Mesmo com críticas, maioria da esquerda opta por Dilma

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“Derrotar a direita”, eis o consenso ELEIÇÕES Forças da esquerda brasileira divergem quanto ao apoio explícito à candidatura de Dilma Rousseff (PT) no segundo turno Marcello Casal Jr./ABr

Eduardo Sales de Lima da Redação GROSSO MODO, a disputa entre petistas e tucanos representa, para alguns analistas, o antagonismo entre dois projetos de nação. Para outros, são duas faces de uma mesma moeda. O posicionamento das forças de esquerda, nesse segundo turno, reflete um pouco dessas diferentes visões. A Via Campesina optou por encampar a candidatura de Dilma. O Psol – Partido Socialismo e Liberdade – defendeu um “não à Serra”. O PCB – Partido Comunista Brasileiro – se definiu pelo apoio crítico à Dilma. O PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado – posicionou-se pelo voto nulo. A Via Campesina Brasil, que inclui organizações como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), declararam, mais que o voto a Dilma no segundo turno, o apoio de sua militância no corpo a corpo com a população. “Serra representa, em nível latino-americano, um aliado do imperialismo e um inimigo de todas as forças populares”, afirma o integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Luiz Dalla Costa.

“Serra representa, em nível latinoamericano, um aliado do imperialismo e um inimigo de todas as forças populares”

“Não acho que Dilma e Serra sejam iguais. Limão e lima não são iguais, mas ambas são frutas ácidas” “Sabemos que Dilma não vai defender a implantação do socialismo no Brasil e nem achamos que o socialismo vai ser implantado já. Nessa circunstância, agora, vamos votar e ajudar a eleger a Dilma”, defende Dalla Costa. Apesar do apoio eventual, o coordenador do MAB ressalta que, após o pleito presidencial, a luta dos movimentos sociais continuará na defesa dos trabalhadores urbanos, dos atingidos por barragens e dos sem-terra, independente do governo. Somando o apoio à Dilma, João Batista Lemos, secretário sindical nacional do Partido Comunista do Brasil (PC do B), acredita que o “voto nulo da esquerda é o que a direita gosta” e que uma derrota petista, neste segundo turno, mesmo com todas as contradições que acompanharam o governo Lula, representaria um retrocesso

A candidata do PT, Dilma Rousseff, participa de ato em defesa do meio ambiente

Marina em meio ao “jogo verde” Neutralidade, no segundo turno, tem sido apenas superficial da Redação

Marina Silva se disse neutra, assim como o Partido Verde (PV), para o segundo turno. Tal consonância, à primeira vista, pode esconder o que algumas personalidades políticas compreendem como um abismo programático entre a ex-candidata à presidência e a maioria dos quadros do partido. A ex-candidata à presidência da república pelo PV cresceu surpreendentemente dias antes das eleições no primeiro turno, obtendo voto de 19,6 milhões de eleitores por todo o Brasil. Para Roberto Malvezzi, assessor da CPT, muita gente, seja à direita ou à

nos avanços democráticos e sociais muito grande. Para Marcelo Freixo (Psol), deputado estadual reeleito no Rio de Janeiro, o voto crítico à Dilma Roussef significa um voto específico de segundo turno. “O segundo turno não é o seu projeto [do Psol] que está em pauta; no segundo turno você vota num projeto menos prejudicial à sociedade que o outro e, depois, é fazer oposição ao vencedor”, explica Freixo.

esquerda, subestimou os votos concedidos a Marina, atribuindo seu crescimento a votos conservadores e evangélicos. O voto em Marina, segundo Malvezzi, refletiu mais que isso; representou o descontentamento de muitos brasileiros em relação ao desrespeito ao meio ambiente, sobretudo no que se refere a grandes obras como a Transposição do Rio São Francisco e o projeto de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu. “O governo Lula avalia mal a questão ambiental. Serra, então, nem sei se avalia”, afirma. Pois bem. Marina conquistou maior legitimidade, com os 19,33% dos votos válidos no primeiro turno, e seu apoio se tornou objeto de desejo, tanto do lado petista quanto dos tucanos. Poucos dias após a realização do primeiro turno, um de seus principais assessores, Pedro Ivo Batista, acenou fortemente com a possibilidade de

Marina apoiar a candidatura de Dilma Rousseff. “O PT, por enquanto, de forma correta, procurou e tem buscado fazer uma conversa mais programática. Isso é positivo”, declarou à Radioagência Notícias do Planalto. Mas o apoio não ocorreu. Marina e seu partido declararam “independência” e liberaram seus militantes. “Imagino que os conflitos dentro do governo Lula enfrentados por Marina foram monstruosos. Ela não teria saído dali por razões desimportantes. Então, há que se considerar a decisão dela numa perspectiva de história, não só agora, no segundo turno. Ela tem consciência de que trouxe ao Brasil uma variante que outros jamais trariam. Marina sabe que o futuro passa por essa dimensão (ambiental) e quer preservar sua independência para cobrar de quem quer que chegue ao poder”, afirma Roberto Malvezzi. Mas não é assim que vê o deputado estadu-

al reeleito no Rio de Janeiro, Marcelo Freixo (Psol). Para ele, a atitude de Marina Silva foi “equivocada”. “Acho que ela, como figura pública, tinha que se posicionar. Não existe a tecla independência. A pessoa que é pública não pode não se posicionar; eu acho ruim”, critica. Para João Batista Lemos, do PC do B, a atitude da candidata derrotada à presidência da república contribuiu para o que chama de “diversionismo” dentro do contexto eleitoral. Segundo ele, tanto no primeiro quanto no segundo turno, a atuação da candidata de Marina tem confundido a luta política no país. “Primeiro, ela serviu à ofensiva midiática, porque teve sua candidatura insuflada pela direita para Serra ir ao segundo turno. Agora, no segundo turno, sua neutralidade se insere nesse processo pessoal dela; porque seria muito mais coerente ela indicar o voto na Dilma”, defende.

Tucanos verdes? O comportamento dos “verdes” no segundo turno desvela um entrave programático para o próprio partido e para Marina Silva no futuro. Isso porque a neutralidade oficial de Marina e do partido não foram seguida por seus quadros, uma mistura de tendências ideológicas representada tanto por um punhado de figuras mais progressistas, como o próprio Pedro Ivo Batista, ex-militante petista e coordenador da Rede Ecossocialista, como por um considerável contingente de quadros próximos a governos do PSDB, como Fernando Gabeira, apoiador público à candidatura de José Serra no Rio de Janeiro. “O PV se aliou ao PSDB em vários estados. Agora, se o PV vai negociar cargos, caso ganhe ou José Serra ou Dilma, isso o tempo vai dizer”, lembra deputado estadual fluminense Marcelo Freixo (Psol) “A Marina, que tem a ilusão de construir um outro projeto político, manteve a independência; mas não é o caso do partido. Na grande maioria, os quadros do PV, nos Esta-

“Iguais” Diferentemente, pensa o PSTU, que defende o voto nulo no segundo turno. “Não existe um ‘mal menor’ nesse segundo turno. Votar em Dilma ou Serra vai fortalecer um deles para atacar com mais força os direitos dos trabalhadores”, pontua o texto de Eduardo Almeida Neto da Direção Nacional do PSTU e editor do jornal Opinião Socialista. Segundo ele, “cada voto dado em Dilma ou Serra é uma força a mais que eles terão para aplicar uma nova reforma da Previdência”. “Não acho que Dilma e Serra sejam iguais. Limão e lima não são iguais, mas ambas são frutas ácidas”, pontua o membro da direção nacional do PSTU, doutor em história social pela USP, Valério Arcary, que salienta categoricamente que não votará em nenhum dos dois. Ele vai além. Para Arcary, é necessário que a esquerda, “que se denomina anticapitalista”, afirme sua posição de que não vai participar de um possível governo Dilma e não deve, “por razões óbvias, nem teóricas”, fazer parte de um governo que quer manter o capitalismo. “Não há nenhuma perspectiva de que seja um governo com alguma postura anticapitalista, mas sim um governo de gestão do capitalismo”, afirma. Criticando posturas como a do PSTU, em entrevista recente ao site IHU – Instituto Humanitas Unisinos –, o analista político Wladimir Pomar apontou para o fato de que “há muito tempo a esquerda e setores progressistas brasileiros sofrem da síndrome de confundir inimigos e amigos” e que, com o passar dos anos de governo petista, os entendimentos políticos tendem a se tornar mais complexos.

dos, estão aderindo à candidatura Serra. O PV real, que está nos governos estaduais, se posiciona majoritariamente a favor de Serra”, destaca Valério Arcary. Roberto Malvezzi, da coordenação nacional da CPT, acredita que o PV “não é um partido com cara definida”. “Conheço pessoas muito boas que estão ali pela causa ambiental há muitos anos. Mas sei também que há ali um jogo de vaidades muito grande”, afirma Malvezzi. Segundo ele, o partido de Marina pode ter medido a questão do apoio no segundo turno “do ponto de vista eleitoreiro e de acumulação de força política”, mas Marina não.“Com todos seus paradoxos, que eu mesmo comento sempre, tem uma ética, tem valores, dignidade, e quer ver triunfar, nesse país, o bom senso e um novo paradigma de civilização”, elogia. Ao mesmo tempo, Malvezzi é reticente em relação aos possíveis objetivos de Marina: “Não sei se vai conseguir, às vezes ela está muito fechada em um pequeno grupo de assessores”. (ESL)


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Nem segundo turno politizou o debate Jorge Araújo/Folhapress

ELEIÇÕES Segundo analista, campanha foi a de nível mais baixo desde fim da ditadura

O “escândalo” da bolinha de papel arremessada em Serra ocupou o espaço dos programas eleitorais do PT e do PSDB

Renato Godoy de Toledo da Redação

AS ELEIÇÕES de 2010 foram marcadas pela forte presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o primeiro mandatário a fazer campanha para seu sucessor, vista sua alta popularidade. Mas a presença de Lula não foi a única marca dessa campanha: a sucessão de denúncias e escândalos também deu a tônica do debate. Em conluio com a grande imprensa, os escândalos do governo Lula foram martelados diariamente na campanha de José Serra. Analistas apontam que esse fator, aliado ao crescimento de Marina Silva, foram fundamentais para levar a disputa para o segundo turno. Quando se imaginava que o reinício da campanha pudesse colocar em voga as diferenças políticas entre as duas candidaturas, a nova etapa iniciou-se com temas retrógrados, pondo em dúvida a religiosidade de Dilma e a questão do aborto. No primeiro debate, na Rede Bandeirantes, a candidata petista começou a bater em uma tecla que trouxe um pouco de politização aos debates, as privatizações da era Fernando Henrique Cardoso. Serra logo sentiu a investida da campanha petista e passou a desmentir as afirmações de

mais a luta pelos direitos civis em nosso país. Os candidatos se rebaixaram ainda mais para conquistar lideranças fundamentalistas. Não abriram o debate. Apenas recuaram”, aponta Rudá.

Dilma Rousseff, Celso Freitas e José Serra durante debate realizado pela Rede Record no dia 26 de outubro

“Para piorar, os temas do ultraconservadorismo, que emergiram no final do primeiro turno, abalaram ainda mais a luta pelos direitos civis em nosso país” que iria privatizar o pré-sal e a Petrobras. Falou até em “reestatizar” empresas que hoje estariam sobre controle privado de aliados do governo. Em um segundo debate, na Rede TV!, os escândalos apareceram apenas nas perguntas dos jornalistas. Os candidatos se concentraram nos temas em que tinham desempenho mais bem avaliado pelas pesquisas qualitativas dos seus marqueteiros. Dilma fazia as

comparações entre os governos Lula e FHC, enquanto Serra exaltava sua experiência e tentava colar na petista o rótulo de “antipaulista”. Aborto e religiosidade saíram de cena, exceto nos “graças a Deus” proferidos por ambos. Bolinha de papel No entanto, a melhora do nível da campanha não se consolidou. O “escândalo” da bolinha de papel arremessada

em Serra ocupou o espaço dos programas eleitorais do PT e do PSDB. O Jornal Nacional consultou o perito Ricardo Molina, da Unicamp, para negar a versão do PT – de que o tucano fora atingido apenas por uma bolinha de papel. Serra também foi atingido por algo semelhante a um rolo de fita, teria desvendado o perito. Para o sociólogo Rudá Ricci, o pleito de 2010 ficará marcado como o de pior nível político, desde a redemocratização do país. “Foi, de longe, a pior campanha presidencial desde o fim do regime militar. Uma campanha rebaixada, personalizada, despolitizada. O resumo da ópera é a falta de programas de governo, pela primeira vez na história dessa disputa. A causa é

a falência do sistema partidário brasileiro: ele não consegue mais representar os anseios da população. Representam os anseios dos financiadores que, muitas vezes, chocam-se com os desejos populares. O que faz uma campanha ficar totalmente à mercê dos malabarismos de marqueteiros”, analisa. Como se não bastasse o rebaixamento do debate político, a campanha ainda será lembrada por ter reintroduzido temas do “submundo” da política no debate eleitoral, como a criminalização do aborto e a fé religiosa dos candidatos como pré-requisito para governar o país. “Para piorar, os temas do ultraconservadorismo, que emergiram no final do primeiro turno, abalaram ainda

Fator Lula Desde a redemocratização do país, um governo terminar o mandato na casa dos 80% de aprovação é um fato inédito. Lula foi o principal cabo eleitoral da candidata do PT e recebeu críticas de adversários e multas da Justiça por isso. As últimas pesquisas, anteriores ao fechamento desta edição, em 26 de outubro, apontavam que Lula conseguia transferir seus votos a Dilma. Porém, entre aqueles que consideravam seu governo como “bom”, os votos eram divididos entre os dois candidatos. Para o sociólogo Rudá Ricci, essa situação é reflexo da má formação política do Estado brasileiro – assunto, aliás, que não foi discutido durante o certame. “Sempre houve [“presidente cabo-eleitoral”], mas não tão declaradamente. A alta popularidade e o poder cada vez mais centralizado no governo federal acabam propiciando essa distorção”, explica.


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