trajetórias femininas na cidade: experiências urbanas a partir do caminhar em João Pessoa

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BÁRBARA MONTE MIRANDA TRAJETÓRIAS FEMININAS NA CIDADE: EXPERIÊNCIAS URBANAS A PARTIR DO CAMINHAR EM JOÃO PESSOA

Monografia apresentada à banca examinadora final do Curso de Arquitetura e Urbanismo, como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ, sob orientação da professora Marcela Dimenstein. Área de concentração: Arquitetura e Urbanismo

Teoria

e

História

da

João Pessoa, Paraíba. 25 de Junho, 2020


M672t

Miranda, Bárbara Monte. Trajetórias femininas na cidade: experiências urbanas a partir do caminhar em João Pessoa/ Bárbara Monte Miranda. – João Pessoa, 2020. 164f. Orientador(a): Profª. Marcela Dimenstein. Monografia (Curso de Arquitetura e Urbanismo)Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ. 1. Mulheres. 2. Experiência urbana. 3. Narrativas urbanas. 4. Perspectiva de gênero. 5. Direito à cidade. 6. Espetacularização. I. Título.

UNIPÊ / BC

CDU 72-055.2


BANCA EXAMINADORA



À todas as mulheres que nos deixaram um legado de resistência À todas que seguem construindo os seus, pelas de amanhã.


Ao longo desta jornada, algumas pessoas foram essenciais para tornar este caminho mais leve. Deixo, aqui, meus sinceros agradecimentos.

À meus pais, Conceição e Nyvaldo, pelo amor incondicional, além do incentivo e valorização da vida acadêmica; e padrinhos, Fabiana e Marcílio, por todo o suporte, generosidade e carinho. Sem vocês, a realização deste momento não seria possível. À minha orientadora, Marcela Dimenstein, sempre otimista e motivadora. Agradeço pela confiança e pelas orientações atenciosas, assim como pelos ensinamentos e por esta parceria que inspira, sobretudo, afeto (e alto astral). És uma querida. Aos membros da banca, Andrei de Ferrer e Jéssica Gomes de Lucena, pela disponibilidade e contribuições que agregaram valor a este trabalho. À todas as figuras femininas que me conduziram no meu processo de

amadurecimento intelectual e moral. Em especial, às minhas avós, que sempre foram meus símbolos de força, aprendizado e amor. Às minhas primas, Carolina e Mariana Miranda, pela participação, apoio e influência durante esta trajetória.


À Catharina Rebouças e Maria Carolina Guerra, pela partilha dos mesmos ideais e princípios, pelos conselhos e conexão. Aos demais amigos que mesmo de longe se fizeram presentes. Às amizades que surgiram neste meio, com quem compartilhei anos marcados pela troca diária de experiências e sentimentos. Em especial: Armando Pascoal, pelas aventuras, risadas e sintonia; Laís Costa e Heloísa Barbosa, pelo companheirismo desde o início até o final deste percurso; Clarissa Wanderley, Bruna Nóbrega e Ronaldo Caiaffo, pelas vivências e alegrias compartilhadas. À todos os professores que contribuíram para minha formação profissional, com destaque para Fernanda Rocha, Jaqueline Silva, Dayse Luckwü, Rodrigo Nascimento e Ernani Henrique. À Ângela Diniz e Ana Helena, por todos os aprendizados e momentos que passamos juntas. Aos meus queridos, Rafanzi e Igor Neves, por todo o carinho e atenção, sempre dispostos a ajudar. Sou muito grata pela amizade, apoio e carinho. Por fim, dedico este trabalho às participantes da pesquisa, que colaboraram com este estudo compartilhando suas experiências, e à todas as mulheres protagonistas de lutas que seguem inspirando existências e resistências.


resumo

As pesquisas acerca das vivências urbanas nas cidades contemporâneas, como João Pessoa, compreendem um contexto de produção urbana acelerada e verticalizada – que impacta as relações socioespaciais à

medida que desfavorece a escala humana – bem como consideram as complexidades

subjetivas

que

permeiam

os

espaços

e

fogem

às

metodologias de análises urbanísticas hegemônicas. Nesse sentido, este

trabalho se propõe a compreender a dinâmica e os impactos que interferem na experiência urbana de um recorte social específico: as mulheres que transitam em diferentes trechos da cidade de João Pessoa, a partir

de

uma

metodológicas

abordagem

adotadas

investigativa.

foram

a

As

principais

realização

de

estratégias

entrevistas

semiestruturadas e a produção de ensaios fotográficos (atuando como uma ferramenta de relato visual), com o intuito de analisar as apreensões femininas do meio urbano e entender os fatores que influenciam suas

formas de ocupação e uso da cidade. Dessa forma, foi possível observar as atmosferas de autonomia e opressão que atravessam a vivência urbana das mulheres e refletem no comportamento do corpo feminino. Este estudo

busca despertar olhares críticos sobre o atual modelo de produção urbana

e intenciona contribuir com debates que contemplem a incorporação da perspectiva de gênero no planejamento urbano, ressaltando a relevância da percepção sensível do cotidiano das cidades como forma de se contrapor à espetacularização urbana.

PALAVRAS-CHAVE: mulheres; experiência urbana; narrativas urbanas; perspectiva de gênero; direito à cidade; espetacularização.


abstract

Research regarding the urban experiences in contemporary cities, such as

JoĂŁo Pessoa, comprehend a context of accelerated and verticalized urban production - which impacts the socio-spatial relations in so far as it

impairs the human scale - as well as it considers the subjective complexities

that

permeate

spaces

and

scape

urban

hegemonic

methodological analysis. In this sense, this paper proposes comprehending the dynamics and impacts that interfere with the urban experience from a

specific social lens: that of women who transit in different areas of the city of JoĂŁo Pessoa, from an investigative approach. The main methodological

strategies taken were the realization of semistructured interviews and the production of photo essays (acting as a visual reporting tool), with the intent

to analyze the female apprehensions in the urban environment and

understand the factors that affect their ways of occupation and use of the city. Through this, it was possible to observe the atmospheres of autonomy and oppression on the urban experience of women, reflecting on the

behavior of the female body. This study aims to raise critical perspectives around the current model of urban production and intents to contribute to debates that contemplate the incorporation of a gender perspective in the

urban planning, highlighting the relevance of the sensory perception of the day-to-day of the cities as a way of opposing the urban spectacularization.

KEYWORDS: women; urban experience; urban narratives; gender perspective; Rights to the city; spectacularization.


lista de imagens

Imagem 01: The Rebirth of the Black Venus……………………………………………………………22 Imagem 02: Pessoas ocupando o espaço público na Itália ....................................27 Imagem 03: Intervenção no centro de São Paulo..........................................................29

Imagem 04: Intervenção no centro de São Paulo..........................................................29 Imagem 05: Protesto de mulheres pelo fim da violência de gênero em Santiago.................................................................................................................................................34 Imagem 06: Marcha das Vadias na Avenida Paulista..................................................37 Imagem 07: Seminário “Mulheres e direito à cidade: narrativas de resistência” no Rio de Janeiro..................................................................................................41 Imagem 08: Feira de rua em Alexandria.............................................................................57 Imagem 09: Intervenção urbana feita na iniciativa Olhe o Degrau no bairro Jardim Nakamura............................................................................................................................60 Imagem 10: Predominância masculina na Reunião do Primeiro CIAM............66 Imagem 11: Intervenção urbana através do pixo .........................................................68 Imagem 12: Marcha das Mulheres em Nova York.........................................................70 Imagem 13: Jornadas de Junho: Manifestação na Avenida Paulista.................74

Imagem 14: Protestos em Santiago.......................................................................................74 Imagem 15: Marcha das Vadias em Recife.......................................................................76 Imagem 16: Marcha das Mulheres Negras em Brasília.............................................79 Imagem 17: Ciclovias...................................................................................................................111 Imagem 18: Comércios, serviços e circulação de pessoas na rua....................111 Imagem 19: Comércios, serviços e circulação de pessoas na rua....................111


Imagem 20 : Conforto – A ocupação na Praça da Paz................................................114 Imagem 21: Ruas arborizadas................................................................................................114 Imagem 22: Ruas arborizadas................................................................................................114

Imagem 23: Rua próxima a terrenos vazios...................................................................117 Imagem 24: Rua mal iluminada e deserta......................................................................117 Imagem 25: Rua mal iluminada e deserta......................................................................117 Imagem 26: Ponto de ônibus deserto.................................................................................118 Imagem 27: Ponto de ônibus deserto e mal iluminado...........................................118 Imagem 28: Ponto de ônibus deserto.................................................................................118 Imagem 29: Calçada inadequada e degradada.............................................................121 Imagem 30: Muros altos e sem aberturas.......................................................................121 Imagem 31: Lixos e entulhos ocupando parte da calçada.....................................121 Imagem 32: Marcha das Vadias em Recife.....................................................................124 Imagem 33: Ocupação do Parque Bryant.........................................................................133 Imagem 34: Passeios largos nas ruas de Viena...........................................................144 Imagem 35: Escadarias com rampas no nono distrito em Viena......................144 Imagem 36: Iluminação noturna no centro histórico de Viena..........................144 Imagem 37 : A inclusão de áreas de estar estimulou a presença de meninas no espaço público.........................................................................................................................145 Imagem 38: Vista para um dos pátios do Frauen - Werk–Stad...........................145


lista de figuras

Figura 01: Jane Jacobs segurando um cartaz escrito “Consciência é a arma definitiva!” ........................................................................................................................................130 Figura 02: Pintura a óleo “Presente” por Camila Soato............................................152


lista de gráficos

Gráfico 01: Taxa de feminicídios a cada 100 mil mulheres nos estados brasileiros (2017) ............................................................................................................................ 32 Gráfico 02: Modelo de desenvolvimento da pesquisa.................................................49

Gráfico 03: Porcentagem étnico-racial.................................................................................83 Gráfico 04:Porcentagem dos níveis de escolaridade...................................................83


lista de mapas

Mapa 01: Localização dos pontos iniciais da pesquisa..............................................45 Mapa 02: Localização aprox. das moradias das participantes...............................84 Mapa 03: Mapa de deslocamento da participante.........................................................87 Mapa 04: Mapa de deslocamento da participante.........................................................89 Mapa 05: Mapa de deslocamento da participante.........................................................91 Mapa 06: Mapa de deslocamento da participante.........................................................93 Mapa 07: Mapa de deslocamento da participante.........................................................95 Mapa 08: Mapa de deslocamento da participante.........................................................97 Mapa 09: Mapa de deslocamento da participante.........................................................99 Mapa 10: Bairros mais frequentados pelas participantes......................................101 Mapa 11: Localização aprox. dos pontos fotografados..............................................109


lista de tabelas

Tabela 01: Pesquisa Bibliográfica............................................................................................43 Tabela 02: Cronogramas de encontros para a realização das entrevistas...........................................................................................................................................50


23

introdução

42

154

etapas de desenvolvimento da pesquisa

referências bibliográficas e apêndices


52

cap. 01 | contribuições teóricas 1.1 A experiência urbana na cidade contemporânea a partir do caminhar ;

104

80

1.2 A mulher na cidade contemporânea

cap. 02 | abordagem investigativa 2.1 Perfil das participantes 2.2 Caracterização dos trajetos

cap. 03 | narrativas urbanas e relatos visuais

3.1 A fotografia como ferramenta de apreensão do espaço

136

mini guia básico

146

3.2 Categorização e análise dos dados

considerações finais

a. Para mulheres pedestres na cidade contemporânea b. Para entender a perspectiva de gênero na prática


Imagem 01: The Rebirth of the Black Venus | Billie Zangewa, 2010. Fonte: Collection Leridon


Este

trabalho tem como tema principal as

experiências urbanas na cidade contemporânea, assunto discutido por diversos autores, como Paola Berenstein Jacques (2012) e Milton Santos (1996), em obras que tecem

elogios

corporeidade

no

ao

ato

de

urbano,

e

vivenciar

a

ressaltam

a

cidade,

à

crescente

relevância do tema. No caso deste estudo, o foco será as mulheres que se locomovem prioritariamente a pé pela cidade,

intencionando

compreender

que

aspectos

urbanos impactam nas suas experiências cotidianas. 23


Para Pereira (2009), o atual cenário das cidades brasileiras contemporâneas está inserido num contexto de contínua mudança e verticalização da paisagem urbana que muitas vezes mostra um planejamento que prioriza a mobilidade através do veículo individual, onde a escala humana parece se perder juntamente com a vivência da cidade. As discussões relativas ao crescimento vertical acelerado das metrópoles, ao reafirmar seus impactos na dinâmica de ocupação e

relações com o meio urbano, se tornam inerentes ao debate sobre experiências urbanas. Este, por sua vez, se mostra cada vez mais relevante à medida que reconhece e expõe a importância dessa prática,

atribuindo

valor

aos

indivíduos

que

se

aventuram

caminhando pela cidade, ocupando e descobrindo os espaços e, através de apreensões individuais, desenvolvendo relações com eles. O processo pelo qual estamos passando atualmente, de acordo com Jacques (2012), se trata de uma esterilização da experiência da alteridade urbana¹, a qual não estaria completamente perdida, mas sim, domesticada e anestesiada.

24


A

autora parte do entendimento trata

de

de

que

a

experiência

urbana

se

uma visão subjetiva e importante sobre a

cidade,

ocorrendo através da vivência corporal do indivíduo no

espaço, afirmando que tal prática pode atuar na contra produção do urbano considerado "homogeneizado" e "espetacular“². Segundo autores que corroboram com essa ideia, como David Harvey (1992) e Evelyn Lima (2004), a espetacularização surge como um dos resultados da globalização, a qual se disseminou uma lógica de “planejamentos urbanos internacionalizados”.

1 De acordo com Duarte e Pinheiro (2013), alteridade significa a aceitação acerca da existência de outras identidades além de sua própria, a consciência que a presença do Outro transmite sensações diversas que conformam as ambiências dos lugares. 2 Jacques (2005) descreve como resultado de duas correntes do pensamento urbano atual, que embora pareçam antagônicas, reforçam as ideias de “nãocidade”: seja por congelamento – cidade-museu e patrimonialização desenfreada – seja por difusão – cidade genérica e urbanização generalizada. 25


Sendo cada vez mais observados ao redor do mundo, ao desconsiderar os aspectos culturais locais e os substituir por elementos genéricos que se moldam a qualquer meio, esses planos estratégicos resultam em cenas urbanas repetitivas, facilmente encontradas em qualquer lugar pois não denotam identidade. Assim, surgem cenários comuns às grandes cidades, como os shoppings centers e as áreas turistificadas e, consequentemente, gentrificadas³. Logo,

tendo

em

vista

a

experiência

urbana

na

contemporaneidade como forma de se opor a esses fenômenos globalizados e entendendo que, a partir dela, conseguimos perceber o meio em que estamos, suas subjetividades (cheiros, ritmos e cores, etc.) assim como, desenvolver relações e memórias com a cidade, se faz necessário considerar sua relevância no atual modelo de planejamento urbano.

3 Gentrificação é o processo em que os espaços são produzidos e financiados através de parcerias público-privadas com rápida apropriação pelos mecanismos de mercado (...). Como consequência tem-se, muitas vezes, a eliminação dos aspectos culturais locais e a subsequente colonização ou globalização industrial, mercantil e eletrônica dessas culturas. (TEOBALDO, 2010). 26


Imagem 02: Pessoas ocupando o espaço público na Itália., 2017. Fonte: Nicola via Flickr. Disponível em: https://www.flickr.com/photos/15216811@N06/

27


Com o intuito de enriquecer tal discussão, a pesquisa surge acrescentando mais um ponto a ser debatido: o protagonismo masculino na formação das cidades e a consequente concepção de espaços feitos por/para homens. Segundo Paula Freire Santoro (2008), o planejamento urbano contemporâneo passa por uma necessária revisão de suas principais diretrizes, dada a discussão acerca das problemáticas a respeito de para quem e por quem a cidade está sendo construída. Para autores como José María Ezquiaga (1997) e Terezinha Gonzaga (2004), umas

das principais questões tratadas sobre o tema é relacionada ao fato das cidades serem um reflexo de um contexto histórico de hegemonia masculina e patriarcal na sociedade. Dentro dessa perspectiva, a mulher foi ignorada e, portanto, desconsiderada no tocante às escolhas sobre que forma e função os espaços públicos teriam e como seriam acessados (CASIMIRO, 2017).

28


Imagem 03: Intervenção no Centro de São Paulo, 2016 Fonte: retiradas do vídeo produzido pela campanha Olho no Seu Voto.

Imagem 04: Intervenção no Centro de São Paulo, 2016 Fonte: retiradas do vídeo produzido pela campanha Olho no Seu Voto.

29


Atualmente, as mulheres vêm ganhando mais visibilidade nos espaços à medida que manifestam suas insatisfações. Autoras como Alfonsin (2006) e Santoro (2008), atentam para a transformação do discurso feminino ao longo do tempo, ao perceberem o crescente reconhecimento da importância dos debates sobre uma luta por direitos pautados na profunda desigualdade de gênero que, por sua vez, é imposta nos usos dos espaços públicos e se reflete na relação de violência incidente neles.

Em 2017, a ONU Mulheres revelou, através do relatório “Pelo Fim da Violência Contra Mulheres”4, que quase dois terços das mulheres ao redor do mundo passam por situações de violência a longo prazo. No mesmo ano, a ActionAid realizou uma avaliação da segurança feminina em espaços urbanos em 10 países e demonstrou as proporções pandêmicas que a problemática possui, com dados alarmantes em países como o Nepal, onde nove a cada dez mulheres revelaram já ter sofrido assédio sexual em espaços públicos. O Brasil permanece como um dos países mais violentos para as mulheres. Até 2019, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o cenário nacional ocupava o quinto lugar no ranking de

maiores taxas de feminicídios5 do mundo. 30


De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2017, mais de 60 mil casos de violência contra a mulher foram registrados e cerca de 530 vítimas por dia recorreram a Lei Maria da Penha

(Lei

11.340/2006),

que

entrou

em

vigor

em

2006,

estabelecendo os parâmetros que definem violência doméstica contra a mulher e estipulando a punição adequada aos agressores. Nas regiões do país, de acordo com o Atlas da Violência 2019, realizado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e

Fórum de Segurança Pública, que analisou as taxas de feminicídios entre 2007 e 2017, declarou que houve um aumento de 20,7%, passando de 3,9 para 4,7 mulheres assassinadas a cada 100 mil mulheres. Sendo liderado pelo estado de Roraima, onde a taxa de feminicídios chega a 10,6 mulheres vítimas – duas vezes maior que o índice nacional (4,7) – seguido pelo Acre e Rio Grande do Norte (8,3), e pelo Ceará (8,1). Nesse contexto, a Paraíba aparece com uma taxa de vítimas de 4,2 a cada 100 mil mulheres, registrando na década em questão um aumento de 27,5%. 4 Disponível em: <http://annualreport.unwomen.org/en/2017/what-wedo/ending-violence-against-women-andgirls> Acesso em 24 set. 2019. 5 Considera-se feminicídio qualquer manifestação ou exercício de relações desiguais de poder entre homens e mulheres que culmine com a morte de uma ou mais mulheres (CARCEDO, SAGOT, 2000). 31


O gráfico a seguir, apresenta o quadro geral dos estados sobre a taxas registradas: São Paulo

Distrito Federal Santa Catarina

Piauí

Maranhão

Minas Gerais

Paraíba

Paraná

Mato Grosso do Sul

Rio de Janeiro Brasil

Tocantins

Rio Grande do Sul

Mato Grosso Amazonas

Pernambuco Bahia

Alagoas

Sergipe Amapá

Rondônia

Gráfico 01: Taxa de feminicídios a cada 100 mil mulheres nos estados brasileiros (2017).

Pará

Espírito Santo

Goiás

Ceará

Fonte: IBGE/Diretoria de Pesquisas. Ilustrado pela autora, 2020.

Rio Grande do Norte

Acre

Roraima

32

0

2

4

6

8

10

12


O panorama de violência contra as mulheres se expande ao tratarmos de assédio em espaços públicos. A campanha Chega de Fiu Fiu, publicada em setembro de 2013 pela jornalista Karin Hueck e idealizada pela ONG Think Olga6 revelou que 99,6% das mulheres relatam já ter sofrido assédio em ambiente público. Isso se reflete nas estatísticas obtidas em 2016 pela ActionAid7, na qual indica que metade das mulheres brasileiras entrevistadas já foram perseguidas na rua, 44% tiveram seus corpos tocados, 37% presenciaram homens se exibindo para elas e 8% foram vítimas de estupro. Nesse cenário, a região Centro-Oeste do Brasil liderava o ranking de relatos de assédios nas ruas com 92% de incidência, seguido pelo Norte (88%), Nordeste e Sudeste (86%) e Sul (85%). O resultado final da pesquisa mostrou que 70% das mulheres sentiam medo de serem assediadas

ao andar nas ruas.

6 Criada em 2013, é uma organização não-governamental com foco em criar impacto positivo na vida das mulheres do Brasil e do mundo por meio da comunicação. 7 Fundada em 1972 e presente em 45 países, é uma organização internacional que trabalha por justiça social, igualdade de gênero e fim da pobreza. 33


22 34


Imagem 05: Protesto de mulheres pelo fim da violĂŞncia de gĂŞnero em Santiago, Chile (2019). Fonte: Esteban Felix/ New York Times.

23 35


Ao observar tais questões que permeiam a trajetória feminina no espaço urbano, surge o recorte dessa pesquisa: a relação das mulheres que transitam a pé na cidade de João Pessoa/PB e suas experiências urbanas em meio às problemáticas do planejamento urbano hegemônico. Lígia Casimiro (2017) ao definir a cidade como uma projeção da sociedade em um determinado espaço, aponta a relevância de analisar o modo que a urbe dialoga com a presença feminina,

considerando que o ato de transitar da mulher é, muitas vezes, acompanhado pelo receio à sua integridade física. A autora reafirma a importância da inclusão e participação feminina nos processos decisórios sobre o uso, o desenho e a ocupação urbana baseando-se no entendimento de que os espaços só se tornarão funcionais para mulheres a partir de suas percepções sobre eles. Para Raquel Rolnik (2013), nas nossas ruas, o direito de ir e vir se entrelaçou fortemente com outras pautas e agendas constitutivas da questão urbana. Em meio a elas, trata-se aqui sobre o direito da mulher à cidade e sua mobilidade pelo espaço urbano como ponto chave de discussão sobre cidades mais democráticas e igualitárias

na prática de seus usos. 36


Imagem 06: Marcha das Vadias na Avenida Paulista (SP), 2012. Fonte: Carlos Alkmin via Flickr. Disponível em: https://www.flickr.com/photos/carlosalk/

Através de uma abordagem pela ótica arquitetônica e urbanística, a pesquisa, ao propor o estudo de experiências urbanas – um tema vasto e estudado por diversas áreas de conhecimento como sociologia e antropologia, se apropria da interdisciplinaridade, fator fundamental na compreensão desse campo. De acordo com Dimenstein (2014), o conceito de arquitetura e urbanismo é bem mais abrangente que apenas construções físicas concretas, considerando também a percepção e vivência do sujeito na cidade. 37


Jacques (2012) também defende o estudo das experiências urbanas como forma de compreensão da cidade e trabalha com o conceito da “errância”: a prática de errar na busca pela experiência de alteridade na cidade. Tendo em vista que o errante não apenas observa a cidade de fora, mas vivencia-a de dentro, a autora reafirma a importância de ir em contrapartida tanto aos métodos mais difundidos de análise urbanística (como o diagnóstico baseado em dados estatísticos, objetivos e genéricos), quanto aos processos de esterilização

da experiência

e

espetacularização

urbanas

das

cidades. Logo,

o

objetivo

geral

deste

trabalho

será

analisar

a

experiência urbana de mulheres que se locomovem a pé em alguns trechos da cidade de João Pessoa. Especificamente, buscaremos identificar

os

elementos

urbanos

que

impactam

nas

suas

experiências cotidianas; descobrir estratégias e táticas do corpo feminino na vivência dos trechos analisados, assim como, entender os motivos e origens de tais comportamentos.

38


Essa monografia está estruturada em três capítulos que abordarão desde o foco da pesquisa até as subjetividades que o envolvem. O primeiro capítulo desenvolverá a base teórica do trabalho, tratando a experiência urbana na cidade contemporânea através do caminhar com ênfase na perspectiva feminina. Também buscará entender a luta por direito em se tratando da relação mulher-cidade. O segundo capítulo terá como centro de discussão a cidade de

João Pessoa e as mulheres que transitam e atuam nela como pedestres. Nessa etapa, será abordado o processo de coleta dados, traçando os perfis femininos que serão analisados e descrevendo as trajetórias percorridas, resultados de entrevistas semiestruturadas de forma a gerar narrativas urbanas femininas. O terceiro capítulo será referente ao diagnóstico do estudo. Logo, serão analisadas as informações coletadas, observando os comportamentos adotados durante a vivência cotidiana urbana das mulheres

em

questão

e

interpretá-los,

partindo

do

prisma

arquitetônico-urbanístico, visando identificar os elementos urbanos que se relacionam com as origens de tais posturas.

39


As considerações finais apresentarão as conclusões da pesquisa, assim como, também atestará

se

os

objetivos

propostos

foram

alcançados e a problemática, elucidada. Pretende-se, com este estudo, contribuir com a discussão sobre o atual modo de pensar

e

produzir

cidades,

levantando

as

problemáticas de gênero como ponto relevante no processo de desenvolvimento urbano mais democrático e igualitário. 40


Imagem 07: Seminário “Mulheres e direito à cidade: narrativas de resistência” (Rio de Janeiro, 2016). Fonte: Mídia Ninja.

41


etapas de desenvolvimento da pesquisa Aqui

metodologias

serão

apresentadas

adotadas

ao

longo

as do

desenvolvimento desta pesquisa, constituído por etapas. A primeira parte se refere à construção do referencial teórico conceitual, trazendo

o

embasamento

acerca

da

importância da experiência urbana através do caminhar,

a

relevância

da

perspectiva

de

gênero na construção da cidade e o contexto atual da mulher na luta pelo seu direito a ela. 42


A tabela 01 apresenta os principais autores e seus respectivos trabalhos que compõem a base para o desenvolvimento do referencial teórico desta pesquisa: Tabela 01: Pesquisa Bibliográfica

Autor

Publicação/Ano

Tema

JACQUES, Paola Berenstein.

Elogio aos errantes. Salvador, EDUFBA, 2012.

Aborda sobre a prática da errância na experiência urbana como forma de compreensão da cidade.

SANTORO, Paula Freire.

Gênero e planejamento territorial: uma aproximação. Minas Gerais, ABEP, 2008.

Discute o planejamento territorial através da perspectiva de gênero, analisando a relação das mulheres com os espaços e sua participação nas decisões sobre o território.

MONNET, Nadja.

Flanâncias femininas e etnografia. Salvador: EDUFBA, 2013.

O artigo reflete acerca do corpo feminino na cidade e discute o espaço público a partir do contexto de domínio masculino na concepção urbana.

JACOBS, Jane.

Morte e Vida de Grandes Cidades. Nova York: Random House, 1961.

Traz questões sobre a qualidade da vida urbana a partir de críticas aos ideais modernistas e ao urbanismo do século XX.

Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico

Direito à Cidade: uma visão por gênero. São Paulo: IBDU, 2017.

Composta por publicações coletivas, a obra se dedica a discutir o direito à cidade a partir de recortes de gênero, raça, diversidade sexual e identidade de gênero. 43


Com relação à pesquisa documental deste trabalho, esta ocorreu em sua maioria pela consulta de pesquisas estatísticas, dissertações e arquivos digitais, necessários para o aprofundamento dos assuntos tratados. Também foi utilizada a base cartográfica de João Pessoa disponibilizada no site da Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP). No que se refere ao local da pesquisa, abrange alguns bairros de João Pessoa, frequentados pelas participantes. Porém, elegeu-se

dois locais principais como pontos iniciais de pesquisa: a UNIPÊ Centro Universitário de João Pessoa e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), uma vez observado o grande fluxo de mulheres nesse meio, se configurando como espaço de socialização, convivência e circulação de diversos grupos.

44


Mapa 01: Localização dos pontos iniciais da pesquisa. Fonte: PMJP. Editado pela autora, 2020.

45


População e definição do grupo de participantes Quanto a definição do grupo, se deu a partir das abordagens

em campo realizadas em mais de 15 mulheres. Algumas das

abordadas mostraram um certo receio ou desinteresse em participar da pesquisa, outras, inicialmente, aceitaram a proposta mas se

ausentaram ao longo do processo. Ao fim, chegamos num grupo consistente de 7 mulheres dispostas a colaborar com o estudo.

A diversidade de perfis era um fator buscado na pesquisa,

sendo assim, não havia restrições com relação a faixa etária, cor, raça ou outros atributos individuais. Também não era necessário que

fossem estudantes, apenas frequentadoras dos espaços, podendo,

portanto, serem funcionárias, trabalhadoras informais, etc. As

abordagens foram realizadas nas duas universidades e ocorreram de maneira informal.

Sendo uma pesquisa de caráter qualitativo, Silveira e Gerhardt

(2009) apontam que não existe interesse na busca por generalização pois a questão central da pesquisa implica em aspectos da realidade que

não

podem

ser

quantificados.

Desse

modo,

não

houve

preocupação com a quantidade de indivíduos na amostragem, tendo em vista que se trata de um estudo cujo objetivo é analisar as 46


percepções individuais nas diversas experiências urbanas incluídas e se aprofundar na compreensão dos aspectos subjetivos envolvidos.

É importante ressaltar que, ao tratar de questões de gênero,

relacionando-as com as desigualdades socioespaciais na cidade e

tendo o foco na perspectiva e vivência feminina, as mulheres são interpretadas

neste

trabalho

como

todas

aquelas

que

se

autodeclaram como tal, sejam elas cis (se identificam com o sexo

biológico) ou trans (não se identificam com o sexo biológico e se reconhecem como mulher).

Coleta de dados de fonte primária A segunda parte do trabalho é referente à coleta dos dados e

foi realizada essencialmente através das visitas exploratórias nos

locais iniciais de pesquisa, da produção dos ensaios fotográficos e

das entrevistas semiestruturadas.

Inicialmente, foram realizadas visitas nos locais iniciais da

pesquisa onde ocorreram as abordagens e os primeiros contatos com as participantes. Nessa etapa também se obtiveram os dados

primários dos sujeitos – como idade, profissão, raça (autodeclarada) e local onde mora, possibilitando traçar os perfis das participantes.

47


A próxima fase do trabalho de campo baseou-se na produção

dos registros fotográficos pelas participantes, denominada por Gomes (2002) e Gomes e Dimenstein (2006) como ensaio fotográfico e

é apontado como uma estratégia potente de coleta de dados, de inclusão ativa dos participantes, produzindo uma estética visual que mobiliza pesquisadores e pesquisados (GOMES, DIMENSTEIN, 2006).

Essa etapa consistiu na captura de imagens feitas pelas

próprias participantes, trazendo o recurso visual como forma de auxiliá-las em suas narrativas, além de se mostrar bastante

pertinente no caso desse trabalho, ao fortalecer o conceito da visão feminina sobre a cidade. Logo, foi solicitado que fotografassem elementos e cenas que traduzissem ou simbolizassem suas perspectivas acerca de determinados aspectos em suas vivências urbanas

pesquisadora.

previamente

categorizados

e

explicados

pela

A seguir, se procederam as entrevistas semiestruturadas,

defendida por Silveira e Gerhardt (2009) como uma técnica de coleta

de dados não documentados através da interação social conduzida

por um roteiro relativamente estruturado, mas permitindo que os entrevistados

falem

livremente

desdobramentos da temática. 48

sobre

o

assunto,

levando

a


Gráfico 02: Modelo de desenvolvimento da pesquisa. Fonte: Ilustrado pela autora (2020).

Entrevistas

semiestruturadas Registros

coleta de

fotográficos

dados

Visitas de

campo

referencial

teórico

O roteiro das entrevistas foi organizado em duas partes: a

primeira parte, tinha o objetivo de inteirar-se sobre os trajetos feitos

cotidianamente nas ruas pelas participantes; a segunda, buscava compreender os resultados dos ensaios fotográficos realizados. A

partir disso, foi possível descobrir os percursos diários e formas de

locomoção das participantes pela cidade, além de explorar e compreender

as motivações em cada

registro

e

abranger o

entendimento acerca das experiências compartilhadas, a fim de elucidar as questões principais desta pesquisa.

As entrevistas ocorreram presencial e virtualmente. Na tabela

a seguir, podemos identificar a data e o turno em que foram realizadas:

49


Tabela 02: Cronogramas de encontros para a realização das entrevistas

50

Data

Turno

Local do início da entrevista

Entrevistada

1

02/03/2020

Manhã

UNIPÊ

Janine

2

02/03/2020

Manhã

UNIPÊ

Liliana

3

03/03/2020

Manhã

UNIPÊ

Viviane

4

03/03/2020

Tarde

UNIPÊ

Fábia

5

07/03/2020

Tarde

Encontro virtual

Liliana

6

10/03/2020

Manhã

Encontro virtual

Fábia

7

10/03/2020

Noite

UNIPÊ

Dâmaris

8

11/03/2020

Noite

Encontro virtual

Viviane

9

12/03/2020

Noite

Encontro virtual

Dâmaris

10

13/03/2020

Tarde

Encontro virtual

Janine

11

18/03/2020

Manhã

Encontro virtual

Jéssica

12

19/03/2020

Manhã

Encontro virtual

Fábia

13

27/03/2020

Tarde

Encontro virtual

Liliana

14

27/03/2020

Tarde

Encontro virtual

Janine

15

27/03/2020

Tarde

Encontro virtual

Dâmaris

16

27/03/2020

Tarde

Encontro virtual

Viviane

17

26/03/2020

Manhã

Encontro virtual

Alice

18

28/03/2020

Manhã

Encontro virtual

Fábia

19

14/04/2020

Noite

Encontro virtual

Alice

20

14/04/2020

Noite

Encontro virtual

Jéssica


Sistematização e análise dos dados Para Silveira e Gerhardt (2009), a sistematização dos dados consiste em organizar e apresentar as informações coletadas de forma lúcida, sendo fundamental para se alcançar os objetivos da

pesquisa. Inicialmente,

os

dados

coletados

nas

entrevistas

semiestruturadas foram sintetizados a partir da classificação das respostas em: 1) Perfil das participantes; 2) Caracterização dos trajetos

cotidianos.

Dessa

forma,

foi

possível

apresentar

as

informações de maneira mais objetiva, além de ilustrar as narrativas através de mapas. Referente à etapa de ensaios fotográficos, a produção dos registros

foi

norteada

por

duas

classificações

previamente

estabelecidas: conforto e desconforto – escolhidas pela qualidade subjetiva

e

abrangente

dos

termos,

possibilitando

múltiplas

interpretações pelas participantes. A análise dos resultados se converteram em: 1) Avaliações do espaço; 2) Comportamentos e posturas.

51



contribuições teóricas Este capítulo surge com o intuito de imergir o leitor

no

pesquisa:

principal

a

tema

experiência

abordado

urbana

na

nesta

cidade

contemporânea através do andar. Buscando contextualizar o foco da pesquisa – as mulheres pedestres na cidade de João Pessoa, também será tratado sobre a relação feminina com o urbano e a atual conjuntura da luta das mulheres pelo direito à cidade. 53


1.1

A

experiência

urbana

na

cidade

contemporânea a partir do caminhar As concepções acerca das apreensões subjetivas inerentes ao urbano debatidas por Santos (1996) e Jacques (2006, 2012) servem de alicerce teórico para o desenvolvimento deste trabalho. Os autores se dedicam a reflexões acerca de conceitos de alteridade e corporeidade urbana,

referentes,

identidades e

respectivamente,

ambiências

à

consciência

que conformam

sobre

os espaços

e

as as

percepções urbanas através do ato de experimentar a cidade a partir da vivência corporal do indivíduo. Em busca da aplicação de tais conceitos, Jacques surge com outro: as errâncias urbanas, um tipo específico de apropriação do espaço público, que não foi pensado nem planejado pelos urbanistas ou outros especialistas do espaço urbano (JACQUES, 2006). Nesse sentido, desponta a figura do urbanista errante8, cuja vivência da cidade se dá através das errâncias e, ao invés de buscar compreender e retratar o espaço por meio de representações gráficas, 8 Como no caso do arquiteto urbano, seria sobretudo uma postura com relação ao urbanismo enquanto disciplina e prática (JACQUES, 2006, p.117). 54


projeções e imagens, extrai sua interpretação do meio urbano mediante os percursos, ações e práticas que o compõem.

A autora estabelece esse método como forma de divergir da produção de cidades-espetáculo e se opor aos modelos urbanísticos vigentes, uma vez que a errância urbana se conduz como uma apologia à experiência da cidade e pode ser, sobretudo, realizada por qualquer um, resgatando a concepção da prática urbana ordinária, as questões do cotidiano. Michel de Certeau, em sua obra “A invenção do cotidiano”, originalmente publicada em 1980, já apresentava a discussão sobre os “praticantes ordinários da cidade”, isto é, quem vivencia o urbano de dentro ou, nas palavras dele, “embaixo”, como uma crítica às visões aéreas da cidade – adotada pelos urbanistas através dos mapas. As micro-práticas cotidianas do espaço vivido, ou seja, as apropriações diversas do espaço urbano escapam das disciplinas urbanísticas hegemônicas, mas que não estão, ou melhor, não deveriam estar, fora do seu campo de ação (JACQUES, 2006, p. 119).

55


Seguindo essa linha de pensamento, Certeau (1990) aponta que no exercício ordinário do urbano há uma apreensão subjetiva e individual através de um conhecimento “cego” sobre os espaços. Essa cegueira dá margem, justamente, às percepções de ordem empírica, já que a experiência urbana não necessariamente precisa ser representada ou sequer vista, apenas sentida e vivenciada, considerando-se seus outros aspectos e sentidos. Logo, nota-se outra postura com relação à cidade que também

se reconhece como uma crítica a arquitetura espetacular, se opondo à teatralidade dos espaços públicos, cujo foco principal é o olhar, apenas o visual, como apontado por Jacques (2006), que destaca a importância dos outros sentidos corporais ao relatar sobre o significado do tatear, dos sons, cheiros e gostos particulares e individuais que compõem, juntamente com a visão, a complexidade da experiência da cidade.

56


Imagem 08: Feira de rua em Alexandria (Egito) Fonte: Gerard Eder via Flickr. DisponĂ­vel em: https://www.flickr.com/photos/142382111@N07/

57


As técnicas de análise espacial mais empíricas e sensoriais, a ideia de “corporificar” os espaços, ganham mais relevância à medida que são conceituadas e defendidas por diversos autores. Milton Santos afirma que a corporeidade do homem é um instrumento da ação (1996, p. 52) ao se referir ao valor da experiência do corpo situado no espaço, e acrescenta: “o mundo da fluidez, a vertigem da velocidade, a frequência dos deslocamentos e a banalidade do movimento e das alusões a lugares e a coisas distantes, revelam, por contraste, no ser humano, o corpo como uma certeza materialmente sensível, diante de um universo difícil de apreender” (1996, p. 212). Nesse sentido, considerando a importância ao corpo, veículo utilizado por nós para expressar diariamente nossas relações, dando sentido aos lugares que são apropriados e percebidos (DIMENSTEIN, 2014, p.24), ao tomar consciência da atmosfera e reconhecê-la considerando suas ambiências, a experiência corpórea é vista como objetivo ao mesmo tempo que como meio no processo de apreensão e compreensão da cidade.

58


Ana Clara Torres Ribeiro (2011) também contribui com essa discussão a partir de sua análise sobre as dimensões corporais no espaço, classificadas pela socióloga em “corpo-produto”, fruto da alienação contemporânea, concebido pela racionalidade hegemônica e completamente movido pelo reino da mercadoria; e “sujeito corporificado”, que, por sua vez, se percebe como total oposto ao corpo-produto

ao

se

desviar

das

distrações

espetaculares

e

imposições mercadológicas e impor sua existência nas práticas e vivências que resistem na alteridade urbana. Este último, sendo visto pela autora como ação política na produção do espaço urbano, à medida que se opõe a sua desmaterialização em papéis repetitivos, em imagens reiterativas e em modelos de cidade (e de urbanidade) que o excluem (RIBEIRO, 2011, p. 32). Haja vista que, apesar dos urbanistas projetarem os espaços, são seus usuários cotidianos que articulam e reinventam seus usos (JACQUES, 2006), surge a reflexão em relação à influência corporal na transformação e composição espacial. Em meio a um processo dinâmico de interpretação espacial, os corpos denotam identidades e modificam,

a

partir

de

suas

práticas

sociais,

ocupações

e

apropriações, as ambiências que os envolvem. Em outras palavras, 59


ou, nas palavras de Michel de Certeau: “o espaço é o lugar praticado”, observando o fato de que as ruas geometricamente definidas pelo urbanismo são transformadas no espaço pelos pedestres (1990, p. 202).

60

Imagem 09: Intervenção urbana feita na iniciativa Olhe o Degrau no bairro Jardim Nakamura - SP (2018). Fonte: Cidade Ativa


O autor, que se dedica ao estudo dos meios individuais de se inserir no mundo – seja a partir de linguagens, seja por caminhadas pela cidade, e analisa a relação de interação e apropriação do sujeito com os espaços – defendia o ato de andar como a forma mais pura de experiência urbana, afirmando que “os passos moldam os lugares e os transformam em espaços9” (1990, p. 176), ao se referir à influência que a prática do caminhar pela cidade exerce na forma de uso de seus espaços.

A

relevância

das

narrativas

e

compartilhamento

de

experiências urbanas também é abordada por ele, que afirma que “todo relato é um relato de viagem, uma prática do espaço”. Para Certeau,

essa

relação

de

apropriação

da

vivência

urbana

é

construída, sobretudo, pelo caminhante, adotando tal noção como discurso e o tratando como “enunciações dos pedestres”, ao argumentar que o ato de caminhar está para o sistema urbano assim como a enunciação está para a língua (1990, p.177). Bruno Reis, em sua análise sobre conceitos de “não lugares”, estuda a obra do autor e explica sobre tal pensamento: 9 Para Certeau (1990), lugar é “[...] uma configuração instantânea de posições. Implica uma relação de estabilidade” (p. 201); local ausente de significado; a configuração espacial das coisas. Ao passo que espaço seria a prática do lugar. 61


Entende-se

tal perspectiva a partir de uma função tríplice que cria esse discurso: ao caminhar, o sujeito se apropria das possibilidades permitidas pelas configurações espaciais disponíveis, assim como um locutor se apropria da língua; ao mesmo tempo, é uma realização espacial do lugar, do mesmo modo que proferir uma palavra é o ato sonoro da língua; por fim, implica relações entre os outros indivíduos que ocupam o mesmo espaço, na forma de contratos pragmáticos, mesmo que implícitos. Assim, ele defende que, por meio desse discurso proferido pelos passos, “[...] o caminhante transforma em outra coisa cada significante espacial” (CERTEAU, 1998, p. 178). (REIS, 2013, p. 141).

As caminhadas urbanas também foram questão discutida por Lefebvre, abarcada pela sua “teoria do espaço social” (2000), que tinha como foco o processo de produção do espaço e, assim como Certeau (1990) e Jacques (2006), se posiciona de forma crítica sobre a postura

adotada pelos especialistas urbanísticos. Em sua obra, as relações sociais com a cidade são classificadas em: “ordem distante”, aquela mantida pelo Estado, por meio da visão objetiva e racionalizada dos profissionais; e “ordem próxima”, como as conexões interpessoais e de vínculo construídas a partir do cotidiano urbano.

62


Nesse contexto, manifesta-se a concepção de “estado de corpo (extra) ordinário”, ou seja, aquele que, ao contrário do sujeito que se mantém indiferente ao que lhe cerca, reconhece sua interferência no meio através do andar, partindo do entendimento acerca do espaço vivido (LEFEBVRE, 2000). Logo, podemos compreender o caminhar como a forma mais genuína de experiência da cidade, vista como uma fonte de “retóricas do caminhar” (CERTEAU, 1990). No caso deste trabalho, as retóricas ou

narrativas urbanas foram adotadas como método de registro, considerando sua substancialidade para a compreensão acerca das experiências urbanas em foco. Dimenstein (2014) observa que, ao se tratar de pesquisas em campo, a narração, que pode ocorrer de diversas formas – desde manifestações orais e textuais, àquelas ligadas ao audiovisual, como músicas e fotografia –, funciona como um facilitador de discursos e expressões.

63


Ao permitir interpretações e narrativas únicas concebidas a partir de cada caminho – cujo rastro traz em si marcas e olhares individuais sobre a urbe, uma vez que esta foi não apenas percorrida, mas vivenciada –, a prática da cidade traz provocações pertinentes acerca da relação do social e urbano ao se afirmar como ato de resistência à lógica hegemônica de produção de espaços cujo escopo é baseado essencialmente em perspectivas capitalistas. No caso desta pesquisa, o resultado do trabalho de campo

realizado será sistematizado em narrativas urbanas femininas e relatos visuais, com a pretensão de, através destes, entender as experiências cotidianas das mulheres e suas percepções sobre a cidade, tratando sobre suas ocupações e vivências nos espaços urbanos.

64


1.2

A mulher na cidade contemporânea A partir do entendimento do caráter individual atribuído à

experiência urbana, é necessária sua análise compreendendo suas dimensões e complexidades diversas, sendo uma delas a questão de gênero, levantada por autoras como Casimiro (2017) e Pinheiro (2017), que refletem acerca da luta feminina pelo direito à cidade e da importância da participação ativa de mulheres na produção do espaço urbano. Freyre (1998, apud BRUSCHINI, 1993) afirma que o patriarcado, base familiar da sociedade agrária escravocrata do Brasil colonial, valorizava a autoridade masculina, idealizada na figura do patriarca, chefe ou “coronel”, que detinha o poder econômico e político. Partindo deste contexto histórico, pode-se constatar a natureza

patriarcal da formação urbana, consequência do protagonismo masculino nas esferas decisórias da construção de cidades.

65


Imagem 10: Predominância masculina na Reunião do Primeiro Congresso Internacional de Arquitetura Moderna - CIAM (1928). Fonte: http://chateau-lasarraz.ch.

66


A

atmosfera

excludente

representada

pela

conjuntura

histórica de hegemonia da perspectiva masculina na produção urbana, nos leva à reflexões relativas às desigualdades de gênero impostas nos espaços públicos, notadas por Nadja Monnet (2013), que traz críticas à falsa imagem de espaço público acessível para todos, afirmando que este não se trata de uma versão simples e livre que dá continuidade ao espaço privado ou da habitação. Segundo ela, seus princípios

igualitários e de acessibilidade não são aplicados à

realidade, logo, certos grupos ou pessoas podem desfrutar de mais liberdade e da esfera pública do que outros. A autora, que se dedica a estudos etnográficos em contextos urbanos, analisa o panorama da relação entre os gêneros e espaços públicos desde o início da urbanização acelerada, pós Revolução Industrial, atribuindo os aspectos e a organização da vida urbana à dicotomia entre o público e privado ao partir da compreensão sobre como essa divisão espacial foi se setorizando de acordo com as esferas consideradas “naturais” de cada um dos sexos, “construídas sobre a base da ideia da superioridade, da dominação masculina e da responsabilidade feminina para a esfera doméstica” (MOLLEROKIN, 2000 apud MONNET, 2013, p. 221). 67


Nesse contexto, enquanto os homens eram incentivados a usufruir da vida pública, dos espaços de convivência – o que o levava para o lado da política, do profissional cuja grandeza e qualidade de sua reputação depende do olhar e da valorização dos outros (MONNET, 2013, p. 223) –, o público feminino foi fortemente vinculado apenas ao ambiente residencial, que seria o “lugar de mulher”, ao passo que invisibilizado e desconsiderado nos meios públicos.

Imagem 11: Intervenção urbana através do pixo. Fonte: IBDU, 2017, p.66.

68


Zuleika Alambert (2004) afirma que apenas a partir do século XVIII as mulheres começaram a ter uma maior visibilidade e participação social, culminando com o protagonismo feminino em várias lutas por direitos sociais. Considerando o período como o “século das revoluções” devido às grandes mobilizações populares ocorridas na época, a autora aponta a Revolução Francesa como um dos primeiros grandes marcos das trajetórias feministas, observada a forte atuação das mulheres.

Seguindo este raciocínio, a escritora e política percebe o fato histórico que reuniu mulheres e homens lutando lado a lado por Igualdade, Liberdade e Fraternidade como o estopim de lutas femininas

que,

posteriormente,

serviriam

de

gatilho

para

movimentos organizados por mulheres em busca da igualdade de direitos entre gêneros no século XIX, trazendo ideais que perduram até os dias de hoje, sendo a violência contra as mulheres uma das mais emergentes problemáticas. A causa se torna intrínseca também ao debate sobre cidades, considerando que o processo de formação dos espaços urbanos, de metropolização e de industrialização estão completamente interligados com as questões de gênero (SANTORO, 2008). 69


Imagem 12: Marcha das Mulheres em Nova York (Estados Unidos), 2017. Fonte: Nicole Craine/ New York Times

Considerando o contexto de segregação de gêneros no uso dos espaços e seus reflexos na construção e vivência urbana, Jane Jacobs surge em 1961, com sua obra “Death and Life of Great American Cities”, traduzido como Morte e Vida das Grandes Cidades,

tornando-se representação da voz feminina no planejamento urbano e trazendo, inconscientemente, em seu trabalho percepções acerca da realidade urbana geradas a partir da experiência de ser uma mulher na cidade. 70


Ao incentivar o movimento dos passeios e “os olhos da rua” como garantia de segurança e apoio para os pedestres, a ativista transparece seus descontentamentos e inseguranças no meio urbano: “As calçadas e aqueles que as usam não são beneficiários passivos da segurança ou vítimas indefesas do perigo. As calçadas, os usos que as limitam e seus usuários são protagonistas ativos do drama urbano da civilização versus a barbárie” (JACOBS, 1961, p. 30). A discussão da autora sobre os aspectos da lógica urbana

modernista vista através da monofuncionalidade dos espaços, participação

feminina

praticamente

inexistente

e

caráter

predominantemente patriarcal, atravessa gerações como uma crítica a produção de cidades androcêntricas (SUMI, 2018), sendo assim, até hoje, um discurso atual. Dessa forma, a diversidade, uso misto, estudo sobre socialização de mulheres e crianças no espaço público, olhos da rua, são alguns dos argumentos defendidos por Jacobs que colaboram para a abordagem feminista no âmbito do plano urbano, ao reconhecer elementos opostos, como ruas vazias, sem iluminação e

com

barreiras

visuais

como

fatores

que

acentuam

a

vulnerabilidade das mulheres na cidade.

71


Os estudos sobre a natureza sexuada dos espaços públicos servem de base para as discussões relativas a perspectiva de gênero no planejamento urbano, cuja relevância é tratada por Casimiro (2017), que defende a visibilidade e participação ativa da mulher nesse processo com base na concepção de cidade como projeção reflexiva da sociedade e que tem, por dever, a finalidade de permitir sua intervenção e usufruto de forma igualitária por meio de políticas urbanas que acolham as diferenças referentes aos gêneros.

A mulher é, no Brasil, em números, maioria. É a cidadã

que mais ocupa os espaços, produzindo ou não, circulando, habitando, interferindo, voluntaria ou involuntariamente, por meio de sua presença na construção e manutenção da sociedade brasileira [...]. Na perspectiva da democracia, pelo método quantitativo de participação, a explicação para a ausência das mulheres nos espaços políticos, partilhando do debate sobre a cidade e o que ela deve e pode ofertar, não se sustenta, fragilizando assim a possibilidade de um futuro estável, de bem-estar social e vida digna coletiva. (CASIMIRO, 2017, p.10)

72


Apesar dessa nova abordagem sobre a cidade, gênero não é um tema recente no debate sobre território e espaço urbano. No final dos anos 1990, Ezquiaga (1997) já defendia a incorporação da perspectiva de gênero como forma de ampliar a discussão sobre o conceito de totalidade e interesse geral dos planejamentos urbanos ao abordar a importância dos planos recuperarem sua expressão de interesse público. O conceito de direito à cidade surgiu com a publicação do livro

“O direito à cidade” de Henri Lefebvre, em 1968, tratando de uma crítica sobre o impacto da ideia capitalista de transformar a cidade numa mercadoria visando a acumulação de capital. Ao defender que o

homem

deveria

ser

resgatado

como

elemento

principal,

protagonista da cidade que ele mesmo construiu, Lefebvre propõe que as pessoas voltem a ser as donas das suas. Atualmente, esse debate tem ganhado voz conforme a cidade retoma sua consciência por seus direitos e expõe sua insatisfação nas ruas. Segundo o MPL-SP (Movimento Passe Livre – São Paulo, 2013), a retomada da cidade é objetivo e método ao se referir ao ato de ocupar as ruas como forma da sociedade exercer sua gestão popular,

assumindo a organização e o poder dos espaços que se insere. 73


Imagem 13: Jornadas de Junho: Manifestação na Avenida Paulista (São Paulo), 2013. Fonte: Marcos Issa/ Bloomberg/ Getty Images.

Imagem 14: Protestos em Santiago (Chile), 2019. Fonte: Ivan Alvarado/ Reuters.

74


O conhecimento a respeito deste cenário evidencia a forte necessidade e importância da garantia participativa das mulheres nos espaços decisórios da cidade, constituindo uma das principais reivindicações femininas atuais. Soma-se a ela questões raciais e socioeconômicas,

intrínsecas

à

pauta,

ao

considerar

que

a

segregação imposta aos espaços aflige de forma mais acentuada a mulher pobre e, com ainda mais violência, as negras (CASIMIRO, 2017).

Sobre isso, Djamila Ribeiro (2017) coloca em questão a construção social como geradora de condições para a submissão das mulheres e aborda sobre como a prática urbana para a mulher negra ainda compreende diversos agravantes diante de sua objetificação e negação de seus direitos. A autora traz questões que evidenciam que a vivência feminina na cidade é influenciada por vários aspectos, grande parte relacionados à violência de gênero, mas chama a atenção para o fato de que, mesmo se tratando do mesmo sexo, quando a discussão inclui classe e raça, as experiências urbanas se diferenciam, sendo de valor fundamental e indispensável o diálogo entre tais questões.

75


Neste trabalho, vale ressaltar que não apenas se compreende a importância desse princípio interseccional no debate como, também, se propõe a ampliá-lo, incluindo e validando questões de identidade de gênero. A pauta do direito à cidade pelas mulheres inclui diversas dimensões: a simbólica, a material e a política (CASIMIRO, 2017). A última por sua vez, tendo um certo destaque nesta discussão, considerando que, mesmo com uma visibilidade mínima, as

mulheres formaram a base de várias mobilizações populares que resultaram em conquistas de políticas públicas e leis de garantia dos direitos políticos e sociais (CARDOSO, 2017).

Imagem 15: Marcha das Vadias em Recife (2016). Fonte: Coletivo Marcha das Vadias Recife.

76


As figuras femininas são protagonistas na resistência e luta pelos direitos de moradia, por novas políticas públicas e nos movimentos sociais, como apontado por Pinheiro (2017), que observa a mudança de cenário quando se trata do protagonismo nos espaços de poder e de visibilidade, nos quais o homem surge e domina. As

consequências

dessa

hegemonia

da

visão

cultural

masculina nos espaços de atuação e poder representam um atraso nos processos de democratização urbana, haja vista que é impossível

vislumbrar a diminuição das desigualdades socioterritoriais das cidades sem uma atuação incisiva nas questões de gênero – incluída a etnoracial (PINHEIRO, 2017). Quando se analisa as manifestações femininas por seus direitos se percebe um valor que ultrapassa uma luta exclusiva de gênero, podendo ser entendida como “uma aproximação ao direito à cidade, porque são a apropriação política das mulheres sobre o espaço público, a elas historicamente negado” (KOETZ, 2017, p.77) revelando o importante do papel da mulher na luta pelo uso democrático

da

cidade

e

pela

transformação

do cenário

de

segregação socioespacial do espaço urbano.

77


Tendo como um grande desafio assegurar, não apenas às

mulheres, mas a todos os coletivos antes excluídos, suas devidas representatividades e forças nas esferas de decisão da política

urbana, surge a perspectiva de gênero no âmbito do planejamento territorial, defendido por Santoro (2008), que enfatiza a existência e complexidade a respeito das diversidades socioculturais e as reconhece como ponto chave para repensar o urbano.

A partir dessa consciência, se compreende a importância do

desenvolvimento de políticas urbanas que observem a cidade a partir

de uma visão mais sensível e próxima às realidades das mulheres e outros grupos sociais, partindo da macro escala para a micro, e integrando-as como parte influente no processo, como meio de se

garantir os princípios de acessibilidade e democratização na prática do meio urbano.

Com o propósito de evidenciar a relação de cidade e gênero, esta

pesquisa imerge em diversos conceitos sobre vida urbana e direito à cidade – além dos já mencionados “olhos da rua”, de Jacobs (1961), e natureza sexuada dos espaços, de Monnet (2013) – tais como os

estudos sobre qualidade dos espaços públicos propostos por Jan Gehl, por exemplo, pontuados nas análises desenvolvidas no último capítulo. 78


Imagem 16: Marcha das Mulheres Negras em BrasĂ­lia (2015). Fonte: Janine Moraes/ Secretaria Especial da Cultura do MinistĂŠrio da Cidadania

79



abordagem investigativa Neste capítulo, são apresentados breves perfis

das participantes seguidos pela caracterização dos trajetos cotidianos feitos por cada uma na cidade,

na

intenção

de

contextualizar

e

familiarizar o leitor com o grupo. A conclusão do capítulo é feita com observações gerais acerca dos relatos expostos. 81


2.1

Perfil das participantes Foram entrevistadas 7 mulheres, entre as idades de 19 e 45

anos. Das entrevistadas, 05 eram estudantes e 01 era funcionária na UNIPÊ – Centro Universitário de João Pessoa, 01 estudante da Universidade Federal da Paraíba e 01 delas frequentava ambas as instituições – a UFPB como estudante e a UNIPÊ como funcionária. A seguir, se apresentam os dados mais detalhados:

82

01 Dâmaris | 22 anos

02 Fábia | 45 anos

Onde mora: Cristo Redentor

Onde mora: Tibiri II (Santa Rita)

Estado civil: Solteira

Estado civil: Solteira

Profissão: Estudante (curso superior)

Profissão: Auxiliar de Serviços Gerais

Identidade de gênero: Cis

Identidade de gênero: Cis

03 Janine | 21 anos

04 Liliana | 19 anos

Onde mora: Água Fria

Onde mora: Altiplano

Estado civil: Solteira

Estado civil: Solteira

Profissão: Estudante (curso superior)

Profissão: Estudante (curso superior)

Identidade de gênero: Cis

Identidade de gênero: Cis


05 Viviane | 20 anos

06 Alice | 19 anos

Onde mora: Indústrias

Onde mora: Bessa

Estado civil: Solteira

Estado civil: Solteira

Profissão: Estudante (curso superior)

Profissão: Estudante (curso superior) e artista

Identidade de gênero: Cis

Identidade de gênero: Travesti

07 Jéssica | 35 anos Onde mora: Centro Estado civil: Casada

Profissão: Designer de Interiores Identidade de gênero: Cis

Os gráficos a seguir apresentam as porcentagens referentes à raça e nível de escolaridade das participantes: Parda

Incompleto

E. Superior

43%

72%

Completo

Gráfico 03: Porcentagem étnico-racial. Fonte: Elaborado pela autora, 2020.

No

E. Superior

Negra 57%

mapa

a

seguir,

Gráfico 04: Porcentagem dos níveis de escolaridade. Fonte: Elaborado pela autora, 2020.

14% E. Médio

14%

podemos

identificar

a

localização

aproximada das residências das participantes: 83


Mapa 02: Localização aprox. das moradias das participantes. Fonte: PMJP. Editado pela autora, 2020.

84


2.2

Caracterização dos trajetos cotidianos Ao tratar da relação das participantes com a cidade, investigar

os trajetos feitos por cada uma delas se mostrou pertinente à pesquisa,

permitindo

à

pesquisadora

compreender

sobre

as

realidades envolvidas, quais locais fazem parte do cotidiano de cada

uma e como esses deslocamentos acontecem no cenário urbano. Assim, foram realizadas as entrevistas semiestruturadas conduzidas, nesta etapa, pelas seguintes perguntas: 1) como é sua rotina normalmente? 2) que lugares você costuma frequentar? 3) quais meios de transportes você mais usa? Essa parte do roteiro de entrevista resultou nas descrições dos percursos de forma mais detalhada das rotas diárias (o sentido de deslocamento é indicado pela numeração dos pontos) realizadas pelas participantes, explicitadas a seguir e ilustradas por mapas:

85


Dâmaris | Mora no bairro Cristo Redentor e estuda durante a noite. Pela manhã, trabalha com confecções de roupa e organização de festas. Frequentemente, entre 8 e 10h, vai à Mangabeira (1), ou eventualmente ao Centro, para comprar materiais de trabalho. Durante a tarde, geralmente após as 14h, faz entregas das encomendas, na maioria das vezes, pelos bairros Ernesto Geisel (3) e Bancários – quando se trata do último, ela diz que tem o hábito passar pela Praça da Paz (2) para relaxar. Sempre retorna para casa antes das 17h30, pois frequenta a faculdade (4) durante a noite e diz que devido ao trânsito, precisa chegar na parada de ônibus às 18h ou opta por ir de carro, saindo de casa às 18h30. Na volta para casa, independente do meio de transporte, relata que sempre chega por volta das 22h30.

86


Mapa 03: Deslocamento da participante (Dâmaris). Fonte: PMJP. Editado pela autora, 2020.

87


Fábia | Mora no bairro Tibiri II, em Santa Rita, e se desloca para João Pessoa diariamente, pois trabalha como auxiliar de serviços gerais na UNIPÊ (3). Relata que, por morar muito distante e só ter uma opção de transporte que lhe leva ao Terminal de Integração (1), sua rotina diária começa às 4h20 da manhã quando caminha até a parada de ônibus. Ao chegar, espera o primeiro ônibus rumo ao terminal e, em seguida, pega o segundo, no Centro da cidade (2), em direção ao trabalho. Seu turno se inicia às 6h e termina às 15h. Ao final do expediente, se dirige até a parada de ônibus em frente à faculdade para fazer o caminho inverso. Critica a falta de opções de ônibus e explica que, quando não consegue pegar a tempo a primeira condução, fica por mais de 40min esperando a próxima e acaba perdendo o transporte rumo a Santa Rita que lhe permite chegar em casa normalmente às 17h.

88


Mapa 04: Deslocamento da participante (Fรกbia). Fonte: PMJP. Editado pela autora, 2020.

89


Janine | Mora no bairro Água Fria e estuda na UNIPÊ (1). Diz que sua rotina diária durante a semana gira em torno da faculdade – frequentando aulas durante a manhã e, em três dias da semana, também durante o turno da noite, além do estágio que também ocorre na instituição. Devido a proximidade entre a casa e faculdade, sempre vai caminhando, mas utiliza muito o ônibus em eventuais idas ao Centro e durante os fins de semana, quando costuma frequentar lugares nos arredores, como os bares (3) perto da UFPB (durante à noite) e a Praça da Paz (2) pela tarde, ambos localizados em bairros vizinhos (Cidade Universitária e Bancários). Na volta para casa, sempre opta por caronas ou pagar serviços alternativos de transporte pois acha perigoso caminhar ou usar ônibus à noite.

90


Mapa 05: Deslocamento da participante (Janine). Fonte: PMJP. Editado pela autora, 2020.

91


Liliana | Mora no bairro Altiplano e sai de casa às 7h, leva o irmão na escola (1) que fica perto de casa e pega dois ônibus para chegar até a faculdade – UNIPÊ (2). Ao sair da aula às 11h10, vai de ônibus até o local do estágio (4), no Centro (3) de João Pessoa. Relata que o estágio só começa a partir de 14h mas chega, geralmente às 12h40, pois prefere almoçar por lá, já que passar em casa e sair novamente levaria muito tempo, além do fato de que teria que andar por cerca de 20min até a parada de ônibus mais próxima no seu bairro. Sai do estágio entre 18h e 18h30, sempre de carona até em casa ou até a parada de ônibus na Av. Beira Rio, pois à noite não se sente segura ao andar pelo lugar. Chega em casa, normalmente, às 19h20.

92


Mapa 06: Deslocamento da participante (Liliana). Fonte: PMJP. Editado pela autora, 2020.

93


Viviane | Mora no bairro das Indústrias e estuda na UNIPÊ (2) pela manhã. Às 6h20 pega o primeiro ônibus rumo ao bairro Cruz das Armas e, em seguida, faz a integração (1) com o segundo às 7h, chegando na faculdade entre 7h50 e 8h. Reclama da logística dos ônibus na cidade, observando que em dias atípicos em que consegue carona, o trajeto leva, apenas, cerca de 15 minutos. As aulas terminam por volta de 11h10, e pega o terceiro ônibus do dia em frente à faculdade, normalmente às 11h30, em direção ao estágio, que fica no bairro de Miramar (3). Sai do trabalho às 17h, vai de ônibus rumo à Lagoa (4 -Parque Solón de Lucena), integrando com outro, de volta para o bairro das Indústrias. Chega em casa, geralmente, às 18h.

94


Mapa 07: Deslocamento da participante (Viviane). Fonte: PMJP. Editado pela autora, 2020.

95


Alice | Mora no Bessa, e estuda na UFPB (2). Relata que faz uso do ônibus para chegar a universidade diariamente, lugar onde passa boa parte do tempo. Além disso, também costuma participar ativamente do processo de ocupação da cena transvestigênere10 de João Pessoa, que estavam acontecendo recentemente por meio de festas na Ferrovia 27 (3), situada no Centro da cidade.

10 Termo inventado pela ativista Indianare Siqueira que une o significado das palavras travesti, transexual e transgênero. 96


Mapa 08: Deslocamento da participante (Alice). Fonte: PMJP. Editado pela autora, 2020.

97


Jéssica | Mora no Centro (1) de João Pessoa e estuda na UFPB (2) pela manhã. Usa o ônibus para chegar à universidade e logo após o término das aulas, geralmente às 11:30h, se desloca da mesma forma para a UNIPÊ (3), onde trabalha até às 22:10h. Ao fim do expediente relata que sempre espera o marido buscá-la de carro para voltar para casa.

98


Mapa 09: Deslocamento da participante (JĂŠssica). Fonte: PMJP. Editado pela autora, 2020.

99


A partir dos mapas produzidos foi possĂ­vel observar os trajetos e

desenvolver

anĂĄlises

gerais

sobre

os

deslocamentos

das

participantes pela cidade tendo em vista seus relatos. No mapa ao lado, podemos observar os bairros circulados pelas participantes e em quais pontos os trajetos se cruzam:

100


Mapa 10: Bairros mais frequentados pelas participantes. Fonte: PMJP. Editado pela autora, 2020.

101


A grande maioria das entrevistadas realiza a maior parte de seus trajetos de ônibus, devido à distância entre as residências e os destinos. Apenas uma das participantes relata o caminhar como principal forma de locomoção, já que mora nas adjacências dos locais que costuma frequentar, enquanto na maioria dos relatos, o deslocamento a pé é realizado durante o dia em trechos menores das rotas de forma rápida e, preferencialmente, em vias movimentadas, sendo evitado ao máximo durante à noite.

Os relatos apontam que a maioria dos trajetos feitos pelas participantes diariamente são motivados por questões relacionadas a estudo e trabalho. Em todos os casos se percebe que, em pelo menos um dos turnos, os deslocamentos giram em torno de instituições de ensino e locais de trabalho. Além destes casos, algumas disseram que eventualmente saem para compras e apenas uma pequena parcela das mulheres entrevistadas relata se deslocar cotidianamente em busca de atividades sociais e lazer.

102


Em virtude disso, existem circulações em comum por algumas áreas específicas da cidade como, por exemplo, os bairros de Água Fria e Castelo Branco, que possuem uma dinâmica predominantemente estudantil por terem centros universitários como principal atração e são frequentados diariamente. O Centro da cidade também faz parte dos trajetos diários da maioria das participantes, embora, geralmente, não se apresente como destino principal, mas como ponto de ligação entre uma rota e outra. O bairro dos Bancários é citado por uma parte mínima das entrevistadas que relataram fazer, eventualmente, o uso e ocupação dos espaços públicos da área, como a Praça da Paz.

103



narrativas urbanas e relatos visuais

Neste capítulo serão apresentados os resultados

do trabalho de campo, que incluem os ensaios fotográficos feitos pelas participantes e os relatos obtidos através das entrevistas semiestruturadas, buscando atingir os objetivos dessa pesquisa, ou seja,

identificar

os

elementos

construídos

e

aspectos subjetivos que impactam na experiência urbana das mulheres em João Pessoa (PB), além de investigar comportamentos adotados por elas e a origem deles. 105


3.1 A fotografia como ferramenta de apreensão do espaço Como forma de auxiliar as participantes na narrativa sobre suas perspectivas dos seus trajetos diários, trazendo à tona sentimentos, sensações, devaneios, entre outros aspectos subjetivos, esta pesquisa trouxe o recurso visual através da produção de ensaios fotográficos feitos pelas próprias participantes. Apesar de pouco utilizada na área de Arquitetura e Urbanismo,

essa estratégia observada em pesquisas no campo da psicologia, segundo Neiva-Silva e Koller (2005, apud GOMES, DIMENSTEIN, 2006), apresenta vantagens como a praticidade do processo e a riqueza de significados, ao mesmo tempo que apontam a dificuldade dos participantes em conseguir achar elementos que traduzam o que sentem ou o que querem demonstrar. Tal bloqueio para identificar os aspectos, cenas e coisas que gostariam de registrar foi percebido durante esta pesquisa, pois algumas das participantes afirmaram ter tido problemas em conseguir associar sensações e incômodos a algo que pudesse ser representado e capturado numa imagem.

106


A exemplo de Maria Aparecida Gomes e Magda Dimenstein (2006), em seu trabalho que propõe o diálogo direto entre pesquisador e participante e na conversa direcionada por “temas”, surgiram classificações que nortearam os aspectos a serem registrados pelos participantes e estes realizaram o registro de acordo com suas próprias interpretações e análises, construindo um conhecimento em conjunto, onde ambas as partes participam ativamente. No caso desta pesquisa, a produção dos registros fotográficos

foi orientada pelas classificações “conforto” e “desconforto”, que permitiram direcionar o olhar das participantes de uma forma mais subjetiva, buscando aguçar suas percepções sobre o meio urbano e induzir a questionamentos e observações acerca dessas sensações. Logo, foram solicitados que elas registrassem, em seus percursos cotidianos pela cidade, aspectos nas ruas que lhe trouxesse a sensação

de

conforto

seja

sentimento

de

segurança,

contentamento, tranquilidade; e elementos que lhe transmitisse desconforto – seja medo, insegurança, insatisfação, entre outras sensações incômodas sobre os espaços.

107


No mapa ao lado, é possível localizar os pontos fotografados pelas participantes (numerados de acordo com a legenda nas imagens). Verificou-se que a maioria das fotos classificadas como positivas, se situam em locais de maior concentração de fluxos, como avenidas (imagens 17 e 21) e praças (imagem 20). Já os pontos negativos se distribuem em áreas de menor tráfego de pessoas, na maioria

dos

casos,

localizadas

em

áreas

predominantemente

residenciais. As fotos e o desenvolvimento das análises de forma mais aprofundada serão apresentadas a seguir.

108


Mapa 11: Localização aproximada dos pontos fotografados. Fonte: PMJP. Editado pela autora, 2020.

109


3.2

Categorização e análise dos resultados A partir da classificação adotada para se realizar os ensaios

fotográficos e dos relatos conduzidos pelas questões da segunda parte do roteiro de entrevistas – 1) O que lhe fez capturar essa foto? 2) Como você se sente com relação a esse elemento? – foi possível compreender as motivações de cada registro feito e converter os resultados nas seguintes categorias:

Avaliações do espaço De acordo com as fotografias e relatos das mulheres entrevistadas, a presença de comércios e serviços é percebido como algo positivo pois proporciona um maior movimento às ruas: Na volta, de ônibus, da faculdade para casa, desço

numa rua que acho mais tranquila – se for de dia, porque os comércios ainda estão abertos, a movimentação é maior, logo gera uma certa segurança, dá uma sensação de que o "socorro" é mais possível. Mas, isso entre às 7h até às 19h, no máximo, qualquer outro horário é perigoso. (Dâmaris)

Para uma das participantes, outro ponto que estimula o fluxo de pessoas é a presença de ciclovias, por proporcionar conforto durante o passeio. 110


Imagem 17: Conforto – Ciclovias. Foto: Liliana, 2020 (registrada pelo celular).

Imagens 18 e 19: Conforto – Comércios, serviços urbanos e circulação de pessoas na rua. Foto: Dâmaris, 2020 (registradas pelo celular).

111


Jan

Gehl, arquiteto e urbanista dinamarquês, que se dedicou

especialmente a discussões sobre a qualidade de vida urbana,

aborda em sua obra Cidade Para Pessoas (2013) sobre a influência das fachadas ativas – grandes janelas e várias aberturas para a rua– na dinâmica da cidade. As pesquisas do autor apontaram que vias com esse aspecto, típico de ruas comerciais, tinham um fluxo de pedestres cerca de sete vezes maior do que ruas de fachadas fechadas

e

passivas,

sem

a

presença

de

elementos

que

possibilitassem a interação e o contato visual entre pedestres e trabalhadores ou moradores dos edifícios. Percursos bem arborizados foram citados por algumas como algo

que

transmitia

certa

tranquilidade

e

alívio

climático,

especialmente durante o calor do dia. Os espaços públicos também foram mencionados de forma positiva. Uma delas apontou a qualidade da Praça da Paz como espaço de encontro de diversos públicos e grupos sociais, relatando que se sentia muito confortável ao passar pelas proximidades e frequentar o local:

112


A praça representa não somente um espaço de luta,

como também acontece várias mobilizações – não de atos, mas de reuniões, encontros culturais, como a Batalha da Paz... então a Praça da Paz é um dos lugares que mais frequento, durante a semana sempre vou e eu gosto bastante dessa praça, gosto de como as pessoas ocupam. São diversas pessoas, é uma diversidade de faixa etária, de gênero, de raça, que frequenta. Por ser também uma praça grande e que está próximo de vários bairros, né? Então todo mundo desce pra praça nos sábados, nos finais de semana, até durante a semana também, pra ficar lá nos bares... eu gosto muito. (Janine)

De

modo

geral,

a

maior

parte

dos

discursos

sempre

convergiam para um ponto em comum: a circulação e presença de pessoas como um fator que inspirava segurança durante os trajetos, seja nas ruas, nas paradas de ônibus ou nos espaços públicos; e elementos de sombreamento, especialmente árvores, como aspecto que promovia conforto durante os passeios.

113


Imagens 21 e 22: Conforto – Ruas arborizadas. Foto: Liliana e Dâmaris, 2020 (registradas pelo celular).

114

Imagem 20 : Conforto – A ocupação na Praça da Paz. Na foto, encontro de mulheres do coletivo Levante Popular da Juventude. Foto: Janine, 2020 (registradas pelo celular).


A

realidade expressa pelas participantes é explicada por Jacobs

(1961) em suas discussões que refletem a vida nas cidades e

defendem a circulação das pessoas como principal forma de manutenção da segurança urbana, na qual os próprios pedestres

atuam como “vigilantes” uns dos outros. Gehl retoma o debate ao apontar que o fluxo de pessoas numa rua também funciona como fator atrativo, partindo do princípio de que os processos da vida urbana são muitas vezes de autorreforço: “as pessoas vão aonde o povo está” (2013, p.81), concluindo que é natural aos seres humanos

buscarem por outros. Logo, a maior atração da cidade seriam as

próprias pessoas que a ocupam, dão vida ao meio urbano e tornam os espaços mais convidativos.

O autor também aborda a questão climática como um dos principais tópicos para se garantir bem-estar na cidade e estimular a circulação

das pessoas. O conceito de microclima11 compreende a importância da adoção de medidas que promovam o maior conforto climático possível, apontando a arborização como forma de amenizar altas temperaturas em regiões quentes, favorecendo os passeios.

11 Clima numa zona atmosférica local. Pode ser uma única rua, em reentrâncias e recuos, ou em torno de um banco no espaço público. (Gehl, 2013, p. 168) 115


Como reflexo disso, a grande maioria das entrevistadas apontaram como cenários ameaçadores as ruas desertas e paradas de ônibus isoladas, somadas a uma situação de pouca ou total falta de iluminação durante à noite, que transmitiam uma sensação de medo. Uma delas descreve: Uma rua que necessariamente passo por ela quase

todos os dias é a Rua Desportista Napoleão Duré. O movimento começa às 6:00 horas quando as padarias e comércios abrem e com isso o fluxo de pessoas só aumenta. A parada de ônibus que utilizo, geralmente quando volto do centro da cidade, não apresenta perigo, apesar de ser mal projetada e totalmente desconfortável. De todas as ruas, essa é a que me sinto mais segura, pelo menos até às 20:00 horas, que é quando tudo fecha. A partir desse horário é no mínimo sinistro, e a iluminação não é boa, o que só piora. (Dâmaris)

A correlação entre iluminação pública e segurança também é tratada por Jacobs (1961), que reconhece o conforto que ruas e espaços

públicos bem iluminados proporcionam aos pedestres, ao passo que a situação contrária desencoraja e desestimula o uso dos mesmos. A autora acrescenta que as luzes, ao favorecerem e expandirem o campo visual, induzem as pessoas a contribuírem com seus olhares vigilantes e atentos, promovendo uma maior segurança das ruas. 116


Imagem 23: Desconforto – Rua próxima a terrenos vazios. Foto: Janine, 2020 (registrada pelo celular).

Imagens 24 e 25: Desconforto – Rua mal iluminada e deserta. Fotos: Fábia e Dâmaris, 2020 (registradas pelo celular).

117


Imagens 26, 27 e 28: Desconforto – Pontos de Ă´nibus desertos/ mal iluminados. Fotos: Liliana e Dâmaris, 2020 (registradas pelo celular).

118


A mesma sensação de desconfiança e temor também foi descrita por duas outras participantes ao se tratar de ruas próximas a terrenos ociosos e baldios, pela mesma questão: não apresentarem movimentação de pessoas.

Terezinha Gonzaga (2004) observa a preocupação das mulheres com

áreas subutilizadas e vazias, percebidas por elas como ameaça à sua segurança, trazendo à tona o histórico feminino de vulnerabilidade social. A luta contra a violência doméstica e sexual protagonizada pelo gênero é interpretada pela autora como fator que ressalta a relevância da participação feminina no planejamento urbano e que pode ser explorado como forma de dotação de infraestrutura e serviços para a cidade. Na prática, Gonzaga exemplifica que dados sobre, por exemplo, locais que ocorrem estupros, poderiam ser úteis para a identificação de pontos para a intervenção do poder público de forma mais específica e efetiva.

119


um

O descaso com as calçadas de forma geral foi apontado como

incômodo

por

algumas

das

mulheres,

que

relataram

a

degradação e o lixo que ocupavam uma boa parte do espaço, diminuindo a área de circulação, como algo desagradável.

Outra pontuação feita por uma das entrevistadas foi sobre

“fachadas cegas” em seus trajetos. Ela comentou sobre o desconforto que sente ao passar por ruas com muros altos e sem janelas ou

aberturas, observando que acentua a sensação de isolamento e de receio.

Jacobs (1961) e Gehl (2013) surgem novamente como referenciais que reforçam tais críticas, com trabalhos que, constantemente, trazem à

tona a importância de se valorizar a figura do pedestre, seja no tratamento adequado das calçadas – que possibilita e incentiva a circulação das pessoas, atuando, sobretudo, como estímulo à vida

urbana; seja no respeito à escala humana – em oposição ao cenários

verticais assumidos por longas paredes fechadas, estéreis, que funcionam como barreiras visuais empobrecedoras da experiência

urbana e contrastam com o conforto e a segurança proporcionados pelas fachadas ativas e pelos “olhos da rua”12, como já mencionados anteriormente.

120

12 Os “olhos da rua” são as pessoas – a vigilância informal que exercem, voluntária ou involuntariamente, quando ocupam o ambiente urbano (The City Fix Brasil, 2015) Disponível em: https://www.thecityfixbrasil.org/2015/05/27/nossacidade-os-olhos-da-rua/


Imagem 29: Desconforto – Calçada inadequada e degradada. Foto: Dâmaris, 2020 (registradas pelo celular).

Imagem 30: Desconforto – Muros altos e sem aberturas. Foto: Liliana, 2020 (registradas pelo celular).

Imagem 31: Desconforto - Lixos e entulhos ocupando parte da calçada. Foto: Liliana, 2020 (registradas pelo celular).

121


O assédio e sentimento de receio acerca da figura masculina nas ruas também foi uma questão abordada. Uma das participantes, inclusive, ao falar de uma das fotos contou que, no momento do registro, havia sido assediada verbalmente por dois rapazes que passavam na rua. Outra apontou que se sente muito intimidada quando encontra homens nos trajetos, especialmente à noite. Em virtude disso, foi possível verificar o desconforto das participantes também em relação a realização de registros referentes

a esse ponto, cuja problemática foi apontada apenas nos relatos compartilhados verbalmente pelo grupo.

122


Como

consequência da conjuntura histórica – de marginalização

feminina em contraposição à hegemonia masculina, previamente

abordada – na qual foram concebidas, as cidades se comportam como meios especialmente mais hostis para mulheres. Nesse contexto, Manuel Delgado (2007) resgata a visão do corpo feminino desde as origens das metrópoles, interpretado como uma presença estrangeira no espaço urbano, mal adaptada àquele meio. Influenciada pelo senso de não pertencimento reforçado por ideais misóginos, a figura feminina era inferiorizada e considerada física e mentalmente vulnerável, incapaz de escapar dos perigos da vida urbana (MONNET, 2013). A ideia de que ruas e espaços públicos representam grandes riscos às

mulheres,

principalmente

quando

desacompanhadas,

infelizmente perdura até hoje, e é comprovada pelo longo histórico de assédio e violência de gênero associados, majoritariamente, aos homens, cuja presença nos meios urbanos foi sendo cada vez mais assimilada como ameaça.

123


Imagem 32: Marcha das Vadias em Recife (2016). Fonte: Coletivo Marcha das Vadias Recife.

124


125


Comportamentos e posturas A partir dos relatos sobre os registros fotográficos, também foi

possível identificar determinados comportamentos adotados pelas participantes diante de algumas situações narradas. Um ponto em comum à grande maioria das entrevistadas foi a respeito do hábito de evitar andar ou esperar em locais isolados e, se inevitável, tentar fazer o percurso de forma rápida com o objetivo de se chegar o quanto antes a uma via movimentada. Relatos revelando esse costume como medida de segurança se repetiram entre as participantes, e uma delas afirmou que, muitas vezes, prefere andar até uma parada de ônibus mais distante de sua casa em busca de companhia a ficar sozinha no ponto mais próximo:

Eu moro a três esquinas da parada, mas procuro onde tem algumas pessoas pra não ficar muito só, muito isolada. Então algumas vezes eu ando um pouco. mais da minha parada de ônibus, pra não ter que ficar esperando sozinha. (Fábia)

126


Uma questão observada em algumas narrativas é a postura de receio

e

medo

constante

que

tem

por

consequência

uma

preocupação antecipada em avaliar se os locais possibilitam fuga em caso de ameaças ou se existe meios de se buscar ajuda. Uma das participantes, ao caracterizar uma parte do seu trajeto diário, afirma: Existe várias paradas de ônibus nas proximidades da minha casa, mas quando preciso ir de ônibus para faculdade e quero um que vá direto é para esse lugar que tenho que ir, é deserto e é a parada mais distante da minha casa [...]. Tem várias ruas que dão acesso a ela e não sei se considero bom ou ruim, pois nunca sei quem irá dobrar as esquinas e,

se um dia eu

precisar gritar por socorro, a chance de alguém escutar é pouca. Isso sem mencionar uma mata que tem

nas

proximidades.

[...].

É

um

mau

pressentimento constante. (Dâmaris)

Além disso, a maior parte das entrevistadas transparece que o sentimento de insegurança e medo é intensificado à noite. Tal desconforto reflete no fato de que todas as participantes que fazem trajetos noturnos optam por se deslocar de carro, pois sentem receio ao andar a pé pelas ruas nesse turno. 127


Tendo em vista que os comportamentos observados são motivados pelos aspectos apontados no primeiro tópico, estes também podem ser compreendidos com base nas análises e aportes teóricos apresentados anteriormente. Logo, é possível relacionar o repúdio por locais isolados e a busca por circulação de pessoas, com o conceito dos “olhos da rua” e a propriedade atrativa que a presença de pessoas exerce nos espaços, abordada por Jacobs (1961) e Gehl (2013). Seguindo esse raciocínio, o medo e desconforto ressaltados durante à noite podem ser associados a fatores como a iluminação pública insatisfatória relatada pelas participantes, evidenciando a ligação entre ruas mal iluminadas – que transparecem insegurança e influenciam negativamente no fluxo de pessoas – e a produção de mais cenários urbanos desertos. Referente à postura de atenção e precaução adotada por várias participantes, podemos vincular ao histórico de violência de gênero, somado a um contexto social que defendia a ausência das mulheres nas ruas como forma de protegê-las dos perigos que

128


espaços

públicos

produtos

desse

princípio

excludente

apresentavam ao gênero, como aponta Monnet (2013). Assim, pode-se compreender o frequente sentimento feminino de receio e busca por garantia de segurança nas ruas como também

vestígio dessa lógica inversa, onde o teor agressivo, direcionado principalmente à mulheres, era tido como condição natural do meio urbano, ao passo que, o corpo feminino no espaço público costumava ser visto como anormalidade. Santoro discrepâncias

(2008) em

nos

lembra

diversos

que

âmbitos

a

cidade

é

palco

e,

nesse

sentido,

de ao

considerarmos as discussões levantadas ao longo desta pesquisa, somos

conduzidos

a

reflexões

acerca

das

desigualdades

manifestadas nas questões de gênero. Essa, que se dá no campo da vida pública, se expressa também na esfera territorial, expressão física da vida pública (SANTORO, p. 6, 2008).

129


Figura 01: Jane Jacobs segurando um cartaz escrito “Consciência é a arma definitiva!” Fonte: Fred W. McDarrah/ Getty Images. Editado pela autora, 2020.

130


O diálogo entre teoria, gênero e cidade estabelecido neste trabalho se apoia em conceitos como o “gender mainstreaming” – traduzido como incorporação de perspectiva de gênero, consiste em leis, regras e regulamentos implantados na administração de uma cidade que promovam benefícios para homens e mulheres de forma igualitária – adotado no planejamento urbano de diversos países, com destaque para a capital austríaca, pioneira desde 1990 (SUMI, 2018).

A exposição fotográfica feita em Viena pela urbanista Eva

Kail13 , intitulada Who does public space belong to – women’s everyday

life in the city (1991), ou seja, “A quem pertence o espaço público – a vida cotidiana das mulheres na cidade”, ganhou forte notoriedade nos anos 90, ao retratar as relações de gênero nos espaços públicos através de uma mostra da rotina de um grupo de mulheres austríacas pela cidade e inspirou o governo austríaco a implementar lentes de gênero nas mais diversas áreas administrativas da cidade,

como educação, saúde e, principalmente, o planejamento urbano, resultando na criação do City Women’s Office (Escritório da Mulher na Cidade). 13 Atualmente, uma das principais especialistas em planejamento urbano de gênero na Europa e a primeira chefe do Escritório da Mulher (1991-1998) Disponível em: <https://mobilizesummit.org/speaker/eva-kail/> Acesso em 23 de maio de 2020. 131


Segundo Kail, numa entrevista para a CityLab14 em 2013, a partir de pesquisas sobre os usos dos espaços foi possível descobrir, por exemplo, que o público feminino era o que mais caminhava pela cidade e usava o transporte público, logo, esses dados se tornaram base para uma reestruturação urbana que promoveu melhorias na mobilidade urbana e na iluminação pública que beneficiaram não só as mulheres, como a toda a sociedade. Atualmente, a cidade já realizou mais de 60 projetos aplicando perspectivas de gênero, com o objetivo de garantir que toda infraestrutura e serviços urbanos possam ser usados igualmente por homens e mulheres. A presença de mulheres nos espaços público é vista como indicador de segurança por vários autores. A obra de Jan Gehl e Birgitte Svarre – How to Study Public Life (2013) ou Como Estudar a

Vida Pública, em tradução livre – aborda essa questão citando o exemplo do parque Bryant, em Nova York, que mantém o número de mulheres constantemente monitorado, pois interpretam reduções da frequência feminina no local como um sinal de possível falha na segurança. 14 Matéria disponível em: <https://www.citylab.com/transportation/2013/09/howdesign-city-women/6739/> Acesso em 23 de maio 2020. 132


Imagem 33: Ocupação do Parque Bryant (Nova York) Foto: via Engadget

133


Sumi (2018) nos conduz de volta ao cenário brasileiro,

observando que a Secretária de Políticas Públicas para as Mulheres já

apresenta propostas de ações que promovem a visibilidade de problemáticas relativas ao gênero e dão voz às especificidades

femininas. Porém, o que representa um grande passo para o avanço

da incorporação da perspectiva de gênero no domínio político e

urbano brasileiro, vai em contramão ao ranking divulgado pela ONU Mulheres em 2017, que apontou o Brasil como um dos piores países em representação política feminina.

A ausência de mulheres nas esferas políticas reflete a

necessidade urgente das cidades brasileiras, incluindo João Pessoa,

de se inspirarem em modelos de governo como o de Viena,

classificada como líder em qualidade de vida do mundo15, a devida representatividade

feminina

alcançou

a

institucionalização

de

critérios de avaliação sensíveis ao gênero, atualmente considerados

obrigatórios no processo de aprovação de projetos de infraestrutura da cidade.

Muito embora, também podemos encontrar exemplos mais

próximos a nossa realidade de cidades brasileiras que já mostram

15 De acordo com a Mercer, Viena é a cidade com maior qualidade de vida no mundo. Em 2019, a capital despontou como 1º lugar novamente, completando uma década na liderança. Disponível em: <https://www.mercer.com/newsroom/2019quality-of-living-survey.html> Acesso em 29 de maio de 2020. 134


iniciativas mais abertas e inclusivas. É o caso de Conde, um município paraibano cuja gestão é coordenada por Márcia Lucena e

propõe uma série de ações16 como o “Olá Comunidade” e o “Vem

Mulher”, trazendo a participação popular para o centro do debate, sendo

a

última,

direcionada

ao

incentivo

da

liderança

representatividade feminina nas esferas sociais e políticas.

e

Ao impactar positivamente na dinâmica urbana, a adoção de

políticas públicas que incluam a participação efetiva de mulheres e suas demandas, especialmente referentes ao planejamento urbano,

ultrapassa uma questão relativa apenas a gênero, se lançando como

parâmetro de qualidade da vida urbana e atuando na produção de espaços públicos mais acessíveis e seguros a todos.

Como desfecho deste capítulo, a seguir, foi produzido um

miniguia, que busca sintetizar os ideais defendidos neste trabalho,

portando-se, portanto, como uma crítica à atual forma de concepção urbana.

16 Matérias disponíveis em: https://www.polemicaparaiba.com.br/cidades/conde/prefeita-marcia-lucena-participado-segundo-encontro-vem-mulher-em-jacuma/ Acesso em 27 de junho de 2020 <https://conde.pb.gov.br/portal/noticias/geral/prefeita-marcia-lucena-retomacalendario-de-vistas-do-programa-ola-comunidade/> Acesso em 27 de junho de 2020. 135


Mini Guia bĂĄsico para

mulheres pedestres na cidade contemporânea 136


Deveríamos ter o direito de andar livremente pela cidade de forma satisfatória e segura. Neste cenário, não teríamos que

dar preferência

em

locais

andar

por

sempre

movimentados, com comércios e fluxo de pessoas (nem que, para isso, você precise fazer um trajeto mais longo). 137


A

investigação

de

áreas

apontadas

como

suscetíveis a violência (inclusive a de gênero), garantindo sua reestruturação como forma de reduzir potenciais ameaças à segurança, seria o ideal. Questões simples, como assegurar uma iluminação pública adequada, por exemplo, faria toda a diferença. Assim não precisaríamos

evitar

ruas isoladas e locais desertos (se inevitável, tentar percorrer da forma mais rápida possível).

138


A adoção de análises urbanas mais sensíveis ao gênero também seria muito eficiente para que não fosse necessário

evitar trajetos à noite,

especialmente, desacompanhada. 139


O estudo sobre as experiências urbanas se torna

relevante no processo de planejamento urbano à medida que evidencia, por exemplo, que ruas com fachadas

cegas

desestimulantes

e e

barreiras

visuais

potencialmente

são

perigosas.

Ruas com fachadas ativas são mais

preferíveis,

além

interessantes e seguras.

140

de

mais


A perspectiva de gênero, quando incorporada no processo

de

produção

das

cidades,

detecta

impactos no uso dos espaços e adiciona critérios qualitativos relevantes que resultam numa maior qualidade de vida urbana, evitando que os espaços

se tornem potenciais ameaças, especialmente para mulheres, a ponto de termos que

sempre

analisar, de forma geral, se os locais oferecem condições que garantam

segurança.

141


& para entender a

perspectiva de gênero na prática Como apontado anteriormente, Viena é referência na incorporação do “gender mainstreaming” desde 1991.

Em virtude disso, serviu como inspiração para a produção da segunda parte17 deste Mini Guia, que

busca auxiliar na compreensão acerca da aplicação, de

forma prática, da perspectiva de gênero no contexto

urbano.

17 Os dados a seguir estão disponíveis em: <https://www.citylab.com/transportation/2013/09/how-design-city-women/6739/> Acesso em 02 jun. 2020. 142


o caso de Viena

Para mim, é uma abordagem política do planejamento urbano. Tratase de trazer as pessoas para espaços onde antes elas não existiam ou sentiam que não tinham direito de usar.” Eva Kail em entrevista para o City Lab.

143


As

calçadas

foram

alargadas para os passeios tornarem-se mais acessíveis para o uso de carrinhos de bebê e cadeiras de roda. Imagem 34: Passeios largos nas ruas de Viena. Foto: Nicola via Flickr.

Pelo

mesmo

motivo,

escadarias

as

ganharam

rampas.

Imagem 35: Escadarias com rampas no nono distrito em Viena. Foto: Josef Lex via Flickr.

A

prefeitura

reestruturou

da e

cidade

ampliou

a

iluminação pública para tornar as ruas mais seguras à noite. 144

Imagem 36: Iluminação noturna no centro histórico de Viena. Foto: Eduardo Vessoni.


Imagem 37: A inclusão de áreas de estar estimulou a presença de meninas no espaço público. Foto: City of Vienna.

Imagem 38: Vista para um dos pátios do FrauenWerk-Stadt. Foto: Franziska Ullmann.

Para resolver o problema notado

O complexo habitacional Frauen-

sobre o menor número de meninas

Werk-Stadt

em relação ao de meninos nos

uma

parques,

foram

construídos

espaços mais inclusivos para a prática de uma variedade maior de esportes, e grandes áreas abertas ganharam subdivisões em bolsões menores.

foi

equipe

caracterizado

da

de

arquitetas

pela

por e

é

aplicação

perspectiva

feminina, guardar

desenvolvido

desde

carrinhos

locais

de

bebê

para nos

andares e layouts flexíveis, até a altura do edifício, pensada para para garantir os "olhos na rua" .

145


consideraçþes

finais

146


Este

trabalho

se

propôs

a

analisar

as

experiências urbanas das mulheres que caminham pela cidade de João Pessoa por meio de ferramentas narrativas e visuais. A partir da compreensão acerca das apreensões femininas sobre o meio urbano e determinados comportamentos adotados por elas nesse contexto, pretendia-se investigar os aspectos urbanos que impactavam suas vivências pela cidade. Considerando subjetividades que fogem às análises urbanísticas convencionais, esta pesquisa contemplou

questões

relativas

ao

conceito

de

alteridade urbana, intencionando contribuir com a

discussão acerca da relevância de se compreender tais complexidades inerentes à esfera urbana e ressaltar suas significâncias na percepção e estudo da cidade contemporânea. 147


João

Pessoa

se

encontra

num

processo

acelerado

de

desenvolvimento urbano, cujos impactos não apenas afetam as relações

socioespaciais,

excludentes

que

como

refletem

as

também

produzem

desigualdades

espaços

de

gênero

estruturalmente construídas e repercutem na forma de ocupação feminina do meio urbano, grupo socialmente mais vulnerável. Estudar as experiências urbanas desse recorte específico exige a contextualização acerca das estruturas sociais que exercem

influência em sua realidade, especialmente ao se tratar de uma minoria. Assim, o embasamento sobre as problemáticas de gênero – frutos de uma conjuntura histórica de hegemonia masculina que compôs um cenário de relações de poder, opressão e marginalização feminina18– que permeiam os espaços públicos permitiu um melhor entendimento sobre a relação mulher-cidade. A aplicação da perspectiva de gênero, aqui, como instrumento de análise possibilitou leituras da cidade em questão sob uma ótica diferenciada, pela qual se pôde constatar que as experiências 18 Condição acentuada por raça e classe social, diálogos vinculados e indissociáveis ao debate de gênero. 148


urbanas

das

mulheres

inclusas

nesta

pesquisa

atravessam

atmosferas de autonomia e opressão, identificados pelas formas de apropriação e interpretação feminina dos espaços. Observamos que, apesar da cidade apresentar algumas áreas que favoreçam seu uso e ocupação de forma mais livre e igualitária, nas quais as mulheres se sintam seguras ao fazê-lo, a falta do diálogo entre planejamento urbano e questões de gênero resultou na produção de cenários que permanecem acentuando a condição

feminina de medo e receio pela sua integridade física em meio urbano. Gonzaga (2004) nos lembra que o acesso das mulheres à cidade nunca se deu da mesma maneira que os homens e que, apenas no último século, conquistaram o direito de andar sozinhas nas ruas, mesmo que somente em áreas delimitadas. Tendo em vista tal contexto, o que pudemos verificar é que o modelo atual de planejamento urbano de João Pessoa perpetua essa lógica de produção de espaços limitadores da experiência urbana feminina, desconsiderando a atual conjuntura marcada por intensos processos de luta contra as desigualdades de gênero.

149


Embora tais configurações urbanas favoreçam potenciais problemáticas

de

gênero,

oriundas

de

repressões

estruturais

preestabelecidas, é possível observar resistências femininas na ocupação dos espaços, mesmo que isto implique na forma como estes corpos reagem ao meio, seja por uma vigilância constante, seja por condutas preventivas. Retornando ao escopo da pesquisa, podemos afirmar que os objetivos propostos inicialmente foram alcançados, pois foi possível

estudar criticamente as vivências urbanas de um grupo específico, integrando a perspectiva de gênero no processo de pesquisa acerca das particularidades presentes neste contexto, além de atuar como facilitador na abordagem investigativa, auxiliando na análise das apreensões subjetivas e físicas, bem como na descoberta sobre os aspectos impactantes e a origem de posturas observadas. Seguindo esta linha de pensamento, fomos conduzidos a refletir sobre o modo de planejar cidades a partir de uma ótica inclusiva, validando a postura de arquitetas como Eva Kail, uma das pioneiras a defender o estudo do impacto de gênero no planejamento urbano como forma de promover uma qualidade de vida urbana mais

150


igualitária entre homens e mulheres. Como visto no terceiro capítulo, mulheres podem (e devem) ser consideradas termômetro qualitativo para várias questões na esfera social, política e urbana, e referindose a última, a garantia da segurança feminina nos espaços públicos é um forte aliado na reestruturação de cidades mais seguras a todos. Com este estudo, pretende-se contribuir com debates que legitimem a incorporação de novos métodos de interpretação e concepção urbana que considerem as dinâmicas e transformações

sociais que protagonizam os espaços públicos. Nesse sentido, buscase também evidenciar a necessidade de políticas públicas que assegurem a participação feminina nos processos decisórios de planejamento urbano, acreditando-se que a cidade, como um todo, pode ser beneficiada ao reestabelecer os critérios de qualidade urbana por meio da inclusão de processos produtores de espaços mais democráticos e justos.

151


152


Figura 02: Ao fundo, pintura a óleo “Presente” (Camila Soato, 2018) retrata Marielle Franco – defensora dos direitos humanos e à cidade. Fonte: Zipper galeria. Editado pela autora, 2020.

153


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apêndices

Roteiro da entrevista semiestruturada a. Identidade 1. Nome:

4. Estado civil:

2. Idade:

5. Profissão:

3. Onde mora:

6. Identidade de gênero:

b. Experiências urbanas Caracterização dos trajetos diários 7. Como é normalmente?

sua

rotina

8. Quais lugares você costuma frequentar? 9. Quais meios de transportes você mais usa? Avaliações do espaço 10. O que lhe fez capturar essa foto? 11. Como você se sente com relação a esse elemento ?

160






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