Ano 2 • número 65 • De 27 de maio a 2 de junho de 2004 – 9
SEGUNDO CADERNO PALESTINA
Arafat pede ajuda internacional
Presidente diz que governo israelense não respeita palestinos e que toda a humanidade precisa detê-lo
O
Brasil de Fato – A população israelense, a não ser uma ínfima minoria, se cala quanto à violência que o governo de Sharon promove na Palestina. O que falta para surgir um grande movimento em Israel que se oponha à ocupação? Yasser Arafat – Em Tel Aviv, no dia 15 de maio, ocorreu uma manifestação com mais de 150 mil pessoas, todas israelenses. Querem a paz, e por isso sempre temos contato com elas, mostrando o que se passa com o povo palestino e denunciando a política de Sharon. O grupo que governa Israel hoje é extremista e não quer o diálogo, mas sim interromper as negociações e matar todos os que tentarem impedi-los de ter o domínio total do território. É o grupo que assassinou o primeiro-ministro israelense Itzakh Rabin. É o mesmo grupo que promove um massacre cotidiano da população palestina nos territórios ocupados. É o mesmo grupo que destrói qualquer uma de nossas tentativas de criar um Estado palestino. BF – Milhares de casas destruídas, plantações queimadas, pessoas assassinadas. A violência do Exército de Israel não tem limites? Arafat – Não respeitam nem mesmo lugares sagrados. Na Semana Santa, soldados israelenses atacaram a Igreja do Santo Sepulcro, que está em território palestino, e destruíram parte do local, considerado sagrado para muçulmanos e católicos. Os soldados não permitem que os muçulmanos entrem em Jerusalém para orar. Perto de Ramallah, havia a igreja mais antiga do mundo, chamada Santa Bárbara, que foi completamente dinamitada pelos soldados. E qual era a explicação? Mais tarde descobrimos que destruíram a igreja mais antiga do mundo para construir parte do muro que isola a população palestina. Infelizmente, não houve protestos internacionais contra isso. Lembra quando os talebans explodiram aquelas imagens de Buda (no Afeganistão, em março de 2001)? Naquele momento, houve protestos em todo o mundo. Como isso pode ser aceito pelo mundo? BF – A comunidade internacional, salvo em algumas ocasiões, não ousa denunciar o governo israelense, muito por medo do apoio que Sharon recebe do governo dos Estados Unidos. O que os governantes de outros países dizem para o senhor? Como justificam suas posições? Arafat – O presidente estadunidense, George W. Bush, justificou o ataque ao Iraque, acusando o governo do país de possuir armas de destruição em massa. Segundo
Yasser Arafat é o presidente da Autoridade Nacional Palestina. Prêmio Nobel da Paz em 1994, juntamente com o então primeiroministro de Israel, Itzakh Rabin, ele lidera as negociações para acabar com a ocupação israelense nos territórios palestinos desde 1969. Em 1988, ele aconselhou o povo da Palestina a renunciar à luta armada contra israelenses e, em 1996, foi eleito presidente da Palestina. Em declarações recentes, o primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, disse que Arafat era um risco para a segurança de Israel e que, por isso, poderia ser eliminado. João Alexandre Peschansk
presidente da Autoridade Nacional Palestina, Yasser Arafat, denuncia o massacre do qual o povo palestino é vítima. Segundo ele, desde 2001, foram 73 mil pessoas mortas e feridas por soldados israelenses. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Arafat, Prêmio Nobel da Paz em 1994, condena a política do primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, acusado de cometer um crime contra a humanidade. Para deter o massacre, diz, a comunidade internacional precisa mobilizar-se. Impedido de sair há três anos de seu quartel-general, que está em ruínas e sob constante ataque de soldados israelenses, ele acredita que a paz ainda pode ser construída e alcançada na região.
destruição indescritível e sob ataque constante, e sou o presidente eleito. A situação do povo é muito pior. Três mil observadores internacionais acompanharam a eleição e concluíram que era legítima. Mas isso nada vale para os soldados israelenses que intensificam a violência contra nosso povo. É um castigo coletivo imposto ao nosso povo. O que pedimos é o cumprimento das decisões internacionais, que indicam a necessidade de se criar um Estado palestino soberano, com base em acordos que assinamos com o governo israelense. São milhares de acordos e resoluções assinadas e aceitas, tanto por nós quanto por israelenses, que nunca foram cumpridos. Alguns deles firmados com o próprio Sharon, quando ele era ministro (das Relações Exteriores), em 1998. Posso enumerar cada um deles, e o mundo sabe que nenhum foi cumprido. O governo israelense quer construir a paz só no discurso, pois tem uma política de guerra e massacre. A destruição ocorre sem parar, acompanhada do terror, em Gaza e na Cisjordânia.
Hussein Hussein-Ho/AFP
Quem é
João Alexandre Peschanski de Ramallah (Palestina)
Armadilhas feitas com pedaços de pau e concreto para impedir que helicópteros pousem no pátio do quartel general de Arafat
pesquisas estadunidenses, o governo israelense usa e abusa de armas químicas, especialmente urânio, contra a população palestina. Outros estudos chegaram ao mesmo resultado. As conseqüências das armas químicas israelenses são quase idênticas às das bombas atômicas de Nagasaki e Hiroshima. Infelizmente não há protesto internacional contra isso. O governo de Israel constrói um muro que confisca terras – 58% das terras palestinas na Cisjordânia – e cria pequenos guetos de populações, cercados e controlados militarmente, e a comunidade internacional se cala. Nas condições atuais, e sob ataque constante de Israel, não dá para criar um Estado. Em todas as declarações das autoridades palestinas, incluindo as minhas, apontamos nossa vontade de criar a paz e cooperar para construíla. Enquanto falamos de paz, os soldados israelenses confiscam ou arrasam nossas melhores terras. BF – A grande mídia diz que a ofensiva em Rafa é a pior de todos os tempos. Arafat – A destruição é quase to-
IRAQUE
O mesmo grupo que assassinou Itzakh Rabin promove um massacre cotidiano nos territórios ocupados tal. Casas, vidas, tudo se perde. Agora falam de uma possível retirada, mas é uma grande mentira. Falam da retirada de “algumas” posições militares, mas não todas. Diziam que não mais atacariam, mas a metade da cidade de Rafa está destruída. Dezenas de pessoas morreram. Sharon declara publicamente que continuará a destruir casas em Rafa, mesmo contra decisões da Organização das Nações Unidas (ONU), e a separar cada vez mais a Cisjordânia de Gaza. Também propõe dividir a Faixa de Gaza em três partes, desconectadas umas das outras, além de manter o controle sobre palestinos por terra, mar e ar. Gaza se transformou em uma grande prisão, com todos os níveis de terror que isso gera. Até o momento, 80% das terras cultiváveis de Gaza foram destruídas. Quem pode aceitar isso? Infelizmente, não há suficientes protes-
tos internacionais. Nos últimos três anos e meio, temos 73 mil pessoas mortas ou feridas. Dos feridos, 31% são crianças. O número de inválidos cresce a cada dia, e hoje representa 38% dos feridos. Também não há protestos internacionais. Além disso, o governo israelense adota uma política de confiscar todas as arrecadações tributárias destinadas às autoridades palestinas. Não temos como manter nossas escolas e hospitais funcionando. A vida cotidiana de nosso povo se torna quase impossível. A destruição dos prédios públicos é quase total, temos que reconstruir tudo. E quando reconstruímos, eles atacam de novo. BF – O senhor vive isolado, no meio de prédios totalmente destruídos. É assim a vida dos palestinos hoje? Arafat – Estou há três anos isolado, vivendo no meio de uma
BF – As negociações não funcionaram. Como os palestinos e as pessoas solidárias à luta contra a ocupação israelense podem ajudar a acabar com o massacre? Arafat – A comunidade internacional precisa se mobilizar. Estamos sendo massacrados e pedimos socorro. O mundo não aceitou o Muro de Berlim, e o Muro foi destruído. É preciso criar uma rede internacional para derrubar o muro que o governo israelense constrói. As resoluções da ONU existem; por que não mandam ajuda militar, que seja? Mandam tropas para diversos países, e por que não para a Palestina também? A comunidade internacional precisa proteger os campos de refugiados palestinos, isso faz parte dos direitos internacionais. É preciso que haja observadores internacionais para ver o massacre. Não há proteção internacional para nós. Em Belém, quando a cidade foi sitiada, tentaram incendiar uma igreja, patrimônio universal da humanidade, dizendo que havia terroristas escondidos. O governo israelense não respeita a humanidade e é toda a humanidade que precisa detê-lo. E quando pessoas solidárias à luta do povo palestino vêm protestar aqui, muitas vezes são deportadas ou até assassinadas. O governo israelense não respeita as decisões e a vontade da humanidade. É preciso detê-lo.
Cartas relatam terror cotidiano
da Redação Cartas de pessoas que estão morando no Iraque e enviadas ao Brasil de Fato – os autores não querem ser identificados para não sofrerem represálias – dizem que o país é um campo de batalha, há mais de um ano. Aviões de guerra e helicópteros militares sobrevoam o céu dia e noite e os bombardeios são ininterruptos. Tanques e blindados estadunidenses causam congestionamentos nas estradas e nas vias urbanas, matando civis, que são a maioria das vítimas da guerra. Não há ordem pública, autoridade ou governo. Segundo as cartas, no Iraque não há documentos legais; impera a lei da selva. “As pessoas vivem num pesadelo. A
porcentagem de desemprego é muito alta, como também é muito alto o risco de trabalhar para as forças da coalizão ou empresas estrangeiras, pois sempre há riscos de atentados por parte dos resistentes iraquianos”, dizem os textos.
MAIS IMUNIDADE? Os Estados Unidos defendem uma nova resolução do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para isentar suas tropas de responsabilidade por crimes de guerra em operações da própria ONU. Essa isenção foi aprovada em 2000 e prorrogada em 2003, até junho de 2004. Agora, o governo estadunidense pede nova prorrogação, mesmo em meio à indignação mundial contra a tortura
de civis iraquianos por soldados invasores. “Devido às recentes revelações da prisão de Abu Ghraib (em Bagdá), o governo dos Estados Unidos escolheu um terrível momento para pedir tratamento especial sobre crimes de guerra”, comentou Richard Dicker, da organização Human Rights Watch, com sede em Nova York. “O Conselho de Segurança da ONU não deveria conceder favores especiais a nenhum país, incluídos os EUA”, acrescentou. Os abusos cometidos pelos soldados estadunidenses justificariam um julgamento por crimes de guerra, segundo advogados, mas os Estados Unidos não podem ser levados perante o Tribunal Penal Internacional (TPI), porque Washington não
ratificou o Estatuto de Roma, que o criou. O presidente Bill Clinton (1993-2001) assinou o estatuto em dezembro de 2000, mas, em maio de 2002, seu sucessor, George W. Bush, retirou a assinatura. Pouco depois, o governo estadunidense lançou uma campanha contra o TPI. Assim, ameaçou vetar operações de paz da ONU, a menos que o Conselho de Segurança desse imunidade aos cidadãos estadunidenses perante esse tribunal. Além disso, os Estados Unidos assinaram uma série de acordos bilaterais, inclusive com Estados membros do TPI, que obrigam as contrapartes a não entregarem soldados estadunidenses ao tribunal mundial. (Com IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)