Edição 1, junho de 2017 BÁRBARA CABRAL 2017
Expediente
Revista D’Olho. Produto onlline para a conclusão do curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Católica de Brasília (UCB) Ano 18, nº1. Junho de 2017 Professor Orientador: Alberto Marques Editora-Chefe: Bárbara Cabral Editora de texto: Sabrina Pessoa Editora de fotografia: Bárbara Cabral Editora de arte: Bárbara Cabral Diagramação: Bárbara Cabral Fotografia: Ana Paz, Ana Rayssa, Arthur Menescal, Bárbara Cabral, Filipe Cardoso, Luís Nova, Pryscilla Dantas Texto: Alberto Brandão, Alessandra Modzeleski, Arthur Menescal, Bárbara Cabral, Filipe Cardoso, Luís Nova Colaboradores: Alberto Brandão, Ana Paz, Ana Rayssa, Alessandra Modzeleski, Arthur Menescal, Filipe Cardoso, Luís Nova, Pryscilla Dantas, Sabrina Pessoa Foto da Capa: Luíz Nova Apoio: Família, amigos, editoria de fotografia do Correio Braziliense
EDITORIAL É com muita alegria que apresento a Revista D’Olho. Pensada para quem procura se inspirar e se jogar no universo da fotografia de uma forma diferente. Aqui você poderá refletir sobre os projetos pessoais, buscar referências e sair pronto para pegar a sua câmera e bater perna pelo mundo, clicando o que há de melhor ou de pior nele. Sabemos que a fotografia tem um papel importante na reflexão de problemas sociais, econômicos e mundiais. Por outro lado, também pode-se trabalhar a imagem por puro prazer trazendo lados positivos. O importante é praticar. Essa revista que está sendo folheada em um momento de descontração do seu dia, é fruto de um trabalho de conclusão do curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. É um projeto realizado de forma colaborativa, com a ajuda de pessoas íncriveis que tive o prazer de topar durante minha trajetória acadêmica e profissional. Sem muita delonga, fica aqui o agradecimento a todas as pessoas que de alguma forma fizeram a revista acontecer, e a você que está lendo e compartilhando de um sonho que se tornou realidade. Boa leitura e depois convido a meter o pé e ir para o mundo fazer vários cliques! Bárbara Cabral
6 12 16 22 3 LUZES DE LUTA LUZES DE GLÓRIA
LUGARES ATÍPICOS MERECEM UMA CHANCE
Fotografar o invisível
b de blasé
Lar com
30 38 44 50 54
m rodas
vestindo o nĂş
manda nudes
sebastiĂŁo saldado
ligeiramente fora de foco
Luzes de luta, luzes de glรณria
A fotografia sob a perspectiva de um fotojornalista : Medir a luz, definir a temperatura de cor, focar, enquadrar, escolher a profundidade de campo, compensar a velocidade com a abertura e clicar. Tudo isso para fazer, ou tentar, a foto perfeita. por: luis nova fotos: luis nova
Paro para pensar os meus primeiros passos na fotografia. Morava em São Paulo e minha mãe me emprestou uma máquina semiprofissional. Achei o máximo. Falei com dois amigos e fomos à Vila Madalena. Tentei fazer um ensaio e a experiência foi muito bacana. Sobre o resultado das fotos, não posso falar o mesmo, mas temos que começar de algum lugar. Um ano e meio depois, voltei a Brasília. Consegui um estágio de texto em um jornal local e, aos poucos, fiquei próximo dos fotojornalistas e consegui comprar a minha câmera. Nos meus sábados de descanso, trabalhava de graça para aprender e cada dia era uma aula. Lembro de ter aprendido sobre luz, enquadramento, velocidade, kelvin e mecanismos básicos do equipamento com colegas da profissão. Após seis meses, o editor do jornal me deu uma boa oportunidade, ia para a pauta com muito medo e tremendo bastante porque sempre fui inseguro. O estágio acabou depois de um certo tempo mas carrego no peito tudo que aprendi. Se hoje tenho essa profissão, um dos responsáveis é o editor do jornal que estagiei, onde também fiz grandes amigos. Contei tudo isso para dizer que todo fotógrafo carrega uma história e merece ser respeitado, assim como sua fotografia. É indelicado dizer que o equipamento é responsável pelo resultado de seu trabalho, pois atrás de uma lente existe uma pessoa que se dedica bastante para estar aonde chegou. O intuito do fotojornalista é sempre de garantir uma boa foto. São anos de sofrimento e aprendizados para cada foto significar um grão de areia no deserto da fotografia. Quanto mais aprendemos sobre a área, mais precisamos nos reciclar!
“Fotografar é colocar, na mesma linha, a cabeça, o olho e o coração”.
Henri Cartier Bresson
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Senador da República, Aécio Neves. Foto para o jornal Estadão
É clássico ouvir que a máquina faz a foto, o que muitos não entendem é que, por trás de qualquer equipamento, existe a pessoa que é capacitada para realizar a arte de captar imagem: o fotógrafo. A fotografia é mais do que apertar um simples botão em uma câmera configurada no automático. Todos os elementos estão interligados: a máquina, o fotógrafo e o sentimento tornam-se um só. Há uma simbiose entre o orgânico e o inorgânico. O resultado disso tudo é a imagem, que está intimamente ligada com sentimento, sensibilidade e empatia como afirma Henri Cartier Bresson, “Fotografar é colocar, na mesma linha, a cabeça, o olho e o coração”. Ainda usando as palavras de Bresson, ele nos recorda do papel que a fotografia tem de instigar a memória e de preservar a história, documentando-a. Para ele, “De todos os meios de expressão, a fotografia é o único que fixa, para sempre, o instante preciso e transitório. Nós, fotógrafos, lidamos com coisas que estão continuamente desaparecendo e, uma vez desaparecidas, não há mecanismo no mundo capaz de fazê-Ias voltar outra vez. Não podemos revelar ou copiar uma memória”, destaca. O olhar do fotojornalista registra fatos históricos para levar a quem observa de fora, tecendo uma pluralidade de interpretações. A história não merece ser homogênea. Mesmo após o clique, a imagem é o passado, ela eterniza o momento. Por isso o ato de fotografar é o mesmo de guardar, ele permiti a recordação de algo remoto. Quantas vezes uma pequena foto remete a alguma história? Quantos sorrisos um simples papel fotográfico trouxe? “A fotografia ajuda as pessoas a ver”, reforça Berenice Abbott.
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Procissão do fogaréu, Pirinópois
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Adoção de cachorros. Pauta para o Correio Braziliense
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Entrada do bar PL
Lugares atípicos merecem uma chance Da série: o prazer em sair de casa em busca da renovação do olhar sobre a simplicidade por: filipe cardoso fotos: filipe cardoso
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Bar PL usa elementos diferentes para atrair clientes
Nos últimos anos tive o privilégio de viajar bastante pelo Brasil. Do Amazonas ao Rio Grande do Sul, estive em muitos lugares incríveis. Vi paisagens de tirar o fôlego e conheci pessoas únicas. Numa dessas viagens fui parar em um barzinho pouco conhecido em Curitiba chamado PL. A primeira vista não tem nada demais, é apenas uma casinha verde em frente a linha do trem, mas que por dentro esconde um ambiente que nunca havia visto em nenhum outro lugar. Pedro Lauro, dono do estabelecimento, foi deputado pelo MDB por dois mandatos de 1972 a 1980, em pleno regime militar. Um homem simples e humilde, muito bem vestido, sempre fumando um charuto e com muita história para contar. Foi candidato a vereador, e um de seus principais projetos de lei era a regulamentação e criação de cassinos no Brasil, uma das histórias que adora contar aos seus clientes do bar.
Estátuas compõem cenário do bar PL
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O ambiente é um reflexo da personalidade de “seu” Pedro, com uma infinidade de objetos espalhados por todos os cantos. Num primeiro momento parecem ter sido jogados ao acaso, mas quando se pára para observar é possível notar que
Em meio ao caos visual, o Bar do PL provoca um sentimento único de pertencimento, o que faz com que cada cliente sinta-se em casa. É possível circular por todos os ambientes temáticos. Na área do balcão do bar há televisores ligados em programações diferentes, ao mesmo tempo, e uma velha vitrola tocando bolero. No salão principal estão mesas de sinuca, pebolim, e no quintal é possível encontrar todo tipo de pessoas da boêmia, com cigarros e cervejas em mãos para sempre discutir algo relevante.
Mensagens engraçadas são espalhadas em todo local
houve um cuidado muito especial em posicionar cada bugiganga para compor um cenário cômico e sarcástico.
Totó é uma das atrações do bar
Há também uma fonte dos desejos, onde deve-se jogar a tampinha da primeira garrafa da noite; e também a estátua de um simpático cachorro que está sempre a observar a casa. Por todo lado é possível ver plaquinhas escritas pelo próprio Pedro com as regras do bar, piadas e boas vindas aos clientes. É realmente um lugar incrível, descrito com perfeição em uma destas mensagens - PL - um lugar atípico, do camelo, diferente, referencial, democrático e outras cozitas mas.
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Fotografar o invisĂvel por: Alessandra modzeleski fotos: ana paz
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Valdeneide, Estrutural, 2012
Ensaio fotogrĂĄfico com catadoras de lixo e donas de casa com o intuito de dar visibilidade a essas mulheres
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O projeto começou em 2012, no Lixão da Estrutural, onde essas mulheres trabalham. Na época, foram fotografadas 24 voluntárias. O cenário para as fotos foi as ruas da cidade, com o intuito de trazer a tona a realidade das moradoras. “Fazíamos de tudo para modificar suas expressões cansadas, brincávamos com elas, contávamos histórias e ouvíamos as suas”, relembra Ana.
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Fátima Rejane, Recanto das Emas, 2014
A invisibilidade social. Você pode nunca ter ouvido falar sobre esse conceito, mas sabe que existe. Está no gari que varre a rua, na atendente que tira o prato da mesa, no cobrador de ônibus, no vendedor ambulante e por aí vai. Esse termo designa pessoas que ficam e/ou são tratadas como invisíveis, seja por preconceitos ou, simplesmente, indiferença. O ensaio fotográfico “Como você se vê?”, iniciativa da fotógrafa Ana Paz, foi realizado com catadoras de lixo e donas de casa que estão em situação de invisibilidade social.
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Ana Lúcia, Estrutural, 2012
O objetivo principal do trabalho foi resgatar a identidade e a autoestima dessas mulheres, por meio da fotografia. O ensaio aconteceu para despertar novamente nelas o respeito próprio, e sentir o corpo como território de expressão individual, sentir em casa em relação à corporalidade. Em um segundo momento, em 2014, donas de casa e moradoras do Recanto das Emas também foram fotografadas, em produção semelhante à Estrutural. Essas mulheres tinham entre 35 e 60 anos e eram moradoras da periferia, sem recursos e sem estudos. Elas ficaram desconfiadas e constrangidas com a possibilidade de serem fotografadas, no início. As fotografias foram registradas em cenários com muros pichados ou crus, entretanto, ainda com foco na realidade das próprias personagens.
Além de fazer visível a existência dessas mulheres, o projeto tem o intuito, ainda, de construir a autoestima da mulher, desconstruindo a visão do padrão de beleza, principalmente da mulher brasileira. O projeto enquadra todo tipo de cor de pele, cabelo e curvas. Para ressaltar ainda mais a beleza e a existência das personagens, Ana utilizou a técnica do preto e branco. Dessa forma, é retirada toda a carga de informação extra da fotografia e proporciona, àquele que vê, uma concentração maior apenas no item principal. Nesse caso, “nos sentimentos e na beleza do ser humano naquela situação”.
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Ana Paz
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Maria do Socorro, Estrutural, 2012
“elas puderam se ver, trazendo no rosto e no corpo as marcas de suas histórias, como mulheres que dão valor a vida.”
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Individualismo e nulidade está presente nas grandes cidades
B de Blasé B de Brasília. B de Blasé. O sujeito envolto em uma individualidade que fecha portas para novas experiências Por: Bárbara Cabral fotos: bárbara cabral
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Moradora de rua pede alguns trocados na frente da Catedral
Apitos e ronco de motores geram melodia a pessoas que ignoram, caminham e correm com seus fones de ouvido pelas ruas cinzas, que se misturam ao céu enquanto outras dormem em papelões espalhadas no chão dessas mesmas vias, que são direcionadas pelas tradicionais luzes verde e vermelho. Cenas como essas, são alguns exemplos comuns que presenciamos continuamente nas grandes cidades e, de forma natural levamos para nós como corriqueiras, passando despercebidas no inconsciente. São cenas de um indivíduo blasé. Blasé é um adjetivo francês para classificar uma atitude cética, apática ou indiferente, o conceito, originalmente criado por Georg Simmel, tem como significado um indivíduo alheio ou distante do que passa ao seu redor. O individualismo é a vontade de se preservar do contato com o outro. Para o autor, essa atitude está cada vez mais presente na cidade, no dia a dia e em cada pessoa sem que seja perceptível “A essência do caráter blasé é o embotamento frente à distinção das coisas; não no sentido de que elas não sejam percebidas, mas sim de tal modo que o significado e o valor da distinção das coisas são sentidos como nulos” explica o sociólogo.
Com as responsabilidades diárias e nossa tradicional rotina de casa, faculdade e trabalho não conseguimos perceber essa nulidade. A perda de uma expansão no ciclo social é um dos principais pontos negativos do comportamento blasé, impossibilitando ao indivíduo novas experiências. O preconceito, a falta de tempo, medo e comodismo são alguns exemplos que acabam fechando esse ciclo de experiências e restringindo seu próprio desenvolvimento interpessoal. A cidade não é totalmente constituída em sentimentos nulos, embora exista a percepção que caminhamos cada dia mais frios e individualistas. Não são todos os dias que estamos dispostos a sair por aí, querendo conversar com o mundo, mas pequenas atitudes diárias de empatia ajudam a ver a cidade com outros olhos. Buscar vivenciar de verdade cada momento e experiência que aparecem e consequentemente aumentar seu ciclo social sem preconceitos tornaria a cidade um lugar mais quente e aconchegante. Se reconhecer como pessoa e enxergar isso nos outros, isso é ser livre em uma cidade blasé.
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“A essência do caráter blasé é o embotamento frente à distinção das coisas” Georg Simmel
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Indiferença é uma das características da atitude blasé
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La r com rodas por: arthur menescal fotos: arthur menescal
Projeto pessoal mostra como ĂŠ a rotina de caminhoneiros
Vanderlei Bennetti, caminhoneiro
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“Antigamente eu sonhava. Hoje, nem durmo mais�.
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Nas fotos, Eduardo dos Santos, caminhoneiro
Gilson Arlindo, 35 anos, 3 na estrada.
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Caminhoneiro descansa após o almoço
“Humilde Residência” é como Eduardo dos Santos, 56 anos, batizou seu caminhão. Trabalha no ramo há 5 anos e já faz trinta dias que está na estrada. Durante as viagens, a única companhia que tem é dos colegas que encontra ou conhece a cada parada. “A gente para no posto e fica igual vizinho”, comenta. Eduardo transporta caixas eletrônicos e está aguardando a autorização para buscar o próximo. Trabalha dia e noite, com alguns espaços para descanso. “Se pudesse, estaria em casa”. Reginaldo Ribeiro tem 20 anos de estrada e 42 de vida e considera a rotina estressante, cansativa e perigosa. Trabalhava como técnico em contabilidade, mas mudou de ramo devido à desvalorização do trabalho. Reclama da falta de estrutura nos postos. Afirma que os serviços oferecidos não valem os gastos: “Chegamos a pagar 10 reais para tomar banho em chuveiro frio”. Para Reginaldo, a profissão já não vale a pena. Quando chega a noite, Eduardo prepara a última refeição antes de buscar a última carga, um caixa eletrônico em Santa Maria. Não costumam comer nos postos de gasolina porque, além de cara, a comida não é de boa qualidade. “É bom que assim eu sei o que tô comendo”, conta o rapaz enquanto corta uma cebola e tempera a carne que sobrou do almoço. Um baú na lateral do caminhão é a cozinha. Tiram de lá duas bocas de fogão, as panelas e os ingredientes. O gás vem de um botijão preso na parte de baixo da carreta.
varanda. Alexandre Oliveira já passou 6 dos 33 anos vividos na estrada. Tem um filho e está há uma semana fora de casa. Ansioso para voltar ao Rio Grande do Sul, mata parte da saudade de casa tomando chimarrão. Viaja sozinho e gosta da profissão porque conhece novos lugares. Segundo ele, o maior problema é a falta de segurança. Roubos e uso de medicamentos para tirar o sono são frequentes entre os caminhoneiros. Às vezes , amigos se encontram em alguma parada. Por coincidência, Vanderlei Bennetti e Dalberto Cobalchini, de 35 e 32 anos, se encontraram no posto. Vanderlei estava com problemas no caminhão e o colega foi ajudar. Os dois são de São José do Cedro – SC e aguardavam para ir carregar o caminhão em Sobradinho – DF. Eles se queixam das mudanças ocorridas desde quando começaram a trabalhar na área. Entre os problemas, o alto preço do combustível, a falta de segurança e o excesso de motoristas inexperientes nas empresas são os maiores. “Somos pais de família, trabalhadores sérios. Por causa de alguns que fazem besteira, o pessoal todo fica mal falado”, afirma Dalberto, defendendo a classe. Caramujos por profissão, os caminhoneiros levam casa e carga nas costas. Depois de resolver os últimos problemas das futuras entregas, Eduardo transforma a cabine em quarto e se prepara para dormir. À noite, os postos ficam vazios e com pouco movimento. Em geral, é bom para descansar. O desafio agora é acordar com todas as rodas, carga e cozinha intactas.
Quem tem o caminhão como casa, usa o asfalto como
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Dalberto Cobalchini, caminhoneiro
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Vanderlei Bennetti e Dalberto Cobalchini, caminhoneiro
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Gabriela Franze, 2016
Vestindo o nú Projeto explora a sensibilidade para retratar nus feminino em busca da quebra de tabus: ainda associando a imagem à sexualização do corpo Por: Bárbara Cabral fotos: Pryscilla dantas
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A forma que observamos a nudez é reflexo da nossa cultura e ainda vivemos em um mundo machista – inclusive com mulheres machistas- onde a moral e os bons costumes padronizaram construções sociais na forma como moças de prestígio deveriam se mostrar para o mundo. Agimos com uma certa ignorância em termos da aceitação do corpo feminino apenas como arte, pois como toda manifestação, gera interpretações. Uma dessas concepções pode ser o desejo do observador. O nu é um tema que foi revitalizado no período pósguerra, quando a fotografia de moda já era referência com a padronização de corpos altos e magros. Logo toda essa construção cultural da nudez passou a ser um problema de moral e da própria aceitação do corpo, influenciando o pensamento sexual e aprisionando
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mulheres numa ideia de corpo perfeito. A busca pelo indivíduo que queira despir-se é um dos passos mais difíceis para quem decide embarcar em um projeto dessa magnitude, pois estamos lidando com todos esses problemas de construção social do corpo. O projeto de Pryscilla Dantas tem como objetivo libertar mulheres, trazendo por meio das lentes, a escritura do próprio corpo. A autora assume que sua preferência sempre foi fotografar mulheres “talvez por ser uma mulher e me colocar facilmente no lugar delas, sabendo que cada ser é único, talvez por aquelas histórias que são contadas de tristezas, insatisfação com a aparência, traumas”, argumenta a fotografa. A busca pela liberdade do corpo é um processo contínuo e de luta diária. Existe dualidade na forma da mulher que luta por essa libertação, por isso a fotógrafa se preocupa desde o momento da escolha da locação, produção e momento do clique, fazendo com que a mulher sinta-se bem. O trabalho revela de uma forma simples a delicadeza do corpo e uma estética mais serena.
Gabriela Franze, 2016
A nudez sempre foi um assunto polêmico. Desde os primórdios da história, temos nosso corpo nu associado à vergonha e ao pecado. Começando com Adão e Eva que mesmo estando fisicamente nus, somente com a experiência da desobediência, se sentiram despidos e desconfortáveis percebendo-se pelados.
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Carolina Schäffer, 2016
“sabendo que cada ser é único, talvez por aquelas histórias que são contadas de tristezas, insatisfação com a aparência w e traumas” Pryscilla Dantas 41
Manda nudes
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A fotรณgrafa Ana
Rafael Campos, 2016
Rayssa busca a naturalizar o nĂş por meio da fotografia e de depoimentos 43
Amanda Nunes
“
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Amanda Nunes decide pousar nua para emponderar-se
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“Uma experiência de liberdade, desconstrução e empoderamento. Ser fotografada nua, pela perspectiva de uma mulher que enxerga a naturalidade do nu, serviu para que eu me questionasse, e levasse essa reflexão para as pessoas à minha volta: será que a nudez é algo tão transgressor assim? A resposta é não! O nu é e deve ser encarado como algo natural e lindo. Nesse sentido, a fotografia vem com uma força poderosa, combater os anos de objetificação dos corpos femininos. Desconstruir o ideal utópico do corpo perfeito e, particularmente, desconstruir a imagem da mulher tatuada, ainda muito hipersexualizada. Há beleza em todos os corpos e existem pessoas dispostas a disseminar essa ideia. Fico feliz de ter participado desse projeto.”
Padrões do corpo ainda influenciam na decisão de pousar nú
“Despir parece ser uma coisa muito complicada, íntima, difícil... E é mesmo. Mas é incrível estar sem armaduras na frente do outro. Acho que a sensação é de uma irmandade, um momento de cumplicidade, sem máscaras. Não importa o resultado e sim a experiência. Tenho algumas inseguranças com meu corpo. Ver como ficaram lindas as fotos foi incrível e empoderador. É sempre bom se desafiar.”
”
“
Camila Parca
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Isabella Furtado
”
Sentir-se confortável é uma difícil tarefa para quem quer pousar nú
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“
“No dia do ensaio estava super nervosa. Ainda era difícil me abrir e me fazer confortável. Mas a Ana tem uma energia maravilhosa, uma parada que te estimula e te deixa confortável, e acabou que foi uma experiência linda.”
“Mesmo sabendo que aquelas imagens seriam colocadas para o mundo ver, havia ali uma sensação de liberdade e naturalidade que me fez compreender, mais ainda, minha ideia de que o nu não é apenas um convite ao prazer carnal”. Havia muito mais ali. Havia toda a minha confiança colocada à prova, principalmente por não ter um corpo dentro dos padrões de perfeição que a sociedade pede. Havia a flacidez do falo, uma alegoria tão poderosa para o macho desprotegido que muitos homens temem tirar a roupa na frente um do outro com receio de ser julgado por tamanhos e medidas. Havia, repito, a lembrança de que todos poderiam ver aquele ensaio depois: amigos e familiares tendo de conviver com a noção deles de nudez e, ao mesmo tempo, encaixando minha desenvoltura nessa forma de ver o mundo. Ao fim, eu não estava desprotegido. As roupas dizem muito e eu, sinceramente, gosto de viver em um mundo no qual podemos falar por meio do que vestimos. Mas vi que meu corpo tinha força, tinha expressão, também conseguia falar. E, quando do último clique, ele tinha dito: você é bonito. Você pode ficar sem roupa. A sociedade não precisa te dizer como deve ser o seu corpo. Basta você querer.”
Insegurança foi uma das barreiras que Rafael Campos encontrou para pousar nú
“
Rafael Campos
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Sebastiao Salgado: O s detalhes além dos olhos O ato de fotografar vem se tornando cada vez mais trivial. Ao longo dos últimos 10 anos, uma verdadeira revolução tecnológica popularizou diversos tipos de equipamentos fotográficos, simplificando o que antes era, em grande parte, um cuidadoso processo artístico. Por: Alberto Brandão fotos: sebastião salgado
49 Com os olhos mortos gastos pelas tempestades de areia e infecções crônicas, esta mulher da região de Gondan chegou ao fim de sua viagem” Sebastião Salgado
Pintura de James McNeil Whistler: Rio em Battersea Projeto: Exôdos. Crianças no orfanato de Zaire, 1994
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Para muitos a fotografia representa apenas uma forma de registrar um momento, mas assim como na pintura em telas o propósito vai além do registro. A intenção é destacar elementos que passam despercebido aos olhos desavisados. O conceito fica claro na idéia de Oscar Wilde quando comenta sobre as obras de James McNeil Whistler “Não havia neblina em Londres antes de Whistler pintá-la”. A frase não significa que os londrinos não enxergassem a densa neblina no horizonte de sua cidade, mas o que antes era apenas uma informação sem muito valor agora possui destaque na mente das pessoas. O trabalho do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado tem a difícil tarefa de destacar elementos que naturalmente não gostaríamos de notar, cenas que em outra ocasião nos fariam virar o rosto ao sentir repulsa àquela situação. No entanto, Salgado tem sucesso em nos fazer reagir de forma oposta. Com sua técnica, o artista e também economista, é capaz de nos apresentar situações difíceis como guerras, pobreza e injustiças, ao mesmo tempo que nos convence a fixar os olhos e tentar entender com mais profundidade a mensagem que a imagem transmite. Assim como no exemplo da neblina de Whistler, Sebastião Salgado evidência uma realidade que já sabemos da existência, mas adiciona uma dimensão inteiramente nova, um ponto de vista que não estamos acostumados. Em A Mulher Cega, de 1985, Sebastião Salgado insere a legenda que contextualiza a cena: “Com os olhos mortos gastos pelas tempestades de areia e infecções crônicas, esta mulher da região de Gondan chegou ao fim de sua viagem”. A fotografia é ousada, tratando o sofrimento com uma beleza incomum que gera admiração estética, mas é seguida de um reconhecimento interno de culpa. A legenda define a atmosfera, mas a imagem é eficiente ao demonstrar a incerteza na vida da protagonista. O fundo preto, o forte contraste e as sombras declaram que não há otimismo. O olho ofuscado não transparece um sentimento, mas deixa o questionamento no ar, “o que ela estaria pensando?”. Propositalmente ou não, o tecido que a envolve cria um curioso efeito, confundindo-a com a própria representação da morte, dessa que vemos em filmes e desenhos animados. Observando a imagem não podemos prever o destino da mulher, mas existe uma forte sugestão
Devido a seriedade de sua condição, Salgado não tinha muita escolha senão atender ao pedido de seu médico. Mas após uma longa recuperação, o fotógrafo iniciou uma nova fase em seu trabalho. O homem que antes destacava as dores do mundo agora se dedica ao registro da vida. Como podemos observar em obras como o Elefante-Marinho, Sebastião Salgado não abandona sua estética em preto e branco, nem o forte uso do contraste. Ao contrário das obras que abordam a dor como elemento central, a foca-marinha nos recebe com uma doce e calorosa expressão. Sabemos que o sorriso animal não é como o nosso, proposital, mas seu semblante nos contamina com um forte otimismo a ponto de não importar mais se é realmente um sorriso ou não. Assim como na fotografia d’A Mulher Cega, o Elefante-Marinho direciona nossa visão imediatamente para os olhos do animal. Indicando que ali mora um detalhe crucial para entender o sentido da obra. Ao descobrirmos a imagem do fotógrafo refletida nos olhos da foca, compreendemos que todo aquele cenário imenso, com indiscritível riqueza de detalhes, traz a ideia de celebração da vida, não apenas da vida em forma geral, mas da sua própria vida. Ao inserir-se de forma tão sutil numa cena tão rica, Sebastião Salgado protesta novamente, nos mostrando que não apenas o sofrimento humano está esquecido em nossa pressa cotidiana, mas que aos poucos a vida e a felicidade estão desaparecendo de nossa percepção.
Projeto: Trabalhadores. Realizado na década de 80. Publicado em 1993
A carreira de Salgado foi construída em cima deste propósito, capturar cenas terríveis como forma de protesto, apresentando ao mundo o que se recusam a ver. Infelizmente, viver rodeado de sofrimento cobra seu preço. Com o passar dos anos, seu envolvimento com a morte trouxe depressão e diversas outras doenças. Nas palavras de seu médico “[…] viu tantas mortes que agora seu corpo estava morrendo.”. Para contornar a doença, a sugestão de seu médico foi que parasse de registrar tragédias.
Projeto: Gênesis. Mirounga leonina. Geórgia do Sul, 2009
do futuro que lhe aguarda. A admiração estética que nos causa culpa rapidamente apresenta seu propósito. Um problema que antes era uma vaga ideia, agora tem um rosto e uma história. Ao invés desviar do assunto, agora não podemos mais negar que ele existe. Salgado é bem sucedido quando remove nossa paz cotidiana e introduz um problema que não conseguimos ignorar.
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Ligeiramente fora de foco O livro autobiográfico de Robert Capa, Ligeiramente fora de foco, conta a incrível jornada do fotojornalista de guerra na cobertura do dia D na Segunda Guerra Mundial Por: Bárbara Cabral fotos: robert capa
53 Hora do almoço. Soldados na Itália
Imagine que você está em um avião de guerra minutos antes de pular de paraquedas, com um detalhe mínimo de nunca ter pulado ou tido qualquer instrução sobre o assunto. No local escuro, soldados sentados esperando o comando da invasão por ar, uns ficam pensativos, outros passam mal e você apenas observa e registra sem ter tido muito tempo para digerir o que estava prestes a acontecer. Logo depois vem o aviso do pulo, você obviamente congela e sente a coragem em forma de um empurrão com um pé na bunda, fecha os olhos e lembra que deveria estar fotografando esse momento. Abre os olhos e se vê preso em árvores, junto com mais alguns soldados, em terras inimigas. Sente medo, sente frio, sente fome, mas sente-se vivo. Essa é uma das muitas histórias que Robert Capa vivencia no livro Ligeiramente fora de foco.
Fotografia utilizada na capa do livro Ligeiramente Fora de Foco. Pouso no campo de concentração
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Ao contrário do que se pode esperar de um livro autobiográfico que conta parte de sua trajetória na Guerra, a narrativa é bastante envolvente e engraçada. Engraçada? Você está certa disso? Acredite, é isso mesmo, Robert Capa era uma pessoa muito humorada, levava a vida de uma forma boêmia e descontraída. Me arrisco a dizer que justamente por isso muitas de suas histórias foram possíveis, beirando o inacreditável. O autor usa de experiências reais para criar um mundo fictício vivenciando um romance com uma mulher de cabelo cor de rosa (apelidada de Pink) enquanto trilha sua jornada opcional na guerra contra os alemães. Robert Capa foi um dos fundadores da agência Magnum. Nasceu em Budapeste e morreu em um campo minado no Japão em 1954. Capa tinha uma coisa contraditória com a vida, ele a amava e adorava mais ainda colocá-la em risco para dar sentimento às fotos onde só a irracionalidade da guerra residia. Outra característica de Capa é a sua capacidade de enxergar oportunidades. Foi um grande revelador de talentos e serve como referência a grandes nomes da fotografia e inspiração aos iniciantes.
O livro de Capa está disponível em livrarias e pela internet.
“Dormindo ou acordado, aqui estou eu, a 3 mil e poucos pés de altitude, admirando cada vez mais este novo velho mundo.”
Robert Capa fardado
Robert Capa
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Colaboradores
Alberto Brandão
Alessandra Modzeleski
Ana Paz
Ana Rayssa
escritor e colunista no site Papo de Homem, analista de marketing na Blanq Tecnologia e atual estudante de filosofia na Universidade Estadual de Londrina.
jornalista formada pela universidade católica de brasília. repórter colaboradora no portal uol e, atualmente, no caderno de política do jornal correio braziliense
jornalista formada pela universidade católica de brasília. estudante de letras português pela universidade de brasília
formada em fotografia pelo instituto de educação superior de brasília. foi estagiária no jornal de brasília. hoje é autônoma e fotografa para o jornal correio braziliense
Arthur Menescal
Filipe Cardoso
Luís Nova
Pryscilla Dantas
Sabrina Pessoa
estuda jornalismo no centro universitário de brasília. é estagiário de fotojornalismo no jornal correio braziliense e curador e pesquisador no instituto de bioética, anis
jornalista formado pela universidade católica de brasília. atualmente é fotojornalista e viajante
jornalista formado pelo instituto de educação superior de brasília. atualmente é fotojornalista do jornal correio braziliense
fotógrafa desde os 16 anos. autorretrato, retrato e sensibilidade são sua marca registrada
jornalista formada pela universidade católica de brasília. e moda pelo instituto de educação superior de brasília
k c i l c