arquitetura como manifestação política projeto de uma casa-abrigo em Presidente Prudente
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FACULDADE DE ENGENHARIAS DE PRESIDENTE PRUDENTE “CONS. ALGACYR MUNHOZ MAEDER” CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO
ARQUITETURA COMO MANIFESTAÇÃO POLÍTICA: PROJETO DE UMA CASA-ABRIGO EM PRESIDENTE PRUDENTE
BARBARA AGNELI RIBEIRO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Engenharias de Arquitetura e Urbanismo como parte dos requisitos para a sua conclusão. Orientadora: Profa. Me. Korina Aparecida Teixeira Ferreira da Costa.
Presidente Prudente - SP 2021 4
FACULDADE DE ENGENHARIAS DE PRESIDENTE PRUDENTE “CONS. ALGACYR MUNHOZ MAEDER” CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO
ARQUITETURA COMO MANIFESTAÇÃO POLÍTICA: PROJETO DE UMA CASA-ABRIGO EM PRESIDENTE PRUDENTE BANCA EXAMINADORA BARBARA AGNELI RIBEIRO Profa. Me. Korina Aparecida Teixeira Ferreira Costa Universidade do Oeste Paulista - Unoeste Presidente Prudente - São Paulo
Prof. Me. Vitor Martins de Aguiar Universidade do Oeste Paulista - Unoeste Presidente Prudente - São Paulo
Arq. José Santana de Andrade Junior José Andrade Arquitetura São Paulo - São Paulo 5
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Engenharias de Arquitetura e Urbanismo como parte dos requisitos para a sua conclusão. Orientadora: Profa. Me. Korina Aparecida Teixeira Ferreira da Costa.
Presidente Prudente - SP 2021 6
agradecimentos Em primeiro lugar, agradeço às pessoas mais importantes da minha vida: meus pais. Á minha mãe, Sandra, sou grata por me incentivar em todas as minhas decisões, por me acolher e me dar suporte mesmo de longe, e sobretudo, por acreditar na minha força e no meu potencial; és minha primeira referência de feminismo. Ao meu pai, Romildo, sou grata por todas as conversas e desabafos, pela ajuda imensa que me prestou todos esses anos e pela dedicação à nossa família; és minha referência de bondade. Vocês são minhas maiores inspirações. À minha irmã, Natália, agradeço pelas inúmeras conversas, pelos momentos de descontração e, principalmente, por não me desamparar quando precisei de ajuda; minha segunda mãe. Á minha sobrinha, Laura, dedico meu agradecimento por ter me tirado inúmeras risadas com seu jeito alegre e espontâneo. Ao meu companheiro, Vitor, sou imensamente grata por me proporcionar momentos únicos e inesquecíveis, por contagiar-me com a 7
8
alegria que lhe acompanha, por entender minhas dores e angústias e fazer delas, em segundos, um sorriso; à ti, toda a minha admiração. Às minhas amigas Emily, Gabrielly e Lethícia, com as quais compartilhei todos os anos da graduação, sou grata por terem feito este momento um pouco menos árduo, por terem me ajudado e me entendido quando precisei; levo vocês pra vida toda. Ao meu amigo Pedro, com quem também convivi os anos de faculdade, agradeço às conversas e à ajuda, por ter contribuído para a construção da minha visão sobre a arquitetura. Agradeço também à minha professora e orientadora, Korina, que contribuiu grandemente para a minha formação e para o meu desenvolvimento acadêmico; suas aulas deixarão saudades. Ao Estúdio Flume, por ter cedido documentos e informações sobre o um dos objetos de estudo da presente monografia, agradeço pela cordialidade, prestatividade e, acima de tudo, por acreditarem no meu trabalho. À Delegacia de Defesa da Mulher, e em especial, à Dra.. Denise Simonato, por ter contribuído com informações essenciais ao desenvolvimento do trabalho. Isso não teria sido possível sem vocês.
9
10
As mulheres são muito simples. Nunca conheci uma que não entendesse um tapa na boca. – Humphrey Bogart, ator.
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Ele me batia mais ainda, assim no rosto... eu via estrelinhas, faísca mesmo, sumir meus sentidos. – Joana, vítima de agressão.
12
13
resumo
abstract
As discussões acerca da cultura de violência contra a mulher levantam questões que se desdobram desde os princípios socioespaciais e geopolíticos, até os arquitetônicos e urbanísticos. A presente monografia tem o intuito de relatar as razões efetivas dos comportamentos prejudiciais à liberdade da mulher, seus reflexos na sociedade e no meio urbano; e como o projeto arquitetônico de uma casa-abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica, na cidade de Presidente Prudente, pode utilizar desse mecanismo de análise para reproduzir uma arquitetura coerente e sensível. Para isso, é preciso abordar estudos que permeiam da escala macro, urbana até os limites do ambiente doméstico.
Discussions about the culture of violence against women raise questions that range from socio-spatial and geopolitical principles, to architectural and urban planning. This monograph aims to report the effective reasons for behaviors that are harmful to women’s freedom, their reflections on society and the urban environment, and how the architectural project of a shelter for women victims of domestic violence, in the city of Presidente Prudente can use this analysis engine to reproduce a coherent and sensitive architecture. For this, it is necessary to approach studies that permeate from the macro, urban scale to the limits of the domestic environment.
palavras-chave: lar, mulher, abrigo.
key words: home, woman, shelter.
14
ilustrações
FIGURA 24 - implantação
148
FIGURA 25 - planta de demolição e ampliação para estudo de
150
volumes FIGURA 1 - simulação da australopithecus
41
FIGURA 2 - vênus de laussel
44
FIGURA 3 - busto de hatshepsut
48
FIGURA 4 - la sexta angustia de gregório fernandez
49
FIGURA 5 - mulher torturada
55
FIGURA 6 - mulheres na segunda guerra mundial
59
FIGURA 7 - princesa leopoldina de bragança
64
FIGURA 8 - nísia floresta, luiza mahin e teresa de benguela
66
respectivamente
15
FIGURA 9 - sufragistas
68
FIGURA 10 - trabalhadoras na revolução industrial
75
FIGURA 11 - mulher e crianças no exercício do direito à cidade
80
FIGURA 12 - apropriação do meio urbano pela mulher
83
FIGURA 13 - o uso da cidade
87
FIGURA 14 - a família ideal
91
FIGURA 15 - mãe sendo instruída
96
FIGURA 16 - arquitetura totalitarista nazista
101
FIGURA 17 - diagrama da hospitalidade
105
FIGURA 18 - alojamento casa de apoio viva maria
110
FIGURA 19 - imagem ilustrativa de uma vítima
113
FIGURA 20 - evento promovido pelo creas em presidente prudente
121
FIGURA 21 - antecedentes projetuais
137
FIGURA 22 - projeto sede castanhas de caju
143
FIGURA 23 - localização
146
FIGURA 26 - estudo de circulações
152
FIGURA 27 - setorização
154
FIGURA 28 - corte a
156
FIGURA 29 - corte b
156
FIGURA 30 - vista frontal, materialidades e apropriação
158
FIGURA 31 - área de secagem
158
FIGURA 32 - vista frontal, relação dos espaços
159
FIGURA 33 - apropriação
159
FIGURA 34 - uso
162
FIGURA 35 - interior
163
FIGURA 36 - figura e fundo
165
FIGURA 37 - localização
166
FIGURA 38 - implantação e acessos
168
FIGURA 39 - fachada
170
FIGURA 40 - vista interna
170
FIGURA 41 - materialidade
172
FIGURA 42 - cores
172
FIGURA 43 - estrutura e elementos arquitetônicos
173
FIGURA 44 - setorização e circulação
176
FIGURA 45 - aqui e ali
178
FIGURA 46 - análise dos cortes
180
FIGURA 47 - relação dos espaços
182
FIGURA 48 - dormitório no pavimento superior, lado katinsky
182
FIGURA 49 - interior
184
16
17
FIGURA 50 - grape pavilion
185
FIGURA 78 - vista 1 da avenida manoel goulart
231
FIGURA 51 - dhaba
188
FIGURA 79 - vista 2 da avenida manoel goulart
231
FIGURA 52 - implantação
189
FIGURA 80 - mapa de arborização
232
FIGURA 53 - localização
190
FIGURA 81 - vista 1 da arborização na rua casemiro dias
233
FIGURA 54 - setorização
192
FIGURA 82 - vista 2 da arborização na rua reverendo coriolano
233
FIGURA 55 - circulação interna
194
FIGURA 83 - mapeamento de iluminação
234
FIGURA 56 - estudo de ventilação e insolação
196
FIGURA 84 - vista 1 da iluminação na rua casemiro dias
235
FIGURA 57 - diagrama
197
FIGURA 85 - vista 2 da iluminação na rua reverendo coriolano
235
FIGURA 58 - projeto e entorno
200
FIGURA 86 - vista 3 da iluminação na rua sete de setembro
237
FIGURA 59 - abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica
201
FIGURA 87 - mapeamento de pontos de ônibus
238
FIGURA 60 - atentado em Gaza
204
FIGURA 88 - vista 1 do ponto de ônibus na av. manoel goulart
240
FIGURA 61 - localização
205
FIGURA 89 - vista 2 do ponto de ônibus na av. manoel goulart
240
FIGURA 62 - análise macro
208
FIGURA 90 - perspectiva 1
242
FIGURA 63 - estudo preliminar
209
FIGURA 91 - perspectiva 2
242
FIGURA 64 - espaço coletivo
209
FIGURA 92 - topografia cedida pela prefeitura municipal
243
FIGURA 65 - setorização e circulação
212
FIGURA 93 - topografia atual
244
FIGURA 66 - insolação e ventilação
214
FIGURA 94 - cortes topográficos longitudinal e transversal
244
FIGURA 67 - materialidade
215
FIGURA 95 - topografia acesso rua casemiro dias
245
FIGURA 68 - apropriação
218
FIGURA 96 - topografia acesso rua reverendo coriolano
245
FIGURA 69 - terreno selecionado
219
FIGURA 97 - topografia acesso rua sete de setembro
246
FIGURA 70 - situação dos terrenos
222
FIGURA 98 - mapa de acessos e medidas
247
FIGURA 71 - zoneamento
223
FIGURA 99 - medidas atuais
248
FIGURA 72 - terreno no contexto urbano
224
FIGURA 100 - mapa da qualidade das calçadas
250
FIGURA 73 - mapa de figura e fundo
225
FIGURA 101 - atual situação da calçada rua sete de setembro
250
FIGURA 74 - topografia do entorno segundo a prefeitura municipal
226
FIGURA 102 - antiga situação da calçada rua sete de setembro
251
FIGURA 75 - mapeamento da hierarquia viária
227
FIGURA 103 - atual situação da calçada rua casemiro dias
251
FIGURA 76 - mapa de uso e ocupação
229
FIGURA 104 - insolação e ventilação
253
FIGURA 77 - mapeamento gabarito de altura
230
FIGURA 105 - usos atuais
253 18
19
FIGURA 106 - diagrama do conceito
259
FIGURA 107 - estudo 1
263
FIGURA 108 - estudo 2
264
FIGURA 109 - estudo 3
265
FIGURA 110 - estudo 4
266
FIGURA 111 - módulo
273
FIGURA 112 - acesso rua casemiro dias
276
FIGURA 113 - entrada
276
FIGURA 114 - loja
278
FIGURA 115 - sala de psicopedagogia
278
FIGURA 116 - jardim central
282
FIGURA 117 - espaço coletivo
282
FIGURA 118 - materialidade
286
FIGURA 119 - dormitório
286
FIGURA 120 - vista da rua casemiro dias
290
FIGURA 121 - jardim central
290
FIGURA 122 - paisagismo interno
292
FIGURA 123 - administração
300
FIGURA 124 - cozinha e ateliê
300
FIGURA 125 - cozinha
302
FIGURA 126 - recepção
304
FIGURA 127 - corredor de acessos administração
304
FIGURA 128 - copa funcionários
306
FIGURA 129 - ateliê
306
FIGURA 130 - cozinha e sala nutricionista
312
FIGURA 131 - refeitório
312
FIGURA 132 - proposta de layout
318
FIGURA 133 - acessibilidade
318
FIGURA 134 - ilustração do dormitório
332
20
pranchas
21
PRANCHA 1 - setorização
279
PRANCHA 2 - planta de cobertura
283
PRANCHA 3 - planta de paisagismo
287
PRANCHA 4 - planta baixa geral
295
PRANCHA 5 - layout geral
297
PRANCHA 6 - planta baixa administração
307
PRANCHA 7 - layout administração
309
PRANCHA 8 - planta baixa cozinha+ateliê
313
PRANCHA 9 - layout cozinha+ateliê
315
PRANCHA 10 - planta baixa módulo alojamento
319
PRANCHA 11 - layout módulo alojamento
321
PRANCHA 12 - tabela de esquadrias
323
PRANCHA 13 - cortes
327
PRANCHA 14 - vistas
329
22
tabelas TABELA 1 - programa de necessidades e metragem quadrada
23
269
24
siglas BO – Boletim de Ocorrência CEPAL – Comissão Econômica para América Latina e o Caribe CIOP – Consórcio Intermunicipal do Oeste Paulista CRAM – Centro de Referência de Atendimento à Mulher CREAS – Centro de Referência Especializado da Assistência Social COMVIDA – Centro de Convivência de Mulheres Vítimas de Violência Doméstica DDM – Delegacia de Defesa da Mulher DEINTER 8 – Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo Interior FBSP – Fórum Brasileiro de Segurança Pública IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MTP – Ministério Público do Trabalho OSB – Oriented Strand Board PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PNE – Potadores de Necessidades Especiais SINJ-DF – Sistema Integrado de Normas Jurídicas do Distrito Federal
25
26
sumário 1 1.1 1.2 1.3 2 2.1 2.2 2.3 3 4 4.1 4.2 4.3 4.4 5 5.1 5.2 5.3 5.4 5.5 6
27
introdução a mulher na sociedade no meio urbano no lar e no núcleo familiar o abrigo como ato político e produto da resistência e a usuária e sua necessidade normas e diretrizes antecedentes projetuais sede castanhas de caju / estúdio flume duas casas em paraty / julio katinsky e ruy ohtake refúgio e centro comunitário rural / atelier shantanu autade abrigo para vítimas de violência doméstica / amos goldreich + jacobs yaniv archtecture projeto o terreno diretrizes projetuais, conceito e partido massas e volumes programa de necessidades casa uma conclusões referências
30 42 42 76 92 99 102 114 122 132 138 144 164 186 202 220 220 256 262 270 274 334 238
28
introdução A violência doméstica é um tema que vem sendo abordado e analisado por estudiosos e movimentos sociais atuais, um ato que perdura até os dias de hoje com agravantes explicitas no Estado Brasileiro e que merece a devida atenção. O movimento feminista conseguiu pela luta levantar pautas que permitiram a sociedade voltar o olhar para situações que até então eram normalizadas e corriqueiras, tal como a violência doméstica. O
ambiente
domiciliar
forma-se
culturalmente por uma estrutura que provém segurança ao Homem e cumpre a função de abrigo. Ao longo da História, a casa reproduziu as facetas do machismo estrutural e as necessidades isoladas da figura masculina. A mulher passou, então, a ser o “[...] agente transformador do espaço residencial.” (SCHETTINO, 2012, p. 18). A residência é, como objeto arquitetônico e precursor do conceito de abrigo, o principal elemento para o estudo da atividade social das mulheres ao longo da História. Seu programa de necessidades atende as condicionantes moldadas pela usuária, 29
30
de tal forma a compreender a permanência não
das mulheres em âmbito brasileiro, como ponto de
optativa e não remunerada da mulher no ambiente
partida é preciso considerar os dados alarmantes
residencial. A teia que sistematiza as casas, desde a
de violência doméstica contra a mulher, violência
pré-história até a arquitetura Moderna, estrutura-se a
familiar e os caminhos percorridos para que a
partir das vivências experimentadas majoritariamente
sociedade aterrissasse sobre práticas tão imorais e
pela mulher. Essa repressão resultou na reabilitação
degradáveis.
de elementos físicos a fim de privilegiar os interesses
A Delegacia de Defesa da Mulher (DDM)
do homem e limitar cada vez mais a mulher à
(2020 apud. G1, 2020) relatou que o número de
maternidade e aos serviços domésticos.
medidas protetivas da região de Presidente Prudente
Em função disso, o papel da mulher na
chegou a 220 apenas no primeiro semestre de
sociedade e no espaço privado domiciliar faz-se
2020, apresentando um alta de 3% em relação ao
um importante elemento de estudo deste trabalho,
mesmo período do ano de 2019. Os dados são
permeando as análises da estrutura do abrigo, seu
um forte reflexo da atual pandemia provocada pelo
valor simbólico e seu papel como ferramenta social.
novo coronavírus. Com as iniciativas de isolamento
A presente pesquisa permitirá a compreender as
as mulheres passaram a ficar mais tempo em
necessidades de uma mulher que se encontra
casa com os companheiros, e como resultado da
em situação de violência familiar e doméstica, e
convivência quase incessante as relações tornaram-
como a proposta de uma casa abrigo pode sanar
se mais instáveis e conturbadas. De acordo com
as problemáticas de um trauma desta natureza,
o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP,
vinculado com as possibilidades da arquitetura e do
2020) no estado de São Paulo, entre março de 2019
urbanismo.
e março de 2020 houve um aumento de 44,9% nos
Em face a tal situação, o projeto de abrigo surge tanto da necessidade de emancipar a
31
atendimentos de chamadas no 190 de ocorrências classificadas como violência doméstica.
mulher pela sua liberdade, quanto, em termos
Como mecanismo de resposta ao atual
urbanos, das condicionantes e dos indicativos
cenário, o projeto de abrigo para mulheres na cidade
que direcionam a cidade de Presidente Prudente
de Presidente Prudente vem como uma alternativa
à pertinência de um projeto como este. Portanto, a
social, um meio de contribuição e acolhimento
fim de iniciar o processo analítico da atual situação
das vítimas e seus filhos a fim de que consigam 32
33
recomeçar suas vidas. Para isso, a discussão
usuário até no meio urbano – podem incorrer no
teórica acima desses costumes eruditos é relevante
projeto arquitetônico.
para a compreensão do vínculo de pertencimento
Os motivos que levam ao desengajamento
de ambos os sexos com as estruturas residenciais
da reinserção da mulher no mercado de trabalho
e urbanas, e como isso pode ser otimizado com o
por meio de programas públicos também são
equipamento urbano proposto.
problemáticas a serem consideradas. É necessário
Sabe-se que o papel do abrigo vai muito
que o abrigo estimule a prática da autonomia
além de hospedar mulheres refugiadas e direcioná-
financeira dessas mulheres e considere o suporte de
las às ferramentas de denúncia. Sendo assim,
iniciativas públicas e privadas para que a inserção
cabe a presente pesquisa analisar a participação
no mercado de trabalho seja viabilizada.
das políticas públicas no que tange às instruções
No que tange à rotatividade, propõe-
e ao incentivo à denúncia pela vítima e, partindo
se analisar o período mais apropriado para a
para escala da arquitetura, elaborar meios para
permanência dessas mulheres no abrigo e articular
que o processo de acolhimento dessas mulheres
as subdivisões para um melhor fluxo e convivência.
seja restabelecido qualitativamente, considerando
E para tanto, compete à este projeto
a relevância de uma casa abrigo para Presidente
refletir sobre como os problemas que faceiam
Prudente.
a independência da mulher do ponto de vista
O tratamento psicoterapêutico durante o
socioespacial podem ecoar na arquitetura e no
processo de recuperação da vítima também é
uso desse espaço, e assim, debruçar sobre as
uma procedimento comum. A necessidade de
formas de reinventar a compreensão de lar para
introduzir a qualificação das equipes profissionais
essas pessoas, articulando o projeto para ser mais
para que estejam aptas a lidar com as situações
que uma instituição, que construa por si próprio o
vivenciadas pela mulher, para que não torne esse
pertencimento com os usuários.
caminho mais constrangedor e dificultoso, também
A partir desses questionamentos levantados,
está no aporte de alcances objetivados pelo projeto.
o objetivo principal do presente trabalho constitui no
Para que essas questões sejam respondidas, é
desenvolvimento de um projeto arquitetônico de
imprescindível pensar nas armadilhas que uma
uma casa-abrigo para mulheres em situações de
arquitetura insensível – desde o ponto de vista do
risco ou que já passaram pelo trauma da violência 34
doméstica, e junto a isso, explorar as possibilidades
informações renomadas com dados quantitativos
da arquitetura sensível. Aprofundando nas intenções,
pontuais para que se desenvolvam em conjunto -
para que se fizesse concreto, foi escolhido um terreno
segundo a metodologia de Minayo, Assis e Souza
legalmente apto a receber o projeto da casa-abrigo
(2005). A pesquisa resume-se a integrar os fatores
e que está circundado pelas ruas Sete de Setembro,
históricos, sociais, políticos e urbanos da cultura da
Casemiro Dias e Reverendo Coriolano,
próximo
violência e da opressão contra a figura feminina, a
a Avenida Manoel Goulart. Pretende-se também
transição da escala residencial para a escala urbana,
apanhar as possibilidades arquitetônicas para
e as relações limitantes de não pertencimento da
oferecer às vítimas uma estrutura de apoio aonde
mulher com a cidade.
possam encontrar um recomeço, e estabelecer
O projeto teve seu desenvolvimento suprido
diretrizes para a atuação da casa abrigo nesse
por ferramentas metodológicas que sustentem
processo. Desenvolver mecanismos de segurança
o tema abordado e acrescentem posteriormente
para hospedeiras e seus filhos e instigar, por meio
no prosseguimento do projeto arquitetônico. Para
da arquitetura, as relações de pertencimento e
isso serão incorporados materiais teóricos como
subjetividade com o local, aproximando-as do
bibliografias, pesquisas históricas, artigos, leis,
conceito de lar.
dados de pesquisas e índices. As informações
Sendo assim, o escopo da presente monografia
35
teve
como
objetivo
abordar
apresentadas pela organização não-governamental
as
do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP),
particularidades da cultura de violência contra a
pela Delegacia de Defesa da Mulher de Pesidente
mulher com foco nas práticas domiciliares. Por meio
Prudente e pelo Departamento de Polícia Judiciária
da análise de antecedentes projetuais a discussão
de São Paulo Interior (DEINTER) farão grandes
foi estruturada numa perspectiva arquitetônica
contribuições nas discussões acerca do tema.
e urbanística, estabelecendo diretrizes para as
No processo in loco, o levantamento
ações projetuais, levando em consideração as
planialtimétrico foi realizado a fim de que haja
necessidades do público alvo, e mecanismos para
conhecimento das condições do terreno. Também
intervenções posteriores.
foi utilizado para uma avaliação de possibilidades
A análise metodológica compõe uma
e potencialidades da determinada situação, bem
estratégia de pesquisa qualitativa - combinação de
como fora efetuado o levantamento das estruturas e 36
equipamentos urbanos para identificar as instalações,
também torna-se indispensável tratar da escala
comércios, serviços e instituições nas proximidades
residencial e do papel que foi atribuído à figura
e avaliar suas influências sobre o terreno. O estudo
feminina por além da sociedade, mas pelo próprio
físico exigirá também o levantamento fotográfico,
núcleo familiar.
assim, a verificação das condições do terreno e
Seguindo com a linhagem do lar, a função
análises posteriores serão facilitadas pelo aporte
do abrigo é abordada por um ângulo objetivo para
fotográfico.
que seu papel como objeto construído e como
Os meios utilizados foram facilitadores no
um elemento de proteção seja compreendido em
processo teórico e prático, estruturado pela coleta
sua totalidade. Além disso, analisa-se as relações
de informações e antecedentes projetuais, análise
subjetivas e de uso, especialmente pela mulher
de pesquisas e dados paralelos, a abordagem de
como usuária principal. São análises acrescidas
parâmetros arquitetônicos e levantamentos físicos
à um estudo sobre a cultura de uma usuária, que
para a melhor compreensão das condicionantes do
porventura modificou quase que completamente as
terreno.
dinâmicas e metamorfoses do ambiente doméstico. Para um melhor entendimento da escolha do
Para que coincida com as abordagens
tema, surgiu num primeiro momento a necessidade
históricas, o desdobramento político, social e
de um estudo base para correlacionar o projeto
geográfico da presente análise permeia na temática
arquitetônico com as premissas relacionadas à
do espaço arquitetônico a fim de entender a arquitetura
mulher. Serão tratadas as nuances da participação
como componente e elemento determinante, seja
feminina a partir de uma perspectiva social que
ele um atalho para a democratização do ambiente
abrange as inúmeras facetas de sua emancipação
urbano ou um obstáculo na emancipação da mulher.
e a projeção de uma pseudo-liberdade pelo
Em sequência, são coletadas as normativas
patriarcado e o machismo estrutural. O estudo de
que regem os projetos de casas abrigos no intuito
contexto urbano caminha alinhado às análises
de que haja coesão desde os estudos iniciais até o
socioculturais, e por meio deste é que se pode
concebimento do projeto. Assim, o amadurecimento
compreender a dimensão do impacto que as
do processo projetual está em conformidade com
dinâmicas urbanas repercutem no cotidiano da
as possibilidades reais.
mulher. Pela ótica da violência doméstica e familiar, 37
Os
antecedentes
projetuais
farão 38
grande contribuição nos quesitos materialidade,
Os tópicos levantados durante o material
espacialidade, modularidade, contexto e entorno,
teórico são os eixos estruturadores, portanto, os
condicionantes físicas, climáticas e topográficas;
estudos complementares e os dados e informativos
e as relações com os usuários. A Sede Castanhas
foram abordados a fim de consolidar e embasar
de Caju, pelo Estúdio Flume, trata-se de um projeto
simultaneamente as intenções projetuais e as formas
de reforma cuja materialidade foi preservada e
de se pensar um abrigo para mulheres.
respeitada em função das construções preexistentes e da fácil manutenção pela disposição abundante do bloco cerâmico. As Duas Casas em Paraty, obra de Julio Katinsky e Ruy Ohtake, dispõem os ambientes numa setorização originalmente comunitária, o que permite uma análise através das relações de compartilhamento e divisão do ambiente arquitetural. Já o Grape Pavilion, feito pelo Atelier Shantanu Autade, possui um programa de necessidades que dispõe uma setorização muito simples, mas que é capaz de refletir uma dimensão cultural e contextual na composição arquitetônica. Adentrando ao projeto arquitetônico, as investigações quanto ao terreno, ao entorno, aos usos e as proporções volumétricas foram fundamentais no desenvolvimento das intenções projetuais para o concebimento da casa-abrigo. Em uma análise mais profunda, bem como preliminar, as diretrizes projetuais, o conceito e partido, e o programa de necessidades serão os norteadores que delimitarão os estudos iniciais e as primeiras considerações formais do projeto. 39
40
a mulher 1.1 na sociedade Nos tempos mais remotos, a espécie humana passou por jornadas ferrenhas de adaptação ao meio ambiente e às relações interpessoais. Os estudos historiográficos relatam a participação da mulher nos ciclos sociais antes do nomadismo e das práticas agrícolas de maneira muito genérica. Mesmo assim, dentro desse contexto histórico, reafirmar-se enquanto parte de um núcleo sistêmico e social é, desde a pré-história, um fardo concedido à mulher (BEAUVOIR, 2019). O gênero predominante nos estudos biológicos e culturais quando se trata dos tempos pré-históricos é, de fato, o homem. Diniz (2006) explica de maneira mais clara quando cita o caso de Lucy, um exemplar de hominídeo fêmea que pôde ser entendido como um símbolo ilustrativo dessa repressão histórica. Ela complementa A partir dos restos ósseos desta Australopithecus afarensis desenhou-se a imagem de uma fêmea que transporta uma cria e pequenos ramos repletos de bagas, numa atitude de lânguida de quem trás as flores para a mesa do jantar...[...] (DINIZ, 2006, p. 6).
41
FIGURA 1 simulação da australopithecus 21-05-2021 https://m.folha.uol.com.br
Através da análise da matéria, a arqueologia e a 42
antropologia tradicional contribuíram para o designo da mulher à posição de progenitora e serviçal, sem direito a qualquer reivindicação. Segundo Beauvoir (2019), as possibilidades restritas daquele período permitiam a mulher ou ceder às suas condições físicas e biológicas – menstruar, engravidar, e partejar – ou renunciar aos dogmas femininos e unir-se às forças masculinas para
desempenhar
atividades
designadas
exclusivamente para homens. De todo modo, Marquetti (2002-2003) aponta que, o homem precisava da mulher no ambiente doméstico para o equilíbrio das atividades como forma de imposição à funções para além de ser mãe, mas também de prover todo o conforto e estabilidade do lar ao retornar para casa. As práticas de sobrevivência e tarefas ritualísticas foram distribuídas a fim de funcionalizar a logística das atividades, sendo o homem responsável pelo trabalho laborioso e criativo, a parte livre, corajosa e independente; e a mulher, matriz de geração e nutrição, a parte estagnada e temerosa (VALE, 2015). A representação da “Deusa Mãe” afirma com magnitude a condição dada ao corpo feminino à uma simbologia sagrada, como espelho da fertilidade com um poder místico inacessível ao homem. A figura da mulher deusa e mulher mãe 43
FIGURA 2 vênus de laussel 25-04-2021 wordpress.com
44
reforça o estereótipo de escora para a ascensão do homem, quando o único poder quase sobrenatural
Na Babilônia o patriarcado não foi tão
da mulher é vingado debruçando na maternidade
impositivo quanto nas terras árabes. O islamismo
e na reprodução, essencialmente limitada as
pregou firmemente as ideias de superioridade da
ambições de seu parceiro (VALE, 2015).
mulher em relação ao homem, possível de visualizar
A Antiguidade Oriental embarcou o destino
nos trechos do Alcorão (1988, p. 78 apud Beauvoir,
da mulher nas intenções e anseios de todos,
2019, p. 119-120) quando ela cita um fragmento onde
inclusive desconhecidos, menos de si mesma. Lion
diz que “Os homens são superiores às mulheres por
e Michel (2004-2005, p. 5) relatam os acordos de
causa das qualidades que Deus lhes deu e também
casamento dos períodos mesopotâmicos:
porque dão dotes a elas”.
A família da jovem lhe concede seu dote [...]. Em teoria, este dote é propriedade da mulher, destinado a ser transmitido posteriormente aos seus filhos. O homem, por seu lado, entrega à família da esposa um contradom [...] de um montante total inferior ao do dote e entregue antes deste. Não se trata absolutamente de um preço de compra da esposa, pois o preço de uma escrava é freqüentemente superior a ele.
O homem, entendendo a mulher como sua propriedade - principalmente pela troca de bens entre famílias - punia com a morte o outro homem que porventura se relacionasse com sua esposa. De forma alguma a mulher possuía atividade em suas relações. Também estava suscetível a um casamento arranjado por um membro não familiar, e poderia fazê-lo desde que tivesse posse para tal. As prostitutas e, obviamente, as escravas, não poderia usufruir dos direitos cedidos a mulher “livre”, e caso infringissem as regras estariam sujeitas a punições 45
severas e violentas (LION; MICHEL, 2004-2005).
No Egito as condições das mulheres foram, durante a Antiguidade, as mais favorecedoras. A mulher passa a ter o papel de aliada ao seu esposo, tem os mesmos direitos e podem usurpar da mesma liberdade. Mas essa exceção na História não era aleatória: o solo do Antigo Egito era posse do rei e das camadas abastadas, a propriedade territorial se fazia apenas de moradia ou comércio e não era tida como mercadoria; as heranças não eram tidas como grandes conquistas pois tinham pouco valor. Dessa forma, sem a popularização da propriedade privada e o casamento desprendido de
interesses monetários, a mulher era livre
do domínio do homem (BEAUVOIR, 2019).
Um
exemplo de empoderamento da mulher no Antigo Egito foi Hatshepsut. Filha do rei Tutemés I, casou com seu meio-irmão, Tutemés II, por ordem de seu pai. Após a morte de Tutemés I, seu filho tomou 46
posse de seus poderes e governou três anos, quando veio a falecer. Seu sucessor era Tutemés III, mas não tinha condições etárias para comandar as forças do Egito. Foi quando Hatshepsut encontrou a oportunidade de reger as terras deixadas pelo esposo. Teve sua coroação e foi aceita pelo povo e pelas forças religiosas como faraó legítima (ROERIGH, DREYFUS; KELLER, 2005). O mais curioso do reinado de Hatshepsut foi a construção facial de sua representação para as gravuras. A masculinização de seu rosto e seu corpo foi necessária para lhe conferir a mesma dignidade à mulher que um homem teria. Alguns historiadores entendem a trajetória da faraó como ação redutível a ambição. Tão excepcional e polêmico fora seu histórico de reinado que seu sobrinho Tomesés III, após a tomada do poder, tentou apagar tudo que fora construído em nome de Hatshepsut (ROERIGH, DREYFUS; KELLER, 2005). Mais tarde, a Antiguidade concebeu a evolução do homem enquanto ser crítico e revolucionário. Os pensadores gregos da época propagavam os ideais democráticos e a força do diálogo dentro da esfera da liberdade (FRANKLIN, 2016). A redoma que envolvia as mulheres não passava do oikos - o espaço privado funcional que ascendia o homem como patriarca - e sua participação nas relações sociais era inexistente
FIGURA 3 busto de hatshepsut 25-03-2021 metmuseum.orgv
48
(CAMPOS, 2015). A permanência da mulher nos limites do território doméstico começou a esbarrar com alguns interesses masculinos. Em Assembleia das Mulheres, peça teatral de Aristófanes, as personagens principais são mulheres que porventura se envolvem com questões políticas, e que de forma emblemática fazem o papel do homem na sociedade grega numa narrativa de comicidade. A peça, na verdade, não se tratava exclusivamente de conceder o espaço às mulheres pelo voto ou por decisões coletivas dentro da sociedade, mas de dar migalhas de liberdade para que, fora do lar, pudesse permitir aos homens adultério (FRANKLIN, 2016). Um tanto quanto contraditório, o incentivo subliminar ao adultério ia de encontro com os costumes monogâmicos dos gregos. Entretanto, a comunidade de Esparta era uma das poucas que permitiam à mulher um tratamento quase igualitário ao do homem, com poucos direitos outorgados e o acesso raro ao divórcio (BEAUVOIR, 2019). Beauvoir (2019) lembra a importância de salientar que após a popularização da aquisição de propriedades privadas, as relações entre homem e mulher se tornaram ainda mais conturbadas. Os bens conquistados pelo homem alienaram sua FIGURA 4 la sexta angustia de gregório fernandez 19-05-2021 https://br.pinterest.com 49
própria existência na propriedade, um apego que vai além de si, transcende a sua temporalidade 50
na superfície terrena. Através dela, o pai deixa sua
de ter qualquer contato civil. A autora (2019, p. 132)
herança com seu primogênito, mas nunca com sua
diz que “É no momento em que a mulher se acha
esposa ou filha, pois elas são entendidas como
mais emancipada, praticamente, que se proclama a
seres incapazes, distante de qualquer possibilidade
inferioridade de seu sexo”.
de administrar ou zelar por seus pertences; caso
Não obstante, o cristianismo vigorou para
seu progenitor falecesse, a mulher não poderia
abolir quaisquer resquícios que a luta das mulheres
permanecer com as riquezas do pai e deveria casar-
por um espaço na sociedade tenha deixado. A ela
se com o parente paterno mais velho.
enquadrou o papel de mãe ou prostituta, tirando
Beauvoir (2019, p. 124-125) ainda afirma
as antigas referências de poder místico que a
que “[...] a epiclera não era herdeira, e sim uma
pré-história e os povos eruditos lhe significaram,
máquina de procriar herdeiros [...]” e, portanto,
condicionando-a
“Se
escritura bíblica e à perfeição intocável de Virgem
a
sociedade,
negando
a
propriedade
privada, recusa a família, o destino da mulher é
aos
exemplos
da
Maria (CAMARA et al., 2014).
consideravelmente melhor.”
51
somente
A misoginia da Bíblia percorre todos os
Acompanhando a base teórica de Mongelós
testemunhos deixadas pelos discípulos, começando
et al. (2011) no contexto histórico espacial romano, a
por Gênesis 3:1-19 (A BÍBLIA, 1998) ao tratar a
figura feminina era pouco mais emancipada do que
mulher, no capítulo intitulado ‘A culpa original’,
a grega. Poderia governar seus serviçais e escravos,
como causadora de todos os males e impurezas
sair de casa, ir aos espaços públicos e usufruir dos
do mundo. Seguindo adiante em Efésios 5:22-33
equipamentos urbanos igualitariamente. Conciliando
(A BÍBLIA, 1998) a submissão e respeito da mulher
com este pensamento, Beauvoir (2019, p.130) afirma
ao marido é indispensável para atingir uma suposta
que “Legalmente mais escravizada do que a grega, a
santidade e pureza, quando a desproporcional
romana está muito mais profundamente integrada na
obrigação do marido é limitada a subjetividade de
sociedade [...]”. A mulher romana conquistou direitos
amá-la.
que ampliaram sua participação na sociedade.
Após a consolidação do cristianismo, o
Vendo a liberdade concedida à mulher como uma
período da Idade Média passou a propagar os
ameaça, os romanos implementaram a lei Ópia,
costumes tradicionais empregados pela igreja. A
que as proibia do luxo, e mais tarde, a impediu-a
monogamia, a negação do adultério e o casamento 52
eram particularidades firmemente respeitadas. A
discursos de ódio transbordavam pelos pensamentos
mulher ainda era uma mercadoria comprada pelo
da época. Essas atrocidades aconteciam em nome
marido, mas fazia-se proprietária da renda dele.
da fé e dos princípios patriarcais a fim de “demonizar”
Dividia as nuances de ser escravizada e respeitada
mulheres que tinham padrões de comportamento
(BEAUVOIR, 2019).
similares aos dos homens e que gozavam da
De acordo com Sousa (2003-2004) a mulher passou a acessar cargos importantes e de confiança
53
liberdade que não tinham (SANTOS; GONÇALVES, 2013).
dentro da Igreja e nas relações empresariais. A
Santos e Gonçalves (2013) trazem O Martelo
possibilidade de alcançar seu espaço no contexto
das Feiticeiras de Sprenger Kramer como um grande
da Idade Média aconteceu de fato através do
exemplo da perversidade do homem durante a
catolicismo, quando os teólogos João Duns Escoto,
caça às bruxas. O livro se refere a mulher livre como
Alberto Magno e Tomás de Aquino incentivaram a
uma bruxa que desfruta de poderes satânicos e
validação da mulher como um ser humano através
maléficos, e que portanto é passível de tortura e
da justificativa de que a Virgem Maria era a segunda
morte. A tremenda misoginia de Kramer se embasa,
Eva, portanto, um modelo feminino a ser seguido
principalmente, em conceitos bíblicos e religiosos
O sistema feudal teve grande influência nas
que privam a mulher de qualquer manifestação que
dinâmicas de liberdade da mulher. Nesse regime,
a iguala ao homem, tratando-a como um ser - ou
a conquista das terras advinha em troca da força
coisa - submisso, fraco, impotente e influenciável.
militar, o que dificultava, senão, impedia, a mulher
O século XVIII deu origem a uma grande
de ter a posse de propriedades privadas por sua
discussão que abraçou todos os campos estruturais
limitação física em relação ao homem. Ela consegue
- social, econômico, religioso, político, científico
o acesso as terras somente como bem através da
e filosófico - o Iluminismo. Após a era sombria da
herança dos pais, e a partir de então a mulher passa
Idade Média, o Iluminismo surgiu num discurso de
a se equivaler ao homem em relações monetárias e
iluminação e progresso de ideias ultrapassadas.
patrimoniais (BEAUVOIR, 2019).
A sociedade passou então a discutir efetivamente
O fim da Idade Média e início do período
sobre a integração da mulher nas pautas sociais,
Moderno foi um tanto quanto conturbado para as
econômicas, políticas, entre outras. Ainda que as
figuras femininas. As intermináveis perseguições e
discussões fossem um grande avanço, a pessoa 54
FIGURA 5 mulher torturada 08-04-2021 canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br
55
56
mulher ainda estava dentro dos arqueótipos
Entretanto, a troca de sua serventia e submissão foi
conservadores do século passado (GOMES, 2011).
do plano sexual para o econômico.
Gomes (2011) confirma que nas condições
Durante a Revolução Industrial aconteceram
daquela época e dos pensamentos predominantes,
conquistas pontuais em prol dos direitos das
as mulheres que realmente se favoreciam - se é
mulheres. Alguns movimentos feministas na França
que pode-se chamar de favorecimento - eram as
desdobraram-se em direitos básicos e foram
de classe média e alta que obtiveram acesso à
sustentados pelo interesse feminino, como por
educação e a cultura, enquanto as mais pobres
exemplo a “Declaração dos Direitos da Mulher”,
estavam muito mais vulneráveis ao patriarcado, com
uma proposta de Olympe de Gouges para igualar
quase nenhum acesso ao ensino. Telles (1993 apud
os direitos da mulher aos do homem. A burocracia
FARIAS MONTEIRO; GRUBBA, 2017) complementa
da sucessão também deixa de privilegiar o homem
o raciocínio afirmando que direito à educação para
como herdeiro e passa a considerar a mulher como
mulheres foi conquistado no ano de 1827; mas na
herdeira legítima. A lei de divórcio é conquistada
prática não se fazia acessível e equitativa.
no século XVIII. A possibilidade da mulher ser
Alinhado com L. Chagas e A. T. Chagas
livre e independente do matrimônio fez com que
(2017), tempos depois, a Revolução Industrial foi
no século seguinte a lei fosse dificultada e em
capaz de reverter muito da situação das mulheres
sequência, abolida. A sociedade masculina da
no mundo. A disseminação do sistema capitalista
época entendia a mulher como ser útil apenas no
e o crescimento desenfreado na produção de
ambiente doméstico, distanciando-a de qualquer
industrializados fez com que mulheres e crianças
possibilidade de envolvimento político (BEAUVOIR,
de camadas menos favorecidas também fossem
2019).
convocadas para trabalhar.
57
Tempos depois, a sociedade se deparou
Para Beauvoir (2019), a emancipação
com o caos da Primeira e Segunda Guerra Mundial.
foi, nesse momento, outorgada para mulheres
A mobilização partiu, claramente, do recrutamento
trabalhadoras não burguesas. Ela passou a ser
de homens, mas que posteriormente implicou na
equiparada ao homem, tinha o direito de possuir
participação das mulheres. Até certo ponto a mulher
bens, adentrou em pequenos negócios, e sua
ainda era confinada no lar desempenhando as
participação
atividades domésticas e maternais. A guerra pôde
foi
gradativamente
acontecendo.
58
dissolver um pouco dessas relações. Entretanto, as designações das mulheres nos frontes de batalhas eram nada mais que um prolongamento de seu papel já existente nos limites do lar, atuando como socorristas, enfermeiras e assistentes sociais, funções que são essencialmente de cuidado (NEVES, 2015). Jesus e Almeida (2016, p. 4) explicam a mudança das relações da mulher dentro do contexto da guerra: É corrente a ideia de que as Grandes Guerras alteraram as relações entre os sexos e que muito contribuiu para a emancipação das mulheres. [...] A guerra destrói, por necessidade, as barreiras que opunham trabalhos masculinos e trabalhos femininos e que vedavam às mulheres numerosas profissões superiores
Pode-se dizer que as Grandes Guerras contribuíram
de
forma
significativa
para
a
emancipação das mulheres, entretanto, os velhos costumes e a cultura da opressão confinaram novamente a mulher ao lar. Tão intenso fora essa desmobilização que uma grande movimentação publicitária foi feita a fim de reafirmar o papel “natural” das mulheres. Com o retorno dos homens à casa, o pós-guerra cessou novamente com o engajamento da figura feminina em atividades extra domiciliares, FIGURA 6 mulheres na segunda guerra mundial 29-05-2021 newstatesman.com 59
pois os homens retomaram seus empregos e a mulher já não se fazia mais necessária (JESUS; 60
ALMEIDA, 2016).
61
definitivo de revolta para o início da luta pelo voto.
No final do século XIX e início do século XX a
Marques e Xavier (2018) afirmam que a
primeira onda do feminismo se estabelecia nos países
segunda onda do movimento feminista, veiculada no
industrialmente mais desenvolvidos. A dinâmica de
pós-guerra, foi embasada pelos questionamentos
envolvimento das mulheres no mercado de trabalho
acerca das relações de gênero e da reflexão do
foi, sobretudo, uma conquista das discussões
papel das mulheres dentro do círculo social. As
que o feminismo já estava propondo, inclusive no
discussões afunilaram para dois temas em comum:
período entreguerras. A França e os Estados Unidos
a violência social e a violência doméstica. Com
receberam com impacto o movimento, que provocou
isso, as feministas exigiam a participação e o
uma desestabilização nos costumes e nas morais
posicionamento do poder público diante as vítimas,
conservadoras. O movimento feminista origina-se,
com responsabilidade de fornecê-las uma solução
então, da análise do patriarcado compreendendo-o
cabível.
como fonte dos hábitos arcaicos de submissão
No início dos anos 50 o livro de Simone
das mulheres, e do levantamento de pautas que
de Beauvoir - já muito citado neste trabalho - pode
até então eram indiscutíveis e censuradas (JESUS;
contribuir grandemente para a propagação das
ALMEIDA, 2016).
ideias e a teoria do feminismo (SCOTT, 1989 apud
De acordo com Farias Monteiro e Grubba
MARQUES; XAVIER, 2018). Ativistas como Betty
(2017), a primeira onda do feminismo teve como
Friedan e Kate Millet publicaram trabalhos que fazem
principal evento a reivindicação das sufragistas
a análise do lugar da mulher e das perspectivas
pelo direto civil e político ao voto. As greves e
sociais e públicas em relação a figura feminina
manifestações sucederam em resposta severas. No
(ALVES et al, 1981 apud MARQUES; XAVIER, 2018).
ano de 1913, a feminista Emily Davison jogou-se em
Ainda com Marques e Xavier (2018), os
frente à um cavalo na corrida de cavalos esportiva
autores relatam que a terceira onda do feminismo
da Derby e veio a falecer (PINTO, 2010 apud
aconteceu após a década de 90, quando as
FARIAS MONTEIRO; GRUBBA 2017); seu suicídio
próprias participantes começaram a indagar os
está muito atrelado a pressão da sociedade diante
questionamentos abordados pelo movimento, para
das iniciativas das mulheres que se arriscavam a
quem ele estava sendo efetivo, e a influenciada
abordar as pautas feministas. O evento foi o marco
organização das famílias a partir do modelo ideal. O 62
olhar para dentro do grupo pôde afirmar que naquele momento o feminismo se fortificou de tal forma que passou a cuidar também dos próprios passos. Viuse, portanto, que muito do discurso do movimento era modulado para mulheres brancas de classe média, e então o feminismo negro surgiu na tentativa de disseminar ideias além do estereótipo tradicional; outros como o feminismo lésbico, interseccional e o transfeminismo também emergiram nas pautas relativas para representar as diversas especificidades de cada mulher. Outras vertentes como o feminismo liberal e o marxista originaram-se a partir de princípios políticos e iniciativas grupais. . No
Brasil,
.
.
retrocedendo
ao
período
Imperial, uma figura de exímia importância nas movimentações políticas foi a Princesa Leopoldina. No século XIX, as mulheres ainda eram muito restritas ao bom comportamento e a submissão ao marido e a Igreja. Entretanto, Leopoldina recebeu uma rigorosa educação matemática e política, o que a permitiu, após a união com Dom Pedro I, participar e opinar em questões administrativas e políticas do nosso país. Leopoldina foi nomeada por seu esposo à Chefe de Conselho de Estado e Regente Interina do Brasil Colônia, e, após pressões de Portugal à 63
FIGURA 7 princesa leopoldina de bragança 17-05-2021 https://upload.wikimedia.org
64
volta do casal, a Imperatriz selou a Independência do Brasil - ato feito na ausência de Dom Pedro I (CONCEIÇÃO, 2013). O período da Escravidão também foi um momento de manifestações feministas. O processo de abolição foi embasado por muitas vozes femininas que deram suporte ao fim da Escravatura. Nomes como Nísia Floresta Brasileira Augusta (HAHNER, 1981 apud NASCIMENTO et al. 2018), Luiza Mahin e Teresa de Benguela são desmemoriados da história, mas tiveram um papel revolucionário em rebeliões e disseminação da abolição (SCHUMAHER E BRAZIL, 2000;2007 apud NASCIMENTO et al. 2018). De acordo com Mattos (2006), a Princesa Isabel tomou posse do trono ainda muito nova, mas isso não foi o maior problema visto que se tratava de uma mulher no poder. À ela foi exigido “uma sólida formação educacional, moral e religiosa” (MATTOS, 2006, p. 22) para que pudesse ser digna de sua colocação e obter reconhecimento da elite. As articulações dessas mulheres resultaram em eventos de tamanha relevância. O risco acerca do julgamento e até mesmo da punição era certeiro, mas, alinhadas com princípios sociais e públicos, desencadearam eventos imprescindíveis para o desenvolvimento do país. Segundo Maciel (2019), a educação para mulheres no Brasil Colônia foi meramente uma 65
FIGURA 8 nísia floresta, lauiza mahin e tereza de benguela respectivamente (modificado pela autora) 19-05-2021 vermelho.org.br ; gazetaarcadas.com ; brasildefatomg.com.br
66
conquista teórica, bem como, tardia. Na primeira metade do século XIX, os interesses masculinos pelo acesso da mulher ao estudo e conhecimento era a fim de auxiliá-los nos projetos políticos para o país; distante de ser qualquer movimento de equiparação e igualdade ao homem, o oportunismo para usar a figura feminina era estritamente articulações de conveniência. O movimento feminista propriamente dito teve seu surgimento em território brasileiro também no século XX com as manifestações das sufragistas, protesto este essencial para o firmamento do feminismo em território nacional. Nesse momento, a constituição brasileira previa o impedimento das mulheres ao exercício do voto, bem como menores de 21 anos, analfabetos, soldados e pessoas abaixo da linha da pobreza, considerados incapazes de tomarem decisões civis (MARQUES; XAVIER, 2018). A bióloga Bertha Maria Júlia Lutz foi uma das responsáveis por disseminar o feminismo no Brasil e concretizou movimentos e ações mobilizadoras em prol dos direitos políticos e civis da mulher brasileira; uma figura que viabilizou pela luta o direito da mulher ao voto (BRASIL, 2014 apud FARIAS MONTEIRO; GRUBBA, 2017). Após muitas reivindicações, tanto por exploração de trabalho quanto pela negligência da sociedade em face aos imbróglios enfrentados 67
FIGURA 9 sufragistas 17-05-2021 www12.senado.leg.br 68
pela mulher, em 1932 foi concedido pelo governo
mulheres brancas. Cerca de 23,8% das mulheres
de Getúlio Vargas o voto feminino à um grupo
brancas tinham acesso à educação do ensino
específico; no mesmo período a população passou
superior enquanto as mulheres pretas estavam
a ter acesso ao salário mínimo, oito horas de jornada
abaixo dos 10%. Há também uma diferença gritante
de trabalho e a licença maternidade (MARQUES;
na remuneração salarial dos gêneros. Em 2012, a
XAVIER, 2018).
média do salário das mulheres era de R$ 824,00
Segundo Silveira (2006), as eleições de
enquanto os homens ganhavam quase o dobro,
1982 incentivaram um grupo de feministas aliadas
com R$ 1.430,00. A Comissão Econômica para a
ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro
América Latina e o Caribe (CEPAL) (2017) apresenta
(PMDB) a requerer pela estruturação do Conselho
que no ano de 2017 as mulheres ganhavam 16,8/
Estadual da Condição Feminina. Mais tarde, em
hora semanal em trabalhos remunerados e os
1986, foi inaugurada a primeira Delegacia de Defesa
homens lucravam em torno de 28,6/horas semanais
da Mulher, e em cada passo o incentivo a meios de
Contudo, não se trata somente de questões salariais,
proteção à mulher eram mais recorrentes.
a mulher é exposta a situações constrangedoras e
Da metade do século XX até os dias de hoje,
opressivas, tanto no ambiente de trabalho quanto
percebeu-se uma melhora gradativa nas políticas
em casa, que os homens não foram historicamente
de inserção da mulher nos atos de interesse social.
submetidos.
Miguel (2014) afirma que Em 2001, 12,1% das mulheres tinham mais de dez anos de estudo, em comparação a 9,7% dos homens; em 2008 esses números chegavam a 17,3% no caso das mulheres e a 14,3% no dos homens. Ou seja, a vantagem em favor das mulheres continuou se ampliando. Entre as matrículas no ensino superior, em 2009, quase 60% eram de pessoas do sexo feminino.
Miguel (2014) ainda mostra que a interação da mulher na escolaridade foi paulatina, mas de fato aconteceu. Entretanto, as mulheres negras não iniciavam do mesmo ponto de partida das 69
A violência cotra a mulher foi e continua sendo uma prática bastante comum, embora repudiável. Milhares de mulheres morrem todos os anos com propósitos de ódio por questões de gênero. O feminicídio, de acordo com Brito Filho (2017, p. 191) [...] pode ser definido como um crime de ódio contra as mulheres, caracterizado por circunstâncias específicas em que o pertencimento da mulher ao sexo feminino é central na prática do delito. [...] Os crimes que caracterizam o feminicídio reportam, no campo simbólico, à destruição da identidade da vítima e de sua condição de mulher. 70
Dados do Mapa da Violência (2015) mostram que de 1980 à 2013 houve um salto de
983 vítimas, e em terceiro Honduras, com 299. Recentemente,
um
acontecimento
de
1.353 para 4.762 mulheres mortas por homicídio,
escala global pôde demarcar na história da
um aumento de 252%, um número assustador que
humanidade uma grande lacuna, e não somente
cresceu gradativamente ao longo dos anos. Em
defasar a sociedade humana como promover a
2006 foi sancionada a Lei 11.340, conhecida como
sucessão da violência de gênero. No final de 2019
Lei Maria da Penha, que possibilitou uma certa
o novo coronavírus surgiu na cidade de Wuhan, na
estagnação da taxa de mortes por ano. De acordo
China, adquirido pelos humanos no consumo de
com Yamamoto et al. (2017) a lei ganhou esse
frutos do mar e animais exóticos (WU et al., 2020
nome pelo caso da própria Maria da Penha que
apud GRÄF, 2020). O vírus chegou em território
após ser alvo de duas tentativas de homicídio pelo
brasileiro no mês de fevereiro de 2020 propagando-
cônjuge ficou paraplégica e foi severamente lesada.
se rapidamente. A disseminação da doença motivou
Para tanto, a lei assegura a mulher contra crimes
os governantes - ou alguns deles - tomarem medidas
de violência física, moral, sexual, emocional ou
importantes para que a população não continuasse
psicológica e patrimonial; dentro dessas categorias,
se contaminando (MARQUES; SILVEIRA; PIMENTA,
todas as situações que coloquem a mulher numa
2020). Uma das medidas foi o isolamento social, e
situação de risco são previstas na lei.
inevitavelmente as mulheres passaram a conviver
No Brasil, cerca de 80% dos casos de agressão contra mulheres foram cometidos por parceiros ou ex-parceiros. 56% de brasileiras e brasileiros conhecem um homem que já agrediu uma parceira e 54% conhecem ao menos uma mulher que sofreu algum tipo de agressão do parceiro (YAMAMOTO et al., 2017).
mais tempo com seus maridos em casa. Num país como o Brasil, onde a taxa de feminicídio é avassaladora e o patriarcado ainda muito forte no núcleo familiar, o isolamento resultou no aumento de casos de violência doméstica. Uma pesquisa feita pelo Núcleo de Gênero
71
Os indicadores do CEPAL (2019) mostram
e pelo Centro de Apoio Operacional Criminal (2020)
que a cada 100.000 mulheres o Brasil, dentre os
em São Paulo relata que o aumento de medida
países da América Latina, Caribe e a Espanha, é o
protetiva de urgência foi de 29,2% de fevereiro de
que mais mata pelo crime de ódio, com 1.941 vítimas
2020 para março de 2020. E no mesmo período, o
mortas no ano de 2019, seguido pelo México, com
auto de prisão em flagrante aumentou para 51,4%. 72
Um diferencial enorme em relação ao mesmo período de 2019 com, respectivamente, um aumento de 23,5% e uma queda em 10%. É importante ressaltar que a violência doméstica transcende as estatísticas quando se trata de mulheres negras. As notificações oficiais da Polícia Militar de Minas Gerais mostra que 61% das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar se declaram negras ou pardas (MENDONÇA; CRUZ, 2020). A partir das óticas analíticas e estatísticas, é cabível colocar que em inúmeros momentos da História a mulher tentou de diversas maneiras - tanto pelo acesso ao divórcio, quanto por direitos básicos, e o poder legítimo de posse de seus próprios bens - sair da prisão do patriarcado; entende-se, portanto, que o abrigo, como difusor do caráter privado, foi e ainda é o elemento que representa o aprisionamento da mulher e seu afastamento das práticas sociais; e assim, sempre que a sociedade masculina se deparou com quaisquer possibilidade da emancipação da mulher, era indispensável reforçar a importância e necessidade da permanência da mulher no lar, de maneira muito ríspida e agressiva, para confirmar seu lugar como serviçal e provedora.
73
74
a mulher 1.2 no meio urbano Como já visto, a mulher nem sempre teve as (poucas) virtudes de apropriação e direito pelo espaço urbano como tem nos dias de hoje. Com a Revolução Industrial, as propriedades rurais se esvaziaram com demasiada rapidez para uma superlotação gradativa das cidades; foi então que o ser humano teve um dos primeiros contatos com o cotidiano moderno. A urbanização das cidades resultou no favoritismo de uso, cujo apenas o homem estaria moralmente apto a usufruir dos recursos urbanos, mesmo num contexto onde o fluxo de trabalho das mulheres era muito mais intenso que o deles, incluindo tarefas domiciliares e não remuneradas (CHAGAS L.; CHAGAS A. T., 2017). É possível compreender que a trajetória histórica da mulher na sociedade é um nítido reflexo da desigualdade de gênero e de imposições socioculturais. As noções que predeterminam a mulher à função materna e provedora do lar ainda são formas de controle e manipulação de sua FIGURA 10 trabalhadoras na revolução industrial 17-04-2021 https://medium.com 75
participação no núcleo urbano. O confinamento é um claro resultado 76
dessas práticas. A dominação do homem viabilizou,
de “homem” e “mulher” transcendem as limitantes
a partir das consequências histórico-culturais,
naturais e biológicas. São produtos de culturas
sua independência vitalícia. O homem instituiu o
e hábitos estruturais que, embora justifique o
“público” como parte de si mesmo, fazendo do
entrelaçamento do papel social do indivíduo com
ambiente urbano um espaço seletivo e inacessível;
o gênero, a sua construção está pré determinada
portanto, utilizar o espaço público, nos períodos
pela trama histórica (RIVERA GARRETA, 2003 apud
mais recentes, era uma prática inatingível visto que a
MONTANER; MUXÍ, 2017). Sendo assim a cidade é
mulher não era digna de manifestar-se publicamente
um espaço produzido historicamente por homens e
(BEAUVOIR, 2019).
para homens. O ambiente público é uma regalia do
A partir disso, entende-se que a trama
homem para ele mesmo, e o ambiente privado, ou
urbana é composta por inúmeras causas e
mais precisamente, doméstico, uma imposição da
consequências do percurso do ser humano. As
sociedade às mulheres (RODRIGUES, 2017).
complexidades das cidades vão além de questões
77
É sabido que a participação da mulher
físicas; é necessário compreender o espaço público
na
historiografia
e
na
produção
científico-
como uma composição viva, ininterrupta e subjetiva
acadêmica é quase inexistente, alguns relatos
(MONTEZUMA; DE BRITTO LEITE, 2021).
podem afirmar a interação dela com os eventos
A ideia de espaço público e o exercício da
históricos, mas dificilmente a colocam como parte
cidadania é uma realidade antiga. Segundo Coiro-
ativa. Essa invisibilidade incentivou as mulheres
Moraes e Farias (2017) na Antiguidade, os homens
nos anos 60 a criticar a arbitrariedade dessas
gregos reuniam-se num ambiente comum para
perspectivas analíticas (RAGO, 1998 apud SOUZA;
discutir questões pertinentes ao coletivo. Habermas
SARDENBERG, 2013).
(1990 apud FILHO, 2004) acredita que o espaço
A partir desse momento, o pensamento
público é o lugar onde as discussões de interesse
feminista começou a questionar as nuances
coletivo são consolidadas pelos cidadãos de forma
da inserção da mulher nas dinâmicas urbanas
democrática a fim de um consenso geral, a formação
(SOUZA;SARDENBERG, 2013). Isso permitiu uma
da opinião pública; entretanto, a composição desse
série de discussões a fim de entender os imbróglios
núcleo público eram apenas de interesse masculino.
e obstáculos na jornada emancipatória da mulher.
Numa compreensão social, os conceitos
Dentre os temas, uma análise mais profunda sobre 78
o sistema capitalista fora esclarecedor quanto a relação cidade-mulher. Segundo Antunes (2020) a cidade moderna corresponde
majoritariamente
aos
interesses
masculinos, que por sua vez favorece aos interesses capitalistas e produtivistas. A cidade pensada para cidadãs considera fatores de proteção, de sentimentalismo, de pertencimento e ocupação. Mulheres que vivem a cidade “masculina” estão sujeitas aos perigos e às inacessibilidades geradas por mal planejamento. Concomitantemente, essa globalização das cidades e a prevalência dos interesses do homem retrata na própria forma dos objetos arquitetônicos urbanos simbologias e elementos que referenciam a supremacia masculina. A geometria encontrada nessas construções se destacam pela imponência e pelo totalitarismo de sua presença, e voltados para si, elas concretizam alusões ao que remete poder corporativo e econômico. De fato, o capitalismo é um dos principais reagentes dos problemas urbanos e democráticos, principalmente pela disseminação da especulação imobiliária e da gentrificação (DOMINGUES, 2016). O espaço urbano, quando gerido pelo capitalismo é repleto de lacunas e fragilidades que atingem somente aquelas que não o pertence, as mulheres. Uma cidade planejada em função de 79
FIGURA 11 mulher e crianças no exercício do direito à cidade 27-04-2021 https://medium.com
um sistema neoliberal capitalista prioriza fatores
por mulheres. Mesmo assim, a autora Grazielle
mobiliários e econômicos, como por exemplo, a
Albuquerque (2017, p. 99) explana:
construção excessiva de edifícios e condomínios
Por mais instigantes que sejam os números da presença feminina nessas transações imobiliárias, se aprofundarmos uma análise crítica da questão, o que se destaca é o mecanismo, a estratégia de fazer sem dizer, um drible à impossibilidade de se construir um papel de autonomia diante da cidade e da lei.
fechados em prol de um retorno financeiro seletivo. Esses elementos fazem parte da cidade e nada complementam na dinâmica urbana, são barreiras físicas e sociais. Com isso, o sentido de pertencimento
81
se limita apenas ao homem, pois a segurança, em
Para o melhor entendimento sobre a
termos filosóficos, é ele próprio. A mulher é incapaz
segurança nos ambientes públicos, Jane Jacobs
de desfrutar das virtudes da segurança, ela é
(2014) teoriza uma situação bastante comum: ela
apenas um objeto das imprevisibilidades da cidade,
acredita que os altos índices de criminalidade de
do homem e da sociedade (JACOBS, 2014).
uma cidade não diminuem necessariamente caso
Quando a mulher passa a usufruir da
houver uma redução do adensamento dos espaços,
cidade como indivíduo ativo, as adversidades são
mas podem diminuir significativamente caso haja
faceadas de uma forma completamente diferente. A
uma distribuição de usos diversificada nas ruas,
segurança é a principal delas. As vulnerabilidades
pois “[...] uma rua movimentada consegue garantir a
pelas quais ela está sujeita - estupro, feminicídio,
segurança; uma rua deserta, não.” (JACOBS, 2014,
assédio, objetificação, subordinação, entre outros
p. 33).
- moldam as relações de pertencimento com os
Ainda com Jacobs (2014), a autora explana
lugares públicos fazendo-a estar constantemente
o conceito d’os olhos da rua. Essa definição é uma
desprotegida em cidades que não a consideram
dinâmica urbana e um meio de proteção bastante
participante (RODRIGUES, 2017).
efetivo dentro de uma comunidade. Quando as
Ainda que restrita por lei, a interação das
relações de pertencimento são estabelecidas
mulheres nos negócios foi um grande destaque
pelos moradores no espaço em que vivem, há
nos anos 1930, em território brasileiro. Segundo
naturalmente um vínculo afetivo com a rua. A aliança
as pesquisas de Mário Martins (2009 apud
que une o morador para com o seu bairro é valiosa
ALBUQUERQUE, 2017) 33% das negociações
para a segurança da mulher; andar em uma rua
imobiliárias na cidade de Fortaleza foram veiculadas
com olhos, com estabelecimentos variados e com 82
movimento noturno é um fator de proteção. Os
princípios
de
Jane
Jacobs
são
fundamentais para que uma organização urbana, como um todo, possa ser mais inclusiva e segura para todos os cidadãos. Entretanto, as cidades que extrapolam o domínio físico do ser humano tais como São Paulo e Rio de Janeiro - dificilmente conseguem construir relações mais amenas. A autora Anna Luiza Salles Souto (2017) afirma que o direito à cidade deve estar ao acesso de todos para que possam conduzir o ambiente urbano à um lugar mais justo, sustentável e harmônico; entretanto, as cidades brasileiras ainda produzem espaços de extrema desigualdade social, territorial, racial e de gênero. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (2011) relatam que entre os anos de 1995 e 2009 a proporção de mulheres chefes de família aumentou de 22,9% para 35,2%, com 21,7 milhões de famílias chefiadas por mulheres. Este fenômeno tipicamente urbano volta os olhares para a situação atual das mulheres, que embora estejam carregando novas responsabilidades e funções sociais, ainda sofrem pelo descaso e pela violência no que tange à sua interação nos espaços públicos (SOUTO, 2017). FIGURA 12 apropriação do meio urbano pela mulher 04-05-2021 archdaily.com.br
Considerando os dados expostos até o momento, considera-se que a integridade física da 84
mulher está constantemente ameaçada. Amanda
fazem da conquista pela casa própria ou por um
Marcatti e Isadora Penna (2017) explicam que a
pedaço de terra algo imagético. A autonomia
cultura da violência contra a mulher, além de ser
financeira também é um fator que inviabiliza o
parte resultante das condicionantes econômicas
acesso à moradia. Desse modo, interpretando
e sociais, ela é também um resultado histórico
a trama da vulnerabilidade feminina, a mulher,
de um processo que não foi rompido; e a partir
confinada nos arredores domésticos, é restringida
desse motivo maior, promove-se a desigualdade
a empregos e cargos inferiores aos dos homens,
econômica. Pode-se entender que esse fenômeno,
obtendo nenhuma devolutiva de emancipação
de acordo com as autoras:
financeira, o que acarreta na sua dependência do
[...] observa-se que a desigualdade histórica da condição da mulher no acesso a direitos produz não somente uma relação de desigualdade econômica. Em verdade, produz uma consciência social coletiva que reduz a mulher da condição de sujeito e coloca sua vida e seu corpo como propriedade pública e, se essa for casada, do próprio homem (MARCATTI; PENNA, 2017, p. 105).
diz respeito a obtenção de bens e, principalmente, pelo processo exaustivo de igualar-se ao homem, estabilidade emocional. É de exímia importância tratar também dos corpos negros femininos nos núcleos urbanos.
As pesquisas da Agenda Juventude Brasil
Durante toda a História, as mulheres negras foram
(2016) mostram que 50% das mulheres preferem
hostilizadas e tiveram uma limitação muito maior em
realizar suas atividades de lazer e descontração
relação às mulheres brancas. A movimentação das
nos finais de semana em casa, quando apenas
mulheres negras e faveladas nunca foi totalmente
39% dos homens tomam essa mesma iniciativa.
viabilizada e aceita, e ainda gera um incômodo
Transcendendo
dessas
pela sociedade que sejam livres como as outras e
mulheres e tratando em uma generalidade, isso
que circulem arbitrariamente na cidade (FRANCO;
expressa principalmente o sentido de livre circulação
FRANCISCO, TAVARES, 2017).
as
particularidades
e insegurança no espaço urbano, um claro reflexo das negligências do direto à cidade.
85
cônjuge e dificulta o processo de equidade no que
O racismo estrutural é o principal fator da esquematização ocupacional dos espaços urbanos
Tozzi (2020) estudou o acesso às moradias
pela população negra. As autoras Marielle Franco,
do ponto de vista da mulher periférica. O mercado
Mônica Francisco e Rossana Tavares (2017, p. 12-
imobiliário e as políticas públicas convenientes
13) afirmam que 86
A desumanização do corpo negro feminino, produzida pela perda histórica de sua cidadania plena, e sua eleição como sujeita de segunda classe, encerrando nestes corpos a vivência diária de uma cidadania mutilada e incompleta, gera ainda uma tensão identitária [...]
As injustiças como o racismo, o machismo e muitas vezes a intolerância religiosa são circundadas pela cotidiano da mulher negra. Esse imbróglio juntamente com as mudanças no tecido urbano foram as grandes causas pelas quais a circulação de corpos negros femininos nos perímetros urbanos foram estritamente controlados, muito mais que quaisquer outros (FRANCO; FRANCISCO, TAVARES, 2017). Sendo assim, a dinâmica das cidades e os espaços públicos viabilizaram à mulher o lugar de luta e o intermédio à democracia. Esse local é uma parte de sua trajetória, mas a mulher em si não é parte dele, pois não o conquistou inteiramente e não usufrui com as mesmas condutas do homem. No tocante às questões raciais, nota-se uma discrepância imensa da situação da mulher negra em relação a mulher branca; o fato é que a cidade é apenas um condutor da realidade social de um determinado grupo, e ter o racismo cravado na vivência cotidiana de corpos FIGURA 13 o uso da cidade 17-05-2021 archdaily.com.br
negros reflete imediatamente nos uso de espaços públicos. De todo modo, ter acesso ao espaço público e tornar-se um parte de um núcleo social 88
como o homem já vem fazendo há seculos - é um anseio da mulher barrado ininterruptamente durante toda a História e formação da cultura humana, e para que esse conceito possa degenerar-se e transformar-se antes é preciso romper os inúmeros paradigmas que infringem a liberdade da mulher, e que o espaço urbano desempenhe, de fato, seu papel pivô dos primeiros passos emancipatórios da mulher.
89
90
a mulher 1.3 no lar e núcleo familiar A mulher - colocada nesta análise como figura materna a fim de entendê-la dentro do contexto familiar - é construída culturalmente como símbolo de criatividade, acolhimento, zelo e amor, mas também é sinônimo de obscuridade e perigo. A partir da perspectiva psicanalista, entende-se a mulher mãe como fonte de segurança e passividade nos complexos familiares (SCHOGOR, 2003). Para entender melhor o papel da mulher dentro da estrutura familiar, faz-se necessário compreender as nuances do significado de família. Lévi-Strauss (1972 apud BORSA; FEIL, 2008) acredita que a família pode se estruturar a partir de relações matrimoniais, de filiação ou por laços de sangue. A partir disso, Flandrin (1992, apud BORSA; FEIL, 2008) afirma que a sociedade entende o núcleo familiar como pessoas correlacionadas que convivem sobre o mesmo ambiente, sendo essencialmente o pai, a mãe e os filhos.
FIGURA 14 a família ideal 10-09-2021 https://commons.wikimedia.org
Concomitantemente, o casamento como alicerce da estrutura familiar surge para os gêneros em formatos muito divergentes. Embora o homem e a mulher, dentro de uma prisma cultural e 92
historicamente ideal, se façam necessários um ao outro, o peso da dependência concentra-se em um único lado. Como indivíduo, o homem possui a liberdade da escolha e do seu lugar nos espaços, principalmente no privado, doméstico. A mulher, designada aos caprichos do homem, se submete à escolha do pai à um marido desconhecido. Este ciclo perdurou ao ponto da mulher compreender o casamento como uma necessidade, um objetivo, e que pela falta dele, não estaria exercendo sua função natural de ser esposa e mãe, e que portanto, fracassaria como ser humano (BEAUVOIR, 2019).
Em razão da colocação de Beauvoir, é importante salientar que maus tratos à crianças e incapazes são injustificáveis, e que essa atitude surge como um reflexo dos fardos que são sujeitos à figura feminina. Na trama de conseguir desempenhar suas atividades no mercado de trabalho, ser mãe, ser esposa, dona de casa e administradora, enfrentando as divisões desproporcionais de atividades domiciliares com o cônjuge e sobrecarregando-se física e emocionalmente, exprime suas emoções nos filhos, sequenciando um ciclo interminável. Consolidando-se no lar, no início do século
Durante a História, a maternidade foi
XVIII, é estabelecido de maneira mais incisiva, por
severamente designada à mulher como o status mais
uma narrativa cultural, o vínculo entre a mulher e a
pleno que ela poderia atingir, o auge da feminilidade
casa. Os princípios que regiam a sociedade burguesa
e o sacrifício do prazer. O único meio da mulher
da época entendiam a figura materna como uma
alcançar seu reconhecimento perante a sociedade
dona de casa cujo papel seria fundamental para
era dentro de uma família ideal, no exercício do papel
toda a família. A maternidade seria imposta como
de mãe (BORSA; FEIL, 2008). Para Beauvoir (2019)
tarefa absoluta e a única capaz de recompensá-la
em função de todas as imposições socioculturais, a
emocional e socialmente (SCHETTINO, 2012).
mãe tende a ser, geralmente, uma mulher frustrada
O desenrolar da medicina higienista no
em aspectos sexuais e sociais, e no filho ela projeta
século XIX foi grandemente responsável pelas
sua insatisfação. A autora faz uma colocação
definições do modelo de homem e mulher nos
importante do aspecto psicanalítico quando expõe
papéis dentro do núcleo familiar. Obstruir a
a determinada situação:
mortalidade infantil foi um dos objetivos dos estudos
Uma mãe que bate no filho não bate somente nele, em certo sentido não bate absolutamente na criança: vinga-se de um homem, do mundo, de si mesma; mas é o filho que recebe as pancadas (BEAUVOIR, 2019, p. 315)
medicinais, e para firmá-lo, algumas regras foram impostas às famílias, especialmente às mulheres. A partir de então, ela passou a ser o intermédio entre a criança e o Estado. A medicina higienista promoveu
93
94
uma remodelação da compreensão da mulher mãe, e tentou recuperar por meios naturais, como por exemplo a amamentação, a responsabilidade única e exclusiva da mulher aos filhos (COSTA, 1979; ALMEIDA, 1999 apud BORSA; FEIL, 2008). Fundamentado na perspectiva da medicina higienista, Costa (1999, p. 258) afirma que O propósito de converter as mulheres ao modelo da mãe amorosa alimentando o bebê era nítido. Fora dele, não parecia haver escapatória ao comportamento social feminino. O que nos leva a supor que a pressão higiênica em favor da amamentação tinha outros objetivos, além da proteção à vida das crianças. Com efeito, a nosso ver, a mãe deveria compulsoriamente amamentar porque essa tarefa, além de proteger a vida dos filhos, regulava a vida da mulher. A mulher que não amamentasse isentava-se, automaticamente, de uma ocupação indispensável à redefinição de seu lugar no universo disciplinar.
Com a urbanização das cidades, a mulher começou a se revelar num limbo de ócio. Com o fim das dinâmicas e atividades empresariais e administrativas no lar, e a popularização das escolas para as crianças a adolescentes, a casa se tornou uma grande lacuna de produtividade. Entretanto, o desenvolvimento urbano também contribui positivamente para a mulher mãe instruir-se, ainda passivamente, na leitura e em alguns assuntos específicos (COSTA, 1999). O acesso ao estudo e à educação foi 95
paulatinamente viabilizada. Os conteúdos
FIGURA 15 mãe sendo instruída 04-05-2021 scielo.br/pdf/hcsm/v13n2/13.pdf
abrangiam interesses dos filhos ou do marido
era criada por uma pseudo-liberdade que usava da
como domínios econômicos e administrativos do
figura feminina como uma ferramenta de auxílio aos
lar, bordado, culinária; tudo aquilo que contribuísse
interesses dos homens, afinal, uma mulher habilitada
para a educação de seus filhos ou que auxiliasse
às práticas de consumo era mais interessante do
nas governâncias políticas de seus maridos, eram
que uma mulher não ativa.
bem vindos (SCHETTINO, 2012). O papel dona de casa pode ser atribuído
capitalista e o fim da Segunda Guerra Mundial,
somente dentro de uma instituição familiar. Existem
a mulher adentra a vida pública de maneira muito
fortes inclinações no sentido desse papel ser reflexo
mais incisiva, especialmente pela reivindicação da
das imposições que surgem segundo a vida e as
militância feminista em prol do acesso ao aborto,
condições socioeconômicas da unidade familiar.
a contracepção e ao divórcio (LEITE, 1994 apud
As mulheres de classe média eram o grupo sujeito
BORSA; FEIL, 2008). Em pautas atuais já se discute
aos afazeres domésticos como atividade recorrente,
o verdadeiro papel da mulher e do homem em um
uma vez que mulheres da classe alta tinham acesso
núcleo familiar, onde, segundo Osório (2002, apud
facilitado à empregadas e serviçais, e as de classe
BORSA; FEIL. 2008) não estão vinculados ao fator
baixa dividiam - parcialmente - os esforços com
sexual, mas a trama que envolve a situação, as
seus maridos por ambos terem de trabalhar e arcar
condições humanas e às causalidades. O autor
com os custos de se viver (PRANDI, 1980).
ainda acredita que, em tempos atuais, sustentar o
Segundo Schettino (2012) o confinamento
estereótipo da mulher cuidadora do lar e esposa
foi, aos poucos, cessado pelo desenvolvimento
subordinada alcança um ideal arcaico e dispensável
das cidades por uma nova perspectiva social. As
às atuais condições civilizatórias.
mulheres passaram a usufruir os equipamentos
97
Posteriormente, com o advento do sistema
Embora
os
acordos
matrimoniais
e
urbanos e vivenciar mais a cidade, isso trouxe
parentais não sejam socialmente disseminados
modificações no seu papel de dona de casa e
como décadas atrás, a mulher ainda tem uma
na sua interação nas transações comerciais; aos
participação consideravelmente maior no meio
olhos do capitalismo a figura feminina passada
doméstico. Segundo dados do Instituto Brasileiro
de coadjuvante para consumidora ativa. Essa
de Geografia e Estatística (IBGE) (2021), no Estado
integração da mulher nos eventos da alta sociedade
Brasileiro, as mulheres se responsabilizam por 98
atividades domésticas ou ao cuidado de pessoas
de homicídios de parceiros como autores, o número
por 21,4 horas semanais, enquanto os homens
atinge 33,2%.
desempenham quase metade desse tempo, totalizando em apenas 11 horas semanais.
A estrutura familiar no atual cenário brasileiro ainda reproduz os mesmos signos arcaicos,
O IBGE (2021) ainda mostra outro ponto já
sustentados por uma sociedade alicerçada no
levantado nesta seção, no que tange aos trabalhos
patriarcado, que compromete a mulher à inúmeras
domésticos e remunerados: no ano de 2019,
funções não remuneradas, e que muitas vezes a
29,6% das mulheres brasileiras ocupavam-se em
impossibilita equivaler-se ao homem - em termos
tempo parcial, atingindo até 30 horas de trabalho
financeiros,
por semana; esse valor alcança quase o dobro do
enquanto for parte de uma família. Neste momento,
que foi projetado no caso dos homens, com 15,6%
reconsiderando os tópicos da história da mulher e da
deles tendo sobrecarga equivalente. Os salários
sua participação no meio urbano, é possível visualizar
são um grande reflexo dessa desigualdade, pois
que o seu papel dentro da instituição doméstica
em função da grande quantidade de afazeres não
e familiar é estritamente estratégico. A mulher se
remunerados e exigências domésticas, as mulheres
emancipa efetivamente a partir do momento que
ainda recebem quase 30% a menos que os homens.
rompe os laços com a unidade familiar e com os
O ambiente do lar passou a equivaler-se
signos da maternidade; consegue parcialmente
com os espaços públicos: tornou-se tão perigoso
estruturar-se como indivíduo, e na dualidade de se
quanto. Faceando os imbróglios e lacunas da cultura
libertar, nega o homem cujo construiu e solidificou
do machismo de sua perpetuação pela sociedade
o patriarcado, mas somente alcança os lugares
brasileira, o Mapa de Violência (2015) aponta que
almejados com a sua permissão.
profissionais
e
emancipatórios
-
27,1% dos homicídios de mulheres acontecem no domicílio da mulher, uma alta porcentagem considerando que somente 10,1% dos homens são mortos no lar. Em 2013, 50,3% dos homicídios de mulheres aconteceu por um familiar da vítima, isso representa em torno de 7 feminicídios por dia neste ano, realizados por uma pessoa próxima. No caso 99
100
o abrigo 2.1 como ato político e produto da resistência A arquitetura é, por princípio, elemento construído. As compreensões acerca da confluência entre as relações políticas e sociais são inerentes à produção de arquitetura durante a História. Bruno Zevi (2009) entende que um acontecimento político pode definir a arquitetura ou gerar uma consequência, num determinado espaço geográfico. O autor exemplifica: - Em 1933, os nazistas tomam o poder na Alemanha e isso determina o fim da Bauhaus [...]. Esse fato político provoca a emigração dos arquitetos modernos alemães para a Inglaterra, e esta é a razão pela qual, sob o impulso de Gropius e Mendelsohn, o movimento funcionalista se desenvolve no país (ZEVI, 2009, p. 141).
Partindo desse princípio, um núcleo político é um grupo de pessoas inseridas em um espaço, no qual será estruturada, em termos geopolíticos, segundo as pretensões do fazer arquitetônico e dos profissionais competentes. O reflexo da arquitetura e do urbanismo, planejado ou não, se sobrepõe ao contexto social do lugar, determinando questões FIGURA 16 arquitetura totalitarista nazista 17-05-2021 https://epoca.globo.com/
como segregação, apropriação, segurança e pertencimento (MONTANER; MUXÍ 2019) 102
Tangenciando as questões de política,
tarefa da arquitetura, a qual abrange as intenções
a hospitalidade, que, Segundo Fuão (2010), era
da hospitalidade. Nessa escala micro, entendendo
tema trabalhado por Jacques Derrida, é um eixo
as relações interpessoais no ambiente doméstico, a
estruturador no qual o indivíduo passa a reconhecer
performance da hospitalidade acontece na instância
em si um hóspede a partir de suas experiências
masculina para a instância feminina, sendo eles
de moradia. A noção de espaço e hospitalidade
respectivamente anfitrião e hóspede, dando vazão à
deixa de estar na arquitetura para se fixar dentro do
análise que coloca o hospedeiro numa situação de
próprio indivíduo. Fuão (2010, p. 4), embasado nos
privilégio e poder sobre o hóspede.
conceitos de Derrida, afirma que “A hospitalidade
A arquitetura, com imenso alcance e
é o lugar que faz repensar a arquitetura, a casa, o
potencial, acaba por transparecer o cenário político
abrigo”.
e as movimentações sociais. Cutieru (2020, p. 4) Hospitalidade, por definição de Fuão (2010,
afirma que “A principal função da arquitetura é
p. 5) é “o lugar do outro, o outro lugar”, aonde
fornecer abrigo” e que o discurso democrático
permeia a compreensão do outro como convidado
dissemina o direito a moradia.
ou inimigo. Para além da definição subjetiva de Fuão,
Dado este fato, por uma interpretação
Solis (2009 apud FUÃO, 2010) traz um significado
parcial, compreende-se que a moradia - ou a luta
objetivo que entende a palavra pela tradução do
pelo acesso à ela - é um movimento social político,
latim - derivado de potis, cujo significado é “posso”
de interesses unilaterais. O ambiente privado é
- sinônimos de poder e submissão da parte do
resultado do individualismo e logocentrismo do ser
hospedeiro sobre a parte do hóspede.
humano, e que em contraposição, o espaço público
Afunilando para as questões pertinentes à presente monografia e sob um olhar crítico às
103
permeia a noção de politização e democracia. (FUÃO; SOLIS, 2018)
definições obtidas, é interpretado que as premissas
Com base nas premissas políticas do fazer
políticas do fazer arquitetônico circundam os signos
arquitetônico, o abrigo privado e seu simbolismo
do abrigo, onde todas as intervenções humanas
surge, historicamente, em detrimento do sentido
no âmbito natural e construído são consequências
coletivismo, principalmente no que se refere a
de um evento político. Sendo assim, o abrigo torna-
interação da mulher nesse espaço (SCHETTINO,
se, a partir da perspectiva derridiana, a principal
2012). Em contraposição ao abrigo privado, o 104
abrigo coletivo - em específico, para mulheres em situação de violência doméstica - surge como estratégia política, quando, dentro do lar, se dissolve o pertencimento e a posse efetiva da moradia; e concomitantemente, para lidar com as questões mais negativas da hospitalidade. Como uma política pública, os abrigos são o resultados físicos do ativismo e militância feminista contra o machismo estrutural e o patriarcado; ou pelo menos, uma solução emergente. Em
suma,
pode-se
dizer
que
as
subjetividades acerca do abrigo são essencialmente atreladas a sua manifestação política e sua função social. Tais compreensões transcendem o agente arquitetônico, que embora seja necessário para uma melhor perspectiva do ambiente e melhor recepção da demanda que o compete, está inserido num contexto frágil e dominado pela figura masculina, e que, portanto, tê-lo mesmo frágil ou inacabado é uma melhor alternativa do que não têlo. Independente da frustrante situação, a arquitetura age em todos os casos, negativa e positivamente, como um indutor político, especialmente nas casas abrigo; isso permite compreender a dimensão da importância de uma produção arquitetônica desse porte, a qual pode refletir diversos signos políticos
105
FIGURA 17 diagrama da hospitalidade 25-05-2021 da autora
ou até mesmo instigá-los. A partir da análise do abrigo por uma vertente 106
filosófica, cabe conhecê-lo como um elemento
figura feminina tanto fora quanto dentro do lar,
institucional, fundamental para compreensões da
fazendo da mulher essencialmente uma cuidadora
violência de gênero. A princípio, o abrigo constituiu-
dos filhos e da casa (SCHETTINO, 2012).
se para proteger o ser humano dos contratempos
A origem do privado esteve em paralelo com
naturais, promover a segurança e o conforto para
o modelo dos papéis e o individualismo burguês, que
os habitantes e viabilizar as práticas agropecuárias.
resultou em uma reinterpretação do espaço íntimo
Modificações
tempo
(GONÇALVES, 2006 apud SCHETTINO, 2012).
estimando o conforto dos conviventes, o que fez do
Nessa situação, a mulher é a principal propagadora
abrigo um objeto dinâmico e que está em constante
desses valores, uma vez que seu contato com o
metamorfose (ANDERS, 2007), objetivando através
privado é ainda maior. A casa é o elemento pelo qual
de recursos ergonômicos e de fluxograma a
a mulher foi designada a ter domínio, e desfrutou
adequação apropriada ao usuário (CARDOSO,
disso para desenrolar seu processo de valorização
2013). O vínculo afetivo com o ambiente doméstico e
(SCHETTINO, 2012).
surgiram
ao
longo
do
seus artefatos advém da simbologia que o ambiente
Entretanto, devido à opressão histórica
doméstico obteve ao longo da história (CARDOSO,
contra a mulher, a residência tornou-se, ao longo
2013). Segundo SCHETTINO (2012, p. 14) A casa
dos anos, palco de inúmeros casos de violência
é o espaço destinado ao uso familiar, onde há trocas emotivas entre os moradores, tornando-o um lar. Ela é um espaço carregado de significados e simbolismos [...]
A convivência é o ciclo imutável pelo qual os habitantes de uma casa são sujeitos e alguns imbróglios surgem a partir de dinâmicas culturais de cada sociedade. Com as transformações urbanas, sociais e econômicas acontecendo simultaneamente, as residências sofreram o impacto da proposta de um paradigma ideal. Concomitantemente, as práticas machistas reforçavam a inferioridade da 107
doméstica. O conceito de abrigo passa de local de proteção para ambiente privado (SCHETTINO, 2012). Em função da quantidade numerosa de casos de violência no ambiente doméstico e da imposição pelo trabalho não remunerado da mulher, surgiu a intenção de acolher essas vítimas em um lar cujo não prolongasse a violência. Os movimentos feministas dos anos 70 foram os precursores no surgimento dos abrigos para mulheres. Esse acolhimento passou a visibilizar as denúncias e a falta de políticas públicas que conduzissem e apoiassem as vítimas. Registros 108
apontam que a primeira casa abrigo foi consolidada na cidade de Chiswick, em Londres, Inglaterra; a priori, o lugar era procurado por mulheres para ajudá-las em problemas rotineiros, mas que passou ao caráter de acolhimento para retirá-las com seus filhos da hostilidade do ambiente doméstico (KRENKEL; MORÉ, 2017 apud ROCHA, 2007). Segundo Rocha (2007 apud CORTÊS, 2008), as diretrizes políticas passaram a incorporar os abrigos no Brasil por meio das movimentações e
reivindicações
do
movimento
feminista,
impulsionando cidades capitais à promoverem as políticas públicas voltadas à mulheres. A primeira casa abrigo no país, denominada Centro de Convivência de Mulheres Vítimas de Violência Doméstica (COMVIDA), teve origem no ano de 1986, na cidade de São Paulo. O serviço dava apoio às mulheres e filhos com até 12 ou 14 anos, com a devida estrutura profissional - assistente social, psicológica, jurídica - por até 90 dias. Foi fechada em 1989, mas por pressão do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher foi reaberta em 1992 (DINIZ; SILVEIRA; MIRIM, 2006). Segundo Diniz, Silveira e Mirim (2006), a partir de um primeiro ato as mulheres continuam as reivindicações por ambientes de acolhimento. Em 1990 é aberta a Casa Abrigo de Santo André que foi ativa somente por dois anos consecutivos 109
FIGURA 18 alojamento casa de apoio viva maria 10-09-2021 https://g1.globo.com
e então, fora desativada; em São Paulo novamente
risco de feminicídios. No Brasil, os números de casas-
é inaugurada a Casa Helenira Rezende de Souza
abrigo em funcionamento cresceu paulatinamente
Nazareth em 1991 e desativada no ano seguinte.
e ainda não é capaz de comportar a demanda.
Com essas três tentativas de implementação
Segundo o IBGE (2021), com pesquisas entre 2018
da casa-abrigo no Brasil foi possível identificar a
e 2019, afirma que apenas 2,7% dos municípios
dificuldade de se manter uma iniciativa em prol da
brasileiros possuem o serviço especializado para
salvaguarda das mulheres, principalmente pela
acolher mulheres dessa demanda.
escassez de leis que efetivassem esse projeto.
Entende-se, portanto, que esse local de
Com o tempo, outros abrigos também foram
acolhimento tem, sobretudo, o intuito de resguardar
criados, como a Casa de Apoio Viva Maria, em 1992,
as mulheres do perigo instalado pela figura masculina
Porto Alegre; a Casa do Caminho, em 1996, no
no ambiente doméstico. Sua implementação e
Distrito Federal; e a Casa-Abrigo Sempre Viva, em
popularização no território brasileiro foi bastante
1996, Belo Horizonte. Em 1997 a diante, o Conselho
dificultosa, tampouco tardia, mas que atualmente
Nacional dos Direitos da Mulher, financiado pelo
vem sendo cada vez mais abordada em pautas
Ministério da Justiça, dissemina a necessidade de
sociais e estudos analíticos para propagar sua
apoios reforçados para a questão da violência de
importância no processo de acolhimento e retirada
gênero e impulsiona a implementação de casas-
da vítima da hostilidade do lar. Embora a instituição
abrigo no Brasil (DINIZ; SILVEIRA; MIRIM, 2006).
de novas casas-abrigo não seja a melhor solução
Durante a pesquisa qualitativa, notou-se a
para o impasse da violência doméstica, a criação
escassez de relatos fotográficos de casas-abrigo,
de novos ambientes que salvaguardem e dêem
tanto nos primeiros momentos quanto nos dias
apoio às vítimas e seus filhos são essenciais até
atuais. Estima-se que isso se deve a dois fatores
as políticas de reestruturação sociocultural sejam
principais: a disseminação não era relevante o
efetivas e favoráveis às mulheres. Tendo e vista
suficiente para impulsionar estudos do gênero e
a inserção de instituições de acolhimento desse
por serem lugares cujo sigilo é indispensável à
direcionamento é pertinente a compreensão da
segurança das moradoras.
usuária deste ambiente, das suas expectativas em
A política de abrigamento é inevitavelmente
relação ao futuro.
necessária em face aos altos índices de violência e 111
112
o abrigo 2.3 e a usuária Já compreendido questões relacionadas à mulher, sua participação na sociedade e nas instâncias urbanas, bem como afunilado para a análise histórica e política do abrigo coletivo, cabe trazer, neste momento, as características da usuária e a perspectiva da sua participação no âmbito do abrigo. Através de estudos de caso será colocado uma visão geral da linhagem comportamental predominante das mulheres no processo de denúncia e a solicitação da ajuda governamental. Com base nos estudos de Dutra et al. (2013) o perfil das mulheres que passaram pela violência doméstica é predominantemente similar. Segundo essas análises, a rotina de violência nos relacionamentos desencadeia o afastamento da mulher de suas relações sociais, principalmente daquelas que poderiam intervir de alguma forma tanto interpessoais quanto socioinstitucionais. Isso acontece porque, para elas e os filhos, preservar o casamento trata-se de um fator de subsistência e, neste momento, ela se encontra no dever de reafirmar FIGURA 19 imagem ilustrativa de uma vítima 10-09-2021 https://g1.globo.com
os laços conjugais. Neste limbo, a esperança de poder ajudar o marido com os problemas pessoais, 114
que muitas vezes são usados como justificativas, é
modelo de hierarquia de gênero pode impedir que
uma responsabilidade que o próprio ato de violência
ela exponha essa vivência para a sociedade (SANTI;
solidifica na mulher.
NAKANO; LETTIERE, 2010).
A culpabilidade que se constrói num
Esse receio em procurar a delegacia para
relacionamento abusivo é parte do envolvimento
iniciar o processo jurídico é evitado principalmente
psicológico do parceiro, pois segundo Dutra et al.
por dois pontos relevantes: em primeiro, se a
(2013, p. 1299)
intimação não for bem sucedida, a mulher terá que
As mulheres têm a percepção de que a violência teve início quando estas, de alguma forma, manifestaram algum desejo que não era compatível com o do parceiro. A partir desse momento, qualquer iniciativa da mulher que o contrariasse era motivo para humilhações, ofensas, privações ou agressões.
115
voltar para o lar e lidar com um marido ainda mais agressivo; e em segundo, se o marido for preso e absolvido em seguida, a mulher não estará segura de seus direitos e ainda terá de lidar com um homem violento e vingativo. Deste modo, é tendencioso que
Em alguns casos, as mulheres negam a
as mulheres procurem uma instituição intermediária
passividade para se posicionar ativamente contra
para que possam se abrigar e sejam devidamente
a agressão. Negar-se ao lugar de vítima pode
instruídas (CARLOTO; CALÃO, 2006).
produzir reflexos na afirmação de sua identidade
Segundo Cotrim (2014) após passar pelo
e na autoestima, quando num contexto de tristeza
trauma da violência e ser encaminhada para um
e sofrimento, lamentam por não conseguirem ser
centro de acolhimento, a mulher se encontra numa
quem realmente são (DUTRA et al., 2013).
redoma de incerteza e desconforto. O autor ainda
Para as mulheres que se encontram
ressalta que nem sempre as vítimas que deixam
nessa situação, a ajuda de amigos e familiares é
seus lares estão completamente dispostas a romper
imprescindível para que ela se sinta compreendida
o relacionamento com o agressor, o que torna a
e acolhida. Muitas vezes a preferência pela
responsabilidade social e instrutiva do abrigo ainda
procura de pessoas mais próximas à instituições
maior.
especializadas advém do sentimento de vergonha
Em meio ao receio e a incerteza, ainda
e da impotência que a violência resultou; expôr
existe o preconceito por parte da sociedade.
a situação para pessoas desconhecidas é
Muitas mulheres entendem o abrigo como um
naturalmente desconfortável, mas as facetas do
lugar sem estrutura física de qualidade e sem apoio 116
profissional, por isso, o primeiro passo, o processo
um tanto quanto conturbada. A liberdade que as
de dirigir-se à instituição, configura certo incômodo
crianças e adolescentes desfrutavam da graça de
(CARLOTO; CALÃO, 2006). Entretanto, Dutra et al.
brincar e ir à escola é temporariamente interrompida;
(2013, p. 1300) ressalta as relações interpessoais
isso reproduz por parte dos filhos uma interpretação
das mulheres dentro do abrigo quando diz que:
imagética, no sentido figurado, de que a culpa pela
À medida que se estabelece uma relação de confiança com os atores das instituições, se altera a percepção das mulheres sobre o apoio e o acolhimento recebidos.
Devido as diferentes realidades das mulheres que chegam no abrigo, os direcionamentos são orientados de acordo com suas necessidades. Em alguns casos, a mulher precisa ser alertada sobre a gravidade da violência doméstica e sobre como se assegurar; há também as que procuram emprego e moradia, pois ainda dependem financeiramente do parceiro; e outras - sobretudo, a maioria - precisam de apoio emocional para se recuperar do trauma (SULLIVAN et al., 2008 apud COTRIM, 2014). Carloto e Calão (2006) afirmam que o processo de desvinculo com a própria casa faz da situação uma experiência desconfortável, por isso as mulheres precisam, além de auxílio profissional - para que estejam cientes do que o processo de denúncia e de abrigamento pode acarretar na vida dela e dos filhos - serem entendidas. A mudança para um abrigo coletivo pode transformas o relacionamento da mãe com filhos 117
situação é da mãe, visto que ela foi quem tomou a decisão de partir. As sequelas do trauma da violência faz do apoio pedagógico e psicoterapêutico um fator de extrema importância durante o processo de recuperação. O apoio da casa-abrigo nesse processo de reconhecimento do local e estadia é indispensável para que as relações de mãe e filho, dentro desse ambiente, sejam cada vez mais solidificadas na cumplicidade e no companheirismo (CARLOTO; CALÃO, 2006). Mulheres que vão sozinhas até o abrigo não costumam permanecer um longo período pois a falta de um familiar acarreta em episódios de depressão e torna processo de afastamento mais dificultoso. Nos casos onde a mulher se afasta de casa com a presença dos filhos, é estimado que a família fique por mais tempo no abrigo até conseguirem tomar as decisões cabíveis e se reestruturar financeiramente (CARLOTO; CALÃO, 2006). A instituição surge, nesses casos, para a mulher do problema que enfrenta ofertando recursos educacionais, de diálogo e de profissionalizantes (HANADA; D’OLIVEIRA; SCHRAIBER, 2010). 118
Uma questão importante que Carloto e
(MAGALHAES; MORAIS; CASTRO, 2011).
Calão (2006) levantam no estudo de caso da Casa
A capacitação qualitativa dos profissionais
de Apoio Canto de Dália é a limpeza e manutenção
que estão no convívio da vítima também é uma
dos ambientes por parte das abrigadas. A colocação
condição imprescindível para que as mulheres se
negativa da participação da mulher nessa esfera
sintam acolhidas de fato, uma vez que o período de
gera uma breve reflexão acerca da obrigatoriedade
estadia é naturalmente uma fase de conturbações
da limpeza: manter o local limpo e organizado é, na
emocionais. A interação do corpo técnico com
maioria dos abrigos, uma tarefa que é interpretada
a vítima é inteiramente sobre como lidar com a
muitas vezes como um prolongamento do que
ocorrência e entender a pluralidade dos processos
se entende por papel original da mulher - serviçal
que esse caso pode gerar (CARLOTO; CALÃO,
- entretanto, a importância de se manter o local
2006).
organizado vai além de condições de salubridade;
De todo modo, desde a procura pelo centro
é, por uma perspectiva subjetiva, um vínculo que
de atendimento à mulher até o fim da estadia na
se constrói em comunidade de ter o abrigo como
casa-abrigo, a mulher está sujeita ao percurso
lar e cuidá-lo como se fosse sua própria casa.
conturbado que a denuncia e o abrigamento
Evidentemente, essa relação pode ser construída
traduzem. O ato da violência já provoca por si
de outras maneiras, mas é platônico descartar as
só o sentimento de humilhação e inferioridade,
maneiras de pertencer-se à um lugar.
portanto, o papel da socioinstituição transcende o
A administração de uma casa-abrigo conta
caráter assistencialista (CARLOTO; CALÃO, 2006),
com eixos humanistas e feministas para familiarizar
e tem - juntamente com o auxílio jurídico, social,
as mulheres à uma realidade justa e digna. Dessa
psicoterapêutico e pedagógico - a responsabilidade
forma o abrigo consegue compreender na totalidade
de ator transformador e viabilizador da emancipação
o ciclo da violência doméstica e as necessidades das
das mulheres, para que assim possa garantir que
vítimas. O resultado é a promoção da autonomia da
não passem pela violência novamente e que sejam
mulher na sociedade, no mercado de trabalho e nas
independentes, para então, seguir o curso de suas
relações interpessoais; a qualificação apropriada
vidas sem serem confinada à submissão.
da equipe de apoio e a disseminação desse exemplo para as demais socioinstituições brasileiras 119
120
o abrigo 2.4 e a sua necessidade Em face aos dados alarmantes de violência contra a mulher perdurados durante décadas, o Estado surge como interventor para lidar emergencialmente com a adversidade da violência doméstica. Para enfrentar a crise da violência de
gênero, a casa-abrigo solidifica-se como
uma estratégia governamental de instruir a vítima, protegê-la e, sobretudo, abrigá-la. Idealizar uma instituição que pudesse acolher a mulher e seus filhos, cedendo cuidados físicos e psicológicos, foi uma solução imediata para salvaguardar a vida de famílias lesadas (LOPES, 2014). Segundo Silva (2020) a casa-abrigo é, em sua grande maioria, um local de endereço sigiloso cujo papel é de proteger a mulher e seus filhos do risco de morte por parte do companheiro, tendo o intuito de oferecer apoio por um período máximo preestabelecido - de três à seis meses - no qual as vítimas terão auxílio social, jurídico e psicológico a fim de que consigam engajar novas trajetórias em suas vidas. FIGURA 20 evento promovido pelo creas em presidente prudente 19-05-2021 http://www.presidenteprudente.sp.gov.br
O Estado Brasileiro instaurou mecanismos que viabilizassem a erradicação da violência 122
doméstica e familiar. A promulgação da Lei 11.340/2006 ou Lei Maria da Penha - já citada
Oliveira (2011, p. 9) ainda afirma que no
neste trabalho - foi um meio de afirmar a posição
processo de formação da Rede Mulher, órgãos e
do Estado contra as barbáries do machismo.
instituições como o
Promulgada no governo Lula, a lei dominava as condições pertinentes à assistência, medidas de prevenção e atendimento pelas autoridades e equipe multidisciplinar. Foi um grande passo nas políticas públicas para conscientização da população e, acima de tudo, para a proteção das prejudicadas e sua acessibilidade à serviços de apoio (DE AGUIAR SILVA; SCHNEIDER; IRIGARAY, 2011) Na cidade de Presidente Prudente-SP, objeto de estudo, um mecanismo utilizado para abordar coletivamente as questões de violência doméstica e familiar foi a criação da Rede Mulher no ano de 2008, que, segundo Oliveira (2011, p. 10) [...] tem como objetivo principal a busca da articulação das políticas publicas e das organizações não governamentais em Presidente Prudente para que o trabalho de enfrentamento da violência de gênero tenha ações integradas entre os serviços, programas e equipamentos públicos e privados.
Deste modo, o papel da intervenção Rede Mulher circunda a construção de uma dinâmica estrutural, através de um serviço público, para que os casos de violência sejam profundamente analisados e, por meio desses estudos, e vinculados à soluções instantâneas para o combate da violência doméstica 123
(OLIVEIRA, 2011).
Poder Judiciário, Ministério Público, Vigilância Sanitária, Conseg’s, Secretaria de Assistência Social (SAS), Defensoria Pública, Delegacia de Defesa da Mulher e Polícia Militar.
participaram das decisões e do direcionamento da nova instituição social. O fórum foi intermediado pelo Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM) , juntamente com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP) e a Rede Social de Presidente Prudente. No presente, a organização responsável por gerir serviços à mulher é o Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), um órgão cujo direcionamento é voltado à minorias multifacetadas. A construção dessa articulação de auxílio objetiva aguçar os olhares para os casos de violência doméstica em Presidente Prudente, e que por meio de equipes técnicas, profissionais e voluntárias solidificam um coletivo perito e responsável por administrar a trama de ocorrências relativas a violência (SILVA; MANFRIN, 2015). Segundo
informações
disponibilizadas
no site da Prefeitura de Presidente Prudente pela Secretaria Municipal de Comunicação (2011), 124
em 2010 foi criado o Projeto de Lei n° 238/2010
um encontro para concretizar a instituição de uma
promulgado pelo então deputado estadual Ed
casa-abrigo no município de Presidente Prudente,
Thomas - atual prefeito de Presidente Prudente - que
que seria administrada pela Associação Amor é a
viabiliza e determina a criação de uma casa-abrigo
Resposta. Estimava-se que o local esteja sempre
no município. Segundo o Artigo 2° é papel da casa-
aberto e consiga abrigar até 20 pessoas por um
abrigo
período de, no máximo, seis meses; contudo, o [...] oferecer abrigo e alimentação, prestação de assistência social, médica, psicológica e jurídica, ameaçadas ou vítimas de violência e seus filhos, com o objetivo de superar as situações de crise e carência psicossocial, visando resgatar sua valorização e autoestima, rompendo o ciclo de violências de que são vítimas e reconstituindo sua identidade de gênero (PRESIDENTE PRUDENTE, 2010, p. 1).
No Projeto de Lei n° 238/2010 ainda é solicitado que o encaminhamento da mulher seja feito
125
projeto estava previsto para novembro de 2020 (SIEPLIN, 2020) mas não há relatos de sua existência. Segundo o Processo Administrativo n° 11/09 instaurado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo (2019), a prefeitura de Presidente Prudente comprometeu-se a alugar um imóvel para abrigar essas mulheres caso o Estado cedesse a verba para tal.
somente por entidades competentes, formalizado
No dia 06 de agosto de 2021 aconteceu
por um Boletim de Ocorrência (BO). A infraestrutura
um evento público para comunicar a concretização
cedida às mulheres é igualmente disponibilizada aos
do Serviço de Acolhimento Institucional, uma casa-
seus filhos - desde que tenham até 18 anos ou mais
abrigo para acolher mulheres e seus filhos, crianças
de 18 anos portadores de necessidades especiais
e adolescentes, cujo passaram por situações de
- e fica à responsabilidade da abrigada cuidar do
violência doméstica. A casa receberá mulheres
ambiente aonde estão hospedadas, bem como de
de toda a região, englobando essencialmente os
seus pertences (PRESIDENTE PRUDENTE, 2010).
municípios de Martinópolis, Narandiba, Presidente
Reconhecendo a necessidade de medidas
Bernardes, Presidente Epitácio, Rancharia, Regente
mais incisivas para lidar com os casos de violência
Feijó e Taciba (PREFEITURA MUNICIPAL DE
doméstica no município, apenas no ano de
PRESIDENTE PRUDENTE, 2021). Segundo a
2020 o Ministério Público do Trabalho (MTP), o
Secretaria de Comunicação, a instituição será
Consórcio Intermunicipal do Oeste Paulista (CIOP) e
administrada financeiramente pelo CIOP e gerida
organizações sem fins governamentais promoveram
pela Organização Social O Amor é a Resposta; 126
o investimento aplicado para prontificar esse
a mulher, interpreta-se a necessidade de urgência
serviço à população foi de R$ 673.992,00. A casa
de uma remodelação das instituições vigentes
tem capacidade para abrigar 20 pessoas, com
pertinentes ao tema da violência doméstica, a
funcionamento 24h por dia (NASCIMENTO, 2021).
fim de que possam construir mecanismos mais
Embora tenha levado mais de dez anos para a
eficientes de proteção à mulher, antes e depois do
efetivação desse espaço em solo prudentino, trata-
trauma. Isso se estende às entidades judiciárias e a
se de um marco na história da cidade, um meio
eficiência da legislação, uma vez que as legislações
de suporte para que mulheres se sintam mais
vigentes permitem, em casos de descumprimento
encorajadas à sair de casa quando se encontrarem
de medidas protetivas de urgência, a soltura do
em situações de altíssimo risco de vida.
agressor por pagamento de fiança (BRASIL, 2006);
Contudo, é indispensável que ainda se pense em uma estrutura adequada que possa receber
127
fato este que justifica a ineficiência da lei para com a segurança da mulher e da família.
mulheres e famílias desestabilizadas pela violência
A microrregião de Presidente Prudente
no município de Presidente Prudente. Segundo
acolhia, segundo o Censo Demográfico do IBGE
relatório do Departamento de Polícia Judiciária
(201-) do ano de 2010, cerca de 573.368 mil
de São Paulo Interior (DEINTER 8 - PRESIDENTE
pessoas, enquanto somente na cidade de Presidente
PRUDENTE) (202-), o mesmo relatou 2.074 registros
Prudente, o número estimado pelo Censo (201-) para
de lesão corporal dolosa contra a mulher no ano de
2020 é de 230.371 mil pessoas. Esses números
2019, acompanhando 2.370 incidências de ameaça.
podem representar o alcance e a importância que
No que tange à Lei Maria da Penha, o número de
uma casa-abrigo pode ter não somente na cidade,
medidas protetivas de urgência cresceu 2,2% de
mas em territórios adjacentes também.
2019 para 2020 - em dados numéricos, é relatado
A partir do contexto prudentino e da
2993 casos para 3060. A DEINTER 8 (202-) ainda
demanda de mulheres vulneráveis, a necessidade
refere cinco ocorrências de homicídio doloso no ano
da implementação de uma casa-abrigo no município
de 2019 e cinco em 2020, não obtendo nenhuma
de Presidente Prudente é evidentemente emergente.
melhora significativa.
É pertinente ao projeto que seja solidificado a partir
Com base nos altos índices e no
de um princípio democrático e organizador, isto é,
desenvolvimento negativo das ocorrências contra
que promova a igualdade entre as usuárias e que 128
percorra todos os processos necessários para requalificar sua integridade física e moral. Neste contexto, é papel da arquitetura dinamizar as etapas dos casos isolados, propôr soluções e elementos que contribuam no processo de estadia; mas que também compreenda as vivências por uma perspectiva humanista e coletiva.
129
130
normas e diretrizes Neste capítulo serão descritas as leis, normas e diretrizes que regem o tema da violência doméstica, e as demais pertinentes à questões arquitetônicas, voltadas para o prisma da construção civil. De fato, as normas e diretrizes são métodos aplicáveis à realidade que visam o bemestar do indivíduo, assegurando-o seus direitos e implementando seus deveres. A partir de normativas governamentais é possível estabelecer parâmetros de qualidade para que determinada situação seja desempenhada com qualidade e precisão. Tratando de construção civil, para que um projeto arquitetônico seja concebido de maneira assertiva é necessário que o processo esteja alinhado às condições legislativas municipais, estaduais e federais do local; e somente então estará apto a exercer sua função (GOMIDE; FAGUNDES NETO; GULLO, 2009). Como todas as construções, o projeto de uma casa-abrigo para Presidente Prudente precisa estar incorporado as limitantes da lei. Seus estudos arquitetônicos, espaciais e setoriais devem estar coerentes com as especificidades das diretrizes 131
132
pertinentes, pois a partir disso sua concepção será segura e eficiente.
Complementar n° 234/2018 que dispõe sobre as
Cabe, neste momento, fazer um adendo
Normas para Edificações no município auxilia no
sobre a performance da norma. A importância
processo burocrático, de aprovação e de execução
da interpretação da lei é insubstituível para que
do projeto.
se contemple um projeto satisfatório; entretanto,
A Instrução Técnica n° 01/2019 diz sobre
a função da lei não se estende à construção da
os procedimentos para prevenção à incêndios pelo
integridade e da simbologia de um projeto, e do
Corpo de Bombeiros e trará influências na segurança
peso do significado que ele pode gerar - ou que
da construção e nas instalações obrigatórias. A
já existe - em todo contexto de inserção. Isso, na
NBR 9050 também acrescentará nos aspetos de
verdade, é uma construção nas entrelinhas do
acessibilidade dos ambientes e dos equipamentos
processo projetual delineado por um partido social
mobiliários.
e comunitário, que por meio de um ideal coletivista
No que diz respeito à direcionamentos
pode fortalecer o desempenho da arquitetura e das
e normas para abrigos desse seguimento, a Lei
formas de apropriação (LELÉ, 2014)
11.340/2006, ou Lei Maria da Penha, impõe a
As normativas serão expostas neste capítulo
promoção pela união, estados e pelos munícios
para que seja certificado a necessidade das
a instauração de casas-abrigo para mulheres e
determinantes legislativas na idealização do projeto
dependentes menores de idade que se encontrem
arquitetônico da casa-abrigo.
em situação de risco e violência doméstica e
Dentro
133
Nas limitantes da construção, a Lei
da
escala
urbana,
pode-se
familiar. As Diretrizes Nacionais para o Abrigamento
considerar pertinentes ao presente projeto a
de Mulheres em Situação de Risco e de Violência
Lei Complementar n° 231/2018 que tange as
direcionam
considerações de Zoneamento do Uso e Ocupação
tipologias do projeto arquitetônico e do que se
do município e que colabora nas determinações
objetiva com o serviço prestado pela casa de
espaciais da construção. A lei n° 49/1949 diz respeito
acolhimento. A Política Nacional de Abrigamento
ao Código de Obras de Presidente Prudente, e fará
de Mulheres em Situação de Violência aborda as
contribuições acerca das composições do projeto
especificidades do funcionamento organizado das
dentro do meio urbano.
entidades que abrigam mulheres em situação de
as
necessidades,
restrições
e
134
violência, contribuindo no presente trabalho para a compreensão das diretrizes que estruturam a dinâmica e o conceito das casas-abrigo, e na percepção da função social dessa diretriz dentro da esfera da violência. Sobre as leis que abordam considerações sobre as instalações mínimas e o corpo técnico em casas-abrigo no estado de São Paulo, a Portaria n° 60 de 20/05/2016 do Sistema Integrado de Normas Jurídicas do Distrito Federal (SINJ-DF) servirá como embasamento para a compreensão dos processo de abrigamento, das regras e da estrutura organizacional; o Decreto Estadual n° 12.342/1978 também complementará no projeto arquitetônico no que diz respeito a exigências à habitações coletivas, para que seja possível, de forma mais abrangente, ter limitações da distribuição dos espaços e de quesitos quantitativos; e a Norma Técnica de Uniformização - Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência delimitará de fato as instalações necessárias para um centro de acolhimento. A partir do que é delineado pelas legislações, a projeto arquitetônico de uma casa-abrigo é concebido em conformidade com os parâmetros técnicos e normativos a fim de que a cidade contemple um projeto coerente e responsável. 135
136
antecedentes projetuais Rebuscar em projetos existentes elementos e simbologias que sejam aplicáveis e pertinentes ao projeto de casa-abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica é o primeiro passo para a construção das diretrizes projetuais, do programa de necessidades, e do conceito e partido. Ching (2013) entende essa análise como uma coleta de informações de elementos que configuram a arquitetura como um todo. A sobreposição e a carga simbólica desses elementos é natural e faz-se característica primária ou secundária de um projeto, entendendo que a junção desses sistemas visa uma resposta de unidade entre suas coexistências. A arquitetura é a construção de uma estrutura num espaço delimitado. Essa sistemática compreende características formais e espaciais que instruem a importância das texturas, cores, proporções e escalas, e da aplicação destas numa superfície, abertura ou aresta. A morfologia da arquitetura instiga vivências que, por meio de acessos, entradas, percursos, seguimento de FIGURA 21 19 antecedentes projetuais (modificado pela autora) antedecentes 19-05-2021 14-09-2021 archdaily.com.br
ambientes e dos sentidos humanos, estabelece 138
139
diferentes experiências do usuário. Além disso, a
do projeto e que se complementam dentro da
tecnologia utilizada revela as respostas da arquitetura
determinada situação. Para tanto, as análises
às condicionantes climáticas, à sustentabilidade e
de
a flexibilidade temporal do projeto. O programa de
compreensão do autor para que seja possível
necessidades delimita o que se espera dos usuários
construir uma percepção singular, ressalvando
considerando condições socioculturais, econômicas
os sistemas e ordens predominantes de cada
e históricas na elaboração do planejamento das
projeto para que, então, seja possível infiltrá-los nas
ambientações. Por fim, o contexto também é
intenções projetuais do presente projeto.
antecedentes
projetuais
embasam-se
na
estruturador no ponto de vista da inserção de
Introduzindo os antecedentes projetuais, o
um objeto, em pequena ou grande escala, cujo é
Centro Comunitário Castanhas de Caju trata-se de
compreendido através das características físicas e
um projeto de reforma, localizado nas regiões do
predominantes do lugar. (CHING, 2013)
Maranhão, que entra nessa análise pela importância
Ainda com Ching (2013), além dos sistemas
de sua materialidade, cuja foi preservada e respeitada
de arquitetura, as ordens constroem as premissas
em função das construções locais preexistentes. A
físicas, perceptivas e conceituais do projeto. São as
relação de pertencimento dos usuários com a obra
físicas organizações como o espaço, a estrutura, as
se desdobra, sobretudo, pelo ato da reforma, onde a
vedações e tudo aquilo que compõe na obtenção
construção sugere naturalmente os vínculos afetivos
formal do projeto. As perceptivas são relacionadas
com ambiente na qual está inserida.
com a experiência sensorial dos elementos
O conjunto da’s Duas Casas em Paraty, no
arquitetônicos tais como os acessos, entradas
Rio de Janeiro, embora seja confundido em duas
e saídas, caminhada percurso pelos espaços e
casas de veraneio separadas, dispõe os ambientes
visualização dos sentidos estimulados no projeto.
numa setorização originalmente comunitária. As
E as conceituais, compreendem uma análise do
áreas em comum se distinguem através das formas
vínculo entre as ordens sistemáticas do projeto, e
e materiais que se integram de forma muito sutil. A
dos aspectos físicos e simbólicos.
privacidade é um elemento parcialmente atingido
É entendido que, por meio da conceituação
pela integração física - mas não visual - que limita
de Ching, as edificações possuem características
determinados usos e acesso; e uso predominante
individuais que se misturam dentro do corpo
de materiais locais comprova a relevância do projeto 140
em termos econômicos e de sustentabilidade. O
Grape
Pavilion
foi
subjetividades dos projetos, e que podem colaborar
projetado
nas dependências do fazer arquitetônico de maneira
essencialmente como o papel de abrigo para uma
muito incisiva. Em face às particularidades do
zona rural de Pohegaon, na Índia. O programa de
processo projetual, as obras escolhidas contribuem
necessidades, assim como a setorização, é muito
em aspectos que vão além dos imediatos, e que
simples. Os usos foram concentrados em um
em termos de materialidade, contexto, relações
pequeno espaço que solicita apenas o básico: uma
históricas e pertencimento, agregam grandemente
área de descanso, uma cozinha, um ambiente para
no presente projeto.
refeição e um banheiro, todos voltados à espaços abertos. Esses respiros na construção evidenciam a potência da materialidade, que por sua vez reafirma os meios utilizados como repescagem de técnicas e referências das construções rurais típicas da Índia. Por fim, o Abrigo para Vítimas de Violência Doméstica, localizado em Tel Aviv-Yafo, Israel, demonstra como a solidificação de um espaço voltado para a proteção das mulheres desempenha as interpretações de escalas macro - cidade - e micro - usuário - dentro da arquitetura. Seu programa de necessidades também revela o que se entende por necessário à qualidade de vida da mulher que será hospedada nesse espaço, reiterando a importância da privacidade e da individualidade de cada usuário, mas construindo espaços coletivos e de encontro, e fazendo destes um núcleo simbólico dentro da narrativa arquitetônica. De todo modo, entende-se que as referências e associações nascem das singularidades e 141
142
antecedentes projetuais 4.1 sede castanhas de caju / estudio flume A cultura da produção artesanal de moradias no Brasil é comum e bastante característica. A população mais pobre, no anseio de diminuir o máximo de gastos possíveis, constrói suas casas de acordo a viabilidade econômica e geográfica dos materiais. Isso reflete muito na essência da construção e no relacionamento simbólico que é desenvolvido nesse processo. Pensado nisso, a Sede Castanhas de Caju consegue transmitir com clareza as relações de pertencimento e de entorno. A instituição Sede Castanhas de Caju se trata de uma casa reformada e ampliada pelo Estudio Flume, em 2018, para acolher a confecção de castanhas de caju. Conduzida por 6 mulheres, a cooperativa é um coletivo chamado Sementes Vida Nova que trabalha no manuseio, produção e venda de castanhas de caju em Vida Nova, Bom Jesus das Selvas, Maranhão (ESTUDIO FLUME, 2020). Antes da compra da casa sede, as trabalhadoras exerciam as atividades em um espaço alugado, e um novo ambiente que atendesse a demanda de FIGURA 22 projeto sede castanhas de caju 19-05-2021 archdaily.com.br
necessidades e que fosse projetado de acordo 144
com a dinâmica dos trabalhos surgiu para agregar na emancipação do coletivo e no desenvolvimento econômico da comunidade (ESTUDIO FLUME, 2018). A arquiteta Noelia Monteiro, uma das responsáveis por conceber o projeto, numa entrevista ao site Archdaily (2021, p. 10), entende a importância do fazer arquitetônico artesanal e suas limitantes: Gerações e gerações trabalham reproduzindo modos de fazer artesanais, que permitem dar continuidade às tradições, mas que, por vezes, nessa repetição do trabalho manual, traz consequências à saúde, como a má postura no local de trabalho, por exemplo.
Segundo informações disponibilizadas pelo Estudio Flume (2018), a intervenção faz parte de uma proposta que tem por objetivo contribuir com a melhoria dos espaços de trabalho de pequenas cooperativas dos estados do Maranhão e Pará. O estúdio teve a oportunidade de observar os costumes, técnicas e tradições para desenvolver o projeto dentro de uma perspectiva social e comunitária, “a gerar um ponto de encontro para os vizinhos” (ESTUDIO FLUME, 2018, p.1). Sendo assim, a reforma e ampliação partiu não somente da necessidade de um espaço que acolhesse esse trabalho, mas que também dialogasse com o lugar e com os moradores por 145
FIGURA 23 localização (modificado pela autora) 19-05-2021 google earth
meio das diversas possibilidades arquitetônicas (ESTUDIO FLUME, 2020). A localização do projeto dentro do estado do Maranhão está circundado pela vegetação de cocais na fronteira dos biomas da Amazônia e do sertão (ESTUDIO FLUME, 2020). Para complementar a análise do presente antecedente, o Plano de Ação para o Desenvolvimento Integrado na Parnaíba (2006) especifica o clima da mata de cocais - região onde o projeto está inserido - como quente e úmido, e partir disso surge a necessidade de se adaptar à condicionante climática com materiais disponíveis e as técnicas apropriadas. Para
início
do
estudo
do
presente
antecedente projetual, a insersão no entorno demonstra particularidades bastante relevantes. A implantação acontece num perímetro distante do núcleo urbano de Nova Vida, dentro de uma pequena comunidade, com apenas algumas construções envoltórias. Adjacente à uma rodovia, a sede se estrutura na mesma conformação das demais residências, e se abre para uma área rural provida de vegetações significativas. Reconhecendo o lugar com suas potencialidades préexistentes, o projeto considera o entorno - e principalmente as construções - como a essência e o simbolismo que permeia as relações vinculadas ao lugar, dissipadas pelas conformações das implantações. 147
FIGURA 24 implantação (modificado pela autora) 14-04-2021 estúdio flume
148
A planta de implantação também pode relatar a dinâmica dos acessos ao projeto. Com penas uma via adjacente - que recebe o fluxo de outra pouco mais distante - a obra faz divisa com uma rodovia que corta as cidades da região e que, portanto, não é estritamente direcional à edificação. Adentrando às questões de forma, função e estrutura, é essencial retornar aos princípios vitruvianos de análise de elementos e composições arquitetônicas. Para Vitrúvio (1960, p. 17 apud MANENTI, 2010, p. 8) “tudo deve ser construído na observância da durabilidade, da conveniência e da beleza” e acerca desse pensamento sua teoria fundamenta-se na resolução conjunta da forma, da função e da estrutura por uma vertente racional e coerente, e a partir desse conjunto de resoluções, constrói-se premissas justificáveis do partido arquitetônico. A sede castanhas de caju é uma reforma e ampliação de uma residência convencional num terreno de 12 metros de comprimento por 48 de profundidade (ESTUDIO FLUME, 2018). Sua forma foi parcialmente mantida - a configuração externa teve modificações quanto a inserção de elementos, mas não alterou seu formato inicial. A partir dessa simples forma retangular, juntamente com as definições de Ching (2013), é entendido que uma forma sólida, ou um “prisma puro” (CHING, 149
FIGURA 25 planta de demolição e ampliação para estudo de volumes (modificado pela autora) 14-04-2021 estúdio flume
150
2013, p. 57), não é dinâmica e suficiente como as composições cumulativas e subtrativas. Sendo assim, o projeto passa por uma transformação por adição aonde A natureza do processo aditivo e o número e os tamanhos relativos de elementos acrescentados determinam se a identidade da forma inicial será alterada ou preservada. (CHING, 2013, p. 50)
As plantas de demolição e ampliação permitem
uma
melhor
compreensão
sobre
as questões formais do projeto. Visto que sua configuração inicial era um pequeno retângulo, a inserção de novos ambientes não modificou a simplicidade da forma quando fora acrescentado um núcleo maior, pois este não se impõe à préexistência, na verdade, à compõe. A partir dessas mesmas plantas é possível verificar a transfiguração de uma residência simples de áreas reduzidas para um espaço adaptado e funcionalista. A circulação do empreendimento acontece em pontos específicos do projeto. A área de produção da castanha de caju e a área administrativa são setores que dividem as formas de percursos. Com embasamento em Ching (2013), entende-se esse tipo de circulação como linear, aonde a partir de um processo de armazenamento e cocção a circulação acontece, pois uma via reta pode ser o principal elemento 151
FIGURA 26 estudo de circulações (modificado pela autora) 19-05-2021 archdaily.com.br
152
organizador de uma série de espaços, mas também pode [...] formar um circuito fechado (CHING, 2013, p. 265).
A partir da análise do percurso das usuárias é possível identificar dois tipos de circulação: um primeiro, que traça a edificação ao meio e distribui para todos os ambientes; e um segundo, que compõe duas circulações predominantes, uma no setor de produção e manuseio da castanha de caju e outra no setor de embalagens, venda e administração. Entretanto, a apropriação do espaço pode ser diversa e imprevisível, as análises são embasadas em predominâncias, onde entende-se que há uma divisão setorial entre área de produção e área de ambientes administrativos, podendo transcender as limitantes genéricas. A função seguiu, com base nas premissas do projeto, as limitantes da própria forma. O desafio surge em transformar uma residência convencional em um espaço que cumpra as necessidades da função pela qual foi atribuído. O projeto
programa
conta
com
de três
necessidades setores
do
principais:
produção, administração e venda. Os ambientes correspondentes conformam a planta de forma que as funções se complementem e livram a sobrecarga de usos em ambientes específicos. A disposição do fluxo de produção reflete a coesão das decisões 153
FIGURA 27 setorização (modificado pela autora) 14-04-2021 archdaily.com.br
154
arquitetônicas - a armazenagem da lenha está próxima aos espaços de cocção e torra da castanha, que por sua vez estão adjacentes à etapa seguinte, a secagem; após a secagem, a quebra e o armazenamento das castanhas é delineado pelo fluxo de produção; em seguida, passam pelo processo de despiculização, embalagem e, por fim, é disponibilizada à venda. A linearidade desse fluxograma contribui em quesitos organizacionais e facilita na racionalização dos procedimentos. No que tange a estrutura, alterações são inexistentes quanto ao bloco antecedente, portanto a conformação interna foi pouco alterada. Quanto às
FIGURA 28 corte a (modificado pela autora) 14-04-2021 archdaily.com.br
instalações mais recentes, o Estúdio Flume (2018, p. 2) relata que O maior desafio durante a obra foi iniciar as escavações para fundações da ampliação, no verão (período de fortes chuvas), já que o período de locação não poderia ser estendido na sede alugado. Assim, 5 meses depois, a obra foi concluída.
Neste caso, a estrutura e a forma se complementam não somente a partir da préexistência, mas também, em função do novo uso. No que tange à insolação incidente, a fachada norte e oeste são as mais problemáticas e, concomitantemente, as quais hão mais presença
FIGURA 29 corte b (modificado pela autora) 14-04-2021 archdaily.com.br
de soluções para conforto térmico. Para viabilizar a climatização natural dos ambientes, os cobogós 155
156
foram dispostos pontualmente ao longo dessas fachadas, a fim de que pudessem facilitar a propagação dos ventos e arejamento nos ambientes internos. A insolação também é resolvida com as soluções da ventilação; os cobogós, juntamente com o banco - que também possui o papel de brise - cessam parcialmente a entrada da luz vespertina, cuja é intensa e desinteressante para esse contexto de obra. Trabalhar com as limitantes de uma antiga residência mostram a simplicidade das formatações arquitetônicas e técnicas construtivas do local. A cobertura de telha cerâmica com
FIGURA 30 vista frontal, materialidades e apropriação 05-06-2021 archdaily.com.br
estrutura de madeira é uma técnica ainda comum, principalmente por fatores econômicos e de matéria prima disponível, assim como o forro PVC. Os cobogós de tijolo vêm como uma alternativa acessível de melhora das condições de conforto e, por conseguinte, compõe uma estética simplista e sensível no projeto. Em conformidade com o elemento vazado, a estrutura de concreto que faz a proteção da luz solar possui em sua essência uma função racionalizada, mas que trabalha no conjunto como um símbolo de coletivismo; ousa-se dizer que, em termos arquitetônicos, é o qual traz a obra o simbolismo do caráter público (ESTUDIO FLUME, 2018). A resposta aos fatores bioclimáticos e 157
FIGURA 31 área de secagem 05-06-2021 archdaily.com.br
ambientais é impulsionada originalmente pela materialidade. Utilizando o tijolo cerâmico de oito furos, foi uma devolutiva ao projeto arquitetônico que consiste em compreender a demanda de materiais disponíveis no local, pois a alvenaria autoportante da antiga residência foi mantida e pôde ser complementada com o tijolo cerâmico. Os cobogós, também de tijolo cerâmico, assentados horizontalmente fazem uma composição no projeto para responder as condicionantes de ventilação FIGURA 32 vista frontal, relação dos espaços 05-06-2021 archdaily.com.br
e insolação, para que permeiem de maneira constante e reduzam recursos artificiais. As portas pivô venezianas também foram elementos levados ao projeto para garantir o fluxo constante dos ventos nos ambientes internos (ESTUDIO FLUME, 2020). O saneamento básico também foi um desafio no processo projetual. Trata-se de uma região sem sistema de esgoto e abastecimento de água potável e que exigiu do projeto um mecanismo de coleta de água pluvial, segundo dados cedidos pelo Estudio Flume (2018, p. 2), um “biodigestor de fossa séptica para o tratamento de esgoto, e um círculo de bananeiras para filtrar as águas cinzas”, dentro dos princípios da permacultura. Desse modo, cria um senso de zelo pela construção para que seja de uso coletivo e perdure no tempo (ESTUDIO
FIGURA 33 apropriação 05-06-2021 archdaily.com.br
mulher e criança - sede castanhas de caju / 2020 /archdaily.com.br
FLUME, 2018). Compreendendo a composição total da 160
obra, em termos tecnológicos, de uso, de forma, de estrutura e materialidade, é possível identificar uma premissa que rege todo o caráter e formação física do projeto: utilizar dos meios mais acessíveis econômica e geograficamente - para estruturar um projeto que visa colaborar com a comunidade, e a partir disso, conseguir estimular o desenvolvimento socioeconômico
daquela
comunidade.
Dessa
forma, é possível compreender os alcances da arquitetura e dos elementos componentes; da influência cultural e das barreiras não físicas que determinam a linha projetual e as subjetividades da composto arquitetônico. De todo modo, a Sede Castanhas de Caju é uma manifestação da representatividade e da potência feminina, aonde um grupo de mulheres puderam ressignificar o desenvolvimento econômico local. Ademais, o significado que o projeto perpetua com o contexto é inegável: a materialidade, o engajamento das relações de apropriação, as intenções sustentáveis e a permeabilidade entre núcleos racionais e núcleos simbólicos são quesitos relevantes à um projeto de tal escala e que certamente farão grandes contribuições no desenvolvimento do presente projeto de casa-abrigo.
161
FIGURA 34 uso 05-06-2021 archdaily.com.br
antecedentes projetuais 4.2 duas casas em paraty / ruy ohtake e julio katinsky O senso de comunidade que as duas casas em Paraty carregam no âmago do projeto é uma das partes mais evidentes do todo. Um projeto criado em 1969, explora as formas de se apropriar em um espaço habitacional e coletiviza os ambientes de maneira muito simples e programática (MARCELINO, 2020). Ruy Ohtake e Julio Katinsky, amigos e arquitetos, engajaram o projeto de uma casa de veraneio na cidade de Paraty, Rio de Janeiro. As duas casas em Paraty foram construídas em dois pequenos terrenos vizinhos, juntos medindo 8 metros de largura por 20 de comprimento (MARCELINO, 2020). Para as compreensões das dinâmicas e disposições das construções em Paraty, o mapeamento de figura e fundo surge como mecanismo de identificação de predominâncias e diversidades nos elementos sólidos da cidade. Neste caso, o mapa mostra como o projeto se insere de forma quase autêntica na malha urbana. FIGURA 35 interior 05-06-2021 archdaily.com.br
área comum duas casas em paraty / 2020 / archdaily.com
Sendo o alinhamento do lote totalmente preenchido pela maioria das edificações, o projeto constrói 164
essa mesma linguagem através do muro; isso permite que o complexo arquitetônico urbano não seja interrompido, e ao mesmo tempo possibilita a permeabilidade de um grande espaço interno, um vazio. Contudo, do mesmo modo que as casas se assemelham às demais construções, elas também se diferenciam; parte considerável das demais edificações levam o bloco até o alinhamento da calçada e usufruem o fundo do terreno para uma área livre, inversamente proporcional ao caso do projeto de Katinsky e Ohtake. A dualidade favorece à escala micro e à escala macro. Essa técnica de
FIGURA 36 figura e fundo 05-06-2021 google earth (da autora)
FIGURA 37 localização (modificado pela autora) 19-05-2021 google earth
localização duas casas em paraty / 2021 / google earth
estudo mostra como o projeto se insere de forma quase autêntica na malha urbana, pois a disposição do projeto permite que o complexo arquitetônico urbano não seja interrompido, e ao mesmo tempo viabiliza a permeabilidade de um grande espaço interno, um vazio. Adentrando às análises de implantação, pode-se verificar que a disposição do único bloco é encostado na divisa dos fundos, criando uma grande área frontal provida de vegetações e sombreamento. Também é importante salientar que embora exista um grande espaço entre o bloco e o a rua, a divisão de ambos acontece por um muro, cujo significado é estritamente relacionado às formas construtivas de Paraty. Os acessos acontecem pela Rua Jango Pádua, em ambos os sentidos. A casa, a partir da rua, apresenta os primeiros elementos visuais que se instalam no projeto e que instigam uma análise particular são as portas de entrada. Num muro branco, a simplicidade da composição da entrada afirma a característica das aberturas em madeira das residências patrimoniais de Paraty. A impossibilidade de ver através, para além do muro, permeia uma misteriosidade que
8
pousa sobre a coloração vermelha, que por sua vez emoldura as portas e reforça a robustez da face externa. A projeção quase que enigmática do projeto 167
FIGURA 38 implantação e acessos 05-06-2021 archdaily.com.br
168
se estende ao jardim, que embora dê plena visão ao núcleo arquitetônico, promove uma experiência de passagem por além de um projeto paisagístico; mas por um percurso que desfruta de uma farta massa vegetativa de plantas nativas e tropicais - tais como as palmeiras e bananeiras de jardim - para a construção sensorial e visual do ambiente. Mais da metade da extensão longitudinal do terreno é composta pela área verde. Isso abre uma possibilidade para a compreensão da relevância do vazio no projeto. Segundo as definições de Ching (2013) esse vazio, analisando pela perspectiva da escala urbana, deve ser entendido como
FIGURA 39 fachada 03-06-2021 archdaily.com.br
continuidade do tecido, como objeto passivo na sobreposição das edificações, como moldura ou como objeto singular. O alinhamento do muro na continuidade do skyline é não somente uma nítida reposta a préexistência, às técnicas e a arquitetura local, sem nenhum tipo de resgate ou referência externa; mas também age como um demarcador, que segundo Ching (2013) ajuda a delimitar o espaço vazio como elemento positivo. A integração do espaço interno com o externo, ainda dentro do terreno, também se configura como uma estratégia de compreensão dos cheios e vazios urbanos. Adentrando ao terreno, a interpretação do projeto arquitetônico e das ordens esquemáticas 169
FIGURA 40 vista interna 03-06-2021 archdaily.com.br
cores / 2020 / archdaily.com.br
acontece de maneira muito espontânea e direta. A conformação dos ambientes é, de longe, uma manifestação democrática dos usos e apropriações, mesmo num padrão habitacional. Embora sejam duas casas, formam-se uma unidade tanto pela forma - um único bloco - quanto pela integração congruente do espaço comum. Essa permeabilidade é reforçada principalmente pelo piso, que garante a continuidade em ambas residências. A materialidade é construída a partir do uso dos recursos e matérias locais. A pedra é utilizada nos muros laterais e compõe naturalmente a estética do lugar; na cobertura são utilizadas as
FIGURA 41 materialidade 03-06-2021 archdaily.com.br
telhas cerâmicas aparentes, bastante características da região; a madeira aparece principalmente nos elementos estruturais, aberturas ou forros, em sua maioria, colorida; a alvenaria é pouco utilizada, mas contribui para a divisão interna dos ambientes; e por fim, o concreto, que ressalta a contemporaneidade do projeto, presente em seu formato pré-moldado na escada, armado na mesa de refeição, e como elemento estrutural em alguns ambientes. A cor também gera uma importante reflexão sobre as composições e as materialidades. Embora os materiais também sejam utilizados na sua coloração e textura natural, a cor não sobrepõe o aspecto do material a fim de escondê-lo; interpretase esse uso como uma característica particular e 171
FIGURA 42 cores 03-06-2021 archdaily.com.br
indissociável ao arquiteto Ruy Ohtake. De acordo com Tavares (2005, p. 74), “Cor e estrutura são inseparáveis em seus trabalhos que criam a presença da unidade através da combinação destes elementos com o espaço”. A estrutura aparece na coloração vermelha, tais como as portas de entrada. Segundo Rambauske (s.d. apud PEDROTTI, 2018) o vermelho é uma cor que se destaca e que capta a visualização instantânea. A partir disso, entende-se a intuição do ponto focal nos elementos estruturais, uma vez que sua simplicidade e modularidade podem ser evidenciadas por esse mecanismo paralelo. O azul que entra na situação de esquadrias e mobiliários, nesse momento, entende-se por uma cor que harmoniza o vermelho, já que estimulas sensações de calmaria e pacificidade. O roxo na mesa de refeição está relacionado com a energização e purificação do ambiente, sendo coerente visto que os encontros no momento da refeição instigam comportamentos mais amenos nas pessoas. O verde e o amarelo ainda são vistos em mobiliários simples e compõem a seleção de cores no projeto. As cores usadas nas materialidades do projeto transcendem a compreensão do uso puro dos materiais de uma maneira razoável, sem prejudicar FIGURA 43 estrutura e elementos arquitetônicos 03-06-2021 archdaily.com.br
ou camuflar a arquitetura. As primárias, como azul e vermelho se comportam de forma bastante incisiva, 174
evidenciando os elementos dos quais fazem parte. As colorações secundárias, como o roxo da mesa e o verde do jardim, rompem o percurso dos olhos nas cores primárias mas se mesclam de forma bastante subjetiva e despretensiosa (PEDROTTI, 2018). Progredindo para a análise de estrutura, nota-se a forte característica modernista em alcançar grandes espaços livres sem muita robustez nos pilares ou vigas. Bruno Zevi (2009) entende esse funcionalismo como uma busca almejada desde os feitos góticos e que resulta em compreensões sociais do espaço, não mais um produto final no qual se pode anexar elementos ativos. A conformação da estrutura entra em uma esquemática em grelha, numa modularidade desconstruída, que alcança os vãos com pilares e vigas dispostos sistematicamente. Ching (2013) compreende que elementos lineares, tal como o pilar, pode contribuir na construção visual dos limites da cobertura sem necessariamente prejudicar o fluxo do ambiente. O posicionamento da estrutura é de ordem simples e objetiva: alcançar grandes vãos pelo conceito da planta livre com elementos esbeltos. No que diz respeito à planta baixa, podese dizer que a narrativa desta se constrói pela dinâmica convergente dos elementos arquitetônicos, estruturais e funcionais na compreensão integral das composições. Através desse instrumento é possível 175
FIGURA 44 setorização e circulação (modificado pela autora) 03-06-2021 archdaily.com.br
176
interpretar os usos de cada ambiente por setores, a performance da estrutura e os acessos. A confluência de usos é percebida principalmente no pavimento térreo. A área comunitária se estende da ponta de entrada até os ambientes internos como sala de jantar, sala de estar e cozinha. Essa integração atinge também os quartos térreos da fração esquerda - propriedade de Ruy Ohtake - enquanto a fração direita - propriedade de Julio Katinsky - explora apenas o pavimento superior como ambiente privado. É importante ressaltar que o sentido de privado, nessa obra, se dissolve em meio às áreas em comum, principalmente pela permeabilidade física dos quartos - mesmo que estejam em pavimentos diferentes - obtidas por um fator técnico de conforto térmico. Entendendo o muro e as portas de entrada, neste momento, como acesso, é possível compreender as estratégias que este complexo reflete no discurso arquitetônico. Ching (2018, p. 250) entende que Entrar em uma edificação, cômodo ou espaço externo bem definido envolve o ato de atravessar um plano vertical que distingue um espaço do outro separa o “aqui” do “ali”.
O autor afirma que quando um elemento, como um muro ou uma parede, é utilizado para fechar um espaço, a abertura de passagem pode ser 177
FIGURA 45 aqui e ali (modificado pela autora) 03-06-2021 archdaily.com.br
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destacada de acordo com sua forma ou seus aspectos físicos. Neste caso, a delimitação evidente das portas demarca com clareza a entrada e o desenho da circulação. Entretanto essa delimitação acontece paralelamente, em uma conformação distinta, na parte interna; O aqui e o ali são não são separados por uma barreira física, mas por uma experimentação espacial entre o público – áreas de uso comum e vegetação – e privado – salas e quartos. Sendo as áreas de convívio no pavimento térreo e os dormitórios no pavimento superior, a solução em levar a ventilação até os ambientes parte da configuração de um mezanino para abrigar esses ambientes, mas que além disso, também é sistematizada por treliças pivotantes feitas de madeira que facilitam a entrada dos ventos. A entrada de luz natural é um resultado da conformação da cobertura, onde a sobreposição dos planos em ângulo sucede numa abertura linear estruturada por vigotas de madeira que viabiliza a permeabilidade de luz nos ambientes privados. As portas vazadas em madeira que fecham a secção esquerda do conjunto também permitem a condução dos ventos para os ambientes em comum (MARCELINO, 2020). O conjunto arquitetônico de Ruy Ohtake e Julio Katinsky são compreendidos analiticamente como unidade, embora seja redundante pois 179
FIGURA 46 análise dos cortes (modificado pela autora) 03-06-2021 archdaily.com.br
180
os parâmetros formais e estruturais do projeto ressaltam a formação única do bloco, é importante salientar essa particularidade para a interpretação do ponto de vista das limitantes do privado. Embora a permeabilidade espacial seja uma forte característica, é ainda submetida a privacidade de cada unidade residencial, as casas são divididas muito sutilmente e conseguem por meio de elementos dinâmicos e estáticos - tais como a vegetação, a estrutura, as cores e texturas - alcançar a unificação da espacialidade, uma vez que a permeabilidade visual é muito mais presente do que a espacial. A solução frente as condicionantes climáticas vêm
FIGURA 47 relação dos espaços 03-06-2021 archdaily.com.br
como uma alternativa simples e viável de construir uma arquitetura coerente com o local de inserção, tanto por uma perspectiva urbana e história, quanto pela disponibilidade de recursos. A conformação de cada constituinte do projeto provém uma arquitetura objetiva e sensível, quase natural, que não nega as técnicas e a caracterização préexistente, tampouco a importância da contemporaneidade da construção. As contribuições do presente antecedente projetual ao projeto de casa abrigo é bastante amplo. Dentre as subjetividades, estar em conformidade com o contexto de inserção e considerar uma predominância significativa é, de fato, um quesito que embasa toda a existência do projeto. As soluções arquitetônicas são muito simples: comunitário no 181
FIGURA 48 dormitório no pavimento superior, lado katinsky 03-06-2021 archdaily.com.br
pavimento térreo e privado no pavimento superior; a forma simplista e racional de resolver os ambientes é relevante a partir da ótica da casa-abrigo pois, por este ser um projeto de escala média, a conformação dos ambientes deve ser solucionada conforme o fluxo predominante das usuárias. Extrair da região materiais que possam facilitar a mão de obra e baratear o custo também são quesitos importantes à serem considerados, bem como a relevância da dinâmica de cores entre os elementos arquitetônicos, estruturais e mobiliários - provocando sensações e ressignificando a exposição bruta dos materiais. O projeto exala sua existência pela relação que perpetua com Paraty, mostrando verdadeiramente seu caráter contemporâneo e sua comunicação harmônica com o respectivo cenário.
183
FIGURA 49 interior 03-06-2021 archdaily.com.br
antecedentes projetuais 4.3 grape pavilion / atelier shantanu autade Este
pequeno
centro
comunitário
localizado em Pohegaon, na Índia, pousa sobre um grande espaço rural, cercado por plantações e vegetações, e traz no estudo uma compreensão subjetiva do processo projetual. O arquiteto Shantanu Autade, responsável pelo concebimento do projeto, estabeleceu relações a partir das condicionantes externas para que o programa fosse construído de forma coerente e sistemática (SHANTANU AUTADE, 2019). Partindo de um estudo inicial sobre as condicionantes climáticas, a localização do projeto fica na região de Maharashtra, centro oeste da Índia, cuja temperatura quente apresenta chuvas eventuais favorecendo o trabalho agrícola na região. Devido à isso, a agricultura foi um grande agente para o desenvolvimento da economia local (SHANTANU AUTADE, 2019). Antes da migração para aquela região, as pessoas se abrigavam em cabanas que dispunham estruturas de cobertura nas delimitações do abrigo. FIGURA 50 grape pavilion 05-06-2021 google earth (da autora)
Em decorrência do impulso econômico local, as dhabas foram as próximas residências da população. 186
Com a chegada das técnicas de irrigação, pequenos galpões foram disseminados em sítios agrícolas para acolher os trabalhadores e fazendeiros durante os períodos de refeição e descanso das atividades rurais (SHANTANU AUTADE, 2019). O resgate cultural da obra baseia-se nas dhabas com varandas (SHANTANU AUTADE, 2019). São tipologias essencialmente características da Índia de barracas de alimentação construídas predominantemente
com
concreto
e
metal.
Localizadas fora dos perímetros urbanos de Maharashtra, são usufruídas como um espaço de descontração e descanso (THE TRIBUNE, 2004). A releitura também considera a cultura indiana, usuária de turbantes ou gandi hat, para a acompanhar a narrativa da varanda como elemento de proteção do sol e do calor. A interação dos resgates culturais e arquitetônicos justifica a premissa tipológica do projeto: um refúgio, abrigo e espaço de permanência (SHANTANU AUTADE, 2019). Como já visto, a forma como o projeto se desdobra é estruturada por um discurso sensível, fundada pela herança histórica local. Sua implantação em meio à um sítio agrícola se abre às plantações envoltórias e se destaca pela inexistência de construções adjacentes. Na situação da edificação, o acesso único por uma estrada não pavimentada remete à um fluxo específico 187
FIGURA 51 dhaba 05-06-2021 tribuneindia.com
os operários e lavradores. De fato, a implantação segue uma disposição linear dentro do sítio, mas que favorece, sobretudo, a melhor incidência solar.
189
FIGURA 52 implantação (modificado pela autora) 06-06-2021 archdaily.com.br
FIGURA 53 localização 05-06-2021 google earth
O
caráter
contemporâneo
da
obra
transcende uma mera impressão formalista e é funcionalizada de forma muito transparente dentro do programa de necessidades. O refúgio compõe um único bloco que intenciona unificar os dois pedaços de terra ao norte e ao sul. Esse bloco é composto por uma área de serviço e cozinha, uma área de estar e uma área de descanso. A cozinha estar centralizada na planta reflete muito sobre o momento da alimentação e a importância desse ritual nas circunstâncias do trabalho rural. A área de descanso e o espaço de convivência são dispostos nas laterais da cozinha, a primeira sendo mais privativa e a segunda, um ambiente comunitário para refeições. Esses ambientes foram compreendidos dentro de dois núcleos estruturais: o comunitário e o privativo. Os espaços em comum - área de refeição e área de serviço ou cozinha - se concentram em uma extremidade da construção enquanto a privada - banheiro e área de descanso - espelhamse na outra extremidade. Essa conformação permite que os fluxos não se intercalem ou desordem nas circulações específicas. Salientando as questões de circulação, é percebido que a maneira como a disposição do bloco principal é trabalhado origina uma circulação linear que pode ser em linha reta, bem como “formar um circuito fechado” (CHING, 2013, p. 265). Essa 191
FIGURA 54 setorização (modificado pela autora) 06-06-2021 archdaily.com.br
192
formatação facilita o acesso aos ambientes e reforça a assertividade da conformação racional dos ambientes - uma circulação simples para uma forma racional. A
partir
ortogonalidade
de nas
então,
é
relações
notado
uma
arquitetônicas
presentes. A forma do projeto conflitua com as plantações de um modo bastante interessante. Enquanto a vegetação exala por si a forma orgânica, o movimento e o desprendimento do retilíneo, a construção nasce pela essência ortogonal e racionalista; entende-se, portanto, que as condições contextuais permitem a forma ortogonal pelo diálogo de divergências complementares. A insolação também é pensada em conformidade com as demais condicionantes. A incidência de luz solar leste e oeste faceiam as fachadas menores do bloco. Por ser um local de temperaturas quentes, a pouca incidência de luz matinal faz com que o calor não se dissipe tão intensamente; o mesmo acontece com a fachada oeste. A área verde entre o muro e a edificação contribui para a obstrução parcial da luz solar, absorvendo boa parte do calor. Já a ventilação é trabalhada estritamente com os materiais e elementos arquitetônicos. As grandes aberturas possibilitam o arejamento constante dos ambientes internos, bem como as 193
FIGURA 55 circulação interna (modificado pela autora) 06-06-2021 archdaily.com.br
194
áreas verdes internas. Um elemento importante para a continuidade dos ventos é a cobertura de chapa de aço ondulada; projetada acima do limite das paredes, a cobertura consegue receber e dissipar a ventilação natural. Sua inclinação sujeita os ventos à um percurso direcional, fazendo com que apenas uma pequena parcela deles saia do edifício e a outra adentre. Segundo as considerações de Ching (2013, p. 122) O plano do teto de um espaço interno pode refletir a forma do sistema estrutural que sustenta o piso acima ou o plano de cobertura. Quando não está resistindo às forças climáticas ou transferindo grandes cargas, este plano pode estar destacado do plano de cobertura ou do piso acima e se tornar um elemento visualmente ativo no espaço.
Estar em destaque na composição formal e visual da construção revela complementações relevantes ao projeto: a primeira é justamente a retomada das antigas construções de Maharashtra, pela busca de um embasamento sociocultural coerente; a segunda, é o aproveitamento do programa de necessidades sucinto para construir um ponto focal estratégico; e por último, a indução dos ventos na climatizar os ambientes, pois através da tecnologia de proteção configura uma ordem formal que responde às condicionantes climáticas. A estrutura conta com materiais muito simples, de fácil manutenção e construção. O 195
FIGURA 56 estudo de ventilação e insolação (modificado pela autora) 06-06-2021 archdaily.com.br
196
esqueleto estrutural, apoiado em uma plataforma de concreto, tanto das vedações quanto da cobertura, é de perfis metálicos modulares. A vedação de concreto acompanha o esqueleto, cujo percorre todo o projeto para apoiar a disposição da grande cobertura de zinco (SHANTANU AUTADE, 2017). A materialidade utilizada também é um forte reflexo das considerações arquitetônicas e tipológicas locais, uma vez que as construções preexistentes dessa região indiana utilizam do concreto e do metal nas paredes e em coberturas prolongadas (SHANTANU AUTADE, 2019). De todo modo, o projeto é embasado, principalmente, pelo fator sociocultural. O simbolismo que exala a partir de considerações preexistentes contribui em toda a conformação arquitetônica. Além disso, a simplicidade transcende os materiais e elementos construtivos: está na própria setorização. O programa de necessidades enxuto é construído em simplicidade, considerando as particularidades dos usuários e dividindo subjetivamente o privado e o comum. O uso, a apropriação, as técnicas e as materialidades desempenhadas no local são projetadas para que a arquitetura corresponda com coesão ao local de inserção, com as tecnologias apropriadas - num contexto de fragilidade econômica
197
FIGURA 57 diagrama (modificado pela autora) 06-06-2021 archdaily.com.br
- e com os fatores climáticos. Para o projeto de casa abrigo, o presente 198
antecedente contribui em noções de racionalização dos materiais e da setorização. Trabalhar com materiais modulares, viáveis economicamente e de fácil manipulação é um fator extremamente positivo para o desempenho e custo da obra. A formação da circulação e do acesso aos espaços também auxilia na dinâmica de fluxos dos usuários, direcionandoos livremente aos ambientes internos. E sobretudo, o sentido subjetivo desenvolvido por considerações das características e hábitos locais são fundamentais para criar naturalmente vínculos de pertencimento e afeto com o local. A referência resgatada do Grape Pavilion auxilia em noções técnicas de projeto, mas também demonstra a importância de fatores sentimentais, que fazem o usuário identificar-se com o lugar e que permitem o projeto ser interpretado por uma perspectiva mais sensível.
199
FIGURA 58 projeto e entorno 06-06-2021 archdaily.com.br
200
antecedentes projetuais 4.4 abrigo para vítimas de violência doméstica / amos goldreich architecture + jacobs yaniv archtecture Compreender e interpretar a importância de um abrigo voltado para o acolhimento de mulheres vítimas de violência doméstica vêm na presente análise como um norteador para problemas e soluções específicos que podem ser faceados durante o processo de desenvolvimento do projeto da casa-abrigo. A ideia de implantar um abrigo na cidade de Tel Aviv-Yafo, em Israel, foi alavancada pela No To Violence, uma organização de valores feministas dirigida pela ativista Ruth Rasnic que tem como propósito erradicar a violência familiar pelo homem (NO TO VIOLENCE, 2021). Essa proposta foi entendida como necessária a partir dos dados indicados pelo Relatório Mundial Sobre Violência e Saúde de 2002, apontando que nos casos de mulheres vítimas de assassinato, um percentual de 40 à 70 abrange mulheres em situação de relacionamento abusivo constante (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2002). Segundo o escritório
201
FIGURA 59 abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica 16-09-2021 jacobs-yaniv.com/projects/shelter-for-battered-women/
Amos Goldreich (201-) a finalidade do abrigo é de 202
acolher e amparar mulheres e crianças que estejam em situação de violência e abuso, sendo imparcial à culturas, etnias ou localidades das vítimas. A cidade de Tel Aviv-Yafo, aonde o presente abrigo se encontra, possui um histórico conturbado de guerras e violência. Protestos contra à brutalidade policial (LIEBERMANN; CONLON, 2015) contra o aumento da violência doméstica (BBC, 2020), seguidos por ataques ininterruptos, foguetes e explosões (PELEG, 2021) fazem do meio urbano um lugar ofensivo e inóspito, extremamente perigoso para a liberdade do cidadão, em especial, da mulher. Entende-se que este contexto está longe de dissolver as façanhas do patriarcado e da misoginia. Vê-se neste projeto uma premissa muito maior do que os imbróglios da arquitetura; na verdade, trata-se mais sobre olhar o projeto por uma perspectiva de conflitos históricos que até os dias de hoje aprisionam a figura feminina em aspectos inimagináveis ao cotidiano ocidental - todavia, longe de ser exemplar. A arquitetura, neste momento, reflete certamente a inquietude e o desespero da necessidade por um objeto físico que possa desempenhar-se como uma redoma e dar uma resposta superficial à um problema enraizado geográfica e historicamente em terras árabes. Embora a relevância do uso e ocupação sejam 203
quase
que
ensurdecedores
para
a
FIGURA 60 atentado em Gaza 16-09-2021 https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57069211 204
construção da presente análise crítica, também fazse necessário entender os mecanismos internos e como a própria cultura israelita pôde reverberar na essência do projeto. Como já dito, o obrigo está localizado em Tel Aviv-Yafo, cidade litorânea da região mediterrânea de Israel, cujo clima caracteriza-se predominantemente como quente e úmido (SAFAR; OLIVEIRA, 2019). O abrigo com 800m² é implantado dentro da malha urbana em um bairro residencial, circundado por casas e edifícios residenciais particulares. Segundo o escritório de arquitetura Amos Goldreich Architecture (201-) este abrigo é consolidado no intuito de substituir um antigo abrigo criado há 37 anos. Israel não possui muitos refúgios com a finalidade de proteger mulheres e crianças lesadas pela violência patriarcal; geralmente, esses abrigos estavam em edifícios reformados, sem acessibilidade ou mecanismos de segurança. O terreno foi concedido pelo município para a construção do abrigo, mas os vizinhos tornaram-se um empecilho pois se opuseram à sua solidificação; somente após seis anos o Tribunal Superior se posicionou a favor da consolidação do projeto. O programa de necessidades contava com duas solicitações imediatas: as famílias residentes
205
FIGURA 61 localização (modificada pela autora) 28-09-2021 google earth
precisavam
ter
suas
individualidades,
mas
coexistirem entre si e com a equipe; e o projeto deveria 206
propor a sensação de lar, acolhimento e segurança, sem remeter à uma prisão (AMOS GOLDREICH, 201-). Dado esta informação, o conceito do edifício foi moldado por Amos Goldreich a partir de uma referência extraída da obra Okamoto, de Eduardo Chillida; a obra surge por uma escavação feita em uma montanha, e que por sua vez deu origem à ideia de uma pedra cuja é moldada por duas superfícies, externa e interna. O conceito do abrigo surgiu, então, da intenção em obter duas cascas completamente inversas: uma externa rustica e impermeável, e uma interna lisa e fluida (GONZÁLEZ, 2018). Através da implantação é possível identificar que mesmo a construção sendo, como um todo, um padrão destoante das demais construções, ela se assemelha na composição de blocos, onde a sobreposição e a angulação destes propõe essa analogia às residências adjacentes. Além de ter uma ligação contextual, essa conformação resgata as definições da forma aditiva de Ching (2013) no que tange à forma agrupada, que é um “conjunto de formas agrupadas pela proximidade ou por compartilharem uma característica visual” (CHING, 2013, p. 59). Quando há a existência de sobreposição nos volumes, eles podem ter diferentes interpretações: ser visualmente subdivididos ou fundidos. No decorrer da análise a planta baixa será destrinchada, porém vale salientar neste 207
FIGURA 62 análise macro (modificado pela autora) 28-09-2021 google earth 208
momento que os blocos diagonais são justamente dormitórios familiares que, portanto, foram divididos para cada família ter sua individualidade, mas que, pela perspectiva do todo, fazem parte de um mesmo objeto. O acesso acontece pela via principal - contando que há também uma via secundária aonde a entrada foi cessada - cujo explora o senso de restrição e segurança. Ser discreto e quase imperceptível contribui na relação de segurança da vítima, que adentra ao edifício sem ao menos FIGURA 63 estudo preliminar 28-09-2021 https://www.youtube.com/watch?v=5ZYBWqSOEgc
perceber que está fazendo-o, mas é provocada pela sensação de enclausuramento, que neste caso, pode ser benéfico à construção da relação edifício-usuário. Essa circulação induzida passa do externo para as mediações internas. Através da planta baixa é possível relacionar a circulação com a configuração e disposição racional dos setores. Por meio de um simples croqui proposto por Ruth Rasnic juntamente com os arquitetos, foi possível transpassar a ideia da conformação dos espaços, pensando literalmente no centro como o coração do abrigo e desenvolvendo-o como uma área verde e permeável, o ápice da proposta coletivista do projeto. Essa formatação remete aos estudos de Ching (2013) quando aborda questões sobre uma
209
FIGURA 64 espaço coletivo 28-09-2021 archdaily.com
unidade de opostos. O autor sustenta que 210
A relação simbólica das formas de massa e espaço na arquitetura pode ser examinada, e sua presença é constatada em diferentes escalas. Em cada nível, devemos atentar não somente à forma da edificação, mas também a seu impacto sobre o espaço circundante (CHING, 2013, p. 98)
Com isso, interpreta-se que um espaço interno concebido com a função de prolongamento do externo ao interior com função de pátio ou átrio, “compondo um esquema introvertido” (CHING, 2013, p. 98) acessa o objetivo de incorporar os ambientes mais privados por meio de um ambiente comum, e para além disso, propõe a noção de um espaço plural e acessível, que pode ser apropriado da forma como as usuárias melhor o entenderem. Analisando a menor escala do edifício, percebe-se que ao adentrar o edifício a usuária depara-se
com
alguns
escritórios,
assim
denominados, que muito provavelmente tratamse de salas de apoio imediato, como atendimento psicológico, social e jurídico. Após a triagem da vítima, há uma distribuição que acompanha a própria forma do edifício, como um espiral, que finaliza no em um espaço íntimo e coletivo - íntimo à aquelas que já residem no abrigo mas que dividem coletivamente este espaço. Esse espiral circunda um ambiente externo que desfruta do papel de prover um respiro à edificação, aonde mulheres e crianças usufruem desse espaço de encontro para prolongar 211
FIGURA 65 setorização e circulação (modificado pela autora) 28-09-2021 archdaily.com
212
a narrativa de acolhimento e liberdade que o local proporciona. No pavimento superior concentra-se o setor administrativo, locado em uma fração mais privativa da edificação aonde o acesso acontece majoritariamente por funcionários e prestadores de serviços. A incidência de luz solar no edifício é consideravelmente inibida por sua rigidez e pela ‘casca’ externa, o que vêm como um ponto positivo ao projeto uma vez que o clima da região é predominantemente morno e árido (WEATHER SPARK, 2021). O que se mostra no estudo de insolação trata-se das faces que recebem as insolações mais relevantes do dia - onde a insolação leste volta-se aos alojamentos, e a oeste projeta no bloco de uso coletivo. Contudo, extrapolando a análise rígida da insolação, nota-se também que o centro, o coração do projeto, aonde se encontra a área verde livre, também é provida do recebimento dessa luz solar de forma que possa ser dissipada como iluminação natural pelos corredores adjacentes. Esse vazio é compreendido pela sua subjetividade, mas também possui uma utilidade bastante significativa para a dinâmica funcionalista da edificação. Segundo o site Weather Spark (2021) a predominância do sentido dos ventos em Tel-Aviv Yafo é sentido oeste, mas que pode ser alterado conforme as épocas e estações do ano e as edificações envoltórias. O que 213
FIGURA 66 insolação e ventilação (modificada pela autora) 11-11-2021 archdaily.com
214
se nota pela implantação e o sentido dos ventos é que os ambientes que mais precisam ser arejados - os dormitórios, principalmente pela rotatividade de usuárias - foram priorizados. A área coletiva também recebe essa ventilação, a qual necessita igualmente da renovação do ar constante devido a concentração de pessoas. Entendendo o projeto pela tríade vitruviana (MANENTI, 2010), no que compõe a estética, a função e a estrutura, é possível desdobrar análises sobre a inter-relação destes elementos e sua composição no que diz respeito à matéria. Interpretase a forma do edifício como reafirmação de seu uso, isto é, a proteção física e espacial que mulheres e crianças vítimas de violência doméstica precisam está intrinsecamente ligada a disposição construtiva do projeto; sua rigidez, já comentada nesta análise, solidifica a necessidade explícita de um espaço que se fecha para o externo e que não necessariamente o nega - já que, como dito na análise de implantação, sua disposição formal em planta remete nitidamente às construções adjacentes - mas prioriza a necessidade de resguardo das usuárias. Enquanto o projeto valida questões fundamentais para que seu uso seja coerente com sua função, a materialidade caminha como um simples desdobramento estético.
215
FIGURA 67 materialidade 12-11-2021 archdaily.com.br
A estética, neste caso, não nasce da naturalidade e espontaneidade do material, mas quiçá é justificado, 216
ao que se entende da situação, por uma premissa econômica. Os tijolos cinzas são o material mais evidente no projeto, contando também com a presença de perfis metálicos em algumas estruturas de esquadrias e pergolado; o que se pensa sobre essa materialidade é que sua superficialidade quase dispensa uma análise mais subjetiva de como e o que motivou tais materiais serem utilizados. Entende-se, portanto, que o projeto de abrigo para mulheres está associado à um contexto socialmente nocivo à figura feminina. Pelo seu uso, dedica-se totalmente por responder à um problema de escala atemporal com a narrativa pela qual a arquitetura se constrói no projeto, com premissas que sustentam sua inserção como objeto urbano numa trama problemática, e com a qualidade da qual o pensamento direcionado à usuária se constrói e solidifica-se na forma física da arquitetura. O estudo do presente projeto auxilia, principalmente, no que tange à interpretação do contexto social de determinado ponto geográfico perante a qualidade de livre-arbítrio da mulher, em como a arquitetura percorre as escalas para correspondê-las em função de problemas que extrapolam as noções técnicas de projeto, e a importância da qualidade de vida dos usuários enquanto parte viva e dinâmica do projeto. 217
FIGURA 68 apropriação 12-11-2021 archdaily.com.br 218
projeto o terreno Sabe-se que a escolha do terreno é um passo de extrema importância na coerência da idealização do projeto. Num primeiro momento, a seleção de terrenos disponíveis em Presidente Prudente foi pautada na consideração de metragem quadrada e disponibilidade legal do zoneamento. Em função disso, foram levantadas características positivas e negativas do terreno e do contexto de inserção do projeto para que a escolha estivesse de encontro com as premissas de acessibilidade e disponibilidade. A primeira opção de terreno foi considerada, a priori, por sua localização estratégica. Dividindo os limites com a Avenida Washington Luís, o terreno 1 dispunha de equipamentos como a DDM, o Hospital Nossa Senhora das Graças e a Praça Nove de Julho. As considerações de acesso ao empreendimento seriam grandemente favoráveis devido à proximidade da Praça - cuja recebe a maioria das linhas de ônibus que dão acesso aos vários pontos da cidade - e à proximidade de alguns FIGURA 69 terreno selecionado 01-06-2021 da autora
pontos de ônibus. A avenida, embora seja menos movimentada no período noturno, dispõe uma boa 220
iluminação e uma gama interessante de diversidade de usos - lojas, restaurantes, farmácias, residências, entre outros. As qualidades do terreno eram bastante propícias ao que se esperava para um projeto de casa-abrigo, contudo, a impossibilidade de acessar a preexistência no lote - principalmente em função da atual pandemia do coronavírus - obstruiu os estudos in loco e levantamentos planialtimétricos. Em sequência, a segunda opção surge para agregar no quesito de área necessária para implementação do projeto. Trata-se do remembramento de vários terrenos que compõem um único espaço capaz de abrigar inúmeras possibilidades arquitetônicas. A potencialidade formal
do
terreno
sugere
alguns
princípios
formais como sobreposição de blocos, espaços complementares e conexões diretas ao externo. Sua localização é relativamente boa no que se refere ao acesso, entretanto, um quesito importante para a escolha do terreno é que esteja localizado mais próximo à DDM e à equipamentos de distribuição de fluxos. Embora cumpra muitos dos requisitos abordados, o terreno deixa de ser considerado para o projeto arquitetônico pelo seu contexto de inserção; o bairro predominantemente residencial afronta no que se pensa sobre o percurso seguro da mulher pedestre que se dirige até a casa-abrigo; mesmo que esteja próximo a Avenida Manoel Goulart, uma 221
FIGURA 70 situação dos terrenos 31-05-2021 google eath 222
possível usuária que se desloca da DDM para o
residências unifamiliar e multifamiliar, comércio e
terreno precisa caminhar por ruas residenciais que,
serviço vicinal e de bairro, comércio e serviço geral
em sua maioria, são desprovidas de boa iluminação
e específico, indústria não poluitiva, com o gabarito
e pontos de fuga.
de altura livre, entre outros parâmetros e índices
A escolha final pelo terceiro terreno decorre,
urbanísticos. O terreno faz divisa com três vias
como já dito, de expectativas relacionadas ao
importantes da cidade: Rua Casemiro Dias, Rua
acesso, à disponibilidade legal, à localização
Reverendo Coriolano e Rua Sete de Setembro; além
pertinente, à proximidade com pontos de ônibus
da Avenida Manoel Goulart no extremidade norte da
e ao percurso seguro à instituições análogas.
quadra. As vias que circundam o terreno são eixos
Debruçando pouco mais sobre a escolha, o terreno,
secundários que coletam o fluxo das vias principais
situado no bairro Vila Ocidental e pertencente
e redistribuem para outras vias principais, portanto,
à Zona de Comércio e Serviço 1, que permite
são constantemente movimentadas.
FIGURA 71 zoneamento (modificado pela autora) 01-06-2021 presidenteprudente.sp.gov.br 223
FIGURA 72 terreno no contexto urbano 01-06-2021 google eath 224
FIGURA 73 mapa de figura e fundo 01-06-2021 da autora
225
FIGURA 74 topografia do entorno segundo a prefeitura municipal 01-06-2021 da autora (prefeitura municipal de presidente prudente)
Compreendendo o entorno do terreno,
fundo, juntamente com os levantamentos apontados
algumas análises são abordadas para que seja
até então, nota-se que o terreno está inserido numa
possível engatilhar ideias em conformidade com
malha diversificada - estimando uma pluralidade de
o contexto. O mapa de figura e fundo é agregado
usos e apropriações - que cede ao espaço de projeto
aos estudos para a avaliação de cheios e vazios e
possibilidades multifacetadas de implantação.
pode iniciar as considerações de massas urbanas.
Os estudos planialtimétricos do entorno
Através da análise, é possível identificar a presença
considerado revelam informações indispensáveis
de composições densas e maiores na porção
ao desenvolvimento do projeto. Baseado nos
norte em relação à porção sul; isso se deve pela
documentos
influência que a avenida tem sobre o uso e a forma
Municipal de Presidente Prudente, entende-se que o
das construções. Percebe-se também que ao sul
entorno do terreno possui um grande espaço plano
e à leste, as figuras se dissolvem paulatinamente
dentro das curvas de nível. Esse espaço adentra
dentro do limite da quadra. Pelo mapa de figura e
numa fração do terreno, porém quase imediatamente
disponibilizados
pela
Prefeitura
226
é sequenciado por um declive em relação à Rua
Em sequência, a hierarquia viária do
Casemiro Dias. O aproveitamento dessa topografia
local é analisada para que seja considerado a
pode induzir à possibilidades alternativas de
intensidade de fluxos nas proximidades do terreno.
disposição dos blocos, bem como ser cedido ao
A via arterial distribui perpendicularmente as vias
espaço público e desempenhar uma gentileza
coletoras, que por sua vez intercedem em vias
urbana. Após as análises de entorno, será retomada
locais. O fluxo viário da avenida difundido nas vias
a topografia específica do terreno, seu formato inicial
coletoras é bastante presente nas mediações do
- segundo a prefeitura - e as modificações para sua
terreno, isto é, a circulação de automóveis em duas
forma atual.
das três ias de acesso é mais intensa e caótica. Considerando essa análise, é de se pensar que um projeto de médio porte como o proposto pode intervir consideravelmente na dinâmica do trânsito local. A proximidade do projeto com a avenida pode propiciar um percurso relativamente curto do terreno para o centro da cidade - aonde estão os equipamentos urbanos mais importantes e o acesso ao deslocamento para pontos variados da cidade. Aprofundando nas construções vizinhas ao terreno, é considerável as compreensões dos usos e ocupações existentes. Nota-se a grande quantidade de residências mesmo se tratando de um perímetro predominantemente comercial, contudo, as misturas de usos - comércio, serviço, misto e institucional delinearam principalmente a avenida e mesclam parcialmente entre as unidades residenciais. Da ótica do projeto, a diversidade de usos FIGURA 75 mapeamento da hierarquia viária 01-06-2021 da autora
227
pode viabilizar a construção de uma unidade socioinstitucional devido ao fato de levantar 228
Neste momento, também é importante salientar os levantamentos do gabarito de altura. 2
Segundo o mapeamento, existem construções
1
no limite estudado que possuem mais de três pavimentos, mas são quantidades ínfimas em relação às construções mais entre um e dois pavimentos. Observa-se também que as edificações térreas são majoritariamente núcleos residenciais. Esse ponto pode ser bastante nutritivo aos objetivos traçados para a casa-abrigo: entendendo que muitas edificações térreas são residências, a sugestão do direção do registro fotográfico
projeto de que sejam criados laços afetivos com o lugar e desenvolvido uma relação de lar-usuária
FIGURA 76 mapa de uso e ocupação 01-06-2021 da autora
considerações com o entorno preexistente - no caso da segunda opção de terreno, por exemplo, uma
2
1
projeto de escala média poderia trazer malefícios aos moradores por ser um bairro predominantemente residencial. Da ótica da segurança, os múltiplos usos na avenida se tornam um ponto conveniente ao projeto, pois se a chegada da vítima à casa-abrigo for percorrida a pé, advinda da delegacia, o trajeto ao longo da avenida pode ser menos perigoso uma vez que a presença de comércios e serviços abertos em períodos estratégicos podem reforçar a proteção à mulher. 229
FIGURA 77 mapeamento gabarito de altura 01-06-2021 da autora
direção do registro fotográfico
230
pode advir da determinante de pavimentos. Além de promover uma relação mais próxima com o usuário, a quantidade inferior de pavimentos incorpora as características preexistentes do contexto. A arborização é um fator essencial na climatização urbana e nos pontos de descanso em longas caminhadas. Nota-se a escassez de árvores em dois pontos muito importantes: na extensão da avenida e nas porções imediatas ao terreno. Com poucas árvores, o percurso pela avenida é consideravelmente dificultado, principalmente pela
FIGURA 78 vista 1 da avenida manoel goulart 01-06-2021 da autora
2
predisposição da cidade à altas temperaturas
1
1 2
FIGURA 79 vista 2 da avenida goulart direção do manoel registro fotográfico 01-06-2021 da autora
FIGURA 80 mapa de arborização 01-06-2021 da autora
direção do registro fotográfico
232
durante boa parte do ano. Nas mediações do terreno, esse problema pode ser resolvido através da inserção de novas árvores em pontos estratégicos que climatizem os ambientes e amenizem a incidência solar oeste, entretanto, a situação atual é certamente desfavorável aos pedestres que utilizam essa região da cidade. A respeito da iluminação, percebe-se a concentração de postes de iluminação no perímetro analisado é maior na avenida em relação às demais FIGURA 81 vista 1 da arborização na rua casemiro dias 01-06-2021 da autora
vias. Considerando uma média de três postes por quarteirão, a disposição distante dos postes cria zonas de sombreamento que podem ser prejudiciais às usuárias em casos de caminhadas noturnas. Essa
3
1
FIGURA 82 vista 2 da arborização na rua reverendo coriolano 01-06-2021 da autora
FIGURA 83 mapeamento de iluminação 01-06-2021 da autora
2
direção do registro fotográfico
234
defasagem ajuda na intenção de prolongar o projeto às áreas públicas para que a vivência dos espaços urbanos imediatos sejam mais seguras possíveis. Atualmente, a área está sujeita à uma iluminação insatisfatória e ineficiente, com alguns pontos de perigo gerados pela disposição indevida de árvores e postes de iluminação, simultaneamente. Na Rua Casemiro dias, notou-se pela análise in loco que a iluminação dissipada pelos três postes ao longo de todo o quarteirão é complementada FIGURA 84 vista 1 da iluminação na rua casemiro dias 02-06-2021 da autora
por iluminações privadas - estima-se que os comerciantes e moradores adicionem a iluminação à rua por precaução e segurança - sendo assim, esse ponto do terreno é pouco mais iluminado em relação aos outros acessos. A Rua Reverendo Coriolano tem pontos bastante
negativos
dentro
dos
quesitos
já
apresentados. É uma rua predominantemente escura, que recebe iluminação somente de dois postes, um em casa extremidade do quarteirão. A fachada do terreno que dá acesso à essa rua é extremamente problemática, pois a falta de iluminação e a presença de uma árvore de porte grande dificultam a visão do pedestre. Ademais, essa rua também é complementada por iluminações privadas, já que a escuridão toma conta de uma FIGURA 85 vista 2 da iluminação na rua reverendo coriolano 02-06-2021 da autora
parcela significativa da via e dos passeios. A Rua Sete de Setembro, de todos os 236
mulheres e crianças abrigadas. Também é importante debruçar sobre as questões de transporte coletivo, tópico importante para muitas mulheres que dependem do transporte público municipal. De acordo com o aplicativo Meu Ônibus Prudente Urbano, disponibilizado pela Empresa de Transporte Público de Presidente Prudente (PRUDENTE URBANO, 2018) nos limites do entorno estudado há presença de apenas dois pontos de ônibus localizados na Avenida Manoel FIGURA 86 vista 3 da iluminação na rua sete de setembro 02-06-2021 da autora
Goulart. Os dois pontos de ônibus locados são
acessos ao terreno, é a menos problemática em períodos noturnos. Isso se deve a quantidade reduzida e ao porte das árvores ao longo do
1
passeio, pois com árvores menores, a incidência da
2
iluminação é maior e consequentemente o percurso se torna menos incômodo. Em função das análises, é entendido que há necessidade de remanejamento de iluminação em pontos específicos do terreno. Todas as ruas precisam ser revistas e replanejadas, porém, estima-se um olhar especial para a rua Reverendo Coriolano, cuja apresenta problemas sérios e que podem interferir severamente na segurança das 237
FIGURA 87 mapeamento de pontos de ônibus 01-06-2021 da autora
direção do registro fotográfico
238
espelhados e distribuem para os bairros os fluxos quem vêm de ambos os sentidos. A visita no local pode esclarecer as condições e tipologias desses pontos de ônibus. Um dos pontos é identificado apenas por um totem, sem assento ou locais para descanso, com um passeio curto que abriga tanto a circulação dos pedestres quanto as pessoas que aguardam o ônibus. O outro ponto localizado na análise in loco é pouco mais estruturado que o anterior, entretanto, a modulação padrão do município dispõe pontos de ônibus em perfis metálicos, e que por mais que haja assento para o público, a absorção de calor do metal deixa o banco inutilizável.
FIGURA 88 vista 1 do ponto de ônibus na avenida manoel goulart 03-06-2021 da autora
Entendendo as condições atuais, a precariedade dos pontos de ônibus é demasiadamente relevante, pois sua qualidade não corresponde aos padrões mínimos de conforto estimados à um equipamento urbano; entretanto, se sobressai o fato da presença destes pontos nas proximidades do projeto ser útil às mulheres e filhos que dependem do transporte público para trabalhar, irem à escola ou circular na cidade. Para
melhor
compreensão
sobre
a
espacialidade do perímetro analisado, o estudo volumétrico demostra claramente as relações topográficas para com as edificações e a insolação. Com ele, é possível identificar possibilidades de implantação e avaliar o comportamento do projeto 239
FIGURA 89 vista 2 do ponto de ônibus na avenida manoel goulart 03-06-2021 da autora
em relação às preexistências, e como elas se correlacionam. Pelo
estudo
volumétrico,
também
é
possível identificar as nuances na topografia. Percebe-se agora, mais nitidamente, a presença do muro de arrimo. Caso esse elemento não fosse identificado, o surgimento de impasses durante o processo projetual e, inclusive, na obra, poderiam acarretar danos consideráveis ao projeto e ao custo deste. Portanto, a presente análise pode relatar a trama de interconexões de elementos físicos nos assentamentos. Afunilando a análise para o limite do terreno,
FIGURA 90 perspectiva 1 08-06-2021 da autora
a topografia surge para melhor compreensão da formatação planialtimétrica do espaço em estudo. Os arquivos cedidos pela Prefeitura Municipal apresentam
uma
topografia
com
diferenças
consideráveis em relação a topografia atual.
A
antiga topografia apresenta curvas de níveis mais espaçadas e uma fração plana menor, já a topografia atual possui um declive mais brusco - portanto curvas de níveis mais próximas, e um fragmento plano muito maior em relação ao dado posterior. É de exímia importância que seja apresentadas as variantes temporais dessa situação topográfica para que seja entendido como eram as características as características posteriores do terreno, bem como as noções governamentais sobre esse espaço; 241
FIGURA 91 perspectiva 2 08-06-2021 da autora
Porém, para que o projeto arquitetônico seja desenvolvido de acordo com os parâmetros reais, foi concebida uma avaliação da presente situação do terreno a fim de que seja compreendido como ele de fato está. Na primeira situação, é possível identificar um caimento mais suave e contínuo e na segunda situação, a queda da topografia é brusca, com grandes espaços planos, adicionado um muro de arrimo próximo ao centro do terreno, que recebe o solo da parcela mais alta. Essa conformação da situação topográfica, mostrada em curvas de nível com 0,50m de equidistância, apresenta um desnível de 2,50m de altura, do ponto mais alto ao ponto
FIGURA 93 topografia atual 01-06-2021 da autora
mais baixo.
FIGURA 92 topografia cedida pela prefeitura municipal 01-06-2021 da autora (prefeitura municipal de presidente prudente) 243
FIGURA 94 cortes topográficos longitudinal e transversal 03-06-2021 da autora 244
FIGURA 95 topografia acesso rua casemiro dias 03-06-2021 da autora
FIGURA 97 topografia acesso rua sete de setembro 03-06-2021 da autora
Os acessos ao terreno também dialogam incisivamente com questões projetuais. São três acessos que acontecem pelas Ruas Reverendo Coriolano, Sete de Setembro e Casemiro Dias. Essa dinâmica de acessos amplia as possibilidades de
conformação
de
blocos
e
circulações,
providenciando um potencial positivo no que diz respeito à definição setorial do projeto e aos percursos internos e externos. Quanto às dimensões do terreno, é entendido pela Prefeitura Municipal que este possui no total 5.143,37m², contando com todas FIGURA 96 topografia acesso rua reverendo coriolano 03-06-2021 da autora
as disposições - na verdade, o terreno é considerado um só pois seu desmembramento não foi efetuado. 246
A porção do terreno que efetivamente será utilizada no projeto é a qual mostra a figura 99, com as medidas atuais. Compreendeu-se a necessidade de utilizar uma fração mais regular do terreno a fim de facilitar o processo projetual, além de ter uma metragem quadrada coerente com o programa de necessidades. Esse dimensionamento adentra à essa fase de estudo para que seja possível compreender o que a Prefeitura entende pelo espaço e o que efetivamente pode ser proveitoso para uma construção civil de tal porte. As medidas também facilitam a compreensão de escalas e proporções em relação ao entorno imediato.
FIGURA 99 medidas atuais 03-06-2021 da autora
A condição dos passeios também foi levantada na análise micro. No início do processo de levantamento local, as calçadas apresentavam rachaduras,
desnivelações
e
patologias
que
dificultavam a caminhada - quesito preocupante para pessoas fisicamente limitadas, como idosos, gestantes ou cadeirantes. As calçadas em melhores condições são as que estão de fronte para estabelecimentos comerciais mais novos, ao mesmo tempo que as calçadas em piores condições localizam-se adjacentes à construções mais antigas; predominantemente, a manutenção das calçadas do quarteirão é inexistente.
247
FIGURA 98 mapa de acessos e medidas 03-06-2021 da autora
Entretanto, na última visita no local realizada 248
dia 02 de junho de 2021 foi possível presenciar a reestruturação nas calçadas envoltórias ao terreno para fins de um possível empreendimento residencial. As imagens na sequência podem relatar essa fragilidade do terreno enquanto objeto urbano; sabe-se que a situação das calçadas é um problemática de grande proporção na cidade de Presidente Prudente, e associar sua manutenção ou reestruturação à uma iniciativa privada é inevitável quando já se espera pouca movimentação do poder público em relação à qualidade e acessibilidade do espaço urbano. O
mapa
de
insolação
e
ventilação
FIGURA 100 mapa da qualidade das calçadas 03-06-2021 da autora
demonstra a direção da luz solar em relação ao terreno, bem como a predominância leste dos ventos em Presidente Prudente. Essa análise contribui grandemente para o desenvolvimento de soluções de conforto térmico e melhor disposição da construção. Por esse estudo, é notado que a disposição de blocos no sentido longitudinal do terreno é mais interessante tanto para a climatização natural dos ambientes e entrada de ventilação, quanto para obstrução do calor dissipado na fachada oeste. A fachada norte, cuja recebe boa parte do percurso do sol durante todo o dia, neste caso, é razoavelmente amenizada pelo gabarito de altura das edificações vizinhas, bloqueando parte dessa insolação que pode ser incômoda. A insolação e 249
FIGURA 101 atual situação da calçada rua sete de setembro 03-06-2021 da autora
250
ventilação são condicionantes que determinam as potenciais técnicas e materiais construtivos, a fim de que seja construído um espaço coerente com as condicionantes climáticas locais e que seja capaz de proporcionar conforto térmico para os usuários, considerando também seu impacto no entorno imediato. Finalizando as análises pertinentes ao terreno, entende-se a importância de relatar a existência de preexistências no local a ser projetado FIGURA 102 antiga situação da calçada rua sete de setembro 03-06-2021 da autora
e como será procedido. Uma fração importante do terreno foi utilizada para a construção de uma empresa bancária privada. Com a existência dessa edificação, o terreno passa de 5.143,37m² para 3397,40m², com mais de 1.500m² cedidos à uma instituição privada. Entendendo o processo evolutivo do presente trabalho e os estudos iniciais, a parcela do terreno utilizada será considerando a existência da edificação adjacente, sem desapropriação. Isso porque entende-se o tal projeto como um processo real, o qual poderia ser solidificado; reafirmar a presença de préexistências, sustenta as justificativas do projeto e orienta as tomadas de decisões quanto à estrutura física do lugar e do objeto construído. O aporte técnico do terreno e do entorno imediato demonstra situações adversas, favoráveis,
FIGURA 103 atual situação da calçada rua casemiro dias 03-06-2021 da autora
bem como complementares, e relata a disposição de elementos e condicionantes que implicam 252
variações significativas nas decisões projetuais e na compreensão do impacto no entorno enquanto unidade urbana. Utilizar os dados coletados para um melhor desempenho do projeto arquitetônico é fundamental para que o concebimento da casaabrigo seja coerente e que as modificações no contexto seja benéfica perante as mínimas e máximas escalas, prevendo todas as adversidades e precavendo os pontos mais delicados.
FIGURA 104 insolação e ventilação 07-06-2021 da autora
FIGURA 105 usos atuais 01-06-2021 da autora 253
254
projeto diretrizes projetuais, conceito e partido Dado
ao
contexto
urbano
e
às
condicionantes físicas do terreno, as diretrizes projetuais do presente projeto nascem de intenções norteadoras e objetivas para a melhor compreensão do propósito da casa-abrigo e o que se estima de seu funcionamento. Tratando de quesitos sociais, propõe-se: •
Acolher as vítimas em uma estrutura apta para tal, com os serviços e equipamentos necessários;
•
Direcionar as abrigadas aos setores dispostos na unidade e extra institucionais (apoio jurídico, delegacias e hospitais) de acordo com a problemática;
•
Facilitar e oferecer meios de capacitação profissional dessas mulheres para sua reincersão - ou desenvolvimento - no mercado de trabalho;
•
Fornecer apoio psicoterapêutico na mediação da casa-abrigo para o acesso facilitado;
•
Acolher os filhos das vítimas que tenham até 18 anos ou mais de 18 anos portadores de
deficiência
física,
e
fornecer
apoio
psicoterapêutico e pedagógico; • 255
Promover eventos, palestras e oficinas que 256
informem e ocupem as mulheres, tanto como forma de engajamento da mulher no mercado de trabalho quanto como lazer. Direcionando as diretrizes para a ótica
A partir dos objetivos traçados pelas diretrizes, é solidificada a ideia a partir do que se anceia ao projeto e as possibilidade de sua performance. O
arquitetônica, os objetivos circundam em:
conceito nasce a partir da compreensão básica do
•
Propôr uma estrutura modular como previsão
seguimento do projeto. Entendendo que seu uso
para possíveis ampliações;
está fortemente atrelado a um ato de resistência
Trabalhar com materiais econômicos, locais
histórico, seu conceito adentra à postura política que
e que agilizem o processo da obra e futuras
sua própria existência exala. Concomitantemente,
manutenções;
surge o potencial de acolhimento e de segurança
Promover a funcionalidade dos espaços a partir
que a estrutura arquitetônica pode conceber sem
de uma setorização racional considerando a
que se debruce sobre si mesma e recuse a cidade.
premissa democrática do projeto;
Por fim, a flexibilidade também associa-se ao
Promover o sentido de coletivo nos ambientes
conceito para que essa estrutura consiga responder
sem intervir na individualidade dos ambientes
da melhor forma às imprevisibilidades do seu uso e
privados.
dos usuários. O fato de acolher e ser flexível está, na
•
•
•
No quesito topografia, um importante
verdade, vinculado ao que se entende da postura
elemento para construir os objetivos do projeto, é
política que o projeto apresenta, que por sua vez
entendido que é necessário
está atrelada ao sentido de coletivo e apropriação
•
comum.
Interferir o mínimo possível na disposição natural do terreno para fins de barateamento de custo
•
257
que possam positivar e qualificar o projeto.
Dado os três eixos do conceito, o partido
da obra e construção mais rápida;
emerge na função de ceder estratégias construtivas
Utilizar o desnível a favor da composição
para que os objetivos sejam verdadeiramente
arquitetônica.
alcançados. Sendo assim, a resposta ao papel
De acordo com os respectivos intuitos do
político do projeto é anexada à promoção de espaços
projeto de casa-abrigo, foi pretendido construir a
comunitários e integradores, aonde possa aflorar os
ideia a partir das condicionantes físicas do lugar,
vínculos de pertencimento e cumplicidade para com
considerando suas potencialidades e características
a construção, além de possibilitar o estreitamento das 258
relações dos usuários, compartilhando os ambientes e reconhecendo o espaço como lar. O acolhimento que se propõe está relacionado com as formas de proteção que a arquitetura pode propiciar sem que enclausure a usuária específica; a noção liberdade pode ser promovida pela utilização de mecanismos alternativos à muros, grades e fechamentos grotescos, e pode ser articulada de formas menos incisivas. A flexibilidade está intrinsecamente ligada às propostas de materialidade e técnicas construtivas; os ambientes podem ser dinamizados para que tenham a possibilidade de corresponderem à uma variação limitada de situações. As diretrizes projetuais, o conceito e o partido se complementam numa linha de raciocínio que permeia o início e o desenrolar do projeto arquitetônico. No processo, considerar as condicionantes para além do terreno é essencial na compreensão de contexto e de probabilidades geradas pelo lugar. Com esse núcleo de intenções FIGURA 106 diagrama do conceito 06-06-2021 da autora
projetuais, na tentativa de responder ao programa e a função do projeto, a casa-abrigo amarra seus aspectos físicos e subjetivos na simplicidade de ser habitada coletivamente.
259
260
projeto massas e volumes Os estudos esquemáticos iniciais são fundamentais para entender as possibilidades do terreno, dos acessos e da disposição setorial. Serão apresentados três estudos de massas e volumes que iniciaram as formatações de setorização e que contribuíram para a decisão final. A primeira distribuição de setores nasce da premissa de utilizar o mínimo possível do espaço do terreno. O bloco geral - vale ressaltar que a nomeação foi colocada desta maneira para entender os usos principais, porém considera-se os setores de apoio, de atendimento, comunitário e administrativo - teria acesso pela Rua Reverendo Coriolano, concentrando todos os ambientes comunitários neste núcleo, enquanto o alojamento se localizaria no pavimento superior. Entretanto, os principais motivos para o prosseguimento das possibilidades projetuais foram a insolação e a acessibilidade. Tendo aproximadamente metade dos dormitórios voltados à um sol oeste poderia prejudicar consideravelmente no conforto térmico, e embora soluções como brise e materiais porosos pudessem ajudar na obstrução parcial do calor, 261
262
o custo e a modularidade já não seriam mais cumpridas como as diretrizes do projeto. O custo também esbarra em questões de acessibilidade, o terreno permite que seja trabalhado em nível térreo, e um gasto com elevadores ou rampas pode ser evitado. A partir desta primeira intenção, o processo projetual começa a ter partidos cada vez mais coerentes e intencionais. O segundo estudo, agora considerando uma formatação térrea em prol de questões de
FIGURA 108 estudo 2 07-06-2021 da autora
acessibilidade, possui uma forma retilínea na qual é concentrado todos os setores. Este grande núcleo é subdividido por setores específicos, que se conectam objetivamente, induzem uma circulação bastante simples e aproveita a maior fração térrea do terreno para responder à acessibilidade, bem como à incidência de luz solar oeste e calor. Entretanto, alguns impasses foram levantados durante o estudo
263
FIGURA 107 estudo 1 07-06-2021 da autora
dessa formatação. Setorizar os dormitórios em um espaço de alojamento quadrangular poderia 264
inviabilizar questões espaciais, pois pela forma,
maior aproveitamento de espaço e às questões de
a quantidade de quartos seria limitada. A partir
insolação. Durante a construção da ideia, foram
disso, interpretou-se a forma deste estudo como
identificados impasses que poderiam esbarrar
insuficiente para corresponder ao programa de
na premissa espacial. Viu-se que o espaço para
necessidades inteiro.
alojamento seria muito pequeno em relação ao
Surge, então, um terceiro estudo para lidar
que se precisa, mesmo trabalhando com medidas
com as novas adversidades faceadas. Dispor
265
mínimas.
apenas dois blocos paralelos que se conectariam
O quarto e último estudo foi o qual prevaleceu
por um espaço livre poderia ser uma alternativa ao
por resolver melhor os problemas levantados até
FIGURA 109 estudo 3 07-06-2021 da autora
FIGURA 110 estudo 4 07-06-2021 da autora
266
então. Dispor o bloco de administração voltado à Rua Sete de Setembro é um facilitador em função do acesso viário. Embora sua fachada esteja voltada à oeste, ao contrário do estudo 01, a área geral está implantada no pavimento térreo,fazendo com que a incidência solar não se prolongue tanto, auxiliada também pelas questões topográficas do entorno - por ser um local mais baixo, a topografia e as construções adjacentes ajudam a bloquear parcialmente a insolação. O bloco comunitário foi locado com a intenção de trabalhá-lo em aterramento, pois sua configuração permite que o espaço de alojamento e o espaço de convivência se interliguem diretamente, provocando as relações de proximidade e pertencimento. A posição dos alojamentos é favorável em relação a insolação e ao fluxo estimado da usuária quando chega no abrigo. As respostas que são construídas pelas intenções projetuais durante o presente estudo contribuem no desenvolvimento constante da disposição setorial a fim de favorecer ao máximo o concebimento técnico do projeto.
267
268
projeto programa de necessidades Para estruturação do programa de necessidades da casa abrigo, a Norma Técnica de Uniformização - Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (SPM, 2006) e o Decreto Estadual n° 12.342/1978 serão condicionantes norteadoras para a concepção dos ambientes necessários para um centro de acolhimento e habitações coletivas. Para tanto, uma tabela foi desenvolvida a fim de facilitar a esquematização e organização dos ambientes componentes da casa-abrigo. As áreas descritas fazem parte do complexo da casaabrigo que visa acolher a mulher e fornecer o devido suporte para que o local possa suprir a demanda de necessidades com coerência. Na ala administrativa a mulher será recebida e direcionada para as instâncias do abrigo de acordo com sua necessidade; é nela que se encontra a administração e os atendimentos específicos, TABELA 1 programa de necessidades e metragem quadrada 01-12-2021 da autora
bem
como
os
suportes
para
funcionários e colaboradores. O setor da cozinha e ateliê fazem parte de um complexo coletivo aonde as dependências da cozinha podem ser utilizadas mutuamente por funcionários e moradoras. O ateliê
269
270
também compõe o espaço para ceder às mulheres um espaço físico para trabalhos artesanais, oficinas e exposições internas. O setor de alojamento é especificamente onde as os hospedeiros pousam durante sua estadia; nesses módulos coletivos, além dos dormitórios individuais, são dispostos uma copa, uma lavanderia e banheiros acessíveis para uso coletivo. O programa de necessidades contribui para a formulação e solidificação do projeto no que tange à setorização e a disposição regular dos ambientes dentro do terreno.
271
272
projeto casa uma O projeto da casa-abrigo surge como uma resposta imediata às problemáticas referentes à agressão doméstica na cidade de Presidente Prudente; desde o levantamento analítico histórico, cultural, contextual e, mais incisivo, no próprio terreno. A Casa Uma é uma instituição pública de caráter social e assistencialista que presta serviço de acolhimento e dá suporte para a restituição da mulher à sociedade após a experiência traumática da violência. Seu nome surge da interpretação das vítimas dentro do contexto da violência, isto é, o lugar de acolhimento entende que cada mulher, dentro de sua individualidade, é submetida à uma situação singular de violência, a qual apenas essa mulher vivenciou e somente ela tem o local de fala da sua própria dor; mas que enquanto moradora do abrigo, pode alicerçar-se no apoio coletivo de mulheres que vivenciaram o mesmo, que em inúmeras vozes, elas tornam-se uma única força, tornam-se uma. A casa terá funcionamento todos os FIGURA 111 módulo 01-06-2021 da autora
dias da semana, intermitantemente; Isso permite que à qualquer horário uma mulher possa ser 274
recebida
e abrigada, e viabiliza a liberdade
das moradora em chegar e sair do abrigo, caso necessário. Uma vez que o funcionamento será constante, é importante ressaltar a necessidade da rotatividade de funcionários recepcionistas para reforçar a segurança e o controle da entrada e saída das mulheres residentes. Neste projeto, foram considerados para funcionamento pleno das atividades disposta no abrigo: recepcionista, psicóloga, psicopedagoga, médica, cozinheiras, nutricionista, professoras, advogada, assistente social e zeladora. É de suma importância que essas profissões sejam supridas por mulheres a fim de
FIGURA 112 acesso rua casemiro dias 05-12-2021 da autora
que o processo da estadia na casa-abrigo esteja praticamente inibido de constrangimento. Adentrando ao núcleo técnico de projeto, pode-se entender a casa primeiramente por uma escala macro. Em junção com as análises de contexto bairro feitas anteriormente, é possível compreender através da Prancha 1 a atual situação do projeto, a setorização proposta e a modificação da topografia incidente ao terreno. Inicialmente foi pensado na implantação a partir de um quarteto de premissas que sustentou a atual modulação dos blocos: a iniciativa de movimentar minimamente a topografia existente, a escolha da rua de acesso à edificação visando o usuário pedestre, e a circulação de caminhões de descarga e as condicionantes 275
FIGURA 113 entrada 05-12-2021 da autora
276
básicas de insolação e ventilação. Pode-se dizer que a escolha do acesso à edificação norteou as demais problemáticas a serem resolvidas. Abrir o acesso à Rua Reverendo Coriolano foi uma alternativa que englobou tanto a circulação de moradoras, como de funcionários e veículos; essa escolha foi embasada na justificativa da localização do terreno - por ser uma área mais urbanizada e movimentada, entendeu-se a necessidade de ter um único acesso para uma maior controle dessas circulações. A partir de então, consolida-se os blocos: o primeiro, administrativo, voltado diretamente ao perímetro público; o segundo, abrigando a cozinha e o ateliê, locado
FIGURA FIGURA 114 102 loja atual situação da calçada rua sete de setembro 05-12-2021 03-06-2021 da da autora autora
estrategicamente viabilizar a carga e descarga dentro da edificação; e um terceiro setor, aonde estão os alojamentos, situados numa porção mais privada em relação ao acesso. Essa disposição também fluiu beneficamente às questões de insolação e ventilação. Sabe-se por estudos anteriores que os ventos predominantes dessa região são sentido oeste-leste, o que possibilita o cruzamento dos ventos por grande parte da área construída; no que diz respeito à incidência de calor, o sol oeste é voltado direcionalmente aos dormitórios, entretanto, essa decisão pode ser respaldada pela condição espacial do terreno - a limitação formal e espacial impede que múltiplas soluções sejam alcançadas, principalmente dentro da proposta de módulos 277
FIGURA FIGURA 115 102 sala psicopedagogia atualde situação da calçada rua sete de setembro 05-12-2021 03-06-2021 da da autora autora
278
CASA UMA
CONTEÚDO
446
SITUAÇÃO 1:500
446
ÁREA TOTAL DO TERRENO
3397,98m² IMPLANTAÇÃO
25.37
RUA SETE DE SETEMBRO
88.18
RUA REVERENDO CORIOLANO
SEM ESCALA
445
LEGENDA
48.04
ALOJAMENTO 445
ATELIÊ
36.27
444
444
443 443 22.76
445 444 443
COZINHA ADMINISTRAÇÃO
1 / 14
51.53
1
RUA CASEMIRO DIAS
SETORIZAÇÃO 1:500
AUTORIA
BÁRBARA AGNELI
0
5
10
de alojamento independentes; em contrapartida, foi proposto soluções sustentáveis para essa problemática que serão levantadas no decorrer do memorial. Por conseguinte, a topografia se ajusta nesse formato simples através de um talude, aonde aproveita o direcionamento natural das curvas de nível e às desloca minimamente para alcançar um terreno plano e uma edificação térrea. Em seguida, um olhar mais próximo da disposição desses bloco leva à planta de cobertura do projeto. A partir da cobertura ainda é possível verificar a disposição delimitada dos setores, os quais são divididos e compartilhados por vazios. Antes
FIGURA 116 jardim central 05-12-2021 da autora
de iniciar as discussões técnicas, é imprescindível afirmar a importância desses espaços vazios no projeto, que por sua vez se fazem majoritariamente áreas verdes que propiciam respiros dentro de uma disposição funcional de elementos construídos. Em todos os setores foi utilizado os mesmos materiais e método construtivo, enquadrando estes às condições específicas de cada bloco. A cobertura é estruturada por treliças metálica preta que varia o ângulo de acordo com a inclinação da construção, e é sobreposta por telhas sanduíche termo acústica com preenchimento de poliuretano que possui grande resistência ao calor. Na administração foi trabalhado com duas inclinações diferentes para cada água do telhado, isso se deve ao mecanismo 281
FIGURA 117 espaço coletivo 05-12-2021 da autora
282
1.85
14.52 7.09
.05
1.50 7.08
.15
14.52 .15
7.09
.05
1.50 7.08
.15
14.52 .15
.05
7.09
2.05 7.08
.15
17.67 .15
7.30
.15
9.92
.15
3.49
5.30
15.24 .05
7.04
.15
7.85
.15
1.70 .15
.15 TELHA SANDUÍCHE POLIURETANO i = 5%
16.87
16.87
TELHA SANDUÍCHE POLIURETANO i = 5%
CAIXA D'ÁGUA 500L
TELHA SANDUÍCHE POLIURETANO i = 5%
CAIXA D'ÁGUA 500L
TELHA SANDUÍCHE POLIURETANO i = 5%
CAIXA D'ÁGUA 500L
16.87
PROJEÇÃO LAJE ISOPOR
TELHA SANDUÍCHE POLIURETANO i = 5%
PROJEÇÃO LAJE ISOPOR
TELHA SANDUÍCHE POLIURETANO i = 5%
PROJEÇÃO LAJE ISOPOR
TELHA SANDUÍCHE POLIESTIRENO i = 5%
.15
.15
.15
1.42
CASA UMA
CAIXA D'ÁGUA 2000L
CONTEÚDO PROJEÇÃO LAJE ISOPOR
PLANTA DE COBERTURA 1:200
PROJEÇÃO LAJE ISOPOR
7.40
9.92
CAIXA D'ÁGUA 500L
CAIXA D'ÁGUA 500L
PROJEÇÃO LAJE ISOPOR
PROJEÇÃO LAJE ISOPOR
PROJEÇÃO LAJE ISOPOR
7.04 .15
3.30 10.69
RUA REVERENDO CORIOLANO
.15
2.91
CALHA
PROJEÇÃO ABERTURA SHED
1.70
1
TELHA SANDUÍCHE POLIURETANO i = 5%
TELHA SANDUÍCHE POLIURETANO i = 5%
16.87
TELHA SANDUÍCHE POLIURETANO i = 5%
TELHA SANDUÍCHE POLIURETANO i = 5%
16.87
TELHA SANDUÍCHE POLIURETANO i = 5%
PROJEÇÃO LAJE ISOPOR
.15
MÓDULO ALOJAMENTO - 244,95m² COZINHA+ATELIÊ - 441,72m² ADMINISTRAÇÃO - 315,23m²
ÁREA TOTAL
2.226,65m²
4.40 .15
4.55
.15
PLANTA DE COBERTURA 1:200
CAIXA D'ÁGUA 500L
PROJEÇÃO LAJE ISOPOR
2 / 14 .15
RUA SETE DE SETEMBRO
16.87
TELHA SANDUÍCHE POLIURETANO i = 5%
.05
PROJEÇÃO LAJE ISOPOR
CALHA
PROJEÇÃO ABERTURA SHED
CALHA
CALHA
CALHA
2.05
ÁREA DA COBERTURA POR SETOR
18.66
TELHA SANDUÍCHE POLIURETANO i = 20%
TELHA SANDUÍCHE POLIURETANO i = 5%
21.53
19.72
TELHA SANDUÍCHE POLIURETANO i = 5%
CALHA
CALHA
5.82
CALHA
TELHA SANDUÍCHE POLIURETANO i = 12%
PROJEÇÃO LAJE ISOPOR
18.36
PROJEÇÃO LAJE ISOPOR
25.13
PROJEÇÃO LAJE ISOPOR
CAIXA D'ÁGUA 2000L
7.09 .15 1.85
7.09
7.08 .05 14.52
.15 .15 1.50
7.08 .05 14.52
7.09 .15 .15 1.50
7.08 .05 14.52
.15 2.34
AUTORIA
BÁRBARA AGNELI
0
RUA CASEMIRO DIAS
2
4
de ventilação com abertura em shed - justamente para a direção dos ventos - que favorece uma ventilação constante dos ambientes internos. Na cozinha e ateliê a cobertura foi desenvolvida no mesmo formato, com exceção de uma fração que corresponde ao local de carga e descarga de alimentos; ali foi proposto uma cobertura mais alta para que caminhões possam adentrar ao edifício e descarregar mantimentos e utensílios dentro de um espaço coberto, como a norma exige. No alojamento, foram dispostas coberturas individuais para cada módulo; a diferença está no sentido da inclinação, pois enquanto as demais coberturas
FIGURA 118 materialidade 05-12-2021 da autora
direcionam a água para as extremidades, o alojamento faz o caimento voltado para o centro do bloco. Esse sistema é sustentado pela iniciativa de captação de águas pluviais e armazenamento em cisterna. A captação acontece pelo próprio pilar central que embasa o telhado, e conduz as águas para o reservatório subterrâneo. Esse propósito sustentável interviu diretamente na conformação da cobertura. É possível identificar em todos os blocos a presença de caixas d’água. Optou-se por trabalhar esse instrumento isolado a fim de que a distribuição não esteja dependente somente da pressão da água, favorecendo a dissipação direcional. Para a administração e cozinha foi implementado duas 285
FIGURA 119 dormitório 05-12-2021 da autora
286
8.76
6.97
6.97
6.97
.57
.40 .40
.45
2.50
CONTEÚDO
PLANTA BAIXA GERAL 1:200
2.00
1.19
5.15
5.15
5.15
14.00
3.00
CASA UMA
HORTA
1.80
HORTA
2.50
2.45 14.22
14.22
3.00
49.85
2.50
19.00
9.10
1.80
14.22
5.02
1.80
1.20
CISTERNA SUBTERRÂNEA COLETA DE ÁGUA PLUVIAL
14.22
2.70
14.22
2.40
2.72
39.66
1.65
1.40 .80 1.40
2.21
2.40
13.30
3.60
8.85
2.30
3.60
8.80
1.71
1.89 .50
2.45
2.45
2.45
2.45
.12
5.17
5.15
5.15
5.15
.48
2.33
LEGENDA DE VEGETAÇÕES
OITI (PRÉEXISTENTE) COSTELA DE ADÃO RÁFIS CALATÉIA ZEBRINA
CRÓTON (EXTERNO) HORTIFRUTI
1.89
1
RUA REVERENDO CORIOLANO
1.80
2.226,65m²
2.00
14.22
12.01
HORTA
2.70
1.65
2.45
2.45
ÁREA TOTAL CONSTRUÍDA
PLANTA BAIXA 1:200
TREPADEIRA-CASTANHA +MORÉIA TREPADEIRA-CASTANHA LIMOEIRO
7.10
7.12
7.12
JABUTICABEIRA
GRAMA SÃO CARLOS GRAMA PRETA
50.76 5.18
7.08
HORTIFRUTI
12.46
20.00
16.14
4.
10
3 / 14 AUTORIA
.70
RUA SETE DE SETEMBRO
7.12
PITANGUEIRA
BÁRBARA AGNELI
48.60 0
RUA CASEMIRO DIAS
2
4
caixas d’água de 2000L, uma em cada setor. Nos dormitórios, casa módulo possui uma caixa individual de 500L que deve suprir 6 pessoas, em média. Em seguida, a planta de paisagismo pode sustentar o que é proposto para a porção vegetativa do projeto. Nos estudos preliminares foi verificada a presença de uma árvore da espécie oiti na calçada de acesso do terreno, optou-se por mantê-la e preservar a preexistência do entorno imediato, e dirigir o projeto cuidadosamente aos elementos naturais. Na administração, internamente, são dispostos três canteiros centrais aonde estão as
FIGURA 120 vista rua casemiro dias 16-12-2021 da autora
plantas costela de adão, ráfis e calatéia zebrina; elas são adequadas à ambientes internos, entretanto não são completamente isoladas da luz do sol, uma vez que a abertura em shed possibilita a entrada de luz natural no ambiente interno. Essas vegetações foram pensadas nesse bloco para propiciar um respiro na rigidez da construção, conciliando elementos
orgânicos
à
ortogonalidade
dos
materiais construtivos. Adjacente à administração está um jardim interno pensado por dois motivos estruturadores: possibilitar a ventilação e insolação dos ambientes internos tanto da administração quanto da cozinha e ateliê, e dar suporte às salas de atendimento caso seja quisto pela usuária conversar com as profissionais em um ambiente 289
FIGURA 121 jardim central 05-12-2021 da autora
290
externo, provido de uma massa vegetativa que pôde fazer-se um espaço além de um vazio inóspito. Nele, são dispostas as plantas costela de adão e cróton, cujos precisam de luz solar indireta para a qualidade de seus crescimentos. Em sequencia, um jardim ao lado do refeitório traz ao espaço, além da ventilação e insolação aos quartos adjacentes, um respiro para a área de refeição como objeto de contemplação. A grande área verde central têm os alojamentos voltados para si, e se faz um espaço de apropriação e experimentação das moradoras, um
lugar
aonde
podem
repousar,
brincar,
conversar; intencionalmente a reprodução de uma rua. Inicialmente, para o projeto, são escolhidas três espécies de árvores - isso porque o plantio de árvores nesse espaço, desde que adequado e cuidadosamente analisado, pode ser fruto de uma iniciativa interna de manuseio e plantio de plantas são elas o limoeiro, a pitangueira e a jabuticabeira. É entendido que árvores frutíferas nesse espaço podem unificar as relações de pertencimento para com o local, proporcionar a experiência da colheita, além de ceder sombreamento na porção interna do abrigo. Os vazios criados entre os módulos são essencialmente para a entrada de ventilação e insolação nos quartos, contudo, foram criados espaços de horta entre os alojamentos para que a colheita seja efetivamente uma atividade cotidiana 291
FIGURA 122 paisagismo interno 05-12-2021 da autora
292
293
das mulheres, uma experiência de cuidado
Entendendo a partir das diferentes condições
e zelo com o lugar aonde elas estão vivendo
de usuários é possível compreender a lógica de
temporariamente. A vegetação também estende-
distribuição dos espaços. A entrada de vítimas
se nos fechamentos externos, dividindo o terreno
é especificada na planta baixa; ao adentrar à
das ruas Sete de Setembro e Casemiro Dias.
edificação, a mulher passa pela recepção aonde
Trabalhar com um fechamento alternativo que não
será direcionada aos cuidados necessários -
fosse um muro sólido foi uma proposta estimulada
caso precise de atendimento imediato, estes já
pela preocupação que se tem tanto da sensação
se encontram no próprio bloco, caso contrário, já
desse elemento no interior, pelas usuárias, quanto
será levada aos dormitórios - e numa circulação
pelo próprio pedestre do lado de fora. Foi então
retilínea ela atravessa o bloco administrativo sentido
pensado em uma estrutura de mureta junto com
alojamento, passando pelo bloco coletivo. Esse
perfis metálicos que dão suporte para a fixação de
percurso acompanha uma lógica de qualidade de
placas cimentícias avulsas, com 15° de angulação.
tempo da vítima, tendo em vista que ela se encontra
Juntamente com a angulação selecionada, uma
num momento de fragilidade, um percurso muito
vegetação interna composta pela trepadeira-
longo poderia maleficiar a experiência da usuária.
castanha e a moreia bloqueiam o acesso visual e
Essa circulação e distribuída igualmente para os
físico ao edifício.
dois grandes blocos de alojamento, que ali passa a
A vegetação no projeto parte da premissa do
ser utilizado de diferentes formas depois da estadia
vazio em relação aos cheios, estruturando espaços
consolidada. A circulação de um colaborador
de respiro que permeiam entre sua função racional
acontece pelo mesmo acesso de carga e descarga,
e sua contribuição para a vivência fluida do espaço.
para que não os acessos não fossem convergidos
A planta baixa, assim como um objeto
formalmente. Para os funcionários, especialmente os
técnico de representação do projeto, é um facilitador
cozinheiros e auxiliares, são dispostos dois vestiários
para a compreensão das relações de circulação,
imediatamente ao acesso do bloco administrativo,
espacialidades, usos, cheios e vazios, e proporção
dissipando a circulação para o mesmo e para o
modular. Como ponto de partida, a circulação
bloco da cozinha. Esse formato de distribuição
estrutura-se como objeto determinante para a
resulta em circulações que não conflitam e que
disposição dos ambientes e direção dos fluxos.
constroem percursos diferentes, porém não isolados 294
.10
6.46
.10
2.81
.10
6.41
.10
88.18 6.51
.10
.15
3.34
3.45
.15
3.46
.10
8.42
3.20
3.37
2.16
3.37
2.16
3.37
2.16
7.04
.10
19.77 5.24
8.45
13.44
CASA UMA
2.52
.19
.15
6.46
4.59
.10
3.69
2.79
ACESSO CARGA DESCARGA
.10
ACESSO FUNCIONÁRIOS
6.46
.90
.10
.10
6.46
4.50
.10
1.30
2.55
.15
.40
CONTEÚDO
4.40 .19
9.60
2.09
16.80 1.81
2.226,65m²
5.20
10.92
2.70
14.22
ÁREA TOTAL CONSTRUÍDA
20.44
1.80
14.22
2.70
1.80
14.22
2.70
2.05
25.37
2.28
24.99
2.40
C
1.80
14.22
1.20.19 3.45
.62
.15
3.60 36.23
8.94
1.73 .12
2.53
2.88
2.38
.12
1
11.20
PLANTA BAIXA 1:200
3.52
2.31
3.52
2.31
3.52
2.31
RUA SETE DE SETEMBRO
22.76
12.41
11.20
12.41
12.41
11.20
.15
12.09
3.67
.12
2.21
14.22
ACESSO PÚBLICO
1.80
14.22
8.80
2.70
2.70
2.70
48.04
2.05
C .79
CISTERNA SUBTERRÂNEA COLETA DE ÁGUA PLUVIAL
PLANTA BAIXA GERAL 1:200
B
RUA REVERENDO CORIOLANO
1.60
11.20
12.41
12.41
11.20
B
11.20
12.41
2.45
4 / 14
FECHAMENTO COM PLACA CIMENTÍCIA
AUTORIA
BÁRBARA AGNELI 87
° 51.53
0
RUA CASEMIRO DIAS
2
4
CASA UMA
CONTEÚDO
RUA REVERENDO CORIOLANO
LAYOUT GERAL 1:200
1
LAYOUT GERAL 1:200
RUA SETE DE SETEMBRO
5 / 14
AUTORIA
BÁRBARA AGNELI
0
RUA CASEMIRO DIAS
2
4
- a proposta cede o formato mais adequado para o programa por fins normativos, mas não impede que seja utilizado de outra forma, desde que dentro do padrão de segurança das vítimas. A materialidade é estritamente importante para a compreensão da confecção dos volumes e do partido do projeto. Inicialmente, a pretensão para tal projeto era de trabalhar com modularidade e repetição de técnicas e materiais construtivos. Utilizar materiais pré-fabricados pôde viabilizar essa iniciativa que, essencialmente, tem fins de barateamento do custo da obra e facilitação para ,ão de obra. A placa cimentícia padrão 2,40x1,20m
FIGURA 123 administração 05-12-2021 da autora
dentro da técnica de steel frame ajusta medidas fixas e permite uma padronização de elementos estruturais e compositivos auxiliares, deste modo, surge o módulo de 1,20x1,20m que se aplica dentro do projeto pela largura da placa. Esse módulo fixo não se aplica rigidamente à todos os ambientes do projeto, por isso, as portas foram utilizadas como elemento de compensação das medidas que extrapolaram essa malha. É um detalhe importante da configuração das placas o fechamento das extremidades com um perfil de madeira pinus tratada; esse acabamento, além do baixo custo, traz ao projeto a sensibilidade da madeira - visto que a cor natural da placa apresenta uma aparência monocromática que pode ser quebrada com esse 299
FIGURA 124 cozinha e ateliê 05-12-2021 da autora
300
elemento. Além da placa, a estrutura metálica acompanha a racionalização da construção com medidas padronizadas, além permitir uma obra limpa e sem resíduos. O metalon adentra em elementos de vedação e janelas, e possibilita igualmente uma mesma seleção de proporção. Para alcançar o pé direito de 3 metros sem precisar fracionar as placas cimentícias, foi utilizada chapa metálica dobrada em ambientes mais suscetíveis à umidade e a placa OSB para divisórias internas. Todos os móveis planejados do projeto também são projetados na madeira OSB natural, isso porque esse material possui um baixo custo, uma alta resistência, e rebusca imediatamente o conforto da madeira nos ambientes internos. A cor também é um elemento de grande importância no projeto; foram atribuídas três cores fixas para setorização dos blocos, mas partindo de um princípio proporcional: a administração leva a cor vermelha em portas e chapas metálicas, isso porque entende-se o vermelho como uma cor de presença e empoderamento, e que neste caso, auxilia na quebra do monocromatismo da placa cimentícia. O amarelo na cozinha refere-se ao coletivo, e por ser uma área de trabalho industrial, escolheu-se uma cor sutil para que não torne-se pesada aos olhos. O princípio do amarelo estar relacionado ao coletivo estende-se ao próprio mobiliário: aqueles que são desta cor, também são de uso coletivo, a cor então 301
FIGURA 125 cozinha 05-12-2021 da autora
302
passa a referenciar subjetivamente o que é público. O azul entra nos módulos de alojamento por ser uma cor que transmite tranquilidade e menos agitação, justamente o que se propõe para ambientes de descanso. O verde surge nos mobiliários para a composição do projeto, e pode ser encontrado tanto nos dormitórios quanto no ateliê, transmitindo a noção de equidade dentro dos espaços do abrigo. Para melhor compreensão dos ambientes, as Pranchas 4, 5, e 6 enfocam nos blocos separadamente, para que seja possível visualizar a disposição de ambientes separadamente. Na Prancha 4 é representado a ala
FIGURA 126 recepção 05-12-2021 da autora
administrativa, contendo a recepção, administração, copa para funcionários, ambulatório, vestiário, sala para psicoterapia, sala para psicopedagogia, sala para assistência social e jurídica, sanitários e loja. Ali são dispostos os ambientes mais formais e apoios para funcionários. As salas de terapia possuem uma linguagem que acompanha todo o projeto: são ambientes flexíveis pois podem ser ampliados através de uma porta de correr que divide os dois espaços, além do mobiliário móvel que permite a amplitude da sala caso haja alguma atividade ou terapia coletiva. Os vestiários fazem parte do programa para melhor acomodar os funcionários que necessitam de higienização no local de trabalho. Em sequência, o ambulatório auxilia o cotidiano interno 303
FIGURA 127 corredor de acessos asministração 05-12-2021 da autora
304
das moradoras, mas é locado direcionalmente ao acesso de veículos caso a vítima chegue em uma ambulância e precise de atendimento imediato. Também são dispostos um depósito de material de limpeza e uma copa para apoio à instituição e aos colaboradores, respectivamente. A administração é capaz de abrigar 2 funcionários e dispõe um mobiliário que supre o armazenamento de arquivos. Também foi integrado ao setor uma loja de itens que podem ser vendidos ao público; para esse espaço ser acessado, o interessado precisa passar pela recepção e estar supervisionado por funcionários. Essa loja nasce da iniciativa de engajar as mulheres
FIGURA 128 copa funcionários 05-12-2021 da autora
residentes à produção artesanal voluntária, uma vez que o valor arrecadado pode contribuir para sua independência financeira. A composição deste setor está diretamente ligada à atividades mais restritas - como chegada e saída de moradoras - bem como ao apoio assistencial, e às dependências necessárias para a qualidade de serviço do funcionário. Na prancha 5 está detalhado o setor da cozinha e ateliê, sendo um bloco coletivo e de uso múltiplo. A cozinha industrial é resultado de uma proposta de ceder à instituição um serviço especializado para alimentação das moradoras e
colaboradores.
Para
tanto,
os
ambientes
implantados são essenciais para o funcionamento 305
FIGURA 129 ateliê 05-12-2021 da autora
306
ACESSO FUNCIONÁRIOS
ACESSO CARGA DESCARGA
MURO/DIVISA
1.08
J6
1.40
P11
J2
157,27m²
4.68
2.00
4.68
2.27
10
P10
J10
ÁREA INTERNA TOTAL
2.28
2.40
J2
PLANTA BAIXA - ADMINISTRAÇÃO 1:100
2.40
PROJEÇÃO TELA DE AÇO
2.50
-0.02
CONTEÚDO
+0.01 VENTIL. E ILUM. MECÂNICA
P8
SITUAÇÃO SEM ESCALA
J3
11 -0.02
J10
3.41 COBOGÓ BLOCO CONCRETO
P9
.20
P8
2.50
14.62
+0.01
P13
J11
+0.01
1.48
+0.01
13
3.48
1.00 1.20
2.50
P10
4.68
LAVATÓRIOS
10,10 m²
2
VESTIÁRIO
8,20 m²
3
SALA PSICOTERAPIA
16,28 m²
4
SALA PSICOPEDAGOGIA
16,38 m²
5
SALA JURÍDICO/SOCIAL
10,67 m²
6
SANITÁRIO PÚBLICO
2,46 m²
7
LAVATÓRIO
8
RECEPÇÃO
9
ENFERMARIA
J10
+0.01
P10
1 4.80
2.00
4
RUA CASEMIRO DIAS
PLANTA BAIXA - ADMINISTRAÇÃO 1:100
J16
12
P11
J11
3.50
1
3.34
3.48
1.20
3
RUA REVERENDO CORIOLANO
.80
2
-0.02
3.60
1.40
7.20
2
2.28
3.19
3.00 P9
P8
J6
.93
P9
1.91
+0.01
4.56
2.28
J15
9
+0.01
4.68
.19
RUA SETE DE SETEMBRO
1
2.16
J12
2.58
P8
.44
8.40
J14 P9
COBOGÓ BLOCO CONCRETO
.12
CASA UMA
1.20
3.48
1.20
4.54
2.35
+0.01
PROJEÇÃO COBERTURA
6.42
3.54
8 +0.01
P8
ACESSO PÚBLICO
1.88
2.28
P9
J4
P8
3.24
+0.01
14
.19
2.40
7
2.62
2.40 -0.02
1.20
1.08
6 P9
J10
P9
+0.01
2.28
2.40
2,74 m²
MURO/DIVISA
6 / 14
20,80 m² 21,35 m²
10 DML
5,47 m²
11 SANITÁRIO
5,45 m²
12 COPA FUNCIONÁRIOS
11,42 m²
13 ADMINISTRAÇÃO
12,11 m²
14 LOJA
5,64 m²
+0.00
8.82 .06
RUA REVERENDO CORIOLANO
5
P8
2.28
J4
2.40
2.28
J4
AUTORIA
BÁRBARA AGNELI
0
1
2
CASA UMA
CONTEÚDO
LAYOUT - ADMINISTRAÇÃO 1:100
SITUAÇÃO
RUA SETE DE SETEMBRO
RUA REVERENDO CORIOLANO
SEM ESCALA
RUA REVERENDO CORIOLANO
RUA CASEMIRO DIAS
7 / 14
AUTORIA
BÁRBARA AGNELI
1
LAYOUT - ADMINISTRAÇÃO 1:100 0
1
2
pleno da cozinha. Inicialmente, a fluxo do alimento na cozinha começa pela carga e descarga, passando pela higienização e redistribuído para câmara seca, câmara fria ou geladeira. Foram dispostas mesas de inox para uma sequência linear do alimento, com pias separadas para lavagem de louça, pratos e talheres, carnes e verduras. O fogão industrial é orientado no centro a fim de que esteja próximo das bancadas de cocção, bem como do empratamento. Ao lado, a sala da nutricionista voltada ao ambiente de produção é consolidada para que a estrutura alimentar do local seja gerida adequadamente para a quantidade de pessoas e para a qualidade
FIGURA 130 cozinha e sala da nutricionista 05-12-2021 da autora
do alimento. O refeitório adjacente à cozinha fica nesse grande pátio que é consolidado como um ambiente comum, coletivo e que não somente tem o uso de local da refeição, mas pode ser utilizado para atividades coletivas, brincadeiras com crianças e exercícios, por exemplo. O ateliê reforça esse caráter público, pois este espaço é cedido ao projeto para incentivar as práticas artesanais a fim de que o período de estadia da mulher seja menos conturbado. Na esquematização setorial desse bloco, foram considerados ambientes essenciais para o funcionamento de uma cozinha industrial - a fim de suprir a demanda alimentar do local - e que surge também como um ambiente comum, assim como 311
FIGURA 131 refeitório 05-12-2021 da autora
312
1.60
1.40
.10
MURO/DIVISA
2.28
.80 J2
2.61
3.60
P3
2.28
J4
J4
2.28
CASA UMA
1.08
J4
+0.01
2
4
P3
J5
1.08
2.40
+0.01
4.80
J4
2.28
PLANTA BAIXA - COZINHA+ATELIÊ 1:100
J5
+0.01 P4
2.45
ÁREA INTERNA TOTAL
P5
3
2.28
206,25m²
2.09
J4
5
4.80
P4
CONTEÚDO
-0.02
+0.01
.68
J6
1.50
2.11
2.28
6
.84
4.56
7
SEM ESCALA
RUA SETE DE SETEMBRO
1.70
SITUAÇÃO
P6
+0.01
1.15 .67
COBOGÓ BLOCO CONCRETO
.19
4.56 .96
.70
2.37
+0.01
3.60
1.32
10
.12
2.28
+0.01
J9
2.28
P7
8 +0.01
J4
.70
23.60
1.16
RUA CASEMIRO DIAS
6.00
J7
1.81
8.52
.79
RUA REVERENDO CORIOLANO
5.04
4.60
1
3.00
3.20
4.50
7.04
.19
1
7.82
PLANTA BAIXA - COZINHA+ATELIÊ 1:100
9
J8
1
CARGA/DESCARGA
11,75 m²
2
CÂMARA SECA
5,20 m²
3
CÂMARA FRIA
5,20 m²
4
SANITÁRIO
2,46 m²
5
DML
2,60 m²
6
LAVANDERIA
1,55 m²
7
COZINHA
27,36 m²
8
SALA NUTRICIONISTA
5,20 m²
ATELIÊ
54,81 m²
8 / 14
1.20
COBOGÓ BLOCO CONCRETO
AUTORIA
9 2.40
PROJEÇÃO COBERTURA
.19
5.20
7.01
+0.01
10 PÁTIO/REFEITÓRIO
BÁRBARA AGNELI
166,15 m² 0
MURO/DIVISA
1
2
CASA UMA
CONTEÚDO
PLANTA BAIXA - COZINHA+ATELIÊ 1:100
SITUAÇÃO
RUA SETE DE SETEMBRO
RUA REVERENDO CORIOLANO
SEM ESCALA
COBOGÓ BLOCO CONCRETO
RUA CASEMIRO DIAS
9 / 14
AUTORIA
BÁRBARA AGNELI
1
LAYOUT - COZINHA+ATELIÊ 1:100
0
1
2
há a estruturação de um espaço físico para estimulo da criatividade e do lazer daquelas que moram ali; e entre os dois, um pátio que, embora tenha a função predeterminada de refeitório, unifica esses dois usos e s faz livre para abrigar atividades cotidianas e esporádicas. A prancha 6 contém a representação detalhada do módulo de alojamento. A priori, o projeto nasce partindo da necessidade de entender o espaço do dormitório como um ambiente isolado, local aonde a mulher se encontra no seu estado mais íntimo. A iniciativa do módulo pela placa cimentícia é reafirmado nesse espaço, podendo
FIGURA 132 proposta de layout 05-12-2021 da autora
variar em quartos de 3,60x3,60m à 3,38x3,60m. Isso porque alguns efeitos técnicos surgem para complementar visualmente a construção, mas não implicam negativamente no uso efetivo do espaço e na disposição do mobiliário. Dentro dos quartos são dispostos igualmente uma cama de solteiro, uma mesa de cabeceira, um roupeiro, uma mesa retrátil e uma cadeira; também foi pensado em berço em casos de bebês ou crianças de colo. Esse berço, feito em ripado vazado de OSB e chapa metálica verde pode ser utilizado também como estante, para aquelas que necessitarem de mais espaço de armazenamento dentro do dormitório; quando não utilizada, essa estante pode ficar no ateliê para expôr os trabalhos e artes feitas pelas mulheres. 317
FIGURA 133 acessibilidade 05-12-2021 da autora
318
2.16
MURO/DIVISA
3.84 .12
1.95 .12
3.60
2.64 .12
1.95 .12
2.40
3.84 .12
.12
3.60
2 +0.01
2.40
2.28
3.60
1
P1
3.60
CONTEÚDO
PLANTA BAIXA - ALOJAMENTO 1:75
3
J1
-0.02
P2
P1
+0.01
1 +0.01
ÁREA TOTAL
2.40
105,42m²
4
SITUAÇÃO
J2
2.40
+0.01
P2 P1
1 +0.01
3.60
-0.02
P1
2.28
3.60
3 1
RUA REVERENDO CORIOLANO
J2
11.20
SEM ESCALA
P12 RUA SETE DE SETEMBRO
P12
.20
+0.01
1.00
.20
2.08
1.08
3.38
J1
J3
3.38
1.21
1.08
CASA UMA
RUA CASEMIRO DIAS
J3
.20
.20
1.08
2.40 P12
P12 J1
P1
5 +0.01 P1
1 +0.01
3.38
+0.01
3.81
1
2.73
3.38
J1
1
PLANTA BAIXA - ALOJAMENTO 1:75
10 / 14 3.19
1.68
.10
1.90
1.68
1 DORMITÓRIO
12,96 m²
2 LAVANDERIA
2,60 m²
3 BANHEIRO (PNE)
5,47 m²
4 COPA
5,00 m²
5 ESTAR
9,12 m²
PROJEÇÃO COBERTURA
.50 .10
6.46
6.46 .10
.50
AUTORIA
BÁRBARA AGNELI
.10 0
.75
1.50
CASA UMA
CONTEÚDO
LAYOUT - ALOJAMENTO 1:75
SITUAÇÃO
RUA SETE DE SETEMBRO
RUA REVERENDO CORIOLANO
SEM ESCALA
RUA CASEMIRO DIAS
11 / 14
1
LAYOUT - ALOJAMENTO 1:75 AUTORIA
BÁRBARA AGNELI
0
.75
1.50
TABELA DE ESQUADRIAS
NOME
DIMENSÕES
MATERIAL
COR
TIPO
P1
1,20x2,40
CHAPA METÁLICA
AZUL
CORRER
36
P2
1,08x2,40
CHAPA METÁLICA
AZUL
CORRER
12
P3
1,20x2,40
CHAPA METÁLICA
AMARELO
CORRER
2
P4
1,08x2,40
CHAPA METÁLICA
AMARELO
CORRER
2
P5
1,08x2,40
FRIGORÍFICA
AMARELO
CORRER
1
P6
0,96x2,40
CHAPA METÁLICA
AMARELO
CORRER
1
P7
2,28x2,40
VIDRO
NATURAL
CORRER / 2 FLS
1
P8
1,20x2,40
CHAPA METÁLICA
VERMELHO
CORRER
6
P9
1,08x2,40
CHAPA METÁLICA
VERMELHO
CORRER
7
P10
1,10x2,40
CHAPA METÁLICA
VERMELHO
CORRER
3
P11
0,96x2,40
CHAPA METÁLICA
VERMELHO
CORRER
2
P12
3,60x2,40
CHAPA METÁLICA
PRETO
CORRER / 5 FLS
24 1
CASA UMA
QUANTIDADE
P13
4,65x2,40
CHAPA METÁLICA
PRETO
CORRER / 5 FLS
J1
3,38x0,60x2,40
PERFIL METÁLICO/VIDRO
PRETO
BASCULANTE
24
J2
3,60x0,60x2,40
PERFIL METÁLICO/VIDRO
PRETO
BASCULANTE
15
J3
2,40x0,60x2,40
PERFIL METÁLICO/VIDRO
PRETO
BASCULANTE
13
J4
2,28x0,60x2,40
PERFIL METÁLICO/VIDRO
PRETO
BASCULANTE
8
J5
1,08x0,60x2,40
PERFIL METÁLICO/VIDRO
PRETO
BASCULANTE
2
J6
4,56x0,60x2,40
PERFIL METÁLICO/VIDRO
PRETO
BASCULANTE
2
J7
8,52x0,60x2,40
PERFIL METÁLICO/VIDRO
PRETO
BASCULANTE
1
J8
7,01x0,60x2,40
PERFIL METÁLICO/VIDRO
PRETO
BASCULANTE
1
J9
4,56x0,60x1,10
AÇO
PRETO
ENROLAR
1
J10
3,48x0,60x2,40
PERFIL METÁLICO/VIDRO
PRETO
BASCULANTE
3
J11
3,50x0,60x2,40
PERFIL METÁLICO/VIDRO
PRETO
BASCULANTE
1
J12
2,16x0,60x2,40
PERFIL METÁLICO/VIDRO
PRETO
BASCULANTE
1
J13
3,34x0,60x2,40
PERFIL METÁLICO/VIDRO
PRETO
BASCULANTE
1 1
J14
8,40x0,60x2,40
PERFIL METÁLICO/VIDRO
PRETO
BASCULANTE
J15
4,68x0,60x2,40
PERFIL METÁLICO/VIDRO
PRETO
BASCULANTE
1
J16
3,36x0,60x2,40
PERFIL METÁLICO/VIDRO
PRETO
BASCULANTE
1
CONTEÚDO
TABELA DE ESQUADRIAS 1:75
12 / 14
AUTORIA
BÁRBARA AGNELI
325
Essa logica de flexibilidade acompanha todos os
algumas partes da modulação. Embora as placas
mobiliários, pois seu posicionamento é modificável
apresentem essa concepção modular, quando
- os roupeiros e as mesas de cabeceira possuem
inseridos, alguns elementos podem extrapolar as
rodinhas, tornando possível a remodelação do
medidas padrões; deste modo, as portas e janelas
layout. Isso entende-se como necessário pois para
se adequam aos excessos ou carências nas
uma mulher que esteja com um filho adolescente,
medidas em função do módulo.
por exemplo, serão cedidos dois quartos, e caso
Em sequência, a representação dos cortes
ela queira estar mais próxima do filho e segura,
pode contribuir para a análise da performance da
há a possibilidade de expansão do quarto através
edificação pelo ponto de vista do dimensionamento
da porta de correr. Esse elemento é pensado
da altura.
justamente em casos especiais aonde a mulher se
O corte AA demonstra transversalmente a
encontra numa situação de vulnerabilidade tamanha
conformação dos blocos de alojamento, da área
que necessita estar mais próxima da prole. Assim
verde central e da topografia modificada. Nele são
como os quartos, os banheiros coletivos também
mostrados os sistemas estruturais aplicados no
são acessíveis; foram dispostos duas unidades para
telhado e nas paredes, especificando as técnicas e
que cada uma atenda no máximo 3 pessoas e não
elementos utilizados. É possível visualizar a presença
haja congestionamento no uso. Além dos banheiros,
da cisterna subterrânea que foi implementada ao
também é de uso coletivo a lavanderia, a copa e a sala
projeto com fim coletar e reaproveitar as águas
de estar; ambientes os quais precisam ser utilizados
pluviais e redirecionar aos usos específicos. Para
no cotidiano, por isso foram dispostos na imediação
tanto, a inclinação do telhado direciona o caimento
do módulo. Essa conformação de alojamento
para os pilares centrais que coletam a água e
se repete igualmente seis vezes na implantação,
transportam diretamente para esse reservatório.
capacitando o local à abrigar 36 pessoas na casa -
O projeto visa também a relação do elemento
com exceção de bebês e crianças de colo.
construído com seu potencial sustentável.
A tabela de esquadrias facilita a compreensão
No corte BB é representado todo o terreno
dimensional das portas e janelas. A partir dela é
longitudinalmente para que se possa compreender
possível verificar que ambas - principalmente as
a
janelas - são produto da compensação existente em
Compreende-se então a formatação estrutural da
edificação
por
uma
perspectiva
linear. 326
-0,02
.30
PISO CIMENTO QUEIMADO
1.51
.60 .15 .90
-0,02
PISO CERÂMICO
3.00
2.41
3.15
3.15 2.40
PORTA METÁLICA
2.40
4.05
+0,01
PISO CIMENTO QUEIMADO
CHAPA METÁLICA DOBRADA P/ FECHAMENTO DA PLACA
LAJE ISOPOR
PLACA CIMENTÍCIA
PLACA CIMENTÍCIA
+0,01
-0,02
PISO CERÂMICO
CAIXA D'ÁGUA 500L
LAJE ISOPOR
COBOGÓ
2.40
2.40 3.15
COBOGÓ
.55
2.41
4.05
PLACA CIMENTÍCIA
PORTA METÁLICA
TALUDE
PISO CERÂMICO
CISTERNA COM COLETA DE ÁGUAS PLUVIAIS POR PILARES
2.70 3.00
2.50
CASA UMA
PASSEIO
-0,10
FECHAMENTO EM CHAPA METÁLICA DOBRADA
.90
ESTRUTURA METÁLICA
ESTRUTURA METÁLICA
.60 .15
FECHAMENTO EM CHAPA METÁLICA DOBRADA
.15 .90
LAJE ISOPOR
.60
CAIXA D'ÁGUA 500L
.60
.90 .15
LAJE ISOPOR
PLACA CIMENTÍCIA
3.00 2.45
1.51
CHAPA METÁLICA DOBRADA P/ FECHAMENTO DA PLACA
.45
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
.45
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
RUA
CAPACIDADE 15.000L
3.60
0,00
CONTEÚDO
CORTES 1:200
1
CORTE AA 1:200
SITUAÇÃO SEM ESCALA A
B C
PISO CERÂMICO
0,00
+0,01
1.61
A
ESTRUTURA METÁLICA
.60
CALHA
PLACA CIMENTÍCIA
+0,01
3.00
+0,01
PLACA CIMENTÍCIA
2.40
PLACA CIMENTÍCIA
PISO CIMENTO QUEIMADO
PISO CERÂMICO
.50 .33 .34 .47 .05 .10 .14 .05
.60 .53 4.43
+0,01
PISO CERÂMICO
PLACA CIMENTÍCIA
2.40
2.48
+0,01
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
TELA DE AÇO
2.40
3.08
CALHA
ABERTURA PARA PASSAGEM DE ALIMENTOS
+0,01 PISO CIMENTO QUEIMADO
3.95
4.26 PISO CIMENTO QUEIMADO
PLACA CIMENTÍCIA
PLACA CIMENTÍCIA
PLACA CIMENTÍCIA
2.50
3.00
3.05
3.15
2.40
LAJE ISOPOR
+0,01
0,00
.66 .60 .10
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=12% CAIXA D'ÁGUA 2000L
TELA DE AÇO
FECHAMENTO EM PLACA OSB NATURAL
CALHA
2.40
FECHAMENTO EM PLACA OSB NATURAL
.05 .13 .08 .50 .42 .44
.27
.60.15
ESTRUTURA METÁLICA
+0,01
PISO CIMENTO QUEIMADO
PISO CIMENTO QUEIMADO
PASSEIO
PISO CIMENTO QUEIMADO
0,00
-0,10 RUA
.60 .15
1.80
2.40
2.40
3.00
2.40
1.80
TELA DE AÇO
+0,01 PISO CIMENTO QUEIMADO
+0,01 PISO CIMENTO QUEIMADO
0,00
13 / 14
-0,10 RUA
3.00
.30
FECHAMENTO EM CHAPA METÁLICA DOBRADA
PLACA CIMENTÍCIA
PLACA CIMENTÍCIA
+0,01 PISO CIMENTO QUEIMADO
CAIXA D'ÁGUA 500L
1.19
.60.15
.80
.15
PLACA CIMENTÍCIA
2.40
1.96
+0,01 PISO CIMENTO QUEIMADO
FECHAMENTO EM CHAPA METÁLICA DOBRADA
1.96
PLACA CIMENTÍCIA
.60
FECHAMENTO EM CHAPA METÁLICA DOBRADA
TELA DE AÇO
2.40
2.40
3.00 1.80
2.40
FECHAMENTO EM CHAPA METÁLICA COBOGÓ EM DOBRADA BLOCO DE CONCRETO
ESTRUTURA METÁLICA
PLACA CIMENTÍCIA
+0,01 PISO CIMENTO QUEIMADO
CAIXA D'ÁGUA 500L
PLACA CIMENTÍCIA
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
DIRECIONAMENTO DA ÁGUA PARA CISTERNA ATRAVÉS
CALHA DO PILAR CENTRAL FECHAMENTO EM CHAPA METÁLICA DOBRADA
1.19
.60
.60.15
.80
.15
.60 .15
PLACA CIMENTÍCIA
COBOGÓ EM BLOCO DE CONCRETO
TELA DE AÇO
1.96
2.40
2.40
3.15
3.10
3.00
FECHAMENTO EM CHAPA METÁLICA DOBRADA
+0,01 PISO CIMENTO QUEIMADO
FECHAMENTO EM CHAPA METÁLICA DOBRADA
ESTRUTURA METÁLICA
PLACA CIMENTÍCIA
+0,01 PISO CIMENTO QUEIMADO
FECHAMENTO EM CHAPA METÁLICA DOBRADA
CAIXA D'ÁGUA 500L
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
DIRECIONAMENTO DA ÁGUA PARA CISTERNA ATRAVÉS DO PILAR CENTRAL
.60 .15
CALHA
1.19
PLACA CIMENTÍCIA
+0,01 PISO CIMENTO QUEIMADO
.60.15
.80
1.25
.15
.60
.10
.10
.05.12
CALHA
1.80
+0,01 PISO CIMENTO QUEIMADO
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
FECHAMENTO EM COBOGÓ EM CHAPA METÁLICA BLOCO DE CONCRETO DOBRADA
ESTRUTURA METÁLICA
TELA DE AÇO
3.00
4.17 2.40
3.47
3.00
ESTRUTURA METÁLICA
3.27
.05 .47
TELA DE AÇO
COBOGÓ EM BLOCO DE CONCRETO
.60
.05 .73
.05 .29
.60
CALHA
3.00
.10
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=12%
2.40
.60 2.40
+0,01 PISO CIMENTO QUEIMADO
CALHA
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
2.70
.05
2.38
3.00
2.40
2.85
2.40
2.00
PISO CIMENTO QUEIMADO +0,01
.07.48.05
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
DIRECIONAMENTO DA ÁGUA PARA CISTERNA ATRAVÉS
CALHA DO PILAR CENTRAL
.60
FECHAMENTO EM PLACA OSB NATURAL
.62 .35
1.48
.09.34 .47 .33.05.05 .10
.59
COBOGÓ EM BLOCO DE CONCRETO
PLACA CIMENTÍCIA
PASSEIO
PISO CERÂMICO
ABERTURA TIPO SHED
ABERTURA TIPO SHED
.60
.60
CALHA
.10
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=20%
0,00
+0,01
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
ESTRUTURA METÁLICA
-0,10
CALHA
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=20%
ABERTURA TIPO SHED
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
CORTE BB 1:200
TELA DE AÇO
RUA
-0,02
PISO CIMENTO QUEIMADO
RUA
2
.80
1.34
PASSEIO
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
PORTA METÁLICA +0,01
3.00
-0,10
FECHAMENTO EM PLACA OSB NATURAL
FECHAMENTO EM CHAPA METÁLICA DOBRADA
PLACA CIMENTÍCIA
TELA DE AÇO
FORRO DE GESSO
LAJE ISOPOR CAIXA D'ÁGUA 500L
FECHAMENTO EM PLACA OSB NATURAL
FECHAMENTO COM CHAPA METÁLICA PRETA
ABERTURA TIPO SHED
PORTA METÁLICA
PORTA METÁLICA 0,00
ESTRUTURA METÁLICA
PORTA METÁLICA
3.15
2.40
3.15
FECHAMENTO EM PLACA OSB NATURAL
FECHAMENTO EM CHAPA METÁLICA DOBRADA
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
DIRECIONAMENTO DA ÁGUA PARA CISTERNA ATRAVÉS CALHA DO PILAR CENTRAL
.60.15
.60.15
CAIXA D'ÁGUA 500L
PLACA CIMENTÍCIA
TELA DE AÇO
FORRO DE GESSO FECHAMENTO EM PLACA OSB NATURAL
LAJE ISOPOR
.80
ESTRUTURA METÁLICA
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
FORRO DE GESSO
1.34
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
DIRECIONAMENTO DA ÁGUA PARA CISTERNA ATRAVÉS DO PILAR CENTRAL
.60.15
FECHAMENTO EM PLACA OSB NATURAL
PORTA METÁLICA
2.40
2.40
3.15
FECHAMENTO EM PLACA OSB NATURAL
FECHAMENTO EM CHAPA METÁLICA DOBRADA
PLACA CIMENTÍCIA
TELA DE AÇO
FORRO DE GESSO
LAJE ISOPOR
3.15
PORTA METÁLICA
CAIXA D'ÁGUA 500L
.60.15
.80
ESTRUTURA METÁLICA
.60.15
FECHAMENTO EM PLACA OSB NATURAL
1.34
CALHA
3.15
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
FORRO DE GESSO
2.40
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
DIRECIONAMENTO DA ÁGUA PARA CISTERNA ATRAVÉS
CALHA DO PILAR CENTRAL
2.40
TELHA SANDUÍCHE TERMO ACÚSTICA i=5%
FORRO DE GESSO
B C
CISTERNA COM COLETA DE ÁGUAS PLUVIAIS POR PILARES CAPACIDADE 15.000L
3.60
3
CORTE CC 1:200
AUTORIA
BÁRBARA AGNELI
0
2
4
CASA UMA
CONTEÚDO
1
VISTAS 1:200
VISTA 1 1:200
SITUAÇÃO SEM ESCALA VISTA 2
VISTA 4
VISTA 3
VISTA 1
2
VISTA 2 1:200
14 / 14
3
VISTA 3 1:200
4
AUTORIA
VISTA 4 1:200
BÁRBARA AGNELI
0
2
4
cobertura, as aberturas em shed como técnica de reaproveitamento das condicionantes naturais do local, os fechamentos e materiais utilizados. O corte CC apresenta também um corte longitudinal, mas por uma vista oposta, aonde é detalhada a participação do cobogó como elemento vazado e permeável dentro do projeto, além das especificações técnicas dos materiais e da locação da cisterna. Nessa mesma dimensão, as vistas do terreno podem contribuir para as noções de escala, proporção e da sequência propiciada pela materialidade e técnicas utilizadas. O anteprojeto da casa-abrigo consolida-se por meio de um aporte tecnicista das resoluções de problemáticas faceadas nos estudos preliminares. Deste modo, o projeto pode responder tecnicamente ao que foi proposto pelo programa de necessidades e pelas limitantes normativas locais. O volume técnico do projeto é a materialização do que permeia a subjetividade da ideia, representando para além de determinantes legislativas, mas torna-se um elemento de compreensão das intenções projetuais.
331
FIGURA 134 ilustração do dormitório 05-12-2021 da autora
332
conclusão A construção de um projeto de casaabrigo para a presente monografia nasce, em primeiro lugar, de um princípio pessoal, fruto de reflexões sobre a inserção do movimento feminista e das práticas de sororidade na sociedade atual. Essa iniciativa pode ser compreendida também por uma gritante necessidade de revisão e modificação da padronização comportamental que o machismo replica em todas as instâncias sociais. A misoginia é de fato, uma patologia que, desde os povos mais eruditos, adoece numa linha constante as relações entre os sexos. Por um olhar otimista, é possível afirmar que a imposição do movimento feminista conquistou um espaço do qual a mulher não imaginara ocupar - espaço este que ainda não é similar ao do homem mas que abre caminhos para maiores conquistas. Compreendendo essa repressão histórica, a violência contra a mulher vem justamente da noção de inferioridade da figura feminina, levantada como uma resposta da instância mais condenável da masculinidade para aquelas que ousam cruzar a linha da liberdade. Durante o processo do presente trabalho, 333
334
aconteceu a instituição de uma casa-abrigo na
locais mas que entende também o espaço no seu
cidade de Presidente Prudente, entretanto, a decisão
sentido mais subjetivo, como um lugar, um vazio na
de promover um projeto de tal uso foi estimulado pelas
malha urbana que pode potencialmente rebuscar
estatísticas nacionais que reafirmam a emergência
o significado de arquitetura humanitária através do
de lidar instantaneamente com a problemática da
objeto construído.
violência doméstica.
O fazer arquitetônico da casa-abrigo está
Para o projeto, foi pensado a priori em
intrinsecamente ligado a disposição de um coletivo
trabalhar a modularidade por uma premissa de
à compreender a necessidade emergencial que
dimensões mínimas, mas que com o decorrer dos
a sociedade tem em responder imediatamente
estudos foi reinterpretada a necessidade da usuária
às práticas violentas contra a vida da mulher,
por espaços que vão além das suas próprias
e a arquitetura, portanto, manifesta-se como
nomenclaturas e especificidade de uso, mas aonde
um instrumento político e revolucionário, capaz
elas possam se sentir pertencentes e viver esse
de compreender o usuário como parte do seu
período conturbado com mais conforto. A ideia
traçado e reproduzir o senso de comunidade e de
de modularidade foi mantida, principalmente, pela
pertencimento.
proposta da materialidade. Viu-se a possibilidade
Como produto de um grande experimento,
de ofertar à mão de obra uma construção limpa e
o abrigo para mulheres em situação de violência
rápida, sem acumulo de resíduos e sem grandes
doméstica traduz a essa inquietude coletiva dos
interferências químicas no local. Surge então os
movimentos de resistência e da luta pelo direito da
materiais que embasam a dinâmica projetual: a
mulher em identificar-se e ser identificada como
placa cimentícia, a telha sanduíche termoacústica, o
parte ativa da sociedade, e para além disso, ser mais
perfil metálico e a placa OSB. A escolha certamente
do que um indivíduo participativo, mas perdurar sua
surge pela proposta da modularidade, entretanto
figura pela imersão no ato revolucionário pelo seu
tem-se o objetivo de otimizar o custo final da obra e
direito de viver.
representar também esse caráter econômico. Esses elementos construtivos pousam sobre o terreno numa conformação essencialmente racional, que compreende todas as condicionantes 335
336
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