Periscópio - BAFRO

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ANO 2 | Nº 4 | MAIO 2017

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AFROTOMBAMENTO Quando as negritudes pintam a Universidade como forma de resistência

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NEGRITU (R)existe espaรงo ac

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UDE gay te e ocupa cadÊmico

Por Armando Júnior e Leo Barbosa

Os dados sobre violência utilizados durante essa reportagem são referentes à toda a comunidade LGBT e à comunidade de negros e negras. Com o objetivo de tematizar melhor o assunto, a Periscópio ouviu três homens gays e negros. Por isso, todos os termos aparecerão no plural masculino.

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Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o percentual de negros no nível superior de ensino deu um salto e quase dobrou entre 2005 e 2015. Em 2005, um ano após a implementação de ações afirmativas, como as cotas, apenas 5,5% dos jovens pretos ou pardos na classificação do IBGE e em idade universitária frequentavam uma faculdade. Em 2015, 12,8% dos negros entre 18 e 24 anos chegaram ao nível superior, s e g u n d o pesquisa divulgada em dezembro do ano passado. Comparado com os brancos, no entanto, o número equivale a menos da metade dos jovens brancos com a mesma oportunidade, que eram de 17,8% em 2005 e chegou a 26,5% em 2015. Mas e o acesso e a permanência no ensino superior por parte de lésbicas,

De que maneiras é possível enfrentar os preconceitos dentro das universidades? A manutenção de políticas, como o sistema de cotas sócio-raciais para o ingresso no ensino superior público, é uma alternativa para que mais pessoas possam conquistar seus direitos. Apesar de os números serem tímidos, tal medida aponta algum resultado e se mostra

extremamente necessária.

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gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros? Carregar essas duas identidades sociais (negra e LGBT) faz com esses indivíduos estejam mais expostos às violações. No Brasil - apesar dos avanços, como a conquista do casamento igualitário para homossexuais e lésbicas e o direito ao uso de nomes sociais para pessoas trans - não há nenhuma política pública que promova igualdade para pessoas LGBTs. Com a aprovação de planos de educação pelo país que excluem termos como gênero e/ou limitam o uso da palavra diversidade, está sinalizado que conquistar esse solo só será possível através de muita luta. Se nas instâncias do poder público a promoção de ações que valorizam a comunidade LGBT são diminuídas; em espaços como as universidades, ainda que de maneira indireta, há medidas que promovem a existência das diversidades através de debates, eventos e ações dentro do espaço acadêmico. As campanhas promovidas pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), como a “Por que eu te incomodo?” feita com alunos e alunas LGBts; a do dia das mães que trouxe um casal de professores lésbicas como personagens; e a “Quantos professores negros você tem?”, evidenciam um posicionamento de abertura da instituição em


relação às minorias sociais. O estudante de Jornalismo, Lucas Gonçalves, milita diretamente pelas causas LGBTs, mas também se empodera com o movimento negro. “Sou filho de uma mulher branca e um homem negro e não apresento todos os fenótipos paternos. No Brasil, o racismo vê cor de pele, em outros lugares do mundo eu seria considerado negro. Embora eu compactua com as pautas e saiba que o racismo me atinge em alguns quesitos, minha militância nesse período da universidade foi junto ao movimento LGBT”, explica. Para o acadêmico “a instituição se esforça na tentativa de integrar as minorias, mas essas ações ainda são muito pontuais, falta políticas para nós. Participei ativamente de

um coletivo LGBT dentro da UFJF e atuei nas campanhas “Libera meu xixi” (que permitiu o uso livre dos banheiros independente do gênero) e do uso do nome social para pessoas trans. Essas campanhas surgiram a partir de uma demanda popular da comunidade acadêmica e foram encaminhadas para Diretoria de Ações Afirmativas, que é a unidade para qual caminhamos nossas pautas e demandas”. De acordo com o diretor de Ações Afirmativas da UFJF, Julvan Moreira, as cotas fazem parte das diversas medidas que a Universidade criou nos últimos anos. Elas têm uma importância fundamental, porque viabilizaram não só a entrada, mas a permanência desses estudantes na Universidade para que eles possam se formar.

“Com relação à comunidade LGBT, uma das políticas que também pode contribuir para a permanência desse público na Universidade é, por exemplo, a adoção do nome social feita em 2015 e ampliada neste ano para todos os documentos nos quais a população Trans queira usar o nome social”, exemplifica. “Não são apenas palavras, mas um posicionamento político da Universidade no compromisso de valorizar a diversidade e promover a equidade por meio de diversas ações que possibilitam a construção de uma sociedade justa e equitativa, principalmente na defesa dos direitos dos setores mais vulneráveis e discriminados da sociedade como a população negra, LGBT, mulheres e indígenas”, pontua Moreira.

CAMPANHAS

“Por que eu te incomodo?” traz o estudante Augusto Henrique em uma das peças

Campanha do dia das Mães com as professoras Daniela Auad e Cláudia Lahni

“Quantos professores negros você tem?”, com o professor Julvan Moreira

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Gays e negros ainda são AS

maiores vítimas das violências no Brasil

Os números da violência contra a população negra no Brasil são alarmantes. De acordo com o Mapa da Violência 2016 – produzido pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) - a taxa de homicídios de negros aumentou 9,9% entre 2003 e 2014, passando de 24,9% para 27,4%. Apenas em 2010, 26.854 jovens entre 15 e 29 foram vítimas de homicídio, 74,6% dos jovens assassinados eram negros e 91,3% das vítimas eram homens. Pela pesquisa, a vitimização negra, que em 2003 era de 71,7%, mais que duplicou até 2014, o que significa que morrem 2,6 vezes mais negros que brancos. A população LGBT (lésbicas, gays, bissexuai, transexuais, travestis e transgêneros) é outro grupo social que sofre com a violência no país. Segundo um levantamento feito pelo Grupo Gay da Bahia, 340 pessoas foram mortas por “LGBTfobia” em 2016. São 11 mortes a mais do que no ano anterior. Um assassinato a cada 28 horas. A maior parte das mortes ocorreu em via pública por tiros, facadas, asfixia, espancamento e outras causas violentas. Se os dados das duas pesquisas forem cruzados, é possível que pelo menos 12,6% das vítimas sejam negros e LGBTs. Contudo, a violência não é apenas física; é verbal e moral. Ela não só abrevia vidas, como também afeta o modo de essas pessoas exercerem seus direitos básicos, como a educação, por exemplo. Um estudo realizado em 2011 por Yan Faria Moreira, na época aluno do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (Ifes), do Espírito Santo, ouviu 226 LGBTs na região metropolitana de Vitória e mostrou que 56% das pessoas já sofreram alguma forma de agressão (física, moral ou ambas) dentro das escolas. Outro dado levantado pelo pesquisador mostra que 22% das pessoas entrevistadas continuam estudando mesmo sofrendo alguma forma de preconceito por sua orientação.

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exaltar E m p o der a r v a l o ri z a r en a l te c er e s ti m u l a r f o rt a l e c er re c o n h e c er re a f ir m a r engr a nde c er de s t a c a r e v iden c i a r p re s tigi a r re v eren c i a r aplaudir

A Periscópio procurou três personagens que representassem o universo e a multiplicidade de gays negros, primeiro para focalizar melhor o assunto e segundo porque a temática diz respeito aos repórteres que constroem essa matéria. Neste contexto, nasce o ensaio fotográfico Bafro, que conta com depoimentos e imagens dessas pessoas interagindo com os espaços de intervenção artística, presentes na Universidade. O termo Bafro vem da união das palavras “bafo” (vem de “bafão’, algo surpreendente, uma notícia muito boa) e afro (tudo que remete à descendência negra: beleza, cultura, som, movimento, etc.) O verbete é muito usado pela “geração tombamento” que é uma das facetas que alguns e algumas jovens do movimento negro aderiram. O “afrotombamento”, como também é conhecido o movimento dessa juventude, atua no enfrentamento dos sistemas de opressões (racismo, machismo, LGBTfobia) e tem no uso de acessórios, tranças, roupas e maquiagens de cores vibrantes, além de uma atitude de auto-confiança, um processo de beneficiamento estético e político, de autoaceitação e superação de estereótipos. Marcada pela inovação, arte, dança e a música, essa geração tem em nomes como Karol Conka, MC Linn da Quebrada e Liniker, suas referências artístico-culturais brasileiras.

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“(...) Que eu sou uma bicha, loka, preta, favelada/ Que quando eu vou passar/ E Ninguém mais vai dar risada/ Se tu for esperto, pode logo perceber/ que eu já não to pra de brincadeira/ Eu vou botar é pra f*der/ [...] A minha pele preta, é meu manto de coragem/ Impulsiona o movimento/ Envaidece a viadagem (...)” ♪ Bicha preta, Mc Linn da Quebrada

Fotos: Armando Júnior e Leo Barbosa

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Baque, não reconhecimento e negação da sexualidade Nascido em Lagoa da Prata, região central de Minas Gerais, o estudante do curso de Turismo, Arthur Ribeiro, 18, fala da reação de sua mãe ao saber de sua orientação sexual, de homofobia e da negação de sua sexualidade em sua vida escolar. “Quando me assumi para a minha mãe foi um baque, mas ela sempre deixou claro que o amor dela por mim não mudaria, independente da minha sexualidade. Sempre me achei diferente dos meninos da escola. Nunca fui de fazer amizade com garotos e nunca gostei das coisas que eles faziam. Eu sempre fui amigo das meninas e escondia a atração que sentia pelo mesmo sexo”.

“Não é pelo fato de eu ser gay que eu tenho que consequentemente dar em cima de qualquer menino que apareça na minha frente”

FOTOS: ARMANDO JÚNIOR

“Eu sofri homofobia ano passado, quando concluí o ensino médio. Isso afetou muito meu desempenho nas matérias. Foi ridículo, os garotos que estudavam comigo tinham um ar de superioridade por serem héteros e, quando eu me impus e falei que era gay, eles já começaram com risadas e a me observar com olhar de deboche. Aprendi a conviver e a ignorar, porque isso fez parte de toda minha vida letiva”.

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“Ando como se estivesse no clipe de Crazy In Love... se tem uma coisa de que eu tenho muito orgulho é de ser negro e gay, isso é resistência, e eu amo”

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[ FOTO: LEO BARBOSA Sociedade - Periscรณpio

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Inspiração mútua e Tombamento: para além de um mero registro motivação “Eu visto aquilo que me faz bem, uma roupa que eu possa olhar no espelho e gostar do que estou vendo. Não vejo porque omitir minhas características; se tem uma coisa de que eu tenho muito orgulho é de ser negro e gay, isso é resistência, e eu amo. Me visto para me sentir bem, mas também me imponho e mostro que eu tenho meu valor e tenho voz. Assim como vi várias gays negras aqui se vestindo como querem e sendo quem elas realmente são, o que me trouxe uma confiança muito grande, acredito que o contrário também aconteça”, ressalta. O universitário destaca, também, a diferença entre sua vivência no ensino médio e no superior. “Me senti extremamente abraçado quando entrei para UFJF. Independente de sexualidade ou cor, aqui não sou tratado como anormalidade. Fiz amizade com pessoas das mais diferentes opiniões, e são todas maravilhosas! É muito diferente do ensino médio, onde eu era tratado como a gay que só sabia dar dicas de moda e ajeitar garotos para as meninas ou a bichinha que ninguém podia chegar perto porque senão seria viadinho. Eu acho que pequenas ações nos empoderam e empoderam várias pessoas todos os dias. Estar aqui me dá forças para querer sempre mais e também para que, assim como eu, outras pessoas do meio (LGBT e negro) estejam nesse lugar”, finaliza Arthur

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FOTOS: ARMANDO JÚNIOR

“Por aparecer em fotos de festas nas redes sociais e sempre cercado de gente bonita, às vezes, sou visto como “a mana tombamento”, mas a minha realidade é bem mais profunda que esse mar de rosas, ela é bem mais que um mero registro. Ser negro, gay e afeminado na sociedade em que estamos não é fácil. Os olhares tortos, as risadinhas e os deboches são frequentes; às vezes, essas ações partem até mesmo de outros gays, os heteronormativos”, afirma. Dono de um visual marcante, Arthur ressalta a importância do cabelo para a formação da sua personalidade e sua importância como sinônimo de aceitação. “Sempre achei que meu cabelo é minha identidade, e o jeito que eu me expresso também. Conheci várias pessoas aqui que puxaram assunto comigo justamente por isso e também pelo jeito que eu sou; sempre com olhar confiante e andar forte. Já recebi alguns comentários como “nossa você é minha inspiração”, “eu amo esse seu jeito de andar, o jeito que você se veste e se porta nos ambientes”. Ando como se estivesse no clipe de Crazy In Love, sou fã da Beyoncé né amore?”.

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“Estar aqui me dá forças para querer sempre mais e também para que, assim como eu, outras pessoas do meio (LGBT e negro) estejam nesse lugar”

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Minha verdade de verdade Aos 23 anos de idade, cursando Bacharelado Interdisciplinar de Artes e Design, Augusto Henrique Lopes conta que, durante a adolescência, foi membro de igreja evangélica, em Coronel Fabriciano, no interior de Minas. Segundo ele, a descoberta de sua orientação sexual aconteceu durante a puberdade, mas a autoaceitação só ocorreu quando estava no primeiro ano do ensino médio. “Eu tinha algumas responsabilidades

portas para o assunto, com isso foi bem mais fácil eu me revelar. Há parentes que não entendem bem, mas todos sempre respeitavam as decisões uns dos outros. Quando contei para minha mãe, ela não demonstrou surpresa, nem desapontamento, apenas perguntou se eu tinha certeza do que estava afirmando e se me sentia bem com isso. No fim nos abraçamos e ficou tudo bem!”.

“...tinha que lidar com toda a repulsa que a igreja tem por eu ser quem eu sou. Eu via os amigos namorando e sempre pensava: será que vou ter isso um dia?” dentro da congregação e sempre tive desejos por homens. De certo modo, isso me atormentava, porque não entendia o que estava acontecendo comigo. Ainda tinha que lidar com toda a repulsa que a igreja tem por eu ser quem eu sou”. O acadêmico segue relatando: “Eu via os amigos na igreja namorando e sempre pensava: será que vou ter isso um dia? Mas onde estou isso é totalmente recusado. Chegou um determinado dia que eu decidi acabar com aquilo e, assim, fui viver minha verdade de verdade, sendo honesto comigo mesmo. Assumir para família não foi uma tarefa fácil, entretanto, uma tia lésbica já havia aberto as 26 Periscópio - Sociedade

“Com as outras pessoas, eu fui demonstrando aos poucos, porque não havia necessidade alguma de convocar uma reunião para assumir a homossexualidade ou simplesmente jogar isso no meio do churrasco de família. Deste modo, as pessoas se sentiram mais à vontade de perguntar, e eu de me abrir. Ainda hoje, alguns que fingem que não sabem ou não têm interesse em saber, portanto, estes não merecem nem menção. Família é quem está presente no seu cotidiano e se importa com você. Acredito, que com o passar do tempo, você pode constituir um modelo família alternativa, que foge daquela que é imposta”.


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“Estamos num lugar conhecido por sua pluralidade e diversidade... o mínimo que todos deveriam praticar é o respeito ao outro”


Enfrentamentos, militância e autoconhecimento

De acordo com Augusto, a universidade é um espaço onde há o encontro de diversas tribos e classes, em suma, um lugar em que há diversidade de pessoas. “Ela se torna ainda mais interessante quando um indivíduo identifica a que classe pertence. Ser negro, gay e estar na universidade, de um certo modo, me coloca em uma situação de privilégio à medida que a realidade no Brasil não é tão favorável a essas minorias. Estar em um ambiente dominado por classes que não são as de minorias sociais é complicado. Estar junto delas, revela que somos todos cidadãos e que, sim, temos o direito de frequentar o mesmo espaço, que é público”. “É preciso saber, ou pelo menos tentar entender, o que a nossa presença neste espaço pode causar. Isso traz consciência de que este espaço deve ser ocupado, cada vez mais, pelas minorias. Entendo o meu lugar e por isso tento me colocar de um modo que eu não desconsidere o número de outras pessoas que não possuem essa oportunidade. Infelizmente corremos riscos sérios de perder o pouco de direitos que conseguimos conquistar devido à atual crise política no país. Apesar de ter consciência desta responsabilidade, muitas vezes, me sinto impotente, e até perdido dentro da universidade, no sentido de lutar por políticas de ações afirmativas”, alerta.

“Estamos num lugar conhecido por sua pluralidade e diversidade, logo, o mínimo que todos deveriam praticar é o respeito ao outro. Nunca sofri discriminação por parte dos alunos diretamente, apesar de saber de casos que aconteceram com outras pessoas. O que ocorre, muitas vezes, é de maneira disfarçada, aqueles olhares seguidos de cochichos. Algumas vezes, eu respondo a estes atos de preconceito encarando, e eles cessam.”, relata o acadêmico, que ingressou na instituição em 2013. “Não sei se minha vivência empodera outras pessoas; se isso acontece, me sinto muito feliz de ajudálas a serem o que são. Se com o meu modo de agir e vestir, eu crio um diálogo empoderador com outras pessoas, me sinto bem com isso. Nunca havia pensado o meu comportamento como uma forma de militância. Com o passar do tempo, entendendo o meu lugar e indo em busca do autoconhecimento, fui tomando certa consciência de que sim, posso usar o pensamento e o ser artístico para militar. Estou em busca de um autoconhecimento. Só assim conseguirei ajudar os outros e poderei lutar afetiva e efetivamente: me conhecendo”, conclui Augusto. Sociedade - Periscópio

FOTOS: LEO BARBOSA

Ensino superior: ainda um espaço para poucos

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Discriminação sutil: carregada de preconceitos e estereótipos Também graduando do Instituto de Artes e Design, Matheus Assunção, 23, conta que sempre soube de sua homossexualidade, sentir atração por pessoas do mesmo sexo fez parte de seu processo de crescimento. O fluminense, de Teresópolis, classifica sua relação familiar como ótima. “Apesar de religiosa, ela sempre se mostrou muito aberta para me amar e me dar liberdade para ser quem sou. Acredito que, se em algum momento, eles me reprimiram, tenha sido pelo local em que eles estão inseridos e por circunstâncias que não dependiam deles.” “A discriminação na sociedade brasileira se dá de maneira sutil; carrega estereótipos e preconceitos. Existem olhares constantes, alguns com objetivo de exotificar, outros por estranhamento mesmo. Em outra universidade, uma professora dizia que eu tinha “cara de que não gostava de estudar”, sem sequer me conhecer. Já aqui, também encontramos dificuldade para inserir conteúdos afros nas disciplinas. Isso ainda assusta muitos professores”, exemplifica. “Não sou um negro embranquecido, pelo contrário, valorizo aspectos da minha negritude mais que tudo. Por não me enquadrar em um ideal de masculinidade, sei que esses olhares se tornam mais intensos. Piadas ouço constantemente, mas nada que eu dê importância ou que me incomode. Um dia desses gritaram de uma sala de aula para eu e mais dois colegas negros e gays. Não há espaço para pessoas medíocres na minha vida. Tenho outras lutas!” 38 Periscópio - Sociedade


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Desigualdades naturalizadas, disparidades precisam ser questionadas: Segundo Matheus, gays e negros ainda não são maioria no ambiente acadêmico. “A construção do atual projeto de universidade é eurocêntrico, da bibliografia à arquitetura dos espaços, nada é feito para nós. Sei que esse modelo não foi pensado para minorias. Todos os espaços deveriam ser para quem quisesse estar neles, independente de condições sociais, econômicas ou culturais. Tem sido uma experiência de combate, reflexão e aprendizado. Tenho tomado ela com a devida responsabilidade que é esperada de mim.” “Para ocupar este espaço e estar aqui, houve todo um processo de lutas de ambos os movimentos, o negro e o LGBT. Estamos criando espaços e ocupando os já existentes com saberes orgânicos que vão de encontro aos saberes acadêmicos. Em um país onde mais de 50% da população é negra; não é aceitável que ainda ocupemos mais postos nos serviços subalternizados das instituições do que no banco das salas de aula. Essas disparidades estão bem à frente de nossos olhos e precisamos questioná-las. As desigualdades são naturalizadas! Não posso fingir que nada está acontecendo!”, completa indignado.

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“Esse modelo não foi pensado para minorias. Todos os espaços deveriam ser para quem quisesse estar neles, independente de condições sociais, econômicas ou culturais”


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“Um negro na universidade, servindo à casa grande, pouco ajuda na luta, só serve para perpetuar a desigualdade”

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Consciência, valorização e experimentações com o corpo: Para o acadêmico, mais do que ser negro, gay e universitário, é necessária uma consciência das lutas que se deram para que estivesse neste espaço e a valorização dessas identidades. “Há muitos negros na universidade que não têm essa consciência e compactuam com a desigualdade, aceitam opressões. Um negro na universidade, servindo à casa grande, pouco ajuda na luta, só serve para perpetuar a desigualdade. É necessário se unir, articular para trazer nossas questões em pauta nos espaços universitários. Uma andorinha só não faz verão”. Matheus acredita que, apesar de inspirar outras pessoas, seu visual também pode causar um certo desconforto, mas ele não se veste com o objetivo de afrontar ninguém, muito menos para se parecer uma mulher. “Espero que sim, que elas se sintam inspiradas a ser quem elas são e se sintam orgulhosas disso. Mas que esse empoderamento não se resuma a uma questão estética”. “Minhas identidades se expressam de diversas maneiras em várias fases. Estamos em constante transformação, hoje me visto assim e amanhã pode ser que não. Simplesmente uso aquilo que me sinto confortável, como uma unha pintada. Pode causar um certo estranhamento pelo fato de ser homem; acredito que o feminino não está nesses signos. São experimentações com meu corpo, por atuar também no campo da arte de performance, acredito nesse potencial. Quero explorá-lo!”. 46 Periscópio - Sociedade


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Ocupar o ambiente universitário e estar em contato com movimentos sociais populares, dentro e fora da academia, fortalece as identidades sociais de jovens e outras pessoas que pertencem a minorias, especialmente negros e LGBTs. Todavia, é necessário que os debates em torno dessas causas não se restrinjam aos muros do meio acadêmico e do discurso de alguns movimentos. Essas formas de conhecimento não devem ser privilégios, mas direitos. Isso é, toda a população precisa se reconhecer e se reafirmar. É preciso pintar a universidade de povo mas, também, é preciso pintar o povo de universidade.

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