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De 1º a 7 de setembro de 2005
NACIONAL ENTREVISTA
Lula podia ter feito mais, diz Niemeyer João Alexandre Peschanski e Taís Peyneau do Rio de Janeiro (RJ) entado, em seu escritório em Copacabana, no Rio de Janeiro, Oscar Niemeyer balança a cabeça. “Cansamos de esperar as reformas que Lula prometia”, diz, comentando a crise do governo e do Partido dos Trabalhadores (PT). Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o arquiteto revela que nunca teve ilusões em relação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, segundo ele, chegou ao poder “cheio de ânimo”, mas sem um projeto para mudar radicalmente o Brasil. Esboça um sorriso. Mantém-se otimista, pois “Lênin já dizia que sem sonhar as coisas não acontecem”. Segundo ele, Lula ainda pode “virar a mesa” e implementar ações efetivas contra a pobreza. Para tanto, sugere, deve tomar exemplo nos presidentes cubano e venezuelano, Fidel Castro e Hugo Chávez. Segundo Niemeyer, mais do que nunca é preciso voltar-se à luta por mudanças radicais. Diante da possibilidade de transformar o mundo, outras atividades – até mesmo a arquitetura – perdem importância. Diz isso e caminha para a sala. Nas paredes, frases que escreveu. “Revolução”, “Terra para todos”, “Por um mundo melhor”. Ao lado, nas mesmas paredes, rascunhos e desenhos de suas obras.
S
Brasil de Fato – Apesar da queda do muro de Berlim, da dissolução da União Soviética e, agora, da crise do PT, o senhor continua a ser comunista. De onde encontra motivação? Oscar Niemeyer – Deste mundo de pobres que nos cerca e até hoje espera por uma vida melhor. BF – O comunismo é a solução? Niemeyer – O comunismo resolve o problema da vida. Faz com que a vida seja mais justa. E isso é fundamental. Mas o ser humano, este continua desprotegido, entregue à sorte que o destino lhe impõe.
Quem é
BF – No Brasil, a crise que afeta o PT e Lula enfraquece a luta pelo comunismo? Niemeyer – Não, ao contrário. A situação se faz tão difícil e degradada que um dia só a revolução resolverá os nossos problemas. Quando houve a eleição do Lula, declarei que meus candidatos seriam ou João Pedro Stedile, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ou Leonel Brizola, exgovernador do Rio de Janeiro. Esses homens são de luta. Lula é um ex-operário, cheio de ânimo, mas nunca foi comunista. Seu projeto era melhorar o capitalismo, o que é um objetivo impossível, a meu ver. Minha posição é que precisamos de um presidente que tenha a força de virar a mesa e realizar mudanças radicais, como Castro e Chávez.
Nascido em 1907, Oscar Niemeyer Soares Filho é arquiteto e militante comunista. Formou-se em 1934 na Escola de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Onze anos depois, ingressou no Partido Comunista Brasileiro. Manteve a militância durante toda a vida. Entre seus principais projetos estão o desenho da sede da Organização das Nações Unidas (ONU), o Parque do Ibirapuera em São Paulo (SP) e, principalmente, a construção de Brasília, onde foi responsável pelos projetos do Palácio da Alvorada, do Congresso Nacional e da Catedral Lula. No geral, rejeitam a hipótese. O que o senhor acha disso? Niemeyer – É péssimo. Os que são contra o Lula são muito piores.
BF – Qual o impacto da crise na esquerda? Niemeyer – Cansamos de esperar as reformas que Lula prometia. Para nós ele deveria se ligar à esquerda do PT e cumprir as promessas que fez ao povo. Seria a sua última oportunidade.
BF – Se o presidente realmente estivesse ameaçado de ser derrubado, o senhor acha que as pessoas sairiam às ruas para defendê-lo? Niemeyer – Depende dele. Depende dele.
(Lula) prometeu muita coisa e, para acabar seu governo como um homem digno, de pé, precisa cumprir as promessas
BF – O que isso quer dizer? Niemeyer – Que ele tem que agir, apelar para as bases. Ele prometeu muita coisa e, para acabar seu governo como um homem digno, de pé, precisa cumprir as promessas. que sem sonhar as coisas não acontecem.
BF – Lula tem força e, principalmente, vontade para uma mudança radical? Niemeyer – Tinha. Mas para mantê-la ele teria que se ligar ao povo, apoiar com maior vigor a reforma agrária, o MST, o movimento mais importante que existe em nosso país. Deveria ser menos gentil com os donos do dinheiro, inclusive com o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, um cretino que não devia existir.
BF – O senhor concilia arquitetura e comunismo, que parecem distantes... Niemeyer – A vida é mais importante do que a arquitetura. A arquitetura não muda nada, mas a vida pode mudar a arquitetura.
BF – O que deu errado no PT? Niemeyer – Um partido de esquerda que se enfraquece esquecendo as suas origens... Até o MST, um movimento que Stedile lidera tão bem, não teve do governo atual o apoio que deveria ter. Sobre tudo isso escrevi num artigo comentando como é difícil mudar este mundo coberto de miséria e discriminação. BF – Nesse artigo, o senhor disse que era preciso ser otimista. Continua com essa opinião? Niemeyer – Sim. Lênin já dizia Agência Brasil
BF – Como se constrói, no ideário popular, uma visão positiva do comunismo – termo que parece estar bastante desgastado desde a derrocada da União Soviética? Niemeyer – A Revolução Russa de 1917 fez Mujique – Nome de um país de dado aos campomujiques a seneses russos que viviam em regime gunda potênfeudal. O governo cia mundial. revolucionário, insFoi fantástico. taurado em 1917, Setenta anos após a Revolução de Outubro, implemende glória e a tou diversas políticas vitória defipara melhorar as nitiva contra condições dos trabalhadores, especialo nazismo. mente os rurais. Não podemos
esquecê-la. Sabemos que é o caminho a seguir.
Taís Peyneau
Para o arquiteto, presidente não fez mudanças radicais, mas tem condições de implementar ações contra a pobreza
BF – O que é uma arquitetura mais igualitária? Niemeyer – Aquela que a todos atende sem discriminação. Vou esclarecer a vocês meu ponto de vista. Quando o governo decide fazer uma escola perto das favelas, a idéia é sempre fazer algo mais pobre. Isto é errado. Recentemente, projetei uma biblioteca e um teatro em Caxias. Fiz como se fosse para Copacabana, o projeto mais audacioso possível. Não pode haCentros Integraver discrimidos de Educação nação. QuanPública (Cieps) do Brizola fez – Idealizados por Brizola, em 1983, e os Centros Inteprojetados por Niegrados de Edumeyer, são escolas cação Pública de período integral. (Cieps), vimos Atendem em média 1.000 crianças por que os menidia, oferecendo, nos entravam além de aulas, atinos prédios vidades culturais, esportivas e lazer. com orgulho, Há 500 unidades em imaginando, funcionamento, gena sua inocênralmente instaladas cia, que os temem áreas pobres do Estado. pos iam mudar e eles poderiam começar a usufruir o que antes só às crianças mais ricas era permitido. BF – A arquitetura está muito vinculada ao urbano. É possível pensá-la para os camponeses? Niemeyer – A arquitetura obedece sempre a um programa e, no caso, seria diferente, voltada para a vida dos homens do campo.
Na Brasília de Niemeyer, manifestação pela reforma política
BF – Se pudesse voltar no tempo, o senhor participaria, de novo, da construção de Brasília? Niemeyer – Não sei. Brasília foi uma aventura, parecia o fim do mundo. E não eram poucos os
problemas que ocorriam naquela época. Lembro que, logo nos inícios de Brasília, fui chamado à polícia política. Avisei ao presidente, que, homem de centro que era, me advertiu: “Você não pode ir. Tiram o seu retrato, e eu não poderei mais recebê-lo no Palácio.” Mas o meu amigo logo se recuperou, telefonando para o general Amaury Kruel: “O Niemeyer não pode ir. É meu elemento-chave em Brasília.” BF – O senhor foi à política política? Niemeyer – Mais duas vezes. Numa delas, só para ser “escrachado”, como se diz, isto é, ir de mesa em mesa, apresentando-se aos policiais de plantão. Na outra vez, quando voltei ao Brasil, lembro que fui levado para uma sala acolchoada, onde um policial me fazia as perguntas que um crioulinho batia à máquina. Recordo a última pergunta: “O que vocês comunistas pretendem?” “Mudar a sociedade”, respondi. E o policial disse ao rapaz: “Escreve aí: mudar a sociedade”. E o crioulinho riu, dizendo para mim: “Vai ser difícil”.
Se eu fosse jovem, em vez de fazer arquitetura, gostaria de estar na rua protestando contra este mundo de merda em que vivemos BF – Muitas vezes, o senhor foi criticado porque Brasília é muito vazia. No entanto, sempre que desenhou a cidade, enchia-a de gente. A cidade saiu como o senhor queria? Niemeyer – Ao contrário, hoje Brasília tem gente demais. Até o tráfego começa a ficar difícil. BF – Setores da direita e esquerda discutem o impeachment do
BF – O que aprendemos com a tomada do poder por Lula e com a crise que o assola? Niemeyer – Um aprendizado muito duro... É que infelizmente falta conhecimento político ao nosso povo para decidir coisas dessa natureza. Sempre reclamamos não serem levados à juventude os problemas da vida e do ser humano, cuja compreensão deve fazer parte de sua formação. Cada um sai da escola apenas interessado nos problemas de sua profissão. BF – O que quer a direita? Niemeyer – Manter este clima de poder, de injustiça social e de subserviência ao império norteamericano. BF – Dizem geralmente que quem controla o mundo é o Bush. Niemeyer – O Bush, no fundo, é um idiota que tem as armas na mão e delas se serve para levar o terror às áreas mais desprotegidas. Representa o capitalismo, que, decadente, tudo faz para subsistir. BF – Na arquitetura, o senhor está trabalhando em algum projeto que traduza sua visão atual do Brasil e do mundo? Niemeyer – Se eu fosse jovem, em vez de fazer arquitetura, gostaria de estar na rua protestando contra este mundo de merda em que vivemos. Mas, se isso não é possível, limito-me a reclamar o mundo mais justo que desejamos, com os homens iguais, de mãos dadas, vivendo dignamente esta vida curta e sem perspectivas que o destino lhes impõe. BF – A arquitetura não tem função social? Niemeyer – Deveria ter. Mas, quando ela é bonita e diferente, proporciona pelo menos aos pobres e ricos um momento de surpresa e admiração. Mas quanto lero-lero! Na verdade, o que nós queremos é a revolução.