Governo reage aos ataques da elite contra os movimentos sociais

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CONJUNTURA POLÍTICA

NACIONAL

A direita, tendo como porta-vozes alguns governadores, juízes e a grande imprensa, procura encurralar o governo Lula, disseminando a idéia de que as mobilizações populares estão levando o país ao caos; os ministros reagem e não aceitam as provocações

DIREITA & MÍDIA O ministro Márcio Tomaz Bastos, da Justiça, não deixou passar em branco a provocação do governador. “Não vamos aceitar o conselho da direita de que é preciso baixar o pau nos movimentos sociais, porque não é preciso”, afirmou no dia 11. Para ele, há uma condescendência natural no regime democrático com os movimentos sociais, e o governo não deixará que haja ruptura e transgressão às normas da legalidade. “É o momento dos que nunca tiveram vez, nem voz, de serem protagonistas da história política do país”, afirmou, por sua vez, o ministro das Cidades, Olívio Dutra, ao Brasil de Fato. Porém, para a considerada grande imprensa, quando os protagonistas são os pobres e os movimentos sociais, então está instaurado o “caos social”. Nessa mídia, em vez de informações, especulações. Que vão desde a suposta movimentação ilegal de dinheiro pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), até a organização de guerrilhas pré-revolucionárias. VELHOS FACTÓIDES Como a história só se repete como farsa, ultimamente as maiores redes de televisão e de jornal voltam a usar e abusar da mesma ladainha que foi sua característica às vésperas do golpe de 1964: a democracia e a ordem estariam ameaçadas. Exemplos não faltam. Em entrevista ao Estado de S.Paulo, dia 1º, Eliézer Rizzo de Oliveira, cientista político da Universidade de Campinas, afirmou que a violência é inerente ao MST, pois um de seus ícones é Che Guevara. E o país cor re o r isco de “colombianização”, com a formação de “milícias paramilitares contra a reforma agrária, em luta com as forças paramilitares a favor dela”. No entanto, esse tipo de rea-

■ O ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos não aceita conselhos das elites conservadoras ção não é fenômeno novo na história do Brasil. Para o advogado Plinio Arruda Sampaio, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), a reação da direita é reflexo das mudanças propostas pelo governo Lula, em especial, a reforma agrária. Ele critica a postura dos inte-

lectuais que têm contribuído para criar um clima de caos social . “A direita sempre teve intelectuais a seu serviço para racionalizar seus interesses. É o que eles têm feito”. ORDEM E DESORDEM Marilena Chauí, professora de

■ Marcha do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) chegando em Santa Margarida do Sul (RS). O juiz Loraci Flores de Lima, da 2ª Vara Federal de Santa Maria, determinou na segunda-feira, dia 11, que o MST suspenda a marcha que faz em direção a São Gabriel, na região Fronteira Oeste, e que os ruralistas que se preparavam para sair pela BR-290 ao encontro dos sem-terra também desistam da mobilização

nimas de moradia e sobrevivência. Mas, em nome da “ordem”, devem enfrentar as milícias organizadas pelos latifundiários, que seguem armados e assassinando trabalhadores rurais; as polícias de gover nadores truculentos; a criminalização dos líderes dos movimentos sociais; e, de quebra, o reacionário coro da grande mídia. O ministro Nilmário Miranda (Direitos Humanos) considera um absurdo a criminalização de lideranças dos sem-terra. “Antes de os juízes condenarem e criminalizarem as ocupações, teriam que avaliar a função social da terra, que está improdutiva”, afirma. PRÉ-GOLPE? Analistas políticos de TVs, rádios e jornais de todo o país vêm comparando a conjuntura política atual com o período que antecedeu o golpe de 1964. Este tipo de comparação é “uma tentativa da direita para intimidar os movimentos sociais e o governo. O exército brasileiro está completamente integrado ao governo, não há qualquer risco de golpe militar”, assegura Nilmário Miranda. Não se deixar intimidar, diz o deputado federal Ivan Valente (PT-SP), significa viabilizar as propostas do governo para que possam, efetivamente, atender às demandas sociais. “O governo não pode entrar na provocação de elites acostumadas a concentrar riqueza e terras. Para manter o projeto conservador, eles criam essas tensões, mas não há comparação com a correlação de forças de 64 e de hoje”, explica o deputado. O compromisso anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de priorizar a reforma agrária no próximo semestre tem se afinado com o discurso de seus ministros. Para descontentamento dos ruralistas e dos conservadores brasileiros, no dia 11, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, afirmou, em São Paulo, que “os milhares de trabalhadores e trabalhadoras sem-terra que estão nas ruas deste país não são criminosos, são lutadores da justiça, da dignidade e da democracia”.

SEGURANÇA ALIMENTAR

Justiça surpreende e libera transgênicos Claudia Jardim, da Redação A Monsanto está em festa, mas pode ser por pouco tempo. No dia 12, a desembargadora Selene Maria de Almeida, do Tribunal Regional Federal (TRF) de Brasília (DF), suspendeu a sentença da 6º vara da Justiça, e liberou o cultivo e a comercialização de transgênicos no país. A liminar terá validade até o julgamento do mérito da ação, que vai ser analisada por mais dois desembargadores do TRF. A decisão ainda está sendo analisada pelos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. ”O que estamos entendendo é que há uma liberação temporária para pesquisas sobre transgênicos, e uma liberação do plantio até o julgamento definitivo da questão.

Como não tenho certeza, vou aguardar a posição da minha consultoria para decidir”, afirmou o ministro Roberto Rodrigues, da Agricultura. GOLPE Já o Ministér io do Meio Ambiente, divulgou nota sobre os riscos da decisão da juíza e do cultivo de transgênicos: “A liberação do plantio da soja transgênica pode causar sérios riscos para o meio ambiente do Brasil, tendo em vista não terem sido realizados estudos ambientais em nosso país, como reconhecido pela própr ia desembargadora ao conceder a liminar”. De seu lado, a juíza Salete Maria de Almeida alega ter se baseado nos estudos de órgãos científicos internacio-

nais que “comprovam a sanidade da soja Roundup Ready”. “Essa ação é um golpe na cidadania brasileira para favorecer os interesses da transnacional.”, afirma o deputado estadual Frei Sérgio Görgen (PT-RS). Para ele, o recurso apresentado pela Monsanto, e acatado pela Justiça, tem como objetivo principal garantir o plantio de organismos geneticamente modificados (OGMs) já para a próxima safra. Em 2002, a Monsanto teve prejuízo de cerca de 1,7 bilhão de dólares e, de acordo com a previsão da Innovest Strategic Value Advisors, suas ações devem ficar abaixo da média do mercado a médio e longo prazo. De acordo com pesquisa da Innovest, a rejeição aos alimentos transgênicos tem crescido

no mundo, inclusive nos Estados Unidos. RECURSO O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), responsável, juntamente com o Greenpeace, pela ação civil pública que levou à suspensão do cultivo transgênico, divulgou nota afirmando que vai recorrer da decisão da juíza e lamenta a ação. Enquanto os ministérios e as organizações decidem a legitimidade da liminar, a Comissão Interministerial encarregada de elaborar projeto de lei sobre biossegurança deve encaminhar proposta ao Congresso Nacional, até o dia 15, para ser votado em regime de urgência, no máximo em 45 dias, e estabelecer as novas regras e o futuro dos transgênicos no Brasil.

BRASIL DE FATO De 14 a 20 de agosto de 2003

“H

á um preconceito de classe contra os movimentos sociais. Quando é ocupação de semteto, parece que o mundo vai acabar. Envolve um preconceito de classe. Isso tem um nome, é o pobre. Traz a consciência da dramaticidade da situação do Brasil, a herança que recebemos nos últimos 50 anos. Traz o medo”. Palavras do ministro José Dirceu, da Casa Civil, no dia 5. Sua declaração, porém, não basta para convencer os ultraconservadores, que insistem em criminalizar os movimentos sociais. Ora no discurso de governadores, ora na truculência de parte do Judiciário, todos ajudados pela grande imprensa, que tem desempenhado o papel de verdadeiro “partido das elites”. Jarbas Vasconcelos (PMDB), governador de Pernambuco, é um especialista em truculência: autorizou a violenta ação de despejo de 300 famílias acampadas em Engenho Prado, a ponto de merecer denúncia da Organização das Nações Unidas (ONU) por violação aos direitos humanos. Por isso, vem a público afirmar que, se o governo não impuser limites “às invasões, pode se ter algo muito mais grave do que um golpe militar”.

filosofia da Universidade de São Paulo, colocou os devidos pingos nos ii, em entrevista à Folha de S.Paulo, dia 3. Aos que consideram a organização dos movimentos sociais ameaça à democracia e responsáveis pelo caos social,deu um recado: ao contrário da “crise” que o jornal tenta criar, o momento é de comemoração pelo fato de o país estar, finalmente, conhecendo uma experiência democrática. “Democracia não é, como querem os liberais, o regime da lei e da ordem. Não estamos numa monarquia absolutista. Na democracia, graças ao trabalho do conflito, a sociedade diz ao governo o que ela pensa, o que quer e como quer que seja feito”, disse ela. E assim têm feito os movimentos sociais país afora.Além de exigir do governo a realização das reformas agrária e urbana, têm ocupado os espaços ociosos e terras improdutivas para garantir condições mí-

José Doval/Zero Hora/AE

Claudia Jardim, da Redação

José Cruz/ABR

Para conservadores, democracia é sinônimo de caos social

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