Por apoio a Dilma, PT se alia no MA à oligarquia Sarney

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de 24 a 30 de junho de 2010

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brasil

PT se alia à oligarquia Sarney contra sua própria base no MA POLÍTICA Militantes maranhenses desobedecem imposição do diretório nacional e devem apoiar Flávio Dino para o governo estadual ABr

Eduardo Sales de Lima da Redação

Descaminhos petistas

“HÁ UM sentimento de enorme angústia na militância que tomou uma decisão por maioria no encontro estadual [do Maranhão], cumprindo todas as regras, com o acompanhamento rigoroso da direção nacional.” Essa frase é do membro da executiva estadual do Partido dos Trabalhadores (PT) do Maranhão, Márcio Jardim. Ele e inúmeros outros militantes maranhenses da legenda foram forçados a aceitar a aliança do grupo político do qual pertencem com a oligarquia Sarney. O acordo prevê o apoio petista à candidatura de Roseane Sarney (PMDB) ao governo do Maranhão, em troca da transferência da influência política do presidente do Senado, José Sarney (PMDB/AP), para a campanha de Dilma Rousseff (PT) à Presidência da República.

O deputado federal Domingos Dutra (PT/MA) e o líder camponês Manoel da Conceição encerraram, no dia 18, greve de fome realizada contra a decisão do diretório nacional

Para os petistas do estado, tão grave quanto a decisão do diretório nacional foi a forma como se sucederam os fatos. No dia 27 de março, o PT estadual realizou um encontro que decidiu pelo apoio ao candidato do PCdoB ao governo do Maranhão, Flávio Dino. Porém, no dia 11 de junho, o diretório nacional anunciou o apoio à candidatura de Roseana. Como os delegados petistas maranhenses vetaram, por maioria, qualquer apoio à candidatura de Roseana, estabeleceu-se um grande im-

Pragmatismo e falta de democracia levaram PT a atuar como mais um partido “da ordem” da Redação

O deputado Domingos Dutra e o militante Manoel da Conceição durante a greve de fome

passe político dentro do partido. Ainda no dia 11, o deputado federal Domingos Dutra (PT/MA) e o líder camponês Manoel da Conceição, um dos mais importantes fundadores do partido no estado, de 75 anos, iniciaram greve de fome contra a decisão do diretório nacional. O protesto foi encerrado na madrugada do dia 18, após negociação com o diretório nacional. Segundo Márcio Jardim, da executiva maranhense do partido, o acordo para a suspensão da greve de fome conferiu a autonomia reivindicada pelos militantes e candidatos petistas do Maranhão. Ele garante que, agora, os candidatos petistas do estado esta-

rão livres e legitimados para expressar apoio à Flávio Dino. Houve um convite, inclusive, para que o candidato comunista criasse um comitê de campanha no interior da sede do PT estadual. Jardim não descarta, contudo, que problemas futuros relacionados a questões de fidelidade partidária possam ocorrer e tenham que ser analisados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). De seu lado, o TSE, apesar do veto estadual, validou a aliança do PT com a candidatura de Roseana ao governo do Maranhão. Isso porque as diretrizes tomadas no 4º Congresso Nacional do PT, ocorrido em fevereiro, es-

tabeleceram que é de competência da direção nacional a deliberação, em última instância, sobre as questões de tática de alianças nos estados. “É um ato incontestável porque foi uma decisão do diretório nacional, com o direito dado pelo 4º Congresso Nacional do PT para tomar essa decisão”, afirma o secretário nacional de organização do PT, Paulo Frateschi (abaixo, veja entrevista completa com o dirigente). Dessa forma, juridicamente, inexistem problemas em relação à aliança entre o PT e a oligarquia Sarney. Mas, para a militância maranhense, mais importante que questões jurídicas são as éticas e políticas.

Partido quer evitar palanque pró-Serra “Aliança é necessária, pertinente e correta”, defende Paulo Frateschi, secretário nacional de organização do PT da Redação

Confrontado pelas críticas relacionadas à aliança com a oligarquia Sarney no Maranhão, Paulo Frateschi, secretário nacional de organização do PT, explica que o partido não rebaixou suas aspirações históricas e que continua exatamente o mesmo. Segundo ele, trata-se somente de uma questão de aliança eleitoral para Dilma Rousseff suceder Lula na Presidência. Ele pondera ainda que, se o partido aprovasse o apoio à candidatura de Flávio Dino (PCdoB) ao governo do estado, estariam postas as “condições para se construir um palanque pró-Serra no Maranhão”.

Brasil de Fato – Haverá uma divisão do PT na campanha eleitoral ao governo do Maranhão? Qual é o acordo feito após a greve de fome realizada pelo deputado federal Domingos Dutra e pelo petista histórico Manoel da Conceição?

Paulo Frateschi – A síntese do acordo é que oficialmente o PT vai apoiar a Roseana Sarney (PMDB). Juridicamente esse é um ato incontestável porque foi uma decisão do diretório nacional, com o direito dado pelo 4º Congresso Nacional do PT para tomar essa decisão. Então, o programa de TV é com a Roseana, o material de campanha é com a Roseana. É público e notório que tem uma parte do PT que não faria campanha para ela de jeito nenhum. Então foi um acordo para dizer que nós não queremos briga até o fim da campanha, chega de briga. Se querem fazer lá [apoiar Flávio Dino], façam, nós não vamos perseguir ninguém, o diretório nacional não vai tomar nenhuma atitude legal contra isso. Agora, é claro que eles estão submetidos à legislação, como todos os partidos. Não pode ir para a televisão falar de outro candidato, não pode oficialmente ter campanha com quem a lei não permite. Como você analisa a greve de fome em que criticavam a aliança com

o grupo de Sarney e a falta de democracia dentro do partido? Isso não existe. O Domingos Dutra mesmo falou “eu estou fazendo para chamar atenção”. Na rádio CBN, ele falou que estava fazendo para chamar atenção, que não estava fazendo para morrer, que queria continuar tomando sua “pinguinha” e viver bem. Então, ele mesmo demonstra que foi um factóide que ele inventou para poder chamar atenção. Não tenho nenhuma dúvida sobre isso. Nós conhecemos esse instrumento de greve de fome e o quanto, em determinados momentos históricos, tem importância. O que ele fez foi desmoralizar isso. Há presos políticos que fazem greve de fome, há protestos muito agudos, que implicam no direito à vida. Neste caso, foi desmoralizado. Não existe isso, num partido político que tem suas regras, sua democracia, seus votos. A aliança com Roseana foi ganha por voto, não se faz greve de fome por isso, foi uma incoerência. Mas essa é a contestação dos petistas do Maranhão, de que lá a maioria foi contra a aliança com Roseana. Eles fizeram um encontro lá [no Maranhão]. Mas nós falamos que o fundamental, o

centro da tática, é a campanha da Dilma. Dentro da tática não é o que militante quer. No Congresso Nacional do PT ficou decidido o fundamental. Foi delegado ao diretório nacional para que, em última instância, resolvesse as alianças para o bem da campanha nacional. Ele tinha legitimidade. Foi pautado, discutido, as pessoas puderam defender suas posições, foi a voto e ganhou que tinha que ocorrer o apoio à Roseana. É a coisa mais normal num partido democrático. Agora, como eles já tinham compromisso lá, e que, entre nós, não são muito com o Flávio Dino não. Estão além do Flávio Dino. O que você quer dizer com isso? Eles tinham outro compromisso com um setor político que estava fazendo campanha para o [ex-governador] Jackson Lago (PDT), que está com o José Serra, e também do Zé Reinaldo [antecessor de Lago e candidato ao Senado pelo PSB], que está com o Serra. Aí é que estava o problema, esse era o problema nosso. Quer dizer, ceder a eles seria esquecer nossa tática nacional. E a gente não ia fazer isso. Se fosse o Flávio Dino, teria todo o nosso respeito, mas ele não era o principal da questão. A candidatu-

Sociólogos ouvidos pela reportagem entendem que o apoio do diretório nacional petista à oligarquia Sarney no Maranhão se explica pelo pragmatismo e pela falta de democracia que tomaram conta do partido após a posse do presidente Lula em 2003. Wagner Cabral da Costa, professor da Universidade Federal do Maranhão e especialista na história do clã Sarney, entende que a intervenção foi resultado de uma ameaça direta do próprio ex-presidente José Sarney. De acordo com ele, o atual presidente do Senado teria condicionado a votação do projeto que estabelece o marco regulatório de exploração do pré-sal ao apoio à candidatura de sua filha, Roseana, ao Palácio dos Leões. Sarney também poderia abandonar a presidência da casa, deixando a votação de projetos importantes do governo federal nas mãos de seu vice, Marconi Perillo (GO), que é do PSDB. “Ele chantageia claramente utilizando esses recursos no interior do próprio poder legislativo do país”, salienta Cabral. Na opinião do sociólogo Rudá Ricci, diretor geral do Instituto Cultiva, o apoio a Roseana reflete também “a falta de democracia interna do partido desde a vitória de Lula”. Para ele, dentro do PT, a tomada de deci-

ra dele era a possibilidade de criar condições para se construir um palanque pró-Serra no Maranhão. Isso a gente não podia permitir. Na política, a gente não pode ser ingênuo a esse respeito.

“Nós conhecemos esse instrumento de greve de fome e o quanto, em determinados momentos históricos, tem importância. O que ele [Domingos Dutra] fez foi desmoralizar isso” Mesmo assim como você vê essa polêmica aliança que o PT faz com a família Sarney? Isso está dentro do quadro político nacional. Qual é o problema? É uma opção tática. A resolução do Congresso Nacional do PT disse “nós vamos nos aliar, vamos montar um bloco de aliados que conta com o PMDB”. A família Sarney está no PMDB. Eu não estou aqui para fazer retrospectiva de vida política de ninguém, e nem sei te fazer. A

são político-eleitoral não está mais circunscrita aos mecanismos legais e formais de participação do filiado. “Este é um dos motivos de esvaziamento da famosa militância petista: deixaram a cadeira cativa e vieram para a geral. Até é emocionante, mas não se vê o jogo com nitidez”, compara. Já Wagner Cabral lembra que a escolha de Dilma Rousseff para concorrer à Presidência foi de cima para baixo. “Ela nunca foi uma militante partidária com credenciais e sequer foi votada internamente no PT”, destaca. Desradicalização

Wagner Cabral entende que a “desradicalização” do PT desde que chegou ao poder federal ajuda a explicar o alinhamento do partido com velhas oligarquias nordestinas, como a de Fernando Collor, em Alagoas. Já a aliança com Sarney significa, para ele, o extremo dessa “desradicalização”, “que é transformação do PT num partido da ordem”. Já Rudá Ricci prevê que o PT, após as eleições de outubro, enfrentará sérios problemas políticos para tentar retomar seu protagonismo político, já que foi totalmente desqualificado pelo lulismo. Resistentes

Entretanto, até a realização das eleições, pelo menos é o que assegura o membro da executiva estadual do PT do Maranhão, Márcio Jardim, não haverá desfiliação em massa dos militantes. “Vamos trabalhar para eleger a Dilma, mas é evidente que há uma indignação em relação a essa decisão da direção nacional”, pondera. Jardim, contudo, faz questão de asseverar que o PT maranhense continua petista: “o PT da bandeira vermelha, que não se rendeu”. (ESL)

tarefa é a seguinte, tem que fazer uma tática eleitoral, ter um centro tático definido. Aliás, eu vejo mais do ponto de vista nacional que do ponto de vista do Maranhão. E do ponto de vista nacional, o presidente Sarney é o presidente do Senado. A Roseana nos apoiou, ela foi líder do governo no Senado. Onde que está o erro?

Perguntei isso porque petistas históricos reforçam o antagonismo presente nas origens de luta social do PT com a família Sarney. O PT nasceu dos movimentos populares e continua com os movimentos populares. Não abriu mão de nenhum ponto programático. Nada, nenhum. Não rebaixou suas aspirações históricas, enfim, continua exatamente o mesmo. Aqui é uma questão de aliança eleitoral. Tem que pesar. Você quer manter a chance de ter um terceiro governo do PT, que vai suceder o governo Lula? Vale a pena? Vale. É uma aliada? É uma aliada. Roseana é aliada, foi líder do governo Lula. Então, do ponto de vista tático é pertinente essa aliança? É necessária, pertinente e correta. Não tem nenhum problema. E existem compromissos políticos que temos de seguir; deixamos de ser confiáveis ao nível nacional se a gente não seguir. (ESL)


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