MANIFESTO BI[S]

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AGRADECIMENTOS A CARMO OSUL JUAN LUIS TOBOSO

ANDRÉ DA FONSECA

produtora - maus hábitos - espaço de intervenção cultural professor

ESAP

ARTES PLÁSTICAS E INTERMÉDIA

PROF JUAN LUIS TOBOSO

2016 17

2017 06 13


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i. introdução ii. enquadramento ii.i. o manifesto – definição e referências históricas ii.ii. a importância de um manifesto no século XXI ii.iii. queer na arte ii.iv. surgimento de BI[S] e a sua importância na atualidade iii. MANIFESTO BI[S] iii.i. sinopse iii.ii. sequência da performance iii.iii. elementos/materiais utilizados e a sua simbologia/significado iii.iv. disposição do espaço da performance iii.v. proposta de exposição iv. bibliografia v. fotografias vi. experiências (esboços, desenhos, fotografias, anotações)

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MANIFESTO BI[S] surgiu a partir de anteriores experimentações acerca do queer na arte e de múltiplas tentativas da criação de uma identidade pessoal e plural no mundo da arte - BI[S] - que anteriormente surgia de formas múltiplas explícitas numa disfora de género ou sexo de artista/pessoa, da não-assinatura ou da assinatura a partir de “Mateus d’Eromenos”, DA FONSECA ART”, “ME + THE WORLD”, “I’M A CHILD”, “DON’T KNOW WHO i AM”. Em projetos realizados no semestre passado tais como SEJM no qual houve a elaboração de uma instalação movida (performance) que simultanemante era uma exclamação de mim mesmo como membro da comunidade LGBTQI+ como também o convite a seis pessoas integradas numa abertura da mente relativa ao mundo queer. A crítica a valores tradicionais passou a estar adjacente em todo o processo de criação, a inspiração vai além de referências pessoais e mesmo além de referências históricas, torna sim algo pessoal em coletivo, e o coletivo em pessoal, e a descontrução da mesma categorização dual. BI[S] é algo que sempre existiu e que somente agora descobri. Não existiu nem existe somente em mim, mas em todos nós - todes, tod@s, todxs, all, tous, tudo, S = 8 - o além da oposição em rumo à gradação. BI[S] existe para transformar.

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o manifesto – definição e referências históricas MANIFESTOS

MANIFESTO MANIFEST MANIFES MANIFE MANIF MANI MAN MA M Vicente Huidobro, MANIFESTOS manifest, 1925

Tomando a palavra “revolução”, por exemplo. Como um conceito pré-moderno apontado para trás, “retrocedendo”, ou para movimentos cíclicos

recorrentes, como em “Das revoluções das esferas celestes” (“Copernicus’s On the Revolutions of the Heavenly Spheres”), ou na “Enciclopédia do Iluminismo Francês” (“French Enlightenment Encyclopédie”), em que a entrada principal refere-se a relógios e relojoaria. Só depois de 1789, a “revolução” tornou-se uma porta para o futuro... Göran Therborn, From Marxism to Post-Marxism?, 2008, p.129 (tradução livre)

Segundo Virginia Woolf, aproximademente no mês de dezembro de 1910, “o caráter humano mudou”. A explicação reside na

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apoderação do modernismo no início do século XX. Tal como o manifesto que pode ser datado no dia 20 de fevereiro de 1909, aquando a publicação de A Fundação e o Manifesto Futurista, escrita pelo Filippo Tommaso Marinetti, na primeira página do jornal francês Le Figaro, assim, o manifesto começou com seriedade que não só anunciou um novo movimento, mas também principiou uma nova tendência, um novo género, uma aventura no campo da expressão artística, como também em movimentos sociais, ecológicos e políticos que surgem posteriormente. Em 1848, Karl Marx e Friedrich Engels criaram o seu próprio: Manifesto Comunista que tornou-se o manifesto do período moderno, “o arquétipo de um século de manifestos e movimentos modernistas a vir”. O Manifesto Comunista é, antes de mais, um manifesto político - um apelo à revolução:

Os comunistas rejeitam dissimular os seus pontos de vista e objetivos. Eles declaram abertamente que os seus fins podem ser alcançados apenas

pelo derrube forçado de todas as condições existentes. Deixar as classes dominantes tremerem numa revolução comunista. Os proletários não têm

nada a perder senão as suas cadeiras. Eles têm um mundo para ganhar.

TRABALHADORES DO MUNDO, UNI-VOS! Manifesto Comunista, p. 258 (tradução livre)

Não tardaram a surgirem manifestos posteriores ao Manifesto Futurista: o Manifesto Dada escrito por Hugo Ball, publicado pela Dada soiree a 14 de julho de 1916; Manifesto Dada escrito por Tristan Tzara, em 1918; Manifesto Dada Canibalista por Francis Picabia, em 1920; Manifesto Surrealista por André Breton, em 1924; Manifesto da Arte Concreta em 1930 escrito por Theo van Doesburg; Manifesto Branco escrito pelo Lúcio Fontana, em 1946; Manifesto Gutai, em 1954, pelo Jirō Yoshihara; Arte Auto-Destrutiva por Gustav Metzger (1959, 1960, 1961); Manifesto Fluxus, escrito em 1963, por George Maciunas; As Leis dos Escultores por Gilbert & George, em 1969. Na década 60, aconteceram, de facto, acontecimentos que vieram a transformar o mundo, desde a eleição de Kennedy, em 1960, nos EUA, à esperança revolucionária de Fidel Castro em Cuba, a viagem de Gagarine ao espaço, e entre outros acontecimentos onde a ideia de revolução que pairava ora na América como na Europa, inclusive na China. Mas também acontecimentos trágicos como o assassinato de Martin Luther King em 1968, a revolução de Maio de 68, e circunstâncias de desigualdade que imperavam que levaram ao surgimento de movimentos pela luta dos direitos dos cidadãos negros, das mulheres – feminismo (que acaba por estar presente, por exemplo, no manifesto Women’s Art A Manifesto escrito pela Valie Export, em 1972), dos homossexuais, ecológicos, hippie. Nos anos 80’s, surgiram ainda manifestos como o Manifesto Ciborgue, escrito pela Donna Haraway, em 1983; e The Empire Strikes Back: A Posttranssexual Manifesto, escrito pela Sandy Stone, em 1987. Donna Haraway criou o seu manifesto em torno da imagem do ciborgue que é um “organismo cibernético, híbrido entre máquina e organismo (máquina e animal), uma criatura de realidade social e também uma criatura de ficção”, destruindo desta forma a “fronteira entre a ficção e a realidade social” que ela a carateriza sendo uma ilusão ótica. Para ela, o conceito de biopolítica de Michel Foucault “não passa de uma débil premonição da política-cibourgue – uma política que nos permite vislumbrar um campo muito mais aberto”. Referindo ainda que “no final do século XX (...) somos todos quimeras, híbridos – teóricos e fabricados – de máquina e organismo; somos, em suma ciborgues (...) uma imagem condensada tanto da imaginação quanto da realidade material (...) uma criatura de um mundo pós-género”, propondo-se uma reestruturação da natureza e da cultura, onde “uma não pode mais ser o objeto de apropriação ou de incorporação pela outra”, e onde igualmente a fronteira entre o humano e o animal deve estar completamente rompida, tal como a fronteira entre o físico e o não físico é muito imprecisa para nós, uma vez que “a maquinaria moderna é um deus irreverente e ascendente, arrmedando a ubiquidade e a espiritualidade do Pai” tal como o “ruído atômico (é) a interferência suprema nas partituras nucleares”. Ela alerta ainda para as falhas presentes nos nossos sistemas, onde está presente a cultura da apropriação e do reacionário, em vez de uma reconstrução e do revolucionário, onde ela escreve «Não conheço nenhuma outra época histórica na qual tenha havido uma maior necessidade de unidade política, a fim de enfrentar, de forma eficaz, as dominações de “raça”, de “género”, de “sexualidade” e de “classe”.». Anos mais tarde, em 2002, Paul B. Preciado escreve o “Manifesto Contra-Sexual”, no qual faz uma reflexão sobre a política da

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sexualidade e dos géneros no campo do feminismo como também no da filosofia francesa e das teorias contemporâneas do corpo e da performance, tendo em conta a corrente pós-feminista de Judith Butler, Sedwick, Moraga, Haraway, entre outras. No seu trabalho, “a descontrução contra-sexual (...) rompe com toda uma série de binómios opostos: homosexualidade/heterossexualidade, homem/mulher, masculino/feminino, natureza, tecnologia” que são enganosos. Deste modo, através do termo marginalizado de “dildo”, Preciado reorganiza todo “um conjunto de textos e técnicas em redor da produção da identidade sexual”, no qual: Não necessitamos de uma origem pura de dominação masculina e heterossexual para justificar uma transformção radical dos sexos e dos géneros. Não há razão histórica susceptível de legitimar as mudanças em curso. A contra-sexualidade «is the case» (“é o caso»”) Beatriz Preciado, Manifesto contrassexual, p. 20 O género é principalmente protésico, ou seja, não se dá senão na materialidade dos corpos. É puramente construído e ao mesmo tempo inteiramente orgânico. Escapa a falsas dicotomias metafísicas entre o corpo e a alma, a forma e a matéria. O género se assemelha ao dildo. Porque os dois passam da imitação. A sua plasticidade carnal destabiliza a distinção entre o imitado e o imitador, entre a verdade e a representação da verdade, entre a referência e referente, entre a natureza e o artificial, entre os órgãos sexuais e as práticas sexuais. O género pode ser uma tecnologia sofisticada que fabrica os corpos sexuais. Beatriz Preciado, Manifesto contrassexual, p. 25 A sociedade contrassexual é apagada das dominações «masculino» e «feminino» correspondentes. Beatriz Preciado, Manifesto contra-sexual, p. 29 (...) considerar o género... como... uma atuação, por assim dizer, o que é intencional e performativo, onde a própria performativa carrega o duplo significado de dramático e não-referencial. Judith Butler, Performative Acts and Gender Constitution: An Essay in Phenomenology and Feminist Theory,1990, p. 272-273

ii.ii.

a importância de um manifesto no século XXI Um manifesto “contemporâneo” talvez possa ser percebido como um chamamento naïvely otimista para a ação coletiva, enquanto vivemos num tempo que é mais atomizado e tem muitos menos movimentos artísticos coesos. E, no entanto, parece haver um desejo urgente de uma mudança radical que nos permita propor uma nova situação, para nomear o início da próxima possibilidade em vez de apenas olhar para trás. Hans Ulrich Obrist, Manifestos for the Future (tradução livre)

O que Obrist propõe é aquilo que ele abordou no Manifesto Marathon, que ele classifica como um “congresso futurológico”, durante dois dias, 18 e 19 de outubro de 2008, apresentado no Pavilhão da Galeria Serpentine no parque Kensington, em Londres. Onde estiveram dezenas de artistas como Marina Abramovic, Gilbert & George, Rasheed Araeen, Terence Koh, Paul Chan, Tino Sehgal, Yoko Ono, Ben Vautier, a dançarina Yvonne Rainer, até mesmo designers como Vivienne Westwood. O evento que foi definido como urgente focou-se nos seguintes aspetos: “As vanguardas históricas do início do século XX e os neoavant-gardes nos anos 60 e 70 criaram um momento de manifestos radicais.”; “Neste momento, há uma reconexão ao manifesto como um documento de intenção poética e política.”; “Esta é uma declaração de vontade artística e de novo-encontrado otimismo.”; “Novos modos de publicação e produção são um meio para distribuir ideias sob a forma de textos, documentos e panfletos radicais.”.

Eu pensei que o século XXI seria, esperançosamente, mais como um diálogo, mais como uma conversa, e talvez isso em si é um tipo de

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de manifestação ou qualquer coisa. Estou muito cuidado em usar mesmo essa palavra. Eu só acho que o século XX foi tão seguro em si mesmo, e espero que o século XXI seja menos seguro. E parte disso é ouvir o que as outras pessoas dizem e entrar em diálogo, para não se levantar e declarar a sua intenção imediatamente. Tino Sehgal, em “Manifesto Marathon”, 19 de outubro de 2008

Já para Tom McCarthy revelou que a certeza do manifesto ainda tem um certo charme: O que me interessa sobre o manifesto é o seu formato extinto. Ele pertence ao início do século XX e a sua atmosfera de agitação política e estética. O bombástico e a agressão, o impulso meio-apocalíptico, meio-utópico, a seriedade - todos os artifícios retóricos do manifesto parecem anacrônicos agora. Essa mesma razão para isso é convincente, na forma de uma roda de bicicleta partida para Duchamp. As coisas que não trabalham têm um grande potencial. Tom McCarthy, em “Manifesto Marathon”, 19 de outubro de 2008

queer na arte

ii.iii

Homens têm vindo a fazerem performance como mulheres desde as tragédias gregas, passando pelo teatro de Shakespeare e pelas óperas barrocas. O termo drag queen foi pela primeira vez usado para descrever o homem que vestia-se em roupas de mulher na língua Polari – um tipo de calão britânico usado maioritariamente por homens gays ou pela comunidade teatral nos finais do século XIX e no século XX, contudo “extinta”, ou cada vez mais raramente usada. Atualmente, no popular programa televisivo RuPaul’s Drag Race, na Conchita Wurst vencedora da Eurovisão anos atrás, em clubs em Londres, Nova Iorque, Los Angels e muitas outras cidades em todo o mundo, incluindo em países como Portugal, onde existem drag shows. Recentemente, drag foi identificado como uma influência em grandes exposições como a Bienal de Whitney em Nova Iorque, programas de performance como Contemporary Drag no NADA em Nova Iorque, na exposição Queer British Art no Tate Britain, na presença do Museu Schwules, em Berlin, aberto desde 1985, no Museu de Arte Queer em Atenas, no Leslie-Lohman Museu de Arte Gay e Lésbica. Ao longo da história, muitos artistas famosos documentaram a prática de drag. Andy Warhol filmou drag queens como Candy Darling e Mario Montez. Chales Atlas filmou o famoso Leigh Bowery, Nan Goldin fotografou drag queens em Boston. Rróse Sélavy, o alterego feminino de Marcel Duchamp, que fez a sua primeira aparência em 1920 quando o nome surgiu de Eros, c’est la vie (Eros, isto é a vida). Ela apareceu em retratos fotografados por Man Ray. De forma similar, Claude Cahun criou o alterego masculino do surrealismo Lucie Schwob. O coletivo Chez Deep realizou, em 2011, uma performance com os artistas Alexis Blair Penny, Cody Critheloe, Colin Self e Mykki Blanco. E em 2014, o artista Spencer Sweeney levou-os até Glasgow para uma performance no espaço de galeria do Instituto Moderno. A 31ª Bienal de São Paulo trouxe também a exposição Deus é Bicha (Dios es marica) que reúne quatro artistas ou coletivos: Sergio Zevallos (Grupo Chaclacayo), no Peru; Nahum Zenil, no México; a dupla Yeguas del Apocalipsis, constituída por Pedro Lemebel e Francisco Casa, no Chile; e de Ocaña, na Catalunha. As suas práticas artísticas empregavam a teatralização do género, o travesti e a paródia de imagens associadas à religião e à história cultural e política, numa tentativa de subverter os códigos da tradição católica, como resposta à exclusão e marginalização dos corpos, desejos e sexualidade não-normativas administrados pelos discursos nacionais, religiosos e militares.

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ii.iv

a importância de BI[S] na atualidade

Vivemos num mundo dual, dualizado e dualizador, composto por opostos e oposições, o bom e o mau, o pensar e o sentir, o correto e o incorreto, a esquerda e a direita, o campo e a cidade, o sagrado e o profano, a racionalidade e a irracionalidade, o homem e a mulher, o forte e o fraco, que fraco é tão fraco que é forte a estar oposto ao forte, tal como a maioria e a minoria, que minoria é minoria que menor é o patamar oposto à maioria. BI[S] é algo além do dual, mostra que existe algo mais do que todas estas oposições que tentamos estabelecer, existe o [S], que traz o 3º que o próprio B é feito do 3, e existe o espaço entre as duas letras BI, tal como entre as duas palavras opostas, que evidencia o spectrum existente que é omitido inúmeras vezes, e inúmero é senão o [S] que é o [8]. Assim, BI[S] = 3![8]. BI[S] é a nostalgia das revoluções dos anos 60s e 70s, numa tentativa de olhar para o passado, de forma a refletir a evolução dos tempos, que pode ser um retrocesso em muitos aspetos, assim, BI[S] é simultaneamente, o passado/antes e o agora/aqui, como também o futuro/acolá, onde há um apontamento para uma perspetiva futurística de um mundo sem género - pós-género – desconstruindo as definições que limitam a nossa mente, dado que BI[S] provém de uma omissão que expande. BI[S] é também uma instância ao indivíduo coletivo, uma junção do bem-pessoal e do bem-comum, da interligação da psicologia e da sociologia, que não podem serem apartadas, se por um lado a globalização permitiu-nos a união, por outro levou-nos à individualização levada pela supremacia do capitalismo, ao egocentrismo como também ao egoísmo, a um mundo dominado pelo me, myself and i. BI[S] não intende um manifesto que restrinja, nem que seja totalmente convincente em si mesmo, mas sim partir de um discurso pessoal para o coletivo, como também da observação do coletivo para a transformação do mesmo, do coletivo para o pessoal, e, ainda, do pessoal para o pessoal. Ou seja, Pessoal > coletivo Coletivo > coletivo Coletivo > Pessoal Pessoal > Pessoal Pois, Todos somos indíviduos coletivos.

Mickey Mahar and Miguel Gutierrez | © Eric McNatt Photo

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Chez Deep | © Dazed

Don’t Kiss Me by Claude Cahun | © Strange Flowers

Colin Self no MoMA PS1

Sergio Zevallos (Grupo Chaclacayo) | © Pantagruel 9


MANIFESTO

BI[S]

iii.i.

sinopse

A performance consiste na declaração do MANIFESTO BI[S], num espaço escuro, apenas com luz azul e rosa, onde o fruidor artístico forma uma oval em torno de BI[S], eliminando as barreiras entre artista-público. A performance, de caráter queer, tem uma duração de cerca de 30 minutos, onde BI[S] proclama o manifesto, age e transforma, quer por uma transformação a nível individual como em coletivo, como também por uma transformação da própria palavra BI[S] através da reprodução de um som experimental gravado em conjunto com os Von Calhau!. BI[S] não tem género, não tem sexo, não tem raça, não tem nacionalidade, não tem classe social. BI[S] existe e está dentro de todos nós. BI[S] é o ciborgue que Donna Haraway reporta no seu Manifesto Ciborgue. BI[S] é simultaneamente o dildo que Paul B. Preciado revela no Manifesto Contrassexual. BI[S] é uma interjeição, algo que se repete, um termo curto para bissexuais e para bitch. BI[S] é uma cri-ação fora da dualidade. Esta performance pretende estabelecer também uma ligação com os manifestos escritos e declarados durante o século XX, todavia com uma iniciativa de olhar para o futuro, ou para o presente, para o “contemporâneo” e verificar a urgência de uma ação, principalmente de uma ação que una o individual e o coletivo, face aos tempos atuais.

iii.ii.

sequência da performance

MANIFESTO BI[S] é composto por 4 poemas, escritos ora na língua portuguesa ora inglesa, contendo o versículo 3:8 do livro Apocalipse da Bíblia traduzida na língua Polari, e ainda 10 mandamentos. No início, BI[S] encontra-se sentado a visualizar o público a entrar, alterando a situação recorrente onde o público é somente um voyeur, deste modo, o artista toma uma posição passiva e o público ativa, ou simultaneamente observadores e “atores”. Simultaneamente está presente o som experimental com duração de 5 minutos. Quando o som acaba, BI[S] levanta-se e vai em direção ao microfone colocado no centro da sala juntamente com um tripé onde estão colocadas as folhas do manifesto e onde um foco lhe é direcionado, permitindo a sua visualização como também um mote irónico à centralidade teatral. Dá-se a primeira leitura do poema BI[S] é o ilimite. Posteriormente, o som com duração aproximada de 2 minutos, em que BI[S] com o microfone na mão comunica através da sua voz com o som, e aproxima-se das pessoas presentes, convidando-as a que usem a sua voz, que exclamem! Quando terminado o som, dá-se a segunda leitura do poema B is, depois o som, a terceira leitura designanada por .|. is i, som, a quarta leitura BI[S], som, a leitura do versículo e dos 10 mandamentos.

iii.iii.

elementos/materiais utilizados e a sua simbologia/significado

A máscara e os cornos A máscara foi criada através de camadas de pasta de papel (água e cola juntas e papeis de jornais) num molde feito de espuma XPS. Quando seco, foi-lhe acrescentado gel de textura arenosa (sand texture gel) da Winsor & Newton com espátula e pincel juntamente com médium

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brilhante (gloss medium) da Daler Rowney. Depois, foi colocado gesso acrílico da Daler Rowney seguido da junção do médium brilhante e de tinta acrílica da Daler Rowney: negro primário (040), branco titânio (009) e prata (702). Por fim, aplicação do verniz brilhante da Winsor & Newton, colocação de um fio elástico na parte de trás e de papel celofane nas aberturas para os olhos de cor de rosa e azul. Os cornos foram criados com o mesmo processo da máscara, e posteriormente colocados com cola quente na parte superior da máscara. A máscara é um elemento essencial na performance, é ela que permite a criação de BI[S], de uma personagem mística, desmaterializando o próprio corpo, dando-lhe um caráter de anonimato. A sua inspiração reside nas máscaras africanas e de tribos xamânicas, expostas em “Maestros del Chaos: artistas y chamanes” e da forma como as celebrições rituais podem abrir um novo campo no mundo artístico. Ainda assim, a forma central preta representa uma abertura que pintei anos atrás, lembra-me uma forma vaginal e uma abertura para um outro mundo, como também destroi o binónimo presente nas cores azul e rosa em cada um dos olhos. A cor da máscara e dos cores sobretudo prateada conduz-nos à ideia do ciborgue, de uma máquina e do brilhante. Os cornos é algo que representa poder, domínio, por ser uma arma de luta, e também um elemento presente em muitos animais como o veado (ligação com viado e des[viados]). Elemento também representado na Antiguidade: em personagens mitológicas, em deuses como Dionísio e Apolo, no Alexandre (O Grande). Na perspetiva psicanalítica, o corno simboliza regressão, divisão, mas também iniciação e abertura para uma nova dimensão ou realidade. Na visão de Carl Gustav Jung, os cornos são ao mesmo tempo masculinos e femininos e estes dois princípios associados na evolução do ser humano levam ao equilíbrio e à maturidade. O fato de banho O fato de banho não tem qualquer significado nele imanente, a cor preta cria uma ligação com a abertura presente na máscara. É um elemento do vestuário feminino, na visão normativa, e que por isso acaba por ser utilizado em performances queer e em shows de drag queens. O som O som de BI[S] surgiu durante o Symposium Práticas Artísticas organizado pela Mezzanine em Março de 2017, onde no encontro com os Von Calhau! foi pedida a escolha de uma palavra que tivesse algum tipo de obstáculo, uma palavra monstruosa, à qual foi escolhida, por mim, a palavra BICHA. Mais tarde, devidos silabicamente a palavra, de modo a criarmos através do método franksilábico (relativo a Frankenstein e à união de sílabas de várias palavras) uma nova palavra em conjunto com outros artistas ou estudantes presentes. BI-CHA rapidamente transformou-se somente em BI, e mais tarde, em BI[S]. Daí particiu-se para a expererimentação desde os aguados da voz aos graves, revelando caraterísticas como: o esganiçado, o medroso, o insulto, o jocoso, o hilariante, o irritante e o eletrónico através da repetição exaustiva numa descoberta incessante por todas as tonalidades no spectrum da sílaba que forma agora uma palavra de múltiplas formas que podem relembrar outras palavras como “bibi” > vivi, ou o som de aparelhos como o telemóvel, um alarme, como também o som de uma serpente através do “S”. A poesia concreta Nos poemas são retratos diversos temas que acabam por definir em parte o que é BI[S], sem fechar essa definição uma vez que, tal como é apresentado logo no início, “BI[S] é o ilimite / BI[S] está constantemente em mudança”, logo a seguir através da negação (um método recorrente quer na ciência quer na filosofia) é declarada uma oposição face à categorização do género, das raças (racismo), das espécies (especismo), das nacionalidades (nacionalismo), das classes sociais (desigualdade), do capitalismo e do valor que o dinheiro tem atualmente, entre outros. Afirmando por fim a exclamação, a existência, o agir e o “só”. No segundo e terceiro poema é evidente a ironia face aos símbolos como “.|.” que são utilizados no mundo online como um símbolo de um pénis, como também ao recurso da palavra “ass” que pode ser resumida a um “s”, a “ANAL” como “AN ALL” (“um/em todos”).

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No último poema, há uma elaboração através de termos usados por filósofos pós-feministas e queer, tais como “ciborgue” de Donna Haraway e “dildo” de Paul B. Preciado.

O versículo bíblico O versículo 3:8 do livro do Apocalipse foi escolhido pelo facto de que 3:8 = 3![8] = BI[S].

Os 10 mandamentos Os 10 mandamentos visam a união entre arte-vida e artista-público, tendo uma referência irónica e metafórica face aos 10 mandamentos cristãos. São uma conclusão final que joga com o factor de imperação recorrentes em manifestos anteriores ou nos deveres presentes em tradições de crenças humanas. Cria perguntas ou mementos que podem levar à reflexão sobre a unicidade da arte, a supremacia da mesma, a performatividade e a atividade de viver, o não matar (que poderá ser associado às guerras atuais, à indústria pecuária, entre outros), o pecado e o seu valor atual, o desejo, o testumunho, e os 3d’s (debater + discutir + dialogar). O tecido nos braços O tecido presente nos braços de BI[S] tem uma ligação com um universo do imaginário pelo facto de se assemelhar a duas asas, simultaneamente, nele está presente um lado kitsch através do tecido floril. Os cortes nele não são retos, e em cada braço há fivelas que vão para a frente e outras para trás, criando uma forma crescente desde o pulso aos bíceps.

iii.iv.

disposição do espaço da performance

No espaço da performance pretendeu-se a disposição de modo a que haja dinâmica e, consequentemente, um contacto mais direto entre o público-artista, acabando mesmo por destruir essa barreira. No início o plano tinha sido criar uma oval/círculo em cobertores e almofadas em torno de BI[S]. Todavia, isso não permitia ambos estarem no mesmo patamar. Contudo a forma oval permaneceu como ideia e pensei em criá-la com cadeiras, mais tarde, concluí que dispostas de forma aleatória colocará o espaço mais movimentado. Assim, na sala de espetáculos dos Maus Hábitos, foram postos bancos e bancos que se transformavam em cadeiras, individuais e agrupados a três, que permitia às pessoas sentarem-se neles ou não.

proposta de exposição

iv.iv.

A performance possui um caráter imaterial e efémero, onde somente através de objetos que foram utilizados e da documentação quer em vídeo, fotografia ou escrita é que é possível reproduzi-la, todavia nunca da mesma forma. A live art nunca é exibida duas vezes igual. É única, sob as circunstâncias que a envolvem, desde a temperatura do espaço, o ambiente que nele paira, o público, o movimento que mesmo que repetido nunca será igual, tal como a voz ou mesmo um som digital, dificilmente se propagará da forma exata que anteriormente havia sido reproduzido. Deste modo, foram expostas numa parede a máscara, o tecido e a poesia concreta que o fruidor artístico pode ler para si ou em alto, gritar, calar-se, responder ao manifesto, entender ou não.

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iv. bibliografia Revista Alexia, Celebraciones rituales: una reflexión en abierto sobre la “nueva ola” artísticocultural, http://revistaalexia.es/celebraciones-rituales-una-reflexion-en-abierto-sobre-la-nueva-ola-artistico-cultural. Disponível a 2017-06-02. PRECIADO, Beatriz, Manifiesto Contra-sexual, 1ª edição, Editorial Opera Prima, 2002. DANCHEV, Alex, 100 Artists’ Manifestos: From the Futurists to the Stuckists, 1ª edição, Editora Penguin Modern Classics, 2011. OBRIST, Hans Ulrich, Manifestos for the Future, 2011, jornal e-flux #12, janeiro de 2010. HARAWAY, Donna, Manifesto ciborgue Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX (1983), do livro Antropologia do ciborgue: As vertigens do pós-humano, 2ª edição, Autêntica Editora, 2000. STONE, Sandy, The “Empire” Strikes Back: A Posttranssexual Manifesto (1987), https://sandystone.com/empire-strikes-back.pdf. Disponível a 2017-05-21. ARAEEN, Rasheed, ECOAESTHETICS: ART BEYOND ART, Londres, 2008. Serpentine Gallery, Manifesto Pamphlet, 2008. Equipe Editorial, Manifesto sobre a vida do artista por Marina Abramovic, 25 de setembro de 2013, http://arteref.com/gentedearte/ manifestoartistico. Disponível a 2017-05-09. MADŽOSKI, Vesna, The Magicians of Globalization: Magiciens de la Terre, 25 years later, Bergen Academy of Art and Design, Noruega, 2015. The Whole Earth Show Revisited: Interview with Jean-Hubert Martin. https://www.academia.edu/17961963/The_Whole_Earth_Show_Revisited_Interview_with_Jean-Hubert_Martin. Disponivel a 2017-05-30. BLENDED SPIRIT THIRD GENDER, https://shamanicanimism.com/shamanic-arts/blended-spirit-third-gender. Disponível a 2017-05-24. WALLIS, Robert J., Shamanism, Encyclopedia Copyright, glbtq, Inc., 2015. The Polari Bible, Seventh Edition, Translatrix: Sister Debbie Ann Linux of the Virtual Habit, 17 de agosto de 2015, http://www.polaribible.org/. Disponível a 2017-04-29. ABRAHAM, Amelia, A Brief History of Drag in the Art World, Artsy Editoria, 14 de abril de 2017, https://www.artsy.net/article/artsyeditorialhistorydragart. Disponível a 2017-04-29. A queer walk through British art, Tate, http://www.tate.org.uk/visit/tatebritain/display/bpwalkthroughbritishart/queer. Disponível a 2017-05-02.

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v.

fotografias

Š Carmo Osul

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© Carmo Osul

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© Carmo Osul

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© Carmo Osul

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vi.

experiências (esboços, desenhos, fotografias e anotações)

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