Eleições

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De 5 a 11 de outubro de 2006

NACIONAL

ELEIÇÕES

Reeleger Lula e fazer luta de classes s principais movimentos sociais do país sinalizam o apoio a Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno. É um voto de classe – em defesa dos pobres. Diferentemente do que ocorreu no primeiro turno, quando as organizações decidiram não apoiar abertamente nenhum dos candidatos, contra Geraldo Alckmin, que disputa a Presidência com o petista, a atitude vai ser outra. Dos seis movimentos ouvidos pela reportagem do Brasil de Fato, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) é o único que não afirmou votar em Lula. De acordo com a assessoria de dom Odilo Pedro Scherer, bispo emérito de Piracicaba (SP) e secretário-geral da entidade, ainda não há um posicionamento oficial – até o fechamento desta edição, dia 3. No primeiro turno, admite Nalu Faria, da secretaria nacional da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil (MMM), a entidade não apresentou apoio a nenhum candidato. “Agora é outra situação”, diz. Na avaliação do movimento, composto por integrantes de vários partidos, o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva promoveu a recuperação do papel do Estado como provedor de políticas públicas. Ela acredita que os principais movimentos sociais do país sinalizam o apoio à Lula no segundo turno, pois, afirma, os petistas possuem um programa de

O

Presidente Lula durante encontro com representantes de Movimentos Sociais no Palácio do Planalto no ano passado; no segundo turno, o apoio a Lula será explícito e engajado

governo mais preocupado com os pobres.

VOTO ANTINEOLIBERAL Gustavo Petta, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), revela que, em abril, no Conselho Nacional de Entidades de Base da organização, foi decidido apresentar aos candidatos de esquerda uma plataforma baseada no Projeto Brasil, da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), conjunto de propostas para desenvolver o país, que indicava a necessidade de mudar a política econômica, entre outros pontos. A entidade decidiu não apoiar nenhum candidato, no primeiro turno. Contra Alckmin, salienta Petta, o movimento vai apoiar Lula, “para não per-

mitir o retorno da direita ao poder”. Ele diz que o tucano defende a cobrança de mensalidades em universidades públicas, o que é inaceitável para os estudantes. “O governo Lula tem o caráter de defender o ensino gratuito como algo estratégico para o desenvolvimento do país. Essa é uma diferença importante entre os dois projetos”, arremata o representante estudantil.

UNIÃO CONTRA TUCANO “Com o advento do segundo turno, está-se evidenciando a luta de classes no Brasil”, destaca Marina dos Santos, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ela considera que a eleição de Alckmin

representaria, para os camponeses, mais repressão e o avanço do agronegócio, e conclama outros movimentos a se unir contra o tucano. Para Marina, é preciso apoiar Lula, visando o reacenso dos movimentos de massa no Brasil. “É importante reforçar o debate com a sociedade contra o projeto que Alckmin defende, que é mais atrasado, que tem muito racismo”, explica. A dirigente conta que o Movimento está fazendo consultas nos Estados e aguardando opiniões das coordenações estaduais para saber como será o engajamento na campanha de Lula. “Não se deve considerar o segundo turno como um processo eleitoral, mas como um momento decisivo

Erros do PT. A direita agradece Igor Ojeda da Redação O desempenho de Geraldo Alckmin nas eleições presidenciais deve ter surpreendido até o próprio PSDB e seus aliados do PFL. Com 41,64% dos votos válidos, o candidato tucano obteve quase 40 milhões de votos, número expressivo que levou ao segundo turno uma disputa que parecia fadada a acabar no dia 1º. Em março de 2006, quando a cúpula do PSDB decidiu pela candidatura de Alckmin, alguns analistas políticos creditaram a decisão a uma certeza de vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que àquela altura já voltara a crescer nas pesquisas, após os escândalos de 2005 e despontava quase como imbatível. Vale lembrar que José Serra, então prefeito de São Paulo e governador eleito do Estado, aparecia, nas sondagens eleitorais, com condições melhores que as de Alckmin para derrotar Lula. Na última pesquisa do Instituto Datafolha antes da decisão tucana, no fim de fevereiro, o atual presidente estava à frente nas intenções de votos no primeiro turno com 39% a 31% quando o adversário era o primeiro, e 43% a 17% contra o segundo. Numa eventual disputa no segundo turno, Lula liderava com 48% a 43% contra Serra, e 53% a 35% contra Alckmin. A opção pelo então governador de São Paulo era bastante arriscada para a direita. Por isso mesmo, a estratégia do PSDB parecia ser a de resignar-se com a derrota e jogar todas as fichas em 2010, com um nome forte como Serra ou Aécio Neves (governador reeleito de Mi-

nas Gerais), e sem a presença de um candidato de peso do PT como adversário.

CASO DOSSIÊ Na opinião do senador reeleito Eduardo Suplicy (PT-SP), dois fatores principais podem explicar a votação atingida por Alckmin: o escândalo da tentativa de compra de um dossiê contra Serra por petistas ligados à cúpula do partido e a ausência de Lula no debate da TV Globo em 28 de setembro, onde foi o principal alvo de ataques de seus adversários. “A questão do dossiê prejudicou muito o Lula e o Mercadante (Aloizio, candidato derrotado ao governo de São Paulo). Ainda hoje (dia 3 de outubro), recomendei na reunião da bancada que se esclareça tudo no mais breve espaço de tempo possível”, conta. Dessa forma, a esperança de Suplicy é que os assuntos dos próximos debates tenham conteúdo programático. Em relação ao debate da Globo, às vésperas das eleições, o senador paulista conta que havia recomendado a Lula que comparecesse: “Ele poderia ter consolidado sua vitória. Fico contente que ele tenha resolvido participar dos debates do segundo turno”. O escândalo do dossiê estourou em 15 de setembro. A primeira pesquisa Datafolha após o caso, realizada entre os dias 18 e 19, mostrou Lula (50%) sem alterações nas intenções de votos, enquanto Alckmin (29%) oscilou positivamente em um ponto percentual. No entanto, nos levantamentos seguintes, o petista foi caindo e o tucano crescendo. Na sondagem de 22 de setembro, o placar já estava em 49% a 31%, enquanto, no levantamento divulgado

na véspera do pleito, 46% a 35%. O resultado final divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral, considerando o total de votos, mostrou Lula com 44,5% e Alckmin com 38,1% (48,6% a 41,6% se considerados apenas os votos válidos).

para o Brasil”, analisa o padre Dirceu Luiz Fumagalli, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que disse apoiar Lula contra Alckmin. Ele avalia que a campanha contra o tucano vai ser uma oportunidade para colocar o povo nas ruas, articulando os movimentos sociais. “No primeiro turno, não foram à rua. Se Lula quiser vencer, precisa se aproximar de sua base. A costura por cima já foi feita, agora deve ser feito o trabalho de base”, conclui.

PARA OS TRABALHADORES O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) afirma que o apoio ao petista já havia sido decidido no congresso nacional da organização, em junho. “Mais de 80% dos delegados pre-

sentes votaram em uma resolução que apontava para a reeleição do Lula, vinculando-a à apresentação de uma plataforma dos trabalhadores a ser implementada no segundo mandato”, relata. O presidente da CUT afirma que o objetivo da resolução é impedir o retrocesso representado pelo PSDB e pelo PFL, aliado dos tucanos, que privilegia a privatização, o Estado mínimo e a flexibilização dos direitos trabalhistas. Para Artur Henrique, a luta de classes está colocada desde o início do processo eleitoral, porque, no candidato de direita, há uma atitude preconceituosa em relação aos movimento sociais. Diz: “Tentam impor a idéia de que um operário não pode governar um país”.

Orlando Brito/Divulgação

Eduardo Sales de Lima da Redação

Ricardo Stuckert/PR

As principais organizações do país declaram voto no petista, afirmando que Alckmin representa o retrocesso

DESGASTE DO GOVERNO Mas, para o sociólogo Mauro Iasi, candidato a vice-governador de São Paulo pelo Psol na chapa de Plinio Arruda Sampaio, o caso dossiê não é a única explicação para o crescimento de Alckmin na reta final. “O que eu avalio como central é que nem o núcleo do governo, nem os especialistas perceberam – e as pesquisas não revelaram – que havia um desgaste maior do que se esperava em relação ao governo Lula. Existia uma grande parcela da população que não tinha decidido o voto e, entre estes, uma parcela maior do que todos imaginavam que estavam descontentes com o governo, e que no momento da eleição decidiram votar no Alckmin”, analisa. Outro fator que Iasi aponta para a expressiva votação atingida pelo tucano é a transferência de votos de pessoas que, também insatisfeitas com Lula, votariam em Heloísa Helena, do Psol e que, no dia da eleição, optaram pelo voto útil contra o petista. Além disso, considera que, embora o caso dossiê não tenha sido o único fator favorável a Alckmin, é inegável que teve influência, “menos pelo caso em si e mais porque ele trouxe à tona todos os outros casos anteriores que ficaram mal esclarecidos”. Segundo o sociólogo, o escândalo quebrou a tese de que o grupo majoritário do PT havia feito uma mudança de quadros, afastando os corruptos.

Desvios ideológicos de petistas propiciaram a Geraldo Alckmin, representante das elites, levar o resultado das eleições para o segundo turno


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