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De 13 a 19 de novembro de 2003
NACIONAL FÓRUM SOCIAL BRASILEIRO
Movimentos defendem lutas unificadas Em Belo Horizonte (MG), durante quatro dias, cerca de 40 mil pessoas debateram uma plataforma de ações
ais de 23 mil inscritos de todos os Estados brasileiros e de 22 países, representando 1,2 mil movimentos sociais. Cerca de 40 mil pessoas nas mais de 300 atividades auto-organizadas por entidades – oficinas, seminários, atos públicos (leia página 3) e debates –, em quatro dias que mobilizaram a cidade de Belo Horizonte (MG). Assim foi o 1º Fórum Social Brasileiro (FSB), realizado entre os dias 6 e 9. O evento colocou na pauta de discussões temas urgentes como a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a dívida externa e os acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o imperialismo, a militarização e a necessidade de uma rede de articulação de toda a sociedade brasileira. A dinâmica do FSB favoreceu o estabelecimento de uma plataforma de luta que envolva os vários movimentos sociais. Pela manhã, as grandes conferências, no Ginásio do Mineirinho, debatiam questões abrangentes e Fórum Social Braforneciam subsileiro – Realizado pela primeira vez em sídios para as âmbito nacional. O atividades aucomitê organizador to-gestionadas do FSB, composto na parte da tarpor 15 entidades, sugere a realização de. No centro do evento de dois das discussões, em dois anos. a pergunta: como garantir a participação popular na construção de um outro Brasil? Os rumos do governo Lula foi um tema que permeou grande parte dos debates. Para o sociólogo Francisco de Oliveira, até agora o governo mostra-se contrário ao compromisso firmado com os brasileiros. Mas salienta: “Não adianta romper com o governo, é preciso acúmulo de forças”. Com ele concorda Gilmar Mauro, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): “Se
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reforma agrária e pela redução da jornada de trabalho.
Fotos: Vanor Correia
Bernardete Toneto de Belo Horizonte (MG)
AÇÃO DOS MOVIMENTOS
Mais de 15 mil pessoas participaram da Marcha de Abertura do 1º Fórum Social Brasileiro (FSB), em Belo Horizonte
a sociedade não estiver nas ruas, não há negociador que resolva os problemas do país”.
MUDANÇAS URGENTES Oliveira alerta que a organização social tem de ocorrer o mais rápido possível, pois as mudanças que já estão ocorrendo podem definir o perfil dos próximos anos. “E se assim for, teremos mais uma geração perdida”. Sinais disso são as posições adotadas pelo Brasil nas negociações da Alca (leia página 6), os acordos com o FMI (páginas 5 e 6) e a fragilidade das políticas sociais. Para Fátima Melo, assessora de Relações Internacionais da Fundação de Assistência Social (Fase), o Brasil fez concessões perigosas à sua soberania, principalmente após a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Cancún, em setembro. “Apenas a mobilização popular pode reverter esse quadro e, principalmente, acabar com o ímpeto de dominação do
No estádio do Mineirinho, conferências sobre Alca, militarização e movimentos
governo estadunidense”, disse, defendendo a realização do plebiscito sobre a Alca, de preferência em 3 de outubro de 2004, data das eleições municipais em todo o país. O plebiscito sobre a Alca é uma das principais bandeiras de luta empunhadas pelos movimen-
tos sociais. Já está programada a Jornada Nacional de Luta, em 21 de novembro, último dia da rodada de negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), em Miami. A jornada prevê protestos pela não-renovação do acordo com o FMI, pela imediata criação de empregos, pela
Segundo o cientista político César Benjamin, um dos coordenadores da Consulta Popular, os movimentos sociais enfrentam o desafio de reverter o cenário atual – conseqüência do experimento neoliberal –, e livrar-se da dependência de agentes financeiros internacionais, “sem nenhum compromisso com o nosso futuro”. Benjamin vê quatro grandes projetos populares de longo alcance, que devem ser encampados pelos setores populares: a democratização dos meios de comunicação, da cultura e da riqueza – com o Estado nacional assumindo o controle do sistema financeiro –, bem como da propriedade da terra, para torná-la fonte de emprego e renda. “A idéia de que se possa mudar o Brasil em aliança com o atual sistema de poder é uma evidente contradição, que conduzirá a um terrível fracasso. É o que estamos assistindo hoje.” O educador Moacir Gadotti, do Fórum Mundial da Educação, também defendeu a ampliação da ação popular para “reacender a esperança e o desejo de luta, que os partidários do neoliberalismo acreditavam ter sepultado. Gadotti comentou que os Fóruns Sociais corroboram a proposta do saudoso educador Paulo Freire, que dizia que “é no movimento e na luta que o povo se forma”. Gadotti defendeu uma mudança do conceito “movimentos sociais organizados”, tendo em vista que a maioria da população que sofre com os reveses provocados pelo neoliberalismo não está integrada a eles. Argumenta que é necessário alargar esse conceito para incluir toda a população nessa luta. “Todos precisam estar engajados nessa luta de transformação do Brasil e do mundo em lugares onde todos tenham seus direitos de cidadãos respeitados”, enfatizou
Democratização da mídia é prioridade Bernardete Toneto e Maíra Kubík de Belo Horizonte (MG)
O QUE VEM POR AÍ JORNADA NACIONAL DE LUTA – 21 DE NOVEMBRO
No último dia da rodada de negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), em Miami, haverá protestos pela não-renovação do acordo com o FMI, pela imediata criação de empregos, pela reforma agrária e pela redução da jornada de trabalho. ATOS DO JUBILEU SUL – 21 DE NOVEMBRO
Manifestações, em vários pontos do continente, contra a Alca. CAMPANHA NACIONAL PELO CONTROLE DE CAPITAIS – JANEIRO DE 2004
Proposta da Ação pela Tributação das Transações Financeiras em Apoio aos Cidadãos (Attac) e do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Fiscal (Unafisco), para\pressionar o governo a adotar controle da movimentação de capitais no país. JORNADA PELA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA
Lançada durante o Fórum Social Brasileiro, prevê atividades em todo o país, contra a criminalização dos movimentos sociais nos meios de comunicação. CAMPANHA VEJA QUE MENTIRA
Campanha de boicote à revista Veja, a exemplo da campanha contra o jornal Zero Hora, de Porto Alegre. Pretende despertar a opinião pública para as manipulações praticadas pelos grandes veículos de comunicação. 3º FÓRUM SOCIAL PAN-AMERICANO – 4 A 8 DE FEVEREIRO DE 2004
Incentivo à participação brasileira no evento, que será realizado em Ciudad Guyana, Venezuela, com representantes de povos indígenas, negros, camponeses, pescadores e ribeirinhos.
A democratização dos meios de comunicação é um projeto de longo alcance que deve mobilizar a agenda popular brasileira. A opinião é do cientista político César Benjamin e faz eco a uma das principais discussões do 1º Fórum Social Brasileiro (FSB): a importância estratégica da mídia para a organização dos movimentos sociais. No evento, em Belo Horizonte, centenas de pessoas participaram de oficinas, mesas-redondas e reuniões de trabalho sobre o assunto. Um dos eventos foi o ato promovido, dia 8, com lançamento da Jornada pela Democratização da Mídia. A campanha, que visa esclarecer a população sobre o monopólio dos meios de comunicação no Brasil, consta de uma série de atividades pelo país. Nesta semana foram realizados eventos no Rio de Janeiro (dia 10) e São Paulo (dia 11). O próximo passo será a criação de comitês regionais para divulgar ações definidas em conjunto. O principal foco é a campanha “Veja que Mentira”, a ser divulgada em todo o país e que pretende tornar públicas as manipulações praticadas pela Veja, da Editora Abril. Para Ana Maria Straube, da Enecos, a revista simboliza a falta de democracia na mídia, assunto que ainda é uma incógnita para grande parte da sociedade. “Esse veículo é o símbolo de tudo que combatemos, um exemplo da criminalização dos movimentos sociais”, diz. O primeiro evento realizado pela
Jornada foi um debate promovido no próprio FSB. Entre os palestrantes, estavam representantes das organizações responsáveis pela campanha e convidados de Cuba, Venezuela, Palestina e Estados Unidos. João Paulo Rodrigues, do MST, ressaltou a importância de “ocupar os espaços” da mídia, sob controle da elite.“É como fazemos com os latifúndios improdutivos”, comparou. Venezuela foi vista como um exemplo de combate direto ao controle da mídia pelas elites locais. O presidente Hugo Chávez legalizou três emissoras de televisão e mais de 80 rádios comunitárias no início de seu mandato. Segundo Maximilien Arvelaiz, representante do governo da Venezuela, a mídia de cunho comunitário representa o futuro da comunicação.
UNIÃO DE FORÇAS O poder dos meios comunitários e da chamada imprensa crítica foi relativizado pelo professor Bernardo Kucinski, assessor na Secretaria de Comunicação do governo federal. No debate “Por um outro jornalismo: o papel da mídia crítica no contexto atual”, ele afirmou a cerca de 150 pessoas que a imprensa crítica “não fala nada de novo e fala para si mesma”. Defendendo linhas editoriais que priorizem a cultura, Kucinski prognosticou “vida curta” aos veículos presentes – entre eles Brasil de Fato –, por causa de “brigas internas”. Representante do governo em um debate que reuniu jornalistas de oito veículos críticos de comunicação, Kucinski defendeu o Promídia – programa de saneamento das
grandes empresas de comunicação, analisado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). Segundo ele, a chamada “imprensa alternativa” deve se mobilizar para buscar financiamento do governo. A sugestão foi aceita, mas com um viés diferente: os jornais e revistas pretendem se articular para discutir posicionamentos políticos, ações conjuntas e formas de sustentabilidade.
SILÊNCIO DA MÍDIA Enquanto os movimentos sociais priorizam a comunicação, os chamados grandes meios silenciam. Um exemplo foi a pífia cobertura jornalística feita nos quatro dias do FSB. Nos principais telejornais de veiculação nacional, o Fórum foi citado apenas indiretamente, no contexto das notícias sobre a condenação do deputado federal Inocêncio Oliveira (PFL-CE), por manter trabalhadores em condições análogas às de trabalho escravo em sua fazenda. Na abertura do evento, os telejornais locais preferiram destacar o trânsito confuso no centro de Belo Horizonte a noticiar a marcha com cerca de 15 mil pessoas. Sobre o FSB, o mesmo silêncio praticado por emissoras de rádio e pelos jornais de grande circulação. Para Benjamin, isso revela a parcialidade com que os meios de comunicação de massa mostram os movimentos sociais. “A sociedade não está parada, ao contrário do que tentam mostrar. Existem nesse país muitos movimentos ativos, milhares de reuniões de base, existe uma teia de organização, e silenciam sobre isso”, disse.