho de um americano e de sua esposa. O casal Jeff e Ann VanderMeer que editaram a coletânea Steampunk. Para o orgulho de todo mundo que escreve FC no país, essa coletânea vai ganhar uma continuidade, num projeto chamado Steampunk Reloaded e vai trazer em suas páginas o texto de um brasileiro Fábio Fernandes, com parte do material que saiu na coletânea brasileira e no já citado Everiday Weirdness. Também vai haver uma edição on line com a íntegra da noveleta de outro brasileiro, Jacques Barcia, que também saiu na coletânea nacional. Isso já foi anunciado. Mas uma outra novidade é que Jeff VanderMeer está finalizando agora um projeto tão ou mais ambicioso quanto. O nome é Steampunk Bible, um livrão de arte que deve servir de referência para o gênero em vários campos, da moda à literatura. Neste livro, vamos poder encontrar entrevistas com aquela dupla, o Fábio e o Jacques e, para minha felicidade, um trecho da noveleta "Cidade Phantástica", traduzido para o inglês por Fábio Fernandes. Que, aliás, te mandou um abraço ;) Romeu Martins: É um autêntico coffetable book ;) Quando o Fábio me deu a notícia eu nem acreditei. É, simplesmente, fantástico, com ou sem ph. Romeu Martins: haha, são aqueles livrões enormes de arte para se expor na mesa da sala.
Raul Candido Ruiz
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Jun o Cor set s
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Do Século XVI ao Século XXI os Corsets nunca saíram da moda DANA GUEDES ENTREVISTA JUNO CORSETS A cada dia que passa, neste ano do vapor, o Steampunk parece se espalhar ainda mais entre a cultura "nerd" brasileira. Não apenas o aumento dos aficionados pela ficção literária, mas também um interesse cada vez maior em todos os aspectos do movimento, incluindo a moda. Pensando nisso e em trazer uma aproximação entre os fãs e os profissionais das áreas, que podem dispor o necessário para se entrar no Vitoriano anacrônico, o Steampunk.com.brentrevistou um dos "corsetmakers" (lojas/profissionais especializados em corsets) mais reconhecidos do país: Fernando Schmidt, dono da loja Juno Corsets. As peças são todas feitas sob medida e a gosto perfeito do freguês, com quatro camadas de tecidos e barbatanas de aço, com pontas protegidas. A loja tem seu perfil no Orkut e as encomendas exclusivas podem ser feitas via email (junocorsets@gmail.com). Apesar de não possuírem uma loja física, os fãs de Steampunk moradores de Porto Alegre tem uma grande vantagem: A loja atende à domicílio, sem custo e compromisso, levando até mesmo alguns modelos para o cliente ver e experimentar. Confiram a entrevista que, além de tudo, toca em assuntos curiosos sobre a simbologia e cuidados de uso do Corset. - Como começou o seu interesse na fabricação e venda de corsets e como funciona suas vendas e produção? O interesse inicial na fabricação do primeiro corset não teve nenhum objetivo comercial. Eu sou uma pessoa que gosta muito de trabalhos manuais e tenho uma certa habilidade para construir coisas a partir de um modelo ou desenho. Minha esposa me mostrou em uma revista algumas peças e fiquei bastante interessado na estética e como já sabia costurar
resolvi tentar fabricar um corset. A dificuldade inicial é com os materiais. Um bom corset usa materiais muito específicos que lhe garantirão resistência, conforto e durabilidade. O meu primeiro corset não tinha nenhuma dessas características. Não tinha o busk para abertura na frente, as barbatanas eram de bambu laminado feitas em casa, não tinha forro e o cordão para ajuste também não era apropriado. Mas apesar de todo amadorismo e improvisação ele modelava bem o corpo e, de longe, até parecia bem feito (rindo aqui). Depois do sucesso desse primeiro fracasso resolvi procurar fornecedores de material, estudar o desenho dos moldes, procurar tecidos para forro, estrutura interna e revestimento externo e logo estava fabricando meu segundo corset. Depois passei a fabricar algumas peças com o objetivo de produzir fotografias com temática fetichista a pedido de um grande amigo e fotógrafo aqui do estado que se dedica a este tema. Assim os corsets - que agora já tinham a marca Juno Corsets - passaram a ter mais visibilidade e começaram a aparecer os interessados. Ainda hoje nossa fabricação é muito limitada e só
fazemos peças sob medida. Hoje a venda é feita pela internet usando as redes sociais, principalmente o Orkut, e por indicação de clientes e amigos. - O que você pensa do corset para a estética feminina? Claro que sou um fã da figura feminina de um modo geral e através do interesse da minha esposa por moda tenho acompanhado as tendências que vão surgindo ou reaparecendo. Gosto muita da silhueta que o corset confere a figura feminina e não é tanto pela redução da medida da cintura mas porque o corset também corrige a postura e realça os seios. O corset, por mais confortável que seja, não permite uma postura desleixada. A mulher usando o corset será sempre elegante e feminina. - Antigamente, o uso da peça era obrigatório para as damas, demonstrando classe e elegância e, ao longo dos séculos, passou a ser visto como um símbolo de sacrifício pela beleza, motivo pelo qual ele também foi desaparencendo culturalmente. Hoje em dia você acha que o corset carrega ainda esse antigo fardo ou acredita que ele tomou um novo conceito?
Corsets são uma forma de expressão, um meio de voltar no tempo e reinventar o futuro
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Jun o Cor set s A pergunta é muito pertinente. A entrada da mulher no mercado de trabalho, principalmente no inicio da Revolução Industrial teve um forte impacto na liberação feminina. O corset, ou melhor, a restrição e o sacrifício impostos pelo uso do corset passaram a ser símbolos de opressão e aos poucos o corset foi deixando de ser popular. Mas o corset nunca desapareceu culturalmente. Ele apenas migrou para ao underground, principalmente para a subcultura do fetichismo e do sado-masoquismo. O espartilho, assim como o sapato, foi um dos primeiros itens do vestuário a ser tratado como um fetiche, e continua sendo uma das mais importantes peças de moda fetichista. A estilista Vivienne Westwood no anos 70 resgatou a peça do círculo SM e a jogou na moda punk. Depois disso alguns estilistas famosos esporadicamente usaram o corset como inspiração. Quem não lembra da Madonna nos idos de 1990, ostentando um corset icônico assinado por Jean Paul Gaultier. Se o corset ainda carrega seu antigo fardo? Infelizmente sim. De uma forma ou de outra sempre há quem levante a voz contra o novo ou, no caso, o velho reinventado. Mas graças a liberação feminina que continua a progredir, o corset voltou com outro conceito. A mulher que veste um corset atualmente não o faz porque a moda assim obriga. Pelo contrário, veste porque tem personalidade e sabe que vai se destacar na multidão. O corset aperta? Sim, mas deixa a silhueta da mulher que o veste do jeito que ela gosta, é diferente do lugar-comum da m o d a e r e fl e t e c o n fi a n ç a , personalidade e atitude. - O corset masculino é considerado ainda incomum, no meio dos produtores e usuários. O que você pensa sobre isso e sobre o uso da veste para os homens? Eu gosto muito do corset masculino mas não gosto de corset masculinos
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que diminuem a cintura em excesso. Realmente é incomum. Nós nunca tivemos nenhum pedido e, portanto, não fabricamos nenhum. Gosto especialmente dos corsets com formato de colete em risca de giz com bolsos. Mas acho que o uso da peça pelo público masculino vai permanecer restrito a algumas subculturas. - O que você pensa sobre a técnica do tightlacing e quais as dicas e cuidados você recomenda para quem pratica ou quer praticar?
bem, não são feitos com esse objetivo. Nós fazemos corsets para uso fashion, para aparecerem, para fazer com que a dona do corset e o próprio corset se destaquem. Não temos interesse em fazer corsets para dormir ou ficar escondido embaixo da roupa. - O que você pensa sobre os corseletes e "corsets" de procedência duvidosa, que vem sendo comercializados popularmente? Eu já vi alguns anúncios destas peças e me chamou a atenção o custo muito baixo das peças. Não acredito que peças chamadas de corsets possam ser fabricadas por preços tão baixos e tenham qualidade. Basta acessar qualquer site de fabricante brasileiro ou não para ver que os corsets não são baratos. Os corselets sim podem ser baratos. O corselet nada mais é do que uma peça de lingerie cujo aspecto se assemelha ao corset, porém sem abertura frontal e feitos em tecido leve e com barbatanas de plástico. - Você acha que o corset pode ser aplicado no dia-a-dia moderno? Acredita que nos últimos anos houve mesmo uma retomada de interesse pela peça, ou acha que o uso ainda é mais restrito às pessoas de modas alternativas, como os góticos, os fãs da era vitoriana, Steampunk, etc? Acredito que o interesse pelo corset continuará aumentando a medida que a peça ganha mais notoriedade e visibilidade. Mas não acredito que o corset possa se tormar uma moda ou ser agregado na rotina diária. O custo de fabricação de um corset é muito alto para que ele possa se popularizar e como é uma peça que deve se ajustar ao corpo sem ter as características dos materiais flexíveis ele, obrigatoriamente, tem que ser feito sob medida. Claro que se pode fabricar corsets tamanho P, M e G mas eles ficarão restritos a pessoas que tenham aquelas proporções específicaas de corpo. Uma das marcas aqui da Juno Corsets é que nunca fazemos dois corsets iguais. Não temos catálogo e as fotos que
“Os sacrifícios impostos pelo uso do corset já foram de opressão
Graças a liberação feminina, o corset voltou com outro conceito” Muitas das pessoas que nos procuram para fazer orçamento de corset querem a peça para a prática do Tigh Lacing (TL). O TL nada mais é do que a redução permanente da medida da cintura pelo uso continuado do corset e implica no reposicionamento das costelas flutuantes e na reorganização dos órgãos internos. O TL só funcionará com muita disciplina, exercícios físicos, dieta e acompanhamento médico. E funciona mesmo. Existem várias praticantes no Brasil. Antes de dar qualquer dica eu pergunto: Tu tens certeza? Tu sabes mesmo o que é Tigh Lacing? Se a pessoa diz que sabe a minha dica é primeiro consultar um clínico geral ou o seu médico de confiança para conhecer todos os riscos. Mas também advirto que os nossos corsets, apesar de serem fortes, confortáveis e acinturarem
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Jun o Cor set s divulgamos são mais para homenagear as donas dos corsets ou o trabalho do fotógrafo do que para nos promover. Se uma futura cliente me diz que gostou de um determinado corset já avisamos que não fazemos igual e muito menos copiamos corsets de outros fabricantes. Gostamos mesmo é quando a cliente vem com a idéia ou com o desenho que ela mesma fez. Acho que o corset permanecerá restrito a moda alternativa dentro das culturas rock, gótico, stempunk, vitoriana e fetichista. - Esse ano de 2010 é considerado o Ano do Vapor, para a cultura de Steampunk no cenário brasileiro. Você acha que a procura pelo corset aumentou consideravelmente por amantes do gênero? De todas as vertentes estéticas as que mais aprecio são o Punk, o Cyberpunk e o Steampunk mas principalmente o Steampunk. Gosto particularmente das cores terrosas e de metais dourados envelhecidos, cobre e latão. A procura por corsets para incrementar o visual SteamPunk não aumentou para nós. Talvez essa questão do custo seja a causa. Fiz alguns corset neste estilo e sinto não ter mais encomendas com este visual. Se tivésemos tempo faríamos mais corsets SteamPunk para termos aqui conosco e usar em ensaios fotográficos. Temos produzido outros acessórios no estilo mas ainda temos muito que aprender.
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- Você, como fabricante e proprietário de uma loja, pretende ou tem interesse em ajudar em futuros eventos do movimento Steampunk, criando alianças ou participando, para ajudar a divulgar o movimento e assim Trend Vis também fazer parte ion Awa rds 2008 dele, criando talvez uma linha própria p a ra i s s o o u p e ç a s personalizadas do estilo? Com certeza temos interesse em contribuir no movimento fazendo parte dele, ajudando na divulgação, fabricando peças de vestuário e acessórios. Criar uma linha própria seria muito bom. Conto com o movimento SteamPunk para nos enviar sugestões de modelos e peças que poderíamos fabricar. As fotos feitas nos eventos sempre nos inspiram e nos animam para seguir criando dentro do estilo. Nossa meta para a transição 2010/2011 é reestruturar a nossa produção e nos reorganizarmos para atender não só as encomendas mas também a nossa necessidade criativa e o nosso gosto pelo que é novo, pelo que é alternativo e pelo que é incomum. Estamos a disposição.
Semanas após a entrevista fomos informados pela Juno Corsets de que a procura por corsets com temática SteamPunk tem aumentado bastante
Dana Guedes
Underbust SteamPunk
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Séc ulo XIX
O fascínio exercido por uma Época ROMEU MARTINS FALA DO PODER DO PASSADO SOBRE O PÚBLICO
Romeu
Usando apenas quatro algarismos nos títulos de seus livros, o escritor e jornalista Laurentino Gomes vem se consolidando como um produtor de best sellers em série sobre a História brasileira. Primeiro veio 1808, a respeito da vinda da família real portuguesa para esta sua colônia ultramarina na mais ousada fuga provocada pelas Guerras Napoleônicas. O sucesso atual é o de 1822, que conta os bastidores da Independência do Brasil do ponto de vista de múltiplos personagens. Para fechar a trilogia de momentos que definiram a identidade de nosso país, haverá ainda um 1889 a ser lançado em futuro breve com a narrativa da Proclamação da República. Há muito que se pensar por aí, nestas obras de divulgação
Martins
que se tornam fenômeno de vendas atraindo o interesse de dezenas e dezenas de milhares de brasileiros sobre assuntos que eles viram em algum momento de suas vidas escolares. Ajuda a ter uma ideia ainda mais clara do quanto o tema é relevante para tantas pessoas se pensarmos além do que faz sucesso hoje. Por exemplo, qual foi o filme que marcou a retomada do cinema nacional, tornando-se um sucesso de público como há muito não era visto no país em meados dos anos 90? Carlota Joaquina, Princesa do Brasil, de Carla Camurati, uma visão burlesca daquele mesmo tema do primeiro livro de Laurentino Gomes. E qual foi o primeiro produto de exportação em massa de
nossa produção audiovisual, uma telenovela que atingiu mais de uma centena de países tornando-se campeã de audiência em vários deles? A Escrava Isaura, de 1976, adaptação que Gilberto Braga fez para a rede Globo do livro de B e r n a r d o G u i m a r ã e s (1825-1884), que já podia ser considerado um sucesso na época do seu lançamento em 1875. Como podemos p e r c e b e r, o fascínio pela época não é de hoje e não se restringe apenas à realidade como foi registrada oficialmente. Algo no século XIX atrai leitores, espectadores, público em geral para dedicar atenção a livros de divulgação, a romances, a programas de TV e a filmes ambientados nele com um interesse acima da média. A mistura de um Império nos Trópicos, das lutas abolicionistas, dos grandes personagens daquele tempo, de um período que foi definidor para o presente em que vivemos parece ser i r re s i s t í ve l a mu i t o d e n o s s o s compatriotas. E não apenas a eles, como comprovou o consagrador sucesso que a citada novela Escrava Isaura alcançou em lugares de formação tão diferente da nossa quanto a Rússia e a China. Naqueles locais, a protagonista da trama, vivida pela atriz Lucélia Santos, se estabeleceu durante um bom tempo
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Séc ulo XIX como embaixadora não-oficial de nossa televisão em particular e de nossa cultura em geral; e o vilão Leôncio Almeida, interpretado pelo s a u d o s o Ru b e n s d e Fa l c o (1931-2008), tornou-se uma encarnação do Mal. Palavras como senzala entraram para o vocabulário de pessoas que talvez nunca tenham visto pessoalmente um descendente de africanos. E n a d a m a i s n at u r a l q u e a s apropriações do Oitocentos não se restringissem apenas àquelas exercidas por historiadores, divulgadores e autores de ficção realista. Era de se esperar que em algum momento os escritores dedicados à ficção fantástica nacional fossem se voltar também para aquele período do tempo, usando tal século como matéria prima para suas criações de ficção científica, terror ou fantasia. E a liberdade para se especular com o passado, imaginar novas possibilidades históricas, reinterpretar personagens reais ou mesmo os ficcionais que o tempo encarregou de tornar sob domínio público é o caminho natural dessa tribo que atende pelo nome de SteamPunkers. Quando o casamento do fantástico local com o século XIX foi oficialmente celebrado em 2009, por ocasião do lançamento da primeira coletânea nacional dedicada ao tema, a história voltou a se repetir, dentro das devidas proporções que o nicho da literatura especulativa ocupa em nosso país. Desde aquele lançamento, o que tem se visto – e que procurei documentar em meu blog – foi a comprovação daquela tendência dentro desse novo contexto, o do retrofuturismo steamer feito por brasileiros. O livro Steampunk – Histórias de um passado extraordinário mesmo tendo sido lançado em um ano no qual o número de publicações dedicadas de gênero bateu recordes em nosso país conseguiu o raro feito, quando falamos de FC nacional, de esgotar a tiragem de sua primeira edição – e, atualmente, já caminha bem para, quem sabe?, necessitar de uma
terceira. Apesar de toda a concorrência que poderia dispersar a atenção dos leitores, a antologia recebeu uma quantidade de resenhas e de comentários que surpreendeu a todos os envolvidos. Entre notas e
“O potencial literário da cultura SteamPunk é ainda maior do que já se conseguiu alcançar” listas de melhores do ano em blogs, citações em podcasts e em fanzines, foram quase meia centena de menções à publicação em seu primeiro ano de existência, todas feitas de maneira espontânea, por vontade do próprio público e não guiadas por qualquer forma de iniciativa publicitária da editora. Este é, sem a menor dúvida, outro feito a se considerar, principalmente pela média geral das avaliações ter sido bem positiva ao conteúdo dois oito contos e noveletas que fazem parte daquele projeto da Tarja Editorial. Mas o ciclo não estaria completo sem que houvesse também alguma repercussão internacional. Quem abriu tal vertente foi o crítico e tradutor americano Larry Nolen que ainda no final de 2009, no qual ele leu por volta de meio milhar de livros, escreveu uma completa resenha a respeito do material. "Os elementos que esses nove escritores utilizaram são, para mim, mais atraentes do que os que encontrei na maior parte da ficção de SteamPunk em inglês na década passada", anotou ele e ainda completou: "Steampunk - Histórias de um passado extraordinário é uma das antologias mais tensas e mais agradáveis que li em 2009, em qualquer língua". Na trilha aberta por Nolen, o livro brasileiro recebeu já ao longo de 2010 generosas
citações no blog da resenhista portuguesa Cristina Alves, no espaço virtual e na edição impressa da prestigiada Locus Magazine, na página que Bruce Sterling mantém na Wired e, por fim, chamou tanto a atenção do escritor e organizador de a n t o l o g i a s a m e r i c a n o Je f f Va n d e r M e e r q u e t r e c h o s d o conteúdo daquele livro estarão presentes em trabalhos futuros dele, a saber, Steampunk Reloaded e Steampunk Bible. Resumindo, comparando e lançando a questão: talvez seja um exagero dizer que aquele livro seja assim uma Escrava Isaura, a novela com seus muitos milhões de telespectadores; mas vocês concordam comigo que ele bem pode ser considerado a Carlota Joaquina da retomada da ficção científica brasileira? Sendo assim, Gian Celli, organizador da antologia, seria um candidato a Carla Camurati da ficção especulativa nacional. Tudo muito interessante, porém, se acabasse em si mesmo, não seria nada além de uma onda passageira. Felizmente, há fortes indícios de que os vagalhões vão continuar após esse agitado ano de 2010, consagrado ao vapor em uma frase profética escrita pelo editor desta revista virtual que vocês folheiam em suas telas. O que dá essa segurança é a existência justamente do grupo do qual Bruno Accioly é um dos criadores, o Conselho Steampunk com suas diversas ramificações regionais, as Lojas que se espalham de alto a baixo do país. As atividades e iniciativas coordenadas de forma descentralizada por tal grupo são animam uma fatia respeitável de entusiastas do gênero. E quando falo em atividades e iniciativas, me refiro desde os encontros diversos, como picnics e mesas de discussão, até a articulação de espaços virtuais da importância do SteamBook, uma rede social steamer, até o aoLimiar, um ambiente de interação entre os vários elementos ligados à literatura de diversos gêneros. Essa presença dos confrades conselheiros foi fundamental para as
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Séc ulo XIX conquistas já havidas e as que estão no porvir. E quais seriam elas? A mais nova coletânea brasileira do gênero, a Vaporpunk, lançada em agosto pela editora Draco, dá sinais evidentes de que tem tudo para repetir o sucesso de sua predecessora, em termos crítica e de público, dentro e fora do Brasil. A mesma editora tem ainda novos lançamentos previstos de romances com a estética do revisionismo do século retrasado e de outras formas de retrofuturismo. A Tarja Editorial também já deixou claro que pretende voltar ao tema com, pelo menos, um romance steamer agendado, e que estuda novas possibilidades. Outras casas editorais vão lançar traduções de material estrangeiro por aqui, suprindo uma falta enorme que esse material deixava em nossas prateleiras. Seria o caso da Aleph e da Underworld com, respectivamente, The Difference
Engine, de William Gibson e Bruce Sterling, e Boneshaker, de Cherie Priest. Volto a reafirmar que tudo o que foi relembrado aqui se trata de um belo processo de conquista coletiva, não podendo ser menosprezado por quem acompanha e torce pelo mercado literário de ficção fantástica nacional. Mesmo assim eu acredito firmemente que há muito mais a ser feito neste sentido. O potencial literário da cultura SteamPunk é ainda maior do que já se conseguiu alcançar; ele reside em algum espaço além do fandom tradicional de FC misturado entre os milhares de leitores de livros de divulgação de História. Isso para ficar dentro do nosso próprio país, porque lá fora, entre os que têm o inglês – e por que não?, o espanhol – como principal língua de leitura, há um mundo inteiro a se explorar e com alguns guias de primeira para
mostrar os melhores caminhos. Seria um ótimo momento o deste final de Ano do Vapor para se fazer o balanço do que se conseguiu até agora e para traçar estratégias, em termos de divulgação e de organização, dos próximos passos. Um bom espaço possível para a troca de ideias seria a rede aoLimiar, mas poderia ser em alguma outra arena virtual ou presencial à escolha dos editores, escritores, tradutores e público interessado. Contundo o importante é que se faça o debate. O SteamPunk é uma força poderosa e certamente mal começamos a desbravar a fascinação que o século XIX desperta em tantas pessoas. Às caldeiras, camaradas, há muito o que se comemorar e muito mais ainda a se fazer.
Romeu Martins
Maecenas pulvinar sagittis enim.
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O Noc tur láb io
Tormenta no Vazio LIDIA ZUIN ENTREVISTA RAUL CÂNDIDO
O Nocturlábio
Trata-se de uma fantasia científica o primeiro romance de Raul Cândido, cofundador do Conselho Steampunk e representante da Loja São Paulo. Há mais d e u m a n o e m d e s e nv o l v i m e n t o , Nocturlábio aborda um protagonista duplamente náufrago: uma vez na infância resgatado pelo mesmo navio fantasmagórico que novamente o auxilia quando adulto. Porém, desta vez o personagem percebe que a ajuda não será de toda altruísta, pois ele se torna um prisioneiro que logo será devolvido à água. Segundo Cândido, o livro possui um enredo bastante parecido com Vinte Mil Léguas Submarinas, de Julio Verne. A diferença surge conforme a história se passa nos dias atuais, apesar de o navio em questão, o Nocturlábio, viajar através do tempo e espaço. “O meio de locomoção da nau é explicado com física absurda, ou como o próprio capitão do navio diz: ‘é mais fácil definir isto como mágica’”, comenta o autor. Como parte do movimento SteamPunk brasileiro, Cândido afirma que a temática aparece na estética do navio, embora este seja um invento futurista. “Tem a aparência de um navio fantasma, uma fragata do
século XVII. A narrativa atravessa vários pontos no tempo, possibilitando que o leitor desfrute de vários cenários exóticos”, antecipa o escritor. Saiba mais sobre o conteúdo de Nocturlábio: Vapor Marginal: Como são os personagens? Quais são os conflitos entre eles? A história se passa em algum espaço geográfico existente? Cândido: Vitor (também Vytautas) é um rapaz bastante incomum, até porque ele sobreviveu a um naufrágio quando criança e, logo no começo do livro, tem de tentar sobreviver a um segundo. Ao ser resgatado da águas, ele se vê em uma situação bastante inusitada, em que é aprisionado pela tripulação de um navio incomum. A partir do momento em que se sente ameaçado, Vitor decide prestar mais atenção na rotina desses marinheiros e descobrir tudo o que o puder ajudar a libertar-se. Com o passar do tempo, ele descobre que o principal obstáculo em seu objetivo é a personalidade forte do capitão do navio, o Capitão Lazaro (Lazar Kazimiers).
Um duplo náufrago resgatado duas vezes pelo mesmo navio fantasmagórico Uma releitura de 20mil Léguas Submarinas que singras os mares através do espaço e do tempo
Lazaro é um homem com muitos segredos e, aos poucos, Vitor vai descobrindo que
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O Noc tur láb io mesmo os homens mais próximos dele não possuem certeza sobre sua i d e n t i d a d e. O u t r a m a r c a d a personalidade obstinada de Lazaro é a forma como tenta proteger seus homens, muitas vezes arriscando a própria vida. Lazaro possui um leque bastante amplo de fobias que são tão peculiares quanto seus hábitos alimentícios, gostos musicais e os constantes delírios que esconde. Outra personagem interessnate é um homem que surge em meio à névoa, sobre rochas no litoral de Nova Caledônia. Um militar chamado Beaufront, que vigia os passos e questiona os motivos de toda atitude tomada dentro do Nocturlábio. Boa parte da história se passa em duas regiões do globo: os litorais das Américas e do Continente Oceânico. Também são visitadas algumas ilhas em outros pontos, mas o destaque é dado à forma de locomoção entre elas: o Salto. Vapor Marginal: Conte um pouco das influências literárias, cinematográficas e até mesmo musicais. Como obras de arte influenciaram o romance? Cândido: A principal influência literária é, sem duvida, a de Júlio Verne, mas não se pode fugir a todos os clichês. Como todo fã de literatura fantástica, eu acredito que seja fácil encontrar na narrativa influências de H.G. Wells, H.P. Lovecraft e vários outros autores. Quanto às inspirações musicais, estudei música erudita por vários anos e um dos compositores que mais admiro é J. S. Bach. Da mesma forma, um dos principais personagens do romance, o Capitão Lazar Kazimierz, ou “Lazaro”, aprecia Bach e executa na rabeca várias de suas composições – quando precisa meditar sobre algum assunto importante. E isso nos leva a outra importante influência: Lazaro costuma tocar um bourreé de Bach, mas ele o executa de forma bastante
selvagem, ou como ele próprio diz: como o bom e velho Tull. As composições do Jethro Tull também influenciaram bastante na construção da trama, sendo o próprio
“Tive de me debruçar sobre mapas geográficos, marítimos e celestes. Ampliei muito meus conhecimentos sobre astronomia, historia, fenômenos atmosféricos e física” Lazaro uma mistura de Nemo (Vinte Mil Léguas Submarinas), Ian Anderson (líder do Jethro Tull) e Aqualung (personagem de uma das músicas mais famosas do grupo). Consigo facilmente visualizar o capitão completamente embriagado no convés do navio durante uma tempestade, tocando sua rabeca com uma de suas pernas levantada, como faz Ian Anderson ao executar sua flauta, nos shows da banda. E, por fim, existe uma versão da música Kashmir, do grupo Led Zeppelin, que foi realizada pelo Jethro Tull com a participação da violinista Lucia Micarelli. Esta música é a que flui em minha mente quando penso na cena inicial de Nocturlábio. A letra desta foi a inspiração inicial do livro. Vapor Marginal: Mas, especificamente, qual é a relação entre Nocturlábio e Vinte Mil Léguas Submarinas?
Cândido: Seguindo a linha temporal, a história em ambos os livros começa após os personagens principais se conhecerem após um naufrágio. Em Vinte Mil Léguas, Nemo traz a bordo o professor Aronnax e seus companheiros, para salvá-los de um afogamento e ao mesmo tempo fazendo-os prisioneiros do Nautilus. No meu livro, Vitor após um naufrágio é retirado do mar pelo próprio Lazaro, o Capitão do Nocturlábio. Quase que instantaneamente, o náufrago também se vê prisioneiro, apenas por dizer a coisa errada e na hora errada. O f a n t a s t i c a m e n t e av a n ç a d o submarino de Nemo, embora possua formato de narval, foi batizado com o nome de uma criatura com uma concha bastante peculiar, o Nautilus – também conhecido como Argonauta. Já o Nocturlábio é um veiculo tecnologicamente incomparável a outros de sua época e faz parte de uma série classificada como Argo's. Além disso, enquanto “Nemo” significa “ninguém”, com o passar do tempo, Vitor descobre que a identidade de Lazaro é bastante duvidosa. Em um determinado ponto da narrativa, o próprio Lazaro embriagado chama a si mesmo de “Nemo”. Há também a questão do idioma utilizado dentro da embarcação. A equipe do Nautilus consistia de pessoas de diversas nações: espanhóis, turcos, árabes e indianos que, no e n t a n t o, e r a m c a p a ze s d e s e intercomunicar através de um “idioma estranho, único e absolutamente incompreensível“. Tratava-se de uma linguagem conhecida apenas por eles, uma língua inventada, a qual não puderam compreender os “hóspedes” embarcados contra a vontade. Este idioma foi repetido uma dezena de vezes na obra. No texto de Jules Verne, esta estranha língua é definida c o m o “ s o n o r e, h a r m o n i e u s e,
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O Noc tur láb io flexible”, ou seja, sonora, harmoniosa e flexível. O nome deste idioma é desconhecido, mas, bastante tempo após a publicação da obra, mais precisamente em 1903, Verne tornou-se membro de um clube peculiar na cidade de Amiens, onde morava. Em verdade, ele se tornou presidente deste clube e, como conta seu filho Michel, em seu último trabalho, Viagem de Estudo, Verne planejava explorar largamente o idioma utilizado por este clube. E ainda, sua sobrinha Allotte de la Fuÿe, atestava sobre isso em uma correspondência: “Ele intenta dedicar um volume a este tema.” Da mesma forma, a tripulação do Nocturlábio é composta de cientistas de diversas nacionalidades que se comunicam por meio de um idioma bastante peculiar e, citando Verne: “uma língua simples, flexível e harmoniosa, útil tanto para uma prosa elegante como para inspirados poemas. É capaz de expressar todos os pensamentos e os mais delicados sentimentos da alma”. Por fim, há vários outros pontos em comum nas duas narrativas e espero que meus leitores apreciem e divirtam-se ao encontrá-los. Vapor Marginal: Como escritor de fantasia, você teve muito trabalho fazendo pesquisas científicas? Baseou-se bastante nos fatos? Cândido: Eis um fato que pode parecer, aos olhos do leitor, bastante inesperado. Mas, mesmo escrevendo uma fantasia, eu tive de me debruçar sobre mapas geográficos, marítimos e celestes. Também ampliei muito meus conhecimentos sobre astronomia, historia (principalmente os detalhes sobre instrumentos de navegação e c o n fl i t o s p o l í t i c o s ) , f e n ô m e n o s atmosféricos e – podem acreditar – física. Mas estes conhecimentos me proporcionaram apenas uma base para esculpir minha fantasia, algo como a base que as imagens da vida real oferecem aos nossos sonhos. Vapor Marginal: Como posso ler seu livro?
Cândido: O Processo de desenvolvimento do livro já dura mais de um ano e acredito que seja necessário mais doze meses ainda para concluí-lo. O Nocturlábio é o meu primeiro romance e possui um grande peso psicológico para mim. Ele não foi concluído e também não possui editora, mas posso afirmar que, se tudo correr segundo o planejado, o livro será editado em 3 idiomas, sendo uma das versões distribuída gratuitamente na forma de e-book.
Lidia Zuin
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Contos
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Bruno Accioly
Literatura Fantástica CONTOS DE FICÇÃO CIENTÍFICA, FANTASIA, HORROR E STEAMPUNK A revista Vapor Marginal é uma manifestação dos interesses dos membros do Conselho SteamPunk e de tudo o que os entusiastas do gênero apreciam e, neste espírito, damos espaço para escritores aspirantes e consagrados publicarem seus contos de Literatura Fantástica ou SteamPunk. Esta seção da revista Vapor Marginal é uma extensão do aoLimiar.com.br, a Rede Social de Literatura Fantástica fundada pelo Conselho SteamPunk
para promover obras do gênero e construir canais de publicação facilitada e oferecer serviços que facilitem o trabalho do autor de Ficção Científica, Fantasia, Horror e qualquer gênero correlato. Aqui o leitor vai encontrar obras de temática diversificada, mas vamos sempre tentar publicar ao menos uma obra essencialmente SteamPunk. Caso você deseje enviar seus contos para avaliação e publicação na Vapor
Marginal, basta enviar o conto pelo email conselho@steampunk.com.br, enviando seu nome completo, data de nascimento, o título da obra e o conto em si. Caso deseje ter um espaço na Internet para publicar seu Livro Virtual não deixe de visitar o aoLimiar.com.br, se Cadastrar e, em seguida, Requisitar um Livro Virtual.
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CON SELH O STEA MPU NK TIBÚR CIO ILLUS TRAÇÃ O 2010 BR BLOG. TIBUR CIO.LO CAWEB .COM.
Ruas do bairro Ponta de Areia, em Niterói, próximo ao estaleiro da cidade. Eu sou um policial dos caminhos de ferro! Dos caminhos de ferro! Então o quê, em nome de Cristo, faço aqui, sacolejando nesta chaleira que se move por fora da confortável segurança dos trilhos? E correndo numa velocidade que nenhuma locomotiva do mundo seria capaz? Posso jurar que se o combustível na caldeira aqui atrás, a mesma que está esquentando minhas costas neste momento, fosse o suficiente, este monstro barulhento superaria uns bons cem, cento e dez quilômetros no decorrer de uma hora! Porém, evidentemente, nenhum ser humano suportaria ficar sentado nesta máquina de tortura por tanto tempo. E a alavanca aqui, na minha mão esquerda, é o único jeito de controlar a velocidade. Quanto mais a forço para a frente, mais ela aciona engrenagens e válvulas liberando mais e mais a força do vapor para impulsionar o bólido. Pelo estalo seco e o tranco que fez da última vez, devo ter chegado ao máximo que ela suporta. E tenho que dosar a correria, apesar da urgência, a cada curva ou ladeira, do contrário, esta coisa pode virar e me esmagar com o seu peso. E isso não é a única coisa a ocupar minha atenção. Preciso me lembrar de manter esta outra barra, a da direita, firme. Quando ela gira para um lado ou para o outro, as rodas desta carruagem sem cavalos a acompanham. A cabeça de um homem não foi feita para
se dividir nesta confusão de puxa para cima, empurra para o lado, mais rápido, para a direita... Isso é antinatural, por todos os diabos e demônios! E quase atropelo um cachorro, se não desvio por cima da calçada, lá se ia o bicho! Viajar fora de trilhos, nesta velocidade ensandecida, sacudindo os ossos numa rua de pedras soltas enquanto tenho que me lembrar como controlar um monstro de ferro ainda não chega a ser o pior. O pior mesmo é fazer isso tudo sem uma arma e tendo que me desviar das balas dos outros! Por isso eu volto a perguntar: o quê, em nome de Cristo, faço aqui, sacolejando nesta chaleira? Meia hora antes, nas instalações da Imperial Exposição de Tecnologias, no centro de Niterói. – Mr. Pennyworth, eu presumo. Muito prazer, eu sou João Octavio Ribeiro, o policial encarregado da segurança. Vim conferir se está tudo a contento deste lado do pavilhão – foi assim que comecei a conversa com o homem tão magro quanto eu, mas mais de um palmo mais alto, que acabou por me meter nesta confusão. Ele estava conferindo a caldeira do estranho veículo que havia trazido para exibir na feira cuja inauguração está prevista para esta noite, com a chegada do Imperador D. Pedro II à cidade. Sabia que o homem à minha frente era meu conterrâneo, um cavalheiro inglês, há anos servindo como mordomo de uma família de milionários
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Mod elo B americanos. Chegara num vapor na véspera, da costa leste daquele país. – Ah, sim, o policial que só se veste de cinza e que todos tratam por João Fumaça – na verdade ele usou o modo como as pessoas que falam em inglês me chamam: John Steam, apelido que carrego por ter vindo à luz no vagão de uma Maria Fumaça, ainda na Inglaterra. – O prazer é inteiramente meu, sou seu humilde criado. Ao por de lado o cachimbo em forma de anzol em que estava pitando e me fazer uma mesura, ainda com as mangas de sua camisa branca arregaçadas, apontou o topo careca da cabeça em minha direção. Nem podia negar o comentário dele sobre os meus hábitos de vestir, uma vez que estava mesmo usando casacão com capa, blusa e calças quadriculadas e até um chapéu sem aba – para enfrentar o frio praieiro deste início de agosto – todos da mesma cor da fumaça que saia pela chaminé daquele estranho objeto em que ele pitava. Tanto que nem me dei por achado ao responder ao comentário sobre o vestuário quando falei, novamente em inglês. – Meu criado? Pobre de mim. Sou apenas um simples funcionário da Coroa Brasileira. Com meu soldo, nem em sonhos posso me comparar a seus verdadeiros patrões. Ao me ouvir ele voltou a por o cachimbo logo abaixo do chamativo bigode que ostentava com a mão direita e pendurou o polegar esquerdo em uma das alças dos suspensórios. Desconfiei que o primeiro gesto tinha como objetivo esconder a expressão em sua boca, bem próxima de um riso sardônico, talvez por reconhecer as verdades no que eu havia dito. Depois de um longo puxar do fumo, voltou a falar entre baforadas. – Por certo, meus patrões já chegaram perto de serem considerados os homens mais ricos das Américas. Contudo, como é notório, com a crise que se abateu nos Estados Unidos na década passada, boa parte da fortuna se foi, e hoje não ocupam posição nem próxima à do seu Conde de Mauá, o responsável pelo evento que teremos aqui. Nem os patrões dele, nem a imensa maioria dos mortais. Seria fácil contar em meus dedos, e sobrariam alguns, os milionários que chegam a ombrear ao nobre citado. Uma riqueza que se pode dizer começou a ser construída aqui, em Niterói, quando Mauá largou as atividades no comércio, comprou uma antiga fabriqueta e a transformou na primeira indústria do Brasil, em 1846: o Estabelecimento de Fundição e Estaleiros da Ponta de Areia. A Imperial Feira de Tecnologia é a maneira dele comemorar os trinta anos do início daquele empreendimento. E, segundo dizem os fofoqueiros que cobrem as andanças da corte, o Imperador vai aproveitar a festa de abertura, logo mais, para nomeá-lo duque. Esta, por sua vez, é a maneira que a corte vem encontrando sucessivamente para reconhecer o trabalho do homem que mudou a história do Império dos Trópicos. Afinal, Mauá foi a figura que mais se empenhou para que a libertação dos escravos ocorresse de fato em 1855, quando boa parte dos nobres e dos políticos consentiam no máximo com o fim do tráfico negreiro. Mais tarde, quando se tornou banqueiro, ele soube aplicar os recursos antes imobilizados na forma de mercadoria humana para dar crédito fácil e financiar o desenvolvimento e a industrialização do país. Arrecadou com isso a maior parte do investimento e da mão-de-obra que, antes da
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Guerra Civil, tinha como destino certo os Estados Unidos. Além disso tudo, como maior credor e praticamente dono do Uruguai, o empresário soube contornar um conflito de interesses que poderia ter levado o Brasil às armas contra nossos vizinhos, como o próprio Paraguai, hoje, na prática, um protetorado do Império e nosso maior aliado no continente. Só que seria descortês mencionar fatos assim; iriam me confundir com um desses deslumbrados a se regozijar em tripudiar dos ianques ao exibir a pujança do Império dos Trópicos em comparação àquela república em decadência. Por isso, me limitei a relembrar o que sabia a respeito da empresa representada por meu interlocutor. – Mas a W Manufacturer é uma firma sólida em seu país, com uma história que vem desde o século XVII. Mesmo com os contratempos provocados pela guerra interna, ainda é referência nas artes da mecânica. Tanto que o nosso Imperador, entusiasta das novidades industriais, assim como o Conde, farão questão de visitar este espaço, tenho certeza. – Estou deveras surpreso com o conhecimento que demonstra sobre a companhia para qual trabalho, devo dizer, assim como devo cumprimentá-lo. De fato, venho de uma família que serve aos proprietários da empresa há muito tempo. Meu pai foi o mordomo do juiz Solomon, o homem responsável pela campanha que reformou a arquitetura da cidade onde está instalada a sede da W Manufacturer. Eu mesmo sou agora o tutor do atual herdeiro da empresa, um jovem que teve os pais assassinados e está completando os estudos na Europa, em companhia de um amigo da família, Jacob Packer. Este belo apetrecho foi um presente enviado por eles, assim que puseram os pés em Londres, minha cidade natal – sem disfarçar o olhar nostálgico, ele disse isso segurando o estranho cachimbo torto. – Bem, mas sei que não são minúcias sobre a sucessão dos negócios que interessam ao policial. Deixe-me mostrar o artigo que trouxemos para apreciação de Dom Pedro II e dos empresários brasileiros. Ao por o cachimbo de volta à boca – provocando em mim ao mesmo tempo uma tosse irritante e a vontade de provar daquele fumo adocicado –, o misto de mordomo, tutor, e vendedor assumiu um tom mais formal no melhor do sotaque legitimamente britânico. – Este é o Modelo B, a última palavra em termos de tecnologia desenvolvida por nossos engenheiros. Muitos vêm tentando, em todo o mundo, criar diligências a vapor que sejam tão úteis na condução de pessoas e cargas pelas ruas quanto os trens o são em seus trilhos. Contudo, ninguém chegou ainda ao mesmo grau de qualidade da W Manufacturer ao aliar alta velocidade, pouco peso, resistência, autonomia e facilidade de comando. E está disponível em todas as cores, desde que seja preto – ele piscou o olho ao fazer o gracejo. Olhando com mais atenção para aquela coisa, achei mesmo parecida com as diligências que cruzam o lado oeste dos Estados Unidos. A principal diferença era a parte traseira. Nos veículos tradicionais, de madeira, ali são transportadas as pessoas; já esta era feita de um metal parecido com alumínio reforçado e é onde está localizada a caldeira para produzir vapor. O lugar disponível para um único passageiro era o banco da frente, posicionado acima de um farolete elétrico. Mas alguns detalhes na estrutura rebitada me despertaram a curiosidade. Não contive a pergunta.
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Mod elo B – Se essa sua carruagem movida a vapor foi feita para percorrer as ruas e não os céus, por que o desenho de um... morcego, acredito eu, na frente e aquela coisa que parece uma asa metálica na parte de cima? – Apontei para a figura preta perto do tal farol e para a curiosa lâmina pontiaguda que ficava logo atrás do banco do piloto. – Bem, o desenho deste protótipo seguiu sugestões do rapaz de quem lhe falei, o herdeiro que está na Inglaterra. Ele se tornou meio, como direi?, obcecado por esses ratos voadores desde que caiu em uma toca cheia deles ao explorar cavernas por baixo da mansão da família. Acabou por adotar a imagem do animal como uma espécie de brasão informal, para lhe trazer sorte. Por insistência dele, os projetistas incluíram tais motivos alados no desenho final do Modelo B. – Curioso, mas cada um escolhe os símbolos heráldicos que mais o agradem – para exemplificar minhas palavras, havia ao lado da barraca da W Manufacturer o brasão que Mauá passou a usar, há 22 anos, quando foi titulado barão: um escudo ornado na parte superior com uma locomotiva e na de baixo com um navio a vapor, rodeados por quatro lampiões a gás. De fato, quem pode palpitar sobre as esquisitices que alimentam a imaginação dos ricos quando escolhem os brinquedos com os quais se divertem? Uma troca de olhar silenciosa foi suficiente para nós dois concordarmos com tal constatação, vinda de nossos modestos lugares na escala social nos países em que escolhemos para morar. Nos minutos seguintes, ele se dividiu entre me falar sobre os princípios básicos do produto – sobre como manobrá-lo e como controlar a pressão da caldeira, e outros detalhes técnicos – e a voltar a encher de fumo o cachimbo londrino. Eu me controlava para evitar a vontade de fumar, já que o médico da Polícia dos Caminhos de Ferro havia cortado os meus costumeiros charutos por conta da tosse que me acompanha há mais de uma década. Enquanto ouvia e inalava os vapores daquela mistura de ervas, notei pelo canto do olho que chegava ao parque onde os trabalhadores montavam a exposição o carregamento aguardado por mim. Veio de forma tradicional, em uma carroça puxada a cavalos, nada de diligências vaporizadas. Conduzida por soldados, seu conteúdo seria descarregado na barraca destinada a exibir os trunfos do Exército Imperial Brasileiro, vitorioso na recém terminada Guerra Hispano-Brasileira pelo controle de Cuba. Porém, antes de qualquer um poder tocar nas caixas, um grupo de homens que aparentavam trabalhar na montagem da estrutura da feira começou a gritar e a cercar a carroça. Mesmo de onde estava, pude perceber que por baixo das roupas seis ou sete homens morenos retiravam armas e rendiam meus soldados. Não consegui identificar em que língua falavam, mas era fácil entender a intenção. Começou uma correria entre os demais expositores e trabalhadores. A coisa só piorou quando os estrangeiros dispararam para o alto. Naquela hora lamentei muito estar sem meu rifle, que fazia parte da mercadoria vinda na carroça. Fui obrigado a me abaixar, junto com meu conterrâneo, por trás do tal Modelo B. Os homens pareciam dispostos a atirar em qualquer um que se metesse no caminho deles.
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– Você tem ideia do que está havendo? O que esses homens querem? – Perguntou ele ao meu lado, de olhos arregalados e equilibrando o cachimbo na boca entreaberta. – Os desgraçados estão roubando a carga que meus homens traziam do Laboratório Pirotécnico da Marinha. São os novos modelos dos rifles de tiro fixo Guarany, armas que foram criadas no protetorado do Paraguai e que passamos a produzir em Niterói, nas indústrias Mauá. Com um carregamento daqueles é possível começar e vencer uma guerra. – E n t ã o i s s o s i g n i fi c a problemas. Vê aquela marca no braço do homem que parece liderar o bando? – Meu companheiro se referia ao desenho possível de se notar quando o barbudo que obrigava os soldados a descerem da carroça tirou a blusa para exibir suas pistolas e facões. Do meu posto de observação, pareciam riscos com um formato semelhante ao de um vidro trincado. – Se não estou enganado, aquela é insígnia de uma irmandade de piratas que infesta os mares e ataca há séculos navios em torno das colônias inglesas na África. – Piratas? Com aquelas armas eles podem facilmente invadir e dominar um pequeno país no continente africano. Nem mesmo a renomada Patrulha da Selva seria capaz de enfrentá-los. Ainda sem saber se aquele era de fato o objetivo dos atacantes, só pude observar enquanto numa ação rápida eles subiram todos na carroça e partiram pelos portões do parque. A parelha de cavalos correu assustada com os berros dos ladrões e de suas armas. Já de pé, mas ainda desarmado e sem outro cavalo à vista, me pus a pensar em um modo de recuperar a carga antes de me porem a ferros por ter falhado em protegê-la. – Para onde eles podem estar levando todas aquelas armas? – Quem perguntava era o inglês, se erguendo ao meu lado e limpando a poeira em suas calças listradas. – Essa é fácil de responder. Se são mesmo piratas, devem ter alguma embarcação ligeira escondida próxima ao estaleiro, pronta para uma fuga pela Baía da Guanabara e dali para o alto-mar. Tenho que encontrar um meio de interceptá-los antes disso... Sim, foi neste momento que, fulminado por um raio, me dei conta que a única resposta possível estivera fumegando à minha frente o tempo todo. – Esta sua invenção... Ela já está pronta para ser usada? A caldeira está aquecida e alimentada com carvão e água suficientes para uma corrida? – Por certo. Eu ajustava a pressão nos mostradores quando você veio falar comigo. O Modelo B ainda não foi posto para operar desde que desembarcamos do navio, esta manhã, estava preparando para testá-lo na pista em volta desta praça... – Então ele vai ganhar uma chance de ser testado em condições reais, pois o estou confiscando em nome de Sua Majestade Imperial e da Polícia dos Caminhos de Ferro. Com sua licença – disse isso ao mesmo tempo em que apoiei o pé no estribo lateral e trepei naquela carroça de alumínio pintada de preto. Enquanto me ajeitava no banco, espremido entre a barra de controle e a alavanca, percebi um par de óculos arredondados e uma tira de borracha. – Se vai mesmo “confiscar” nosso protótipo, não deixe de usar os goggles. Eles são o único meio de evitar que a
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Mod elo B poeira e os insetos furem seus olhos dada a velocidade com que você vai atravessar essas ruas, meu caro policial. Sem disposição para discutir, coloque os tais óculos. Depois que terminei de ajeitá-los, notei como o mundo parecia diferente, mais arredondado; ovalado, para ser preciso. Olhei para o mordomo inglês e ele pareceu-me não mais o cavaleiro magro de antes, mas sim um gorila atarracado com um cachimbo nas mãos. Por falar nele, não me contive. – Já que estou confiscando suas coisas, peço também este objeto – estiquei o braço e peguei o anzol de fumo dele, depositando-o diretamente entre meus dentes. – Me sentirei melhor tendo uma boa dose de fumaça aromatizada em meus pulmões. Gritei um “Wish me lucky, Mr. Pennyworth!” e pus em prática as instruções que ouvi daquele homem: alavanca para frente, barra de direcionamento para trás. O bicho tremeu, cuspiu ainda mais fumaça e, de um arranque súbito, pulou para a frente feito touro bravo, quase amassando uma barraca vizinha. Com alguma sorte, fui mexendo na barra da direita até fazer o monstro me obedecer e seguir as marcas de ferraduras no chão de terra batida da praça. Antes que pudesse me dar conta, cruzava os mesmos portões por onde vi a carroça sumir. Apesar do barulho e das sacudidelas, ouvi ao fundo a voz do verdadeiro dono da montaria mecânica que estava tentando domar. – Boa sorte, patrão João Fumaça. Vai precisar de uma boa dose dela. De volta às ruas de Ponta da Areia, e ao ponto em que começou esta história. Finalmente, depois de quase quebrar os ossos e de ser jogado para fora, avistei a carroça! Eles tinham a vantagem de conhecer o caminho e de terem partido antes, mas mesmo tendo que aprender na marra como se mexe nesta coisa, a velocidade com que vim foi tamanha que deu tempo de alcançá-los antes que começassem a desembarcar a carga de Guaranys. Já estavam parados à beira do mar, com um barco pequeno à vista. Não tinha como ser discreta minha chegada. Os piratas logo me viram cuspindo fumaça pelo cachimbo e pela chaminé. No idioma em que se falavam, logo chegaram à conclusão de que o melhor era atirar antes de me dar chance de chegar perto. Eles ainda estavam usando as mesmas armas de baixo calibre do assalto, certamente escolhidas para facilitar a entrada na exposição com seus disfarces. Baixo calibre e pouca precisão. Bastava eu ziguezaguear o bólido para desviar das balas. Mesmo assim, devo reconhecer, algumas chegaram perto de me acertar. O morcego da frente logo foi alvejado e, assim como o farol redondo, acabou sendo espatifado. Ao meu lado, projéteis passaram zunindo até acertar a caldeira que alimentava minha corrida. No lugar de sangue, o monstro de metal começou a vazar água fervente. Ainda era possível continuar na direção deles, não em linha reta, mas imitando a trajetória de um irlandês do bar para casa. Por sorte, os rifles de repetição naquela carroça eram transportados sem munição. Do contrário, eles teriam poder de fogo para me peneirar. Diabos! Era óbvio que eu teria motivo para me arrepender de tal pensamento. Por trás dos atiradores que
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disparavam contra mim usando pistolas, surge o pirata da tatuagem de vidro quebrado com uma Guarany em uma das mãos e uma caixa de munição na outra. Sem pensar, na base do reflexo, empurrei a alavanca da esquerda para a frente e puxei em minha direção a barra da direita. Isso só não fez a diligência a vapor tombar porque seu peso contrabalançou os efeitos da frenagem. O Modelo B gemeu e bufou. Por fim, virou para a esquerda e foi diminuindo a marcha até parar. Trinquei os dentes com força e fechei os olhos enquanto senti o mundo vibrar. Uma cortina de poeira se ergueu diante de mim – e os óculos de fato protegeram meus olhos das partículas levantadas que chegaram a arrancar sangue do meu rosto. Lá se foi meu plano de trombar o Modelo B contra a traseira da carroça. De novo sem ter tempo para raciocinar, só pude me lançar outra vez para trás daquela barreira de metal enquanto um oceano de chumbo era cuspido pela arma pessoal mais perigosa do mundo. As gargalhadas dos piratas eram a única coisa que eu podia ouvir além do ruído do impacto das balas na carcaça que me protegia. Uma rajada arrancou a asa de morcego do topo do veículo e a jogou a meus pés. Novos rombos na caldeira fizeram com que ela não só despejasse na rua água superaquecida e nos céus vapor denso: abrindo-se como se feita de papel, jorrou para fora, quase me atingindo, carvões em brasa, brilhantes de tão rubros. Ou seriam rubros de tão brilhantes? Então, uma pausa. Após menos de um minuto de cataclismo bélico, a carga do fuzil mecanizado acabou. O pirata da tatuagem ainda leva um tempo puxando o gatilho até se perceber do fato por completo. Não ia demorar nada para ele mandar seus matadores virem atrás de mim com as pistolas mesmo, para garantir o serviço. Abaixado por trás das ruínas metálicas, sem uma arma para chamar de minha, só podia dar as últimas pitadas no cachimbo confiscado. Dali eu ainda avistava o alvo perfeito para um disparo, se eu tivesse com o que atirar: uma caixa cuja marcação indicava ser pólvora não encapsulada para fabricação de explosivos. Um tiro ali e meus problemas estariam acabados. Tão perto, tão desprotegida, pedindo para levar chumbo quente... Na situação em que eu estava, o alvo fácil era eu. Como previ, o chefe do bando aponta para dois dos seus homens e dá ordens rápidas. Eu podia observar os carrascos caminhando em minha direção, um vindo pela esquerda, outro pela direita. Outros três davam cobertura. Ao tentar pensar em algo para fazer com o que tinha ao alcance de minhas mãos, ou seja, uma asa de morcego furada, carvões em brasa e um cachimbo cheio de curvas, passei alguns dos piores segundos de minha vida. Em momentos assim, sou obrigado a fazer um de meus truques. Puxei a asa de morcego com a mão esquerda e, com a outra, usei o cachimbo para pescar um carvão incandescente. A boca do cachimbo serviu para capturar e prender uma daquelas coisas insuportavelmente quentes. Depois de verificar que a pedra estava firme ali, ainda chiando com o calor que soltava, enganchei o outro lado do objeto em um dos buracos abertos pelos tiros na asa de metal. Para garantir que ficasse bem preso, atei o conjunto com a borracha daqueles óculos de proteção. Tudo
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Mod elo B pronto, carvão de um lado, cachimbo atado. Agora era arranjar coragem e deixar o abrigo por instantes que poderiam ser mortais. Apareci por trás da minha barreira de proteção para arremessar aquela coisa como se fosse um disco dos tempos olímpicos. Foi o tempo de jogar e voltar a me abaixar, antes de dar a oportunidade de me acertarem um tiro. A asa de morcego carregando o cachimbo seguiu girando, para surpresa do bando. Deu para ver e ouvir que parte do meu objetivo foi cumprida: ela acertou em cheio a caixa e rachou o tampo de madeira, com um estalido seco. Para saber se o restante da ideia daria certo, só esperando. Mas não muito. Bastaria uma bala certeira para me por fora de ação. Já podia ouvir os passos dos piratas e os gritos impacientes do chefe deles. A pólvora que vazou pela caixa arrebentada foi mais rápida que meus pretensos assassinos. O pó negro logo chegou até o carvão ainda vermelho o suficiente para provocar o que eu torcia para que ocorresse. E a confirmação veio na forma de um estrondo como há anos eu não ouvia. Carroça e armas foram pelos céus no meio de uma coluna de fogo e fumaça. Em seguida, pedaços de metal caem do céu, em uma chuva perigosa para cabeças desprotegidas. Por isso me esgueirei para baixo dos restos do Modelo B, por entre suas rodas, com a cara e a barriga roçando na rua de terra, enquanto os piratas recebiam presentes vindos do alto. Algumas das peças de artilharia tão cobiçadas caíram nas águas da Baía da Guanabara, indiferentes aos planos que o bando poderia ter para elas. Aturdidos com a virada da situação, abalados pelo impacto daquela bomba improvisada e furiosos pela perda do que vieram buscar de tão longe, os criminosos começaram uma discussão naquele dialeto desconhecido por mim. Mesmo com esse estado de espírito, algum bom senso prevaleceu no grupo. Perceberam que as forças de segurança de Niterói se aproximavam e pularam para dentro de seu barco com as mãos vazias e muitas feridas espalhadas pelo corpo. Era uma embarcação ligeira, como um escaler, movida não por remos, mas por algum tipo de engenho na parte traseira. Não sei se a vapor, pois me pareceu pequeno demais para comportar uma caldeira e o ronco que fazia me lembrou dos bugios que encontrei na Amazônia. Cheguei próximo à borda ainda em tempo de ver a tal irmandade pirata em fuga, com um rastro branco de espuma marítima deixado para trás. Não é exagero dizer que já recebi olhares ameaçadores em meus mais de dez anos de carreira, mas provavelmente nenhum tão cheio de ódio quanto o do líder daquele bando. Duas horas depois, mais uma vez nas instalações da Imperial Exposição de Tecnologias. Posso fazer uma ideia do quanto eu deveria estar ridículo naquela situação. Consegui juntar, depois de uma corrida que me deixou esbaforido, os pobres cavalos que conduziram a carroça das armas até o estaleiro. Mesmo com a força da explosão, os bichos não sofreram ferimentos sérios. Para a sorte deles, a caixa com a pólvora estava na parte de trás do carregamento, suficientemente longe de seus cascos. Então, eles puderam me servir em um último favor: puxavam a diligência mecânica, aquela que deveria dispensar o uso dos animais, para me levar de volta ao centro de Niterói.
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Mesmo se eu não conseguisse ter a noção do ridículo, a cara de Mr. Pennyworth ao me receber na entrada do parque – agora trajado com mais elegância, com uma casaca preta cobrindo seus suspensórios – seria o bastante. A dupla de cavalos, ainda assustada, trazia em passo lento aquela carcaça estourada, que um dia foi um avanço tecnológico, e a mim, um policial estropiado, de carona. – Bom, muito bom, meu amigo! Já chegaram até aqui alguns rumores sobre sua ação contra os piratas, mas gostaria de ouvir as boas de sua boca. Que, aliás, não está mais portando meu cachimbo de estimação. Cansado como estava, não consegui identificar se havia muita ironia no comentário. Parecia de fato feliz em me ver, mesmo tendo arruinado o projeto dos patrões dele. – Não foi possível recuperar a carga, nem prender o bando. Dos males o menor, contudo: eu os impedi de levar o que queriam – falei isso enquanto puxava as rédeas, no estilo tradicional de se parar um veículo, sem barras ou alavancas. – O preço dessa vitória foi este que está vendo. E, aliás, que não está vendo também: seu cachimbo ficou pelo caminho, após me ser muito útil nesta desventura, pode acreditar. Ele fez questão de ressaltar o olhar de incredulidade, ao chegar perto para examinar as muitas marcas de bala ao longo da estrutura do protótipo que confiou a mim. – Nem posso imaginar como... Mas ficaria feliz se desse o seu testemunho a respeito do Modelo B. Estive conversando com alguns empresários que me disseram confiar em sua palavra, caso confirmasse o potencial da máquina. – Claro, posso fazer um relatório. Só me deixe descansar um pouco – lentamente fui descendo daquela coisa que se esfacelava a cada metro que rodava. Andei em direção ao posto de segurança da minha tropa, mas travei no caminho e me voltei para fazer uma última pergunta sobre algo que vinha me intrigando. – Só mais uma coisa; não pude deixar de pensar nisso, mas o nome dessa... desse protótipo: Modelo B é a inicial de alguma coisa? O mordomo inglês ainda estava conferindo o estrago e me respondeu, parte de costas para mim, parte me olhando: – Não, não. É B simplesmente porque antes dele houve o Modelo A. – Ah, sim, seria minha segunda opção. E posso saber onde está o modelo anterior? Agora ele me olhava diretamente e seu sorriso era o mais fino retrato da ironia: – Não existe mais. Havia um erro no projeto e ele simplesmente explodiu quando o nosso piloto de testes, que Deus o tenha, forçou a caldeira à velocidade máxima. Graças ao senhor, agora sabemos que este modelo aqui não sofre do mesmo mal.
Romeu Martins
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Mod elo B
João Fumaça é um personagem recor rente em minhas histórias SteamPunk, sempre neste universo ficcional em que o Brasil é uma potência industrial no século XIX. Ele aparece no miniconto “Underground Amazon”/”Amazônia subterrânea”, que foi publicado no blog de um artista plástico californiano e que saiu em uma nova versão no ebook 1000 Universos; na noveleta “Cidade Phantástica”, do livro Steampunk – Histórias de um passado extraordinário; e na noveleta “Tridente de Cristo”, ainda inédita mas que deve sair em uma coletânea em breve. Em todas suas desventuras ele interage com personagens tomados de empréstimo de outros criadores. Nesta, não foi diferente.
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NOTAS DE REFERÊNCIA Mr. Pennyworth é uma apropriação do mordomo Alfred Thomas Crane Pe n n y w o r t h , d a s h i s t ó r i a s e m quadrinhos de Batman, criadas por Bob Kane e Bill Finger em 1939. Mas que Alfred existiria no século XIX? A base desta versão é a mesma da graphic novel Gotham by Gaslight, de Brian Augustyn e Mike Mignola, que mostrou em 1989 uma contraparte vitoriana do Homem-Morcego e de alguns de seus coadjuvantes; entre eles, Alfred, e o tal “amigo da família” Jacob Packer. No entanto, em meu conto esta linha do tempo alternativa foi misturada com personagens do universo convencional de Batman: no caso, o juiz Solomon Wayne é mesmo considerado o responsável pela arquitetura de Gotham City, segundo HQ de autoria de Denny O’Neil e Chris Sprouse. A frase “E está disponível em todas as cores, desde que seja preto”, dita por Pennywoeth, é uma citação a afirmação famosa de Henry Ford (1836-1947) a respeito de seu revolucionário veículo, o Modelo T, uma das inspirações para este conto.
Irmandade de Piratas é outra referência vinda dos quadrinhos, ou melhor, das tiras de jornais. Trata-se de minha homenagem à Irmandade Singh, os inimigos atávicos de todos os homens que ocupam o posto de Fantasma, herói criado por Lee Falk em 1936. Tais piratas foram os responsáveis pelo assassinato do pai do precursor do clã do Espírito Que Anda, no ano de 1536 e, d e s d e e n t ã o, a s s i m c o m o o protagonista daquelas histórias, eles vêm se sucedendo de geração em geração, ao longo dos séculos, volta e meia ameaçando a paz na fictícia excolônia britânica de Bengala, na África , e da Patrulha da Selva, criada na ficção de Falk em 1664.
Romeu Martins
CONSEL HO STEAMP UNK TIBÚRCIO ILLUSTRAÇÃ O 2010 BLOG.TIBUR CIO.LOCAWE B.COM.BR
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Obr as Pós tum as
Essa é uma história do fim do mundo. Não a história do fim do mundo, mas uma história que se passa durante o fim do mundo. Aquela época em que a humanidade sabia que já não tinha muito mais tempo, recursos naturais se esgotando, profecias se realizando, tudo o que um fim dos tempos apropriado pede. A população mundial já estava naquele estado em que sabiam não haver mais nada a se fazer para evitar o fim; a única opção outra que o desespero seguido de suicídio coletivo era sentar, relaxar, e assistir os selos se quebrarem e a atmosfera se incendiar (isso sem nem se dar ao trabalho de passar protetor solar, pois doenças a longo prazo não eram mais uma preocupação a essa altura). A vida durante o fim do mundo não era de todo ruim, vale ressaltar; e exceto pelo Grande Deus Antigo Abissal Portador de Loucura que ressurgia uma semana ou outra para causar caos e delírios na população e devorar um ocasional cultista, a vida seguia quase que tranquilamente. Guerras quase não existiam mais (desde a invasão dos extraterrestres que tentaram escravizar todo o planeta a maioria das nações mantinha relações amistosas, e todas as suas armas de destruição em massa permaneciam apontadas para o alto, para o caso deles voltarem), as religiões estavam em alta, cada catástrofe natural confirmava uma profecia de pelo menos quinze delas de uma vez, o que deixava os clérigos e fiéis extremamente satisfeitos, por que aquilo era prova irrefutável de que eles estavam certos e os outros eram apenas iludidos seguindo uma doutrina falsa. É claro que havia os inconformados que insistiam que deveria haver um esforço conjunto para remediar a situação do planeta, uma grande iniciativa espacial para levar o povo da Terra a um novo mundo, mas eles geralmente recebiam em resposta um “Para quê?
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Para estragar o novo igual foi feito com o antigo?” e isso geralmente os calava por um tempo. O caso é que ninguém tinha mais credibilidade para mobilizar as massas em um projeto como esse, os grandes revolucionários e pensadores estavam mortos a séculos, e a sociedade não produzia nada de novo há muito mais tempo. A apatia e a estagnação reinavam, mas era um reinado pacifico pelo menos, a falta de conflitos inúteis, na cabeça das pessoas, mais do que compensava a falta de criatividade e ousadia que agora estavam em voga. Resignação voluntária por falta de opções, muitos definiam. E tudo seguia dessa maneira, o marasmo dos dias sendo sacudido por um ou outro sinal do apocalipse, e logo depois voltando ao estado anterior. Nada de novo no front, apenas uma grande besta de sete cabeças saindo da água, mas é só ignorar que ela vai embora. Foi precisamente um dos sinais do apocalipse que mudou toda a situação. Profecias se realizando já não era nenhuma novidade, e pelo menos uma vez por semana um sinal do fim dos tempos era avistado em alguma parte do mundo e identificado (ou clamado para si) por alguma religião. Embora algumas coisas tenham surpreendido, como quando um lobo gigante tentou devorar o sol, ou quando um asteroide atingiu o oceano e transformou parte dele em absinto, a maioria dos sinais já eram encarados de forma corriqueira. “ - Ontem um boi deu a luz e o que nasceu foi uma serpente de duas cabeças” “ - É mesmo? Semana passada minha sogra começou a falar sumério e vomitar gafanhotos” E assim todos seguiam, dia após dia e após dia tudo mais e mais banal.
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Obr as Pós tum as “ - Sabe aquela serpente de duas cabeças que nasceu de um boi ontem?” “ - O que tem ela?” “ - Hoje ela começou a falar sumério e vomitar gafanhotos” “ - Que coincidência.” Há de se pensar que com tudo isso acontecendo, os mortos se levantando dos seus túmulos não causaria uma grande comoção ou mudaria algo no cotidiano do cidadão médio do fim dos tempos. Bem, como diziam por aí, “todo penso é torto”. E quando os mortos começaram a levantar de suas sepulturas tudo mudou. E tudo se complicou. Mais. Talvez se o primeiro foco de mortos retornando fosse outro, em outro local, pode ser que toda a progressão tivesse sido diferente, tipos diferentes de defuntos teriam voltado, enfim, as coisas poderiam ter sido bem piores. Mas não há como sabermos isso. Uma vez que o gato saiu do saco (ou nesse caso, que o corpo saiu da cova) não há mais o que discutir. E em uma bela madrugada pouco depois de uma leve garoa de enxofre sobre as principais capitais do mundo, um cadáver em Paris começou a se mover em seu túmulo. Vale ressaltar que esse não era qualquer túmulo; o túmulo em questão era extremamente luxuoso (isto é, para um túmulo. Defuntos não costumam, ou costumavam até então, ser muito exigentes neste departamento) e era decorado com um grande anjo art-deco. Seu ilustre “morador” foi o primeiro não-vivente a despertar, e embora tenha levado um certo tempo para sair de lá de dentro, seu primeiro gesto foi admirar o monumento modernista com um suspiro. - A genitália de prata no anjo parece um pouco de exagero... mas gostei das marcas de batom. - E com algumas batidas para tirar a poeira dos séculos de sua roupa, Oscar Fingal O' Flahertie Wills Wilde caminhava mais uma vez no mundo. Inicialmente surpreso ao ver onde estava (ele havia sido sepultado em Bagneux mas seu corpo fora transferido nove anos depois), ele logo concluiu, ao ver a sua “vizinhança”, que o Cemitério do Père-Lachaise havia sido uma escolha mais que perfeita para sua ultima morada. Embora tenha sido o primeiro a se levantar, Oscar Wilde não ficaria sozinho por muito tempo, pois os mais de 42 hectares de finados ilustres também estavam despertando. Em pouco mais de meia hora, inúmeros magníficos exviventes já haviam despertado de suas moradas no PèreLechaise. Raymond Roussel se levantara já declamando
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vários semi-trocadilhos sobre o pós-vida, Proust resmungando algo sobre tempo perdido, Paul Éluard perguntando se Salvador Dalí estava enterrando naquele cemitério (ele planejava escrever versinhos satíricos no ar sobre a lápide de Dalí usando apenas seu sapato, mas foi dissuadido da ideia por Max Ernst que estava em uma divisão próxima e despertara pouco depois dele), La Fontaine se levantou com a mente pululando de ideias para fábulas envolvendo vermes e minhocas, Balzac necessitando de muito café, e Prudhomme procurando seu Nobel. - Juro que estava com ele quando morri! Jim Morrison pouco depois de sair do tumulo já estava em uma animada conversa com Chopin, Rossini e Edith Piaf, embora Chopin estivesse falando polonês, Rossini italiano e nem Piaf ou Morrison estivessem entendendo o que diziam, provando que a musica é um linguagem universal, mesmo nas mais peculiares circunstâncias. Eugène Delacroix, Modigliani, Marcel Camus e Marcel Marceau (já falando de uma parceria... bem, Camus falando apenas), Alfred de Musset (tentando se esconder de Chopin), Jane Avril já saindo do cemitério e se dirigindo ao Moulin Rouge, Allan Kardec (extremamente mau humorado), Molière (ainda rindo de ter morrido de tuberculose enquanto interpretava um hipocondríaco tendo um acesso de tosse) Sarah Bernhardt (com certa dificuldade de locomoção); todos eles levantavam de suas sepulturas extremamente bem-dispostos e em boa forma, considerando que alguns já estavam falecidos há mais de três séculos. Felix Nadar mal levantou e já fazia planos de tirar fotos aéreas daquela nova Paris, e Cyrano de Bergerac foi ligeiro em se oferecer para criar um engenho que o lançasse para o céu. O retorno dos mortos não se limitou ao Père-Lechaise, no dia seguinte, do outro lado de Paris, no Cemitério de Montmartre, outros se levantaram. Léo Delibes, Offenbach, Truffaut, Stendhal, Théophile Gautier (fazendo comentários sobre “decadência” que arrancaram risos de quem os escutou), Heinrich Heine, Léon Foucault, Edgar Degas, Gustave Moreau, Horace Vernet (que despertou já tendo de esclarece que não era tio avô de Sherlock Holmes) todos ergueram-se das sepulturas como se tivesse entrado lá apenas para uma soneca. O mais peculiar, excluindo o fato de serem mortos retornando ao mundo dos vivos, é que nenhum deles parecia deteriorado; um ou outro apresentava um pequeno traço de bolor, um tom esverdeado nas extremidades, mas nada que denunciasse demais seu “estado vital”. Os cientistas pensaram em fazer exames neles de início, mas a dificuldade de se fazer um necrópsia quando o cadáver em questão ainda está falado com você, se provou um obstáculo difícil de ser superado. E enquanto todos conjecturavam, os mortos não paravam de acordar, o próximo foco foi o Panthéon de Paris, desta vez trazendo de volta ao mundo Alexandre Dumas, Victor Hugo, Émile
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Obr as Pós tum as Zola, Pierre e Marie Curie (ambos exibindo uma leve luminosidade quando no escuro), Rousseau, Voltaire, e Julio Verne (que a esta altura já havia sido transferido para lá). A cada dia mais focos surgiam, mais mortos retornavam. De início ninguém percebeu por que nem todos os mortos voltavam, famílias esperavam por entes queridos que há muito haviam partido, mas só uma ou outra tinha essas expectativas atingidas, o padrão, aparentemente arbitrário logo se mostrou, e uma vez que o perceberam, todos ficaram surpresos por não ter percebido antes. Os “retornados” eram todos escritores, poetas, pintores, músicos, cientistas e atores, filósofos e artistas de todos os tipos, alguns eram ícones de suas áreas, outros pouco conhecidos, mas todos tinham em comum o talento no que faziam. O que começou na frança se espalhou para cada país da União Europeia, cruzou continentes e oceanos, e em pouco tempo Mark Twain tinha voltado a escrever ás margens do Mississipi, Kerouac pôs o pé na estrada novamente, Edgar Alan Poe assustava, Lovecraft aterrorizava, William S. Borroughs desaparecia por seis meses para voltar com um manuscrito pronto para ser publicado (mas que só fazia sentido se fossem lidos primeiro os capítulos impares depois os pares), e Kurt Vonnegut dizia que tudo isso era inevitável. No Rio de Janeiro a roda da Colombo voltou a se reunir na rua do Ouvidor, e mais uma vez Olavo Bilac, Guimarães Passos, Emílio de Menezes, Pedro Rabelo, Pardal Mallet, Coelho Neto, Bastos Tigre, José do Patrocínio (pai e filho), Martins Fontes, Aluísio Azevedo, e tantos, tantos outros atraíam multidões apenas por sua presença. Os membros da roda, porém, passaram um tempo inconformados, pois o rapaz que sempre os servia, o França, não estava lá, e eles queriam por que queriam que o França estivesse lá. E não se sabe exatamente como, mas o França acabou voltando. A situação geral do mundo não pareceu espantar muito os ex-falecidos que retornavam, afinal, pessoas que permaneceram mortas por décadas, séculos até, e mesmo assim voltaram ao mundo dos vivos, com certeza tem uma certa experiência em sobrenaturalidades e afins. O fim dos tempos não impediria nenhum deles de voltar de forma completa. Mais que depressa obras incompletas começaram a ser terminadas, parcerias inusitadas foram feitas, e aqueles que em sua época achavam não ter mais nada a aprender, foram maravilhados com todo o avanço que a humanidade havia feito. Tolkien isolou-se em um chalé no interior da Inglaterra, e a cada três anos entregava um calhamaço de oitocentas páginas aos seus editores, Gaudi resolveu assumir novamente a construção da Catedral da Sagrada Família que já tomava um quinto de Barcelona, Luís II da Baviera se tornou ainda mais ousado (ou maluco) imaginando novos castelos que se mesclavam a edifícios, edifícios que viravam cidades e tornando cidades gigantescos parques de diversão,
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Marlowe, Gogol, Byron, F. Scott Fitzgerald, Mervyn Peake, Frank Herbert, Charles Dickens e até Geoffrey Chaucer se puseram a terminar tudo o que deixaram incompleto (o final do Mistério de Edwin Drood particularmente surpreendeu a todos). Além de dar continuidade as obras incompletas, muitos autores resolveram escrever material novo, explorando diferentes estilos narrativos e experimentando gêneros literários em que nunca haviam se aventurado; desta nova leva vieram as Aventuras Póstumas de Brás Cubas, contando os encontros do protagonista com exorcistas e caçadores de espíritos, Morte e Pós-Vida Severina, romance retratando a dura trajetória de um morto-vivo tentando a sorte do mundo dos vivos, O Doutor Malignus, contando a busca de um habitante do sol por evidencias de vida no planeta Terra; Eu, Ciborgue (coletânea de contos de Isaac Asimov se aventurando no Cyberpunk); A Dinastia de Conan, As Aventuras de Alice na Internet e o que ela encontrou por lá; O Outro Blog de Phileas Fogg; Os Vestidos e os Vivos; O Drama Profano; A Volta de Arthur; Os Corpos Trocados; três novos volumes de O Tempo e o Vento chamados: O Planeta, A Espaçonave, e A Galaxia, acompanhando a vida da família Terra (tendo mudado seu nome para Marte) nas colônias fora do planeta e a luta dos Cambará ao permanecer no devastado planeta natal; todas estas, e mais inúmeras outra obras eram publicadas e enchiam seções e mais seções das livrarias. E o publico, tendo reencontrado o prazer dos livros neste tempos caóticos, sempre queria mais. Apesar de tudo isso Oswald de Andrade encontrou dificuldades em relançar a revista antropofágica, pois descobriu que o termo quando empregado por alguém que acabara de voltar do além túmulo deixava as pessoas inquietas (fato que não o impediu de usá-lo mesmo assim, tendo até o encorajado a tanto). As novidades não ficaram apenas na literatura, porque após terminar seu grande cavalo de bronze Leonardo Da Vinci se mostrou extremamente interessado em engenharia de foguetes. O conceito de exploração espacial o fascinou, uma vez que foi apresentado a ele, e a rapidez com que assimilou o conhecimento de mais de mil anos de descobertas e progresso científico foi impressionante. Os sinais do fim do mundo, é claro, não cessaram. Chamas varriam os céus, monstros marinhos eram cozidos no oceano que fervia, os polos começavam a se desmagnetizar... pragas não eram mais um problema entretanto, o esforço conjunto dos médicos vivos e nãovivos levaram ao desenvolvimento de vacinas preventivas que combatiam praticamente todas as moléstias apocalípticas que se abatiam sobre a Terra. Outra coisa que foi amenizada depois da volta dos falecidos foi o aparecimento de criaturas lendárias e grandes deuses antigos. O que acontece é que entre todos aqueles que voltaram, muitos tinha certos conhecimentos nas áreas ocultas, e estavam familiarizados com os
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Obr as Pós tum as procedimentos para afastar tais entidades calamitosas, ao menos por algum tempo. Eliphas Lévi, Francis Bacon, Giordano Bruno, Franz Bardon, Marsílio Ficino, Marie Laveau, Edward Kelley e John Dee (sempre com um considerável espaço entre eles) organizaram um frente mística de proteção a humanidade que foi extremamente bem-sucedida, e as baixas devido a pesadelos com tentáculos e presas invadindo nossa dimensão diminuíram consideravelmente (o fato de Aleister Crowley ter sido devorado por Yog-Sothoth durante uma das primeiras investidas do grupo foi justificado, pois Crowley estava tentando trazer a entidade para o nosso plano, ao invés de tentar baní-la). O Programa Espacial, que permanecera fechado por décadas, foi retomado, agora com o auxílio de pessoas como Einstein, Tesla, Lobachevsky, Niels Bohr, Ada Lovelace, Norbert Wiener, George Caylay, Michael Faraday, Nikolai Zhukovsky, Max Planck, e Hermann Oberth (Konstantin Tsiolkovsky preferiu trabalhar sozinho), todos trabalhando em conjunto para levar a humanidade de volta as estrelas, e quiçá, achar novos planetas a serem desbravados. O esforço conjunto das mentes vivas e não-vivas começou a mudar o mundo, o fim, antes tão inevitável, agora não passava de um incomodo menor diante de todas as maravilhas sendo produzidas pela humanidade. Energia renovável e livre, doenças erradicadas, produção cultural em um nível nunca visto antes em nenhuma época. O planeta, antes apático e conformado, agora era um coração flamejante de vida e criatividade. E quando o anjo das revelações veio tocar sua trombeta para anunciar o fim, sentiu vergonha de seu singelo instrumento diante de todas as décimas sinfonias sendo tocadas pelo mundo, e disfarçando seu embaraço, partiu em silêncio. Aquele não era o mundo que deveria ser terminado, aquele era um mundo novo e cheio de possibilidades. Um mundo que renascera da apatia para a grandiosidade. Um mundo de ciência, de magia e de arte. Um mundo como aquele valia a pena o suficiente para ser poupado da cólera de quem quer que se autodenominasse seu deus. E foi isso que ocorreu, o fim dos tempos foi adiado indefinidamente. Plutão recebeu a sanção final no lugar da Terra e foi destruído, afinal de contas, nem um planeta apropriado ele era há muito tempo (nem anéis ele tinha); e a Terra continuou sua jornada, crescendo em conhecimento, criando obras de arte e ultrapassando as estrelas em brilho. Isso é, até que alguém tenha novamente a ideia “brilhante” de partir o átomo de urânio, aí estão todos ferrados. De novo.
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o A Ciên cia Míst ica de um Viaj ante Extr acor póre
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06 de setembro de 1842 Baía de Guanabara
04 de novembro de 1872 Porto de Hong Kong
Graças aos meus contatos próximos do tenente-general sir William Gomm, consegui embarcar no HMS Cleópatra, que aportou em terras brasileiras na manhã de hoje. Aproveitando-me que aportaram na Baía de Guanabara, desci para visitar o porto, e deparei-me com muitos escravos e uma imensidão de barcos de carga que transportavam passageiros e víveres de um lado a outro do mundo.
Desde que saí rapidamente das terras americanas quase um fugitivo, anseio pelo momento em que chegarei à Londres. Minha pressa era demasiada que comprei a passagem para o Santa Catharina, o primeiro navio que sairia. Era tão jovem e vistoso quando
É uma terra fascinante. Talvez minha estadia nessas terras seja mais duradoura do que planejara. Quero explorar mais profundamente. Pode ser que valha a pena. 29 de setembro de 1850 Rio Tapajós, Pará Minhas recentes descobertas acerca dos rituais pagãos desse clã muito me intrigam. Sou um homem da ciência! Certas coisas me são impossíveis de responder pela simples crença! Mas, será possível? Não, não, há de haver uma explicação racional para tudo isso. Não foi alucinação minha, eu tive uma experiência extracorpórea, foi real! Eu tenho as marcas em meu corpo... hei de provar! 04 de novembro de 1872 Manhã em Hong Kong O porto está cheio, como todos os outros estão ultimamente. Depois da guerra que a Inglaterra travou com os hong kongs e os acordos de paz que foram assinados, a agitação portuária voltou a ser a mesma de antes de 1842. Há navios atracados a se perder de vista. São navios de todos os l u g a r e s . Ta n t a s l í n g u a s a i n d a desconhecidas, misturadas no mesmo turbilhão de marinheiros, passageiros, peixes e cargas. Containers são arrastados para todos os lados. Carregam e descarregam os navios maquinalmente, acostumados com a rotina de trabalho. Todos os dias é a mesma coisa. Embora me digam que nenhuma tempestade se aproxima, sinto que hoje o ar está diferente. - Porto a estibordo! - Gritou alguém.
chegara ao Brasil há trinta anos. Penso se meus velhos amigos me reconhecerão, pois trago marcas que jamais julgara existir. Minha memória é testemunha de coisas que talvez o mundo não esteja completamente preparado para descobrir, trago tudo em
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o A Ciên cia Míst ica de um Viaj ante Extr acor póre
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meus diários e em uma caixa, onde há uma prova irrefutável que meus colegas cientistas ansiarão por estudar.
tão íntegro e bem de vida, não precisaria disso. Sua empreitada era outra. Passei o braço pelos seus ombros e o levei para o meu aposento.
É chegado o momento de aportar; comigo, minha bagagem. Acredito que precisarei de um ou dois dias para encontrar uma nova embarcação que rume em direção a minha cidade natal, que não vejo há tanto tempo, mas que recebia notícias graças aos contatos do Barão de Mauá com indústrias inglesas. Apesar de ter passado uma longa temporada explorando a mata fechada, um território quase desconhecido para a maioria dos brasileiros, pude desfrutar de um pouco de civilidade na cidade do Rio de Janeiro em meus últimos anos. Julgava não voltar com vida, pois fui perseguido por nativos que descobriram meus planos. É acertado que foi estupidez de minha parte furtar deles um de seus artefatos mais valiosos, e não posso dizer que foi em nome da ciência e da razão. Em parte fui baixo e cedi à cobiça, mas o mundo reconhecerá meu valor e me dará o mérito merecido.
Fura-Vidas ainda gemia qualquer coisa sobre a façanha que seu patrão estava perto de completar, e que por este motivo precisava correr para lhe alcançar. Ora, uma viagem ao redor do mundo em tão pouco tempo é tão improvável, e tão fútil. Tranqüilizei-o dizendo que daria o recado para seu amo para que o buscasse logo, e então o sujeito não se mexeu mais. Enquanto ele roncava e fedia a fumaça, eu preparei meu equipamento. Fazia tempo que queria testá-lo fora do Brasil.
05 de novembro de 1872 Um teste em novo ambiente Estou hospedado em uma espelunca portuária, mas tal medida se fez necessária para que não chamasse atenção. Nesta noite vislumbrei uma oportunidade que seria burrice deixar escapar. Ficarão registrados aqui todos os momentos memoráveis desta noite, pois se algo me acontecer em um futuro próximo... melhor não escrever a respeito. Entrei em uma taberna próxima a hospedaria a fim de beber alguma coisa e me inteirar das novidades com os marinheiros britânicos, afinal me encontrava em território real. Notei a presença de dois homens que conversavam em inglês. Um deles tinha forte sotaque londrino e o outro, meio afrancesado. Aproximei-me discretamente para ouvir a conversa, pois suas expressões graves me causaram um pouco de receio. Ouvi que o detetive, como o mesmo se apresentou na discussão, estava a perseguir o amo do outro sujeito, por acreditar que o mesmo tinha roubado 55 mil libras do Banco da Inglaterra. Perspicazmente, vendo que não conseguiria nada com o lacaio, o detetive inglês embebedou seu companheiro, deu-lhe um cachimbo com ópio e o largou no bar. Minha curiosidade me impulsionava a travar algumas palavras com aquele homem. Depois que dois criados encostaram-no nas almofadas para os fumadores, paguei minha conta e fui ao encontro do francês. Cumprimentei-o. Seu nome era Fura-Vidas. Instiguei-o a falar sobre o roubo do banco, e ele me disse que era tudo coisa da cabeça do policial, que seu patrão,
A base do equipamento foi encaixada na cadeira em que Fura-Vidas havia desabado. O suporte em sua cabeça, acoplado. Faltava o artefato. A pedra que quase me custou a vida, mas que valeu todos os riscos de minha ousadia. Sabia que era de fundamental importância que a pedra estivesse bem encaixada e segura, pois qualquer instabilidade poderia causar um erro irreversível. Puxei meus papéis da maleta que estava acima da cama e acendi algumas lamparinas. O capacete que ainda lembrava um casco de tartaruga foi o mais próximo que eu consegui montar sozinho. A pedra não funcionava em uma atmosfera diferente daquela na qual eram realizados os ritos do clã. O capacete conseguia, curiosamente, emitir uma ressonância que causava resposta da pedra, e a interação se completava com o encantamento em tupi, a língua nativa do clã. Acionei a chave que fazia o mecanismo funcionar e iniciei o ritual xamânico. Na mata, o ritual procedia de forma diferente. Passei muitos anos estudando para perceber que em um ambiente diferente e em outras condições atmosféricas a experiência falhava perigosamente; está tudo anotado em meus outros diários de pesquisa. Ainda consigo me lembrar da primeira vez que participei. Memorável. Esplêndido.
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o A Ciên cia Míst ica de um Viaj ante Extr acor póre Ao pronunciar as palavras em tupi, Fura-Vidas abriu os olhos. Parecia lúcido e não havia resquícios da embriaguez. Ele estava em transe. Precisava apenas aguardar mais alguns minutos até que a pedra fosse ativada finalmente, e eu saberia se sua alma estava fora de seu corpo. Minha ansiedade era tamanha. Mal podia esperar. Um feixe de luz púrpura escapou do capacete. Era agora. “Fura-Vidas?” Eu chamei. Nenhuma resposta. De repente ele abriu os olhos novamente, e seu olhar estava diferente. Um segundo depois, senti uma áurea de fúria vinda daqueles olhos. Em tupi ouvi: “Você vai pagar, os espíritos não permitirão!” Entrei em pânico por alguns instantes. Como? Estava tão longe. De todas as almas que poderiam ter trocado de recipiente com o sujeito, como o filho do xamã teria me alcançado? Perdi toda a minha estabilidade. Por um momento fiquei sem saber o que fazer. Temi a vingança do clã. Por sorte havia amarrado Fura-Vidas na cadeira. Comecei a pronunciar um novo encantamento. O xamã continuava a me encarar e a sibilar palavras inaudíveis para mim. Eu estava perdido. Pensei em retirar a pedra, mas o xamã poderia continuar ali. Como me explicaria para o amo do corpo que estava a minha frente, se ele viesse buscar seu lacaio? Precisei de um tempo para retomar meu equilíbrio. Bebi um copo de gim e me concentrei. Repeti as palavras com calma, chamando de volta ao corpo seu verdadeiro dono. Repeti inúmeras vezes, pelo que acredito terem se passado horas. Cogitei em desistir, mas o corpo estremeceu. Fechou os olhos. Pronunciei o encantamento mais uma vez. O corpo estremeceu com mais força, e mais força, quando, de repente, parou. Fiquei apreensivo. Chamei por Fura-Vidas. Sem resposta. Acreditei ter matado o sujeito. Minha última tentativa tinha sido um sucesso, não vitimara mais ninguém. Circulei pelo quarto e, apesar de não fazer calor, eu transpirava excessivamente. Recolhi meus papéis. Pensava no que fazer, e minha mente permanecia em branco. Parei diante do corpo imóvel. O sacudi exclamando “FURA-VIDAS?!”. O artefato ainda brilhava lá dentro. Havia esperança. Procurei entre os papéis e recomecei a balbuciar o encantamento. As luzes das lamparinas tremularam e um brilho mais forte saiu dos orifícios do capacete. Fura-Vidas arregalou os olhos e ofegou descontroladamente. Gritava perguntando o que eu tinha feito a ele. Disse que viu estranhos cachorros e um céu estrelado por entre as folhas. Que aborígenes corriam para capturá-lo. “Eu fugi! Eu fugi!”, continuava a bradar ensandecidamente. Pedi gentilmente para que se acalmasse e me contasse tudo que viu. Tratei de pegar algumas garrafas de gim e servir para o sujeito. Com sorte ele iria pensar que era um sonho.
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07 de novembro de 1872 A bordo do HMS Devastation A alvorada se aproximava quando guardei toda minha bagagem e corri para o porto. Por um golpe de sorte, consegui passagem para um navio britânico. Deixei ordens para que levassem Fura-Vidas, que estava jogado sobre a mesa com garrafas espalhadas ao redor, ao navio que ele aguardava. Olhei em seus bolsos e li o nome Carnatic. Aprontei-me e saí. Devo dizer que foi um sucesso minha última experiência. Apesar do contato inesperado com o filho de meu velho amigo xamã, pude constatar que, mesmo em outras localidades, minha engenhoca funciona plenamente. Penso se o tal do Fura-Vidas se lembrará de minha feição, e das coisas que viu por entre as matas selvagens enquanto corria dentro do corpo de um outro homem. Certamente pensaria que foram delírios do ópio e do álcool. 27 de novembro de 1872 Ainda a bordo do HMS Devastation Tenho travado intensas conversas com um grupo de jovens entusiastas a respeito da magia e da ciência. Também são ótimos parceiros de uíste. Eles me narram histórias que ouviram em suas viagens, iniciadas após anos de estudo na Universidade. Pergunto-me se eles acreditam no que falam. E no que porventura deixo escapar entre uma conversa e outra, como quem não quer nada. 27 de dezembro de 1872 Londres Após a chegada em minha terra, na qual não punha os olhos há mais de trinta anos, pude reencontrar alguns velhos amigos. Alguns deles ainda estão enfurnados nas Academias. Ainda mantenho contato com um dos jovens com os quais fiz amizade no navio. Ele se mostrou muito interessado em minha pesquisa, embora não lhe tenha contado quase nada. Preparei a sala de meu apartamento para recepcionar meu jovem amigo, o senhor Bridge. Esta noite será esplendorosa. Ficarão registrados aqui todos os momentos memoráveis desta noite, pois se algo me acontecer.... Digite para introduzir texto
Gabriela Barbosa
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- Deus do Céu! Basta! Basta! - murmurou o capitão em um misto de súplica e determinação enquanto a outra sessão de engrenagens diferenciais entrava em funcionamento. O significado enigmático da frase proferida por ele começava a fazer sentido enquanto meu mecanismo, nunca antes utilizado, foi acionado pelos giroscópios ativados pelo casco que jogava com força de um lado para outro. Eu estivera ouvindo o tempo todo, mas agora, com as novas funções acionadas, tudo parecia diferente. Embora os demais engenhos a bordo continuassem funcionando, boa parte do esforço mecânico e da força motriz fora desviado para manifestar este arremedo de consciência que lhes narra este evento. Por instantes, enquanto engrenagens, roldanas, pinos, cordames e molas se tensionavam para dar vida a parte da decoração da biblioteca, meu corpo se desprendia da parede ancorada ao casco e testemunhava a fuga de alguns dos "convidados" do capitão. Ao longo de toda embarcação gritos eram ouvidos e os tripulantes tentavam, a todo custo - e com minha ajuda se livrar do redemoinho acerca do qual eu lhes avisara sem que me dessem ouvidos. Eu já sabia do destino da nau, que acabara de emergir e começava a tomar todas as providências para poupar o máximo de vidas a bordo, mas havia pouca esperança para todas aquelas almas. Os pistões começavam a funcionar, o vapor escapando pelas pequenas imperfeições inevitáveis em minha estrutura. O som repetitivo das engrenagens era previsível,
mas por ser a primeira vez que eu as escutava e por serem estes os primeiros passos que eu ensaiava a descer do teto e da parede da biblioteca, era como se eu estivesse nascendo de uma gestação interminável. O capitão não me dava atenção e, como que em transe, tentava resolver uma série de questões mecânicas de transferência de energia que não tinham mais qualquer relevância. Olhava-o por trás enquanto ele se esforçava com habilidade nos controles que acionara após retirar de cima deles a enorme edição do Alcorão que os escondia. As espirais amplas que a embarcação agora descreviam pelas laterais do gigantesco redemoinho provocavam rangidos sinistros que provavelmente assustavam toda a experiente tripulação, mas o capitão continuava impassível. Quando falei pela primeira vez ele não pestanejou, mesmo tendo o som sido mal articulado e sem significado - Agora não! - disse, aparentemente para minha manifestação. - É o momento, capitão... - insisti no único tom monótono, metálico e sibilante que eu era capaz de usar. Ele finalmente olhou-me, rapidamente avaliando seu projeto e a beleza barroca dos entalhes que ordenara que fossem espalhados naquele corpo que outrora fora inerte.
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Qualquer outro indivíduo teria se sentido alarmado diante do que um incauto qualquer teria descrito como um aracnídeo com dez metros de uma a outra pata e com uma carranca feminina no lugar do corpo - eu era grotesca.
imagem que estava diante de mim.
Sem dar maiores satisfações fez um gesto de impaciência ao fechar os controles e ir em direção a uma estante da biblioteca.
Tentei recuperar, sem muito sucesso, o funcionamento do conjunto de lentes avariado mas logo desisti quando o casco se rompeu e água começou a invadir a biblioteca, rebites começando a explodir em todas as direções.
Não tinha muita certeza do que fazer. Meu único propósito era tirá-lo dali, a qualquer custo. Entretanto estava bem aparelhado para receber ordens e perceber o desejo do capitão, que certamente iam de encontro às minhas diretrizes. Por um momento, assistindo aos esforços do capitão em abrir novo painel de controle, escondido atrás da estante, questionei-me sobre o que deveria fazer, mas não cabia a mim - e talvez eu não tivesse o ferramental necessário para tanto - ir de encontro ao que, no próximo girar de engrenagens, teria de realizar. Ele já se dirigira a mim, muitas vezes como uma pianola superdimensionada, fazendo-o, entretanto, com um carinho peculiar de quem conhecia intimamente aquilo que criou. - ...Capitão... - tentei novamente, supondo ser capaz (e não era) de mudar meu tom de voz, o vapor diáfano me saindo pelas vias orais enquanto falava. Não olhava para mim. Era inútil, e internamente eu sabia que não havia muito mais o que fazer a não ser arrancá-lo dos controles nos próximos segundos. A estrutura cedia já em alguns pontos e o barulho alto da torção do casco e dos vazamentos já se fazia ouvir. Minhas funções involuntárias disparavam sem piedade os obturadores a vapor, para vedar hermeticamente cada uma das seções da embarcação e o som de vigas se soltando do casco e rebites ricocheteando preocupavamme. Se alguma parte do casco se desprendesse e rompesse a parede ou o teto da nau, o cordão umbilical formado de fios, bobinas, canos, mangueiras e correias poderia ser lancetado ou seccionado, fazendo com que meu corpo corresse o risco de parar de funcionar e me privar de cumprir minha última missão. - Capitão! - insisti como pude - Tenho ordens para tirá-lo daqui. Toquei-lhe o ombro de leve e a reação violenta foi totalmente inesperada, tendo ele colhido um dos grandes livros de uma das prateleiras e desferido um golpe contra um dos conjuntos de lentes que sensibilizavam a câmara escura e os elementos que me permitiam interpretar a
- Esqueça a sua diretriz! Vidas têm de ser salvas! - e voltou ao trabalho, ignorando o fato de que não tinha como evitar que eu cumprisse as minhas metas.
O capitão tentava se segurar sem deixar de tentar lidar com os controles que começavam a ser esmigalhados por trás do painel, seu mecanismo desmantelado por forças invisíveis mas totalmente previsíveis. Eu não tinha mais alternativa e o próximo protocolo assumira o controle - ou seria eu mesmo? - fazendo-me lançar quatro de meus oito membros na direção do capitão. A nau adernava e a força centrífuga separou-me dele, os barulhos nitidamente altos demais para o ouvido humano e as vigas começaram a invadir a biblioteca através das prateleiras da biblioteca e dos controles antes manipulados pelo capitão. Um dos meus conjuntos funcionais foi atingido com força por destroços não identificados, inutilizando-o e impedindo correias e engrenagens de girar livremente. O projeto do capitão era soberbo e todo o conjunto se desprendeu de minha carcaça, diminuindo meu peso e soltando-me da mistura de madeira e metal que caíra sobre mim. Um segundo conjunto redundante assumia o controle enquanto testemunhava o corpo inconsciente de meu alvo sendo jogado de encontro à grossa janela que dava para fora, onde o inferno de água e espuma se desenrolava. Um conjunto de cliques altos marcou a mudança de situação acusada pela quebra de um sem número de giroscópios e acelerômetros ao longo da embarcação. Em resposta, um conjunto de engrenagens de movimento seccionalmente variado e controles diferenciais de intermitência assumiram para conferir maior torque e velocidade aos movimentos que eram permitidos para minha manifestação. A qualquer testemunha de meus movimentos em meio ao aguaceiro que invadia a biblioteca, destruindo tudo e ao inferno provocado pela quebra dos elementos de decoração em milhares de ameaças em potencial, acreditaria que eu era um monstro arremetendo em direção ao capitão com intenção de matá-lo. Tive breve condição de avaliar se aqueles movimentos eram meus ou se eram apenas nervuras mecânicas variáveis em placas diferenciais. A analogia com uma pianola me ocorreu por dois segundos até que consegui
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Rot a de Fug a lutar contra os elementos e acolher o desfalecido capitão sob meu ventre, três de meus braços segurando-o com força enquanto os outros me davam segurança e defendiam-no e a mim mesmo dos destroços que vinham em nossa direção. Singrei as águas com relativa facilidade, confundindo-me mais com os súbitos movimentos de um lado para o outro provocados pelo redemoínho e pelo rompimento repentino de uma série de canos estruturais nas paredes. Lutei contra os controles de uma escotilha enquanto todas as luzes se apagavam e eu mesmo acendia minhas lanternas eletroluminescentes. O corpo do capitão não reagia mas eu calculava que seria possível submergí-lo sem maiores problemas por cerca de 30 segundos. Mergulhei e avancei pela passagem que abrira. A escotilha cedeu e pude ganhar o corredor seco que eu acabara de inundar. Com um pensamento provoquei o fechamento da escotilha atrás de mim, destruindo qualquer possibilidade de continuar fazendo uso do cordão umbilical, que fora espatifado por minha decisão de avançar de forma autônoma. Eu não mais poderia me comunicar com o resto da nau, abrir e fechar escotilhas e coisas do gênero. Se tudo desse certo os controles de danos, deste corpo projetado pelo capitão, seria capaz de detectar o rompimento das cânulas umbilicais e... Mas nada acontecera. Meu corpo, que recebia boa parte de sua força motriz das correias e das mangueiras de vapor, jazia inerte, perdendo o que restava de óleo e vapor d'água e se tornando, cada vez mais, incapaz de empreender qualquer movimento. Os conjuntos de lentes percebiam movimento sutil no corpo do capitão, mas bem poderia ser por conta do jogar da embarcação e do esfacelamento do casco e da estrutura interna. Quando as lentes pararam de sensibilizar o elemento ótico tive uma infinidade de segundos para entender que eu havia falhado e que minha missão fora um fracasso. Tudo mais era silêncio... ...até que percebi o capitão de forma fugidia, lutando para fazer alguma coisa nas minhas entranhas e fazendo com que sua imagem ainda diáfana fosse ficando cada vez mais clara. Eu tinha novamente meus movimentos. A caldeira reduzida começava a funcionar e a bomba de vácuo operava em conjunto com o vapor para alimentar o engenho diferencial autônomo que deu continuidade aos meus pensamentos. Coloquei-me de pé diante de um capitão orgulhoso e comandei a liberação das cânulas umbilicais que eram agora um complexo emaranhado de
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destroços. Um ruído alto e, para um humano, assustador, não abalou a mim nem aquele engenheiro genial que estava diante de mim. A água já começava a invadir o corredor quando continuamos em direção ao nosso destino. Com o capitão sob quatro de meus membros me coloquei diante da câmara que começava a ser esmigalhada pela pressão que subia rapidamente. Eu não esperava mais do que cumprir a diretriz que me dava motivo para minha existência e comecei a operação de abrir a câmara, preparar o lançamento e fixar seguramente o capitão no assento do batiscafo autopropelido. Não tínhamos muito tempo. Quando fechei a carlinga do veículo auxiliar do qual só o capitão e eu tínhamos conhecimento, a embarcação não teve mais como aguentar. O teto fechou-se sobre parte do meu corpo, que tentou reagir da melhor forma possível, me fazendo perder o funcionamento do conjunto ótico esquerdo e seis de meus membros. Segurei as paredes como pude com os dois membros restantes e me certifiquei que o capitão estava em segurança. A câmara se enchia d'água e ele, depois de verificar que sua fuga não tinha mais como ser evitada pelas forças do destino que então parecia tão cruel, olhou para mim. Ele nunca me olhara daquele jeito, muito embora houvesse o que humanos chamam de carinho em sua voz, sempre que me dirigia a palavra. O capitão colocou os cinco dedos na avantajada e resistente janela da carlinga e senti-me compelido a espalhar os sete dedos de um de meus membros no vidro em resposta, mas não podia soltar as paredes que poderiam partir a câmara em pedaços. Reconheci o movimento de seus lábios que já vira mover daquela forma tantas vezes. Ele dizia: "Nautilus..." E tentei responder com um inaudível "Nemo", sem acrescentar o obrigatório "Capitão" diante do nome, pois meu corpo e todo o resto foi engolido pelas monstruosas forças de maré, enquanto o batiscafo se afastava em segurança e minha última engrenagem em movimento parava de...
Bruno Accioly
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O COLECIONADOR!
CON SELH O STEA MPU NK MODELO: ANNROSE FOTO S:
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2011: A Revolução SteamPunk O ANO DO VAPOR PASSOU E, AGORA, ENTRAMOS EM UMA NOVA ERA “2010: O Ano do Vapor”, já se foi.
na fundação de uma nova Loja.
Houve quem se perguntasse o que seria de 2011, uma vez que todo o vapor escapasse das caldeiras do Conselho SteamPunk em 2010.
Somos singularidades temporais, damas e cavalheiros rasgados do tecido passado do Século XIX e cuja Providência Temporal acabou por regurgitar dois séculos depois, desprovidos das próprias lembranças.
E é aí que está... O vapor escapou e está por todos os lados. Fique parado onde está porque, se ainda não tinha notado, nossa amiga aí embaixo o tem na mira e é exímia no uso do rifle! Estamos em um ano de revolução e os Steamers vão tomar de assalto a imaginação de entusiastas e não entusiastas, invadir a criatividade e frustrar qualquer tentativa que se faça de escapar deste período de mudanças. Nos próximos meses de 2011 o Conselho SteamPunk vai empreender profundas mudanças visuais e funcionais em seus sites, iniciativas e dar início a um processo de produção que vai envolver os sites do Conselho, da Virtual SteamCon, do Vapor Marginal, do SteamCast e a Rede Social SteamBook.
Mas ainda há tempo para despertar mos deste torpor e descobrirmos o que ou quem nos arrancou das missões que tínhamos de cumprir para atirar-nos no mundo de hoje, onde a palavra “conspiração” foi convenientemente transformada em sinônimo de piada e onde inventores são tratados como loucos, substituídos por laboratórios estéreis que vomitam no mercado brinquedos inúteis produzidos por Corporações que objetivam exercer domínio sobre esta nova religião, o Consumo, e doutrinar-nos acerca do que querem que desejemos, nos convencer acerca do que
Se ainda não entendeu o motivo pelo qual aprecia a estética SteamPunk é porque ainda não entendeu quem realmente é... e, acredite, nós podemos ajudá-lo! Desperte para o alter ego SteamPunk de si mesmo, um rebento de uma época que aconteceu mas que foi obliterada da História, mudando nosso passado recente e provocando mudanças que fizeram do mundo o lugar que ele é hoje. Não tenha dúvidas! Envie-nos um email hoje mesmo pedindo para participar do Conselho SteamPunk. Se não houver uma Loja do Conselho em seu Estado vamos auxiliá-lo e aos seus
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contate-nos: conselho@steampunk.com.br
supostamente necessitamos e nos seduzir até acreditarmos que as respostas são mais importantes que as perguntas, independentes serem respostas certas para as perguntas erradas! É o momento de revolução, 200 anos depois da erupção diante do Pico dos Ginetes, da loucura de George III ter sido descoberta, da eclosão de guerras de independência em numerosas regiões da América do Sul, do nascimento de Napoleão II de França, da primeira edição do “Idade d’Ouro do Brasil” e do término da instalação dos Trilhos Aéreos e Turbinas Diferenciais nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e outros centros urbanos. Caso se identifique com o que leu aqui, caso acredite se lembrar de uma época que tentam convencê-lo que jamais aconteceu e (principalmente) caso saiba a diferença entre criatividade e loucura, entre em contato com o Conselho SteamPunk e participe de um dos maiores movimentos baseados em gênero do planeta, com dimensões continentais e que cresce a cada dia!