número 02 Moçambique
www.hopem.org.mz
Dezembro 2015
SEXUALIDADE, MASCULINIDADES E CASAMENTOS PREMATUROS
TVM1
Sábados: 17:00 Horas Terças-feiras: 13:10 Horas Quartas-feiras: 17.05 Horas
TVM2
Domingos: 11:00 Horas Domingos: 04:00 Horas da manhã “ O AR TIS TA TE M U MA RESP ONSA B ILIDA DE ACR E S CID A S OB RE TODOS OS A SP EC TOS E D UCACION AIS DE U MA SOC IEDA DE” S tewa rt Su ku ma -
ÍNDICE -
A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA SEXUALIDADE Eugénio Brás
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AS CATORZINHAS COMO OBJECTO DE DESQUALIFICAÇÃO PARA A DESRESPONSABILIZAÇÃO Maira Domingos
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QUANDO A SEXUALIDADE MASCULINA É DEFINIDA PELAS MASCULINIDADES HEGEMÓNICAS Bayano Valy
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ANÁLISE SITUACIONAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E ENVOLVIMENTO DA COMUNIDADE PARA MAIOR USO DO PLANEAMENTO FAMILIAR NA PROVÍNCIA DE MAPUTO Centro Internacional para Saúde Reprodutiva em Moçambique e DSM
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SERÁ QUE AINDA PODEMOS FALAR DO LUGAR DO HOMEM NOS SERVIÇOS DE SAÚDE Jorge Matine
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O ASSÉDIO MORAL & PRÁTICAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA HOMOSSEXUAIS NO AMBIENTE LABORAL Baltazar Muianga
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A PATERNIDADE E CUIDADOS: DESAFIOS SOBRE AS NORMAS NOCIVAS DE GÉNERO PARA O EXERCÍCIO COM RESPONSABILIDADE Severino Ngole
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SE NÃO FALAMOS COM AS NOSSAS CRIANÇAS SOBRE SEXO, ESTAMOS A CAVAR AS SUAS PRÓPRIAS SEPULTURAS Bafana Khumalo
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“O ARTISTA TEÊM UMA RESPONSABILIDADE ACRESCIDA SOBRE TODOS OS ASPECTOS EDUCACIONAIS DE UMA SOCIEDADE” - SEXUALIDADE, MASCULINIDADE E CASAMENTOS PREMATUROS VISTOS POR STEWART SUKUMA - ANÁLISE Bayano Valy SITUAÇÃO DOS CASAMENTOS PREMATUROS EM MOÇAMBIQUE; TENDÊNCIAS E IMPACTOS - REPORTAGEM Albino Francisco PUTO DE 37 ANOS DE IDADE! Gilberto Macuacua
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PALAVRAS DO EDITOR -
elmente uma grande novidade. Nos últimos 30 anos assistimos a debates e iniciativas sem precedentes, principalmente no âmbito da resposta à epidemia do HIV, sobre questões de saúde sexual e reprodutiva, mesmo que a dimensão de direitos não tenha sido sempre o enfoque principal.
Julio Langa
Agora, ainda mais do que nunca, as questões subjacentes ao direito à saúde, muito em especial a saúde sexual e reprodutiva, devem ser amplamente debatidas e compreendidas em Moçambique. Este debate não deve ser apenas de forma contemplativa mas como um imperativo para proteger milhares de vidas de mulheres, homens e crianças que sucumbem ou poderão sucumbir diante de vários constrangimentos impostos pelos padrões de normas e valores predominantes. Se, de facto, a realização do direito à saúde tem sido limitada por inúmeros factores, uma grande dimensão dos maiores desafios de acesso à saúde encontra-se ao nível das possibilidades de escolha, atitudes ou comportamentos de homens e mulheres. Temos sido confrontados com realidades muito cruéis, algumas das quais são objecto de reflexão nesta edição da revista Ser Homem. Estas realidades comprometem seriamente os equilíbrios de que necessitamos como país. Desde a assustadora taxa de mortalidade materna e infantil, a cada vez mais visível situação dos chamados “casamentos prematuros”, as gravidezes precoces, as teimosas taxas de HIV que persistem em níveis incompreensível e inaceitavelmente altas, até as violações sexuais de mulheres (em casa ou nas ruas). A crueldade destes problemas denuncia a nossa passividade e aparente impotência. Ainda mais do que isso, obriga-nos (ou pelo menos deveria obrigar-nos) a questionar constantemente as nossas certezas sobre as expectativas que depositamos em homens e mulheres nos espaços em que participamos.
Entretanto, à luz de um conjunto de evidências, insistimos que a utilização de uma perspectiva de direitos no que diz respeito à saúde sexual e reprodutiva deve ser ampliada, assim como devem também ser mais compreendidas as implicações das masculinidades neste campo. Precisamos de mais intervenções sistemáticas que abordem as experiências de masculinidades na saúde. A realização do ideal masculino, que muitas vezes inclui controlo da sexualidade das famílias (e em especial das mulheres), pouca comunicação e busca de informação sobre sexualidade, bem como percepções de desejos sexuais inadiáveis, tem mostrado implicações sérias para os direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e homens. Lembremos que faz muitos anos que somos afectados por uma epidemia de HIV e SIDA fortemente heterossexual num contexto em que se tem documentado maiores tendências para comportamentos de risco (particularmente envolvimento concomitante em relações sexuais com múltiplas parceiras sem uso, ou com uso inconsistente de medidas de prevenção) e reduzida aderência à testagem em saúde e ao tratamento antirretroviral pela população masculina comparativamente às mulheres. Portanto, devemos interrogar-nos sobre a persistência de realidades desta natureza. Até que ponto estamos dispostos a investir na revisão do que sempre acreditamos? Será que, como Estado, temos feito o melhor de nós, esgotando as nossas possibilidades em termos de recursos técnicos, intelectuais, financeiros ou até mesmo vontade política para erradicação deste status quo? Será que os homens têm alguma responsabilidade para a persistência destas cruéis realidades bem como para sua erradicação? Que influência desempenham as construções do masculino e feminino na saúde sexual e reprodutiva, dos moçambicanos(as)?
Mas dizer que é urgente analisar as implicações das normas e valores sobre este tipo de realidades, ou que os direitos sexuais e reprodutivos deveriam ser mais debatidos e promovidos, não é provav-
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A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA SEXUALIDADE Eugénio Brás que o
Foto de Amilon Neves
Nas últimas décadas a palavra “sexualidade” assim como o assunto em volta dela tem sido cada vez mais comuns nos meios de comunicação, no dia-a-dia, nas instituições de ensino etc. Se por um lado a palavra se tem tornado cada vez mais usada, por outro lado ainda se percebe muita desinformação, preconceitos, estereótipos e ideias sobre ela formadas a partir da tradição de cada individuo ou grupo social. O facto é
o termo “sexualidade” nos remete a um universo onde tudo é relativo, pessoal e muitas vezes até contraditório. Mas podemos dizer que a sexualidade é o traço mais íntimo do ser humano e como tal, se manifesta de forma diferente em cada indivíduo de acordo com as suas características físicas e as experiências vivenciadas pelo mesmo. A noção de sexualidade como busca de prazer, descoberta das sensações propor-
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cionadas pelo contacto ou toque, atracção por outras pessoas (de sexo oposto e/ou do mesmo sexo) com intuito de obter prazer pela satisfação dos desejos do corpo, entre outras características, é diretamente ligada e dependente de fatores genéticos (que determinam as características físicas e/ou bio típicas) mas sobretudo por factores socioculturais. Em outras palavras, queremos dizer que o contexto social influi diretamente na sexualidade de cada um. As representações que os indivíduos possuem da realidade não são estáticas, não são definidas a priori pelo ser humano. O mesmo acontece com a sexualidade, que não tem o mesmo significado e compreensão para todas as sociedades. Diferentes sociedades tiveram concepções acerca do sexo completamente distintas. A Grécia antiga, por exemplo, não só tolerava, como incentivava a homossexualidade em determinadas ocasiões, enquanto, no período em que vigora o império Romano, começa a se configurar a ligação entre sexo e pecado que ganha força com a doutrina Cristã e posteriormente com o islamismo e demais formas religiosas. A idade com que cada indivíduo pode iniciar a sua vida sexual e com quantos parceiros, também varia até hoje de sociedade para sociedade. Se um homem pode ou não unir-se pelo matrimónio com mais de uma mulher ou não, ou se a mulher também pode ter um ou mais maridos, não é visto da mesma forma por todas as sociedades. Que dizer então da forma como cada um vê e experimenta sua sexualidade. Esta também depende da forma como cada um se percebe a partir de sua socialização. O facto é que o mundo e a forma de se ser e estar nele não é dado, se constrói com o tempo e os valores, crenças e instituições de cada grupo social. E as relações sociais onde também se manifesta a visão de cada um sobre a sexualidade são construídas pelos
indivíduos nas relações do dia-a-dia. Daí que é importante perceber que as pessoas agem com base em significados sobre o mundo, construído a partir das experiências vividas no seu meio social. Daí que é importante, ao se falar sobre a “sexualidade” considerar quais são os processos de interação que ocorrem entre os indivíduos, que os levam a obter “crenças e valores” em torno desse tema. E disso se pode afirmar que, dife-rentes sociedades (ou diferentes contextos históricos) produzem por sua vez, seus próprios conceitos e compreensões sobre a sexualidade. E que nada é dado necessariamente pela natureza ou condição física do corpo dos indivíduos, mas também, e sobre tudo, por suas vivências e experiencias sociais. Por fim, temos que nos questionar sobre o que determina a formação de uma visão específica em torno das práticas sexuais na nossa sociedade. Será a renda, a classe social, a religião, a família? Qual é o papel das relações sociais na formação de um discurso sobre a sexualidade? Qual o papel do Estado na promoção de políticas públicas sobre a sexualidade? E qual o papel da midia? Existem problemas sérios relacionados a sexualidade que precisam ser discutidos, além de doenças sexualmente transmissível e gravidez não desejada. Será que a sexualidade pode se traduzir em uma questão política? Existe um discurso uniforme ou multifacetado apropriado pela população? Estas são algumas das questões que precisam ser debatidas depois de se compreender que a sexualidade não é um fenómeno simples e igual a todas as sociedades e indivíduos. Por isso, o que se pretende apresentar aqui é apenas uma base sobre a qual se pode iniciar uma conversa sobre a sexualidade. Eugénio Brás, Sociólogo, Departamento de Sociologia da Universidade Eduardo Mondlane
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AS CATORZINHAS COMO OBJECTO DE DESQUALIFICAÇÃO PARA A DESRESPONSABILIZAÇÃO Maira Domingos1
A palavra catorzinha ganhou espaço na nossa sociedade, como um rótulo atribuído a um produto comercial que visa desqualificar as raparigas, atribuindo-lhes comportamentos e atitudes considerados não adequados a estas idades. Escutamos várias vezes, pessoas adultas dizendo, que elas provocam os homens, estão atrás do dinheiro dos homens, insinuam-se aos homens.
cidade de Quelimane, Pebane2 sobre “Titios e Catorzinhas” os homens apontaram as razões que os leva a manter relações sexuais com raparigas: >"Os velhos têm dentes estragados por isso precisam de comida tenra"
A desqualificação é usada como forma de desresponsabilizar o Estado, os adultos da sua responsabilidade de cuidar, proteger as raparigas. Usando, artimanhas que reproduzem a culpabilização das raparigas pela violência que sofrem. E neste sentido, que ao abordarmos sobre a sexualidade feminina, temos que mapear e analisar criticamente a forma como são construídas estas dinâmicas ao longo do tempo.
>"A vagina da menor é muito estreita e o prazer do homem é maior"
Catorzinha, que nós criamos, não tem sexualidade livre, porque não vive os seus direitos sexuais, porque nós definimos como objecto sexual. Num trabalho desenvolvido em 2003, na
>"Os velhos têm dificuldades em ter ereção por isso precisa de algo que os excite" ou "as jovens dão sangue novo aos velhos”
> "A menor tem relação de qualquer maneira porque não tem complexos e vergonha” > "A rapariga menor não complica muito para ter relações, não pede muito dinheiro porque não tem responsabilidade" Passados 11 anos após este trabalho, observamos que as relações sexuais entre adultos e raparigas permanecem no meio rural e urbano. Numa visita recente, ao distrito de Mocuba concretamente nos bairros de reassentamento de Nacogolone, Naverrua 1 e 2, e Macuvini. E fazendo uma linha de tempo, sobre a vida das mulheres que con-
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tactamos nas sessões comunitárias. Observamos que maior parte, teve sua primeira relação sexual nas idades de 10-13 anos de idade, com homens adultos. Estas relações são aceites nas comunidades, porque depois são transformadas em união marital, a que chamamos actualmente de casamentos prematuros ou união forçada. É importante, que a masculinidade não seja definida a partir da violação dos direitos humanos, de crianças e raparigas. Estamos, perpetuando, uma cultura de desresponsabilização, porque o Estado convive com estas práticas, sem que estas influenciem medidas concretas para alterar a realidade. Percebemos ao longo, do debate do Projecto de Lei de Revisão do Código Penal, que o legislador apresentou propostas que atentavam contra os direitos das raparigas e mu-
lheres, como exemplo a eliminação da pena, após casamento do violador com a vítima. A mesma foi eliminada após a mobilização social, elaboração de cartas e encontros com as/os parlamentares. Estas propostas encontram uma base de sustentação, que são as práticas machistas e patriarcal sobre a forma como é vista a relação sexual entre adultos e menores de idade. Como já foi mencionado no início. Consideramos, normal desculpar os homens, porque não é um crime, é como favor que estão fazendo as raparigas e mulheres. Por isso, manter uma cultura de desqualificação das raparigas, através de criação de rótulos serve de refúgio para perpetrar uma masculinidade opressora. Maira Domingos, colaboradora do Fórum Mulher. Bagnol, Brigitte e Chamo, Ernesto (2003) “Titios e Catorzinhas” pesquisa exploratória sobre “suggar daddies” na Zambézia (Quelimane e Pebane).
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Foto de Amilon Neves
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QUANDO A SEXUALIDADE MASCULINA É DEFINIDA PELAS MASCULINIDADES HEGEMÓNICAS Bayano Valy
Um dos elementos que define o homem tradicional é a sua virilidade. É tanto assim que os homens atribuem-na um grande valor nos seus relacionamentos. Valoram-na porque implica, se não o poder, pelo menos um potencial de poder1.
levam à supressão de emoções, isolamento social e resistência para pedirem ajuda 2”.
Será mesmo a perda da virilidade – real ou percebida – a perda da masculinidade ou uma parte da mesma? Mas esta é uma questão do foro da sexualidade e saúde sexual masculina, que parece pouco aflorada no país e talvez seja por causa da socialização masculina.
As masculinidades são ideias e conceitos que indivíduos masculinos têm de si sobre o que é ser homem. Se os homens não falam dos seus problemas gerais, imaginem falar da sua sexualidade. Quando muito, se falam é para se gabarem das suas conquistas – amiúde com uma narrativa exagerada. Aparentemente, reproduzir um comportamento hípersexual faz parte do “status quo” masculino; faz parte do processo de validação masculina.
“Muitos rapazes são socializados para incorporar masculinidades hegemónicas e ‘comportarem-se como homens’ desde muito cedo, e são desencorajados de mostrar sentimentos de vulnerabilidade ou fraqueza. As implicações disso são problemáticas porque as expectativas sociais de dureza e independência, como sugere Good et al.,
Severino Ngole, gestor do programa de Direitos Sexuais e Reprodutivos da Rede HOPEM, diz que na tentativa de reproduzir um comportamento hípersexual, o homem pode a longo prazo ter problemas de saúde sexual. Até porque “geralmente os homens usam estimulantes não porque têm problemas de disfunção sexual, mas por
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causa da pressão social que eles têm.” É normal que o homem ejacule rapidamente, o que o pode colocar numa posição difícil. “Essa pressão pode levar o homem a buscar estimulantes para ter um desempenho sexual acima da média.” Mas as estórias mirabolantes também exercem alguma pressão sobre o homem; para não ser visto como um fraco ele pode acabar por buscar “potência” nos estimulantes. O normal seria buscarem apoio junto de médicos e não se auto-medicarem, até porque a “disfunção” de que padecem pode estar relacionada com algum problema psicológico ou de estresse, e não propriamente algo de índole físico-biológico.
família. Daí os jovens adoptarem comportamentos de risco para se impressionarem um ao outro. É daí que acabam tendo várias parceiras para não serem chamados de “matrecos”, e até praticando sexo inseguro. Não admira que o Índice Demográfico de Saúde (IDS) de 2011 aponte que menos de metade dos jovens inquiridos usaram o preservativo na sua última relação sexual. Sendo que, 36 porcento dos jovens rapazes não usaram alegadamente porque reduz o prazer sexual.
Outras narrativas que persistem nas estórias mirabolantes que os homens se contam é a quantidade de parceiras que aparentemente têm. Dinis Nhancume, comentador-residente do Programa “Nós Mulher”da TVM, diz que cresceu a ouvir estórias fantásticas de amigos mais velhos que “ficavam toda a noite a fazer sexo”. E essas estórias “traumatizaram” em parte o grupo de jovens do qual Nhancume fazia parte: “É que quando chegou a nossa vez de começarmos a praticar relações sexuais, constatamos que o acto levava minutos apenas”. Todavia, as estórias serviram um papel fundamental: “Incidentalmente, foram verdadeiras aulas de educação sexual.” A ideia é que parece não haver um método sistemático de ensino de educação sexual, e os jovens acabam aprendendo do que ouvem dos seus pares. Parece ser tabú discutir-se aspectos de educação sexual em
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Performance sobre HIV Foto de Amilton Neves
É esse tipo de comportamento que pode levar os jovens a contrair doenças como o HIV e SIDA, infecções de transmissão sexual, entre outros.
a virilidade não deve ser o aspecto mais importante na sexualidade masculina; que é apenas um dos vários sob risco de pressionarmos mais o jovem rapaz. (FIM) Femenías, Maria Luísa e Olivier, Amy (2007) Feminist Philosophy in Latin America and Spain, Volume 5, Rodopi.
1
Daí que, torna-se necessário resocializar os jovens de modo a que possam adoptar comportamentos mais positivos sob risco de doenças como o HIV e SIDA, e relacionamentos não-saudáveis se tornem o normal na nossa sociedade. E nesse processo de resocialização, é preciso que se frise que
Evan, Joan et al. Health, Illness, Men and Masculinities (HIMM): A Theoretical Framework for Understanding Men and their Health, JMH Vol. 8, No. 1, pp. 7–15, March 2011
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Bayno Valy -Jornalista e colaborador da Rede Hopem
Performance sobre HIV Foto de Amilton Neves
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ANÁLISE SITUACIONAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E ENVOLVIMENTO DA COMUNIDADE PARA MAIOR USO DO PLANEAMENTO FAMILIAR NA PROVÍNCIA DE MAPUTO Pesquisa realizada pelo Centro Internacional para Saúde Reprodutiva Moçambique (ICRHM) em parceria com a Direcção Provincial de saúde de Maputo
INTRODUÇÃO Moçambique tem uma elevada taxa de fecundidade de 5,9%, sendo 6,6% para as zonas rurais e 4.5% para as áreas urbanas, com uma baixa taxa de mulheres que usam pelo menos um método de contracepção moderno de 14.5% (IDS 2011). O uso dos métodos contraceptivos desempenha um importante papel na redução das elevadas taxas de fecundidade, e consequentemente melhora a saúde materna e neo-natal. De forma a aumentar o acesso de homens e mulheres ao planeamento familiar (PF), e ao abrigo da estratégia de Planeamento fa-
miliar e contracepção 2011-2015 (2020) do MISAU, o Centro Internacional para Saúde Reprodutiva Moçambique (ICRHM) em parceria com a Direcção Provincial de saúde de Maputo (DPSM) iniciou em 2013 o projecto IQSCI (Aquisição de Conhecimento para a Prestação de Serviços de Melhor Qualidade e Envolvimento da Comunidade para Maior Uso do Planeamento Familiar (IQSCI) na província de Maputo, concretamente nos distritos de Manhiça e de Maracuene. No âmbito deste projecto foi levado a cabo o presente estudo realizado nos distritos de implementação do projecto.
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Este documento é resumo dos resultados do estudo de linha de base sobre conhecimentos, atitudes, práticas e comportamentos (CAPC) dos membros das comunidades dos distritos de Manhiça e Marracuene, na Província de Maputo em relação ao PF. O objectivo da pesquisa é o de indentificar os factores que influenciam no uso dos métodos contraceptivos ao nível das comunidades, de modo a aceder a informação útil para o desenvolvimento de actividades de promoção do PF e do uso dos métodos contraceptivos. Trata-se do inquérito de linha de base de um estudo longitudinal descritivo que será repetido com cortes ao longo de 4 anos, com objectivo de identificar tendências nos CAPC em relação ao PF e medir o impacto das intervenções implementadas dentro do projecto. METODOLOGIA Para o presente estudo foi usado uma metodologia mista, onde na componente quantitativa foram visitados 363 agregados familiares e inquiridas 228 mulheres e 230 homens. Na componente qualitativa, foram realizadas 11 sessões de grupos de discussão focal com homens e mulheres adultos em separado e grupos mistos com jovens. Foram efectuadas ainda 20 entrevistas individuais com membros influentes das comunidades de ambos os sexos. Para análise dos dados quantitativos foi usado a metodologia da estatística descritiva e inferencial para medir a significância das iniquidades. A análise qualitativa foi efectuada com recurso a técnica da análise de conteúdos e a estruturação da narrativa. RESULTADOS Características da população envolvida no estudo As mulheres envolvidas no estudo tinham idades compreendidas ente 16-24 anos (34%), 25-34 anos (43%) e 35-44 anos (22%). Os homens entre os 21-24 anos
(12%), 25-34 anos (40%), 35-44 anos (28%) e 45-50 anos (16%). A maioria dos inquiridos (90% do sexo feminino e 92% masculino) eram casados ou viviam em união marital. As religiões mais professadas são a Protestante (83%), Sião/Zione (58%) e cristã independente (23%). Quanto ao nível de educação os homens (13%) possuem uma escolarização maior do que as mulheres (4%), sendo que metade de ambos frequentou o nível primário. Conhecimento sobre Planeamento Familiar Embora seja um conhecimento geral, 99.4% das mulheres referiu ter ouvido falar de PF, o seu entendimento sobre PF está associado ao espaçamento entre gravidezes para amamentação do bebé e descanso da mãe. Entre os homens, 97% afirmara já ter ouvido falar de PF, e alguns deles (17.4%) tem a percepção de que o PF pode balancear a relação custo-beneficio da procriação (o número de filhos representa despesa com alimentação, escola, etc.). Entre as principais fontes de informação se destacam os serviços de saúde para as mulheres e as esposas/parceiras para os homens. O uso de métodos de Planeamento Familiar O uso actual de métodos modernos de contracepção (MMC) é relativamente alto nos districtos de Manhiça e Marracuene (46% para as mulheres e 43% para os homens). Os métodos mais usados são a pílula (45% para as mulheres e 49% para os homens), seguido de injeção/Depro-provera (37% para as mulheres e 36% para os homens) e do preservativo (20% para as mulheres). Entre os homens o preservativo não é considerado método contraceptivo, mas sim associado a prevenção de ITS e HIV/ SIDA. Embora o uso de preservativos possa ser considerado relativamente alto, o uso de contraceptivos de longa duração (LARCs)
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como o DIU e implante é bastante reduzido (representado menos 6% nas mulheres e 1% nos homens). As razõeses mais indicadas pelas mulheres para a não adesão aos MMC são a falta de informação (20%), proibição do parceiro (18%), vontade de ter mais filhos (14%) e receio dos efeitos colaterais (9%). Somente 57% das mulheres reportaram que o parceiro tem conhecimento de que elas usam MMC. Dos homens, 43 % afirmaram estar a usar um MMC na sua relação conjugal, pese embora o preservativo masculino não seja considerado um método de PF pela maioria. As razões justificadas pelos homens para condicionarem o uso de MMC pelas esposas/parceiras são a afirmação de masculinidade, associação uso dos MMC com infidelidade feminina, e alterações fisiológicas da mulher decorrentes do uso do MMC (perda de libido e/ou prazer sexual) CONCLUSÕES Os principais achados que a maior parte dos indivíduos, em especial mulheres já ouviram falar de PF e tem conhecimento de pelo menos um método contraceptivo. Entretanto, é baixo o nível de informação sobre os efeitos adversos decorrentes do uso de determinados métodos particularmente dos LARCs, factor que influencia na aderência, escolha e utilização dos MMC pelas mulheres. Para as mulheres o PF e o uso dos MMC é para prevenir a gravidez/ promover espaçamento entre gestações, entre os homens o PF é um meio para o controlo do número de filhos face as suas capacidades económicas para sustenta-los. Todavia, entre a população masculina o conhecimento sobre o PF e contracepção é menos consolidado, devido a falta de informação e educação orientada para o homem. Este aspecto torna-se importante torna-se
Foto de Amilton Neves
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pela influência dos homens no uso ou não dos métodos contraceptivos pelas mulheres, e constitui prática comum as mulheres fazerem PF e usarem MMC sem conhecimento dos maridos/parceiros. RECOMENDAÇÕES Com vista a aumentar a adesão ao PF e aos métodos contraceptivos, os tomadores de decisão e os implementadores de programas devem levar em consideração a melhoria da capacitação institucional e desenvolvimento de estratégias de educação e comunicação que incluam: • Incremento da adesão ao PF e da utilização dos MMC, particularmente os LARCs com maior atenção para novas usuárias entre as mais jovens e as solteiras; • Desenho de estratégias de mobilização que permitam melhorar o conhecimento e adesão da população em geral, e dos homens em particular baseado em mecanismos práticos que possam influenciar a mudança das estruturas sociais e culturais que afectam o uso dos programas de PF; • Desenvolvimento de iniciativas proactivas de intervenção a nível comunitário, onde as abordagens e a mobilização comunitária possam ser criadas e recriadas a partir das experiencias e conhecimento característicos da área de intervenção, e que focalizem o envolvimento do homem e o uso dos LARCs • Reforçar a capacitação dos provedores de saúde para uma melhor gestão e logística dos MMC, e para a qualidade do aconselhamento pré e pós uso dos métodos.
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SERÁ QUE AINDA PODEMOS FALAR DO LUGAR DO HOMEM NOS SERVIÇOS DE SAÚDE. Jorge Matine
Nos vários fóruns de discussão e diálogo sobre saúde tem sido frequente perguntarmos qual é o lugar do homem nos serviços de saúde. O homem utente foi quase sempre um elemento invisível nos programas de saúde; as mulheres e crianças continuam sendo a população que mais usa os serviços de atenção primária de saúde - quem mais usa normalmente também será quem mais reivindica maior protagonismo na organização do mesmo serviço. Mas nos últimos 15 anos temos assistido ao evoluir de um papel preponderante do homem na reivindicação desse protagonismo como resultado do peso das doenças preveníveis, nomeadamente a malária, HIV, tuberculose que de forma muito estruturante tem influenciado a organização e a oferta de serviços de saúde em Moçambique. O homem passou a ser não só um mero acompanhante mas um usuário permanente dos serviços, o que lhe deu um maior protagonismo na forma como os serviços começam a estar organizados. Mas num contexto mais recente o homem
também ganhou maior visibilidade não só como acompanhante da mulher e do filho, mas como também assumiu um papel mais actuante na participação comunitária para a gestão dos serviços através dos comités de saúde ou comités de co-gestão1. Apesar destas estruturas serem marcadamente dominados pelos homens, também são pontos de recursos de informação e conhecimento sobre as necessidades diferenciadas da mulher e da criança na oferta e organização de serviços. Por exemplo, as acções levadas a cabo para aumentar partos institucionais; a circuncisão masculina e o planeamento familiar. Mas todo este processo de participação do homem, forçado e ou voluntário, na produção da doença e da cura veio dar maior visibilidade ao questionamento já habitual sobre o lugar do homem nos serviços de saúde. O facto de ter deixado o papel quase que de conforto como mero acompanhante da mulher e do filho para assumir um papel de concorrente pelos serviços pode ter contribuído para maior
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Jorge Matine, Médico e colaborador do Centro de Integridade Publica. Foto de Amilton Neves
exploração do campo de diálogo e negociação sobre o seu lugar nos serviços de saúde. Essa negociação passa por conhecer o lugar do outro e da discussão sobre a igualidade e a equidade no serviços de saúde públicos. O lugar do homem já não pode ser o lugar de ontem e de hoje, será provavelmente o lugar do futuro que de forma muito presente será influenciado pelo perfil epidemiológico do país e de maior participação das comunidades na gestão e organização dos serviços. O desafio será reduzir os lugares de conflito e concorrência por serviços diferenciados que ao longo do tempo vão desaparecendo devido a partilha de responsabilidade de ambos os sexos e géneros quanto a garantia de uma vida sexual e reproductiva livre de doenças. Mecanismos de participação comunitária reconhecido e promovidos pela Estratégia de Envolvimento Comunitário e pela Estratégia Nacional de Promoção de Saúde do Ministério de Saúde. 1
Foto de Amilton Neves
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O ASSÉDIO MORAL E PRÁTICAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA HOMOSSEXUAIS NO AMBIENTE LABORAL Baltazar Muianga
A homossexualidade não é um tema fácil, e muito menos pode-se crer que a sua compreensão, representação e aceitação social seja, também, ela fácil de assimilar e incorporar na "normalidade" do contexto moçambicano, e especificamente no meio laboral, onde social e profissional predomina um cenário machista, duro e "tradicionalista", profundamente resistente a mudança, e marcado pelo espectro da heterossexualidade dos indivíduos. O mercado laboral e as empresas traduzem e manifestam as marcas socioculturais do contexto onde as mesmas se encontram inseridas, bem como as directrizes da filosofia empresarial subjacente as mesmas. No que concerne a igualdade de oportunidades, direitos e recursos entre indivíduos homossexuais e heterossexuais no meio laboral, existe
um certo grau de intolerância nas culturas organizacionais, no que tange a influência da orientação sexual no acesso ao trabalho, assim como no desenvolvimento das carreiras internamente. Deste modo, os homossexuais, não podem exercer livremente sua sexualidade, que é reprimida e escondida o máximo possível, para que estes, possam ter chances de acesso e permanência saudável no emprego. Um estudo encomendado em 2014 pela LAMBDA, sobre a “Discriminação por orientação sexual nas relações laborais na cidade de Maputo”, revela que o assédio moral aos homossexuais no ambiente de trabalho é muito recorrente e ocorre de forma velada. Conceptualmente o assédio moral configurando-se através de qualquer conduta abusiva (gestos, palavras, com
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Foto de Amilton Neves
portamentos, atitudes) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho” (Barreto, 2000). Portanto, o que caracteriza a conduta de assédio moral no ambiente de trabalho, é o tratamento ultrajante, constrangedor ou humilhante, infligido ao empregado, por meio de insinuações, ameaças, insultos, isolamento, ou empecilhos ao adequado desempenho de tarefas, com fins persecutórios, que visam a dificultar o enquadramento do empregado, ou em prejuízos funcionais (não progressão na carreira), ou sua saída da empresa, ainda que quem pratique este assédio não tenha plena consciência ou busque deliberadamente inviabilizar o trabalho do outro. A exposição prolongada a estas práticas de assédio e discriminação, podem fazer com que a vítima, no caso, o indivíduo homossexual, se sinta culpado pela sua orientação e abandone o seu emprego ou diminua a sua produtividade. Em função da exposição continuada a situações de assédio e descriminação, alguns indivíduos homossexuais, podem começar a auto-vitimizar-se, considerando natural que sejam alvos de tratamento injusto e desigual apesar de seu
profissionalismo, de tal forma, que ao invés de afirmarem sua identidade, estes indivíduos prefiram isolar-se e resguardar-se o máximo que pode no ambiente laboral. Nesta ordem de ideias, as verbalizações, as atitudes e os comportamentos aqui expostos neste estudo, ilustram essas configurações gerais, profundas e enraizadas no arcaboiço social, cultural e simbólico dos indivíduos. Os dados aqui apresentados parecem sugerir que indivíduos de orientação sexual homossexual sofrem de estigma, preconceito até de determinada chacota social no contexto do trabalho e das relações laborais, em Maputo, o que de certa forma fere a recomendação 193 da Organização Internacional do Trabalho, que refere que o ambiente de trabalho deve ser decente e digno para todos e um ambiente colocado a favor dos direitos da personalidade do empregado. Isto é, o ambiente de trabalho não pode atentar contra o direito à integridade física, psíquica e moral do trabalhador. Portanto, o ambiente de trabalho é um local onde o bem estar daqueles que o utilizam deve prevalecer, não podendo por isso, ser local de qualquer tipo de preconceito, de discriminação ao trabalhador quanto à sua orientação sexual, ou qualquer outro tipo de discriminação que seja. Baltazar Muianga, Sociólogo, Departamento de Sociologia da Universidade Eduardo Mondlane
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A PATERNIDADE E CUIDADO: DESAFIOS SOBRE AS NORMAS NOCIVAS DE GÉNERO PARA O EXERCÍCIO COM RESPONSABILIDADE Severino Gabriel Ngole
O período da gravidez, parto e após o nascimento é uma fase especial na vida da mulher e do homem. A família inicia um novo estágio da vida e chama-se atenção para observância do direito à paternidade, o que vai proporcionar ao indíviduo um dos direitos fundamentais, a convivência familiar. A Lei da Família, nº 10/2004, de 25 de Agosto, no artigo 1, diz que o indíviduo estará num espaço privilegiado no qual se cria, desenvolve e consolida-se a personalidade dos seus membros e onde devem ser cultivados o diálogo e a entreajuda. O artigo 205, nº 2, da mesma lei, diz que os filhos tem o direito de ter um nome
próprio e usar o apelido da família dos pais. Logo, se estabelece a filiação que constitui um vínculo jurídico entre o pai, a mãe e o/a filho/a. A paternidade sendo uma construção histórica, social e cultural, pode sofrer transformações no significado e no exercício influenciado pelos diferentes contextos culturais. Actualmente, o seu cumprimento e exercício depara-se com barreiras e desafios impostos pelo sistema patriarcal. Pois se atribui ao homem o papel de provedor financeiro, e quando não cumprido constitui uma pressão social para o homem e a
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sua masculinidade é questionada. Por isso, o homem (auto) excluí-se de outras responsabilidades familiares, distanciando-se do espaço familiar e do cuidado dos/as filhos/ as e parceira. Novas abordagens sobre questões de igualdade de género surgidas a partir da Conferência Internacional da População e Desenvolvimento (Cairo - 1994) e da Plataforma de Acção da IV Conferência Internacional da Mulher (Beijing - 1995), afectaram a maneira de manifestar e construir a identidade e papéis de género. O gozo dos direitos e a saúde sexual e reprodutiva implica o respeito mútuo, o consentimento e o assumir as responsabilidades comuns pelo comportamento sexual e suas consequências. O relatório da MenCare1, diz que quanto a tendência de participação de homens em 1965 e 2003, em 20 países do mundo alvo da pesquisa, verificou-se um aumento médio de 6 horas no trabalho doméstico e no cuidado das crianças por semana por parte de homens casados e com um emprego. A contribuição de homens não excedeu os 37% em relação a contribuição das mulheres em todos países, persistindo ainda um vazio entre o significado de uma paternidade ideal e a real, reporta o estudo. A definição do conceito de paternidade hoje, inclui um vasto rol de papéis parentais que no passado eram vistas e consideradas tipicamente maternas. Para o exercício deste direito requer um esforço do homem de modo a enfrentar as barreiras impostas pela sociedade patriarcal. Para que haja um contacto directo no cuidado das crianças, partilha de papéis parentais, estabelecimento de uma relação triangular (pai - filho/a mãe), é exigido do homem a acessibilidade, o que facilitará a interação triangular e par-
ticipação em todo processo de planificação, gravidez e desenvolvimento das crianças. Com o reconhecimento dos direitos e a saúde sexual e reprodutiva, a luz de vários tratados internacionais, Moçambique tornou-se num dos poucos países a atribuir ao pai o gozo de uma licença de paternidade, encorajando ao pai assumir responsabilidade com respeito à procriação. Segundo relatório da MenCare, até 2013, a licença de paternidade era gozada em 78 países dos 167 países alvo da pesquisa, o que significa uma evolução em 47% em todo mundo. Em África, a evolução foi dos 40% para 55%. Na região da SADC, a licença de paternidade é gozada somente na África do Sul, Moçambique, Tanzania e República Democrática de Congo, e varia de 1 a 6 dias, segundo o relatório. Em Moçambique, a Lei do Trabalho, nº 23/2007, de 1 de Agosto, artigo 10, diz que o Estado garante a protecção aos pais ou tutores no exercício da sua função social de manutenção, educação e cuidados de saúde dos/as filhos/as, sem prejuízo da sua realização profissional. O artigo 12, da mesma lei, concede ao pai o direito a uma licença de paternidade de 1 dia, de 2 em 2 anos, que deve ser gozada no dia imediatamente a seguir ao parto. Assumindo uma paternidade responsável estará o homem ajudar as crianças a tornarem-se mais felizes e saudáveis, a terem um bom desenvolvimento cognitivo, melhor desempenho escolar, melhor saúde mental e ajuda as mulheres e as raparigas a alcançarem todo o seu potencial. Contribuirá no cuidado permanente, construirá um aprendizado nas diferentes gerações e garantirá o próprio cuidado do homem na velhice. Para superar os desafios impostos pelo mod-
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elo hegemónico da masculinidade, incentiva-se aos governos/estados, implementação de políticas públicas e programas voltadas à inserção de homens no exercício da paternidade e cuidados participativos. Seria bom e sustentável por exemplo, a inclusão nos currícula de ensino, uma disciplina sobre o exercício da paternidade e cuidado como
forma de iniciar e incentivar as crianças muito cedo a adoptarem masculinidades transformativas. Levtov R et al (2015). State of the world’s fathers; a MenCare advocacy publication.
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Severino Gabriel Ngole , Gestor de Direitos Sexuais e Reprodutivos Rede HOPEM
Músico Xavier Machiana na companhia do seu filho. Foto de Xavier Machiana
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SE NÃO FALAMOS COM AS NOSSAS CRIANÇAS SOBRE SEXO, ESTAMOS A CAVAR AS SUAS PRÓPRIAS SEPULTURAS Bafana Khumalo
Foto de Mário Macilau
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Falar de sexo com as nossas crianças é considerado tabu nas nossas casas, igrejas e mesmo pelos educadores nas nossas escolas. A triste realidade é que se nós pais não abordarmos os desafios da discussão da sexualidade com a nossa juventude não só na puberdade mas ao longo da sua vida, nós estaremos essencialmente a cavar a sua própria sepultura. Como pai, sei como é desconfortável falar para com as crianças sobre sexo e sexualidade. Eu posso pensar em poucas coisas que são desconfortáveis, como sentar com meu filho e discutir como foi com a sua namorada e se ele foi responsável, ou responder as perguntas da minha filha de nove anos sobre quando é ideal ela ter namorado. Não estou seguro porquê, mas como pais, nós não queremos ver nossos filhos atingirem aquele “estágio” muito cedo, ou jamais. Ao longo dos anos, se bem que, descobri que se eu evitar falar de sexo com os meus filhos, existem muitos recursos não fiáveis que vão fazer esse trabalho por mim. E este não é o tempo para deixar os nossos filhos descobrirem sobre sexo por eles mesmos. Todos os anos na África do Sul, 182 000 raparigas engravidam nas escolas secundárias. Existem muitas escolas neste país que relatam que 60 a 70% de raparigas estão grávidas – o que é mais de metade de todas as raparigas na escola. Para além de que, é estimado que 1.8% das crianças sul-africanas menores de 18 anos são HIV-positivas e que a juventude dos 14 aos 25 anos é mais vulnerável a contrair o HIV. Tudo isto indica o facto de que as nossas crianças estão tendo sexo na maioria das vezes não protegido e estão tendo sexo muito cedo (alguns estudos indicam tão cedo como aos 11 anos). Este é o lamentável estágio do assunto e nós precisamos de questionar onde estamos errados.
Acredito que o principal problema é que esperamos que os nossos filhos aprendam sobre sexo na escola e somente lá. Enquanto a África do Sul tem um programa de educação sexual relativamente bom sob forma de curriculo de habilidades para a vida que é lecionado nas escolas, o que persiste é que ele não cobre todo o país, uma vez que o sexo é considerado um assunto tabu em muitas comunidades. Os professores estão desconfortáveis tanto como os pais para abordar sobre o sexo e a sexualidade por causa da crença de que abordar sobre sexo e sexualidade encoraja as crianças a fazerem sexo cedo. Por outro lado, alguns professores têm falta de compreensão (devido a fraca formação). Como podem eles transmitir a informação correcta as nossas crianças? A igreja deve ser também responsabilizada. Como é que, honestamente e directamente, nós como pastores, bispos, rabinos, imãs e outros líderes religiosos discutimos sexo na igreja e em que perspectiva? A primeira coisa que fazemos é assustar as nossas crianças dizendo que ter sexo antes do casamento é mau ao invés de dizer o quão maravilhoso é o sexo, mesmo que seja algo que se deva compartilhar com responsabilidade. Nas igrejas cristãs, nós citamos Corintios 1 verso 6, 9 e 10 que diz: “ Ou sabeis que pessoas iniquas não herdarão o reino de Deus? Não seja desencaminhado. Aqueles que são sexualmente imorais, idolatras, adúlteros, homens que se submetem aos actos homossexuais, ladrões, gananciosos, bêbedos, injuriadores e extorsionistas não herdarão o reino de Deus” Fazemos o uso de tais referências bíblicas sem uma discussão profunda do que realmente imoralidade sexual significa; como
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se ter desejo sexual enquanto parte da nossa expressão como seres humanos fosse perverso. E claro, não existe um tópico tão tabu como a homossexualidade. Como é que as áreas da fé apoiam e demonstram amor para a nossa congregação gay e especialmente a nossa juventude gay? Muitas vezes, eu descubro ao acaso histórias de jovens desumanamente excluídos dos seus lugares de culto na base da sua sexualidade, e como isso levou a sua separação da sua comunidade de fé e em última análise quebra o seu amor a Deus. Mesmo para aqueles que acreditam que a homossexualidade é pecado, a bíblia diz que“acima de tudo, amem cada um zelosamente porque o amor oculta uma multiplicidade de pecados” (Pedro 1, verso 4 e 8). O que está acontecendo com a nossa comunidade gay não é demonstração de amor.
nossa responsabilidade como pais, não das escolas e das igrejas. Desde muito cedo quanto aos 5 anos, a criança começa a mostrar interesse e curiosidade acerca de sexo e aos 10 anos, as crianças experimentam a sua primeira atracção sexual. Precisamos de começar a dizer eles como os bebés são feitos; o que significa atracção sexual, como usar a camisinha e onde encontra-las, os tipos de doenças de transmissão sexual que existem e como procurar tratamento. Precisamos dizer a elas como o sexo pode ser maravilhoso, especialmente quando amas alguém e estás comprometido. Precisamos que eles celebrem sexo e não o receiem; precisamos que sejam responsáveis e estejam prontos para tudo que advém das relações sexuais. Porque eles estão tendo sexo – as estatísticas mostram que isso é um facto.
A bíblia Cristã retrata o sexo como um presente de Deus e não algo diabólico que deve ser desprezado. Ela celebra a beleza da Mulher (a sua estatura é como uma palmeira, e os seus seios são como o seu cacho - Canção de Salomão 7:7). Ela descreve o desejo ardente da luxuria e toda a Canção de Salomão é um testamento do fogo ardente da luxuria. Nestas passagens, nós aprendemos que sexo é poderoso e é bom. Para Deus, sexo não é assunto tabu para ser embaraçante por que é parte do seu trabalho Divino. Sexo está na bíblia. Como pais, devemos ver o presente de Deus que é o sexo, como algo que as nossas crianças vão crescer e experimentar como parte da sua experiência humana.
Portanto, se como pais estamos com medo de falar demasiado e muito cedo, então isto pode se tornar muito pouco e muito tarde. Dadas as altas taxas de HIV e infecções de transmissão sexual nas nossas crianças e adolescentes, as alarmantes taxas de abandono escolar como resultado da gravidez precoce, e o comportamento sexual de risco como adulto devido ao inicio sexual precoce, nós como pais não podemos continuar temerosos. Não podemos e não devemos continuar a achar que falar sobre sexo com crianças é um tabu porque estamos deixar elas construirem o sentido do sexo por elas próprias e deixá-las sob risco. Se nós continuarmos silenciosos sobre a vida sexual dos jovens, incluindo as suas necessidades e vulnerabilidades, nós devemos então estar preparados para enterrar as nossas crianças já que elas não terão a oportunidade de nos enterrar.
Por esta razão o que as nossas crianças sabem sobre sexo é em última análise a
Bafana Khumalo, Reverendo e especialista sénior de programas na Sonke Gender Justice, África do Sul.
A bíblia fala de amor e certamente fala de sexo.
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STEWART SUKUMA ”O ARTISTA TEM UMA RESPONSABILIDADE ACRESCIDA SOBRE TODOS OS ASPECTOS EDUCACIONAIS DE UMA SOCIEDADE” Sexualidade, masculinidade e casamentos prematuros vistos por Stewart Sukuma
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Bayano Valy
Foto de Amilton Neves
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SER HOMEM (SH) -TU SEMPRE ACREDITASTE NA IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES? O QUE O FAZ TÃO CONVICTO? Stewart Sukuma (SS) como seres humanos, nascemos com os mesmos direitos e é com base nisso que eu acredito que homens e mulheres deveriam ter o mesmo estatuto e mesmos direitos universais.
SH - COMO É QUE APLICAS ESSA CRENÇA NA TUA VIDA PESSOAL ARTÍSTICA? SS- Acho que no que diz respeito ao trabalho são todos iguais. Por exemplo, no que diz respeito à banda nkhuvu, dependendo do trabalho que cada um desempenha dentro da banda, eu classifico cada membro da mesma forma. Eu não vejo as coisas da seguinte forma: sendo mulher e estando a fazer um bom trabalho e por ser mulher não a devo dar menor atenção que dou a um homem que esteja a fazer um trabalho igual. O trabalho é que deve definir as competências das pessoas. Mas eu penso que, de uma forma geral, as próprias mulheres, com base na edução que tiveram ou que têm tido se submetem muitas vezes a certas atitudes dos homens que as inferiorizam.
SH – ISSO TEM QUE SER COMBATIDO OU DEIXADO ASSIM? SS – Logicamente! Tem que ser combatido. Eu acho que as mulheres têm um papel muito importante nesse aspecto coadjuvadas por homens que tenham essa consciência.
SH - TENS PARTICIPADO NOS TRABALHOS DOMÉSTICOS LADO A LADO COM A TUA PARCEIRA? ACHAS QUE A PARTICIPAÇÃO MASCULINA NOS TRABALHOS DOMÉSTICOS É ALGO QUE DEVE SER ENCORAJADA? PORQUÊ? SS – Eu cresci numa família só de mulheres. Eu sou o único rapaz, cresci no meio de mulheres e aprendi a fazer quase todos os trabalhos que as minhas irmãs faziam. Desde cozinhar, lavar a
roupa, lavar a loiça, coser, fazer uma bainha de calças. Isso eram coisas básicas que nós todos tínhamos que fazer. Eu tive esse tipo de educação. Portanto, em casa eu continuo a fazer isso. Agora, vamos voltar um pouco à outra pergunta. Nós sabemos que muitas mulheres têm menor força física que os homens agora, trabalhos que exijam musculatura, força física, eu acho que esses trabalhos têm que ser entregues ao homem. Eu acho que tem que haver um equilíbrio e uma compensação nesse aspecto. Essa história de que um homem não cozinha, que um homem não pode levar as crianças à escola, que um homem não pode levar as crianças ao parque, eu acho que isso é tabú. Isso deve ser combatido por aqueles que têm consciência da igualdade entre os homens e mulheres.
SH – BASEANDO-TE NA TUA EXPERIÊNCIA DE VIDA, ENCORAJARIAS AOS OUTROS HOMENS A ADOPTAREM O MESMO TIPO DE COMPORTAMENTO? SS – Absolutamente! Eu acho que os homens dentro da sociedade actual devem ser cavalheiros. O cavalheirismo é bonito. No relacionamento isso é muito bonito. Eu acho que é fundamental que nos relacionamentos o homem seja sempre predisposto em ser uma ajuda fundamental para a mulher. E digamos logo a priori, as mulheres são elas que nos têm, elas é que nos dão à luz; a gestação toda. É verdade que há um momento do acto sexual que é partilhado mas a gestação da criança dentro do útero é uma coisa que um homem nunca vai sentir. O homem pode fazer todos os filmes que quiser mas nunca vai atingir a consciência do quanto a mulher sofre, ou não, ou dos sentimentos que a mulher tem em relação ao crescimento de uma criança no corpo dela. Eu acho que isso tudo tem que ser compensado a posteriori com um maior envolvimento do homem. Porque parecendo que não, para aqueles que entendem, uma criança no ventre de uma mãe já está a sofrer uma educação – não sei como vou dizer isso – mas é uma educação que é directa da mãe. Há uma socialização que já começa no ventre da mãe. O homem só pode ganhar vantagem
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com um relacionamento a posteriori em que ele tenha um envolvimento maior. Eu acho que as probabilidades de um crescimento saudável da criança são muito maiores em relacionamentos onde o pai está sempre presente e a participar nos cuidados e educação da criança. Um pai presente que acompanha a gravidez tem muita influência no crescimento saudável de uma gravidez e a posteriori no crescimento saudável da criança.
Sexo e Sexualidade SH - QUE TIPO DE VALORES DEVEM ORIENTAR O TRABALHO DOS ARTISTAS NO QUE TANGE À SEXUALIDADE? QUE TIPO DE ARTISTAS, EM PARTICULAR, É QUE NÓS DEVERÍAMOS FORMAR DE MODO A ASSEGURAR QUE ESTE SONHO DE IGUALDADE SE TORNE UMA REALIDADE? SS – Os artistas são comunicadores por natureza e têm uma responsabilidade acrescida pelo facto de o serem. Nós artistas temos que ser muito cuidadosos com aquilo que queremos transmitir. O trabalho com a música, as letras, os videos, tudo o que a gente mostra vai ter uma influência na vida das pessoas. Agora, eu penso que num mercado livre, como o que temos hoje onde cada um faz o que entende sem que tenha uma censura que determina o que passa para o público, o contraponto é que os artistas que trazem mensagens positivas tinham que ser mais agraciados, e mais encorajados para que eles continuem a fazer esse papel de equilíbrio em que as pessoas, pelo menos, tenham opção, em que não sejam violentadas e que isso prejudique as vidas das pessoas. Isso tudo que estamos a falar é de artistas que já estão feitos, já têm um certo caminho, e que têm um certo público. Esses artistas todos antes de o serem, são pessoas que passaram por uma educação. Eu ia voltar para o papel da educação. Eu acho que a educação tem um papel importante de equilíbrio em relação a qualquer cidadão. Aí é onde a educação – nem
falo da educação formal – falo da educação cívica, a consciência cívica que as pessoas têm dos valores e dos princípios que regem as sociedades. Aí as escolas também têm um papel fundamental mas a sociedade civil, as famílias, as comunidades têm essa responsabilidade de dar continuidade. Tem que ser como um puzzle: a escola deste lado e a comunidade deste lado se juntam para juntos se entrelançarem e criarem uma combinação que seja benéfica para educação das pessoas. Porque os artistas vêm dessa sociedade e os artistas vão ser o reflexo da sociedade que os criou.
SH - MUITA PRODUÇÃO ARTÍSTICA REPRESENTA A MULHER DE FORMA EROTICIZADA E SEXUALIZADA, E O HOMEM COMO UM GARANHÃO. SERÁ QUE NÃO HÁ OUTRAS FORMAS DE SE VENDER O PRODUTO ARTÍSTICO SEM SE “COISIFICAR” A MULHER E SE ENDEUSAR A SUPOSTA VIRILIDADE DO HOMEM? SS – Eu penso que há. Neste momento eu vou falar da minha carreira. Eu nunca precisei nos meus videos de mostrar a mulher dessa forma e nem por isso deixei de vender aquilo que eu tinha para vender. Eu acho que é possível. Eu nunca usei as mulheres nos meus videos de uma forma depreciativa. Aliás, tenho um vídeo “Sumanga”, eu ponho a mulher num patamar elevado, ponho a mulher como uma deusa, eu ponho a mulher como alguém difícil de se chegar perto. E “Sumanga” foi uma música que vendeu e continua a vender até hoje. Em termos de espectáculos é uma música que as pessoas pedem. Então eu acho que é possível. Agora, volto a recuar. Todos os artistas que falam da mulher nessa perspectiva que instrumentaliza a mulher, penso que são fruto de uma educação que tiveram, que os transforma nesse ser. Muitas vezes nem se dão conta que o que estão a fazer está errado. As pessoas não se dão conta disso porque não há um padrão de educação que rege a sociedade no seu geral
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SH - QUANDO AS PARCEIRAS NEGAM-LHES O SEXO, COMO É QUE DEVEM REAGIR? SS – Eu acho que há dias. Eu acho que as pessoas têm que conversar e têm que compreender. Outra vez voltamos à educação. Estamos a falar do homem urbano, não estou a dizer que não aconteça no nosso seio. Agora há uma grande mistura, principalmente para cidades cosmopolitas como Maputo há pessoas que cresceram com uma tradição que aprendaram fora das cidades e depois trazem essa tradição de machismo, do homem que é o chefa da família, do homem que manda, do homem que traz de comer não por incapacidade da mulher, mas por meio de uma tradição que funcionou numa determinada época que deixou de ter uso. Então, esses homens muitas vezes trazem isso para a cidade. Eu acho que esse factor é muito forte. Tu sabes que o factor tradição é muito forte. Tu sabes que há zonas do país em que com anuência das mulheres o homem pode ter várias; três ou quatro mulheres vivem no mesmo condomínio. Cada uma com a sua palhota. Por isso é que acho que nesse aspecto a mulher tem muito a dizer em relação a isso. E vamos voltar à educação; a responsabilidade da educação é criar uma compatibilidade entre a tradição e aquilo que são os direitos humanos. E as pessoas têm que perceber que existe isso. SH – POR QUE OS HOMENS SE DEVEM PREOCUPAR COM QUESTÕES DE SEXUALIDADE E MASCULINIDADES? QUE IMPACTO É QUE ESSES ASPECTOS PODEM TER EM SUAS VIDAS SE NÃO SE PREOCUPAREM? SS – Eu acho que temos que nos preocupar porque a convivência entre um homem e uma mulher pode ter repercussões em tudo o que a gente faz à nossa volta. Tem uma influência muito grande. Eu acho que eu não vou andar com três ou quatro mulheres. Não vai ser por medo de apanhar doenças. Não pode ser isso. Isso não pode ser um motivo. Não ando com outras mulheres pelo respeito que eu tenho pela minha parceira. Eu não tenho medo de apanhar doenças
lá fora. Não é por causa disso que eu não ando com elas. Eu não ando com outras por respeito à minha parceira. Se eu amo a minha parceira, se ela me satisfaz em pleno, por que preciso de ir lá fora buscar outras alternativas? Eu acho que tenho que criar uma relação com a mulher em que – as relações nunca são perfeitas –... mas temos que gerar um equilíbrio em que há compensações. A gente sabe que não sendo perfeitos vamos vivendo, vamos saber viver com os defeitos dos outros e se calhar compatibilizá-los. Porque cada um, homem e mulher, têm defeitos diferentes e por isso têm que aprender a viver com isso. Têm que transformar os defeitos em virtudes e têm que saber aproveitar ao máximo o facto de poderem construir uma família dentro de uma sociedade que respeita os direitos, tanto dos homens como das mulheres.
Casamentos Prematuros SH - QUANDO SE FALA EM CASAMENTOS PREMATUROS E OUTROS ASSUNTOS, É COMUM INVOCAR-SE QUE CADA SOCIEDADE TEM SEUS VALORES E TRADIÇÕES E QUE ESTES DEVERIAM SER RESPEITADOS. O QUE DEVEMOS RESPEITAR, A LEI OU A TRADIÇÃO? SS – Se um menor de idade não está preparado para servir a sociedade, porque ainda está a estudar, está a se preparar, por que nós podemos achar que uma menor está preparada para começar uma vida conjugal aos 15, 16 anos? Isso é mesmo um pensamento retrógado. Um pensamento de alguém que não valoriza a mulher. Eu, como homem, recusar-me-ía terminantemente em ter uma mulher em casa que apenas servisse para me arrumar a cama, o jantar em casa. A mulher tem que me dar muito mais do que isso. Se eu sei cozinhar, se eu coso, a mulher tem que ser muito mais do que isso. Eu já estive em relações em que a mulher ganhava mais do que eu. E nem por isso eu me sentia diminuído. Eu acho que os homens não se devem sentir diminuídos por causa disso.
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Os casamentos prematuros fizeram parte da nossa tradição mas a educação deve encontrar plataformas de fazer entender à nossa sociedade que isso não é benéfico. A priori, ela tem os mesmos direitos que o homem tem. Tem todo o direito de se formar e poder servir a sociedade, e ainda poder fazer as suas próprias escolhas. De resto, é uma menor que não é mulher, que não está totalmente desenvolvida e formada para receber uma criança; fisicamente não está; psicologicamente também não está; financeiramente também não está, ela própria está ainda a ser educada no sentido de ser uma mulher. Portanto, há muitos factores contra os casamentos prematuros. SH - OS CASAMENTOS PREMATUROS CONFIGURAM UM PROBLEMA PARA O PAÍS. ALÉM DE SEREM UM ATENTADO AOS DIREITOS DA CRIANÇA, SÃO UM ENTRAVE AO DESENVOLVIMENTO DO PAÍS… SS – Em países que implementam o estado de direito isso é um crime. Depois têm as componentes culturais que têm que ser explicadas. Por exemplo, em relação ao HIV e SIDA, estive em zonas do país onde as próprias mulheres se recusavam a fazer um planeamento familiar através do uso de contraceptivos. Nesse caso específico o preservativo, alegadamente porque a mulher valoriza o esperma do homem. E valorizam o esperma do homem porque acham que as fortifica. Há zonas do país onde isso acontece. Nós temos que ter plataformas que eduquem as mulheres que isso não é verdade. Isso não é verdade. Então, essas são questões culturais que têm que ser desafiadas e explicadas massivamente. Se eu acho que isso é prioridade do nosso governo e da sociedade, acho que temos que prestar muita atenção a esses aspectos. SH - QUAL TEM SIDO O TEU ENVOLVIMENTO NO COMBATE AOS CASAMENTOS PREMATUROS? SS – Eu tenho uma campanha, como a HOPEM deve saber, eu fui embaixador nacional da UNICEF, e abracei logo. E nesse aspecto fiz um vídeo em relação a isso e sempre que tenho opor-
tunidade ao nível das redes sociais tenho dado o meu contributo com mensagens persuasivas e com uma opinião muito pessoal em relação a esse aspecto. SH - QUAL DEVE SER O PAPEL DOS OUTROS ARTISTAS NA PREVENÇÃO E ELIMINAÇÃO DOS CASAMENTOS PREMATUROS? SS – Eu acho que de uma forma natural, de uma forma voluntária, os artistas têm um papel muito importante. Não devem esperar que sejam solicitados para participar em campanhas sociais. Eu acho que os artistas têm a responsabilidade de sozinhos tomarem a consciência, verem quais são os males da sociedade, terem uma intervenção permanente dentro disso. Por exemplo, já estive em muitas campanhas e um dos aspectos que tenho defendido é que o artista não deve ficar à espera de financiamento, deve- se entregar a esse tipo de causas porque naturalmente, como cidadãos, nós temos essa obrigação. Portanto, o artista tem uma responsabilidade acrescida sobre todos os aspectos educacionais de uma sociedade. SH - O QUE PODES DIZER AOS HOMENS E FAMÍLIAS QUE ESTÃO ENVOLVIDOS EM CASOS DE CASAMENTOS PREMATUROS? SS – Uma mensagem para esse tipo de pessoas é difícil. Eu não quero passar uma mensagem que é fácil. Eu passo uma mensagem para um homem desses e diz o seguinte: “OK. Não vou dar a minha filha, mas dar a minha filha dá-me dinheiro para eu conseguir sobreviver.” Quer dizer, um homem que tenha esse pensamento… vai ser difícil de persuadi-lo a mudar de comportamento. Eu penso que as pessoas à volta e as comunidades onde esses actos acontecem têm que estar atentas e têm que receber aconselhamento. Além de ser crime, isso é vender e as autoridads deveriam agir
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Foto de Amilton Neves
Cancro da Próstata SH - UMA DOENÇA APARENTEMENTE SILENCIOSA QUE AFLIGE OS HOMENS É O CANCRO DA PRÓSTATA. APESAR DE SER ALGO MUITO PESSOAL, TU JÁ FIZESTE O TESTE DE DESPISTAGEM? SS – Já fiz. Eu fiz tarde. Fiz isso muito tarde. Eu acho que é importante que não tenham medo. Hoje já há formas de se fazer o teste de despistagem de outras formas que não sejam aquelas tradicionais, intrusivas (risos). Eu acho que os homens devem fazer e terem a consciência disso. Mas acho também que acima de tudo as pessoas têm que receber maior informação. Eu penso que os órgãos de informação tem um papel importante na disseminação de mensagens para mudança de comportamentos. Eu acho que os jornais,
as rádios e as televisões têm que ter programas que incentivem as pessoas a preocuparem-se mais com a vida, com a saúde em geral, e com certas doenças em particular. Eu acho que se nós incidirmos a nossa educação nesse aspecto vai se tornar um hábito no futuro. As pessoas irão à procura desses serviços, especialmente quando souberem que um determinado canal dá informações sobre a saúde, dá informação sobre alimentação saudável, etc. As pessoas precisam de informação e essa informação não passa para as pessoas. Eu acho que os órgãos de comunicação têm uma responsabilidade muito grande nesse aspecto. Tu ligas as televisão e o que é tu ouves? Tens um programa de 30 minutos onde se fala sobre isso? Isso tem de ser diário, tem que ser cultura das pessoas, tem que fazer parte da cultura das pessoas.
33 | Entrevista
IDEIAS PARA MUDANÇA ""Devia ser obrigação de todas e de todos nós lutar pelos nossos direitos." NZIRA DE DEUS, DIRECTORA EXECUTIVA DO FORUM MULHER
"A emancipação da mulher passa pela liberdade de escolha.. escolha de ter ou não companheiro, escolha de ter ou não filhos, escolha do método anticocepcional etc. Se ela não puder fazer estas escolhas, a sua emancipação ficará sempre adiada e ela nunca será livre." BENILDE NHALEVILO, DIRECTORA EXECUTIVA DO FORUM NACIONAL DAS RÁDIOS COMUNITÁRIAS
"Se amor for violência, me recuso a amar" SIMBA, MÚSICO
"Prevenir a infecção pelo HIV/SIDA na juventude é assegurar um crescimento harmonioso e saudável e um desenvolvimento de sucesso." ROY TEMBE, DIRECTOR NACIONAL PARA OS ASSUNTOS DA JUVENTUDE
34 | Testemunhos
POEMAS DA TERRA
CASAMENTO PREMATURO Maria Maria só fica em casa
Do seu marido
Não tem dinheiro no bolso
Fez filho cedo e deixou de estudar
Est’a a depender de alguém
dependência total
E ela ainda é criança
Maria Maria é inteligente
pra tudo tudo
Com muito caminho por percorrer
Mas fez filho cedo
um ciclo de pobreza
Casamento precoce aconteceu
E deixou de estudar
Está a depender de alguém
Limitou o horizonte
Vai ser difícil vencer na vida
Do seu marido
Casamento precoce aconteceu
Sem uma carreira profissional
Está a depender de alguém
Limitou o futuro
Dependência total
Está a depender de alguém
Do seu marido
24 | Ser Homem 35 | Ser Homem
Poema do compositor e intérprete Demócrito Manhiça
- SITUAÇÃO DOS CASAMENTOS PREMATUROS EM MOÇAMBIQUE; TENDÊNCIAS E IMPACTOS - Albino Francisco
Os casamentos prematuros são um flagelo social em Moçambique. Milhares de raparigas, principalmente nas zonas rurais do país, são vítimas desta prática nociva que afecta negativamente a sua sobrevivência e desenvolvimento, privando-as de ter acessso aos serviços de protecção, educação, saúde e outros, que garantam a realização dos seus direitos como crianças e raparigas. O combate aos casamentos prematuros em Moçambique ainda não tem sido uma prioridade nacional, na medida em que os diferentes instrumentos legislativos e de políticas existentes sobre a protecção da criança, não abordam, de forma específica e concreta, a questão do casamento prematuro como violação dos direitos da criança e da rapariga em particular, bem como não apresentam uma meta ou compromisso político para a sua eliminação. A título de exemplo, o Plano Nacional de Acção para a Criança (PNAC II), faz referência a uma meta que não informa, do ponto de
vista do compromisso que o país pretende alcançar, até quanto o Governo se compromete reduzir, até 2019, ano do fim da implementação deste Plano, a incidência do casamento prematuro em Moçambique. Por isso, um maior comprometimento legislativo e político em particular, passa por reforçar um quadro legal adequado para desencorajar esta prática e definir metas concretas de combate ao casamento prematuro, criando todo um conjunto de condições aos diferentes níveis para que o combate ao casamento prematuro seja colocado no topo da agenda nacional de governação e de combate a pobreza1.
Tendências dos casamentos prematuros e gravidez precoce em Moçambique Moçambique tem aproximadamente 12.6 milhões de crianças, representando mais da metade da população moçambicana (52%)2. O país tem uma das maiores taxas de
“Sit Na altura em que este artigo foi escrito, o Governo já tinha iniciado a elaboração da Estratégia Nacional de Prevenção e Combate aos Casamentos Prematuros. 2 INE (2007). Censo Populacional, Projecção para 2013. Instituto Nacional de Estatística. Maputo. 1
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casamentos prematuros do mundo: encontrase em 11º lugar na lista, depois do Níger, Chade, República Centro- Africana, Bangladesh, Guiné, Mali, Burkina Faso, Sudão do Sul, Malawi e Madagáscar, contabilizando perto de metade de mulheres que se casam antes dos 18 anos e em 10º lugar em África. De acordo com Artur (2010)3, enquanto os casamentos prematuros se tornaram cada vez menos comuns entre os sectores mais ricos da sociedade em todas as regiões do mundo, eles ainda são frequentes em África e no Sul da Ásia. Alguns estudos nacionais mostram que algumas formas de violência contra a criança e rapariga em particular, como os casamentos prematuros, estão enraizadas em dinâmicas de género, sociais e discriminatórias, e práticas nocivas. Os dados do Inquérito de Indicadores Múltiplos (MICS 2008)4, mostravam que 11.4 por cento das raparigas com idade entre 20 e 24 anos se casaram antes da idade de 15 anos, e 51.8 por cento delas se casou antes da idade de 18 anos. Os dados do último Inquérito Demográfico e de Saúde (IDS) de 20115, mostram no entanto uma tendência de redução da incidência do casamento prematuro a longo prazo. Com efeito, estes dados indicam que 10.3 por cento de raparigas entre 15-19 anos casaramse antes da idade de 15 anos e 48.2 por cento de mulheres entre 20-24 anos casaram-se antes dos 18 anos. Uma análise estatística realizada em 2014 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) e Coligação para 6
a Eliminação dos Casamentos Prematuros em Moçambique (CECAP), baseada num cruzamento de dados do IDS 1997, 2003 e 2011, MICS 2008, das projecções do Censo 2007 e dos dados administrativos do Ministério da Educação, relativos ao casamento prematuro, gravidez precoce, saúde, educação, religião e acesso a meios de comunicação, entre outros, mostra que os níveis mais altos de casamentos prematuros em Moçambique estão concentrados nas províncias do Norte do país. No Niassa, 24,4% (cerca de 13.865 raparigas) com idade entre os 20-24 anos casaram-se antes dos 15 anos. As províncias que têm o maior número de raparigas casadas na adolescência são Zambézia e Nampula. Nestas províncias, 95.525 (Zambézia) e 129.604 (Nampula) raparigas casaram-se antes dos 18 anos respectivamente. No total, mais de meio milhão de raparigas moçambicanas entre os 20-24 anos casaram-se antes dos 18 anos, das quais 56.323 fizeram-no antes de atingirem os 15 anos. Outro aspecto que ressalta desta análise, é que as raparigas nas zonas rurais tendem a casar-se muito mais cedo do que as raparigas nas zonas urbanas. Isto traduz-se numa maior média de idade de casamento nas áreas urbanas (19.6 anos contra 18.2 anos nas zonas rurais). Regista-se também, menor proporção de raparigas casadas antes dos 15 anos (11,5% nas áreas urbanas e 16,1% nas zonas rurais), e antes dos 18 anos (55,7% nas áreas rurais e 36,1% em áreas urbanas). A gravidez na adolescência, ou gravidez precoce, que tem tido uma relação directa com o casamento prematuro, também é uma realidade bastante preocupante em Moçambique, onde a esmagadora maioria das mães
ARTUR, Maria José (2010). O Casamento Prematuro como Violação dos Direitos Humanos. Um exemplo que vem da Gorongosa. Publicado em “Outras Vozes”, nº 31-32, Agosto-Novembro de 2010. 4 INE (2009). Inquérito de Indicadores Múltiplos 2008. Instituto Nacional de Estatística. MICS. 5 INE et al (2013). Moçambique Inquérito Demográfico e de Saúde 2011. MISAU, INE e ICFI: Calverton, Maryland, USA 6 UNICEF, UNFPA & CECAP (2014). Análise Estatística sobre Casamentos Prematuros e Gravidez Precoce em Moçambique: Determinantes e Impactos. Maputo: Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) e Coligação para a Eliminação dos Casamentos Prematutos (CECAP). Maputo 3
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Foto do UNICEF
adolescentes casaram-se muito cedo. No entanto, em áreas urbanas e em particular no sul do país, tem havido um aumento de casos de gravidez precoce e fora do casamento devido ao aumento na proporção de nascimentos fora do casamento. Na gravidez precoce, a diferença entre as áreas urbanas e rurais é menos acentuada em relação ao casamento prematuro, devido, em parte, à maior frequência de casos de gravidez precoce fora do casamento nas áreas urbanas: 5,9% na área urbana contra 9,0% na área rural (raparigas grávidas menores de 15 anos); 33,2% na área urbana contra 44,4% na área rural (raparigas grávidas antes dos 18 anos). Por outro lado, as raparigas com ensino secundário e superior tendem a casar-se significativamente mais tarde (em média 17,5 anos e 20,7 anos respectivamente) comparativamente às raparigas com ou sem o ensino primário (16,1 e 16,5 anos, respectivamente).
Apesar de a gravidez precoce estar fortemente associada ao casamento prematuro, em certas áreas urbanas e particularmente no sul do país, tem havido um aumento de raparigas que ficam grávidas mesmo sem se casarem prematuramente, aumentando desta forma o número de raparigas que engravidam na adolescência. As províncias com os índices mais elevados de gravidezes precoces são Manica (44,9% de mulheres com idade entre 20-24 anos engravida antes dos 18 anos e 8,5% engravida antes dos 15 anos) e Niassa (41,5% de raparigas engravidam antes dos 18 anos e 11,7% antes dos 15). O maior número de partos em adolescentes regista-se em Nampula (107.553) e na Zambézia (81.126), onde raparigas com idades entre os 20-24 anos tiveram o primeiro filho antes dos 18 anos. Em 2011, cerca de 439.453 mulheres dos 20-24 anos tiveram o primeiro filho antes dos 18 anos, e deste total 85.257
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tinham idade inferior a 15 anos. Segundo ainda a análise citada (UNICEF, UNFPA & CECAP, 2014), a proporção de raparigas adolescentes casadas e grávidas diminuiu ligeiramente entre 1997 e 2011. No entanto, a melhoria estatística e significativa ao nível de 5%, ocorreu em apenas dois indicadores (casadas antes dos 15 e casadas antes dos 18 anos). Em todo o caso, o crescimento da população ultrapassou os progressos alcançados na diminuição das taxas de casamento prematuro e da gravidez precoce, o que significa que o número absoluto de mulheres casadas/grávidas antes dos 15-18 anos aumentou apesar da ligeira melhoria na percentagem de raparigas afectadas. Por outro lado, existe uma forte correlação entre a proporção de meninas fora da escola secundária e a prevalência do casamento prematuro por província. O casamento prematuro é mais prevalecente nas províncias do norte e centro do país, sendo nestas onde se registam as taxas de escolarização mais baixas de raparigas no ensino secundário7. O casamento prematuro também é altamente correlacionado com a riqueza das famílias. Raparigas de famílias mais pobres são muito mais propensas a se casar cedo do que as raparigas oriundas de meios mais ricos. Um outro aspecto importante na análise das determinantes do casamento prematuro vs gravidez precoce considerados no estudo do UNICE, UNFPA & CECAP (2014), tem a ver com a influência da religião como factor que contribui ou não para a incidência dos casamentos prematuros. De acordo com esta análise, as meninas de famílias religiosas (muçulmanos, cristãos ou outros) têm uma probabilidade significativamente menor de se casarem antes dos 18 anos, em comparação com as meninas que declararam não ter religião. Este facto vem desmistificar a percepção de que as raparigas oriundas princi-
palmente da religião muçulmana têm maior probabilidade de contraírem o casamento antes da idade oficial para o efeito. Por esta e outras razões, é importante e relevante aprofundar a pesquisa sobre as determinantes do casamento prematuro, apesar de inúmeros estudos nacionais já terem levantado e discutido algumas das principais causas subjacentes a este fenómeno. Para se ter uma ideia da complexidade do fenómeno ao longo dos anos, em quase 30 anos (1980-2007), o casamento prematuro em Moçambique reduziu apenas 15% (CEPSA 2013)8, o que quer dizer que alguns factores, de entre os quais os relacionados com as dinâmicas de género, sociais e discriminatórias, e práticas nocivas, vem sendo perpetuados ao nível das comunidades moçambicanas.
Impactos do casamento prematuro nas raparigas e na sociedade Os efeitos dos casamentos prematuros nas raparigas têm sido alvo de investigação e profundo debate no seio dos sectores da sociedade interessados na protecção dos direitos humanos das crianças e das raparigas. É facto que o efeito do casamento prematuro nas raparigas é nefasto, comprometendo o futuro das raparigas no que respeita a sua sobrevivência, desenvolvimento e enquadramento na sociedade. O casamento prematuro prejudica a rapariga no que respeita ao acesso, permanência e conclusão do sistema educativo. Estudos nacionais indicam que a decisão de casar é tomada muitas vezes ou quase sempre pelos pais da menina, o que evidencia que os pais e ou parentes directos continuam a exercer uma forte influência sobre o futuro das suas filhas. Há, no entanto, evidências de que as raparigas e os pais, a fim de assegurar a sua própria família ou o bem-estar e sobrevivência, tomam certas escolhas que, no final,
“INE et al (2013). Moçambique Inquérito Demográfico e de Saúde 2011. Calverton, Maryland, USA: MISAU, INE e ICFI 8 CEPSA (2013). Dinâmicas da População e Saúde em Moçambique. Maputo. 7
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afectam negativamente a escolaridade, a saúde e o futuro das próprias raparigas. No entanto, determinantes de cariz identitária ligadas às práticas culturais, algumas delas nocivas, onde as crianças são consideradas prontas para o casamento, após os ritos de iniciação por exemplo, têm sido apontadas como uma das principais causas para os casamentos prematuros. Por outro lado, a educação joga também um papel importante na questão dos casamentos prematuros. Grande parte dos pais que enviam seus filhos para a escola, em particular nas zonas rurais, tem um nível de escolaridade bastante limitado, ou são analfabetos, significando que a sua própria experiência com a escola é limitada e as suas expectativas para que os seus filhos tenham uma educação formal são reduzidas às competências de base. Na vida da maioria destes pais, a escola não é, no entanto, uma solução viável e, portanto, um modo de sustentabilidade e empoderamento da família. Isto significa que as meninas são muitas vezes impedidas de ir à escola ou uma vez lá, são forçadas a desistir devido às decisões dos seus pais relacionadas com práticas culturais nocivas que empurram as raparigas para o casamento prematuro. Dados qualitativos relativos à violência contra crianças e disponíveis em cerca de 80 estudos realizados na última década em Moçambique, revelam que as causas apontadas para a alta prevalência do casamento prematuro no país são as práticas tradicionais existentes tais como os ritos de iniciação, o incesto, a poligamia, as leis costumeiras, o lobolo, para além do vazio legal na legislação nacional concernente a prática dessas uniões forçadas. Algumas práticas específicas, como os ritos de iniciação por exemplo, a partir dos quais – e em algumas zonas – as crianças são consideradas prontas para o casamento, tem contribuído de forma determinante para a alta taxa de casamentos prematuros em Moçambique. A cultura e as tradições são importantes para um povo e para uma comunidade, no entanto, quando algumas práticas dentro
da cultura e da tradição são prejudiciais, elas não representam os princípios e os valores da dignidade humana, por isso devem ser mudadas. O casamento prematuro é uma prática prejudicial que resulta em danos físicos, mentais e emocionais graves para as raparigas. Os casamentos prematuros são uma das piores formas de violação dos direitos humanos e da criança, pois coloca as raparigas sob um elevado risco de violência e de doenças, prejudicando todo um processo de potenciais oportunidades que as raparigas deveriam ter, privando-as dos seus direitos à saúde, educação, desenvolvimento e igualdade de género. As raparigas sujeitas ao casamento prematuro enfrentam uma maior probabilidade de desistência da escola, separação precoce dos progenitores, infecção com doenças de transmissão sexual incluindo o HIV e SIDA, violência doméstica e sexual, trabalho infantil, mortalidade materna e infantil e gravidez precoce, que tem resultado em casos alarmantes de fístula obstétrica que expõe as raparigas à discriminação e desprezo familiar e da sociedade. O casamento prematuro tem influência directa e negativa no progresso de indicadores chave de desenvolvimento social nomeadamente na educação e saúde, com destaque para desistência da rapariga da escola, a mortalidade materna e infantil, a desnutrição crónica e o HIV e SIDA, e tem uma forte ligação com a incidência da pobreza e um impacto negativo na produtividade nacional. O que deve ser feito Desde 2006, o Ministério do Interior, estabeleceu mais de 200 centros especializados da polícia nacional para apoiar crianças e mulheres que são vítimas de violência, abuso e exploração. Esses centros oferecem um espaço seguro para as vítimas denunciarem incidentes de violência sexual à polícia e para serem encaminhados para a acção social, saúde e outros provedores de serviços relacionados. O estabelecimento e fortalecimento de abordagens multissectoriais para prevenir e
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Foto de Mario Macilau
responder a violência contra crianças através da criação de sistemas de encaminhamento para assistência às vítimas, tem sido também um indicador de progresso na protecção de crianças e mulheres contra a violência. No entanto, as normas sociais, a cultura do silêncio e o poder relacionado com as barreiras entre as famílias e a comunidade em geral são obstáculos que precisam de ser superados. As crianças, especialmente as raparigas e seus cuidadores precisam ter poderes para quebrar
a cultura do silêncio e para capacitá-los a denunciar à polícia ou as autoridades locais, casos de abuso e violência doméstica, incluindo o casamento forçado. Ligações entre a polícia e os serviços sociais devem ser reforçados para que as crianças e mulheres vítimas de violência recebam ajuda priorizada e encaminhados aos serviços de apoio. É necessário criar e reforçar uma rede de serviços efectiva para as crianças e fortalecer as instituições que são orientadas para protegê-las.
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Para acelerar a prevenção e a eliminação dos casamentos, o Governo com apoio da Sociedade Civil e Parceiros de Cooperação, lançou em 2014 uma Campanha Nacional de Prevenção e Combate aos Casamentos Prematuros e iniciou a elaboração de uma Estratégia Multisectorial. Ao nível da Sociedade Civil, outras iniciativas estão em curso, como por exemplo a criação da Coligação para a Eliminação dos Casamentos Prematuros (CECAP), que é uma plataforma da Sociedade Civil que tem como principal propósito implementar acções de advocacia com vista a eliminação do casamento prematuro em Moçambique. A eliminação dos casamentos prematuros como uma responsabilidade colectiva Ao nível da CECAP, é reconhecido que não existe uma única solução para eliminar os casamentos prematuros. A sua eliminação requer acções concertadas a todos os níveis e com o envolvimento de todos os actores da sociedade. No entanto, a CECAP identificou as seguintes acções que podem ser implementadas para reduzir e eliminar os casamentos prematuros em Moçambique:
• Fortalecer o quadro político-legal nacional de protecção da criança em Moçambique, com destaque para a protecção da rapariga contra todas as formas de violência, e alocar recursos financeiros, materiais e humanos adequados para a sua efectiva implementação; • Qualificar o casamento prematuro como um crime na lei penal, para desencorajar que tal prática continue a devastar o futuro de muitas raparigas moçambicanas; • Prevenir o casamento prematuro por meio do empoderamento das raparigas em risco, através da melhoria do acesso a educação primária e secundária de qualidade, habilidades para a vida, criação de espaços de diálogo e redes sociais seguras dentro das famílias e das comunidades e criar oportuni-
dades de diálogo construtivo com os líderes religiosos e comunitários, com os anciãos e matronas, incluindo a mobilização social de rapazes e raparigas para se tornarem os principais advogados desta mudança;
• Proteger e conceder apoio às raparigas que já foram forçadas a casar, através da melhoria e disponibilidade do acesso a serviços e oportunidades de vida, e providenciando serviços direccionados para as suas necessidades em particular, necessidades de saúde, de educação e de enquadramento social; • Melhorar a pesquisa sobre a situação dos casamentos prematuros, através de uma melhor recolha de informação para determinar o número de crianças casadas, as causas e consequências desta prática, e aprender dos programas e abordagens já existentes para a eliminação dos casamentos prematuros. Fortalecer os sistemas do registo civil de nascimento e de casamento devem ser aspectos essenciais destes esforços; • Promover a criação de um ambiente favorável para a mudança social através da construção de capacidades nos indivíduos e nas comunidades para questionarem e mudarem as suas próprias atitudes que perpetuam práticas prejudiciais como os casamentos prematuros; • Certificar que a prevenção e mitigação do casamento prematuro está integrada nas políticas, programas e estratégias governamentais a todos os níveis, com destaque para a saúde materna, educação, protecção da criança e redução da pobreza; • Encarar a eliminação do casamento prematuro como uma responsabilidade colectiva.
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ARTE 100 VIOLÊNCIA
PUTO DE 37 ANOS DE IDADE!? Gilberto Macuacua
Imaginas com 37 anos de idade, seres considerado puto até por alguém que tenha menor idade que tu? Dá ca uns nervos mas, enfim, em algumas regiões tens que aceitar. Cá pelas bandas de Nacala, minha actual morada, estava eu sentado num dos famosos cafés da cidade, conversa banal aqui e acolá, era uma bela tarde de sábado, depois de um jogo de futebol que fui assistir e que opunha as duas equipas locais que militam no Moçambola. Na companhia de 8 amigos, comentamos sobre o jogo do futebol que fomos ver, transcendemos para jogadores e equipas que militam no campeonato português, espanhol e por ai em diante. Um dos meus amigos, tem uma voz possante, pelo que, quando começa a falar quase que inconscientemente paramos todos para o ouvir e ele sabe bem aproveitar-se dessa dádiva para falar mais tempo e mais alto que o resto do grupo. Tem sido assim, desde que o conheci e no entanto, um outro amigo cansado de ouvir comentários que considerava exagerados a respeito da equipa que ele apoia, dirigiu-se ao amigo de voz possante e disse: - Tu falas muito meu... e não te esqueças que és um puto aqui... - Puto eu!? - Puto pois, enquanto não fizeres circuncisão ainda és puto. A partir daquele momento, aquela voz possante calou-se. Fui monitorando a conversa, passei a interessar-me pelo assunto, a voz
nunca mais voltava, não obstante o dono dela estar ali sentado, um pouco cabisbaixo a contentar-se com os chats no Facebook do seu seu telemóvel. Fiquei, pasmo quando percebi que não se tratava de um tipo de brincadeira, o assunto era muito sério, tão sério que se traziam até estatisticas para justificar a circuncisão masculina. Comecei a viajar na minha imaginação pela relação que tem a circuncisão masculina com a saúde O que representa a circuncisão masculina nesta região de país? Nacala, é uma cidade portuária na província de Nampula no norte de Moçambique. De acordo com o Censo de 2007, Nacala tem uma população de 206.449 habitantes. Por cá, a semelhança de quase toda a região norte de Moçambique, os homens são considerados mais homens, depois de circuncidados, ou melhor, são considerados crescidos depois de passar pelos ritos de iniciação, é la onde são circuncidados. No entender deles, este homem já sabe mais sobre a vida pelo que, merece respeito e pode inclusive participar em funerais, reuniões com pessoas adultas dentre outras coisas que os adultos fazem. A prática de circuncisão masculina por cá, prende-se mais com motivos culturais e não propriamente médicos embora actualmente, algumas famílias já combinam as duas componentes, contudo nota-se ainda
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que a cultura continua dominando. Olhando para esta situação e olhando também para vários estudos feitos noutros paises que dão conta de que, a circuncisão masculina contribui para a redução em 60%, o risco de infecção pelo HIV. Será que, isso explica por que a região Norte é a que menor taxa de pessoas infectadas apresenta ao nivel do país? Tendo em conta que, entre homens de 15 a 49 anos de idade, a taxa é de 4.9% comparando com outras regiões de Moçambique, temos no Centro 9.9% e 14.2% no Sul segundo o INSIDA 2009 e concretamente, em Nampula a taxa em homens na mesma faixa etária é de 3.3%. Seria esta, uma feliz conscidência? Bom! Vou deixar estas questões para os pesquisadores. Contudo, acho que é uma questão importante para aprofundar-se. Passado quase uma hora, eis que o meu amigo de voz possante decide retirar-se e disse: - A partir de segunda-feira, deixarei de ser um puto, não irei procurar nenhum ancião mas sim um profissional de saúde. As palmas e abraços naquele momento... foi incrível e percebi que o sucedido não abalou a amizade do grupo. Todos eles, são naturais na região e todos eles passaram pelos ritos de iniciação menos o de voz possante, que nasceu na região e cedo foi viver com os tios no sul de Moçambique, retornou já na fase adulta e o facto de não ser ainda circuncidado apesar dos 37 anos de idade, ensino superior concluido, ele ainda era considerado puto, neste meio. Eu continuo amigo de todos eles, continuamos a assistir jogos de futebol, tomar cafés e outros eventos que acontecem nesta maravilhosa região de país e agora não tem nenhum puto no grupo.
PALAVRAS CRUZADAS HOPEM Por: Byano Valey 1
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HORIZONTAIS:
1 – O que diz respeito a homens e mulheres. 6 – Diz respeito ao ser masculino. 10 – Quociente de Inteligência (Abrev). 11 - Pronome demonstrativo. 13 – O mesmo que agora. 15 – Pronome pessoal, segunda pessoa do singular. 16 - interjeição que designa espanto, admiração ou contentamento. 18 – Estilo musical com forte ritmo, onde as palavras são recitadas e não cantadas. 19 – Trilha, caminho que se faz com alguma dificuldade. 20 - Partida, acção de ir, de se locomover ou ser levado de um lado para outro. 22 – Aquela que se associa a outro ou outros para qualquer empresa de que se espera receber lucro, parceira. 23 – Antiga parceira . 24 – Ser imaginário sobrenatural do sexo feminino, a quem se atribui poderes mágicos. 26 – Prólogo de uma composição dramática; apologia, discurso laudativo; elogios; mentira. 27 – Exprime afirmação, aprovação ou consentimento. 28 – Primeira parte da capital de Etiópia. 29 – Símbolo químico de Bário; 30 – Significa “comandante” em língua árabe; título de nobreza. 32 – O mesmo que indivíduo rude, grosseiro, aldeão. 36 – Uma polémica empresa moçambicana de captura de atum. 38 – Peça de metal ou plástica, provida de furos ou fendas, que permite o escoamento de águas (de banheiros, pias, pisos, etc.) mas detém detritos causadores de entupimentos.
VERTICAIS:
2. Igualdade, disposição para reconhecer a imparcialidade do direito de cada indivíduo; característica de algo ou alguém que revela senso de justiça, imparcialidade, isenção e neutralidade. 3 – Símbolo químico de Níquel. 4 – Conjunto de regras e de cerimónias praticadas numa sociedade ou religião. 6 –Distrito da província da Zambézia. 7 – Aqui, neste lugar. 8 –Período de tempo. 9 – Mas, porém, contudo, além disso, pois bem, não obstante. 12 –Rude, desajeitado, ou algo no seu estado bruto. 14 – Acto de fumar um cigarro de haxixe só que a pé (Brasileiro). 17 – Nome de mulher. 20 – Marca de camião fabricado na antiga República Democrática da Alemanha. 21 – O mesmo que 25 cêntimos do dólar americano (duas palavras). 23 – Elemento de formação de palavras que exprime a ideia de intercalação, obstrução. 25 – Interjeição de ironia (duas palavras, sem a última palavra na primeira). 27 – Gotas de líquido que saem da pele; esforço (fig). 31 – Batráquio saltador e nadador, de pele lisa, verde, que vive junto dos charcos e lugares onde há acumulações de água. 32 – Domínio de Internet das antigas repúblicas soviéticas. 33 – Ante meridiem (Abrev). 34 – Forma do ver Ir no pretérito perfeito.
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Comitê de Conselheiros da Revista: Eugenio Brás - Bayano Valy - Jornalista independente Benilde Nhalevilo - Directora Executiva do Fórum Nacional das Rádios Comunitárias Diogo Milagre - Presidente do conselho directivo da Rede HOPEM Isabel Casimiro - Sociologa/Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane; Presidente do Conselho Directivo do Fórum Mulher
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(nota: nesta edição optou-se por manter a escrita original dos autores dos artigos.)
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N.ºde registo: 25/GABINFO-DEC/2012 Propriedade: Rede Hopem Editor: JÚLIO LANGA Produção, Design e Ilustração – www.bagabagastudios.org Revisão linguística: Percida Langa
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Ficha Técnica:
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SOLUÇÕES
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