Objetiva Magazine

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OBJETIVA

MAGAZINE

RECEITA

DE CINEMA SAIBA COMO O CINEMA BRASILEIRO SOBREVIVEU À DITADURA MILITAR



Nota do Editor

Quem não conhece a história está fadado a repeti-la.

EDITORIAL Diretora

de

Redação:

Barbara

Schreurs Diretora de Arte: Barbara Schreurs Redatora-chefe: Barbara Schreurs Designer: Barbara Schreurs

A ditadura foi uma época que ficou marcada na história do

Editora: Barbara Schreurs

Brasil por ter praticado vários Atos Institucionais, colocando

Colaboraram nesta edição: Adélia

assim, a prática da perseguição política, censura, falta total

Sampaio;

de democracia, supressão de direitos constitucionais e não menos importante, repressão àqueles que eram contrários

Alexandre

Carvalho

(coluna); Beatriz Cunha (Artigo); Bernardo

Berro;

Carolina

Gruhl;

João Capelli; Lilian Santiago; Marco

ao regime militar.

Ribeiro; Mikael Claro; Núbia Istela

A Constituição de 1988 prevê a Liberdade de Expressão. No

(revisão), Rafael Rocha (designer do

artigo 5°, inciso IX lemos:

infográfico e arte das propagandas)

“IX – É Livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação independentemente de censura ou licença.” Todas as pessoas tem o direito de expressar suas opiniões,

e Silvia Goiabeira. Capa: Beatriz Bugno Esta edição foi impressa nas fontes Arial, Satisfy, Cooper Hewitt, Open Sans Montserrat, Old Standand, Shrikhend, Animo, Playlist Scrupt, League Gothic, Kollektf, Gagalin, Voga, Vollkorn e Bangers em papel couché 115g.

ideias e sentimentos, seja de forma artística ou não. Não devemos nos deixar nos submetermos a um controle prévio e perder a nossa liberdade.

Barbara Schreurs 03


SUMÁRIO

06 11 16 ARTIGO

ANIMAÇÃO TAMBÉM É COISA DE GENTE GRANDE

Dentre captação de recursos e construção de enredos, as animações transmitem sentimentos e representam seus profissionais mais do que se imagina.

PERFIIL

ADÉLIA SAMPAIO

A história da primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem no Brasil. O filme enfrentou várias barreiras, mas em 1984 foi lançado Amor Maldito.

REPORTAGEM

DUBLAGEM BRASILEIRA

O dublador é a pessoa responsável por ceder sua interpretação e sua voz no idioma local, pode ser vários ou apenas um personagem.

04


22 24 32 37 46 INFOGRÁFICO

FILMES ESSENCIAIS

Muita história de dor, superação e luta.

CAPA

RECEITA DE CINEMA

O período da Ditadura Militar durou 21 anos e durante esse período o cinema brasileiro sofreu um grande paradoxo, ele era apoiado pelo mesmo Estado autoritário que praticava a censura.

PERFIL

LILIAN SANTIAGO

Documentarista, Professora e Pesquisadora, Lilian colaborou em grandes produções como os documentários premiados Família Alcântara (2004) e Eu Tenho a Palavra (2011).

FOTO-REPORTAGEM

EQUIPE DE CINEMA

O curta Acorde foi produzido por estudantes de Cinema do CEUNSP (Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio) e nos mostram que realizar um filme não é uma tarefa fácil.

COLUNA

SESSÃO DE DESCARREGO

Bacurau ecoa Glauber Rocha e Tarantino num filme de resistência e catarse.

05


ARTIGO

Branca de Neve e os Sete Anões (1937) Foto: Reprodução/Disney

ANIMAÇÃO TAMBÉM É COISA DE GENTE GRANDE Dentre captação de recursos e construção de enredos, as animações transmitem sentimentos e representam seus profissionais mais do que se imagina

É muito provável que quando criança você

cinema, com uma estatueta de tamanho real,

passava parte do seu dia em frente à televisão,

seguida por outras sete miniaturas.

assistindo variados tipos de animações com um

Um grande fator para o avanço da animação foi a

grande sorriso no rosto. Muitas dessas animações

invenção do rotoscópio, dispositivo que permita

fizeram e ainda fazem parte da nossa vida,

que uma versão live action do filme fosse gravada

trazendo boas recordações e aquele sentimento

e depois redesenhada quadro por quadro para a

gostoso de nostalgia. Apesar disso, as animações

criação da animação, sendo esses desenhos

são muito mais do que os programas de televisão,

usados para referência, o que ampliava o leque de

muito mais do que só um universo infantil.

ideias. Isso não significa que os produtores

A primeira animação que se tem registro é de

redesenhavam cada movimento cada movimento

1900, chamada “O Desenho Encantado”, mas foi

do live action, mas sim que fariam a animação

só em 1937 que Branca de Neve, o primeiro filme

inspirada nos movimentos reais do ator.

de longa-metragem animado, alcançou o grande

E com o passar dos anos, cada vez mais é

público e trouxe os olhares e também o sucesso

possível ver novas tecnologias e inovações nas

para as animações. Mais tarde, Walt Disney

animações, tornando-as cada vez mais próximas à

receberia um Oscar honorário pela inovação no

realidade, mas sem perder a essência divertida.

cine 06


O Studio Ghibli Outra grande contribuição para a animação vem estúdio de animação japonês, o Studio Ghibli. Hayao Miyazaki, co-fundador do estúdio, é animador,

cineasta,

roteirista

e

grande

responsável pela maioria dos filmes de sucesso do estúdio. Miyazaki desenvolveu um método de criação no qual consistia em observar primeiro e criar depois, considerando a realidade humana.

Foto: Vencys Lao / Arquivo Pessoal

diretamente do outro lado do mundo, de um

Num geral, as animações japonesas (mais

suas intenções, detalhes e pequenas coisas trazem o

conhecidas como animes) tem como padrão

destaque que o Studio Ghibli recebe, diferentemente

figuras

do resto da indústria na qual atuam.

caricatas,

diferentes

da

realidade

e

exagero de emoções para poder retratar o cenário

Foi retratando a realidade humana, com sutileza,

no qual elas se encontram. Porém, Miyazaki

fantasia e uma personagem principal feminina, que o

chega a criticar esse tipo de animação, dizendo

Studio Ghibli conquistou o Oscar de Melhor Filme de

que é preciso observar as emoções humanas para

Animação, com “A Viagem de Chihiro”.

dar mais vida à animação.

Além desses detalhes, uma coisa que é constante

“Se você não observa pessoas reais, você não pode fazer coisas assim, pois você nunca as viu. Algumas

pessoas

passam

suas

vidas

interessadas apenas em si mesmas. Quase toda a animação japonesa é produzida sem nenhuma base da observação de pessoas de verdade. É produzida por humanos que não suportam olhar para outros humanos.” - Hayao Miyazaki

japonesa e o Miyazaki é um dos artista que mais me inspiram”, relata o ilustrador e animador Vencys Lao, de 36 anos, formado no curso técnico animação

tradicional

e

atuando

freelancer para produtoras como

mulheres. Vindo de uma indústria que se apoia constantemente num conteúdo sexista, Miyazaki faz um trabalho excelente, mostrando personagens fortes com papéis de liderança, fugindo dos padrões sociais e não se encaixando como princesas indefesas. Suas personagens têm o poder de decisão da história e podem ser mocinhas ou vilãs, mas todas com um certo nível de complexidade.

“Desde de moleque eu sou apaixonado por cultura

de

nas produções de Miyazaki são as protagonistas

como

DirtyWorks,

O processo de animação Vencys explica que ficou por muito tempo em um processo de criar histórias e depois desenhá-las, tendo inspirações para começar a escrever suas próprias histórias em quadrinhos, todas elas releituras de filmes

Zombie Studio e Tuzuu.

que assistia, principalmente do Batman, afirmando que

Em todo o seu trabalho, Miyazaki é conhecido

foi nesse momento que já havia decidido trabalhar

pela sutileza em retratar mundos cheios de

como ilustrador. “Inspiração pode vir de vários lugares,

fantasia, mas mesmo assim com toques de

uma música, um filme, às vezes algo que alguém

realidade. Movimentos delicados e discretos, que

disse, e no meu caso, ela sempre vem de vários

dizem muito sobre os personagens e quais são as

lugares”.

07


“Você inscreve o seu projeto e ganha uma verba para a produção. O dono de agência ou editor tem a ideia, escreve a premissa, como será a história, e aí já é preciso uma equipe para criar a bíblia da animação, um documento que contém os personagens, falam sobre os episódios, qual é o intuito da série, onde ele quer chegar, que público ele quer atingir, basicamente um resumo sobre a série”, expõe. Após a captação do dinheiro, começa a produção do roteiro, a contratação de um diretor de arte para definir o estilo da série e também o storyboard, “o primeiro vislumbre da sua série ou filme”. Ainda de acordo com Vencys, “com as primeiras artes prontas vem a préprodução, o que inclui o diretor de arte e a equipe de arte fazendo cenários e personagens. Depois dos cenários e personagens prontos, vem a equipe de Foto: Vencys Lao / Arquivo Pessoal

animação que vai fazer o episódio/filme em si”.

As mulheres na animação Na atualidade, existem grandes nomes femininos responsáveis pela produção de animações que tem tomado todo o mundo. Um desses grandes nomes é Rebecca Sugar, animadora, compositora e diretora. O começo de seu sucesso se deu ao seu trabalho em “Hora de Aventura”, um grande título do Cartoon

Na hora de colocar a mão na massa, Vencys

Network que teve o seu início em 2010. Na primeira

esclarece que a criação de personagens já inicia-se

temporada, Sugar entrou como revisora de storyboard,

com a premissa da história, escrita pelo diretor,

mas com o seu trabalho impressionante logo ganhou

havendo um encontro entre ele o character designer

uma promoção para artista storyboard. Rebecca

(designer de personagem) para a criação e visual

também é responsável por compor músicas que fazem

do personagem. “Geralmente ele chama o artista

parte da série e até hoje são muito aclamadas por fãs.

que já tem um pouco do que o diretor quer, o estilo

E enquanto ainda trabalhava na produção de “Hora de

de desenho, ou ele procura uma pessoa para que

Aventura”, ela também começou a trabalhar em seu

possa lhe mostrar o que melhor se encaixa ao

próprio título, “Steven Universe”. Além de ser a

personagem”, explica.

produtora executiva, Rebecca também atua como

Já da animação em si, o processo é um pouco mais

artista de storyboard, sempre estando presente e

complexo, envolvendo captação de dinheiro através

trazendo a sua visão para a série. Além de tudo isso,

de editais, como afirma Vencys. Um deles é o ProAc

ela ainda se considera uma ativista LGBTQ+ e é

(Secretaria de Cultura e Economia Criativa do

reconhecida pela representatividade que inclui em

Estado de São Paulo), o qual contempla vários

“Steven Universe”, seja por personagens femininas

segmentos artísticos e culturais.

fortes ou por relações fora do padrão.

08


Seguindo a mesma linha, também podemos citar o

nome

de

Noelle

Stevenson,

cartunista,

ilustradora, produtora e animadora. Noelle é comumente conhecida pelos seus trabalhos com "Nimona" e "Lumberjanes",

pelos

quais

ela

recebeu o Eisner Award, grande prêmio para artistas de histórias em quadrinhos. Ela também tem seu prestígio por ter trabalhado na DC e Marvel Comics. Seu trabalho mais recente é “She-ra e as Princesas do Poder”, reboot resultante da parceria da Netflix e DreamWorks. Noelle, assim como Rebecca, traz a representatividade feminina, na qual a maioria das personagens presentes na série é composta por mulheres fortes, em posições

de

poder

e

liderança,

e

essa

representatividade vai muito além, pois grande parte da equipe de produção de “She-ra” é composta por mulheres.

A animação no Brasil

Irmão do Jorel 2 Temp. Ep. 11 Foto: Reprodução/Cartoon Network

A primeira animação no Brasil é datada em 1917,

de ser voltada ao público infantil, mas que também

de Álvaro Marins. O filme inspirado no folclore

queria alcançar o público mais velho e fazer eles se

brasileiro, “Sinfonia Amazônica” (1950), de Anelio

identificarem com o cenário de “Irmão do Jorel”. Em

Latini, se tornou o primeiro longa de animação

2014, a série teve a sua estreia pelo Cartoon

nacional exibido para o grande público. Desde

Network e é um marco para animação original

então, há muitos trabalhos de animação em solo

brasileira.

brasileiro e não se pode negar que é um mercado

Para Vencys, os laços familiares também são

crescente.

constantes inspirações: “eu sou super ligado à

“Irmão do Jorel” é um dos nomes que vem à

família, então uma frase que alguém fala já é motivo

cabeça quando o assunto é animação brasileira.

para começar a pensar em um personagem”. O

Criada por Juliano Enrico e co-produzida pela

artista também enfatiza que “o estilo do artista é o

Cartoon Network, se tornou a primeira animação

resultado da evolução, do caminho que ele trilhou”.

original da companhia a ser feita em solo

Carlos Saldanha também é outro grande nome

brasileiro e latino-americano. Juliano começou o

brasileiro que faz parte da animação. Animador,

projeto de “Irmão do Jorel” em 2009, com histórias

diretor, produtor e dublador, Saldanha já trabalhou

em quadrinhos inspiradas em fotos antigas de sua

em grandes títulos como “A Era do Gelo”, “Rio” e

família e objetos guardados em sua casa que

“Robôs”. Apesar de suas animações não serem

remetiam à sua infância.

produzidas no Brasil, é possível identificarmos a

Juliano diz que sua série sempre teve a intenção

representatividade que o seu nome carrega.

de 09


Em seu filme intitulado como “Rio”, Saldanha conta que gostaria de criar um projeto mostrando o seu país, mais especificamente o Rio de Janeiro, que é a sua origem, sua cultura como base. Tudo isso misturado ao seu interesse e preocupação com o mercado ilegal de aves, nascia “Rio”. O filme da produtora internacional Blue Sky Studios fez com que os olhos fossem voltados para o Brasil. E na visão de Vencys, morador de São Paulo, hoje em dia não é tão difícil trabalhar na área pois há muitas produtoras trabalhando com animação, mas não foi sempre assim. “Na minha época era muito difícil, não tinha onde você seguir com ilustração a não ser na publicidade e todas as oportunidades eram em São Paulo”, conta, adicionando que o mercado de games também fez com o número de produtoras aumentasse no país. “Na minha época, para se trabalhar como desenhista só tinha o estúdio de Maurício de Souza. Fora isso, só algumas pessoas que publicavam na Folha ou de forma independente, mas eram pessoas muito específicas, que já tinham uma carreira. Eu nunca quis trabalhar no estúdio do Maurício de Souza, porque lá você precisa desenhar como ele e já naquela época eu queria inventar o meu próprio estilo”, narra, completando que foi neste mesmo período que decidiu querer atuar com criação de personagens. “Nos dias de hoje, se você tiver um bom portfólio e um meio de se divulgar, há muitos lugares onde você pode apostar e é muito possível se viver da animação e ilustração”, encerra.

Rio (2011) Foto: Reprodução/20th Century Studios

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PERFIL

Set de gravação Denuncia Vazia Foto: Adélia Sampaio/Arquivo Pessoal

Adélia Sampaio Chegando no Rio Foto: Adélia Sampaio/Arquivo Pessoal

A história da primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem no Brasil. O filme enfrentou várias barreiras, mas em 1984 foi lançado Amor Maldito.

Adélia contou com uma infância muito sofrida, aos

chegou do internato sua irmã a levou ao

quatro anos de idade se mudou para o Rio com a

cinema para assistir a pré-estréia do filme

sua mãe e sua irmã com a patroa de sua mãe que

Russo Ivan o Terrível, ela nunca tinha

a convidou para realizar serviços domésticos,

entrado em um cinema e foi aí que a magia

mas, o que sua mãe não sabia é que a patroa de

aconteceu.

sua mãe omitiu que separaria suas filhas. Adélia e

“Nunca havia entrado em um cinema, achei

sua irmã foram levadas até um internato, levou

tudo muito lindo quando apagaram as luzes

seis meses até a sua mãe buscar suas filhas,

e acendeu a tela, meu coração disparou,

mas, a nova patroa encontrou outro orfanato e

era uma emoção grande, fiquei fascinada

desta vez levou Adélia até Minas Gerais.

até o final quando as luzes acenderam.

Adélia foi rever a sua mãe quando tinha treze

Lembro-me de minha irmã perguntar se eu

anos. Quando sua mãe a reencontrou disse que

gostara e respondi - vou aprender a fazer

só conseguiu ver ela novamente depois que

isso - ela sorriu incrédula e disse - minha

pagou a divida que tinha com a sua patroa, ou

irmã

seja, sua mãe foi feita de escrava. Assim que ela

distanciando para a saída.”

isso

é

coisa

de

rico

-

se

che 11


Adélia e sua irmã Foto: Adélia Sampaio/Arquivo Pessoal

No ano de 1968 iniciou o trabalho como

Adélia passou por quase todas as funções dentro

telefonista da DiFilme e foi assim que ela foi se

de um set. Foi continuísta, câmera, maquiadora,

aproximando de sua paixão, rapidamente ela

montadora e produtora, foram mais de 70

começou a cuidar do Cineclube da empresa. Foi

produções até chegar à direção. Em 1979 ela

um grande desafio trabalhar na empresa durante

abriu a sua própria produtora com o apoio da sua

o Golpe Militar, ela contou que já havia perdido

irmã Eliana Cobbett que era uma grande

um bebê com 07 meses de gestação após ter

produtora executiva e assim, surgiu a A. F.

levado uma cacetada de uma tropa de choque na

SAMPAIO PROD. ARTISTICAS.

Cinelândia “eram tempos sombrios, a galera do

A partir desse momento começou a preparação

cinema novo e vários artistas fizeram passeatas

do seu primeiro curta, o Denúncia Vazia. A ideia

e como telefonista, lá estava eu em meio à

para a produção surgiu quando Adélia leu a

multidão”.

notícia no jornal de um casal de velhos que

A lembrança mais forte e triste que Adélia tem da

suicidara por não conseguir pagar o aluguel,

época foi quando encontrou a Zuzu Angel

afinal,

(conhecida mundialmente pelo seu trabalho

imobiliário do Brasil, é a retomada de um imóvel

inovador como estilista de moda) que havia

por seu locador, depois do término do prazo de

acabado de saber que o seu filho havia

locação fixado em contrato por escrito e com o

desaparecido

prazo igual ou superior a trinta meses, sem ter

e

posteriormente

morto

pelo

CENIMAR (Centro de Informações da Marinha).

Lei

Denuncia

Vazia

(em

Direito

que justificar seu pedido, com previsão legal no llll

12

a


Medeiros; Paulão e Adélia Foto: Adélia Sampaio/Arquivo Pessoal

art. 46, da Lei n° 8.245/91) não permitia

“Tentei Embrafilme que se negou ferrenhamente a

recurso era um sai fora, com isso Adélia recortou o jornal, escreveu o roteiro e foi atrás dos atores Catalina Bonack e Rodolfo Arena “eles toparam e com um ajuntamento

me

ajudar,

respondido

embora

por

a

dois

minha

produtora

projetos

fílmicos

havia

muito

importantes, o último filme do Lulu de Barros (Ele

de profissionais realizamos o Denuncia, amo muito esse meu primeiro bebê”. Depois do curta Adélia não parou mais e

Ela Quem?) e o primeiro longa dirigido pelo nosso

mais premiado fotógrafo José Medeiros (Parceiros

começou o seu projeto do longa Amor

de Aventura).”

Maldito, o maior desafio foi conseguir

O

dinheiro para produzir ele e depois provar

Embrafilme era assim: se você tinha um

as pessoas que ela sabia contar uma

financiamento dado por ela, tinha que

história.

cumprir prazos, não estourar o orçamento e

processo

para

ser

aprovado

pela

13


A casa do roteirista José Louzeiro se tornou um laboratório, já com o elenco definido, se reuniam três vezes por semana para dissecar a violência do tribunal. “Louzeiro sempre foi repórter de polícia e por isso conseguiu os autos, cada palavra do advogado e da promotoria foram proferidas de verdade. Quando escolho algumas cenas para Amor Maldito Foto: Adélia Sampaio/Arquivo Pessoal

que os atores se dirijam a platéia, faço isso

Adélia tinha tudo isso a seu favor “como eles financiariam

propositalmente rompendo assim a terceira

um filme lésbico com uma preta iniciando na direção de um

parede.

longa?” era algo forte demais para a época e é claro que

ajuntamento

eles não aceitaram, com isso, Adélia colocou o projeto na

conseguisse e conseguimos. É conseguimos.”

gaveta, mas nunca deixou de sonhar.

O longa sofreu para ser distribuído, Adélia

Adélia recebeu o convite do Furnas para ministrar uma

recebeu a proposta do exibidor em São Paulo

integração entre faxineiro e diretor e através de um texto de

para que ele fosse travestido como pornô.

teatro (Viva o Cordão Encarnado) conseguiu se juntar com a

Com isso ela voltou para o Rio e se juntou com

galera em torno. O final de ano foi o ano de funcionários no

a galera que concordou “vamos topar o filme

palco mostrando o seu teatro para a família, depois do

não é pornô”. O filme foi salvo graças ao crítico

grande sucesso, ofereceram um jantar para a galera do

Leon Cakoff que escreveu uma bela crítica

teatro e uma engenheira elétrica, Dra. Édy, ofereceu

onde ele dizia não entender o porque que o

dinheiro para ajudar Adélia a fazer o filme.

filme recebeu aquele tratamento, na época, ele

Adélia pediu para ela ler o roteiro e ela se recusou dizendo

era

que ajudaria e não se importava com o roteiro. Rapidamente

respeitado. Com isso o exibidor abriu mais

foi feita a conexão da Édy com sua irmã e Eliana que

casa e o filme abriu bilheteria.

retrucou “é pouco, mas, faremos parcerias, quem sabe uma

“Foi desafiante e tive que trabalhar meu íntimo

cooperativa”, todas arregaçaram as mangas e deram partida

e saber que meu foco era chegar não

no tribunal de Niterói, foram cinco semanas intensas de

importando as dores e os descréditos. É

filmagem.

preciso acreditar em nós.”

o

Foi

crítico

sacrificante, torcendo

de

mas para

cinema

tinha

um

que

nos

mais

sério

e

E os planos para o futuro não param, tem o longa-metragem A Barca das Visitantes que “Quanto a história, foi uma escolha minha, eu acredito que temos que

dar voz as minorias e a história delas era uma história de fé e amor”

aborda a trajetória das mulheres que em 1968 visitava seus filhos ou maridos presos políticos e o curta Saga do Carretel que conta a história

A história de Fernanda e Suely a mobilizou e mesmo após

de um menino que solta pipa.

30 anos, Adélia consegue em debates reunir uma galera de

E para finalizar, Adélia Sampaio deixou uma

sua geração que vibra com a história e de como ela foi

mensagem para as mulheres que sofrem

contada.

preconceitos no audiovisual.

14


“Mulheres Negras, cuidado com o preconceito avesso! Talento não tem nada haver com melanina, nisso eu concordo com Lazaro Ramos. Se temos um objetivo, um foco e a proposta que chegar em algum lugar vamos esbarrar com o preconceito e zombar dele sempre. Não se pode vitimizar sou negra, vão me rejeitar o certo seria sou negra e to chegando. Quando eu e José Medeiros resolvemos fazer Parceiros da Aventura queríamos um elenco com 70% de atores negros, demos entrada na Embra e um dos diretores me convoca argumentando: Por que? Sabe Adélia, preto não vende. Ameacei ir para o jornal, nesta época meu marido era editor da Bloch, fui direto a redação. Quando lá cheguei estava a secretária do dito pedindo para que eu me acalmasse e que teria o financiamento. No Fritar Os Ovos o nosso projeto recebeu a menor verba, mas, fizemos um belo filme. Parceiros foi vendido para Alemanha e ganhou o festival de Gramado. Ai me estarreço quando uma jovem negra afirma num debate que não existiu filme com elenco negro no Brasil.” Set de filmagem Foto: Adélia Sampaio/Arquivo Pessoal

15


REPORTAGEM

DUBLAGEM BRASILEIRA O dublador é a pessoa responsável por ceder sua interpretação e sua voz no idioma local, pode ser vários ou apenas um personagem.

Os filmes começaram a ser dublados em 1927 com o filme “The Jazz Singer – O Cantor de Jazz” um musical que incluía apenas algumas falas, mas em 1929 teve o primeiro filme totalmente dublado, o filme “Luzes de Nova York”. Não demorou muito para a dublagem chegar ao Brasil, no dia 10 de janeiro de 1938 dublagem do filme “Branca de Neve e os Sete Anões” tendo como destaque o dublador brasileiro Carlos Galhardo que interpretou o “Príncipe Encantado”. As primeiras dublagens vieram dos desenhos animados, tendo a intervenção direta da Walt Disney, seguindo pelo mesmo estúdio, outro grande marco para a dublagem foi os filmes Bambi, Dumbo e Pinóquio. Durante a década de 1940 e 1950, os filmes brasileiros já contavam com a dublagem, pois na época, havia uma precariedade muito grande nos equipamentos de som, quando os filmes estrangeiros chegaram ao Brasil para serem dublados foi um processo muito natural. Em 1958/1959 nascia a Gravason na cidade de São Paulo, a associação da Screen Gems era uma subsidiária da Columbia Pictures, nesta época era apresentado pequenos dramas de 30 minutos. A “Ford na TV” foi a primeira série apresentada na TV Brasileira, depois deste grande sucesso veio Rin-Tin-Tin, Papai sabe Tudo entre outros grandes sucessos.

16

Foto: Carolina Gruhl; João Capelli; Bernardo Berro e Silvia Goiabeira/Arquivo pessoal

começaram as gravações em São Cristóvão nos estúdios ZIV com a


Boa parte dos seriados, filmes e desenhos

Silvia Goiabeira está a 30 anos no ofício, teve

animados ainda eram exibidas em seu áudio

grandes trabalhos como a princesa Jasmine

original com as legendas em português, mas, no

(Aladdin – 1992); Katarina (League of Legends);

ano de 1962, o presidente da época, Jânio

Pepper Potts (Franquia Homem de Ferro); Alice

Quadros, determinou que todas as produções

(Resident Evil) entre tantos outros trabalhos

estrangeiras fossem dubladas, isso foi um grande

importantes, ela dá a dica para quem está

passo para o Brasil, pois o decreto fez com que

começando:

aumentasse os estúdios de dublagem desde

“Se prepare muito, o dublador tem que ser ator

então.

profissional, porque a dublagem é mais leque

Um dos dubladores brasileiro mais conhecido é o

que se abre nessa carreira do ator. Assim como

Orlando Drummond Cardoso, conhecido pela sua

o cinema e a televisão, procurem fazer muita

voz em Scooby Doo, está ligado ao personagem a

leitura, exercícios de dicção, cursos certeiros e

mais de 30 anos chegando até a sair no Guinnes

cuidado! Tem muito papa níquel.”

– O Livro dos Recordes e nesse meio veio outros

Um caso bem interessante que ocorreu no Brasil

grandes nomes como a Silvia Goiabeira.

foi com a dublagem dos filmes da saga Harry

Silvia nasceu em 1966 no Rio de Janeiro, em sua

Potter. Foram mantidos os mesmos dubladores

infância sempre brincava com os irmãos usando

desde o primeiro filme com as vozes evoluindo

um gravador da Philips de fita cassete, foi nessas

ao

brincadeiras que foram surgindo diversas histórias,

dubladores foram crescendo, João Capelli foi um

ela relembra como foi uma delícia de tempo. Sua

desses dubladores. Nascido em 04 de outubro

carreira começou no teatro Vida e logo após se

de 1988 na cidade do Rio de Janeiro onde vive

formou no Etla, sempre contou com o apoio do

atualmente

seu pai, chegou a fazer participação na TV sem

dublagem.

do Hamilton Ricardo (1956-2015).

“Foi buscando a dublagem que vi que tinha aptidão, foi paixão a primeira vista (risos). Logo comecei a trabalhar na Hebert Richers. O Hamilton Ricardo me deu muita força, apesar de contratada ainda fazia o curso dele para me aprimorar.

Amo

o

anonimato

da

tempo

sendo

em

que

dublador

os

e

atores

diretor

Foto: Silvia Goiabeira / Arquivo pessoal

muita significativa, foi aí que ela começou o curso

mesmo

minha

profissão, acho que nos deixa mais com o pé no chão. O glamour não me fascina, por enquanto não trabalho em outra coisa, até pode ser que apareça, mas, sou apenas uma dubladora, na verdade atriz, porque trabalho com minha emoção e minha verdade, claro, sempre respeitando a obra pronta que vamos dublar.”

17

e

de


Sua carreira começou cedo com o avô que já trabalhava na época com cinema e tradução como diretor em um estúdio. Assim, João foi fazendo papéis pequenos e seu crescimento foi indo naturalmente. Esse início foi com apenas seis anos de idade, sempre contando com o apoio de seu avô e de seu pai. “Eu não tive esse estalo de que queria fazer dublagem. Eu simplesmente fazia e adorava. Hoje em dia não me vejo fazendo outra coisa”. As preparações para as dublagens são levadas à risca, João não fuma, evita ao máximo beber na noite anterior à um horário cedo, evita beber água gelada e os preparativos para as gravações dependem muito do estúdio e da produção. Normalmente recebe uma mensagem marcando horário uns 3, 4 dias antes e é aí que há toda a verificação na agenda, caso não haja espaço tenta haver uma negociação, algo que não é comum mas, pode acontecer é o estúdio entrar em contato acaba ocorrendo algum atraso na entrega do material. Para o João a dublagem é incrível quando as pessoas assistem e não percebem que está dublado e ainda complementa “o que acontece muito

é

falarem

que

acham

um

trabalho

sensacional, mas não assistem dublado. Não dá

Foto: João Capelli / Arquivo pessoal

um dia antes ou até mesmo no mesmo dia quando

para entender (risos)”. Conhecido por grandes papéis como Otis de Sex

“Continuem apoiando a dublagem brasileira.

Education, Steve de Stranger Things e o nosso

Somos

queridíssimo Draco Malfoy de Harry Potter. As

trabalho e é muito importante que vocês

pessoas não o reconhecem com frequência na rua, mas quando acontece, ele conta que gosta, principalmente pelo fato de ver que o seu trabalho atinge pessoas de vários lugares, classes sociais e ainda faz questão de conversar com as pessoas e tirar todas as suas dúvidas.

18

reconhecidos

mundialmente

pelo

cobrem um trabalho de qualidade. Tudo que a gente faz é para que vocês tenham a melhor experiência possível assistindo a um trabalho dublado. Agradeço muito pelo carinho de sempre!”


Diversos

canais

conscientizam

da

fechados importância

atualmente da

se

dublagem

brasileira. Com isso, existem canais para que haja a difusão de produções audiovisuais dubladas em português, outro grande talento do meio é o Bernardo Berro, nascido em 27 de maio de 1988 na cidade de Jaú – SP. Sua carreira teve início em 2007 quando se mudou para a cidade de Campinas, lá ele teve a sua formação em Artes mudou para a cidade de São Paulo onde vive atualmente, começou a sua especialização como dublador na Central Dubrasil de Dublagem e foi ali mesmo que a sua carreira teve início graças às indicações dos professores. Bernardo sempre contou com o apoio de sua família e é claro, de toda a equipe de funcionários e professores da DuBrasil, mas um fato engraçado é que ele nunca teve uma paixão pela dublagem. Sempre assistiu a filmes dublados, mas o seu interesse no meio foi estritamente profissional já que envolvia a voz do ator. Sua paixão surgiu através de todo o processo de aprendizado e hoje, além de dublador também trabalha com teatro musical (seu último espetáculo em cartaz foi no elenco de “Escola do Rock”) dá aulas de teatro

Foto: Bernardo Berro / Arquivo pessoal / Fábio Stamato

Cênicas pela UNICAMP, após a sua formação se

Assim como todos do ramo, Bernardo cuida muito bem da sua voz, para ele o essencial é o aquecimento vocal todos os dias além de ter um acompanhamento com fonoaudióloga e otorrino,

musical, de dublagem na Central Dubrasil de

afinal, a voz é a principal ferramenta de

Dublagem, trabalha com locuções comerciais, é

trabalho, deve-se cuidar com muito apreço.

ator em publicidades, trabalha com cursos livres

Bernardo Berro é conhecido pela voz do

de teatro musical para crianças e adultos além de

Richard (série VEEP da HBO), Binky (série

ser coaching de atores.

Agente Binky da Discovery Kids) e o Noah

Tendo tantos trabalhos não é fácil conciliar tudo

(longa Quando nos Conhecemos da Netflix)

isso “é uma loucura, mas a gente consegue

como ele não é dublador muito conhecido é raro

organizar os horários. Hoje os estúdios com os

quando alguém o reconhece pela sua voz, mas

quais eu trabalho tem uma flexibilidade melhor em

claro que quando isso acontece ele fica muito

relação aos meus outros trabalhos e isso me

feliz “Quando acontece fico muito feliz de

ajuda muito a organizar a agenda. Tenho horários

receber o carinho e o reconhecimento das

fixos dos demais trabalhos e também alguns são

pessoas pelo meu trabalho, sejam eles fãs de

passíveis de remanejamento, o que torna possível

dublagem ou mesmo pessoas do mercado é

trabalhar com tudo ao mesmo tempo”.

uma sensação gostosa ter sua voz dando vida a um personagem e 19


um personagem e quando uma pessoa assiste ao seu

E um dos novos talentos do Brasil é a Ana Carolina

trabalho e ao cruzar com você na rua te reconhece pela

Mayer Gruhl, nascida em 26 de outubro de 1994 na

voz é bem legal”.

cidade de Chopinzinho – PR hoje vive em Curitiba também no estado do Paraná. Foi a sua madrinha

“Meu conselho a quem é fã de dublagem e sonha em

que a descobriu como artista, aos 4 anos de idade,

trabalhar com isso, é que se prepare como um ator

por isso sempre teve o apoio dela além da sua

profissional e aproveite a experiência do fazer teatral

mãe.

em sua carreira. A maioria das pessoas sabe que é necessário o DRT de ator para dublar e procuram cursos de teatro que oferecem o registro profissional,

Mais conhecida como Carolina Gruhl o seu início na vida da arte foi em 2001 quando seus familiares a ouviram cantar, então ingressou no “Coro Cabeludo” e com apenas 7 anos de idade

mas esquecem de vivenciar o curso, de fato se tornar

representou e cantou “O Flaustista de Hamelin”.

ator,

interpretações

Com 8 anos tinha um cd gravado junto com o coro

necessárias ao profissional, que serão usadas como

onde permaneceu até os 10 anos, como sempre foi

Dublador no futuro, depois de formado, quando

apaixonada em ver filmes, aos 13 anos de idade

decidir se especializar como um ator que empresta a

descobriu a profissão e que ela é classificada para

com

as

ferramentas

de

voz ao personagem. Quero agradecer o espaço para essa troca de idéias e quero agradecer a cada um que separou um pouquinho de seu tempo para ler

atores. Aos 15 anos ingressou na Escola de Música Ensaio Geral onde permaneceu por 3 anos até ingressar como secretária na instituição. Aos 20 anos começou a faculdade de Direito que

essa matéria. Quero concluir dizendo que não existe

abandonou após um ano por não ser a sua real

sonho impossível e que nunca é tarde para realizar as

paixão. Aos 21 já era cosplayer e se formou no

coisas que quer em sua vida, por isso corra trás de

curso de dublagem aonde chegou a cantar no Coro

seus objetivos e se dedique ao máximo para alcançar

da UFPR como Soprano representando uma das

seus resultados. Um grande abraço e até a próxima.”

bruxas em “MacBeth”.

A dublagem brasileira recebe muito preconceito pelo fato das pessoas acharem que todos os dubladores são iguais, o que acaba sendo bem comum ouvir frases do tipo “odeio dublagem, é muito ruim” ou “prefiro legendado, bem melhor” cada dublador possui uma habilidade e uma demais. Por isso a dublagem trás grandes desafios sendo o maior deles a interpretação do filme que já está pronto e saber o que, como, onde, quem na hora da gravação e assim como qualquer profissão a dublagem trás grandes dificuldades como entonação, interpretação, rapidez, dicção, leitura rápida além de criatividade e sincronismo, um grande desafio principalmente para quem está começando no ramo.

20

Foto: Carolina Gruhl / Arquivo pessoal

qualidade e isso faz com que haja diferenciação aos


Com 22 anos de idade iniciou um trabalho voluntário como cosplayer para instituições e retornou ao teatro na Academia Cena Hum onde no primeiro ano participou do musical “Universo Disney” interpretando a Fada Azul de Pinóquio e Flora. Esse espetáculo teve como diretores George Sada e Simone Hidalgo, depois disso nunca mais parou, além de ser personagem viva é professora de canto e atriz em teatro musical. Auxiliou na direção da peça “Toda Magia Tem Seu Preço” e participou do musical infantil “Onde Mora o Medo” dirigido pela Simone Hidalgo. Com 23 anos fez a dublagem da Naho, melhor amiga de Aico na série da Netflix AICO. Sua preparação para as dublagens inclui gritar o mínimo possível, fazer nebulização, não tomar café e refrigerante e comer o mínimo de doces, da série WILL da TVESCOLA, deu voz a Ryoko Naoe da série Sirius the Jaeger da Netflix e tendo como seu trabalho favorito a Paula da série Bem Vindo à Família também da Netflix que ela conta que surgiu em um momento muito difícil fazendo com que ela tivesse uma visão diferente da vida. Hoje ela é especializada em Canto para Dublagem e nos lembra:

“Nunca desista, não importa o que te digam, você é especial e consegue sim! Walt Disney costumava dizer - Se pode sonhar, pode realizar - é uma frase que motiva e nos leva a continuar crendo. Lembre sempre de reciclar os seus conhecimentos e principalmente, respeitar o que o outro tem a passar." A dublagem proporciona inclusão e é graças à dublagem que amamos os filmes e séries desde cedo, contamos com dubladores incríveis e mundialmente reconhecidos, valorize-os!

Foto: Carolina Gruhl; João Capelli; Bernardo Berro e Silvia Goiabeira/Arquivo pessoal e João Pedro Schmitz

outra dublagem importante da sua carreira foi a Sam

21


INFO

22


23


CAPA

Tônia Carreiro, Eva Vilma, Odete Lara, Norma Bengell e Ruth Escobar em passeata contra a censura, em 1968 Foto: Arquivo / Correio da Manhã

Receita de Cinema O período da Ditadura Militar durou 21 anos e durante esse período o cinema brasileiro sofreu um grande paradoxo, ele era apoiado pelo mesmo Estado autoritário que praticava a censura.

Em primeiro de abril de 1964 o então presidente

com que não tivesse ótimas obras com qualidade

João Goulart foi deposto e o Marechal Humberto

técnica, os jovens artistas começaram então a

Castelo Branco tomou a presidência do Brasil. No

discutir qual seria o novo rumo para o cinema

dia 15 de março de 1985 teve o fim da ditadura no

nacional. Em 1952 ocorria a organização do 1°

Brasil e o fim do mandato do presidente General

Congresso Paulista de Cinema Brasileiro. Foi

João Batista Figueiredo. O golpe civil militar foi

nesse encontro que os integrantes se mostraram

marcado por perseguições, censura, torturas e

preocupados e queriam distanciar o prestigiado

prisões arbitrárias, foi uma fase muito cruel no país,

modelo ficcional do cinema norte-americano, foi

com resistência política, de protestos, manifestação

nesse congresso que cresceu o interesse pelos

na imprensa, telenovelas e filmes que faziam crítica

elementos que eram oferecidos pelo neorrealismo

política em suas entrelinhas.

italiano. O cinema brasileiro tinha como objetivo

Mas, para entendermos um pouco de como foi a

realizar um cinema de apelo popular que fosse

censura no cinema brasileiro temos que voltar um

capaz de discutir a realidade nacional além é claro,

pouco na história. Durante a década de 1950 a

do uso de uma linguagem que fosse inspirado nos

cultura no Brasil sofria muitos entraves, isso fazia

traços de nossa cultura.

com 24


No ano de 1955 tiveram a inauguração do

Nessa década surgiu um novo grupo de jovens

Cinema Novo com o filme Rio 40 graus de

cineastas que tinham como objetivo trazer

Nelson Pereira dos Santos. O filme oferecia uma

novas formas de linguagens, com muito mais

narrativa simples onde à grande preocupação

inovação para o cinema brasileiro. O Cinema

era mostrar os personagens e cenários que

Novo desviou o olhar das lentes, já que nos

pudessem fazer um panorama com a cidade.

anos 1950 o cinema era mais popular, narrava a

Este filme chegou a ser proibido pela censura e

vida dos pobres, tinha diálogo com a estética

Juscelino

das chanchadas musicais e dos melodramas, o

Kubitschek. O filme sintetiza toda essa busca por

Cinema Novo veio com a visão do homem do

um cinema nacional que seja popular, que fala

campo, já que na perspectiva política da época,

do Brasil e que seja para os brasileiros,

acreditava-se que a Revolução Brasileira era

mostrando a nossa realidade nacional. Depois

nas comunidades semirruais e no meio rural.

foi

liberado

na

posse

de

O Cinema Novo

desse filme, cineastas cariocas e baianos simpatizaram com a proposta para o cinema brasileiro.

O golpe militar de 1964 ocorreu exatamente no

Nesta década os filmes se mantinham em uma

momento em que o cinema brasileiro vivia a sua

narrativa clássica, as histórias eram lineares,

fase mais diversificada e criativa, conquistando

eram

câmeras

até mesmo um amplo reconhecimento no

convencionais e aí chegamos à década de 1960.

exterior, o movimento assumiu então a tarefa de

os

recursos

de

levar as pessoas as contradições e utopias da realidade brasileira usando uma linguagem Artistas protestam contra a Ditadura Militar, sem data. Arquivo Nacional. Fundo Correio da Manhã

utilizados

ousada e inovadora, segundo a frase de Paulo César Saraceni, só era preciso “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. Milk-shake de $5 Pulp Fiction Ingredientes: - 01 fava de baunilha - 500g de creme de leite integral - 03 bolas de sorvete de baunilha - 01 colher (sopa) de leite em pó maltado - chantili a gosto para decorar Modo de preparo: Faça um corte longitudinal na fava de baunilha. Delicadamente passe uma faquinha pela sua extensão e raspe as sementes. Junte-as aos outros ingredientes e bata tudo no liquidificador. Sirva em um copo de Milk-shake e decore com chantili.

25


Com o golpe instalado essa revolução no

pelo messianismo, pelo cangaço e depois

cinema parecia iminente, os diretores ligados

termina sozinho, mas livre, correndo em

ao movimento e ao Cinema Marginal tentavam

direção ao seu destino. Outro sucesso é Vidas

compreender a modernização brasileira e toda

Secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963)

a violência que foi instalada, além do papel

baseado no livro de Graciliano Ramos e os

dos intelectuais e da classe média diante

Fuzis (Ruy Guerra, 1964) que conta a história

dessa

mais

de um grupo de soldados que deve proteger

Carlos

um armazém ameaçado por flagelados da

nova

representativos

realidade.

Os

nomes

nessa

época

são

(Cacá) Diegues, Ruy Guerra, Glauber Rocha,

seca nordestina.

David Neves, Joaquim Pedro de Andrade,

Como primeira resposta cinematográfica ao

Paulo Cézar Saraceni e Leon Hirszman. Entre

golpe veio o filme O Desafio (Paulo Cesar

1960 e 1964 grandes filmes foram realizados

Sarraceni, 1965) que narra às crises políticas e

em nome do movimento. Os primeiros filmes

afetivas de Marcelo e Ada, dois personagens

de Ruy Guerra e Glauber Rocha se inspiravam

emblemáticos

no neorrealismo italiano e na Nouvelle Vague

brasileira. Marcelo, um intelectual de esquerda

francesa. O movimento defendia um cinema

que não tinha um rumo e era apaixonado por

despojado, com personagens e imagens o

uma dona de casa burguesa que estava

mais naturais possível, fora dos grandes

entediada com a sua vida familiar e com a

estúdios. Deus e o Diabo na Terra do Sol é um

situação atual do país.

clássico de Glauber Rocha, seu segundo longa

Seguindo esse sentido, Terra em Transe

metragem estreou em uma sessão reservada

(Glauber Rocha, 1967) foi uma síntese mais

para críticos e amigos em 13 de março de

radical dessa revisão. O longa narra as

1964, o mesmo dia em que ocorreu o famoso

desventuras existenciais e políticas de Paulo,

comício de João Goulart na Central do Brasil,

um político e poeta de esquerda que em crise,

o filme é uma parábola sobre o processo de

percebe bem tarde que sempre serviu políticos

conscientização de um camponês que passa

oportunistas e traidores.

p Cena do filme "Deus e o Diabo na Terra do Sol" Reprodução/Cinemateca brasileira

26

da

juventude

de

esquerda


O texto desencontrado, imagens alegóricas, idas e vindas no tempo cronológico sem ter a preocupação de contar uma trama linear e realista é como uma ópera barroca sobre o país e o seu abismo histórico. Não podemos deixar de falar sobre o último plano do filme, onde vemos

Paulo

agonizando

com

uma

metralhadora na mão atirando a esmo, foi uma imagem alegórica e premonitória do que estava por vir nos anos de chumbo.

Censura e patrocínio estatal O Cinema Novo conseguiu um reconhecimento inédito para o nosso cinema, lançando filmes consagrados em festivais como Cannes e

Cena de A Margem Foto: Divulgação

Veneza. O Estado dominado pelos militares

aprofunda e muitos filmes são proibidos de

sabia que não podia sufocar completamente o

serem

cinema brasileiro, já que na época a grande

coproduzidos pela Embrafilme.

indústria de Hollywood dominava o mercado.

A Embrafilme surgiu como uma proposta

Era necessário apoiar a indústria do cinema e

de desenvolvimento de uma política cultural

para que não houvesse a radicalização nas

de um ponto de vista nacionalista, a

criticas ao regime havia a censura.

princípio, ela surge com o objetivo de

Como os cineastas mais reconhecidos eram de

distribuir e promover filmes brasileiros no

esquerda o regime começou a financiar as

exterior. De 1969 (seu surgimento) até

obras, mesmo não sendo uma expressão pura

1974, foi um momento de reconhecimento

da ideologia conservadora dos militares, a

de

Embrafilme desempenhou um papel importante

cinematográfico.

na conquista de mercado para os filmes. A

O impasse sobre como falar da experiência

censura não foi criada pela ditadura militar, ela

autoritária pela qual passava o Brasil foram

vem de bem antes, mas foi ampliada e

radicalizados

aprofundada nesse período.

Marginal”. Essa tendência trouxe grandes

A censura tinha problemas com proibir filmes

marcos como os filmes A Margem, de

que estavam fazendo sucesso no exterior, mas

Ozualdo Candeias, O Bandido da Luz

dificultava o quanto podia, classificando muitos

Vermelha, de Rogério Sganzerla e Matou a

filmes arbitrariamente como proibidos para

Família e foi ao Cinema, de Júlio Bressane.

menores de 18 anos ou impondo cortes que

Nesses filmes vemos a linguagem do

descaracterizavam totalmente a história.

humor, não havia personagens dignos e

Com o advento do AI-5, a ditadura fica mais

heroicos, todos tinham a aparência de

pesada e, consequentemente, a censura se

alucinados e impostores.

comercializados,

como

funcionava

pelo

mesmo

o

chamado

que

mercado

“Cinema

apro 27


As classes populares eram mostradas como grotescas,

Brasil

sugadas pelo sistema capitalista. Começamos a ver que

vincula-se ao desenvolvimentismo e

os heróis não eram mais o operário consciente, o

às formulações do ISEB - Instituto

militante abnegado de classe média ou o camponês

Superior de Estudos Brasileiros.

lutador,

Um órgão criado em 1955 no Rio de

mas

o

“marginal”,

o

artista

maldito,

o

dos

primeiros

anos

1960,

transgressor de todas as regras.

Janeiro vinculado ao Ministério da

Maioria Absoluta foi filmado em 1963 e finalizado em

Educação e Cultura para divulgação

1964, após o golpe militar. Foi proibido no Brasil até o

da

início dos anos 1980. Este filme documentário de curta

desenvolvimentismo

metragem de Leon Hirszman é um exemplo do que Jean-

ideológico voltado para uma evolução

Claude Bernardet chama de “Documentário sociológico”

industrial e capitalista do país, que

a tônica da maioria dos documentários brasileiros feitos

seria promovido por uma burguesia

durante a ditadura militar. O quadro ideológico no qual se

nacionalista e anti-imperialista cuja

insere o documentário sociológico diz respeito a que

ação integraria à nação os que eram

parte da produção cinematográfica e cultural em geral no

marginalizados da produção e do

pesquisa

sociológica. é

um

O

projeto

consumo. A produção cinematográfica apoiada nesse projeto ideológico não criticava a burguesia, a indústria, a cidade, sede

dessa

burguesia,

nem

o

proletariado urbano, tão pouco a fala das

ligas

camponesas:

volta-se

totalmente contra o nordeste “feudal” e vê o coronelismo como o grande entrave à modernização. O golpe de 1964

dissolve

o

pacto

com

o

desenvolvimentismo, pois revela que essa

burguesia

não

era

tão

nacionalista e anti-imperialista como se imaginava. Em 1969, Glauber Rocha ganhou o prêmio de melhor direção em Cannes com O Dragão da Maldade contra o Santo

Guerreiro.

Outro

diretor

consagrado é Nelson Pereira dos Santos que conseguiu realizar um dos mais importantes filmes da década, chamado Como era gostoso o meu Francês

(1971).

Se

Macunaíma

(Joaquim Pedro de Andrade, 1969) Maioria Absoluta de Leon Hirszman Foto: Divulgação

era uma interpretação tropicalista do an

28


E só em 1972 foi absolvido do caso, mas viveu com sequelas até o final da vida em 1978, quando faleceu com apenas 41 anos de idade. Ovo na cesta – V de Vingança Ingredientes: - 1 fatia de pão de forma; - Manteiga; - 1 ovo; - Sal e pimenta-do-reino a gosto.

Olney São Paulo Foto: Reprodução

Modo de preparo:

era uma interpretação tropicalista do anti-herói de Mário de Andrade, o filme de Nelson retoma um viés crítico em relação à tendência de abertura da cultura brasileira, o filme mostra alusões sobre a derrota política de 1964 além dos impasses da guerrilha de esquerda que

Com a boca de um copo, faça um buraco no meio do pão. Passe manteiga nos dois lados. Aqueça a frigideira (antiaderente, de preferência) com mais um pouco de manteiga. Coloque a fatia de pão e quebre o ovo dentro do buraco. Deixe fritar. Com o ovo ainda cru, coloque uma pitada de sal e de pimenta-do-reino. Quando o lado de baixo já estiver tostado, vire o pão com ovo. Adicione mais um pouco de manteiga. O tempo na frigideira vai depender do ponto desejado para a gema. Quanto mais tempo, mais durinha. Ah! Não desperdice o miolo do pão. Frite-o e coma-o também.

ocorria no país.

No

Manhã Cinzenta (1969) foi um filme muito pouco

cinematográfico

visto, mas sua repercussão foi terrível para o

“pornochanchada” abordando o tema da sexualidade

diretor Olney São Paulo, sem submetê-lo à

de uma forma mais questionável, do ponto de vista

censura, disponibilizando-o diretamente para

estético e dramático. Geralmente esses filmes eram

cineclubes e circuitos fechados de cinema que

produções muito baratas, com atores e atrizes

eram os locais típicos de exibição da produção

desconhecidos, muitos sem talento dramático, mas

documental durante a ditadura militar, pois não

com alguma beleza física e eram filmes feitos em

eram fiscalizadas.

estúdios improvisados.

Contudo no dia 08/10/1968 houve um sequestro

As histórias eram sempre variações do mesmo tema:

de um avião brasileiro pelo MR-8 (Movimento

estratégias de conquista amorosas, traição conjugal,

Revolucionário 8 de outubro) que o desviou para

relações entre patrões e empregadas e moças do

Cuba e um dos sequestradores era dirigente de

interior que se “perdiam” na cidade grande. Os

um cineclube e exibiu o filme em pleno vôo.

cineastas de esquerda e nem a censura oficial

Olney foi visto como alguém ligado ao sequestro

gostavam dessa estética, julgada como imoral pela

pela ditadura, foi preso e torturado.

primeira, e alienada e grotesca pelos segundos.

início

dos

anos

1970

surgiu

o

gênero

que

ficou

conhecido

como

29


Quando entramos na segunda metade dos anos

brasileira: Lúcio Flávio, o passageiro da agonia

1970,

pela

(1978) e Pixote, a Lei do Mais Fraco (1980). Os

Embrafilme consegue uma razoável penetração no

filmes mergulham na vida de marginais, adultos e

mercado

mais

mirins. Babenco construiu uma denúncia realista

interessante é que na época foi exercitada em várias

sobre o sistema carcerário e também sobre a lógica

produções uma interessante conjunção entre o

de

cinema

adolescentes

o

cinema nacional

mais

brasileiro, e

apoiado

internacional.

“industrial”

(filmes

O

que

eram

exclusão

e

violência

abandonados,

entre

crianças

produzida

e

pela

tecnicamente bem feitos com um grande esquema

desigualdade Socioeconômica.

de encenação) com o cinema de autor (filmes com

Quando chegamos perto do final do regime militar,

linguagem mais artesanal e pessoal). Isso fez com

o cinema brasileiro começou a construir uma

que houvesse uma reversão na tendência à falta de

memória fílmica da ditadura, principalmente os

público que o nosso cinema sofria.

filmes que eram ambientados nos anos de chumbo.

Seguindo esse sentido os filmes Dona Flor e seus

Pra Frente Brasil (Roberto Farias, 1982) foi um

Dois Maridos (Bruno Barreto, 1976) e Xica da Silva

marco para o cinema, o longa mostra com bastante

(Carlos

principais

realidade a tortura que um cidadão comum e

referências da época, principalmente Dona Flor e

inocente que foi confundido com um “terrorista” de

seus Dois Maridos, que na época, se tornou o filme

esquerda,

mais visto de todos os tempos. Mesclando erotismo,

paramilitares de direita. O longa causou muita

humor e figurinos luxuosos, as produções se

polêmica e foi por pouco que não sofreu censura.

tornaram grandes sucessos de bilheteria, até mesmo

Não podemos deixar de lado o cinema documental

pelo fato de sugerirem uma abordagem mais leve da

que foi muito importante para trazer uma reflexão

história dos costumes e problemas brasileiros.

sobre a ditadura, principalmente a partir dos anos

Analisando esses aspectos, vemos que sinalizavam

1980, tendo obras renomadas como Jango (Silvio

outro caminho para o cinema, bem diferente do

Tendler, 1984) e Cabra Marcado para Morrer

Cinema Novo e retomada, com um nível de produção

(Eduardo

sofisticada, a traição do humor e da “canchada”.

documentarista brasileira, completou “Para saber

Hector Babenco foi uma das grandes revelações dos

mais sobre os documentários brasileiros na ditadura

anos 1970. Argentino radicado no Brasil, realizou

é essencial a leitura do livro de Jean-Claude

dois filmes impressionantes mostrando a realidade

Bernardet: Cineastas e Imagens do Povo (1985)".

Diegues,

1975)

foram

as

ele

sofria

Coutinho,

muito

1984).

nas

Lilian

mãos

dos

Santiago,

social brasi

Elenco. O coquetel de lançamento de "Dona Flor e seus dois Maridos", no Iate Clube no Rio: Márcia Mendes (ao microfone), José Wilker e Sonia Braga 05/09/1975 Foto: José Vasco

30


Estudantes se manifestam contra a Ditadura Militar, Rio de Janeiro, 6 de agosto de 1968. Foto: Arquivo Nacional / Correio da Manhã.

Após a crise dos anos 1980 e o início dos anos 1990, os longas com temas ligados à ditadura voltaram a inspirar os diretores, não somente nos documentário, mas também na ficção, para lembrarmos como foi esse período e para que o povo lute para a história não se repetir.

31


PERFIL

Lilian e Alunos no Beco da Memória em Salto-SP Foto: Lilian Santiago/Arquivo Pessoal

LILIAN

Documentarista, Professora e Pesquisadora, Lilian colaborou em grandes produções como os documentários

SANTIAGO

premiados

Família

Alcântara

(2004) e Eu Tenho a Palavra (2011).

Lilian Solá Santiago nasceu em São Paulo – SP no dia 10 de janeiro de 1970; atualmente mora na cidade de Salto – SP. Professora, Bacharel em História, Mestre em Integração da América Latina, Doutorada em Meios e Processos Audiovisuais na Escola de Comunicação em Artes pela USP. Lilian contou que a sua primeira infância foi de criança de periferia de São Paulo nos anos 1970, havia muita brincadeira na rua, pipa, campinho e muitas crianças. Quando completou 8 anos de idade foi morar em um bairro mais de classe média, lá era o oposto do que viveu na periferia, sua rotina era ficar trancada dentro de casa e sair apenas para as atividades esportivas e aulas de música. Entre as suas lembranças mais fortes da infância eram as viagens e os encontros com a família. “Lembro das visitas a Goiás com minha mãe, ir para as cidades pequenas, fazendas, outras formas de vida diferente da urbana em que eu vivia. E da parte do meu pai, lembro da família bem negra no Vale do Paraíba, o cheiro de limpeza das casas. Sempre gostei de conhecer o jeito que outras pessoas vivem”.

32


Set Graffiti Foto: Lilian Santiago/Arquivo Pessoal

Foi ali mesmo na infância que o seu amor

para o primeiro filme que participou, na

pelo audiovisual surgiu, enquanto assistia

retomada – “Os Matadores” (1997) de Beto

muita TV e acompanhava os seus irmãos

Brant e produção executiva da Sara Silveira. A

mais velhos que já trabalhavam no meio. “Fui

partir daí foi trabalhar como assistente da

morar nas perdizes quando era pequena

Sara “fiquei um tempo como assistente dela,

porque era perto da TV Tupi, onde meus

com quem aprendi muito e me aprofundei na

irmãos trabalhavam. Um deles, o Samuel,

produção” depois foi trabalhar em outras

era apresentador de telejornal, uma época

produtoras

junto com a Ana Maria Braga. O outro,

projetos

Daniel, era da produção e eu acompanhava

começou a colaborar com o seu irmão Daniel

as gravações, conhecia equipe e elenco.

no filme “Família Alcântara”.

Mas quando participei pela primeira vez de

Assim como muitos, o início na carreira não foi

uma filmagem, ai foi paixão à primeira vista.

fácil “Não fiz escola de cinema e tudo que

Senti

aquilo

aprendi foi trabalhando. Então não pude

mesmo, queria estar ali. Foi uma figuração

experimentar outras áreas além da produção

que fiz no filme “Ao Sul do Meu Corpo”

e para conseguir dirigir documentários, tive

(Paulo César Sarraceni, 1981). Eu tinha 11

que ir atrás de captação de recursos,

anos e adorei a experiência”.

aprender fazendo com os erros e acertos”.

A carreira de Lilian começou fazendo estágio

Balé de Pé de Chão é um curta documental,

em

onde a Lilian teve a experiência de gravar

que

queria

produções

trabalhava,

trabalhar

onde

depois,

seu foi

com

irmão

Daniel

trabalhar

fazendo

culturais

e

desenvolvimento ao

mesmo

de

tempo,

em

Mercedes Baptista, bailarina e coreógrafa

pequenas produtoras de publicidade e vídeo

brasileira, foi a primeira negra a integrar o

institucional. Ela já conhecida os irmãos

corpo de baile do Theatro Municial do Rio de

Gullane (Caio e Fabiano) que a chamaram

Janeiro. Mercedes foi a grande responsável

pa

pe, 33


pela criação do balé afro-brasileiro, inspirado nos terreiros

de

candomblé

elaborando

assim,

uma

codificação e vocabulário próprio para essas danças. Lilian contou um pouco como foi essa experiência:

“Foi muito bacana desde a ideia, as parcerias que foram firmadas, foi um projeto que teve uma conjunção muito favorável para acontecer. Soube que Mercedes Baptista tinha criado a dança afro numa terça feira, quarta ela no Rio de Janeiro para a pesquisa do projeto. Mercedes já estava muito idosa e ainda teve dois derrames durante a produção, mas foi incrível o processo - conheci uma elite cultural e intelectual formada por negros e brancos interessados na cultura afro-brasileira, ativos desde os anos de 1940 no Rio de Janeiro que modificaram a história cultural do Brasil. A

Balé Foto: Lilian Sa/Arquivo Pessoal

consegui contato e no domingo já estava entrevistando

parceria com a pesquisadora Mariana Monteiro,

estava nas filmagens ainda só assinava a

estudiosa da dança e das manifestações afro-brasileiras,

produção executiva. Foi na montagem que

foi riquíssimo. É um pouco parecido com o ofício de

me tornei co-diretora do projeto - meu irmão

professor o de documentarista que vivi nesse filme e é

estava às voltas com quase 100 horas de

com o que mais gosto de trabalhar - a gente aprende sobre algo, reflete sobre aquilo e inventa uma metodologia para passar aquilo adiante, da forma mais didática e prazerosa possível."

material, para transformar em uma hora, e eu entrei de cabeça nesse processo de decupagem e roteirização desse material. Foi um árduo processo, onde vivi várias vitórias diante das mudanças tecnológicas

Família Alcântara foi o primeiro documentário que

que ocorreram durante sua produção, até

realizou junto com o seu irmão. Daniel conheceu a

chegar ao lançamento”.

Família Alcântara através da mídia e após décadas

O

como diretor de produção, fez um projeto de curta

resistência

metragem sobre o tema para participar de um concurso.

mesmo trazendo uma mensagem linda,

O projeto não ganhou, mas Lilian se apaixonou pela

Daniel ainda reluta em deixar o longa mais

história e propôs ao seu irmão para juntar esforços e

acessível.

realizar um longa-metragem.

“Eu queria muito fazer um upload no

"Me apaixonei pela história e propus para ele juntarmos

Youtube

esforços para fazer um longa-metragem, ou melhor um

acessível, mas meu irmão ainda se opões a

média para televisão, já que eu já tinha toda experiência

isso. Historicamente, Família Alcântra é

de elaboração de projetos e captação de recursos para

uma ocupação audiovisual, onde membros

o projeto, sempre paralelo a outros trabalhos. Enquanto

de uma família negra, eu e meu irmão com

estava nas

a

34

documentário na

para

mostra cultura

que

ele

uma

grande

Afro-Brasileira,

ficasse

mais


antepassados em Minas Gerais, fazemos um filme sobre

Junto com a Claudete de Souza Nogueira, em

pessoas negras de Minas Gerais, seus costumes e

Salto - SP idealizou o projeto Casa da

cultura. Tomamos em nossas mãos os meios de

Memória Negra. Já fazia um tempo que a

produção, para falar histórias de família, de união e

Lilian estava querendo trabalhar com cinema

pertencimento

São

expandido e documentário de exposição, e o

entrevistas, mas não com historiadores e especialistas,

que surpreendia ela é a onipresente narração

mas sim, com as pessoas que vivem aquela cultura, com

da história de origem italiana no Museu assim

uma iluminação bem cuidada, câmera estável, apuro

que chegou na cidade em 2010. Desde então

estético no fundo, ao contrário da ideia de “filmar pobres”

começou a trabalhar com o grupo de mulheres

reinante, com câmera na mão ou planos apertados

negras Nyotas

dentro das casas mal iluminadas. Ainda não vi nenhuma

material sobre a história negra local. Foi

crítica

quando apareceu a oportunidade de um edital

que

a

uma

coloque

cultura

essa

invisibilizada.

questão

histórica

da

e

pode

coletar

bastante

representação do negro que o filme traz.”

federal, ao mesmo tempo teve abertura no

E como muitas mulheres e pessoas do meio audiovisual,

Museu da Cidade na gestão do Rafael Barbi

Lilian sofreu vários desafios sendo uma diretora mulher

em 2016 que estava justamente modernizando

no Brasil.

o museu e buscando uma narrativa mais representativa da diversidade local, foi nesse

“São tantos, mas como diz o filósofo Zeca Pagodinho “se

momento que Lilian procurou a parceria da

eu for falar de tristeza meu tempo não dá!”. A questão

Claudete, historiadora local que já tinha um

do preconceito está em todos os lugares no Brasil, um

livro sobre a memória negra em Itu para

país onde os descendentes de negros saíram da

balizar a pesquisa história.

escravidão há quatro gerações com a mão na frente e

Este incrível projeto está a quatro anos em

outra atrás. Onde a política do branqueamento clareia a

exposição no Museu da Cidade de Salto localizado na Rua José Galvão, 104 no centro

pele das pessoas a cada geração, ao invés de valorizar a

da cidade e desde 2019 começou a se

identidade negra a apaga constantemente”.

desdobrar no “Café com Pretos” um café da

Casa da Memória Negra Foto: Lilian Santiago / Arquivo pessoal

manhã coletivo e sarau que acontece no segundo domingo de cada mês no terreno da Casa da Memória Negra de Salto.

Através do QR Code você pode conferir as duas versões de Balé de Pé no Chão, de 15 e 52 minutos e outras grandes produções.

35


“É fundamental para quem quer fazer cinema acreditar nisso e construir criativamente sua trajetória, planejando como trabalhar, onde e com quem. Não saem anúncios para trabalhar nessa área. É preciso fazer amigos, achar sua turma, sempre ser proativo, colaborativo, na atividade que for fazer, porque o seu colega hoje, pode ser quem te indicará para o contratante de amanhã. Nunca sabemos de onde virá a indicação de nosso trabalho, então é importante sempre trabalhar mais que corretamente, ser um colaborador de fato. E também, querer muito contar histórias, tem que querer, gostar muito, para se aprimorar e se especializar nisso com alegria. Se isso for seu desejo, as coisas vão acontecer.”

Lilian Solá Santiago Foto:op/ Lilian Santiago / Arquivo pessoal

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FOTO REPORTAGEM

EQUIPE DE

Equipe do Acorde Foto: Barbara Schreurs

CINEMA

O curta Acorde foi produzido por estudantes de Cinema do CEUNSP (Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio) e nos mostram que realizar um filme não é uma tarefa fácil. As gravações do Curta Metragem Acorde foram realizadas nas duas últimas semanas de junho 37 de 2018 tendo a sua primeira exibição no 5° Festival Curta Salto (12, 13 e 14 de novembro de

2018) onde recebeu o prêmio de Melhor Montagem e pelo Três Marias Awards recebeu duas premiações: Melhor Montagem e Melhor Trilha Musical. Sabemos que ser estudante de cinema no Brasil não é algo fácil, Mikael Claro, diretor do Acorde conta um pouco da dificuldade que foi em realizar um curta quando era um estudante de Cinema: “A falta de recurso. É preciso alugar equipamentos, dificilmente você tem apoio porquê ninguém quer colocar “grana” na mão de estudante de cinema para fazer algum curta que não vai dar retorno nenhum a empresa.Você vai pedir para uma marca ou uma loja para você colocar a logo em seu curta 37


em seu curta em troca de apoio e ela vai

recursos, mas isso acaba levando a gente a

acabar não tendo retorno nenhum porquê

descobrir outros meios de conseguir realizar

geralmente essas coisas são locais e mesmo

essas coisas e acaba dando tudo certo, no

sendo

caso deu certo.”

exibido

para

muitas

pessoas

dificilmente vai chegar até eles.

Estudar cinema não é necessariamente

Eu imagino que as pessoas que apoiem,

para que você faça filmes, também serve

apoiem justamente para ter esse sentimento

para você pesquisá-los, arquivá-los, criticá-

de que - estou ajudando o cinema a ser

los e entendê-los. Um “filme” pode ser

realizado, mas em contrapartida, tem muitas

chamado

pessoas que querem ajudar, um exemplo foi a

imagens que estejam em movimento tendo

gravação do Acorde, gravamos em uma

em sua sincronia som e que acima de tudo,

praça, onde foi gravada a cena do ônibus, o

conte uma história. Independente do seu

pessoal do bairro resolveu ajudar, a galera

tamanho ou equipamentos utilizados, o

começou a limpar o lugar, pediam silêncio, as

desafio é o mesmo, contar uma história e de

crianças ajudaram a balançar o ônibus que

alguma forma encantar o seu telespectador,

inclusive conseguimos um com a prefeitura.

para isso é importante entender as funções

Então, eu acho que a dificuldade é a falta de

dentro de uma equipe.

recursos,

Equipe do Acorde e Crianças do Bairro Foto: Barbara Schreurs

38

de

qualquer

sequência

de


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Morador do bairro Foto: Barbara Schreurs


DIREÇÃO O diretor é uma peça importante dentro de um filme, é ele que vai dirigir o filme, além da sua responsabilidade ele precisa ter controle de todo o seu projeto. O diretor conhece os detalhes do roteiro, possui a capacidade de ver a imagem de cada plano é um conjunto que dará muito significado a sua obra. O

diretor

pode

ter

02

assistentes,

o

assistente tem como função conhecer o roteiro muito bem, ele é capaz de dizer quais são os atores, qual a cena que será gravada e até mesmo qual a intenção dramática que vai ser rodado. O 1AD também tem como função de não deixar o diretor esquecer da linha narrativa do filme, isso faz com que o filme não perca detalhes que podem se tornar incoerentes. Já o 2AD tem como principal função ter o cuidado com a continuidade, ou seja, ele fica atento em cada plano para que as gravações tenham as características de figurino, cenário, iluminação etc.. Se a produção for muito grande ainda pode Mikael Claro Foto: Barbara Schreurs

ocorrer de ter um 3AD e continuísta.

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PRODUÇÃO E FOTOGRAFIA Sem o produtor não há um andamento prático do filme, a equipe de produção se caracteriza pelas principais funções: Produtor; Produtor executivo; Diretor de produção. O

diretor

de

produção

é

quem

vai

gerenciar

as

necessidades práticas do filme, ou seja, ele vai entrar em contato com as locações, locadora de equipamentos, equipe técnica etc. sua função é sempre encontrar a melhor opção para alcançar o resultado que o diretor deseja. Além disso, ele também recolhe de cada diretor a lista do material necessário para que cada função consiga preencher as suas necessidades. O diretor de produção vai montar um orçamento e passará para o Diretor executivo que é o responsável por administrar a verba disponível, ele sabe todos os custos do filme para direcionar melhor a produção. Tendo a aprovação do diretor executivo o diretor de os itens necessários. Ele também possui a tarefa de sentar com o diretor e assim organizar o cronograma da filmagem sempre zelando para que ele seja cumprido, ele também deve conhecer o roteiro para que possa avaliar todas as condições e as ordens de filmagem, caso ocorra algum inconveniente durante as filmagens ele poderá substituir a ordem. Já o diretor de fotografia vai ser o responsável pela imagem do filme. Todo o resultado estético do filme quando se diz respeito à imagem captada e de realização, criação e

Mariana Si Fé e Jahir Zin Foto: Barbara Schreurs

produção mobiliza a sua equipe para correr atrás de todos

concepção dele junto com a sua equipe. O diretor de fotografia participa das reuniões de pré-produção junto com o diretor de arte, produtor e diretor do filme. Assim ele consegue saber as diretrizes estéticas e consegue designar os melhores materiais, equipamentos e técnicos para que o resultado seja o mais condizente possível com a proposta dada para o filme. O diretor de fotografia também pode contar com assistentes.

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Larissa Forchetto e Mikael Claro Foto: Barbara Schreurs

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ARTE Existem muitas funções adjuntas com a equipe de arte, por isso podemos dizer que ela costuma ser maior que as demais, em geral a equipe de arte é composta principalmente por: Maquiagem; Figurino (fica responsável pelos acessórios e roupas que os atores irão utilizar); Adereços (objetos de cena); Cenografia (fica responsável pelas preparações das locações e ou os cenários em estúdios). Existem técnicos especializados em cada função, cada responsável está subordinado a uma concepção de estética geral que é administrada pelo diretor de arte. A partir de todas as idéias do diretor, é o diretor de arte que vai desenvolver uma cor e estética que servirá como guia e dará as diretrizes para cada proposta de linguagem e cena.

SOM A equipe de som fica responsável pela captação em duas

Diego Rafael; Gezez Telles; Jade Nogueira; Sara Lee e Lucas Heck Foto: Barbara Schreurs

maneiras, a primeira é pela captação do som direto, que nada mais é que o som gravado no exato momento da filmagem. A segunda maneira são os sons que são feitos na pós-produção onde pode ser a gravação da recriação dos ruídos ambiente e também da dublagem dos atores.

EDIÇÃO E MONTAGEM A montagem nada mais é que a hora de colocar todos os planos filmados de maneira que se torne uma continuidade, o editor tem o trabalho de colocar todos os planos filmados e elementos em ordem seguindo o roteiro.

Você pode conferir o curta Acorde através do QRCode

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Larissa Forchetto, Jade Nogueira e Leonardo Kayan Foto: Barbara Schreurs

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O que eu sempre falo para o estudante de cinema, o que eu sempre falo quando a galera que está falando de começar a produzir é - faça as coisas! Não dependa de faculdade, não dependa de nota, não dependa de recompensas, se você quer fazer um curta, se quer contar uma história, dirigir, fazer fotografia, qualquer coisa, faça! Chama os amigos, você não precisa de dinheiro, a gente fazia nos finais de semana na república curtas que a gente simplesmente pegava a câmera, chamava meia dúzia de amigos e cada um fazia uma função. A gente gravava um curta em um dia, então se você quer contar uma história, quer fazer, faça, não é a coisa mais difícil do mundo, porquê a gente tem muitos tipos de recursos, se você não tem câmera tem o celular, todo mundo tem celular com uma qualidade razoável, com isso você grava o som e você não precisa pensar que você vai colocar em um festival, que você vai mandar para o Oscar, você pode fazer simplesmente por fazer, por querer treinar, por querer gravar, simplesmente pela vontade de fazer um curta, de fazer uma gravação acontecer, então essa é a minha consideração final, se você quer fazer alguma coisa relacionado ao cinema, faça, não fique esperando a oportunidade cair em seu colo porque não vai cair, só vai acontecer se você realmente for atrás e começar a fazer.

MIKAEL CLARO Foto: Barbara Schreurs

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COLUNA

SESSÃO DE

DESCARREGO Bacurau ecoa Glauber Rocha e Tarantino num filme de resistência e catarse. "Como um objeto não identificado”, anuncia Gal na canção tropicalista que abre o filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. E é mesmo isso, não? Um OVNI que emerge deste Brasil disfuncional – avesso ao cinema e à cultura, hostil aos intelectuais – para arrebatar o júri do Festival de Cannes, trazendo um prêmio inédito para nossa arte. Mais anacrônico, impossível. Bacurau é ainda um murro no estômago de realismo, com um pé no Cinema Novo de Glauber, daquele país de que os camisas-amarelas não querem nem chegar perto, de rostos que lembram o chão seco do sertão, da diversidade (puta, travesti, bandido bom e bandido ruim) que falta aos bares mais progressistas do Sudeste – que mais a idealizam que a vivenciam. E é, ao mesmo tempo, alegoria: seus personagens são seres mitológicos, simbólicos da luta de um bem impuro, maculado, contra – este, sim – o mal absoluto. Bacurau é um filme de gênero, mas mais ainda é um filme de gêneros. Seu faroeste sertanejo, que revisita Os Sete Samurais de Akira Kurosawa – com a mesma estrutura de uma vila acuada que resiste ao ataque de um grupo externo – é também ficção científica e flerta até com o terror. Para quem não o viu (veja!), segue o argumento: uma vila matriarcal, no interior do Pernambuco, localizada especificamente no meio do nada, comec

começa a sofrer assassinatos misteriosos, dos quais não há autor visível. Pelo menos na primeira parte do filme. Depois, descobrimos, os tiros partem de um grupo de gringos de classe média alta, que faz preparativos para um safári humano: um ataquesurpresa aos moradores do vilarejo, numa espécie de competição para ver quem mata mais daqueles brasileiros esquecidos por Deus, pela política e pela geografia. Só que, os gringos não desconfiam, corre sangue cangaceiro nas veias desses homens e mulheres fortes. O clímax é um banho de sangue que poderia estar num filme de Quentin Tarantino. Repare em como o diretor americano tenta corrigir a história, num revisionismo catártico: Hitler queimado vivo por uma judia vingativa, Sharon Tate salva dos fanáticos da família Manson. Em Bacurau, a revanche é contra a aliança entre os interesses internacionais e o bullying histórico dos nossos próprios políticos. O prefeito que só aparece na vila para pedir voto deixa a região sem água encanada. E zela mais pelo turismo psicopata dos estrangeiros que por qualquer necessidade de seus eleitores. Difícil não vibrar quando, ao fim do massacre, esse político ouve de um senhor – homem negro de seus 60 anos, uma liderança local: “A gente está sob [efeito de] um poderoso psicotrópico. E você vai morrer”. Sim, esse bangue-bangue anticlássico é também psicodélico. E uma delícia de assistir. Alexandre Carvalho é crítico de cinema da revista Aventuras na História e editor de especiais de cinema da revista Superinteressante. Autor de Freud – Para entender de uma vez (Editora Abril) e Inveja – Como ela mudou a história do mundo (LeYa). Foto: Divulgação / Vitrine Filmes

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