Agricultura da imagem

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rodrigo braga curadoria daniel rangel

setembro a novembro de 2014


rodrigo braga curadoria daniel rangel




Impressões Particulares

Cada artista manifesta a relação da arte com a natureza de diferentes formas, imprimindo nessa conexão rastros de elaboração humana, que podem ser encontrados nos traços característicos de um pintor, nos contornos na matéria de um escultor ou no ângulo adotado por um fotógrafo. Assim, a partir da recriação que faz da natureza ou de outros objetos, são reveladas suas escolhas estéticas. Pode-se ainda descobrir perspectivas de mundo, experiências vividas e transmitidas no fazer artístico, em que estão expressos valores, questionamentos e inquietações. No trabalho de Rodrigo Braga, recortes de tempo e espaço, captados pelas lentes de uma câmera, fixam fragmentos da realidade em uma composição por ele idealizada. As obras mesclam elementos minerais, vegetais e animais, em uma transmutação simbólica da natureza, tendo por referência pesquisas estéticas e conceituais, relacionadas com os três regiões que marcaram sua trajetória: Amazonas, Pernambuco e Rio de Janeiro.

Resulta daí a mostra Agricultura da Imagem, localizada na intersecção entre arte e natureza, entre fotografia e performance, composta por registros fotográficos e audiovisuais que buscam problematizar, de maneira subjetiva e múltipla, aspectos socioculturais e ambientais relevantes para a construção de novas perspectivas e olhares sobre o mundo. Para o Sesc, o contato dos públicos com repertórios culturais distintos possibilitam abrir novos canais de interação e transformação da sociedade. Neste sentido, a consolidação de espaços permanentes de reflexão e difusão dos saberes, experiências e pesquisas no âmbito da criação, circulação e recepção dessas obras reafirma o caráter emancipatório da arte no aperfeiçoamento da cidadania. Sesc




A tensão orgânica de Rodrigo Braga Daniel Rangel, curador

Segundo o renomado artista canadense Jeff Wall, o fotógrafo agricultor é aquele que constrói suas imagens a partir de ideias concebidas previamente. Conceito oposto ao do “fotógrafo caçador”, mencionado pelo fotógrafo Ansel Adams, que captura o instante que vê. Agricultura da Imagem é uma mostra composta por obras semeadas pelo artista. Um plantio visual carregado de signos e de elementos díspares colhidos da natureza.

A trilha na mata começa paradoxalmente na beira da estrada de uma grande cidade. Pisadas quebram folhas e galhos secos durante o caminho. À medida que adentramos o verde, a luz diminui e a mata aparece. Em um instante estamos imersos na floresta. Sou testemunha ocular deste percurso. A ele interessa olhar o detalhe, não somente o todo; a raiz retorcida, a árvore seca e o formato das pedras, galhos e folhas.



Rodrigo Braga nasceu na “porta de entrada” da maior floresta tropical do mundo, a Floresta Amazônica. Em uma casa de pesquisadores, função que seus pais na época exerciam, na divisa entre a mata e a cidade de Manaus. Em meados dos anos 70, pouco se falava em sustentabilidade ou preservação ambiental. Contudo, ser filho de ecologistas pioneiros e ter contato prematuro com riquezas naturais deixaram marcas permanentes em sua trajetória. Atualmente, o ateliê de Rodrigo é o próprio meio natural, apesar de sempre ter morado na cidade. A tensão de viver no caos urbano, em meio ao crescimento desordenado, e possuir uma inerente educação ambiental é, muitas vezes, o ponto de partida de sua criação. Suas obras frequentemente alertam que o homem possui uma relação inerente e é parte integrante da natureza. Criações oníricas, mimetismos artísticos inspirados em conceitos biológicos, mas que propõem fusões instantâneas praticamente impensáveis no tempo expandido e evolutivo das ciências naturais. Peixes que viram folhas. Pedras, galhos e fendas que se transformam em órgãos humanos. Ossos, penas e destroços de animais que mudam de lugar e se adaptam a novas realidades como folhas e frutos. Um universo criado pelo artista com doses de surrealismo, de fantástico e de arte conceitual. Ainda criança, Rodrigo mudou‑se para Recife, onde cresceu e começou seu fazer artístico. Desde a infância, mostrou grande talento para o desenho cujos temas abordados sempre se relacionavam com a fauna e a flora. Nesta exposição, reunimos uma série deles, realizados quando tinha entre 10 e 14 anos de idade. Sua produção atual incluiu sobretudo fotografias e vídeos que possuem estreitas relações com outras linguagens e que, na sua grande maioria, nascem a partir de projetos anteriormente desenhados. Normalmente, ele explora sozinho as trilhas e reconhece as curvas dos caminhos por marcas visuais que encontra, como o formato de um caule ou a raiz de uma árvore. Suas principais ferramentas de trabalho são mochila, saco de dormir, lanternas, frutos secos, água mineral, câmera, tripé, lápis e folhas de papel em branco. Um processo artístico que passa por um garimpo de substâncias, cores, sentidos, formas e caminhos. A série “desenhos de concentração” registra o início desse diálogo sensorial e visual com o meio ambiente.



Estou deitado sob um céu nublado, quase escuro, com poucas estrelas. A sinfonia de sapos, grilos e outros bichos se mistura ao som de água corrente. O tripé e a luz estão montados, a câmera ligada e os troncos escolhidos. Rodrigo pega do chão uma tora de madeira e começa espancar violentamente o solo ao seu redor. Pauladas que soam como explosões dentro da mata escura. Ele bate, espana e espeta toda a área até chegar à fadiga total. A terra responde ao seu ato aparentemente violento, tornando‑se ainda mais fofa, quente e receptiva. Então, ele se deita e dorme. Rodrigo possui olhos e metodologia de um pesquisador de campo. Porém, sua prática artística desloca elementos naturais de seu formato e sentidos originais. Uma subversão “duchampiana” amplificada pelos temas e processos envolvidos. A partir das imagens e ações que concebe, busca os elementos e locais para executá‑las. São recorrentes as diferentes leituras de um mesmo tema, como nas séries “Ilha” e “Refugo”, em que apresenta diferentes possibilidades estéticas de uma mesma ideia. Trata‑se de uma fotografia que se relaciona diretamente com a pintura e a instalação. Rodrigo vive atualmente no Rio de Janeiro, cidade que possui uma densa floresta dentro de si, a Floresta da Tijuca. Fauna e flora que servem de arsenal poético e visual próximo à sua casa. Um deslocamento aparentemente rápido, mas que se torna profundo e fundamental para sua criação expandida. O recorte apresentado na exposição é fruto desse rico processo de construção imagética e simbólica, que corresponde aos últimos cinco anos de produção do artista. No “gabinete‑instalação”, especialmente montado para a mostra, percebe‑se a dilatação do tempo presente em seu modus operandi. Todas as obras foram realizadas nos três estados brasileiros, que estão diretamente conectados à sua vida: Amazonas, Pernambuco e Rio de Janeiro. Diferentes regiões do país, cada uma delas com características naturais e culturais bem marcantes. Projetos realizados no interior da Floresta Amazônica, na Mata Atlântica carioca, nas praias e semiárido pernambucanos. Trabalhos que possuem visualidades que estão inseridas em contextos tipicamente brasileiros e que exibem a riqueza e a diversidade do nosso patrimônio natural e imaterial de forma crítica e pessoal.



Os vídeos, coração desta mostra, pulsam as vibrantes ações performáticas de Rodrigo. Processos de fusão, em que a inter‑relação homem e natureza é acentuada e muitas vezes levada ao seu limite. O impacto das cenas contrastam com a beleza das imagens. Microuniversos que pertencem ao nosso mundo e que normalmente passam despercebidos são revelados e transformados pelo artista, que normalmente está presente nas situações. Aos poucos, amanhece e revelam‑se as vivas cores da mata atlântica. Cantos de diferentes pássaros ocupam o ar. O orvalho úmido da noite começa a palpitar e desaparecer com o calor do dia. Ele se desperta lentamente, mantém‑se deitado no solo. Acaricia a terra, rasteja, esfrega‑se nela. Parece querer fundir‑se num só corpo, como em uma cópula. Seres vivos unificados pela intensa troca energética. Para o fotógrafo agricultor, em contraponto ao caçador, não interessa o instante que vê, mas sim o instante que viu. Trata‑se de uma eterna busca por um “déjà vu” imagético previamente concebido, em que o acaso é fruto de um cuidadoso preparo e do tempo expandido da execução. Rodrigo não tem pressa, pois sabe que esta é inimiga da perfeição e da harmonia que busca. Daniel Rangel




Ricardo Braga, biólogo

ÁGUA

FOLHA

BICHO

MARROM

AZUL

PRATEADO

LUZ

SOLO

AR

MAR

RIO

ILHA

A sequência posta até que poderia ser outra, vista em linha, em coluna ou na diagonal. Tanto faz, uma vez que na obra de Rodrigo Braga o todo é que se faz um, sistema, orgânico, em equilíbrio. Se as folhas são azuis, suas nervuras podem ser esqueleto de bicho. Se vistos do ar, os peixes são prateados, mas no solo podem adubar sementes férteis. Se a água é mar, nada impede que seja uma ilha, desde que cercada de terra por todos os lados. E se o rio é marrom, até que poderia ser iluminado até o fundo, de tanta transparência.

Difícil é não se encantar percebendo essa transmutação, cujas formas e funções se alternam, sem lugar exato e definitivo. Para mim, é como testemunhar, na arte, o que a vida expressa na eloquência da sua evolução: fluxos, relações, mutações, adaptações. O que é o mimetismo biológico senão um matreiro jogo de formas e funções? Na obra de Rodrigo, contraste e harmonia convivem. A individualidade é expressa no diverso, facultando o entendimento do conjunto. Da mesma maneira que a complexidade é assumida pela proposital interação dos diferentes.


O que seriam, então, peixes e urubus compartilhando a aura da copa de uma árvore na beira da floresta? É certo que por vezes incomoda, mexe com conceitos assentados ou com a moral mediana, mesmo que esta provocação seja justa para quem se propõe a não ceder aos caprichos midiáticos da estética previsível. Como em todas as suas exposições, natureza e arte estão juntas, no grito das imagens criadas a partir das já existentes, concretas, colhidas na Amazônia, na Mata Atlântica ou no litoral.

Agora relidas, redimensionadas em suas funções e formas por um novo criador, que se dá ao direito de esquecer a evolução darwiniana, para atribuir novos valores ao que esta já criou. Esquece voluntariamente, mas não a nega, por entender que a arte lhe dá a liberdade que a sequencialidade dos processos biológicos não permite. Ricardo Braga





SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Administração Regional no Estado de São Paulo

AGRICULTURA DA IMAGEM Rodrigo Braga

PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL Abram Szajman DIRETOR DO DEPARTAMENTO REGIONAL Danilo Santos de Miranda

Sesc Belenzinho

SUPERINTENDENTES Técnico Social Joel Naimayer Padula Comunicação Social Ivan Paulo Giannini Administração Luiz Deoclécio Massaro Galina Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli GERENTES Artes Visuais e Tecnologia Juliana Braga Adjunta Nilva Luz Assistentes Juliana Okuda e Sandra Leibovici Estudos e Desenvolvimento Marta Colabone Adjunto Iã Paulo Ribeiro Sesc Belenzinho Marina Avilez Adjunta Patrícia Piquera

Programação Salete dos Anjos (coordenação), Catia Leandro e Juliana Santos (supervisão), Helena Bartolomeu e Juraci de Souza Serviços Edmilson Ferreira Lima Infraestrutura Josué Cardoso Administrativo Marcelo de Jesus Comunicação Ricardo Martins Alimentação Roselaine Tavares da Silva Idealização Instituto De Cultura Contemporânea – ICCo Direção Executiva Regina Pinho de Almeida e Roberto Bertani Direção Artística e Curadoria Daniel Rangel Direção Institucional Têra Queiróz Produção Marcela Amaral (coordenação) e Bianca Volpi Comunicação Julia Saleme Desenvolvimento Institucional Rita Wirtti (coordenação) Rafaela Vaz e Helena Müller Administração Anderson Coelho (coordenação) e Karina Nascimento Assistentes Rodrigo Braga Victor Lorenzetto Monteiro, Laís Dias e João Rivera Monteiro Identidade visual Carla Castilho e Lia Assumpção | janela estúdio Museografia Álvaro Razuk Arquitetura Assessoria de imprensa A4 Comunicação Montagem Waléria Alexandrino Dias – Produção e Montagem de Exposições Apoio à montagem Equipe de Infraestrutura Sesc Belenzinho Instalação [árvore] Maurizio Zelada Ação educativa Dialogum Projetos Culturais e Núcleo Socioeducativo Sesc Belenzinho Concepção e textos do livreto de mediação da exposição Ângela Castelo Branco e Valquíria Prates

O artista respeita a ética ambiental buscando obter informações e autorizações dos órgãos competentes.


Agricultura da Imagem Rodrigo Braga Visitação de 04 de setembro a 30 de novembro de 2014 Terça a sábado, das 10h às 21h. Domingos e feriados, das 10h às 19h30. Agendamento de Visitas Educativas tel. 11 2076-9704 das 10h às 17h ou agendamento@belenzinho.sescsp.org.br realização

Sesc Belenzinho Rua Padre Adelino, 1000 cep 03303-000 Belém tel (11) 2076 9700 email@belenzinho.sescsp.org.br sescsp.org.br/belenzinho /sesc belenzinho

idealização


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