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De 15 a 21 de julho de 2004
NACIONAL SEGURANÇA ALIMENTAR
Direita pressiona por MP dos transgênicos Tatiana Merlino da Redação
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om o adiamento da votação do projeto de lei de biossegurança para agosto, parlamentares de direita querem que o governo edite uma nova medida provisória (MP) autorizando o comércio de soja transgênica em 2005. “É quase impossível não haver uma nova medida provisória”, pressiona o senador Ney Suassuna (PMDB-PB), vice-líder do governo no Senado. Segundo ele, o ministro da Agricultura Roberto Rodrigues aprova a MP. Porém, publicamente a posição do ministro foi outra: “Não há decisão nem interesse do governo em emitir uma nova MP. A decisão do presidente da República é clara. Enviamos o projeto de lei e esperamos que o parlamento resolva o assunto. O resto é conversa fiada”, declarou Rodrigues. Segundo a assessoria de Suassuna, as declarações do ministro de que a MP não será reeditada foram feitas por “desconhecimento do ciclo de produção agrícola brasileiro”. A plantação de soja começa a ser planejada pelos agricultores este mês. Como o uso das sementes modificadas é proibido por lei, os representantes da agroindústria pressionam o governo para resolver a questão com urgência. O deputado estadual Frei Sérgio Görgen (PT-RS) acha muito provável que a medida seja editada. Em sua opinião, as declarações do ministro da agricultura fazem parte de uma estratégia conjunta com os ruralistas para forçar a votação da lei de biossegurança, que libera todos os estudos de impacto ambiental. “Como está, a lei não é tão ruim, mas indo para o Senado as coisas mudam”, diz Görgen. Segundo o deputado, a medida provisória funciona como uma espécie de “paliativo”, caso os ruralistas não consigam o que real-
Agência Brasil
Parlamentares querem que o governo libere, por medida provisória, a soja modificada para a safra 2005
Ativistas são contra a implementação dos transgênicos, que só interessa para quem cultiva a soja transgênica para exportação
mente querem: adiantar a votação. Görgen acredita que o governo não devia ceder às pressões reeditando a MP porque “não tem nada a ganhar com isso”. De acordo com o deputado Adão Pretto (PT-RS), editar uma nova MP seria uma “atitude petulante do governo, pois já estão mais do que esclarecidos os prejuízos que os transgênicos trazem”. O economista Jean Marc Von der Weid diz que, se a medida for aprovada, fica provado que o governo não foi capaz de enfrentar a pressão dos ruralistas.
NOVA MEDIDA No ano passado, o governo já tinha liberado a comercialização da soja transgênica, por meio de MP, para a safra 2003/2004. A
nova medida exigida pelos ruralistas legalizaria o comércio da safra 2004/2005. O governo tinha como estratégia resolver o assunto por meio da aprovação da Lei de Biossegurança, encaminhada à Câmara em 2003, mas os deputados não aprovaram o texto da forma proposta. Segundo o ministro da agricultura, a votação do projeto de biossegurança foi adiada porque os senadores optaram por discutir o assunto “mais um pouco” para tentar um acordo por consenso até o início de agosto. Depois do anúncio do financiamento de R$ 46,6 bilhões para a próxima safra, que começa em setembro, os produtores de soja querem ter segurança jurídica para plantar transgênicos, mas as regras estão travadas no Senado. os prejuízos políticos da MP se-
riam enormes, segundo Adão Pretto: “O desgate político aumentaria e ficaria provado que quem governa o país é a direita, que estão fazendo o Lula de bobo”. O governador do Paraná, Roberto Requião (PMDBPR), declarou: “Se a MP vier, será a legalização do contrabando, pois essas sementes todas entram no Brasil de maneira ilegal. No Paraná, vamos continuar a proibir soja transgênica”.
PREJUÍZOS Os prejuízos para a economia também preocupam especialistas. “A medida só interessa para quem cultiva soja transgênica”, diz Von der Weid. O economista avalia que o episódio do embargo da soja brasileira na China pode se repetir se a soja transgênica for novamente
liberada. Von der Weid explica que, no mercado externo, a soja brasileira ficará sem credibilidade: “Há um risco grande para a economia. Com certeza navios com soja vão voltar para o Brasil”. Segundo ele, o governo não tem condições de separar a soja limpa da transgênica pois esse processo exige muito investimento. O economista lembra também da falta de estudos em relação ao impacto no ambiente e na saúde. De acordo com o engenheiro agrônomo Ventura Barbeiro, uma equipe de médicos italianos descobriu que ratos alimentados com soja transgênica tiveram alterações nas estruturas internas de células do figado e do pâncreas, sendo que os efeitos a longo prazo são desconhecidos.
ATINGIDOS POR BARRAGENS
Rosana Lilian de Juiz de Fora (MG) As águas do Rio Doce, que banham São Sebastião do Soberbo, comunidade rural do município de Santa Cruz do Escalvado, localizado na Zona da Mata mineira, vão transbordar em função da usina Hidrelétrica de Candonga, que está sendo construída pelo consórcio Vale do Rio Doce e Alcan. Com isso, 150 famílias da região perderam suas casas e sua memória. Pedro Caetano dos Santos, de 64 anos, e sua mulher Geralda Marília dos Santos, de 65, são um símbolo desse drama. “Para fazer minha casa, eu carreguei o cimento nos meus ombros. E o pessoal do consórcio, como uns urubus que acompanham a carniça rio abaixo, nem esperou eu sair de perto para destruir tudo que levei anos para conquistar”, desabafa Pedro que, além da mágoa, herdou um problema de pressão. A saga desse povo começou em 2001. As últimas casas foram derrubadas em maio deste ano e os moradores foram transferidos para Nova Soberbo, uma nova comunidade construída a dois quilômetros de Soberbo. Dona Maria Marta, de 76 anos, mora com a filha Rosinei Anacleto Neves, de 18 anos, e lembra do dia que chama de “a tragédia”. Como a Justiça havia concedido a titularidade provisória das terras para o consórcio, alegando que a hidrelétrica seria obra de utilidade pública, a empresa chamou a polícia para retirar a família da propriedade. “Sabíamos que eles viriam à noite e saímos de casa porque estávamos com medo. Mesmo assim eles entra-
Rosana Lilian
Moradores reivindicam condições de sobrevivência
Vista geral da nova Soberbo, à esquerda. Ao lado, dona Maria Marta e, acima, moradores visitam o antigo lar
ram dentro da nossa casa com armas de fogo, quebraram nossa cama, nossa geladeira, jogaram fora a comida fora e os remédios. No início, até cheguei a pensar que a barragem fosse melhorar a vida da gente, que fosse dar um futuro para os nossos jovens”, lamenta a senhora.
DIFICULDADES Em Soberbo, a maioria das casas tinha quintais extensos (de até 2 mil m2), onde eram cultivadas hortaliças e frutas, e onde se criava animais de pequeno e médio portes. Em Nova Soberbo, os moradores receberam lotes de 360 m2. “Eles não têm como plantar e criar seus animais. Além de pequeno, o terreno é inclinado e a terra é de má qualidade, pois é fruto de aterro”,
denuncia o padre Antônio Claret, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Com a nova vida vieram as dificuldades do meio urbano. As 150 famílias estão prestes a engrossar as estatísticas da fome no Brasil. “Eles tiraram a gente da fartura e nos botaram na miséria. Antes eu quase não comprava milho, arroz, galinha. Hoje preciso comprar de tudo e não tenho como”, desabafa dona Maria Marta. O novo vilarejo assemelha-se a uma cidade cenográfica: ruas asfaltadas, casas boas, bem divididas, com piso de cerâmica, janelas e portas de vidro, pia e tanque de mármores, uma quadra poliesportiva, centro comunitário, creche, escola e construções que buscaram
reproduzir as igrejas católica e evangélica. “Estou nessa casa que dizem ser bonita, mas eu não sou daqui, esse não é o meu jeito de viver. Gostava de morar à beira do rio, ao ar livre, gostava de plantar arroz, feijão, cana, milho e nessa terra, que nos obrigaram a morar, nada nasce. Vivo como se estivesse em uma prisão, cercada de muros. Até a nossa igreja a empresa jogou no chão. Trouxeram nossos santos para cá, mas as imagens estão como a gente, todas tristes, presas naquela igreja fria de cimento”, lamenta Maria Nobre de Oliveira, conhecida como Maria Terra, que aos 81 anos vive sozinha na sua nova casa. O povo calmo, de fala mansa e pausada, aprendeu pelos caminhos tortuosos do progresso a lutar por
seus direitos. José Antônio dos Santos é um dos exemplos de resistência. Antes, ele e mais 25 pessoas garimpavam no velho Rio Doce; agora não têm mais do que sobreviver. Articulado e bom de oratória, ele é presidente da Associação dos Moradores de Soberbo. As pessoas se reúnem na rua, votam propostas e as encaminham ao Consórcio. Eles reivindicam um espaço de 1.000 m2 para as famílias que, segundo Santos, seria a média das propriedades de Soberbo. Além disso, lutam para que as atividades de garimpeiros, meeiros e pescadores sejam reconhecidas pelo consórcio. Seu José Vitorino Pinto, de 75 anos, também era garimpeiro. “Vivia do Rio Doce e dava para achar quatro gramas de ouro por semana. Quando não aparecia nada, a gente ia trabalhar plantando fruta, mandioca, milho, batata, feijão. Era pouco, mas dava para viver”, lembra o chefe de uma família de três pessoas. Tudo indica que muita energia ainda será gasta nos corredores do Judiciário. O Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (NACAB) ganhou uma liminar, fruto de uma ação civil pública, que impede o consórcio de encher o lago da barragem enquanto não forem resolvidas as questões ambientais. Uma dessas questões refere-se ao Plano de Reativação Econômica da região. A barragem de Candonga tem potência instalada de 140 MW e sua energia será voltada para uso particular das duas empresas que integram o consórcio.