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de 11 a 17 de fevereiro de 2010
brasil
No metrô, José Serra inaugura a era do neoliberalismo total Ciete Silvério/Governo do Estado de São Paulo
TRANSPORTE Marcada por acidente, linha 4 deve dar início à privatização do sistema
A execução da obra foi marcada pelo acidente que vitimou 7 pessoas em janeiro de 2007 (Veja matéria abaixo). A CCR garante que a linha 4 será uma das mais modernas e seguras do mundo. Mas, para o sindicato dos metroviários, a busca pelo lucro e a redução de custos planejados pelo governo e pela iniciativa privada podem vir em detrimento da segurança dos trabalhadores e dos usuários da linha.
Obras da Linha 4 do metrô, que liga a Vila Sônia à Estação da Luz
dro (PT-SP). Ainda em 2006, após acidentes com operários, o parlamentar pediu ao Ministério Público uma investigação sobre as obras da linha por ameaças à “ordem urbanística” e por colocarem em “risco a segurança, integridade física, saúde e vida” dos moradores da região. De acordo com o diretor do Sindicato dos Metroviários, Manuel Xavier, o governo pode dar um privilégio logístico ao setor privado, deslocando recursos humanos para as novas estações. “Eles já terão tratamento privilegiado relacionado à tarifa. Eles não receberão o valor da tarifa, receberão um valor estipulado, que ainda não sabemos, mas que deve melhorar ano a ano, conforme previsto no contrato. Isso causa um desequilíbrio, uma distorção do tratamento entre o setor público e o privado”, contesta o sindicalista. “Trem fantasma”
O primeiro posto dispensado nesse novo metrô será o de operador de trem. A CCR se gaba de ser a primeira a im-
plementar, em nível mundial, o sistema driverless (sem motorista, em tradução livre). Os trens seriam comandados pelo Centro de Controle Operacional. Segundo a empresa, o sistema coibiria o excesso de velocidade. Para Xavier, o sistema ainda é uma incógnita, já que não há qualquer experiência semelhante no mundo. “São cerca de 1 milhão de passageiros que vão ser transportados, sem nenhum condutor”, diz. Outra preocupação advém do termo contratual que exige apenas um funcionário da Via Quatro por estação da nova linha. “Não sabemos se os usuários serão bem atendidos ou se sentirão perdidos [pela falta de funcionários]. Se a exigência é de um funcionário por estação, este pode estar dentro de uma sala, isolado, cheio de monitores. Não sabemos se o consórcio será capaz de atender às dúvidas dos usuários”, aponta Xavier. Além do contrato de concessão ao setor privado na operação da linha, o governo do Estado e a prefeitura
de São Paulo levam em frente um projeto de terceirizar a arrecadação das tarifas de trem, metrô e ônibus na Grande São Paulo. O processo de licitação já foi feito, mas um grupo que foi derrotado conseguiu barrar a decisão na Justiça, alegando favorecimento governamental aos vencedores. “Tínhamos conseguido barrar, anteriormente, essa terceirização junto ao tribunal de contas. Agora, foi o grupo empresarial que barrou, mas isso não significa que o projeto não será levado a cabo”, analisa Simão Pedro. Com a concessão a um grupo privado, o Estado perde o protagonismo na arrecadação das tarifas e na fiscalização. A tendência é que funcionários do metrô que hoje exercem essa função sejam deslocados ou demitidos. “A fiscalização é um grande problema. Acho que o governo não tem controle sobre o que ocorre na arrecadação das rodovias. A Artesp (Agência Reguladora do Transporte do Estado) é um grande escritório de advocacia das empreiteiras”, dispara o deputado.
Linha passa por bairros nobres paulistanos
Primazia do privado
da Redação A linha 4 do metrô de São Paulo deve ser inaugurada ainda em março, com um trajeto entre apenas duas estações, Paulista e Faria Lima. Ainda para 2010, estão previstas a inauguração de mais quatro linhas: Luz, República, Pinheiros e Butantã. CPTM
O início da operação da linha 4 pode dar fôlego a novas licitações similares, num processo que culminaria na privatização completa do metrô. Para justificar a preferência pelo modelo privado, a nova linha deve servir como um modelo de gestão, segundo críticos do governo paulista. “A ideia da privatização das linhas é prejudicial, pois o metrô é um sistema muito bem operado pelo setor público, com profissionais capacitados. Adotaram uma ideia de que as políticas públicas têm que resultar em bons negócios para o setor privado. Nesse sentido, como a linha 4 representa uma lucratividade importante, indo do Morumbi ao Centro, passaram-na para a iniciativa privada. Isso é o inicio da privatização. Vão criar dois metrôs, um público e outro privado”, afirma o deputado estadual Simão Pe-
Anúncios do metrô são feitos por empresa de Duda Mendonça; oposição vê abuso
A próxima etapa de inaugurações entregará mais cinco estações. A data ainda não está definida, mas deve ocorrer entre 2012 e 2014. Ao fim da construção, o trajeto ligará a Vila Sônia à Estação da Luz e fará conexão com as três principais linhas da cidade. A nova linha passa por pontos nobres de São Paulo, como a rua Oscar Freire, a avenida Paulista e os bairros de Higienópolis e Morumbi.
“Modelo de concessão é volta ao século 19” Economista critica falta de transparência nos contratos de PPPs da Redação A economista Ceci Juruá é uma das principais críticas das Parcerias Público-Privadas (PPP). O maior motivo para discordar desse tipo de contrato é a falta de transparência nas cláusulas, que impedem o conhecimento da sociedade acerca dos deveres das empresas e de quanto elas devem faturar com o serviço público. A lei das PPPs foi aprovada em 2004, e a linha 4 do metrô de São Paulo é uma das principais obras executadas por esse regime. Os contratos são estabelecidos entre o Executivo e o setor privado. Não há necessidade de que passem pelo crivo do legislativo ou de instâncias da sociedade civil. “Essa lei foi muito mal feita. Não há um padrão de contrato, cada contrato é um, não se sabe quem analisa isso, não tem uma aprovação da sociedade, nem das câmaras legislativas. Precisamos dar maior transparência para o que é público, a sociedade precisa saber quem vai pagar e quem vai lucrar”, defende a economista. Juruá sugere que as taxas de lucro sejam estipuladas em limites “corretos”, indexadas pela taxa Selic, por se tratar de um serviço público essencial. “O transporte não é feito para o lucro. Não se pode obter uma taxa de lucro de 20%, 30%. Quando a conta [da lucratividade assegurada às empresas] chega, quem paga é o contri-
buinte. Isso gera ainda mais desigualdade”, diz. Trustes
Além do modelo de PPPs, Juruá critica a associação entre os principais grupos do ramo de construção no Brasil para vencer licitações, como é o caso da linha 4 do metrô. Para a construção, o consórcio vencedor era composto pelas cinco maiores empreiteiras do país: OAS, Odebrecht, Camargo Correa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão. Alguns desses grupos também têm participação na CCR, que administrará a linha 4 e controla parte das estradas paulistas. “São verdadeiros trustes. Eles participam de vários investimentos, têm poder muito grande de direcionamento do gasto público e de planejamento urbano, pois o transporte é fundamental para saber como será o desenvolvimento da cidade. O transporte está caro, o pedágio está caro, é uma situação insuportável. Está pesando muito para o Estado, não é justo. Eles têm muito lucro e muita concentração de poder”, considera a economista. O aporte financeiro dado pelo Estado a grupos privados para a realização de obras é um retrocesso, segundo a economista. “Isso é uma volta ao século 19, quando os estrangeiros vieram para cá e o governo bancava as taxas de lucro das empresas que construíam linhas de trem. Em cada local do Brasil tinha um grupo dominante, e o governo garantia o lucro. Naquela época não foi bom para o orçamento, porque o governo não controlava o capital que eles investiam. A minha preocupação é com o orçamento público, com quem vai pagar essa conta”, avalia. (RGT)
A linha 4 do metrô e a expansão de outros trechos têm sido anunciadas exaustivamente em horário nobre da televisão brasileira. Durante o tradicional especial de final de ano do cantor Roberto Carlos na TV Globo, os intervalos comerciais continham até dois filmes de 30 segundos do metrô e do governo estadual. A série de comerciais é comandada pelo ator global Dan Stulbach, que anuncia as vantagens da expansão do metrô paulista. Os usuários, em festa, soltam bexigas, erguem os braços e comemoram as inaugurações. Uma inserção de 2 minutos veiculada no intervalo do dominical Fantástico contém um claro plágio da cena final do filme indiano Quem quer ser um milionário?, com dezenas de pessoas realizando coreografias na plataforma de uma estação. O texto lido pelo ator parece não temer a acusação de propaganda eleitoral antecipada. “A partir de agora é assim: uma inauguração atrás da outra”, promete a voz do ator, enquanto as imagens mostram a alegria na estação Sacomã, recéminaugurada. Essas inserções são produzidas pela Duda Propaganda, empresa do marqueteiro político Duda Mendonça, que ganhou do governo estadual um contrato de R$ 14 milhões por seis meses de serviços prestados. A empresa do marqueteiro Nizan Guanaes, filiado ao PSDB, recebeu R$ 11 milhões para outros comerciais. Em 2008, o governo planejou um gasto de R$ 57 milhões em publicidade do metrô e da CPTM, que opera os trens urbanos na região metropolitana de São Paulo. Segundo a Secretaria de Transportes, o objetivo das inserções comerciais é realizar “campanhas de esclarecimento e informação dos usuários e da população em geral, assim como para comunicar as medidas de modernização e ampliação da rede de transporte coletivo sobre trilhos na região metropolitana de São Paulo”. Antecipação de campanha
Para o Sindicato dos Metroviários, no entanto, as peças publicitárias configuram campanha eleitoral antecipada. “É um momento pré-eleitoral. É muito ruim para a população a forma como isso vem sendo feito. Se tivessem a mesma agilidade e contundência na execu-
Trem da linha 2 verde do metrô: das 15 estações inauguradas nos 16 anos de governo tucano, apenas uma não foi em ano eleitoral
ção do orçamento, não teria problema nenhum. Mas depois de outubro, quando acabarem as eleições, não sabemos o que vai acontecer”, afirma Manuel Xavier. A bancada do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo já entrou com três representações no Ministério Público Estadual para barrar propagandas do governo do Estado que exaltam a gestão tucana em vez de prestar esclarecimentos e informações sobre serviços. Num dos casos, o PT exige que o governo devolva aos cofres públicos o dinheiro que foi investido em publicidades da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado) veiculadas em estados do NorteNordeste, onde a empresa não tem qualquer atuação – e o governador goza de pouco prestígio eleitoral.
da Redação Na história recente do metrô paulistano, algumas mobilizações marcaram um embate entre Sindicato dos Metroviários e governo do Estado de São Paulo. Na última greve da categoria, em 2007, o governo veio com a mais dura reação, demitindo 61 metroviários que participaram do movimento.
“Quase tivemos uma greve em fevereiro de 2009, porque não pagaram uma parcela do que havia sido acordado”
transporte. O metrô de São Paulo é considerado pela CoMET (Comunidade de metrôs) o mais lotado do mundo, com 10 milhões de passageiros por quilômetro de linha. Mesmo com o incremento que será propiciado com a linha 4, o metrô paulista continuará ostentando esse título e ainda será o menor entre as 10 maiores metrópoles do mundo. (RGT)
Após 3 anos do acidente, apenas “peixes pequenos” são indiciados
Assembleia Legislativa tentou uma CPI para apurar irregularidades na linha 4, mas todas as tentativas foram barradas pelo governo. Antes mesmo do acidente, os sindicalistas denunciavam que as obras estavam sendo executadas a toque de caixa, para privilegiar a candidatura do então governador Geraldo Alckmin (PSDB) à presidência. O contrato para a execução da obra também foi “inovador”. O modelo adotado foi o turn key, em que a empresa vencedora é responsável por todas as etapas da obra, desde o projeto até a fiscalização. Os trabalhadores denunciaram o fato de os fiscais do metrô terem sido alijados da construção, pela primeira vez em uma obra da Companhia. (RGT)
Mais lotado do mundo
O ritmo acelerado propagandeado pela publicidade contrasta com os dados dos 16 anos de PSDB. Fo-
Só em ano eleitoral
Nos quase 16 anos de governo do PSDB em São Paulo, foram entregues 15 novas estações, sendo que apenas uma delas, a Alto do Ipiranga, foi entregue em um ano ímpar (2007). Ou seja, todas as outras foram concluídas em anos eleitorais. A linha 4 Amarela deve começar a operar com apenas duas estações, Paulista-Faria Lima, até o final de março. Em abril, o governador José
Trabalhadores temem precarização Metroviários estão apreensivos para conhecer a conduta do novo gestor, diz sindicalista
ram apenas 28 km de metrô construídos. Desse total, 8 km são da linha lilás, que liga o Capão Redondo, na Zona Sul, ao Largo Treze, na mesma região. Esse trecho não tem conexão com nenhuma outra linha do metrô. As outras ampliações se deram na linha verde e vermelha. Esse crescimento tímido da malha viária não tem comportado o crescimento da demanda pelo
Serra deve se licenciar do cargo para se candidatar à presidência. Mais quatro estações serão inauguradas até o final do ano. As outras cinco previstas devem ser concluídas em 2012 e 2014.
Se o cenário já estava difícil, com a entrada da iniciativa privada na operação de trens e na contratação, o ambiente pode ser ainda pior para os metroviários. Para Manuel Xavier, diretor do Sindicato dos Metroviários, a categoria não se intimidou com a reação do governo, mas teme pelas incertezas do novo cenário inaugurado com a linha 4. “Estamos apreensivos. Não sabemos qual vai ser o comportamento do gestor. Haverá uma diferença entre os novos metroviários e os antigos, pois os novos trabalharão para uma empresa privada”, explica. A Via Quatro já iniciou um processo de contratação de cerca de 600 funcionários. Segundo Xavier, há rumores de que o consórcio está orientando os contratados a filiarem-se a um outro sindicato, não reconhecido pela categoria. Sobre eventuais novas greves, Xavier afirma que é perfeitamente possível que isso aconteça, mesmo com a ameaça de demissões. “Depois de 2007, não houve greves porque nossas negociações foram favoráveis. Quase tivemos uma greve em fevereiro de 2009, porque não pagaram uma parcela do que havia sido acordado. Mas foi por um erro no orçamento. Para nós, essa é uma questão bastante tranquila”, afirma. (RGT)
Acidente vitimou 7, mas tentativas de CPI foram barradas pelo governo do Estado da Redação Mesmo com evidências de negligência na execução da obra da Estação Pinheiros, nenhum membro da cúpula do governo estadual, do
metrô e do consórcio Via Amarela foi responsabilizado pelo acidente que vitimou sete pessoas em janeiro de 2007. No entanto, 15 funcionários do metrô respondem a processo administrativo sobre o caso. “Pena que pegaram apenas ‘bagrinhos’, não pegaram os peixes grandes. A diretoria do metrô, que apressou o andamento da obra, ficou ilesa”, afirma o deputado Simão Pedro (PT-SP). O parlamentar lembra que após o acidente a bancada de oposição na
AFOGANDO EM NÚMEROS Reprodução
O PSDB adotou uma linha na qual as políticas públicas têm que resultar em bons negócios para o setor privado
Cris Castello Branco/Governo do Estado de São Paulo
da Redação
Renato Godoy de Toledo da Redação
A LINHA 4 Amarela do metrô paulistano deve ser a principal vitrine eleitoral do governador de São Paulo e précandidato à presidência, José Serra (PSDB). A obra está prevista para ser inaugurada até o fim de março, dias antes do limite para o tucano se licenciar do cargo. Essa nova rota inaugura um novo modelo de gestão na Companhia do Metropolitano de São Paulo. Um consórcio controlado pela CCR, chamado Via Quatro, será responsável pela administração da linha, assim como pela fiscalização. Essa holding é composta por empreiteiras como Camargo Correa e Andrade Gutierrez, e a principal acionista é a própria Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). O grupo já explora pedágios em estradas paulistas e federais, como a via Dutra. A principal premissa no contrato de Parceria Público-Privada (PPP) firmado entre governo estadual e empresa parece ser a lucratividade, baseada no baixo custo com a gestão. A garantia da taxa de lucro aos concessionários está inclusive em contrato. Se o valor acertado não for atingido com a cobrança de tarifas, o Estado tem que aportar o recurso restante.
Publicidade traz jingle, plágio e promessas
No ritmo do “tatuzão” tucano...
Em 16 anos, o PSDB construiu 28 km de metrô*. Se o ritmo for mantido, a cidade de São Paulo, alcançaria os 202 km de malha férrea da cidade do México apenas em 2084. Ambos metrôs tiveram início na década de 1960, e as cidades têm população e nível socioeconômico similares.
* Já contando com a linha 4, ainda não inaugurada.