HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA NO CEARÁ DO SÉCULO XIX Ary Bezerra Leite
HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA NO CEARÁ DO SÉCULO XIX Ary Bezerra Leite
o Autor
ARY BEZERRA lEITE, natural de fortaleza, consultor na área de administração, professor universitário, jornalista e pesquisador da história cearense e do cinema. formado pela fundação getúlio Vargas, do rio de Janeiro, pós-graduado na ecole nationale d’administration, de Paris, e na University of south dakota, em Vermillion, nos estados Unidos. ocupou inúmeras funções de direção em órgãos públicos no Ceará e foi responsável por reformas administrativas e inovação tecnológica em organismos públicos e privados. desde a década de 1950 desenvolveu atividades voltadas à pesquisa e difusão do cinema. foi produtor e diretor artístico da rádio iracema de fortaleza e da rádio Uirapuru de fortaleza, quando produziu o programa de grande audiência “Clube do fã”, incluindo a etapa “Vamos falar de cinema”. foi redator de cinema na Gazeta de notícias e colaborador em O povo. atuou com darcy Costa no Clube de Cinema de fortaleza. no rio de Janeiro, criou o Cine-Clube eBaP e foi um dos membros fundadores da federação de Cine-Clubes do rio de Janeiro. representou a área de cinema no Conselho estadual de Cultura do Ceará, exerceu cargo de direção da secretaria de Cultura e participou da coordenação do iiº festival de fortaleza do Cinema Brasileiro. Como pesquisador, resgatou e catalogou as informações sobre todos os filmes exibidos na cidade de fortaleza, desde 1897 até os nossos dias. desenvolveu pesquisas em instituições nacionais e
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internacionais, em cidades como rio de Janeiro, são Paulo, salvador, recife, Viena, Copenhague, Belgrado, Paris, Munique, albuquerque, Washington d.C., Budapest e Milão. foi Homenageado especial no V Cine Ceará – festival nacional de Cinema e Vídeo (1995) e agraciado com o Prêmio Patatativa de arte e Cultura (2002), concedido pela Prefeitura Municipal de fortaleza / fundação de Cultura, esporte e turismo – fUnCet. recebeu Medalha de Mérito educacional – Medalha dos 30 anos da UeCe – Universidade do estado do Ceará (2006) e a Comenda adhemar albuquerque – por serviços prestados ao audiovisual Cearense – concedida pela associação Cearense de Cinema e Vídeo (2008). recebeu vários diplomas concedidos pelo instituto de investigaciones da estéticas da UnaM e instituto Mexicano de Cinematografía (2011), sated-Ceará (2013), assembleia Legislativa do Ceará (2013, 2018), Conselho federal e Conselho regional de administração (2013, 2017) e outras entidades. Membro fundador da academia de Ciências sociais do Ceará e da academia Cearense de Cinema. sócio efetivo do instituto do Ceará (Histórico, geográfico e antropológico) (2018). É autor dos livros Fortaleza e a era do cinema – Pesquisa histórica: 1891-1931, História da energia no Ceará, A tela prateada (Cinema em Fortaleza – 18971959 – Do cinematógrafo aos anos 50) e Memória do cinema: Os ambulantes no Brasil (Cinema itinerante no Brasil, 1895-1914).
História da fotografia no Ceará do Século XIX Ary Bezerra Leite
Apresentação Silas de Paula HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA NO CEARÁ DO SÉCULO XIX: Transformando a incompletude em caminhos possíveis.
AGRADEcIMENToS Às instituições que permitiram o acesso a seus acervos ou viabilizaram fontes de informação, dentre as quais: Arquivo Público do Estado do Ceará (Fortaleza) Biblioteca Mário de Andrade (São Paulo) Biblioteca Pública Menezes Pimentel (Fortaleza) Birmingham Library (Birmingham, Inglaterra) Casa de Juvenal Galeno (Fortaleza) Fundação Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro) Fundação Joaquim Nabuco (Recife) Instituto Cultural Ponta Delgada (Açores) Instituto do Ceará (Fortaleza) Junta Comercial do Ceará (Fortaleza) Museu do Índio / Fundação Nacional do Índio (Rio de Janeiro) Museu do Ceará (Fortaleza) Museu Histórico de Sobral (Sobral) Zimmerman Library / University of New Mexico (Albuquerque, EUA) Meu reconhecimento aos amigos que me apoiaram na concretização do projeto: José Liberal de Castro, Carlos Negreiros Viana, Luciano Klein Filho, Tiago Santana, Luiz Bizerril e Carla Castro.
A todos que durante os anos de pesquisa tornaram mais fácil o trabalho com sugestões, depoimentos e facilitação de acesso a material bibliográfico e fotográfico, dentre eles: Ângela Gutièrrez, Antonio Galeno, Denise Portugal Lasmar, Eduardo Bezerra Neto, Gerson Ipirajá, Isabel Pires, J. Terto de Amorim, José Alberto Dias Lopes, Levi Jucá, Luciano Titara Mesquita, Marcos da Cruz, Marília Coelho, Nirez (Miguel Ângelo de Azevedo), Oswaldo Gutièrrez Filho, Pedro Parente, Raimundo Gomes, Raymundo Netto, Rui Olsen, Sérgio Gomes de Matos, Stélio Ferreira, Valdemar de Lima Vilar. Em memória, Abelardo Montenegro, Aloyisio de Alencar Pinto, José Maria Barros Pinho, Mozart Soriano Aderaldo, Raimundo Girão e Thomaz Pompeu Gomes de Matos.
a visão é apontada pela grande maioria dos autores como o sentido mestre da época moderna. Processo iniciado com o renascimento e as revoluções científicas, construímos o que podemos denominar de “campo perceptual”. a verdade é que, desde o início da filosofia ocidental até o século XiX, ela imperou sobre os demais sentidos e as metáforas visuais serviam como explicação e exemplo para compreender e pensar o mundo. assim, desde o seu nascimento, a fotografia tornou-se parte integrante da nossa cultura e é difícil imaginar a vida sem ela. os diversos campos da ciência e da arte, além de um incontável número de pessoas, utilizam o processo fotográfico pela fidelidade da representação, seu baixo custo, facilidade de uso e representação de momentos memoráveis. nunca foi uma prática unificada, mas um meio bastante diverso em suas funções, ressaltando tópicos vinculados à mudança social, ao dinamismo da vida, às indústrias da ilusão, à comunicação de massa e semelhantes. É ponto de partida para temas inseridos na iconosfera e na construção da memória visual – ainda incompleta.
Ao apoio decisivo de minha esposa, Thelma, filhas Thais Helena e Ana Cristina, netas Tatiana e Natália, e genros Francisco Lopes Neto e José Marcelo Vargas.
o Ceará, que nos idos de 1840, já contava com um estúdio de daguerreotipia, começa ter essa lacuna preenchida com o trabalho de ary Leite. ele mergulha na incompletude do processo histórico criando uma peça impregnada de memórias e significações e, em uma contínua sucessão de fases ultrapassa os limites das
Copyright©2019 Ary Bezerra Leite Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610 de 19.12.1988.
fronteiras temporais mergulhando em arquivos – incompletos fragmentos de vida que descansam – e, no seu inconformismo com os olhares guardados, transforma os vazios da incompletude numa diversidade de caminhos possíveis. no fundo está em questão, mais uma vez, a identidade do espaço e o sentido de lugar com o qual criamos laços emotivos e vivenciais. a pesquisa nos apresenta aquele tipo
Ao lEIToR As citações e transcrições constantes deste livro mantêm a grafia e as regras gramaticais da época em que foram originalmente escritas ou publicadas. Todos os esforços foram feitos no sentido de se encontrar a fonte dos direitos autorais de todo o material contido neste livro.
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de produção de imagens que se insere no domínio da atividade humana e pode ser tratado como a construção de um mundo simbólico. o resultado é algo produzido de forma dinâmica, como uma região de probabilidades que se enrolam e se interpenetram e sujeito à rede de sentidos imposta pela cultura, linguagem e história.
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Sumário 16. 1865 a aMeriCana MadaMe Janie fLetCHer Primeira mulher retratista a visitar o continente
| 78
17. 1865 aLCino goMes BraZiL (aLCino & irMÃo) Retratistas fundam o Instituto Artístico
| 84
Prefácio Pedro Karp Vasquez
| 11
18. 1865 BarÃo HoMeM de MeLLo Os valiosos álbuns de Francisco Ignácio Marcondes Homem de Mello
| 87
1. 1848 o Pioneiro irLandÊs gUiLHerMe frederiC WaLter Introdutor da Fotografia em Fortaleza
| 15
19. 1867 PHotograPHia firMino & Lins Photographia Volante e ensino de fotografia
| 89
2. 1848 JoaQUiM JosÉ insLeY PaCHeCo O primeiro fotógrafo habilitado em Fortaleza
| 19
20. 1867-1868 goodriCH e HoUgH Fotógrafos americanos de Nova York em Fortaleza
| 93
3. 1848 o franCÊs aUgUstin Letarte O segundo daguerreotipista itinerante
| 27
21. o PensaMento de e. K. HoUgH e os direitos do fotógrafo As dificuldades do retratista comercial e a crítica cearense
| 101
4. 1848 Bernardo JosÉ PaCHeCo Fortaleza revela novo talento fotográfico
| 29
22. 1868 o Poeta-fotógrafo Pinto de saMPaio Primeira galeria fotográfica de longo sucesso
| 105
5. 1853-1854 antonio Cesar de faria ViLLaÇa Ourives e retratista, sucessor de Joaquim Pacheco
| 33
23. 1868 LeaL & Cia João José Leal, português egresso da América, instala nova galeria
| 113
6. 1857 JoÃo B. tHoMa O quinto daguerreotipista itinerante em Fortaleza
| 36
24. o retrato na era da fotografia A evolução do daguerreótipo à ambrotipia
| 119
7. 1858 CarLos Kornis de totVárad Pioneiro daguerreotipista cura-se no Ceará
| 39
25. 1870 gaLeria PHotograPHiCa de agio Pio Sucessor do lusitano Leal na Galeria Photographica
| 123
8. 1858 o aLeMÃo JoHann BrindseiL Pintor profissional e colorizador de fotos
| 43
26. 1870 CarL friederiCH JoHann reeCKeLL Fotógrafo prussiano abre espaço para Candido Pereira Lins
| 128
9. 1859-1861 CoMissÃo CientÍfiCa de eXPLoraÇÃo e fotografia As fotos perdidas do Barão de Capanema e Gonçalves Dias no naufrágio do iate Palpite
| 46
27. 1870 agostinHo JosÉ de franÇa O retratista da bandeira encarnada
| 135 | 138
10. 1860 nUMa PoMPiLio de LoYoLa e sá Cearense aprende fotografia com o Barão de Capanema
| 58
28. a Lanterna MágiCa e as Vistas fotográfiCas. Da fantasmagoria aos espetáculos de vistas luminosas
| 142
11. 1861 CarLos aron, JoaLHeiro e retratista franCÊs Segundo ambrotipista visitante prediz o fim da chapa metálica
| 62
29. 1873 franCisCo saBino LoPes BrandÃo Retratista no Ceará e Amazonas
| 145
12. 1862 fortUnÉ orY Cabeleireiro e retratista francês
| 65
30. 1875 retratista aMeriCano r. H. fUrMan Concorrendo com Pinto Sampaio e a Photographia Popular
13. 1863 LiMa & teiXeira Atores teatrais tornam-se retratistas em Fortaleza
| 69
31. 1875 ignaCio fernandes Mendo O último dos titulados Fotógrafo da Casa Imperial
| 152
14. 1863 MiCHeL norat & irMÃo Fotógrafo da Casa Imperial de França e negociante de joias
| 71
32. 1877 o fotógrafo e o draMa da seCa Joaquim Antonio Correia, pioneiro do fotojornalismo
| 162
15. 1865 Pedro ignaCio de soUZa raBeLLo A Fotografia Artística
| 75
33. 1877 JoaQUiM antonio Correia Das fotos da seca aos retratos libertadores
| 167
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34. 1877 o dinaMarQUÊs nieLs oLsen Salvo em naufrágio e notável retratista fin de siècle
| 172
35. 1878 HerBert HUntington sMitH A Grande Seca na visão de naturalista americano
| 182
36. 1881 fotógrafo aUstrÍaCo Constantino BarZa Breve e produtiva associação com Niels Olsen
| 188
37. 1881 eUgÈne Benoit BaUBrier e ÉMiLie CosMoPoLiteM A Photographia Brazileira-Paris dos retratistas franceses
| 196
38. 1881 franCisCo Candido de MoUra CaBraL Sucessor de Olsen & Barza anuncia fotografia instantânea
| 204
39. a fotografia nos saLÕes de BeLas artes Superação da crítica que fotografia não é Arte
| 209
40. 1882 JosÉ irineU de soUZa e oLYMPio Pereira de MeLLo Pintores retratistas na era da fotografia
| 213
41. soBreira, fotógrafo e reLoJoeiro-rHaBiLLeUr O versátil Professor João Gonçalves Dias Sobreira
| 218
42. 1885 ManUeL BeZerra de MeLLo A Photographia Mello Busca a clientela interiorana
| 223
43. 1888 a. a. LeÃo e a PHotograPHia Moderna O modismo das cartes de visite e os álbuns de fotografia que conquistam o comércio
| 226
44. 1888 PrinCesa teresa de BaViera Recordações de uma princesa, cientista e fotógrafa
52. 1893 nasCe o PHoto CLUB do Ceará O pioneirismo de Antonio Bezerra, Júlio Braga, Gustavo Job e João Leocádio da Costa Sedrim
| 277
53. 1893 sir JoHn BenJaMin stone Nobre inglês e fotógrafo amador descobre o Ceará
| 283
54. 1893 os fotógrafos e o eCLiPse soLar A missão inglesa documenta o Eclipse Total Solar em Paracuru
| 294
55. 1893 danieL BÉrard e LUiZ LUZ Pintores-retratistas convivem com os fotógrafos comerciais
| 300
56. 1895 MarC ferreZ no Ceará Mestre da fotografia e a jangada cearense
| 305
57. 1895 JoaQUiM de MoUra QUineaU Artista empreendedor cria a Photographia Norte do Brasil
| 311
58. 1897 greMio de ProPaganda PHotograPHiCa José Irineu de Souza e Joaquim de Moura Quineau unidos pela fotografia
| 332
59. 1897 soCiedade Cearense de aMadores fotógrafos Consolidando espaço para os amadores de fotografia
| 337
60. 1897-1898 fotógrafos MostraM o CineMa O pioneirismo de Nicola Maria Parente e Moura Quineau
| 342
61. 1897-1899 Pintores e retratista fin-de-siÈCLe A contribuição artística de nacionais e estrangeiros
| 350
| 232
62. 1898 fernando franZ PiereCK e o franCÊs aLfredo dUCasBLe Retratos a óleo e fotopinturas por artista de Recife
| 356
45. 1889 CarL BisCHoff no Ceará O extenso roteiro de fotógrafo alemão radicado no Chile
| 239
63. 1899 PHoto CLUB Cearense Fotógrafos amadores, suas associações e a presença feminina
| 360
46. 1889 Visitante iLUstre e fotógrafo nÃo identifiCado Visita o Ceará Louis Phillippe Marie Ferdinand Gaston, o Conde d’Eu
| 245
64. 1899 CHarLes KLarY, PoULenC frÈres e HUBert MaCKenstein Representantes em Paris dos fotógrafos amadores cearenses
| 372
47. 1890 antonio franCisCo de PaULa QUiXadá Agrimensor, marceneiro, construtor, comerciante, industrial, advogado, político e fotógrafo comercial
| 248
65. 1900 antonio de PaULa Barros Sucesso e ocaso de versátil artista cearense
| 380
48. 1892 fotógrafo doCUMenta UMa reBeLiÃo Identificando o autor de reportagem fotográfica
| 253
66. 1900 tHoMaZ PorPHirio Carneiro Discípulo e parceiro de Moura Quineau
| 385
49. 1892: Kiernan & Braga Os mercadores da fotografia a cores
| 260
67. 1900 fotografia aUtoMátiCa eM 3 MinUtos Novos processos ampliam o interesse pela fotografia
| 390
50. 1893 o aLeMÃo edUardo WenK e angÉLiCa de MeLLo Photographia Americana e frustração de uma retratista
| 264
68. 1900 o ateLiÊ fotográfiCo Ateliê, estúdio ou galeria, um elevado investimento
| 394
51. 1893 o Ceará na eXPosiÇÃo de CHiCago A contribuição de fotógrafos e pintores cearenses
| 268
Últimas Imagens Referências Bibliográficas
| 400 | 410
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Prefácio
Pedro Karp Vasquez
LoUVaÇÃo ao gUardiÃo do teMPo, arY BeZerra Leite
História da fotografia no Ceará do século XIX é digna dos maiores louvores. É uma obra magistral, paradigmática e antológica que muito enriquecerá nossa bibliografia fotográfica, ainda carente de mais estudos dessa natureza, capazes de fazer justiça ao legado de importantes pioneiros oitocentistas pouco conhecidos, insuficientemente aplaudidos ou ainda totalmente incógnitos. foi por isso que não hesitei em tomar emprestado sem prévia autorização o título de “guardião do tempo” à brilhante escritora socorro acioli, que assim qualificou seu padrinho ary Bezerra Leite em uma comovente evocação em 2018. em primeiro lugar cumpre ressaltar a amplitude do criterioso estudo de ary Bezerra Leite, embasado em pesquisas efetuadas em quatorze instituições diferentes, inclusive no exterior, além de vastíssima bibliografia na qual ele garimpou preciosos anúncios que proporcionam uma visão precisa sobre detalhes importantes, porém às vezes negligenciados. temos assim, em primeira mão, informações cruciais para o estudo técnico da fotografia do século XiX, tais como o horário de abertura dos estúdios (sempre prioritariamente dependentes da luz solar); os diferentes processos oferecidos ao público; a evolução do tempo de exposição e também o de entrega do serviço finalizado; questões legais relativas a tributos e impostos referentes à prática profissional da fotografia; ou o preço cobrado pelos serviços. neste particular, é interessante saber que em determinado momento a dúzia de retratos no formato carte de visite custava 6 mil réis, enquanto a dúzia das cartes cabinet saia por 10 mil réis, pois isso permite estabelecer comparações com os preços de outros produtos e serviços da época para aferir o custo real do retrato fotográfico no Ceará oitocentista. 10
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outro ponto extremamente louvável do presente estudo é seu caráter panorâ-
seria possível arrolar aqui diversos outros deste esplêndido livro de ary Bezerra Leite,
mico, que extrapola em muito os limites geográficos do Ceará para incluir toda
mas o dever de concisão me força a citar apenas mais um: o impressionante conjunto
a região nordeste e também a norte, em virtude das andanças dos profissionais
de novas informações que ele conseguiu garimpar acerca daqueles pioneiros que já
sediados no Ceará por outras províncias bem como pelas sociedades que estabele-
tinham suas respectivas contribuições elencadas. ele nos dá, por exemplo, uma aula
ceram com seus colegas locais, desde salvador, recife e são Luiz a Belém e Manaus,
magistral sobre ignácio fernandes Mendo, o último profissional a ser galardoado com
entre outras tantas cidades. isso faz com que a História da fotografia no Ceará do
o cobiçado título de Photographo da Casa imperial. aula fartamente ilustrada com
século XIX,, mesmo sem reivindicar tal escopo, tenha o mérito de lançar luz sobre a
fotografias realizadas à margem da documentação por ele efetuada na estrada de ferro
fotografia nordestina e nortista como um todo, oferecendo pistas e informações de
de Paulo afonso e que não se limita ao território cearense, desdobrando-se também
primeira mão que podem subsidiar os estudos dos pesquisadores destas duas regi-
pelas províncias de sergipe e alagoas. o professor ary nos oferece igualmente uma visão
ões. a evolução dos estabelecimentos fotográficos se enriquece também como um
mais detalhada da carreira de Joaquim antonio Correia, que costuma ser lembrado
dado que pode parecer anedótico a alguns mas que sempre me pareceu deleitável
unicamente pelos retratos de vítimas da seca de 1877, publicados na revista O Besouro
já que, assim como arlequim, eu também me inscrevo entre os servidores de dois
de 20 de julho do ano seguinte com versos do grande abolicionista José do Patrocínio.
amos: a multiplicidade dos ofícios desenvolvidos – antes ou simultaneamente –
da mesma forma ele dá vida e substância a niels olsen em treze alentadas páginas de
com a atividade fotográfica pelos profissionais atuantes no Brasil do século XiX. ao
texto e outras tantas de imagens, esclarecendo que, em determinado momento, ele foi
comentar a entrada na fotografia do poeta Pinto sampaio, ary Bezerra Leite lista,
associado a alberto Henschel e Constantino Barza, o que contribuiu para que ele cons-
por exemplo, as seguintes profissões de origem dos fotógrafos cearenses: mágico,
truísse uma das carreiras mais sólidas de seu tempo. além de oferecer diversos detalhes
caixeiro, ourives, pintor, relojoeiro, ator teatral e cabelereiro.
significativos sobre o célebre Joaquim insley Pacheco, o português de maior destaque na fotografia brasileira, ary Bezerra Leite reproduz uma inédita e surpreendente fotografia
Um aspecto único e grandemente meritório deste estudo de ary Bezerra Leite é
de seu acervo pessoal, “Mão de mulher”, que impressiona pela beleza e modernidade do
o destaque concedido à contribuição feminina à fotografia oitocentista cearense,
enquadramento. ao mesmo tempo em que conferiu a necessária atenção a seu irmão,
trazendo à baila nomes como os das fotógrafas therese Charlotte Marianne von
Bernardo José Pacheco, obnubilado por trás da genérica denominação Pacheco & irmão.
Bayer, a princesa teresa da Baviera, Janie fletcher, angélica de Mello, Judith
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rossas, alice accioly, georgina Cabral, izabel remigio silva e Mello, Julieta
História da fotografia no Ceará do século XIX é uma obra que já nasce clássica e nos
Pompeu e Maria da glória rabello Barroso. raríssimos são os países em todo o
faz ansiar por sua anunciada continuação, contemplando a produção fotográfica da
mundo capazes de apresentar um time tão expressivo de fotógrafas pioneiras.
primeira metade do século XX. ao iluminar o passado glorioso da fotografia do estado
sendo que as últimas seis eram integrantes do Photo Club Cearense, o que nos dá
ary Bezerra Leite confirma a vocação do Ceará como “terra da Luz”, ainda que tal
ensejo de exaltar outra contribuição importante de ary Bezerra Leite: o destaque,
denominação tenha tido inicialmente as conotações abolicionistas conferidas por José
mais do que merecido, concedido ao fotoclubismo, contribuindo assim para a
do Patrocínio. isso porque o Ceará é, incontestavelmente e desde sempre, um dos
historiografia deste movimento por tanto tempo negligenciado e cuja importância
territórios mais importantes da fotografia deste nosso país que, entre tantos dissabores
vem sendo reconhecida nos últimos tempos.
e desventuras, foi dos primeiros a conhecer a “escrita da luz”. 13
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1848 o pioneiro irlandês gUiLHerMe frederiC WaLter Introdutor da fotografia em Fortaleza
Publicidade george sutton. guilherme frederic Walter. recife, 3 de junho de 1846. autógrafo. registro de estrangeiros, secretaria de Polícia do Ceará. 2 de julho de 1848.
o ano de 1840 é considerado como o marco inicial da fotografia no Brasil. nesse ano, no dia 16 de abril, o abade francês Louis Compte, capelão do navio-escola franco-belga L’Orientale que realizava uma volta ao mundo, fez as primeiras fotos pelo processo de daguerreotipia ao chegar no rio de Janeiro. após mostrar o invento a d. Pedro ii, que de imediato tomou-se de paixão pela fotografia, a novidade foi exposta ao público no Hotel Pharoux, no Largo do Paço. nesse mesmo ano, fortaleza comemorava 17 anos com status de cidade, concedido por ato de d. Pedro i em 17 de março de 1823, dando-lhe o nome de fortaleza de nova Bragança. a população urbana começou a constituir-se com a contribuição europeia, em que predomina a colônia portuguesa, mesclada gradualmente por ingleses, franceses, alemães e italianos, acrescida pelos imigrantes do arquipélago dos açores em grande
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parte destinados ao trabalho agrícola. Concorreu para o seu crescimento urbano a facilidade de acesso das embarcações oriundas de portos de Liverpool, Lisboa e Havre. a imprensa reflete positivamente o processo de embelezamento em curso: “a nossa capital, que sem duvida nenhuma, hoje mesmo é uma das cidades novas do pais mais bela pelas suas largas e formosas praças, seu arruamento em linha reta, suas ruas, e travessas espaçosas, seus belos e moderno edifícios, salvo a parte antiga dela...” (1) segundo censo realizado em 1848, a capital possuía 1.418 casas habitadas, sendo destas 571 de telha e 847 de palha. o levantamento populacional, procedido pelos inspetores de quarteirão, totaliza 8.896 habitantes, número que o próprio delegado de Polícia, tristão de alencar araripe, admite não ser plenamente exato. fortaleza dispunha de 90 empregados públicos, 21 oficiais militares, 8 sacerdotes
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e 6 médicos. a profissão predominante era a de agricultor, seguindo as atividades do comércio e da criação de gado, e serviços operários. (2) É nessa fortaleza de 1848 que o irlandês guilherme frederic Walter apresentou, pela primeira vez, o surpreendente daguerreótipo, aparelho que apreendia as imagens e as reproduzia com fiel similitude. Walter, ou simplesmente Volter para facilitar a pronúncia do sobrenome, retornava do Maranhão no dia 30 de maio, aos 39 anos, e chamava atenção com seus olhos azuis, cabelos louros e barba ruiva. tinha o entusiasmo próprio de artista apaixonado, à procura de fazer discípulos para a nova arte, a exemplo do brasileiro João gastony, que o acompanhava. o anúncio publicado no periódico O Cearense, em que promete retratos pelo “daguereotypo”, com toda perfeição, merece duas observações quanto ao sobrenome grafado Volter em vez de Walter e ter sido erroneamente datado 1849: GALERIA DAGUERREANA. O artista Guilherme Frederico Volter, chegado proximamente do Maranhão a esta cidade, avisa ao respeitável publico que tira retratos pelo Daguereotypo com toda a perfeição e com as competentes caixinhas pelo preço de cinco mil reis para cima. As pessoas que si quiserem utilizar do préstimo do annunciante devem concorrer a casa de sua residência desde as 9 horas da manhan as 4 da tarde. Não pretende demorar-se mais nesta província que 12 a 16 dias. Ceará 6 de junho de 1849. (3) na ausência de outras informações na imprensa local, iniciamos as buscas para ampliar o conhecimento sobre o iniciador da fotografia no Ceará. a primeira fonte básica foi localizada no arquivo Público do Ceará, em livro de registro de títulos de residência de estrangeiros referente a 1848. Por esse documento se tem o termo de residência lavrado pelo escrevente da secretaria de Polícia do Ceará e assinada por g. f. Walter: Guilherme Frederico Walter, natural de Irlanda, idade 39 annos, solteiro, Artista, vindo para uso de sua Arte, e reside na Rua da Palma numero – e ter chegado no dia
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30 do mez de Maio do anno de 1848 no navio Laura do porto do Maranham e apresentou-se livre, e por ter apresentado nesta Secretaria mandou o chefe de Policia passar titulo de residência e lavrar o presente termo e eu João Luiz Rangel Jr., o escrevi. Secretaria de Policia do Ceará em 2 de Junho de 1848. G. F. Walter (4) alcançava-se nesse documento valiosas informações não apenas sobre sua naturalidade, idade, estado civil, procedência, forma e data de chegada, como também uma descrição do irlandês que nos colocou na história da arte fotográfica. o escrevente policial faz as seguintes anotações: “altura, 62 polegadas. Cor branca. Cabelos louros. olhos azuis. nariz Boca regulares. Barba ruiva. rosto comprido.” a altura corresponderia a 1,57m. outro apontamento complementar, pelo que foi declarado por g. f. Walter à Polícia, é que estaria acompanhado de familiares e um discípulo, menor de 21 anos, de nome João gastony. a procedência do Maranhão foi comprovada em nossa pesquisa pela relação de passageiros que embarcaram na escuna nacional Laura, que saiu daquele porto no dia 21 de maio. a viagem levou dez dias. Como passageiro aparece guilherme frederico Walter, acompanhado de quatro pessoas de sua família e dois aprendizes. (5) na exposição à polícia cearense foi declarado apenas um discípulo. o que Walter fazia no Maranhão e por que afirmava acompanhar-se de aprendizes e discípulos? o esclarecimento só seria possível se recuássemos um pouco mais na pesquisa. acabamos sendo bem sucedidos ao descobrir uma citação de sua atuação no nordeste dois anos antes. o achado localiza-se na cidade de recife e é datado de 28 de julho de 1846, quando o passageiro de nome Walter, que se declarava inglês, embarcou com sua família na sumaca brasileira santo antonio de Pádua, com destino ao Maranhão. (6) outros fatos anteriores esclarecem as atividades profissionais e a finalidade dessa viagem. em maio de 1846, chegou à capital pernambucana o mágico britânico george sutton, que se apresentara no sul do país, precedido da divulgação de seus dotes como o impacto sobre a plateia no teatro de santa Catarina ao transformar
o Cearense. 5ª feira, 8 de junho de 1848, p. 4.
diário novo. recife. 4ªfeira, 3 de junho de 1846, p. 2.
vinho em água e fazer arder lenços que não se queimavam. a temporada no theatro Público de recife teve inicio no dia 13 de maio. o anúncio ressalta que “o senhor sutton trouxe de Londres um rico gabinete de instrumentos physicos, mágicos e mecânicos, tudo novo neste país. Mais importante para nossa pesquisa, a nota no final do anúncio: o senhor guilherme frederico Walter ajudará em tudo ao senhor sutton no seu trabalho”. (7) revelava-se com outros fatos que se sucedem que a profissão
até então do irlandês era a de mágico, papel que assumiu entre 3 e 16 de junho, quando realizou es petáculos individuais no teatro Público de recife, ressaltando que “trabalhará de maneira inteiramente diversa, da que se tem servido o senhor sutton”. nessa temporada apresentou ilusões mágicas, malabares, equilíbrios indianos e fantasmagorias. Como mágico, prometia “restituir a um galo, ou a qualquer ave, a cabeça, que lhe houver sido cortada por algum desses espectadores”. o ato de phantasmagoria era composto de 25 diferentes sombras, que aumentavam e decresciam gradualmente, sempre a compasso da música. Walter, nesse papel de mágico, afirmava que sua habilidade e destreza já eram conhecidas em quase todas as capitais do Brasil e nos “diversos theatros da europa, onde teve a distinta honra de contar no número de seus espectadores a testa coroada do país, em cuja capital trabalhou”. (8) as buscas que realizamos para comprovação dos alegados créditos profissionais foram infrutíferas, o que nos leva a afirmar apenas a sua atuação no recife como mágico com o uso de projeções luminosas para efeitos de fantasmagoria, sem qualquer referência à função de retratista. essa conclusão pode indicar que sua iniciação com o daguerreótipo veio a ocorrer posteriormente. Com efeito, enquanto o mágico inglês sutton reaparecia no rio de Janeiro, estreando no tivoly em agosto de 1846, seu antigo colaborador Walter embarcou no dia 28 de julho para o Maranhão, onde deve ter acrescentado às suas habilidades mágicas a capacitação como retratista pelo daguerreótipo. as pesquisas nos indicam que isto possa ter ocorrido pelo seu encontro com o legendário daguerreotipista americano Charles deforest fredericks (1823-1894), que aos 20 anos de idade iniciou na Venezuela um vasto percurso através do Brasil, Paraguai, Uruguai e argentina, encerrando sua historia artística, após passagem por Paris, ao instalar uma galeria na Broadway, em nova York. Walter deve ter chegado à capital maranhense coincidentemente com Charles deforest fredericks que desenvolveu suas atividades, produzindo retratos coloridos de daguerreotipia, de agosto de 1846 até 10 de fevereiro do ano seguinte. (9) no início de 1847,
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2 o fotógrafo americano tinha recebido de nova York, pelo brigue escuna fere fogo, sortimento de lâminas ou chapas, seguindo-se em fevereiro seu anúncio que tiraria retratos apenas até o dia 7, indo no dia 8 a alcântara. todos esses dados podem indicar que o irlandês Walter tenha colaborado com fredericks, que se anunciava Professor de daguerreotipia, aprendido com ele as técnicas e adquirido equipamentos e materiais disponibilizados antes do mestre seguir seu roteiro para as capitais de Pernambuco e Bahia. o enigma da chegada a fortaleza de guilherme frederico Walter em junho de 1848, se declarando fotógrafo-daguerreotipista, está provavelmente resolvido. sua passagem pelo Maranhão teria sido decisiva. outro fato curioso que descobrimos foi a chegada à capital maranhense, no dia 12 de novembro de 1847, pelo brigue português Laya, do lusitano antonio Cezar de farias Villaça,(10) mais tarde também daguerreotipista profissional com ateliê em fortaleza a partir de 1853. a cidade de fortaleza deve a Walter o seu ingresso no mundo da fotografia. a ele também se pode atribuir o despertar do talento do jovem português Joaquim José Pacheco, residente na capital cearense, que se torna, sob o nome insley Pacheco, um vulto proeminente na arte fotográfica. fomos encontrar os relatos de Pacheco sobre essa iniciação, preservados por Mello Moraes filho na obra Artistas do meu tempo, editada em 1904. o autor relata a chegada de frederic (sic) Walter a fortaleza, dando uma informação enriquecedora: “trazendo consigo um aparelho de daguerreotypo, que usava durante o dia, e um gabinete de mágica, que funcionava á noite nos theatrinhos”.(11) o relacionamento do jovem português com o artista foi uma permuta de interesses: enquanto o primeiro usava o seu talento artístico natural produzindo desenhos para as exibições mágicas e de fantasmagorias, o pioneiro irlandês retribuía ensinando-lhe a nascente arte fotográfica com o seu ainda rudimentar daguerreotypo. Misto de mágico e fotógrafo explica a razão pela qual o povo cearense o tenha recebido maravilhado e com espanto, chegando ao extremo de julgar como magia o resultado da revolucionária daguerreotipia. após a passagem por fortaleza, guilherme frederico
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Walter retornou para recife, onde desenvolveu a nova profissão a partir de 1849,(11) instalando sua galeria de daguerreótipo na rua da Cadeia de santo antonio, nº 26, 3º andar, com continuada atividade produzindo retratos superiores por cerca de dois anos. não deixou vestígios de seu roteiro na disseminação das ilusões de suas sortes mágicas e no exercício da arte fotográfica. o importante é que, como diz o historiador Pedro Vasquez, em sua clássica obra Dom Pedro II e a fotografia no Brasil, “o irlandês frederick Walter, tal como um personagem de gabriel garcia Marques, passou pelo Ceará em 1847 espantando a gente simples com seus dotes de daguerreotipista e mágico”. (12)
1848 JoaQUiM JosÉ insLeY PaCHeCo O primeiro fotógrafo habilitado em Fortaleza
Joaquim insley Pacheco (1830-1912)
1. O Cearense, Fortaleza, ano II, nº 16, 4ª feira, 13 Jan. 1847, p. 2. 2. O Cearense, Fortaleza, ano II, nº 135, 2ª feira, 20 Mar. 1848, p. 4. 3. O Cearense, Fortaleza, ano III, nº 157, 5ª feira, 8 Jun. 1848., p. 4. 4. Registro de Títulos de Residência de Estrangeiros,, 1848. Arquivo Público do Ceará. 5. Publicador Maranhense,, Maranhão, VI, nº 660, 3ª feira, 23 Mai. 1848, p. 4. 6. Diário Novo, Recife, ano V, nº 161, 4ª feira, 29 Jul. 1846, p. 4. 7. Diário Novo, Recife, ano V, nº 104, 4ª feira, 13 Mai. 1846, p. 3. 8. Diário Novo, Recife, ano V, nº 127, 2ª feira, 15 Jun. 1846, p. 3-4. 9. Publicador Maranhense,, Maranhão, ano VI, nº 412, 4ª feira, 19 Ago. 1846, p. 4. 10. Publicador Maranhense,, Maranhão, ano VI, nº 582/583, 3ª feira, 16 Nov. 1847, p. 6. 11. Moraes Filho,, M. Artistas do meu tempo. Rio de Janeiro/Paris: H. Garnier, Livreiro-Editor, 1904, p. 3. 12. Vasquez, P. Dom Pedro II e a fotografia no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Index, 1985.
Vários são os fatores que favoreciamm o clima otimista da população de fortaleza, incluindose a ausência das secas devastadoras, a expansão do comércio com o exterior e o aformoseamento urbano, apoiado no plano de retificação e expansão disciplinada de 1812, um traçado ortogonal retangular proposto pelo português, de descendência francesa, antonio José da silva Paulet, tenente Coronel do real Corpo de engenheiros. as embarcações procedentes do porto de Lisboa contribuiam para a predominância de comerciantes lusitanos que aqui estabelecidos abriam as portas de suas casas comerciais a jovens patrícios em busca de um início de vida na nova terra. assim ocorreu com Joaquim José Pacheco, nascido em 1830 em Cabeceiras de Bastos, que encontrou o primeiro emprego na casa comercial do lisboeta antonio de oliveira Borges, residente na capital cearense desde 1829. anos depois, passou a trabalhar para outro patrício, natural de Chaves e chegado em 1825, João antonio garcia, a quem
devotou amizade e viria a ser seu genro. o surgimento de um irlandês estranho, guilherme frederico Walter, atraindo atenções e discípulos por suas mágicas e projeções fantasmagóricas, não passaria despercebido do jovem Joaquim em seus 18 anos. o que lhe atraiu ainda mais atenção foi a novidade do daguerreótipo, uma incrível máquina que retratava as pessoas, surpreendente descoberta da época. estabeleceu-se então uma parceria luso-irlandesa que resultaria no nascimento do primeiro fotógrafo formado em terras cearenses. o próprio Joaquim José Pacheco narrou isso para Mello Moraes filho, que lhe dedicou capítulos no livro Artistas do meu tempo, editado em 1904 por H. garnier. graças ao talento para o desenho, foi fácil alcançar seu objetivo. a proposta era irrecusável. Pacheco faria desenhos a serem utilizados pelo irlandês nas apresentações mágicas e de fantasmagorias e, em troca, ganharia lições de como produzir fotografias naquela primitiva câmera de nome tão estranho. também conheceu o francês augustin Letarte, jovem de sua idade,
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que viera no mesmo navio com Walter, e aqui fez um estúdio de daguerreotipia na rua nova, antes de seguir viagem solitária e instalar-se anos depois no recife. as atividades independentes de Pacheco ocorreram logo após a partida do irlandês, em data incerta, mas em maio de 1849 já apareceu na imprensa o anúncio sobre o recebimento de máquinas e utensílios dos estados Unidos e a asseguração de delicadeza e perfeição em seu ofício, por preços mais módicos do que seu antecessor Walter, atendendo na residência de João antonio garcia. eis o texto do primeiro anúncio publicado sucessivamente em O Cearense, em que promete visitar sobral no mês seguinte: DAGUERREOTYPO Joaquim José Pacheco tendo recebido proximamente dos Estados Unidos uma excellente maquina, e mais utensílios para tirar retratos pelo Daguerreotypo, faz publico que se acha trabalhando nesta arte em casa do Sr. João Antonio Garcia na rua Formosa; o annunciante assegura as pessoas, que se dignarem procural o, toda a perfeição, e delicadesa tanto no desenvolvimento e contorno dos retratos como no colorido delles, e ser mais módico em preços do que seu antecessor Walter. Alem de retractos em caixinhas: tira os que sirvão para alfinetes de peito e anéis; e previne as pessoas, que se quiserem utilizar de sua arte, o procurarem no decurso do corrente mês, porque em princípio de junho seguirá para Sobral. – Ceará 18 de maio de 1849. (13) fortalece então a paixão que lhe conduz à aventura de seguir para new York em busca de maiores conhecimentos, o que ocorre no aprendizado com três famosos daguerreotipistas. Matthew Brady (1822-1896), que foi seu primeiro mestre, mantinha a daguerrean Miniature gallery, na Broadway, 205-207, foi o fotógrafo favorito de abraham Lincoln, fez a cobertura da guerra Civil americana e é considerado o pai do fotojornalismo. Pacheco, complementando sua formação, provavelmente quando Brady se casou e passou um ano na europa, recorreu a outros hábeis daguerreotipistas: H. e. insley e Jeremiah gurney.
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o primeiro dos novos mestres, Henry earle insley (1811-1894), desde 1840 em atividade, foi um reputado pioneiro daguerreotipista em new York, e estava com seu estúdio na Broadway, 311, na época do aprendizado do Pacheco. Jeremiah gurney (18121886), que ingressara na profissão também em 1840, operava seu estúdio na Broadway, 349, e foi associado do já citado C. d. fredericks no período 1855-1857. É considerado um dos pais da fotografia americana. sobre os primeiros passos de Pacheco na metrópole americana, diz Mello Moraes filho: Apenas chegou em New York, Pacheco demandou sôfrego as officinas do celebre daguerreotypista Brad, que reunia sob seus tectos brilhante plêiade de alumnos americanos e forasteiros que se empenhavam em estudar-lhe o savoir-faire dos retratos... À semelhança do conviva que transpõe, ignorado, festim solenne; do velador das noites que, pouco a pouco, clareando os horizontes, distingue moitas e promontorios, o portuguez noviço depara deante de si, como condiscípulos do mesmo atelier, Birany e Carlos Kornis, dois patriotas húngaros, dois exilados eminentes, para os quaes a pátria negara em seu seio paz e abrigo. (14) ao regressar ao Ceará, em maio de 1851, com o prestígio de quem se qualificou pelos ensinamentos dos melhores profissionais dos estados Unidos, assinando apenas J. J. Pacheco, estabelece-se na rua da Palma em “casa vizinha ao ilmo. sr. dr. José Lourenço”, correção nossa do texto a seguir:
DAGUERREOTYPO Galleria de retratos a Daguerreotypo em Jenny Lind, acabados com uma nova combinação chimica que os tornão perpétuos; na rua da Palma, casa mística ao Illm. Sr. Dr. José Lourenço, desde as 9 horas da manhã as 2 da tarde. J. J. Pacheco tendo chegado proximamente dos Estados Unidos, e ali recebido instrucções do melhor artista daquele paiz, avisa a todas as pessoas que se quiserem retratar que dignem-se procural-o em sua officina. Os retratos são tirados com admirável perfeição, em maravilhosos quadros e caixas com rotolos no exterior. A offerta d’amizade. (15) significativa é a influência da metrópole americana na denominação de Jenny Lind ao sistema adotado, no rastro do impacto causado pela soprano da ópera sueca, vinda da consagração europeia, amiga de Chopin e Mendelssohn, cognominada de Swedish Nightingale Nightingale, que realiza a partir de setembro de 1850 o mais aclamado tour artístico em território americano. Jenny Lind virou denominação e marca para tudo, de uma ilha a um trem, de hospital a bar, parque e hotel, e naturalmente para popularização do retrato fotográfico. o ano de 1852 foi importante na vida de Pacheco, pois contraiu matrimônio com elvira, filha de João antonio garcia, no dia 6 de agosto, em ato celebrado pelo Padre José Cândido da guerra Passos. na cerimônia foram testemunhas antonio de oliveira Borges e sua senhora, o
comendador francisco Coelho da fonseca e a irmã mais velha da noiva, Maria efigênia. no setor profissional, dedicou-se à difusão de sua arte com a nova tecnologia dos retratos a eletrotipo aprendida com os mestres americanos. os avisos se repetem como este no Pedro II, de 7 de julho: GALERIA DE RETRATOS A ELECTROTYPO. Estabelecida na rua da Palma, sobrado do Ilmo. Sr. Thomaz Lourenço J. J. Pacheco, proximamente chegado das províncias do sul a esta cidade, avisa ao respeitável público que aqui se acha estabelecido por algum tempo: por tanto aquellas pessoas que quizerem possuir o mais fiel e perfeito retrato pelo systema Electrotypo (semelhante aos de Daguerreotypo, porém mais superiores) queirão dignar-se procura-lo desde as 9 horas da manhã as 2 da tarde. O publico apreciador das bellas artes é convidado a visitar a galleria embora não queira retratos. Tem uma linda collecção de ricos quadros e mais objetos para collocar os retratos, por preços cômodos. (16) instalara sua galeria fotográfica em prédio pertencente ao sr. thomaz Lourenço, vizinho ao sobrado do dr. José Lourenço, que se tornou uma referência na cidade. novas tendências, entretanto, surgem logo após o casamento, quando os anúncios apontam para uma partida iminente. são postos à venda os equipamentos usados na profissão de
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retratista e uma máquina eletro-magnética que poderia ser usada no processo de dourar e pratear por método galvânico e também no tratamento de doenças como o reumatismo, gota, paralisia e doenças neurológicas como a dança de são Vito. o anúncio é publicado a partir do dia 21 de agosto: MAGNÍFICOS RETRATOS A ELECTROTYPO Rua da Palma, sobrado do Illmo. Sr. Thomaz LourençoJoaquim José Pacheco tem resolvido vender por menos de seu valor todos os utencilios pertencentes a sua profissão de retratista, compromettendo-se a ensinar perfeitamente a quem proposer trabalhar nessa maravilhosa invenção. Nos pertences existe um instrumento de tomar vistas e paisagens do tamanho de dous palmos, bem como uma excellentemachina Electro-magnetica, que além de servir para choques contra o rheumatismo, ou gota, paralysia ou danças de S. Victo, e todas as moléstias provenientes d’um distúrbio do systema nervoso, tem a vantagem de servir para galvanisar!! Doura e prateia por um método galvânico moderno, bem como ensina o processo por módico preço. (17) a partir de 21 de setembro, Pacheco divulgou a breve partida, dizendo, de forma premonitória, que “julga não trabalhar mais nesta cidade embora volte a ela”, o que de fato viria a acontecer. o convite para despertar a clientela potencial insiste que o retrato é “o objeto mais precioso que as pessoas de gosto podem possuir”: ELECTROTYPO J. J. Pacheco, tendo de retirar-se breve, avisa ao respeitável publico que deve aproveitar esta ultima e favorável occasião para possuir o mais fiel e perfeito retrato. O annunciante julga não trabalhar mais nesta cidade embora volte a ella, por isso mesmo aquellas pessoas que tencionão retratar-se, por uma tão ridícula quantia não deixarão de fasel-o, visto um retrato ser objecto mais precioso que as pessoas de gosto devem possuir; já para consolarem as saudades da ausência de quem lhes é charo, já para metigar a lembrança d’um pai que perde o filho, ou o filho que perde o pai &c. O publico é convidado a visitar a galleria. (18)
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no final de outubro, o artista avisou pela imprensa que só trabalharia até o dia 4 novembro, colocando à venda “ricas redomas de ouro para colocar retratos, por um preço cômodo”. (19) no mês seguinte, viajou para sobral, encerrando suas atividades em terras cearenses. Marcava seu espaço na nossa história artística e estava pronto para buscar novos e enriquecedores mercados. (20) não tardaria a alçar a posição de relevo na corte brasileira, assinando com uma mudança no nome em reconhecimento a um dos seus tutores americanos: Joaquim insley Pacheco, nome com o qual se tornou conhecido nacionalmente e fez história. segundo seu biógrafo Mello Moraes filho, com a autoridade de ter sido seu amigo, Pacheco chegou ao rio de Janeiro em 1853, numa fase descendente da daguerreotipia, pela imperícia de muitos dos seus praticantes: (...) em 1853, aporta a esta cidade, confiante na carreira uma vez encetada do bello a transparecer nas manifestações de arte. até essa data, a daguerreotypia no rio de Janeiro não passava de mera tentativa. (21) em 1854, fez temporada no recife, quando se reencontrou com o amigo francês augustin Letarte que estivera na capital cearense na fase aventureira da passagem do irlandês Walter. no início desse ano o francês anunciava que “iria se demorar pouco tempo” e sugeria ao público aproveitar “os poucos dias que tem de residir aqui”, assegurando retratos “tirados com rapidez e perfeição”, no seu gabinete no aterro da Boa Vista, 4, terceiro andar. (22) apenas dois meses depois, Pacheco, ainda assinando J. J. Pacheco, ocupou o mesmo endereço,(23) onde permaneceu ao longo do ano, produzindo e exibindo na sua galeria “esplêndidos retratos a Cristalotipo”: Esplêndidos Retratos a Cristalotipo. Tirados Unicamente com a Claridade Precisa J. J. Pacheco, tendo resolvido demorar-se mais alguns dias nesta cidade, previne a todas as pessoas que desejarem um perfeito retrato, que dignem-se procurá-lo no seu estabelecimento, que esteja o dia claro ou escuro. Os retratos são fixos e inalteráveis com o tempo, e as cores as mais naturais. O respeitável público continua a ser convidado a visitar a galeria todos os dias, desde as 8 da manhã até
as 9 da noite. No mesmo estabelecimento encontrarão os pretendentes um rico sortimento de quadros, caixas, alfinetes, o gassoletas e anéis. Aterro nº 4, terceiro andar. (24) Quando se estabeleceu definitivamente no rio de Janeiro, sede da Corte brasileira, em 1854, também lá exerciam a mesma profissão, na rua são Pedro, 43, os intelectuais húngaros exilados Carlos Kornis e Biranyi, antigos companheiros do curso com Matthew Brady, ensejando trabalharem juntos nessa difícil etapa final do processo de daguerreotipia com chapas metálicas até o advento da fotografia sobre vidro. ainda nesse ano, os fotógrafos húngaros transferiram o ateliê para a rua de são Pedro, 43, e Joaquim insley Pacheco, instalou independentemente o seu na rua do ouvidor, 31, endereço depois alterado para o nº 40, oferecendo seus serviços de retratos sobre chapas e papel. (25) insley Pacheco projetou seu nome com a introdução de processos da arte fotográfica. Vangloriavase, dois anos depois, de ter sido o primeiro retratista em vidro do rio de Janeiro, ao introduzir a ambrotipia, fato aceito por alguns autores. o biógrafo Mello Moraes filho diz como ocorreu a superação das dificuldades apresentadas pela daguerreotipia: Uma circunstância, porém, encaminhou-o a outros descortinos, com a acquisição de machinas e formulas de processo dos ambrotypos, obtidas de um capitão de navio de passagem por este porto, cabendo-lhe a honra de introductor do systema entre nós. (26) o artista cresceu de renome como fotógrafo ambrotipista e ,apesar das oscilações do mercado, ampliou seus investimentos, o que é confirmado pelo citado Mello Moraes: Vacilante do êxito, incerto quanto aos resultados, e á vista de photographias que aqui chegavam da Europa, o ambrotypista notável, inicado na descoberta de Talbot, expede emissários à Inglaterra, à França e à Bélgica, à compra de últimos apparelhos e de recentes segredos do processo, munido dos quaes inaugura opulentissimo estabelecimento à rua do Ouvidor n. 102, figurando na
isabel, Princesa do Brasil. fotografia de Joaquim insley Pacheco. acervo Biblioteca nacional.
solene exhibição retratos e vistas photographicas de suas poderosas objetivas, tão correctos, tão aprimorados, tão excellentes como os obtidos naquelles centros artísticos. (27) no ano de 1857, a excelência artística de insley Pacheco foi reconhecida, ao ser formalmente nomeado Photographo da Casa imperial; dele são os admiráveis retratos de d. Pedro ii e sua família. a notícia dessa honrosa nomeação apareceu na primeira página do diário do rio de Janeiro: Chronica Diaria O Sr. Joaquim Insley Pacheco, estabelecido com photographia sobre vidro e papel na rua do Ouvidor n. 40, foi nomeado photographista da casa imperial. É bem merecida a honra que obteve este habil artista, cujos trabalhos tem merecido o acolhimento do publico desta côrte. Os retratos tirados pelo Sr. Pacheco são os mais perfeitos que se podem desejar. (28)
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Mão de Mulher, n.i. acervo ary Bezerra Leite.
a imprensa da Corte confirma os méritos de Pacheco. sobre um quadro exposto na rua do ouvidor, diz o Correio Mercantil: (…) um dos mais perfeitos quadros que se pode imaginar, devido á perícia do distincto ambrotypista o sr. J. Insley Pacheco. É um retrato colorido do Sr. Marquez de Abrantes, ao qual só falta animá-lo para ser idêntico ao original. (29) numa correspondência de Paris sobre os admiráveis usos da fotografia, publicada no Constitucional, do rio de Janeiro, se lê: Da turba de artífices se distinguem alguns artistas, taes como Tournachon-Nadar (31, baluartes das Capuchinhas) que compõe tão bem as atitudes, e distribue tão habilmente a luz, que os seus retratos tem o cunho de um desenho de mestre, como ouço serem nessa corte os de Insley Pacheco... (30) seu nome conquistou ainda mais respeito e honra quando, plenamente estabelecido em seu ateliê, se voltou para a fonte de inspiração na arte da pintura e do desenho. sua amizade com o famoso artista pernambucano arsenio silva, oriundo das academias de belas artes da itália, frança e Bélgica, abriu novas possibilidades na pintura, como diz Mello Moraes:
teresa Cristina Maria, imperatriz, Consorte de Pedro ii, imperador do Brasil. fotografia de Joaquim insley Pacheco. acervo Biblioteca nacional.
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E foi com o genial nortista que Pacheco aprendeu os tons maravilhosos de seus gouaches, tons que com tanta vantagem fazem ressaltar o caracter, a unidade, a alma emocionante de suas pinturas. (31)
Pacheco retornou a fortaleza em 1859 com o honroso título de retratista de suas Majestades imperiais, instalando seu estúdio na rua formosa, no sobrado do sogro João antonio garcia, apenas por curto período de 15 dias. a principal atração era o novo sistema de ambrotipia, a fotografia em vidro, apresentado pela primeira vez no Ceará. RETRATOS A AMBROTYPIA Por J. I. PACHECO RETRATISTA DE SUAS MAGESTADES IMPERIAES 40 RUA DO OUVIDOR 40 – RIO DE JANEIRO J. I. Pacheco, tendo de demorar-se nesta capital alguns dias, a pedido de varias pessoas resolveo pôr em pratica o systema Ambrotypo. Elogiar este novo methodo que pela primeira vez vai aparecer no Ceará, será supérfluo á vista de alguns especimens que podem ser examinados na residência do annunciante. A honrosa reputação que gosa J I. Pacheco, proprietario do primeiro estabelecimento Photographico do Rio de Janeiro, não será desmentida nesta capital, aonde estará a disposição do publico até o dia 15 do mez de maio todos os dias seja qual fôr o tempo, desde as 10 horas 25
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1848
da manhã as 3 da tarde, no sobrado do Sr. J. A. Garcia. As roupas escuras são as melhores para retratos. N.B. Não se retratão crianças menores de 5 annos. (32)
o franCÊs aUgUstin Letarte
Já consagrado, Joaquim insley Pacheco acumulou participação e prêmios em exposições nacionais e internacionais, a partir de 1859, e se fez presente em exposições universais em Londres (1862), Paris (1867 e 1899), Viena (1873) e filadelfia (1876). obteve a Medalha de Primeira Classe na exposição internacional do Porto (1865), Menção Honrosa na exposição Universal de Viena, e Medalha de ouro na Louisiana Purchase exposition, nos estados Unidos. ao longo de sua carreira consagradora, associou-se por duas vezes com pessoas da família, ao constituir as firmas Pacheco & irmão e Joaquim insley Pacheco & filho, ao longo dos anos 1885 a 1897. a vida produtiva e de sucessos se encerrou aos 82 anos de idade, no rio de Janeiro, no dia 14 de outubro de 1912, como foi noticiado pelo periódico O Século:
O segundo daguerreotipista itinerante
autógrafo. registro de estrangeiros. secretaria de Polícia do Ceará. 23 de junho de 1848.
Falleceu hontem nesta capital, em sua residência, á rua Gonçalves Dias nº 74, 2º andar, o Sr. Joaquim Insley Pacheco, conhecido e estimado photographo e pintor. O seu enterro será hoje effectuado, sahindo da casa acima para o cemitério S. João Baptista, ás 5 horas da tarde. (33) o jovem lusitano Joaquim, que fora discípulo de Walter na fortaleza de 1848, tornara-se um artista renomado nas artes da fotografia, pintura, desenho e litografia, com extensa produção artística, reconhecido como honrada e benemérita figura da capital brasileira. 13. O Cearense, Fortaleza, nº 239, 5ª feira, 17 Mai. 1849, p. 4. 14. Moraes Filho, M. Artistas do meu tempo. Rio de Janeiro/Paris, H. Garnier Livreiro-Editor, 1904. 185 p. À página 41, diz o autor: “E sabeis quem eram aquellas figuras tão solitárias e tão grandes no incommensuravel de suas convicções?... O primeiro era o professor Birany, e o segundo o criminalista Carlos Kornis Totvarad, o tribuno excelso da liberdade de seu povo, o incendido collaborador, ao lado de Kossuth, do ‘Jornal de Pesth’.” 15. O Cearense, Fortaleza, ano V, nº 427, 3ªfeira, 9 Mai. 1851, p. 4. 16. Pedro II, Fortaleza, ano XII, nº 1138, 4ª feira, 7 Jul. 1852, p. 4. 17. Pedro II, Fortaleza, ano XII, nº 1151, sábado, 21 Ago. 1852, p. 4. 18. Pedro II, Fortaleza, ano XII, nº 1162, 3ª feira, 21 Set. 1852, p. 4. 19. Pedro II, Fortaleza, ano XIII, nº 1179, sábado, 30 Out. 1852, p. 4. 20. Pedro II, Fortaleza, ano XIII, nº 1193, 4ª feira, 8 Dez. 1852, p. 4. 21. Moraes Filho, M., op. cit., p. 40. 22. Diario de Pernambuco, Recife, ano XXX, nº 5, sábado, 7 Jan. 1854, p. 4.
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23. Diario de Pernambuco,, Recife, ano XXX, nº 68, 5ª feira, 23 Mar. 1854, p. 4. 24. Diario de Pernambuco,, Recife, ano XXX, nº 176, 5ª feira, 3 Ago. 1854, p. 4. 25. Almanak Laemmert,, ano XIII. Rio de Janeiro: Laemmert & C., Editores, 1856, p. 619. 26. Moraes Filho, M., op. cit., p. 40. 27. Moraes Filho, M. op. cit., p. 47. 28. Diario do Rio de Janeiro,, Rio de Janeiro, ano XXXVIII, nº 15, domingo, 17 Jan. 1858, p. 1. 29. Correio Mercantil,, Rio de Janeiro, ano XXVIII, nº 285, domingo, 14 Out. 1860, p. 2. 30. Constitucional,, Rio de Janeiro, ano I, nº 33, 5ª feira, 7 Ago. 1862, p. 1. 31. Moraes Filho, M., op. cit, p. 49. 32. Pedro II, Fortaleza, ano XIX, nº 1910, 4ª feira, 4 Mai. 1859, p. 4. 33. O Século,, Rio de Janeiro, ano VII, nº 1894, 3ª feira, 15 Out. 1912, p. 3.
na mesma época em que Joaquim José Pacheco conheceu o irlandês guilherme frederico Walter, portando o primeiro daguerreótipo aparecido no Ceará, apresentou-se à secretaria de Polícia um jovem francês, augustin Letarte, de 18 anos de idade, para cumprir o registro formal de presença de estrangeiros em território brasileiro. À autoridade policial declarou-se de nacionalidade francesa, solteiro, estar residindo na rua nova, ser artista vindo para usar de sua arte, e ter chegado a 1º de junho de 1848, no navio Laura procedente da capital do Maranhão. a informação comprova que chegara na mesma viagem em que também viera guilherme f. Walter, equivocando-se o francês quanto à data de desembarque, ocorrido de fato a 30 de maio. as nossas pesquisas induzem a algumas conclusões prévias. Letarte certamente teria conhecido e se relacionado com o legendário Charles deforest fredericks e provavelmente trabalhado para ele ou para o irlandês Walter, quando se encontrava no Maranhão. esse último relacionamento explica sua vinda como companheiro de viagem de frederic Walter para o Ceará. Há uma divergência da lista de passageiros da embarcação Laura, ao sair do Maranhão, no dia 21 de maio, quando Walter estaria acompanhado de
quatro pessoas de sua família e dois discípulos, e a declaração feita pelo irlandês à polícia cearense, onde fez constar que se fazia acompanhar de familiares e apenas um discípulo, menor de 21 anos, de nome João gastony. não consta igualmente o nome de Letarte entre os passageiros. isto nos induz pensar que o segundo discípulo embarcado no Maranhão tenha sido augustin Letarte. o amanuense da polícia José Joaquim avillar, no prontuário que concederia ao francês o título de residência por um ano, assim o descreve: “estatura baixa, cor branca, rosto redondo, nariz regular, boca regular, cabelos castanhos, barba nenhuma.” o ato foi assinado pelo próprio estrangeiro como augustin Letarte, diferindo do nome que apareceria depois em alguns dos seus anúncios como daguerreotipista, a. Lettarte, com tê dobrado na segunda sílaba do sobrenome. (34) apesar de não haver referências na imprensa de época sobre a atividade no campo da fotografia, é provável que tenha montado um estúdio de daguerreotipia na sua residência da rua nova e conhecido e mantido relacionamento com o português Joaquim Pacheco, mas, de pronto, seguiu em solitária viagem. reapareceu depois na capital pernambucana, em anúncios publicados em 1850, como retratista em daguerreotypo com ateliê na rua da Cadeia, 26, terceiro andar:
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1848
DAGUERREOTYPO Do artista Augustin Lettarte Tira retratos, paisagens, copias, etc., desde o tamanho mais pequeno até 10 polegadas (tamanho que aqui ainda ninguém tirou), e muito superiores, pela invenção de Daguerre, tanto em fumo como coloridos, em qualquer ocasião, e em muito pouco tempo, pois que em 12 segundos póde-se ter um retrato e muito perfeito, e sendo paisagens ou copias tiram-se em muito menos tempo, afirmando e garantindo, tanto a durabilidade das cores, como a perfeita semelhança: o mesmo se obriga a ir tirar em qualquer casa e a qualquer hora. As pessoas que se dignarem procura lo, podem dirigir-se á rua da Cadeia, n. 26, terceiro andar, das 8 horas da manhã ás 4 da tarde. (35)
Bernardo JosÉ PaCHeCo
Fortaleza revela novo talento fotográfico
em publicidade de janeiro a fevereiro de 1854, no Diário de Pernambuco, Letarte anuncia atender no aterro da Boa Vista, 4, ateliê ocupado anteriormente de 1847 a 1848 pelo americano Charles d. fredericks: RETRATOS PELO ELECTROTYPO No Aterro da Boa Vista nº 4, terceiro andar - A. Letarte, tendo de se demorar pouco tempo nesta cidade, avisa ao respeitável público que quizer utilisar-se de seu préstimo, de aproveitar os poucos dias que tem de residir aqui; os retratos serão tirados com toda a rapidez e perfeição que se pode desejar. No estabelecimento há retratos à mostra para as pessoas que quizerem examinar, e está aberto das 9 horas da manhã até às 4 da tarde. (36)
autógrafo. registro de estrangeiros. secretaria de Polícia do Ceará. 1 de junho de 1842.
as atividades profissionais de Letarte, que assinalou sua passagem no início da fotografia em fortaleza, são ainda um desafio para os futuros pesquisadores.
Louis daguerre
34. Registro de Títulos de Residência de Estrangeiros, 1848. Arquivo Público do Ceará.
35. Diário de Pernambuco,, Recife, ano XXVI, nº 161, sábado, 20 Jul. 1850, p. 3. 36. Diário de Pernambuco,, Recife, ano XXX, nº 5, sábado, 7 Jan. 1854, p. 4.
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na busca de outros possíveis personagens na esquecida história da difusão da daguerreotipia entre os habitantes da fortaleza de 1848, um nome despertou a atenção: Bernardo José Pacheco. Um lusitano de 24 anos, dedicado a atividades comerciais, com inclinação para as artes, e sobrenome a sugerir parentesco com o daguerreotipista Joaquim José Pacheco. outra relação sugestiva, encontrada no registro na secretaria de Polícia do Ceará: era natural do Conselho de Bastos, como o citado Joaquim, certamente de Cabeceiras de Bastos. outro indício de parentesco entre os dois conterrâneos é sugerido pelo aparecimento de seus nomes em ordem sequencial, na subscrição em favor dos náufragos lusitanos do brigue são João Batista, resgatados pela galera francesa Musagram em setembro de 1846. Pelo primeiro registro para obtenção do título de residente, feito em 1 de junho de 1842, fica-se sabendo o caminho
de chegada de Bernardo ao Ceará. embarcou na cidade do Porto, no navio Ventura feliz, chegando ao império Brasileiro, certamente em recife, em 24 de agosto de 1837, portanto aos 13 anos de idade. no ano seguinte, pelo navio santa Cruz, vindo de Pernambuco, desembarcou em fortaleza, no dia 21 de junho. aos se apresentar na Polícia tinha apenas 18 anos, era solteiro, exercia a profissão de caixeiro, e residia na rua formosa, 15. as anotações feitas pelo escrivão policial descrevem Bernardo José Pacheco como de estatura regular, cor alva, rosto oval, nariz e boca regulares, olhos pardos, tendo cabelos e barba castanhos. (37) ele segue uma trajetória semelhante à de outros jovens portugueses ou ingleses que se aventuraram em terras cearenses na busca de construir uma vida próspera. o fato é que menos de um lustro depois aparece estabelecido por conta própria, como se deduz dos anúncios de espetáculos
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no Theatro Thaliense que indicavam a venda de bilhetes na loja de Bernardo José Pacheco. ao lado de sua atividade comercial, Bernardo deve ter se dedicado com empenho à música. dez anos após sua chegada, em 1852, com 24 anos de idade, abriu formalmente uma escola Musical, como nova fonte de resultados financeiros. no dia 5 de abril de 1854, compareceu à Polícia e declarou-se Músico, obtendo novo título de residência, agora com essa mudança de profissão. no anúncio publicado nos jornais O Cearense e Pedro II, confirma-se sua qualificação musical: Escola Musical Bernardo José Pacheco ensina com toda perfeição, Flauta – Clarineta – Piano e Canto – (para o que se acha munido de muito bons methodos), pelas condições abaixo mencionadas. Arte de musica e solfejo6$000 por 20 lições mensaes. Flauta ou Clarineta4$000por 12 lições mensaes. Piano e Canto8$000por 12 lições mensaes. (38) Por essa época, Joaquim José Pacheco regressara dos estados Unidos, exercendo sua atividade como daguerreotipista inicialmente em fortaleza nos anos 1851-52, em recife em 1854, e no ano seguinte no rio de Janeiro, quando instalou seu primeiro estúdio na corte à rua do ouvidor, 31. tudo leva crer que
Joaquim tenha, na temporada cearense, preparado seu irmão Bernardo para ingresso no ramo da fotografia. desconhece-se a data precisa dessa associação formal, com uma firma – Pacheco & irmão – sediada no rio de Janeiro, mas voltada ao promissor mercado nordestino. era conhecida a boa acolhida de retratistas nessa região, o que se evidencia na afirmação de Charles d. fredericks, em notas no Diário de Pernambuco.. na sua passagem pelo Maranhão, em 1847, tirara “mais de três mil retratos”. (39) no rol de passageiros do paquete a vapor Oyapock encontramos uma chegada de Bernardo ao rio de Janeiro, em 27 de abril de 1858. depois de sete meses provavelmente trabalhando com o irmão, já famoso como Fotografista da Família Imperial,, associado na firma Pacheco & Irmão,, ele apareceu no dia 7 de dezembro novamente como passageiro do vapor Oyapock rumo ao norte. (40) ainda em dezembro de 1858, Bernardo José Pacheco instalou-se na capital maranhense, na Praça do ribeirão, anunciando-se como “Pacheco & irmão, ambrotypistas da augusta Casa imperial, rua do ouvidor n. 40 no rio de Janeiro e Praça do ribeirão no Maranhão”:
todas as preparações precisas para tirar retrato”. (42) faltam referências do roteiro de Bernardo José Pacheco durante o resto desse ano. em 1860, entretanto, ele se encontrava no nordeste, inicialmente de janeiro a junho, em salvador, e a partir de setembro até o ano seguinte em são Luís do Maranhão. os anúncios da temporada baiana, de janeiro ao final de junho, têm o mesmo teor, assegurando nas suas instalações na Ladeira de são Bento, 17, o serviço de qualidade de Pacheco e Irmão Ambrotypistas da Augusta Caza Imperial Imperial. (43) É provável que Bernardo tenha regressado para a capital do império, e de lá retornado para outra temporada nordestina, pois passou por fortaleza no dia 18 de agosto de 1860, a bordo do paquete Cruzeiro do Sul. no dia 20 encontrava-se no Maranhão para retomar suas atividades na próspera capital. sua chegada é noticiado na imprensa local:
PACHECO & IRMÃO AMBROTIPISTAS DA AUGUSTA CASA IMPERIAL RUA DO OUVIDOR N.40 NO RIO DE JANEIRO E PRAÇA DO RIBEIRÃO NO MARANHÃO Os proprietários do primeiro e único estabelecimento conceituado no Rio de Janeiro, desejando satisfazer muitos pedidos de diversas pessoas desta capital do Maranhão, resolverão abrir aqui provisoriamente uma officina Photographica, offerecendo um systema de retratos em vidros inteiramente novo nesta cidade, conhecido pelo nome de Ambrotypo. Os retratos podem ser vistos de um só lado em relevo d’um effeito mágico, ou por duas faces sendo uma colorida e a outra em fumo. As pessoas que quiserem aproveitar a occasião de possuir um eterno retrato a prova de’acidos, devem dirigir-se á praça do Ribeirão, n. 31 até ao dia 25 de janeiro próximo futuro. (41)
a publicidade nos jornais apresenta Pacheco & irmão como ambrotipistas da augusta Casa imperial, com estabelecimento no rio de Janeiro, vindos pela segunda vez para estabelecer uma oficina na capital maranhense:
a primeira passagem de Pacheco & irmão prolongar-se-ia até o dia 6 de fevereiro de 1859, anunciando então a venda de “uma maquina com
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AMBROTYPO – Acaba de chegar o Sr. Bernardo José Pacheco, já conhecido n’esta capital, que se vem demorar aqui por alguns mezes a exercer a sua arte na casa sita na rua da Paz onde esteve o hotel do Sr. Candeixa. (44) PACHECO & IRMÃO AMBROTIPISTAS DA AUGUSTA CASA IMPERIAL NO RIO DE JANEIRO, RUA DO OUVIDOR N.40. NO MARANHÃO, RUA DA PAZ N. 8 Os proprietários do primeiro estabelecimento photographico no Rio de Janeiro resolveram abrir aqui, pela segunda vez, uma officina de retratos em Ambrotypo, systema já conhecido nesta capital pela sua perfeição e durabilidade. As pessoas que quizerem aproveitar a occasião de possuir um eterno retrato à prova de ácidos, podem-se dirigir à Rua da Paz n. 8 desde as 9 horas da manhã as 3 da tarde. (45) as atividades deveriam se encerrar em 28 de dezembro, como aparece em avisos, mas prolongaram-se até fevereiro de 1861, quando Bernardo José Pacheco torna público seu retorno ao rio de Janeiro. (46) embarcou então no paquete a vapor Oyapock e desembarcou na capital federal no dia
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1853-1854
26 de fevereiro. deve ter voltado ao ateliê do seu irmão insley Pacheco, pois só descobrimos no ano seguinte algo novo em sua vida profissional. em março de 1862, na repartição da Polícia no rio de Janeiro, declarando-se cidadão português, conseguiu seu passaporte para viagem a Bordeaux. (47) Viajou para a europa, onde permaneceu dois anos e teve oportunidade de aperfeiçoar suas técnicas na frança, Bélgica e inglaterra. no retorno, em fevereiro de 1864, além de esclarecer o que pretendera na viagem, dá-nos a prova definitiva de ser irmão de Joaquim insley Pacheco com quem pretendia continuar trabalhando. É o que aparece em notícia de primeira página no diário do rio de Janeiro: PHOTOGRAPHIA – Acaba de chegar da Europa por onde por longo tempo praticou e estudou nas melhores oficinas photographicas de Bruxellas, Londres e Paris, o Sr. Bernardo José Pacheco, irmão do Sr. Insley Pacheco, dono e hábil director do magnífico estabelecimento photographico da rua Ouvidor. Associado a seu irmão vai o Sr. Bernardo Pacheco fazer conhecido entre nós os recentes melhoramentos que a photographia tem tido. Os trabalhos do Sr. Insley Pacheco já eram de rara perfeição, como o certificam as bellas provas que se acham actualmente expostas na academia das Bellas Artes. Com o valioso concurso que agora lhe chega, rivalisará o estalebelecimento da rua do Ouvidor com os primeiros da Europa. (48)
antonio Cesar de faria ViLLaÇa Ourives e retratista, sucessor de Joaquim Pacheco
de 1867 a 1875, foi associado a José Christiano de freitas Henriques Junior, com a firma Christiano Jr. & Pacheco, instalada à rua da Quitanda, 45, e de 1876 a 1882 esteve à frente da firma Pacheco, Menezes & irmão, sendo sócios os irmãos João Xavier e Carlos Xavier de oliveira Menezes, com estúdio à rua da Quitanda, 39. (49) não encontramos notícias de posteriores atividades e nenhuma referência à sua morte. os irmãos portugueses Joaquim José (insley) Pacheco e Bernardo José Pacheco, residentes na cidade de fortaleza na primeira metade do século XiX, são as duas mais relevantes dádivas cearenses à nascente fotografia brasileira.
a contribuição de Bernardo José Pacheco à história da fotografia brasileira prolonga-se por alguns anos como associado ao seu renomado irmão, seguindo-se novas sociedades comerciais.
37. Registro de Títulos de Residência de Estrangeiros, 1842. Arquivo Público do Ceará. 38. O Cearense, Fortaleza, ano VI, nº 520, 6ª feira, 16 Abr. 1852, p. 4. / Pedro II, Fortaleza, ano XII, nº 1115, sábado, 17 Abr. 1852, p. 4. 39. Diário de Pernambuco, Recife, ano XXIV, nº 190, 4ª feira, 25 Ago. 1847, p. 3. 40. Correio Mercantil, Rio de Janeiro, ano XV, nº 330, 3ª feira, 7 Dez. 1858, p. 4. 41. Publicador Maranhense, São Luís, ano XVII, nº 292, 3ª feira, 28 Dez. 1858, p. 4. 42. Publicador Maranhense, São Luís, ano XVIII, nº 25, 3ª feira, 1 Fev. 1859, p. 3. 43. Jornal da Bahia, Salvador, 3ª feira, 3 Jan. 1860, p. 4.
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44. Publicador Maranhense,, São Luís, ano XIX, nº 188, 2ª feira, 20 Ago. 1860, p. 3. 45. Publicador Maranhense,, São Luís, ano XIX, nº 197, 5ª feira, 30 Set. 1860, p. 4. 46. Publicador Maranhense,, São Luís, ano XX, nº 34, 2ª feira, 11 Fev. 1861, p. 3. 47. Correio Mercantil,, Rio de Janeiro, ano XIX, nº 66, sábado, 8 Mar. 1862, p. 3. 48. Diário do Rio de Janeiro,, Rio de Janeiro, ano XLIV, nº 50, sábado, 20 Fev. 1864, p. 1. 49. Kossoy, B. Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro.. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Salles, 2002, p. 247.
Pedro ii. sábado, 3 de dezembro de 1853, p. 3.
os residentes na fortaleza de 1853 assistiam à batalha publicitária do melhor pão da cidade. de um lado, o pão de máquina de José Barateiro, nome comercial do aristocrata de origem britânico-lusitano José smith de Vasconcelos, e do outro o pão de Provença, do português francisco Marques de figueiredo. os reclames dos panificadores lusitanos ganhavam as páginas dos periódicos. o Barateiro proclamava que o melhor pão de fortaleza era o pão de máquina, “que além da superioridade que tem sobre o pão comum, acresce a vantagem de ser isento de receber o suor do amassador visto ser amassado por machina sem o repugnante processo de manipulação”. seu concorrente afirmava que o melhor era o “admirável e gostoso Pão de Provença, podendo os fregueses verem mesmo o asseio e limpeza do pão desta qualidade, notando-se que não é amassado a braço pelo que está livre da mais pequena pinga de suor”. (50) Para o novo Presidente da Província, que teria um curto governo de abril de 1853 a fevereiro de 1854, Joaquim Vilella de Castro tavares, o problema maior da cidade era a falta de iluminação. o seu contundente relatório denunciando o problema é uma peça admirável. diz Vilella:
É bem desagradável o aspecto que apresenta à noite esta cidade envolta em completa escuridão. Quem não o soubesse, não a tomara de certo pela capital de uma província, e é para admirar que em tão profundas trevas os crimes não tenham desenvolvido em grande escala. No século chamado das luses é de feito para lastimar-se que desconhecendo o quanto elas valem vivamos em trevas no meio de uma cidade que caminha em progresso. (51) evidência desse progresso é a dinâmica cultural na jovem cidade. o interesse pela leitura consagrou romances como O judeu errante e Os mistérios de Paris, de eugène sue, O último dos Moicanos, de James fenimore Cooper, As aventuras de Robinson Crusoé, de daniel defoe, e O Conde de Monte Cristo, de alexandre dumas. essa animação confirma-se na permanência ativa da sociedade thaliense, constituída por amadores do teatro e responsável pela encenação de dramas como Luiz de Camões e A Duqueza de Vaulabière. nesse ano apareceu na cidade o ourives e retratista antonio César de faria Villaça, exercendo a nova arte que se tornara conhecida anteriormente por frederic Walter, augusto Letarte e Joaquim José Pacheco, e sucedendo comercialmente a este último. nos anúncios iniciais, Villaça dizia ter chegado de Paris e oferecia sua arte de
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tirar retratos com perfeição, variedade de tamanhos, a cores, entregues em caixas ou montados em quadros e “estojos de costura com músicas” (sic):
OURIVES E RETRATISTA O Artista Antonio Cezar de Faria Villaça chegado a pouco de Pariz, onde se aperfeiçoou na arte de ourives, acha-se estabelecido na rua Formoza defronte do sobrado do Sr. Dr. Aprigio, avisa ao publico que faz toda obra de ouro, com esmalte ou sem elle, igual as que vem da França, visto que possue excelentes machinas e ferramentas pertencentes a sua arte. As pessoas que precisarem alguma obra de ouro podem encomendar ao anunciante que ficaram tanto da boa qualidade do ouro, como dos feitios; assim como promete dar as encomendas no tempo ajustado. O mesmo artista vende algumas machinas e ferramentas que tem em quantidade. (54)
RETRATOS A ELECTROTYPO COLORIDOS ANTONIO CESAR DE FARIA VILLAÇA, tendo chegado a esta cidade, vindo de Paris, participa ao respeitável publico, que tira retratos com admirável perfeição colocando-os em riquíssimas caixas, quadros e estojos de costura com musicas. Tirão-se de diferentes tamanhos, e só se entregarão á vontade de seus donos, afiançando a sua duração, tanto como os de óleo. Assim como faz toda a qualidade de bejutaria de ouro esmaltado e dá choques Electricos ás pessoas paralíticas e nervosas; as pessoas que o quiserem honrar queirão procural- o das 8 horas da manhã até ás 4 da tarde no seu estabelecimento, rua Formosa junto á loja do Sr. Manoel Nunes de Mello. (52) Como não era raro nessa época, Villaça associava o papel de retratista a outras capacitações profissionais. Para garantir maiores ganhos, oferecia-se como ourives, com curso de aperfeiçoamento em Paris. a essas habilidades, após adquirir do seu antecessor Pacheco a versátil máquina eletromagnética de galvanização de metais, acrescentou a habilitação para o tratamento de enfermidades em pessoas paralíticas e nervosas pelo método de aplicação de eletrochoques. Passou a ser retratista, ourives e terapeuta. a permanência do retratista prolongou-se
de novembro de 1853 a maio do ano seguinte, em seu ateliê na rua formosa, com renovadas sequências de avisos publicitários em que proclamava suas habilidades. RETRATOS A ELECTROTYPO COLORIDOS. Rua Formosa, defronte do Illm. Sr. Dr. Aprigio. O artista Antonio Cesar de Faria Villaça tendo em breve de retirar-se desta capital, avisa ao publico que tem determinado para comodidade de algumas famílias que queiram possuir o seu fiel retrato ir a suas casas. O artista afiança a sua duração como os de óleo. (53)
RETRATOS A ELECTROTYPO. O ARTISTA ANTONIO CEZAR DE FARIA VILLAÇA, tendo de retirar-se desta capital no dia 15 de abril futuro, avisa ás pessoas que pretenderem tirar seus retratos, e mesmo as que quiserem aprender a dourar e a esmaltar queirão procural-o no seu estabelecimento a toda hora do dia, que ensinará por preços commodos. (55) a vida profissional de Villaça, antes e após sua apresentação em fortaleza, está perdida em névoas. nossas pesquisas encontram, entretanto, o registro mais antigo de seu percurso brasileiro, o rol de
50. Pedro II, Fortaleza, ano XIV, nº 1299, sábado, 3 Dez. 1853, p. 4. 51. Pedro II, Fortaleza, ano XIV, nº 1299, sábado, 3 Dez. 1853, p. 3. 52. Pedro II, Fortaleza, ano XIII, nº 1290, 4ª feira, 2 Nov. 1853, p. 4. 53. Pedro II, Fortaleza, ano XIII, nº 1294, 4ª feira, 16 Nov. 1853, p. 4.
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passageiros chegados ao rio de Janeiro a 7 de dezembro de 1843 pelo patacho Theolinda, procedente de santos. declarava sua nacionalidade portuguesa. Quatro anos depois, no dia 16 de novembro de 1847, provavelmente em novo retorno da europa, ele chegou ao Maranhão no brigue Laya, vindo de Lisboa. a capital maranhense vivera nesse ano a passagem do lendário daguerreotipista americano Charles deforest fredericks. no ano de 1853, Villaça apareceu novamente como passageiro do vapor brasileiro Imperatriz, chegado a recife, em 19 de outubro, procedente do rio de Janeiro e portos de escala. (56) no mês seguinte começou sua história cearense, destacandose como o quarto fotógrafo a exercer a profissão em fortaleza.
54. Pedro II, Fortaleza, ano XIII, nº 1294, 4ª feira, 16 Nov. 1853, p. 4. 55. Pedro II, Fortaleza, ano XIV, nº 1334, sábado, 1 Abr. 1854, p. 4. 56. Diário de Pernambuco, Recife, ano XXIX, 6ª feira, 20 Out. 1853, p.3.
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1857
JoÃo B. tHoMa
O quinto daguerreotipista itinerante em Fortaleza
Retratos. João B. Thomo chegado ultimamente a esta capital offerece se a tirar retratos em brevíssimo tempo,e com a maior perfeição possível, por um systema inteiramente novo. As pessoas que quizerem retratar vão em seo gabinete estabellecido em casa do Sr. Henrique ferreiro, que serão immediatamente satisfeitas e por modico preço. Ceará 6 de junho de 1857. (58) antes de chegar a fortaleza, o daguerreotipista thoma exercera a profissão em Pernambuco e no Maranhão. na sua publicidade em recife, em outubro de 1856, oferecia-se para tirar retratos em “daguerreotypo” e “electrotypo”, no aterro da Boa Vista, 12, para onde transferira o seu gabinete “por falta de commodo” na casa do fotógrafo alemão a. stahl, instalado na rua nova:
ao saudar o novo ano da graça de 1857, o periódico O Cearense comemorava o fato de que no anterior, das duas pragas caracterizadas pelo nome de cólera de deus e cólera dos Homens, apenas essa última tenha grassado na Província. no editorial, o periódico prometia boas novas para a população: “o novo anno abre um bello horizonte... Uma nova era de justiça e tolerância na ordem política, e de prosperidade...”(57) a cidade assistiu a alguns melhoramentos, como o calçamento das vias públicas como a rua da Palma (correspondente à atual rua Major facundo no primeiro trecho até a Praça do ferreira) e a travessa da tesouraria (atual rua são Paulo). foram concluídas as obras das cacimbas nas praças da Carolina (hoje, Praça Valdemar falcão) e da Municipalidade (depois, a famosa Praça do ferreira). Comemorou-se também melhorias no precário porto de desembarque com a conclusão do trapiche, tendo ao centro uma casa de madeira, e a montagem de um guindaste. o palco do Theatro Thaliense continuou sendo o espaço de cultura e entretenimento, começando o ano com o as emoções do francês Monsieur
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robert e suas fantasmagorias, as belas vozes e o brilho dos artistas líricos italianos adele rebussini, Luigi, angeolina e tancredi remorini, dividindo as atenções com os amadores teatrais cearenses que encerraram o ano com a montagem do drama o amor conjugal, ou os salteadores de Borgonha. no mês de junho, chegou a fortaleza mais um fotógrafo, o quinto a partir do pioneiro Walter. anunciava-se como João B. thoma, nome grafado erroneamente em anúncios como thomo, em o Cearense, thorra, no periódico o Commercial, e thomaz, no diario de Pernambuco. sem indicar procedência e nacionalidade, prometia tirar retratos por um sistema inteiramente novo, o método eletrotipo. seu gabinete tinha sido estabelecido na movimentada rua formosa (atual rua Barão do rio Branco), na casa do “sr. Henrique ferreiro” ou “Henrique Criech”, que identificamos como o alemão, súdito hamburguês, Heinrich erich, que chegara a fortaleza em setembro de 1854, exercia a profissão de ferreiro e aportuguesara o nome para frederico Henrique. os primeiros avisos em fortaleza traziam o seguinte texto:
RETRATOS A DAGUERREOTYPO. N.12 ATERRO DA BOA-VISTA N.12 O abaixo assignado tem à distincta honra de scientificar ao respeitável publico desta cidade, que acaba de mudar o seu estabelecimento por falta de commodo, da casa do Sr. A. Stahl da rua Nova para o aterro da Boa-Vista n 12, e vai continuar a tirar retractos do ultimo gosto, pelos preços os mais commodos. – João B. Thoma. (59)
o commercial. fortaleza, 5ª feira, 16 de julho de 1857, p. 4.
DAGUERREOTYPO Retratos indeléveis, cores naturaes, por um systema inteiramente novoJoão B. Thoma, chegado ultimamente a esta cidade, oferece-se a tirar retratos em brevíssimo tempo, e com a maior perfeição possível, o processo especial de que uza habilita o anunciante a garantir ao illustrado publico Maranhense a belleza de seus retratos. As pessoas que se quiserem retratar, encontrarão em seu gabinete estabelecido na casa do Sr. Dezembargador Mello na rua da Cruz, não só a tabela dos moderados preços, como um requissimo sortimento de caixinhas de gostos modernos. (60)
nossas pesquisas vão revelá-lo depois, a partir de dezembro do mesmo ano, com gabinete montado na capital do Maranhão, anunciando o daguerreótipo. É provável que lá se tenha demorado até sua temporada cearense.
diário de Pernambuco. 6ª feira, 9 de maio de 1856, p. 4.
Publicador Maranhense. 2ª feira, 1 de dezembro de 1856, p. 5.
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Pernambuco. recife, 4ª feira, 21 de outubro de 1857, p. 4.
nas três capitais nordestinas em que encontramos João B. thoma, ele fazia referência à qualidade de seus retratos por um sistema novo, mas no Maranhão ele classificava seus retratos como daguerreótipo e esclarecia que adotava o sistema electrotipo, semelhante à daguerreotipia e considerado de qualidade superior. o seu concorrente na capital maranhense, o retratista Camillo Pinto da fonseca neves, trabalhava também pelo proclamado “novo e aperfeiçoado sistema electrotipo”. o mesmo processo já tinha sido utilizado em fortaleza por Joaquim Pacheco, em 1851, no seu retorno da aprendizagem
Louis daguerre
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nova-iorquina com Mathew Brady, H. e. insley e Jeremiah gurney. a permanência de thoma em fortaleza prolongou-se pelo menos durante os meses de junho e julho, reaparecendo em outubro de 1857 na capital pernambucana, na rua nova, nº 23, instalado na galeria de arcenio e gadault, pintores brasileiros com formação em roma e Paris, retratistas a óleo e mantenedores de um curso de desenho. o curioso na comunicação na imprensa é que ele agora assinava como João thomaz: Daguerreotypo. João Thomaz chegado ultimamente a esta cidade, offerece-se a tirar retratos em brevíssimo tempo, e com a maior perfeição possível, o processo especial de que usa habilita o anunciante a garantir ao illustrado publico pernambucano a belleza de seus retratos, e baratissimo: na rua Nova n. 23, galleria de Arcenio e Gadault, primeiro andar. (61) À exemplo de outros artistas itinerantes, João B. thoma desapareceu da história, sem deixar vestígios para recompor seus caminhos seguintes.
57. O Cearense, Fortaleza, ano XI, nº 967, 5ª feira, 6 Jan. 1857, p. 1. 58. O Cearense, Fortaleza, ano XI, nº 988, 6ª feira, 9 Jan. 1857, p. 4. 59. Diario de Pernambuco,, Recife, ano XXXII, nº 1, 6ª feira, 9 Jan. 1856, p. 4. 60. O Publicador Maranhense,, São Luís, ano XV, nº 275, 22ª feira, 1 Dez. 1856, p. 4. 61. Diario de Pernambuco,, Recife, ano XXXIII, nº 241, 6ª feira, 21 Out. 1857, p. 4.
1858
CarLos Kornis de totVárad Pioneiro daguerreotipista cura-se no Ceará
dr. Carlos Kornis de totvarad. acervo do autor.
episódio oculto nas páginas do passado, a vinda ao Ceará de um dos pioneiros introdutores da daguerreotipia na corte brasileira merece espaço na história da fotografia cearense. não apenas por seu papel como profissional de uma nova e revolucionária arte, mas também por sua dimensão humana e social. o nome do dr. Carlos Kornis de totvárad foi lembrado antes, na fase de aperfeiçoamento fotográfico, em nova York, do luso-cearense Joaquim José Pacheco. foi ali que se encontraram durante os cursos no ateliê do célebre daguerreotipista americano Matthew Brady (1882-1896), onde receberam lições de luminares como Jeremiah gurney (18121886) e Henry earle insley (1811-1894), homenageado no próprio nome de Pacheco, que passou a assinar como insley Pacheco. Kornis chamava atenção no grupo nova-iorquino por seu nível acadêmico e sua história pessoal, expatriado de seu país por razões políticas, a exemplo do companheiro de odisseia etienne Biranyi. fez-se amigo de Pacheco e antecipou-lhe na trilha brasileira, estabelecendo-se em 1854 com o patrício húngaro na rua são Pedro, 43, no rio de Janeiro. o agora nominado insley Pacheco fez um caminho mais longo, retornando a fortaleza (1851-1852), com provável passagem pelo rio de Janeiro (1853) seguida de atuação profissional
em recife (1854), instalando-se definitivamente, em 1855, no rio de Janeiro, na rua do ouvidor, nº 31. o dr. Carlos Kornis era o mais proeminente dos dois intelectuais migrados da Hungria por razões políticas. Professor de direito Penal na Universidade de Pesth, tribuno eloquente e inflamado defensor da liberdade durante a revolução húngara (1848-49), colaborador no Jornal de Pesth e seguidor de Lazlo Kossuth, honrado com busto de bronze no Capitólio americano como pai da democracia húngara e defensor da liberdade. a um detrator que lhe insultara pelo Jornal do Commercio de Lisboa, Kornis respondeu na imprensa carioca, transcrevendo carta do governador-presidente da Hungria no exílio, Lazlo Kossuth, que lhe foi dada na partida para os estados Unidos: Eu abaixo assignado certifico que o Sr. Carlos Kornis, professor de direito na universidade de Pesth, portador desta carta, foi encarregado durante a luta nacional de 1848-1849 de diferentes funções, e além delas da de procurador do Estado (attorney general); que durante esse tempo deu provas dos seus conhecimentos scientificos; que sempre mostrou uma conducta digna e honrosa; que mereceu sempre a confiança do governo nacional, e a estima dos seus concidadãos.
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Por causa da sua dedicação patriótica, tendo sido perseguido pelo governo austríaco, elle parte proscripto e banido para a America. Aproveito esta ocasião para recomendar a todas as pessoas de bem, atendendo ao seu saber, aos seus sentimentos patrióticos e á sua conducta honrada. Lazlo Kossuth, governador da Hungria...(62) declarava então a sua condição como daguerreotipista por necessidade e proclamava a honrosa qualificação: Sim, eu sou Hungaro, proscripto, ex-professor de direito na universidade de Petsh; e minha identidade é tão real que é verdade que por graça do governo austríaco fui pendurado em effigie no dia 20 de Setembro de 1851, e confesso isso com certo orgulho,...; eu o confessor com a fronte levantada á face de todos, é isso uma das glorias da minha vida. Chegando há dous annos ao Rio de Janeiro, apresenteime simplesmente na qualidade de daguerreotypista, com o apoio do passaporte obtido do consul do Brazil em New-York, procurando assim assegurar a minha existência com um trabalho tão honesto quão perigoso para a minha saúde. Si fora deste trabalho, que está minando a a minha saúde, tenho procurado, em um passatempo intelectual, alimentar a minha alma abatida pelas anxiedades e pelas perseguições, causei eu algum prejuízo a alguém senão a mim mesmo. (63) as agressivas enfermidades consequentes do trabalho em laboratório de daguerreotipia determinaram a morte do amigo e companheiro Biranyi e deram motivo para a sua vinda ao Ceará cuidar de sua própria saúde. o fato é registrado por guilherme studart (Barão de studart) em uma de suas obras: Pofessor de Direito Criminal na Universidade de Pesth e um dos auxiliares de Kossuth, o herói Hungaro, valendo-lhe a segunda qualidade ser queimado em effigie numa das praças publicas da Capital do seu paiz. Tendo emigrado para o sul do Brasil, motivo de moléstia touxe-o até o Aracaty. Foi isso em 1858. (64)
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os três anos anteriores tinham sido intensamente vividos por Kornis no rio de Janeiro. a partir de janeiro de 1855 os anúncios do ateliê com Biranyi apareceram na imprensa, ainda com discreta citação dos seus nomes: NOVA GALERIA E OFFICINA DE DAGUERREOTYPO 43 RUA DE SÃO PEDRO 43 – RIO DE JANEIRO Os abaixo assignados tem a honra de participar ao publico que, tendo chegado de New-York (Estados-Unidos), acabão de estabelecer uma galeria e officina de daguerreotypo no Rio de Janeiro, rua de S. Pedro n. 43. Vê-se nessa galeria, além dos melhores modelos neste gênero, os retratos dos mais ilustres personagens do antigo e novo mundo, entre outros o de S. M; o Imperador do Brazil. Os abaixo assignados, versados em sciencias e conhecendo não só a teoria como a pratica da arte de daguerreotypo, segundo todos os systemas até hoje conhecidos, possuem em seu estabelecimento os mais perfeitos instrumentos, e assegurão ao publico que, por meio delles, em diversos estylos, tirão retratos com toda a perfeição, a saber: em stereoscopo, isto é, de maneira a apresentar a pessoa em relevo, arredondado e no seu tamanho natural; a lápis, em plástica, em miniatura, etc., de diferentes tamanhos; encarregão-se de tirar retratos, tanto de pessoas idosas como de adultas, assim como de crianças, quando o tempo está bom, da 11 ás 3 horas da tarde, tanto vivas como mortas; e tirão copias em daguerreotypo de quadros, estatuas e retratos. A galeria da officina está aberta todos os dias desde ás 9 horas da manhã até ás 5 da tarde. – Biranyi e Kornis. (65) no semestre seguinte, conhecidos e bem avaliados, os professores húngaros anunciavam na imprensa, dando destaque no título para a firma Biranyi e Kornis. a clientela crescera e com ela o círculo de amizade. o sóbrio ateliê é assim descrito pelo escritor Mello Moraes filho: O atelier de daguerreotypia de Birany e Carlos Kornis, á rua de S. Pedro, era simples, severo, modesto. No salão da frente viam-se, emolduradas, gravuras ornamentando as paredes, mesa central com estatueta de
bronze e passe-partout ao acaso; algumas caixinhas, abertas ou fechadas, contendo os retratos por elles executados, e dezenas de outras, com ovaes duplos e aparelho sterioscopio, segundo o systema então em voga nos Estados Unidos. Breve tapete á entrada, aparadores com vasos de flores artificiaes, espelho dourado, cadeiras usadas, e pouco mais, completavam os adereços d’essa desluxuosa peça de recepção de espera. Frequentado por uma elite de estrangeiros, por personagens e famílias ilustres do paiz, esse estabelecimento firmava-se em largo lastro de estima publica, pela rara competência dos dois artistas nas complicadas manifestações do processo de Daguerre. Famoso como retratista e admirado em extremo por nossos linguistas e eruditos, era particularmente o professor Kornis quem attrahia ao seu aconchego notável plêiade de homens de estudo, que o buscavam nas horas menos ocupadas, nos intermedios da lide e do laboratório. (66)
interrompeu as atividades do ateliê por luto de uma semana. Carlos Kornis conduziu então seu ateliê como empresa individual. a partir de junho de 1857, passou a acusar problemas de saúde, como comprova a comunicação a seguir:
foi nesse ambiente que o professor Kornis encontrou o maior sustentáculo, mesmo com a necessidade de dar assistência ao companheiro Biranyi que em dezembro de 1855 se tornou vítima fatal de impiedosa enfermidade. no ateliê foi velado seu corpo: Uma noite, quatro tochas accesas em volta de um cadáver estendido sobre tosca eça, avistava-se em uma sala de 1º andar da rua dos Ourives. Ao lado desse corpo, que ia ser dado á sepultura, um homem de cera de cincoenta annos, trajado de preto, com o cotovelo apoiado á borda do caixão, descançava na dextra a fronte scismadora e olympica, com os olhos rasos d’agua, com os lábios trêmulos de preces lustraes. Sabeis? Aquelle finado era o professor Birany, e o companheiro, na vida e na morte – Carlos Kornis Totvarad. (67) a perda do amigo de lutas e de exílio não impediu as atividades de Kornis. Logo após o falecimento de etienne Biranyi, nascido em Léva, Hungria, fez cartas de comunicação à imprensa, uma delas publicada no A Magyar Sajtó, edição de 20 de janeiro de 1856; agradeceu a assistência médica do dr. Mello de Moraes, pai do memorialista acima citado, e
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8 CARLOS KORNIS CONHECIDO PELA SUA ARTE DE DAGUERREOTYPO E ESPECIALMENTE PELOS RETRATOS EM STREOSCOPO. Achando-se na necessidade de buscar remediar a sua saúde enfraquecida fora da cidade, participa aos seus amigos e conhecidos, que os seus trabalhos ficarão suspensos até o dia 16 de junho próximo futuro. 43 RUA DOS OURIVES, SOBRADO 43 (68) no dia 14 de novembro embarcou no vapor inglês tyne para recife, de onde seguiria para a cidade praieira de aracati, no Ceará, em busca de cura para seus males. ao que tudo indica, não apenas teve melhoras de saúde, mas desenvolveu seu círculo de amizades em salutar benefício para o espírito. em carta dirigida à academia filosófica, da qual era presidente, lida na sessão de 15 de maio de 1858, comunicou que se achava em aracati e que estava “confeccionando uma obra relativa à instrução pública”. É de supor que tenha feito algum registro fotográfico da cidade e suas belas praias. sete meses depois ele embarcou no Igarassu, a 13 de julho de 1858, para a capital cearense. guilherme studart (Barão de studart), em sua pesquisa sobre “estrangeiros no Ceará”, publicada na Revista do Instituto do Ceará, edição de 1918, reproduziu uma observação feita pelo dr. Kornis que revela sua familiaridade com a terra que o abrigava:
Direito do poder temporal em negócios de casamentos, contrariando as posições do dr. Braz florentino, professor da faculdade de direito de Pernambuco e do Monsenhor Pinto de Campos. diz sobre sua atitude o memorialista Mello Moraes filho:
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o aLeMÃo JoHann BrindseiL Pintor profissional e colorizador de fotos
Carlos Kornis, porém, cuja erudição jamais lhe servira de pesada e immobilisadora armadura, arroja-se inesperado à imprensa, e com a assimilação de descomunal preparo, oppõe-se á doutrina do bispo e do clero, discute as razões do parlamento, difundindo vivíssimo clarão a dissipar trevas, sempre grande, sempre convicto sempre superior em seus argumentos. (70) se a morte do amigo Biranyi não tirou Kornis da profissão, o gradual declínio da daguerreotipia frente ao aperfeiçoamento dos processos fotográficos seria o fator decisivo no desaparecimento do profissional da câmera para dar lugar a sua dimensão de competente jurista, professor erudito e o pensador combativo. entre essas atividades aparecem a de professor de latim em estabelecimento particular de ensino, sócio honorário do ateneu Paulistano e fundador da academia filosófica, no rio de Janeiro. em maio de 1862, na condição de cidadão brasileiro, Carlos Kornis de totvárad regularizou-se para o seu adeus ao Brasil e retorno definitivo ao velho continente.
É dele o seguinte conceito sobre os três Bachareis do seu tempo existentes em Aracaty: Liberato Barroso é bacharel em todo Brasil, Hypolito Pamplona para o Ceará e Caminha para o Aracaty. (69) ao regressar do Ceará, de volta às lides profissionais da fotografia, não se omitiu no seu saber filosófico e jurídico a debater a proposta do governo imperial de adoção do casamento chamado civil para os “casamentos mistos e entre pessoas que não professassem a religião do estado”, geradora de intensos debates entre parlamentares, juristas e o clero. sua intervenção na polêmica questão foi materializada na obra em dois volumes O casamento civil, ou o
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62. Jornal do Commercio,, Rio de Janeiro, ano XXXI, nº 303, sábado, 1 Nov. 1856, p. 1. 63. Idem. 64. Studart, G. “Estrangeiros e Ceará”. Revista do Instituto do Ceará,, Fortaleza, tomo XXXII, ano XXXII, 1918, Tip. Minerva, p. 209. 65. Diario do Rio de Janeiro,, Rio de Janeiro, ano XXXIV, nº 2 e 3, 3ª e 4ª feira, 2 e 3 Jan. 1855, p. 3. 66. Moraes Filho, M. Artistas do meu tempo.. Rio de Janeiro/Paris: H. Garnier, Livreiro-Editor, 1904, p. 43-44. 67. Moraes Filho, M. Op. cit., p. 50-51. 68. Diario do Rio de Janeiro,, Rio de Janeiro, ano XXXVI, nº 160, sábado, 13 Jun. 1857, p. 3. 69. Studart, G. Op. cit., p. 209. 70. Moraes Filho, M. Op. cit., p. 51.
Publicador Maranhense. sábado, 16 de abril de 1863, p. 3.
na capital provinciana, a conversação dos frequentadores dos cafés centrais girava das notícias de circulação de dinheiro falso à novidade da chegada de dez canhoneiras que o governo comprara na inglaterra. Havia também críticas ao precário serviço de empedramento na rua da Palma que, sem esgotos, tinha suas casas invadidas pelas primeiras chuvas do ano, a ponto de obrigar ao dr. José Lourenço, por custas próprias, mandar abrir uma vala para dar evasão às águas que ilhavam seu sobrado. os críticos diziam que as obras da intendência municipal tinham sido dinheiro jogado fora. a criatividade dos políticos, entretanto, não tinha limites, a exemplo do deputado José eleutherio da silva, autor do projeto, apresentado na assembleia Provincial, vedando aos celibatários acesso a qualquer emprego ou função pública. na sua proposição ficava estabelecido:
Art. 1º - Todos os indivíduos nacionaes ou estrangeiros, residentes nesta província, que sem impedimento phisico, ou não consagrando-se ao estado ecclesiastico ou monástico, nem tendo feito voto de castidade deixarem-se ficar solteiros até a idade de 30 annos, ficam inhibidos de serem nomeados empregados públicos, nem officiaes da guarda nacional, nem de eleição popular, nem serão lembrados pelo governo para quaes quer actos de serviço publico. (71) outro assunto da época era determinado pela novidade tecnológica da fotografia introduzida pelos daguerreotipistas e alguns duvidavam que sobrevivessem no mercado os retratos criados pelo talento artístico de pintores e desenhistas. a ameaça, porém, não preocupava artistas dos pincéis, como o alemão Johann Brindseil, aqui chegado com o nome aportuguesado para João Brindseil, e detentor de crescente
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prestígio. a boa acolhida na província foi comprovada pela clientela construída na sociedade e autoridades governamentais. o reconhecimento de sua arte foi ressaltado desde 1857, quando realizou um retrato de s. M. o imperador para a sala do Palácio Presidencial. foi o artista preferido da província, como o atesta, em “estrangeiros e Ceará”, publicado em 1918 na revista do instituto Histórico, o Barão de studart: Eram devidas ao seu pincel as finas pinturas, que adornavam as bandeirolas das portas do salão nobre do palácio dos Presidentes do Ceará e desappareceram no concerto por que passou o edifício depois do bombardeio que sofrreu no tempo de José Clarindo. Várias famílias de Fortaleza possuem retratos pintados por Brindseil. Foi elle quem pintou o quadro da Ceia Larga, que existe na Capella do Sacramento na cathedral de Fortaleza, e o da Assumpção da Virgem sobre o altar mor, substituído pelo actual, mandado vir da Europa pelo bispo D. Joaquim José Vieira. (72) No valioso estudo do Barão de Studart sobre os estrangeiros no Ceará, ocorreu um equívoco ou simples erro tipográfico, que reapareceu na revista de 1918 e nas separatas publicadas em 1918 e 1983 (2ª edição), quanto ao desempenho de Brindseil como titular da cadeira de Desenho no Lyceu do Ceará. A troca de ano no texto, de 1868 para 1858, levou ao erro de dez anos inexistentes de exercício: Por Portaria de 15 de Junho de 1858 foi nomeado professor da aula de desenho do Lyceu de Fortaleza, sendo dispensado do emprego por Acto de 15 de Abril de 1869. (73) o que deve ter sido um erro tipográfico foi mantido na edição em separata desse mesmo texto pela secretaria de Cultura e desporto do Ceará e fundação guimarães duque, de Mossoró. a evidência de que continha um erro foi constatada pelos debates ocorridos sobre a importância do ensino do desenho na instrução secundária, que resultaram na aprovação pela assembleia provincial de uma cadeira de desenho para o Liceu do Ceará, ato político não de pronto implantada. no final de 1859 o Liceu compreendia nove cadeiras: língua nacional,
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latim (dois professores), francês, inglês, geometria, filosofia e retórica. a disciplina de desenho, que em muitas ocasiões fora defendida mesmo ao preço de suprimir a cátedra de retórica, voltava ao debate. no relatório do dr. thomaz Pompeu de souza Brasil (eleito senador em 1864), ele afirma: Além disso uma falta sensível, a ausência do ensino de algumas artes liberaes, como o desenho, a musica, tão necessárias para a educação esthetica do homem. (74) a reiterada manifestação da opinião de setores expressivos da sociedade local em favor do desenho criou oportunidade para o cearense alcino gomes Brasil, de 33 anos de idade, egresso da Corte onde cursara a academia de Belas artes. Um mês após sua chegada, foi nomeado e entrou em exercício a 17 de julho de 1865 como lente de desenho do Liceu. a nomeação foi denunciada como nepotismo porque o escolhido era sobrinho do reverendo Hippolito gomes Brasil, também professor do Liceu e diretor geral da instrução pública. o fato é que alcino foi ativo professor de desenho no Liceu e em cursos abertos, além de divulgador da fotografia na província como veremos em capítulo a ele dedicado. somente após a morte de alcino gomes Brasil o alemão Brindseil foi nomeado interinamente, permanecendo apenas dez meses no cargo. isto é comprovado em texto sobre o ensino secundário publicado em o Cearense, de 10 de setembro de 1869:
RETRATOS Á OLEO. João Bindseil, retratista à óleo da escola allemã, pouco chegado nesta capital offerece á este ilustrado publico os seus serviços; promette no desempenho de sua arte empregar todo zelo, para satisfazer a quem o honrar com encommendas. O mesmo abriu a sua officina na casa de morada do Illm. Sr. Manoel Brito Meirelles, rua da Estrella n. 66. (76) não são conhecidos os detalhes das viagens de Brindseil, salvo um retorno do Maranhão em 5 de novembro de 1863, e uma retirada para o aracati anunciada pela imprensa em 22 de setembro de 1867, mas ele desenvolveu atividade profissional continuada e uma significativa cooperação com os fotógrafos visitantes. a primeira dessas associações ocorreu em 1868, com o português Leal procedente dos estados Unidos da américa, como noticiou o periódico Cearense:
photographias sobre papel, porcellana, óleo, sobre aquarella ou outro qualquer methodo até hoje conhecido. Convidamos, pois, os nossos patrícios, para concorrerem a esse estabelecimento, que nos mostra, que o Ceará apezar da guerra e de outros obstáculos não cessa de continuar no caminho da civilisação. (77) em 1869, associou-se ao retratista Pinto de sampaio, que, em sua publicidade, dizia oferecer retratos em “cores naturais pelo novo processo de colorir” de Brindseil. o artista alemão teve ainda pelo menos outro acordo profissional similar com o dinamarquês niels olsen, quando residindo em aracati, confirmado na narrativa do Barão de studart, citada anteriormente: Brindseil esteve mais de uma vez em Aracaty em tempo em que lá esteve também o photographo Niels Olsen, que com elle morou. (78)
Photographia Leal. – Tivemos occasião de entrar hontem no estabelecimento photographico, que está preste a abrir o sr. Leal, chegado há pouco dos Estados-Unidos, aonde não poupou nem despezas, nem trabalhos, para trazer aqui, o que na arte photographica há de melhor e mais moderno. Com efeito duvidamos, que no Brasil, fora de Rio de Janeiro haja outro estabelecimento tão perfeito n’este gênero e talvez lá mesmo não exista superior. Está engajado o Sr. João Brindseil para colorir as
É evidente, no acompanhamento da vivência de Johann Brindseil em fortaleza, que ele se posicionou como o primeiro destaque na pintura profissional da província. sua participação no ensino de desenho no Liceu do Ceará e em estabelecimento privado como o Collegio atheneu Cearense concedeu-lhe uma contribuição efetiva ao setor educacional. exemplifica também o padrão de convivência entre a tradicional arte da pintura e a nova atividade artística que surgira com a daguerreotipia.
71. O Cearense Cearense, Fortaleza, ano XII, nº 1150, 3ª feira, 17 Ago. 1858, p. 1. 72. Studart, G. “Estrangeiros e Ceará”. Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, tomo XXXII, ano XXXII, 1918, Tipografia Minerva, p. 205-206. 73. Idem. O equívoco de data induz sua repetição em Carvalho, G. “Memória literária e cultural”. Revista dos Encontros Literários Moreira Campos, ano I, nº 3, abr. Jul. 2013, p. 3.
74. O Cearense, Fortaleza, ano XIII, nº 1275, 3ª feira, 8 Nov. 1859, p. 1. 75. Cearense, Fortaleza, ano XXIII, nº 201, 6ª feira, 10 Set. 1869, p. 3. 76. Publicador Maranhense, São Luís, ano XXII, nº 87, sábado, 16 Abr. 1863, p. 3. 77. Cearense, Fortaleza, ano XXII, nº 2669, 5ª feira, 23 Jul. 1868, p. 1. 78. Studart, G. Op. cit., p. 205-206.
... Todas essas cadeiras acham-se actualmente providas, com exceção somente da de Desenho pertencente ao Lyceo, a qual, por se achar vaga, passou a ser regida interinamente pelo alemão Bindseil, nomeado por portaria de 15 de junho do anno passado, tornando a vagar ultimamente, por haver sido aquelle professor dispensado d’essa comissão, por acto de 15 de abril do anno corrente. (75) Como profissional da pintura e desenho, João Brindseil tornou-se conhecido também no Maranhão, em 1863, onde seu nome aparecia gravado como Bindseil nos anúncios que o apresentam como retratista a óleo da escola alemã:
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1859-1861
a CoMissÃo CientÍfiCa de eXPLoraÇÃo e a fotografia As fotos perdidas do Barão de Capanema e Gonçalves Dias no naufrágio do iate Palpite
dr. guilherme schüch de Capanema
a bordo do vapor Tocantins, da Companhia Brasileira de navegação, que partiu do rio de Janeiro a 26 de janeiro de 1859, chegaram a fortaleza a 4 de fevereiro os eminentes membros da primeira comissão científica constituída exclusivamente por brasileiros para conhecer o território da província e identificar potencialidades e riquezas. Um diretor, dr. guilherme schüch de Capanema, não pôde embarcar e integraria o grupo mais tarde. Concretizava-se nesse momento um projeto após três anos de preparação, que consumira muitas esperanças, recursos financeiros e superação de obstáculos de toda natureza. a comissão presidida pelo Conselheiro dr. francisco freire allemão Cysneiro compunha-se de sete seções com os seguintes membros: geológica – dr. guilherme schüch de Capanema (chefe) e capitão João Martins da silva Coutinho
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antonio gonçalves dias
(adjunto); Zoológica – Comendador Manoel ferreira Lagos (chefe) e João Pedro e Lucas antonio Villa-real (adjuntos); Botânica – dr. francisco freire allemão Cysneiro (que também presidia a comissão) e seu sobrinho dr. Manoel freire allemão (adjunto); astronômica e geográfica – Capitão-tenente giacomo raja gabaglia (chefe), primeiros-tenentes da armada José soares Pinto, Basilio siqueira Barbedo e engenheiros Caetano de Brito de souza gayoso e dr. agostinho Victor Borges Castro (adjuntos); etnográfica e de descrição de viagem – antonio gonçalves dias. integrava a comissão, como desenhista em apoio às seções Zoológica e Botânica, o professor de desenho José dos reis Carvalho. três outros membros foram incorporados, o 1º tenente de engenharia francisco Carlos Lassance Cunha e o Capitão antonio alvares dos santos souza,
na seção astronômica, e dr. francisco de assis de azevedo guimarães, na seção etnográfica. o único desses designados para a comissão a revelar possível vínculo com a fotografia seria o Capitão José dos reis Carvalho, que como desenhista transitaria mais facilmente pela nova arte. destacado pelos desenhos e aquarelas que produziu no Ceará, tem seu nome transformado em verbete do Dicionário HistóricoFotográfico co. segundo Boris Kossoy, ele teria exercido entre 1867 a 1870 a fotografia profissional no rio de Janeiro:
que a Comissão exploradora tinha efetivamente produzido imagens fotográficas, persistindo ainda o desconhecimento de quem seria autor ou autores. esse fato torna visível que faziam uso de câmeras fotográficas esses estranhos visitantes que no interior cearense provocavam a curiosidade popular e deixavam marca por inusitados comportamentos. o escritor naturalista cearense domingos olímpio, na sua obra Luzia-Homem, insere as lembranças sobre os doutores da comissão e suas estranhas geringonças de tirar retratos, como narra o personagem raulino:
Carvalho era pintor, discípulo de Debret e “conhecido por suas pinturas de flores e foto-pinturas”, tendo participado de expedição científica que percorreu o Norte do país em 1858 (Ferrez, 1984, p. 34). Carvalho foi sucessor do estabelecimento de Chaise (ou Chaix), permanecendo em atividade nos últimos anos da década de 1860. (Almanach Laemmert, 1867-1870). (79)
Os maiorais dessa comissão eram homens de saber, Capanema, Gonçalves Dias, Gabaglia, um tal de Freire Alemão, e um doutô médico chamado Lagos e outros. Andavam encoirados como nós vaqueiros; davam muita esmola e tiravam, de graça, o retrato da gente, com uma geringonça, que parecia arte do demônio. Apontavam para a gente o óculo de uma caixinha parecida gaita de foles e a cara da gente, o corpo e a vestimenta saíam pintados, escarrados e cuspidos, num vidro esbranquiçado como coalhada. (81)
o renomado historiador e arquiteto José Liberal de Castro, em obra editada pelo iphan reunindo aquarelas e desenhos do artista da Comissão Científica, sugere a apreciação do tema reis Carvalho fotógrafo: Sessões públicas de tomadas fotográficas efetuadas pelos membros da Commissão constam no Diário de Freire Alemão, particularmente na cidade de Sobral, atividades em que se teria iniciado Reis Carvalho (se já não as tivesse praticado na capital da Província ou na Corte) e às quais se dedicaria temporariamente de volta ao Rio de Janeiro. (80) a minuciosa memória deixada pelo dr. francisco freire allemão Cysneiro lamentavelmente não revela quais os membros da comissão que praticavam a fotografia e a extensão dessas atividades. a repercussão do naufrágio do iate Palpite, ao amanhecer de 13 de abril de 1861, em que se perderam todos os documentos produzidos pelo dr. guilherme Capanema, despertou a atenção para os seus álbuns fotográficos que estariam entre os perdidos na ocorrência. evidenciava-se assim
as dúvidas são gradualmente eliminadas na linha de pesquisa iniciada pelo pesquisador-historiador cearense raimundo gomes, com o exame da correspondência entre dois importantes membros da Comissão exploradora, o dr. guilherme schüch de Capanema, chefe da seção geológica, e o poeta antonio gonçalves dias, responsável pela seção etnográfica e de descrição de viagem. a leitura dessas cartas nos revela o conluio entre os dois ilustres amigos, ao longo de três anos, para a qualificação de ambos para uma hábil utilização da moderna fotografia. É a prova definitiva para um capítulo inédito na história dessa missão científica. a sequência de textos selecionados na vasta correspondência é por si só comprobatória e esclarecedora das motivações dos personagens. Capanema principalmente abordava em suas cartas os mais reservados e delicados assuntos. amigo íntimo do poeta, expunha seus sonhos, seus problemas e uma decidida opção pelo aprendizado e uso das modernas técnicas de fotografia. três anos antes da expedição, os dois amigos já
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uma carta que lhe endereçou Manuel ferreira Lagos, ainda em outubro de 1856, confirmada por outra, de Paris, do amigo f. J. sampaio: Este negócio tem corrido admiravelmente, e tudo vai segundo nossos desejos. As Câmaras Legislativas votaram sem a menor oposição um crédito amplo ao Governo para fazer face às despesas com a Expedição. [RJ, 14 out. 1856] (86)
Reis Carvalho. Vista de Fortaleza de bordo do Tocantins. 4 de fevereiro de 1859. acervo sinhá d’amora. gentileza de eduardo Bezerra neto.
revelavam o interesse de participarem da propalada missão científica ao Ceará e articulavam essa concretização. Capanema, conceituado na Corte e membro da Comissão Científica do instituto Histórico e geográfico do Brasil, e o já consagrado poeta gonçalves dias, que, nomeado oficial de secretaria dos negócios estrangeiros, passara a residir em dresden, alemanha. a extensa correspondência entre ambos e com outras personalidades é uma rica fonte de informações. distante do seu país, dias procurava ficar atualizado através dos comunicados com outros vultos do segmento científico brasileiro. a maior interrogação é sobre quando a missão seria constituída e viajaria para o Ceará. numa resposta de Manuel ferreira Lagos (do instituto Histórico Brasileiro), recebe notícias positivas: Quando vamos apanhar insectos no Ceará? perguntas tu. Nesta ocasião receberás um ofício do nosso Presidente do Instituto, comunicando-te que te achas nomeado Membro da Comissão Científica que tem de explorar o interior de algumas Províncias do Império menos conhecidas. [RJ, 14 out. 1856] (82) a amizade entre Capanema e dias foi reforçada, em março de 1856, quando o poeta tornou-se padrinho de batismo da primeira filha do amigo. essa aproximação dá liberdade ao primeiro, que usou tom irreverente e mordaz quando se referia à chegada a Lisboa em companhia da esposa e do sogro do amigo:
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Aqui chegamos a esta terra galega de viagem fomos optimamente no entretanto tua gente amaldiçoava céu e terra tua metade toujours enjoada e mijada, teu sogro desconsolado por ter de fazer o enorme sacrifício de trepar num beliche mais alto que a candelaria, e sem mãos para pegar na criança etc. sabes já o que são os míseros hebreus no cativeiro da Babilônia. Em Southampton fizeram-nos pagar excesso de carga excessivo, de modo que só os portes bastariam para nos levar a uma bancarrota. [Lisboa, 2 abr. 1856] (83) Fui ontem ver tua família teu velho está gordo forte bom massista comme toujours, mandando retratar-se a óleo em tamanho sobre natural em casaca de um espadachim, etc. parece um valente paladim. Tua mulher está morrendo de saudades por ti – grande cousa são duas mil léguas! Minha mulher te manda lembranças, tua afilhada já anda e fala e está muito travessa e como o papel acabou-se adeus. Teu do coração. Capanema. [RJ, 14 set. 1856] (84) em outubro, ele advertia gonçalves dias que sua esposa estava ameaçando acompanha-lo na aventura cearense: Fomos algumas vezes visitar tua cara metade que obstinou-se em não querer vir nos ver. Ela está morrendo de desejos de ir comnosco, e até entranhar-se pela Ibiapaba! Prepara-te para a tormenta. [RJ, out. 1857] (85) a ideia de participar na missão científica ao Ceará animou o pensamento do poeta e fortaleceu-se com
Diz-me o Dr. Félix que o Gabaglia lhe escrevera dandolhe parte que recebera oficialmente sua nomeação para a viagem ao interior do Brasil, porém que juga poder ainda adiar sua partida para o Rio, lá para princípios de 58; se assim é, outro tanto lhe deve acontecer. [Paris, 15 dez. 1856] (87) no final de 1856 apareceram as primeiras instruções e no ano seguinte foram iniciadas ações efetivas de montagem da comissão pela aquisição, na europa, dos itens listados pelos membros já definidos pelo governo imperial. ganhou vulto então a correspondência de Capanema, ressaltando sua paixão fotográfica: A respeito da nossa comissão estão se limitando as instrucções vai tudo com quanto sacramento é possível, com o paquete de janeiro que que partirão as encomendas de aparelhos e tudo mais que precisamos. [...] [RJ, 15 dez. 1856] (88) Quanto a nossa comissão ainda se estão limando as instrucções que ficarão copiadas esta semana, dunque vocês receberão provavelmente com o paquete de fevereiro as somas necessárias para compra de instrumentos, livros, etc. [RJ, 13 jan. 1857] (89) Com o encaminhamento político favorável à missão científica, gonçalves dias passou a ser na europa o agente de todas as compras de livros para a biblioteca científica, equipamentos e produtos necessários ao bom êxito da missão. Há um intenso fluxo de correspondência, do qual recolhemos as cartas de Capanema orientando onde e a quem comprar em
melhores condições e ao menor custo, em cidades como Londres, Paris, Hamburgo e Viena.É quando expôs seu interesse apaixonado pela fotografia, seu conhecimento e planos, tornando o poeta maranhense seu discípulo e cúmplice. em carta de fevereiro ele sugeriu ao discípulo comprar um aparelho fotográfico de alta qualidade (grand modele), pois também pretendia levar o seu na missão. acrescentou a recomendação de divertir-se no bom aprendizado privilegiando as fotos de paisagens: O aparelho fotográfico naturalmente procuras a Mr. Jamin, mas diverte-te em ensaiá-lo bem, sobretudo para paisagem, e traz grand modele; eu tenho tenção de levar também o meu. Os produtos químicos podes compra-los sem susto de Rousseau, os que eu trouxe sairam excelentes, mas traz em porção suficiente pois aqui custam o quintuplo quando se acham, e às vezes ruins. [RJ, 24 fev. 1857] (90) em agosto, dias respondeu a Capanema da Basileia, suíça, e disse ter recebido para compras três mil libras do governo, deixando duas mil com gabaglia e ficando em seu poder mil libras, e mais uma vez retomou o tema da fotografia: Mandei pedir a Londres e a Paris uns preços, que até hoje não recebi, e que e seriam precisos para pedir dinheiro ao Govêrno. De resto, isso não seria, ainda assim, calculo muito seguro, porque não sei se entendes que devam ir as duas maquinas fotograficas, nem quais os objetos que devo comprar para os selvagens. [Basel, 2 ago. 1857] (91) gabaglia, em missiva de Londres, dizia que pelas intenções do governo imperial a comissão deveria ter início até o fim do ano. sobre as compras de instrumentos mencionados e não mencionados, gabaglia prevenia ao amigo gonçalves dias: Vejo que é de nosso rigoroso dever sermos muito cautelosos em todo este negócio e não facilitar concessão alguma; porque, a idéa do Governo é conceder-nos quanto julgarmos necessário, responsabilizando-nos de todas as consequências futuras. [Londres, 20 abr. 1857] (92)
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em 3 de setembro de 1857, em carta para Capanema, o autor dos Cantos tratou de várias providências, teve dúvidas sobre a quantidade de ingredientes porque podem haver outros “que queiram meter o bedelho em fotografia”, e dizia já ter encomendado dois aparelhos fotográficos de 3 e 5 polegadas, julgando o último grande demais para as viagens no interior: Encomendei dois aparelhos fotográficos – de 3 e 5 polegadas: verás que este. último já é grande demais para as nossas viagens do interior. Não imaginas com que medo estou dos transportes. Quanto aos ingredientes, eu perguntava a tua opinião sôbre a quantidade e qualidade dêles, por que afora eu e tu, podem haver outros que queiram meter o bedelho em fotografia. Parecem-te que serão bastantes 3 K. de nitrato? Tomando-se o nitrato como base para saber-se o que deve ir dos outros produtos. Quanto ao colódio, creio que teremos de o deixar de parte muitas vezes para trabalhar com a albumina; porque, como qualquer acaso, ficamos sem êle, ou, o que vale o mesmo, ficamos com o diabo inutilizado. [Paris, 3 set. 1857] (93) o nível de conhecimento sobre a arte fotográfica dos dois membros da futura missão revela-se bastante avançado pelo que consta na missiva que segue: Falas-me dos progressos do Le Gray. Sem dúvida, seria muito vantajoso apanhar-lhe os processos; mas quem me garante a boa-fé dêsse tratante? Os nossos colegas fotógrafos, e principalmente os franceses são enormíssimos troca tintas em quem não há em quem fiar. O que é certo é que os seus escritos prometem pouco, - e os seus trabalhos, que não são maus, em verdade, não podem ser devidos senão a algum dos meios conhecidos para tornar mais rápido o colódio. Infelizmente não tenho atelier; estou com vistas num - e ainda que possa trabalhar senão no inverno, por que agora tenho mais que fazer, será isso bastante para pôr os aparelhos em estado de trabalhar, e de experimentar eu os processos de Monkoven, Löcherer, Weingartshofer – (vês que abundam). [Paris, 3 set. 1857] (94)
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A compra dos ingredientes fotográficos fica para mais tarde. Isso e a pólvora serão as minhas últimas compras... Esquecia-me de dizer-te que a barraca fotográfica pode importar em 250 fr. e portanto vai. São barracas para inverno – isto é hermeticamente fechadas ou quase e que podem servir para o caso, pondo-lhe um vidro apropriado, e engenhando-se uma mesa assim como uma borracha para água. [Paris, 3 set. 1857] (95) Capanema, em mais uma carta, na sua linguagem franca e corrosiva fez referência à nomeação de um médico “jogador” e “caloteiro” e mostrou sua firme vontade de não abrir mão de sua participação na missão exploratória: Se te disserem lá que eu não vou na expedição diga que é mentira, farei com que partamos mais tarde porque o governo mangou comigo mas vou. [RJ, 14 set. 1857] (96) Mais uma vez mostrou sua atualização sobre os avanços na fotografia, recomendando ao discípulo não deixar de aprender, porque já decidira o papel de gonçalves dias: “olha que tu és o nosso fotógrafo.” na mesma carta, diz: Na Alemanha publicara-se uma porção de compêndios de fotografia há três anos a esta parte encomenda tudo; encomenda os dois aparelhos, traz vidros bastantes (12 de cada tamanho) mas em porção traz gelatina porque ela se passam todos os positivos e negativos, e conservam-se em muito pequeno espaço; numa já experimentei o negócio e vai muito bem. Não te esqueças de aprender com o Leguay, olha que tú és o nosso fotógrafo [roto no original] tens de ensinar aos outros...[RJ, 14 set. 1857] (97) Prosseguiu o aperfeiçoamento fotográfico, com novos experimentos, como indicou em carta, provavelmente de outubro: Com albumina seca fiz experiências fotográficas estava sensibilizada a dois dias, e c’est três bon. [RJ, out. 1857] (98)
Voltou o mestre, em 14 de novembro de 1857, comentando que o imperador já lhe perguntara infinitas vezes sobre os Timbiras que gonçalves dias preparava, acrescentou minúcias dos embates em evolução no Conselho de governo e na academia de Belas artes, e confessou que seria uma imprudência partir para o sertão enquanto olinda fosse ministro. seguem as instruções sobre a sua paixão por fotografia, dando notícia de suas próprias experiências: Quanto ao Jamin ensaia bem os aparelhos antes de os tomares. Traz muito colódio e sobretudo em vidros pequenos bem cheios, porque aqui custa muito a fazê-lo bom; o éter acidifica com facilidade e o colódio que se prepara com ele perde a sensibilidade. Manda-me pelo próximo paquete alguns frascos de bom colódio para eu me divertir em quanto não vamos, vê o colódio Bertsch, e que progressos fez esse corneta com a fotografia microscópica que o Instituto tanto elogiou. Vai de minha parte a Mr. Geoffroy St. Hilaire e pede-lhe que te apresente o Rousseau do Jardim das plantas e dos bichos o qual fotografou e gravou animais, etc. isto é um ramo útil para nós. Traz quando vieres alguns quilos (uns 20) de guta percha dissolvida em clorofórmio, dá-se uma camada disto sobre um clichê, e uma segunda de gelatina e quando está seca tira-se toda lâmina de colódio que forma com estas duas uma folha muito fina resistente límpida como o mais belo vidro d’espelho, e com grande vantagem de se poder conservar numa pasta não haver perigo de quebra nem ter-se necessidade de carregar tão grande porção de vidros, nem ser necessário destruir os clichês para aproveitar les glaces, eu fiz a experiência e saio me perfeitamente bem. [RJ, 14 nov. 1857] (99) Passou o ano sem se concretizar a missão científica, o que oferece mais tempo para que os dois fotógrafos não oficiais ganhem cada vez mais qualificação. na primeira carta de Capanema, no início de 1858, então ocupando o cargo de engenheiro em Chefe da estrada de ferro de niterói a Campos, ele estava confiante de vir ao Ceará e também já se vangloriava de estar um grande fotógrafo:
Irei ao Ceará. [...]Eu hoje estou um grande fotógrafo mas sem essas receitas de Ornies, Monchtorens, Legrags, etc. é do doutor Silva, que se presta ao nosso clima e aos nossos hábitos, se eu estivesse ainda na Serra te mandaria um clichê passado para guta percha e gelatina para tu admirares. Quero ainda fazer uma experiência que me falta manda-me meia dúzia de garrafinhas de colódio sensível de Bertchs quero ver se serve ou se é pulha comme tous les autres. [RJ, 12 jan. 1858] (100) todas as dúvidas relativas ao material para uso fotográfico são postas sucessivamente, enquanto não se materializava o ambicioso projeto de uma comissão científica totalmente brasileira, ganhando corpo a formação da dupla de fotógrafos: A Gelatina que me pedes para a fotografia – é simplesmente a Gelatina que se encontra por toda a parte? Estava capaz de a comprar em Londres, porque em França não a empregam muito em fotografia, e receio que não seja muito pura. No entanto ensaiarei a francesa, pois há vantagem em remeter conjuntamente todos os produtos químicos-fotográficos. Parecia-me que te havia mandado a livraison 10 da Organogenia Vegetal; mas como dizes que te falta, lá terás isso, assim como o colódio de Betsh etc [Dresden, 3 jan. 1858] (101) Para o grande amigo e orientador Capanema, ele detalhou o que viu na perspectiva de em dupla fazerem um bom desempenho na futura missão: Vim aqui para sovar e espedir as máquinas fotográficas, e acabar com as compras de Paris, porem na falta de dinheiro, quase que estou olhando para tudo isso como boi para palácio. [Paris, 5 abr. 1858] (102) Passa-se mais um ano e quando afinal, em janeiro de 1859, o governo imperial autoriza a partida da comissão, Capanema vive momentos de incerteza, não tem autorização de viagem e não limita sua crítica aos governantes: ... quanto a comissão creio que está decidido que não
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vou [;] as cousas neste pé não mo permitem. Amanhã lá vou para assistir a despedida espera-me na barca ou deixa dito no telégrafo onde nos poderemos encontrar para conversarmos, 1º sobre a expedição dos argonautas, que tem a repelir o peior dragão que é o governo 2º sobre o meio práctico da minha falência – vou fazê-la com toda sem vergonha de um governado por tal gente. Teu do coração Capanema [RJ, 21 jan. 1859] (103) ao chegar a fortaleza, em carta de 15 de fevereiro, o poeta narrou seus sentimentos ao irmão teófilo: Aqui estamos em fim, e chegamos como aves de bom agouro. Ao partir do Rio, muitos cuidados e apreensões que nos pudéssemos embrenhar por causa da sêca, mas ao avistarmos terras do Ceará, começou a cair a chuva, e entramos com ela na Capital, onde era a primeira vez que chovia. Tem continuado depois disso, e agora mesmo te escrevo sob a influência de uma forte pancada d’água, que fêz ouvir distintamente o sinal do vapor. O que faremos nesta Comissão, não sei: depende isso muito da fortuna. Um momento de felicidade, e podemos até mudar a face do Brasil. [Ceará, 15 fev. 1859] (104) numa segunda carta ao irmão, fez um balanço dos seus estudos na europa, incluindo entre os benefícios a prática da fotografia em todos os ramos: Quanto aos meus estudos na Europa, aprendi a falar as línguas que sabia – (o inglês ainda falo mal) – aprendi além delas – o flamengo, o holandês, o dinamarquês e estava com o sueco quando me retirei. Dei-me a fotografia em todos os seus ramos, a moldagem em gesso, um pouco de galvanoplástica. [Ceará, 1 abr. 1859] (105) Capanema, respondendo as primeiras notícias enviadas por gonçalves dias, o bom amigo e companheiro, a 6 de fevereiro, deu a boa nova da chegada de equipamento fotográfico e tornou a claro seus planos para a viagem conjunta a Jaguaribe, confiando que os dois sozinhos fariam muito mais do que tivessem agregados:
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Eu espero safar-me daqui em abril porque não vou lá fazer cousa alguma em tempo de aguaceiros prepara-te para a nossa viagem do Jaguaribe, e muito principalmente vê se arrumas com dois marrecos ao Vila Real para aprenderem a caçar comme il faut e preparar bichos pra os levarmos com nosco, faremos a nossa expedição a parte e creio que faremos nós sós mais alguma cousa que outros reunidos a nós. Não digas nada desse projecto aos outros. Ainda não vi teu ajudante amanhã vou a cidade passar alguns dias e então falarei com ele e vou prepará-lo. (...) Creio que chegou meu aparelho fotográfico, ao menos há por aí cousa que com esse nome veio ao Ministro do Império de Hamburgo, eu pus embargos expediu-se aviso para me ser entregue tal bicho eis que chega uma caixa a Secretaria e eu poucos minutos depois, achei já arrombada e adiante do Fausto uma caixinha de conteúdo aberta, era um circulo do Pistor e Martin, não há aviso algum mas eu fui tomando posse dizendo que era do Gabaglia. [RJ, 6 fev. 1859] (106) Capanema conseguiu então partir para sua ansiada aventura exploratória, mas chegou a fortaleza apenas a 3 de junho. em carta na sua primeira escala, na Bahia, festejou com o amigo o seu sucesso, e não poupou comentários mordazes contra o Comendador Manoel ferreira Lagos: Para que vejas que finalmente arranquei-me do Rio de Janeiro escrevo desta Bahia de Todos os Santos habitados por todos os diabos e alguns cristãos....[...] eu esperava achar apetrechos de caça no Ceará e tu me dizes que não prestam!, isso é abominável.[...] O Lagos não te ter mostrado as instrucções é bandalheira, e eu te asseguro que nem um só momento o quero para meu chefe. Ele continua a ser pedra d’escândalo da comissão. O Oiapoque trouxe anedoctas dele famosas que leva a namorar em vez de trabalhar e isso com... [Bahia, 11 mar. 1859] (107) os dois amigos, com o adjunto Coutinho, incursionaram juntos inicialmente até o Crato, passando por Pacatuba, acarape, Baturité, Canindé Quixadá, Quixeramobim, icó, Lavras de Mangabeira
e inclusive por exu, em território pernambucano, de onde retornaram a fortaleza. a história registra a má impressão que os renomados visitantes provocaram e a reação que colheram: Capanema e Gonçalves Dias, por exemplo, não receberam visita dos magistrados de Baturité e do Crato. O fato talvez se tenha repetido em outras comarcas. Na primeira dessas cidades entraram, os dois, certa feita, em desalinho. Capanema vinha de pés descalços, calças arregaçadas até acima dos joelhos e botas penduradas nos dedos, e Gonçalves Dias de camisa fora das calças, o que causou espanto aos moradores. A opinião pública estranhava que um homem bem posto rompesse as normas habituais do vestir de sua classe. (108) Mais grave ainda a crônica amorosa de vários membros da equipe científica, notadamente dias, Capanema e reis de Carvalho, que lançava sombras negativas sobre os estudos científicos realizados. sérios comentários alimentavam a crítica da época e o comportamento dos visitantes eram tema central nas mais conceituadas narrativas da Comissão Científica de exploração: Distantes de casa, os viajantes, como vimos, estavam muito propensos a se deixar levar pela ruas e vielas escondidas, pouco se importando com o escândalo que causavam nos salões da boa sociedade. Aventuras amorosas mesmo, quem as teve foi Gonçalves Dias, que em certo momento supôs até der deixado uma filha pelo caminho. (109) Lamentavelmente não existem as fotos da dupla Capanema-gonçalves dias que revelem a qualidade de suas criações artísticas. dois retratos da época poderiam ser atribuídos a ela, mas a autoria exige mais amplo estudo. sabemos que os visitantes foram bem acolhidos na mansão do sítio Boa Vista, em Pacatuba, da família do jovem poeta Juvenal galeno, que estivera em anos anteriores no rio de Janeiro, quando publicou seu primeiro livro, Prelúdios poéticos (1856). numa dessas visitas a Pacatuba e serra de aratanha, Capanema, apaixonado pela
arte fotográfica, deve ter produzido o retrato do companheiro nas aventuras de bon vivant na capital cearense. essa imagem em ambrotipia apresenta o poeta de cartola, em original em vidro preservado pela Casa Juvenal galeno. essa não seria a mais antiga imagem do poeta cearense. seu biógrafo Wilson Bóia, no livro Ao redor de Juvenal Galeno, diz que, no retorno a fortaleza, ele trouxe dois exemplares do seu livro, “luxuosamente encadernados, com seu retrato, trabalho do fotógrafo Joaquim insley Pacheco”. Como essa foto não é conhecida, o retrato do jovem galeno de cartola continua sendo o mais antigo, na declaração de seu bisneto antonio galeno. outras fontes declaram sua procedência, como raymundo netto, na Cronologia comentada de Juvenal Galeno, identificando-o como “imagem captada, na serra da aratanha, por daguerreótipo da Comissão Científica, em 1860”. o outro retrato fotográfico, datado de 29 de abril de 1859, a imagem fúnebre de antonio rodrigues ferreira, não deve ser atribuída aos fotógrafos da Comissão. na véspera, os médicos assistentes do Boticário ferreira, os drs. Manuel Mendes da Cruz guimarães, José Joaquim gonçalves de Carvalho e Joaquim antonio alves ribeiro, reuniram-se com os dois médicos membros da Comissão Científica, conselheiro francisco freire allemão e o dr. Manoel ferreira Lagos, e atestaram seu estágio terminal, sendo após prestados os sacramentos pelo vigário João felipe ribeiro. não há qualquer indicação formal do autor da fotografia post-mortem, mas concluímos seja de autoria de Joaquim insley Pacheco, que chegara do rio de Janeiro em visita a seus familiares, e atendendo aos pedidos de amigos exercitou sua profissão por algumas semanas. o grande animador da fotografia na Comissão, dr. Capanema, somente chegou a fortaleza no dia 3 de junho, um mês depois do falecimento do boticário ferreira. É nessa fase que se concretiza a dupla com gonçalves dias e também que se estreita o relacionamento com o poeta Juvenal galeno. o chefe da seção geológica não lhe esqueceu nas crônicas escritas para o Diário do Rio de Janeiro, refere-se ao sobrado de Pacatuba e concede-lhe honrosa citação:
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Nesse lugar, onde a temperatura é agradável, onde há abundancia de boa fruta, e a límpida agua despejando por cima dos granitos, à murmurar todo anno, ahi mora Juvenal Galeno (não reparem na combinação dos nomes, é cousa do estylo), o vate dessas translucidas florestas primevas, que procura virar em Parnaso a uma linda Aratanha, a qual, plantada no meio da grande planície, quasi sertão, parece um brilhante reluzindo no peito de caprichosa moça. Juvenal passa hoje vida idyllica, já largou a carreira politica, pois há dous annos era deputado provincial, e agora, procul negotiis, vigia as colheitas de café e faz verso ao voar da pena. As folhas de Pernambuco, O Cearense e a Revista de Mr. Garnier são provas de que o amável cantor dos bosques não pendura a lyra ao jenipapeiro. (110) o dr. Capanema tem a companhia de gonçalves dias até agosto de 1860, quando o vate maranhense viajou para sua terra e, em seguida, cumpriu um roteiro independente pela amazônia. no início de 1861, após percorrer a serra grande, o conselheiro demorou-se em sobral. acompanhando o dr. Lagos, seguiu para granja, onde tomou uma decisão que lhe vai causar imenso prejuízo. Contratou o iate Palpite para transportar para fortaleza o acervo da seção geológica que presidia, para evitar os riscos de uma viagem em período de chuvas. iniciam então o retorno por terra alcançando a capital no dia 23 de março. em abril receberam a notícia do naufrágio da embarcação, ocorrido a 13 de março, confirmandose depois a perda total da embarcação com dois anos de pesquisas do conselheiro e seu adjunto Coutinho. diz renato Braga na obra citada: Afundou-o um aguaceiro pesado, acompanhado de forte ventania. Com ele se foram os volumes embarcado por Capanema: roupas, aparelhos científicos, notas e apontamentos, quatro álbuns de fotografias variadas, um conto de réis em cédulas de mil-réis, as traduções de dois livros de Liebig e os originais de um trabalho alemão que estava a escrever sobre o norte do Brasil. (111) a reputação do dr. guilherme schüch de Capanema sofreu então com a maledicência local, que
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não lhe perdoou, como comprova a mordaz matéria que um ano depois ocupa as colunas do periódico Pedro II,, em artigo cujo autor se oculta no cognome abel e Caim: Achando-se em dias do mez passado alguns individuos empregados na pesca de camorupins, no rio Acaracú, foi arpoado um, que pelo seu tamanho, chamou a atenção de todos, e aberto que fosse, o seo ventre nelle deparou-se serem os taes apontamentos do Dr. Capanema, entre os quaes figurava uma coleção de trabalhos elaborados na – lagoa-funda – de retractos de mulheres descompostas e no maior gráo de depravação – uma nomenclatura de mulheres perdidas residentes nos lugares por onde transitou o esmo Dr. – discripção dos pagodes, sambas, e outros deboches de igual natureza á que sempre assistia de vélla de libra, assim como uma outra interessantíssima discripção da tirada de uma moça honesta de casa de seu pai em uma das ruas publicas d’esta capital pelo próprio Dr. Capanema... (112) no mês anterior tinha sido lido no instituto Histórico o relatório da seção geológica, assinado pelo do dr. guiherme Capanema, em que ele mais uma vez lamentava o valioso acervo perdido: Não terminarei, senhores, este mal esboçado elenco dos trabalhos da secção geológica sem lamentar a perda irreparável dos manuscriptos, livros, instrumentos e todas as photographias que até então se haviam feito, bem como uma porção de collecções preciosíssimas, que foram preza das vagas do oceano, que dest’arte submergio grande copia dos resultados obtidos pelo nosso laborioso e sábio colega. (113) a coordenação da missão exploratória no início de 1861 decidiu reunir os membros das diversas seções para deliberar o encerramento ou sua prorrogação, por mais seis meses. todas as ocorrências são então narradas por Capanema em extensa correspondência, escrita nos dias 14 e 15 de abril, e enviada de fortaleza para gonçalves dias. Lembrou o naufrágio que tinha levado todos os seus álbuns fotográficos, mas revelou que mesmo depois desse
1859 (29 de abril). antonio rodrigues ferreira no leito de morte. foto por Joaquim insley Pacheco, que chegara a fortaleza para visita a família. À esquerda, original em vidro; e acima, foto restaurada por romulo Cialdini. acervo Museu do Ceará.
desastre está fotografando o diabo, em suas andanças por Pacatuba: O Conselheiro declarou que tinha concluído a botânica da província. O feliz colega declarou que quanto a zoologia a sabia de cor e salteado, estava pronto a partir em fins de julho (...) Estou aqui pela Pacatuba desfrutando o Vila Real, dele se obtem poses magnificas para um livrinho a modo Michelet. Além disso já fotografei o diabo, vou ao Acarape buscar mais notas e tirar as vistas das cachoeiras e parabuçara, etc. (...) Como vais tu de fotografia, meus álbuns levaram o diabo no naufrágio, havia tão bem alguma coisa para ti. [Ceará, 14-15 abr. 1861] (114) a 2 de julho de 1861, respondendo ao amigo maranhense, Capanema abriu a carta dando como origem a “Cidade perpétua de fortaleza de n. s. da Conceição” e fez comentários em sua linguagem irreverente: Eu não parti já porque não quero que me atribuam boatos dos quais muitos infelizmente verdadeiros. A propósito: outro dia o teu compadre Mané Sabiá fez sua entrada nesta erótica cidade... – [Ceará, 2 jul. 1861] (115)
no mês seguinte, em carta escrita no dia 6, no rio de Janeiro, a tão sonhada e turbulenta missão científica chegava ao fim para o dr. Capanema: Serve esta para te dizer que cheguei a salvamento a grã capital de eterna memória. – [RJ, 6 ago. 1861] (116) a Comissão Científica de exploração, além do espaço que ocupa na história da pesquisa nacional, ganhou registros irreverentes, inclusive apelidos como Comissão das borboletas e Comissão defloradora. a respeito, gonçalves dias dizia ser esse epíteto filho da ignorância e não da maledicência. em carta de 17 de julho de 1859, contou ao amigo antonio Henrique: Temos conosco um trabalhador de metais para consertar os instrumentos astronômicos. Êsse homem tem um pai, que é o tipo do amor paterno, e que ignorando o que significa – exploradora, - ou tendo lido mal essa palavra em alguma parte – escreve para o filho, como artista na Comissão desfloradora. Foi isso motivo de riso entre nós. E eis o que há a esse respeito. – [Ceará, 17 jul. 1859] (117) os sonhos, planos e esforços dos amigos Capanema e dias tiveram fim sem deixar contribuição à
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pesquisadores e mergulhadores localizou os destroços do iate Palpite, oculto por 155 anos em águas profundas do litoral oeste cearense. fizeram parte da descoberta Marcus davis andrade Braga e augusto César Bastos, pesquisadores de arqueologia subaquática que já tinham produzido o minucioso Atlas de naufrágios do Ceará (fortaleza, gráfica e editora LCr,
2015), e alexandre Martorano, cinegrafista e editor do vídeo “naufrágio do iate Palpite 1861. Volta do rio, acaraú, Ceará. 03/05/2016”. as belas imagens da embarcação que sepultou os documentos e fotos do Barão de Capanema estão disponibilizadas em ambiente virtual e foram apresentadas em sessão especial do instituto do Ceará.
79. Kossoy, B. Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Salles, 2002, p. 105. 80. Castro, J. L. “José dos Reis Carvalho”. In: Carvalho, J. Dos R. Aquarelas & desenhos do Ceará oitocentista: o trabalho de José dos Reis Carvalho na Comissão Científica de Exploração (1859-1861) (1859-1861). Fortaleza: Iphan, 2016, p. 19. 81. Olímpio Olímpio, D. Luzia-Homem. São Paulo: Ática, 1978, p. 139. 82. Correspondência Passiva de Antonio Gonçalves Dias. Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 91 – 1971 1971. Rio de Janeiro: Divisão de Publicações e Divulgação, 1972, p. 80. 83. Ibidem, p. 94. 84. Ibidem, p. 151. 85. Ibidem, p. 138. 86. Ibidem, p. 79. 87. Ibidem, p. 91. 88. Ibidem, p. 88. 89. Ibidem, p. 98. 90. Ibidem, p. 112. 91. Correspondência Ativa de Antonio Gonçalves Dias. Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 84 – 1964. Rio de Janeiro: Divisão de Publicações e Divulgação, 1971, p. 224. 92. Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 91 – 1971. Op. cit., p. 124. 93. Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 84 – 1964. Op. cit., p. 226. 94. Ibidem, p. 226. 95. Ibidem, p. 227. 96. Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 91 – 1971 1971. Op. cit. p. 150.
97. Ibidem, p. 150. 98. Ibidem, p. 173. 99. Ibidem, p. 157. 100. Ibidem, p. 174. 101. Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 84 – 1964. Op. cit., p. 239. 102. Ibidem, p. 242. 103. Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 91 – 1971. Op. cit., p. 202. 104. Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 84 – 1964. Op. cit., p. 247. 105. Ibidem, p. 253. 106. Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 91 – 1971. Op. cit., p. 202-203 107. Ibidem, p. 206. 108. Braga, R. História da Comissão Científica de Exploração. Coleção Clássicos Cearenses. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2004, p. 68. 109. Porto Alegre, M. S. Os ziguezagues do Dr. Capanema. Coleção Comissão Cientifica de Exploração, I. Fortaleza: Museu do Ceará, 2006, p. 107. 110. Zig-Zag da Secção Geologica da Commissão Scientifica do Norte – XXI. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ano XLI, nº 309, 3ª feira, 12 Nov. 1861, p.2. 111. Braga, R. Op. cit., p. 90. 112. Pedro II, Fortaleza, ano XXII, nº 56, Sábado, 8 Mar. 1862, p. 3. 113. Pedro II, Fortaleza, ano XXII, nº 30, 5ª feira, 6 Fev. 1862, p. 1. 114. Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 91 – 1971. Op. cit., p. 234. 115. Ibidem, p. 239. 116. Ibidem, p. 242. 117. Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 84 – 1964. Op. cit., p. 256
1860. Poeta Juvenal galeno. retrato em ambrotipia pelo dr. guilherme schüch de Capanema. Local: Pacatuba, serra de aratanha. Chapa original acima e detalhe ao lado. acervo Casa de Juvenal galeno. fotografada e restaurada por raymundo netto
fotografia cearense. Um capítulo que poderia ter sido escrito com preciosos resultados e que se perdeu nas águas do oceano e na poeira do tempo. a vida dos ilustres personagens seguem roteiros opostos. o dr. guilherme schüch Capanema reassumiu o mesmo status de prestígio na Corte. representou o Brasil em exposições internacionais. ocupou cargos com destaque, a gestão da fábrica de ferro de ipanema e o telégrafo nacional. entre outras honrarias, ostentou o título de Barão de Capanema, concedido em 26 de fevereiro de 1881 por decreto de d. Pedro ii, e as comendas da imperial ordem da rosa e a imperial ordem de Cristo. na república, foi nomeado diretor do Jardim Botânico do rio de Janeiro. nascido em ouro Preto, a 17 de janeiro de 1824, faleceu no rio de Janeiro, aos 84 anos de idade, em 28 de julho de 1908. o etnógrafo, jornalista e famoso poeta antonio gonçalves dias, após os sucessos e desventuras da jornada cearense, realizou uma agenda individual percorrendo a amazônia brasileira. retornado
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ao rio de Janeiro, com saúde debilitada, decidiu visitar a sua terra natal, o Maranhão, onde nasceu em Caxias, a 10 de agosto de 1823. a viagem foi interrompida, em recife, por orientação médica, e desse porto partiu para a europa. nos anos que se seguem, percorreu dezenas de estações de cura europeias, com apenas um momento feliz ao concluir a tradução de A noiva de Messina,, de stiller. embarcou então, no Havre, com destino ao Maranhão, no navio Ville de Boulogne.. na escuridão da noite de 3 de novembro de 1864, ao chegar na costa maranhense, a embarcação se chocou com um banco de areia e afundou rapidamente. o poeta da Canção do exílio, gravemente enfermo e adormecido em seu camarote, seria a única vítima fatal do naufrágio. tinha 41 anos de idade. o poeta não teve a felicidade de avistar as palmeiras da sua terra, e foi acolhido pelas águas maranhenses que lhe servem de túmulo no capítulo final de sua vida. abre-se outra página, em maio de 2016, quando uma brilhante equipe de
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1860
nUMa PoMPiLio de LoYoLa e sá
Cearense aprende fotografia com o Barão de Capanema
autorizava contratar Numa Pompílio para acompanhar a Seção Geológica; esse Aviso porém só pode chegar às mãos do presidente da Comissão em março seguinte, e quando a Comissão não estava mais nem com ânimo, nem em condições de poder continuar, e quando por outro lado a Seção Geológica acabava de ser vítima de outros embaraços, que tornavam inútil este novo e agora extemporâneo favor do governo. (120) Mesmo com os embaraços oficiais para ser contratado, o fato é que o cearense acompanhou o dr. Capanema e, no aprendizado da fotografia, tornou-se o mais antigo nativo a entrar para a história da fotografia no Ceará. o chefe da seção zoológica não lhe poupou elogios em suas crônicas sobre os ziguezagues da comissão científica do norte assinadas com o pseudônimo Manoel francisco de Carvalho, um personagem criado pela imaginação do irreverente geólogo:
o recife illustrado. 1866. i-13.
gonçalves dias visitou a família no Maranhão e preparou-se para um roteiro independente pela amazônia. recebeu então uma carta do amigo no Ceará, julgada ser datada entre os meses setembro e outubro de 1860, quando atualizou seus comentários sobre a enfermidade do ajudante Coutinho e a aprovação do novo auxiliar numa como fotógrafo: O Coutinho está inválido, o Numa vai e está um fotógrafo de patente. Já sabe observar barômetro e termômetros contar no cro[nô]metro etc. creio que por fim fará mais serviço que esses senhores de estudo. – [Ceará, set. ou out. 1860] (118) nessa carta, o dr. Capanema comemorou não ter perdido tempo ante a enfermidade que impedira a permanência do seu adjunto Capitão engenheiro João Martins da silva Coutinho, e fora feliz em encontrar um hábil ajudante local. o historiador
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renato Braga diz que houve a negativa da Corte para essa contratação, sendo concedida a autorização apenas em fevereiro de 1861: Para cortar delongas, o Dr. Capanema contratou um moço do Ceará, Numa Pompílio de Loiola e Sá, que embora não tivesse feito estudos alguns podia ajuda-lo muito na parte material do serviço, por ser sujeito de habilidade para todos os ofícios mecânicos e ter tal qual prática e aptidão para consertos de instrumentos matemáticos. Apesar da urgência das circunstâncias e do útil socorro, então ainda muito mais precioso do que lhe foi o supradito contrato, nem por isso o Dr. Capanema o equiparou em vencimentos com os adjuntos, que pelos seus conhecimentos tinham outra esfera de ação. (119) À vista desta exposição, o governo imperial, por aviso de 19 de fevereiro de 1861, tomando novo acordo,
Foi no dia 7 de Agosto ás quatro horas da manhã que sahimos da cidade da Fortaleza. Foram o patrão, o Dr. Coutinho e o Sr. Numa Pompilius de Loyola e Sá; Não se assustem com o nome; el-rei pagão com o jesuíta-mór; no entretanto ainda é dos sérios por ser de composição puramente histórica; encontraremos muitos pela nossa peregrinação que tem não pouco de extrambotico e heretico comsigo, pois é-nos muito frequente aqui no Ceará ir buscar os nomes de baptismo nos romances prohibidos pela santa cúria romana, livros que se acham no terrível índice, e cuja leitura importa em excomunhão; pratica assim esse povo pervertido de hoje, em vez de trilhar a senda de nossos devotos e piedosos antepassados, que, compenetrados dos mais puros sentimentos de religião, tiravam os nomes para seus filhos na folhinha ou no Flos sanctorum. O não histórico Numa não perca, pois, pelo nome; não é destituído de habilidade; tem prestado alguns serviços a meu patrão, concertando instrumentos posto que com vagar de morte, mas, em um lugar sem recursos, mesmo isso é muito apreciável, já é uma felicidade encontrar-se homem que esteja um furo acima do ferreiro. Além disso, é pessoa que á primeira vista se insinua, apezar mesmo de uma densa barba, e do uso de pequenos cachimbos
socados de um fumo fabricado com opio lá pelas virginias ad usum diaboli, que só podem suportar garganta e viscera americana, curtidas a poison proof com genuíno whiskie monongehala ou do nosso companheiro que substituio os dous últimos ingredientes com malagueta de 1ª qualidade. (121) O velho Elias, pai de Numa, trabalhava de ourives emquanto a vista o ajudava, e seus dous filhos seguiram a mesma profissão. (122) numa Pompílio vinha exercendo com boa aceitação técnicas diversas como ourives e gravador, a que acresceu depois a arte de dentista, versatilidade que ressalta em anúncio na imprensa de fortaleza: Ourives e abridor. Numa Pompílio de Loiola e Sá ao depois de seis annos de pratica d’arte de Abridor, conseguio a sua própria custa desempenhar com alguma perfeição toda e qualquer obra de gravura, relevo, socada, como bem firmas, sinetos, armas imperiais para as repartições, carimbos para papel, figuras para annuncios, emblemas, estampas &, &. Offerece pois seo pequeno préstimo tanto ao publico, como em particullar, e aos seos collegas ourives; não falando d’aquelles que já se tem servido do seo pequeno préstimo. O annunciante também se acha munido de machinas, para fabrico de obras modernas, que em nada diferem das francezas, que tem apparecido, tanto lisas, como lavradas de buril, ou de agulha, e tem optimos e bellos modelos de pulseiras, cassuletas para orelha de senhoras, alfinetes para ditas; bellissimos modelos de cadeias de regalias, anelões etc. etc, afiança ouro de 20 quilates, inda mesmo se recebendo ouro mào. Afiança mais, muita vista,pouco ouro, promptidão e limpeza. Ceará 27 de maio de 1854. Numa Pompilio de Loiola e Sá. (123) espírito empreendedor, em 1857 recorreu à assembléia Provincial pedindo uma subvenção para estudar as artes de desenho, gravura e caligrafia na corte do rio de Janeiro. não deve ter conseguido,
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mas no ano seguinte foi contratado pelo governo da Província como dentista do colégio de educandos, dos presos da cadeia pública, da pobreza e do corpo de polícia. a oportunidade aberta pela seção geológica da comissão científica provavelmente foi o fato inspirador da sua transferência definitiva para Pernambuco. seu antigo ateliê foi assumido pelo irmão ignacio Martins de Loyola, que se diz habilitado nas artes de dentista e consertos de relógio. na nova chance profissional, em recife, o cearense numa Pompíiio, em mercado onde se valorizam os estrangeiros, apresentou-se curiosamente como dentista americano: DENTISTA AMERICANO Rua do Livramento n. 11, primeiro-andar, bota-se dente com diminuição de preços. Dentaduras por todos os systemas, garantidas por seis anos!!! O dentista NUMA POMPILIO, bota dentaduras artificiaes, sobre ouro e volcanite, garantidas por seis annos, por escripto, e faz todas as operações de sua arte, com promptião e sciencia. (124) o desempenho profissional como cirurgião dentista, em recife, transcorreu afortunado. em outubro de 1870, transferiu seu consultório para a rua Barão da Vitória (antiga rua Biva), nº 58. a regulamentação da profissão constatou que nenhum dos dentistas que compareceram à delegacia de polícia local, em que se incluiu numa, tinha títulos que os habilitasse ao exercício legal. o fato é que ele continuou em evidência nos anos que se seguiram. são recorrentes na imprensa pernambucana notícias de operações cirúrgicas, realizadas por conceituados médicos, sempre com a participação do cirurgiãodentista numa Parente. em abril de 1881, quase vinte anos após ter deixado o Ceará, foi surpreendido por uma nota pública na imprensa, assinada pelo irmão ignácio de Loyolla e senhora Joanna M. de sá e Braga, acusando-o às autoridades da Corte, como mau esposo, por ter abandonado a esposa na indigência; mau filho, por ter deixado aos cuidados dos velhos pais extremamente pobres sua filha; mau
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pai, por tentar impedir o futuro de sua filha alterando a prova de maioridade; e mau cidadão, por fazer uso de documento falso prejudicando a sua filha que com sacrifício de parentes e padrinhos fora educada no rio de Janeiro, no Colégio da imaculada Conceição do Botafogo. Uma resposta imediata, assinada por amigo, apareceu no periódico em se esclarecem dúvidas e traça o seu perfil ressaltando o desempenho respeitável em terras pernambucanas:
Tornamos ao Mucuripe de outra viagem em que a geologia ficou em paz. Eu comecei por estimar isso, porque não carregava pedras, mas cabia-me não sei bem se cousa peior; foi dia photographico, e eu tive de andar de machina ás costas de uma parte para outra; immortalisamos nesse dia algumas cousas, como fossem casebres do povo, feitos de folha de coqueiro; a artilharia com que defendem os domínios e a honra da poderosa nação brasileira, as ruinas de Sebastopol imitadas ao vivo, etc. (126)
O que é Numa Pompilio, sabe-o esta província inteira, onde, á 19 annos, exerce elle a sua profissão; sabe-o Instituto vaccínico da côrte; o estrangeiro, d’onde elle possue cartas, que o honrão, como adepto da sciencia e provão o que vale o seu nome e firma em transacções pecuniárias; - podem dizel-o os médicos de todos os hospitais desta cidade, com os quaes elle tem colaborado. E onde se tem elle constituído como que uma necessidade, pela pericia que sempre desenvolve e pela boa e desinteressada vontade, com que á tudo e á todo se presta, pois, nomeado cirurgião-dentista de um desses hospitais – o de Pedro II – declarou renunciar á todo e qualquer estipendio, que d’ahi lhe provisse; - proclamãono, finalmente seus escriptos e trabalhos d’arte, e, como consequência necessaria, a numerosa clientela, que o circunda, aprecia e venera. E sabe o Sr. Ignacio como alcançou aquelle seu irmão essa bonita posição? Votando aos livros as vigílias, que outros consomem folgares e jogatinas, e atido, durante o dia, á um trabalho sem tréguas: - a isso sem auxilio de quem quer que fosse, e antes auxiliando á todos – só por si, e por força de sua nobre vontade. (125)
sua convicção de futuro vitorioso para a fotografia, ao comentar o emprego do iodo nessa profissão, tem um dom de clarividência – “daqui a pouco tempo não haverá ninguém que não seja fotógrafo”:
se tivéssemos de fazer restrição ao cearense numa Pompílio, seria a de não ter honrado o desejo do ilustre geólogo em fazê-lo um fotógrafo em sua terra, encaminhando-se para a sua profissão preferencial de cirurgião dentista. Quanto ao inquieto dr. Capanema, mesmo depois da tragédia do iate Palpite continuou fotografando, fazendo o que mais gostava. na crônica XXViii, da série publicada Zig-Zag,, ele narrou a volta ao Mucuripe sem se preocupar com a geologia para viver um dia fotográfico:
118. Correspondência Passiva de Antonio Gonçalves Dias. Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 91 – 1971 1971. Rio de Janeiro: Divisão de Publicações e Divulgação, 1972, p. 219. 119. Braga, R. História da Comissão Científica de Exploração. Coleção Clássicos Cearenses. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2004, p. 280. 120. Ibidem, p. 285-286. 121. Zig-Zag da secção zoológica da comissão scientifica do norte – XV. Diario do Rio de Janeiro Janeiro, Rio de Janeiro, ano XLI, nº 283, 4ª feira, 16 Out. 1861, p. 2. 122. Ibidem, p. 2.
Não é só a medicina que vai cada dia dando maior consumo ás preparações de iodo; a photographia já lhe pôz o pé adiante, e essa vai em progresso extraordinário; hoje quase que não há moleque do ganho que não queira immortalisar o seu frontespicio (o que aliás para uma boa policia tem suas, vantagens); daqui a pouco tempo não haverá ninguém que não seja photogapho, e, portanto, consumidor de iodo. Eu estou quase tentado a ajuntar algas, e virar fabricante de iodureto de potássio, de amônio, de cadmio de zinco, etc., para uso da humanidade sofredora e dos daguerreotypistas. (127)
123. O Commercial, Fortaleza, ano II, nº 92, sábado, 5 Ago. 1854, p. 3-4. 124. Jornal do Recife, Recife, ano VII, nº 115, 5ª feira, 18 Mai. 1865, p. 4. 125. Cearense, Fortaleza, ano XXXIV, nº 55, 6ª feira, 21 Mai. 1880, p. 3-4. 126. Zig-Zag da secção zoológica da comissão scientifica do norte – XVIII. Diario do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ano XLII, nº 60, sábado, 1 Mar. 1862, p.1. 127. Zig-Zag da secção zoológica da comissão scientifica do norte – XVIII. Diario do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ano XLII, nº 62, sábado, 3 Mar. 1862, p. 2.
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1861
CarLos aron JoaLHeiro e retratista franCÊs
Segundo ambrotipista visitante prediz o fim da chapa metálica
trancelins, pulseiras, anéis e relógios. o estranho a seu respeito é que, se apresentando em fortaleza com uma divulgação de boa qualidade, desconheçase qualquer comprovação de suas atividades anteriores como fotógrafo em território brasileiro. a única referência descoberta em nossas pesquisas é que o cidadão Carlos aron se encontrava em recife em janeiro do ano anterior e publicava o aviso, em 3 de janeiro, que iria para Maceió. novamente na capital pernambucana, aparece em 24 de maio de 1860 o anúncio que se retirava para fora da província, sem encontrarmos outras informações. a primeira notícia de sua atividade como retratista só ocorre em 27 de abril de 1861, em pequeno aviso na imprensa de fortaleza: RETRATOS CARLOS ARON avisa ao respeitável pública desta cidade que se acha aberta sua galeria na rua Formosa em casa do sr. Gusmão. (128)
Pedro ii. fortaleza, 29 de abril de 1861, p. 4.
o progresso era visível na capital provincial do Ceará e crescia também a percepção das mazelas urbanas, notadamente, os roubos em vendas e casas comerciais e o lixo acumulado nas travessas e na rua d’amélia. Um periodista reverbera: “Que importa que se calce a cidade, se suas ruas apresentam asquerosos monturos, que denunciam a selvageria de um povo, e desleixo da autoridade!”no início do decênio, animara a capital e a província a presença da Comissão Científica de exploração, designada pela Corte para realizar estudos no Ceará, através de ilustradas comissões especializadas em botânica, zoologia, astronomia, geologia e etnografia. a comissão foi extinta em julho de 1861 e retornou à capital imperial, deixando aqui 14 camelos importados da argélia para no mínimo curiosa experiência de adaptação dessa espécie animal em terras cearenses. É nesse contexto que chegou a fortaleza em abril de 1861 o francês Carlos aron, que se dizia membro
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do instituto de Photographia de Paris, anunciando o fim da daguerreotipia e os novos tempos da fotografia sobre vidro. em seu extenso e bem elaborado anúncio, afirmava: “o reflexo da chapa metálica está vencido e os retratos de fotografia sobre vidro nunca se apagarão.” o luso-cearense Joaquim insley Pacheco em 1859, no seu segundo retorno a fortaleza, já fora o introdutor da ambrotipia, o novo e superior sistema de fotografia que utilizava lâminas de vidro para fixação de imagens. aron instalou-se na rua formosa (atual rua Barão do rio Branco), em casa do sr. gusmão – provavelmente a do major Joaquim estanisláo da silva gusmão –, exercendo sua atividade de retratista das 9h às 16h. Como outros pioneiros da fotografia itinerante, dividia o tempo entre a nova arte e outra atividade. Comerciava uma variedade de joias de ouro de lei de dezoito quilates, adereços de brilhante, botões, rosetas, alfinetes,
dois dias depois, o retratista francês ocupou a página 4 do periódico Pedro II, com o detalhado reclame que ilustra a abertura desse capítulo, revelando-se como retratista pelo sistema da fotografia sobre chapa de vidro. sua permanência em fortaleza prolongou-se por cinco meses, até o início de setembro. tendo divulgado a partir de 8 de maio que deveria retirar-se para o norte no primeiro vapor, o artista preveniu as pessoas que deveriam retratar-se aproveitando sua estada, e seguiu prolongando a permanência. a 20 de maio, ofereceu seus retratos com grande abatimento até chegar o vapor, acompanhando a oferta na redução em 30% nos preços de suas joias de ouro. na semana seguinte novo aviso, agora declarando seu destino para aracati:
Retrato de fotographia. Carlos Aron, tendo de demorar-se nesta capital por 15 dias, tem a sua caza aberta, confronte ao theatro, onde tira retratos todos os dias, sendo das 9 horas da manhã até as 3 da tarde. O mesmo tem também para vender com 25% menos do custo, um rico sortimento de joias de ouro, afiançando ao comprador ser ouro de lei de 18 quilates, assim como vende machinas de tirar retratos com todos seus pertences, obrigando-se a ensinar a pessoa a trabalhar com a mesma. (130) Como inexistia qualquer outra informação sobre o francês Carlos aron além da publicidade feita em fortaleza, e constando nesse último anúncio a venda de máquinas fotográficas com todos seus pertences, tudo levava a crer que desistira de seguir nessa arte. a pesquisa continuada de seu possível roteiro nos ofereceu uma grata surpresa. alterando a grafia de seu nome para Carlos Harou, ele apareceu em são Luís do Maranhão, em setembro, com as mesmas atividades iniciadas em fortaleza. o primeiro anúncio foi publicado em 19 de setembro:
CARLOS ARON retirando-se para o Aracaty no primeiro vapor, previne as pessoas que se quiserem retratar que só pode trabalhar até 26 do corrente. (129)
PHOTOGRAPHIA. CARLOS HAROU, Retratista francez, Membro do instituto central de Photographia de Pariz. Tem a honra de informar ao respeitável publico desta cidade, que estará aberto todos os dias das 10 horas da manhã ás 3 da tarde, sua galeria de tirar retratos, na rua Formosa n. 1; onde tira retratos pelo systema mais moderno hoje reconhecido para nunca se acabar. O mesmo se encarrega da reproducção de qualquer retrato já deteriorado. Nesta casa se achará sempre um grande sortimento de quadros, caixas de todos os tamanhos, para retratos. O anunciante tem também para vender um rico sortimento de joias d’ouro, brilhantes, relógios, trancelins, &. &. O dito querendo fazer conhecer sua caza, mostra que vende muito em conta, dará mais de premio a toda pessoa, que comprar 25$000, o seu retrato. (131)
o artista francês deve ter permanecido em fortaleza pelo menos até agosto, como comprova a comunicação seguinte.
em nota posterior, o retratista Harou fez promoções e anunciou que em breve deve se retirar para a europa:
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12 PHOTOGRAPHIA. Carlos Harou, retratista, informa ao respeitável publico Maranhense, que todos os dias na sua officina rua Formoza sobrado n. 1, tira retractos por três mil reis. O mesmo também vende com trinta por cento menos do custo, ricas joias de ouro, para liquidação. O anunciante tem de retirar se breve para a Europa; quem quiser joias e retratos baratos apareça. (132)
1862
fortUnÉ orY
Cabeleireiro e retratista francês
nos avisos sucessivos, a saída de são Luís deveria ocorrer em outubro, mas apenas concretizou-se em dezembro. no rol dos passageiros do vapor nacional Paraná, procedente do norte, chegado a fortaleza no dia 17 de dezembro de 1861, transitava como passageiro Carlos aron. no dia 20, o fotógrafo francês desembarcou no porto de recife, inexistindo a partir daí qualquer notícia de seu destino, permanecendo como uma das hipóteses seu retorno à europa. o nome de Carlos aron permanece, ao lado do renomado Joaquim insley Pacheco, na história da fotografia, como pioneiro da ambrotipia na capital cearense.
a constituição. Belém, 4ª feira, 12 de dezembro de 1877, p. 3.
128. Pedro II, Fortaleza, ano XXI, nº 96, sábado, 27 Abr. 1861, p. 4. 129. Pedro II, Fortaleza, ano XXI, nº 114, 2ª feira, 20 Mai. 1861, p. 4. 130. Pedro II, Fortaleza, ano XXI, nº 177, 2ª feira, 5 Ago. 1861, p. 4. 131. Publicador Maranhense, São Luís, ano XX, nº 214, 5ª feira, 19 Set. 1861, p. 4. 132. Publicador Maranhense, São Luís, ano XX, nº 221,6ª feira, 27 Set. 1861, p. 4.
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a província do Ceará atravessa os terríveis tempos do cólera, que ceifa centenas de vidas no interior e na capital, a ponto de se sugerir a suspensão de viagens dos vapores da Companhia Pernambucana por grassar fortemente o cholera morbus nas capitais do Pernambuco e da Paraíba. apesar dos temores das pestes inclementes, a vida continua e as capitais nordestinas são animadas pelos profissionais itinerantes que oferecem seus serviços à comunidade. iniciado o ano de 1862, estabelece-se na rua da Palma, em fortaleza, o francês f. ory, cabeleireiro e retratista, exercendo com maestria a dupla função. fortuné ory, depois conhecido como fortunato ory, fazia-se acompanhar da esposa, que desenvolve
atividades independentes, como bem-sucedida criadora de vestidos e chapéus femininos. o casal ory procedia do Maranhão, onde se torna conhecido e profissionalmente bem sucedido em suas especialidades. Minhas pesquisas revelam, em fase anterior, uma viagem de fortuné ory, em abril de 1852, no vapor francês anastácia com destino ao Pará, e em dezembro seu embarque na barca espanhola Joselita para a cidade de Barcelona. talvez tenha o jovem francês feito uma viagem exploratória do norte brasileiro antes que, acompanhado da esposa, entre 1858 e 1861, estabeleça-se na capital maranhense. sua aparição como retratista ocorre no Maranhão, em 26 de março de 1858, em pequena nota
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declarando que “na rua grande n º 5, tira retratos a d’aguerryotipo e em fumo, e colorida, desde as 10 horas as 3 da tarde”. dois anos depois ganhava destaque o casal ory, ele com o estúdio denominado Photographie, e a esposa, à frente da loja aux Villes de france, propriedade de Mmes. ory e saint’amand, especializada em vestidos, chapéus e grande variedade de artigos para senhoras e meninas. a instalação do gabinete de fotografia, na rua grande nº 17, é assim anunciada: PHOTOGRAPHIE 17 – Rua Grande – 17 FORTUNATO ORY anuncia ao respeitável publico, que elle acaba de formar um gabinete para retratos a moda daqueles da Europa e assevera a esse honrado e inteligente publico que achará ali os melhores resultados obtidos até hoje tanto no Daguereotypo como na Photographia. Segundo os desejos das pessoas que queirão utilizar-se de sua arte, o anunciante tira retratos das 9 ás 4 horas da tarde, em metal, vidro, e papel, desde o pequeno até o maior tamanho de 4 palmos de altura. Os preços são para todos de – 5$000 a caixa. (133) transcorridos mais dois anos, em janeiro de 1862, fortunato ory estreia em fortaleza, apresentando-se simultaneamente em duas qualificações: cabelereiro e retratista. os primeiros anúncios dão destaque para f. ory, cabeleireiro francês, que entre outros serviços faz cabeleiras, barbas e bigodes postiços:
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CABELLEIREIRO FRANCEZ F. Ory cabeleireiro Francez, faz sciente ao respeitável público, que acaba de abrir o seu estabelecimento na casa contiua ao sobrado dos Srs. Albano & Irmão, onde pode ser procurado para todo e qualquer mister de sua arte d’esde manhã cedo até a noute. O mesmo faz cabeleiras, chinós, crescentes, barbas postiças, bigodes postiços, pulseiras, brincos, alfinetes, botões para camizas, transcellins, anéis de cabello, e tinge os mesmos para o que tem agoa própria; e tudo mais que fôr de sua arte, em cujo trabalho garante toda perfeição; PREÇOS MUITO EM CONTA. F. ORY CABELLEIREIRO FRANCEZ. RUA DA PALMA (134) Logo a seguir, o versátil francês torna público que se instalara na rua da Palma também como retratista, atendendo o público às quartas, sextafeiras e domingos em sua galeria de retratos: Retratista. F. Ory tem a honra de scientificar ao respeitável publico d’esta cidade, que tem estabelecido na casa de sua residência, a sua galeria de retratos, pelo systema photographico, e que tem destinado os dias quarta-feira, sexta e domingo a todas as semanas, das 10 horas da manha ás 4 da tarde para retratar, ficando as mais para seu trabalho de cabello. O anunciante não poupará esforços, para assim desempenhar todo seu trabalho com perfeição, aceio e pontualidade, e por isso conta deste já com a proteção dos cearenses. Os preços são de 6$ a 50$. F. ORY. RETRATISTA FRANCEZ. RUA DA PALMA (135) durante sete meses, o casal ory permanece em realce na vida da cidade. Presença curta mas intensa, ocorrendo sua retirada da província em 21 de julho, quando retorna para o Maranhão, onde se estabelece novamente por longo período com ênfase entre os anos de 1862 a 1868, com sua loja funcionando no Largo do Carmo. É difícil acompanhar a atividade
profissional e as viagens do artista francês. em março de 1864, em são Luiz, anuncia sua ida ao rio de Janeiro e põe à venda sua máquina de tirar retrato, preparos químicos, quadros, caixinhas, etc., o que não indica a finalização do desempenho como retratista, aparecendo anualmente no almanak administrativo, Mercantil e industrial, por mais quatro anos. somente vamos descobrir o francês fortuné ory e sua esposa em época posterior na capital paraense, embora ele figure na lista dos fotógrafos existentes no Maranhão. em Belém, ele aparece em fevereiro de 1871, apresentando-se como cabeleireiro de Paris, instalado na rua de santo antonio, em frente ao Largo da Misericórdia, oferecendo produtos diversos de perfumaria e a “legítima pomada de ory, única eficaz contra a caspa”.
em 1º de outubro de 1877, retorna a Belém no vapor Ceará, figurando seu nome entre os passageiros, em que constavam “1 escravo e 472 imigrantes cearenses” que fugiam da seca devastadora. o Pará passa a ser a nova terra de adoção para o casal francês. ele como cabeleireiro e fotógrafo, e a esposa como modista. em anúncio ilustrado, publicado em dezembro de 1877, o talentoso artista que se instalara na rua formosa, nº 46, reencontra o público de Belém: FORTUNATO ORY CABELLEIREIRO DE PARIS Recentemente chegado a esta província, oferece seus serviços em todo e qualquer trabalho pertencente a sua profissão. Penteia pelas casas, por preço modico, para
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13 casamentos, bailes etc. segundo qualquer figurino que lhe for apresentado. RUA FORMOSA Sobrado onde funciona o cartório do TABELLIÃO QUADROS (136) são inúmeras as viagens do casal ory, nos quatro decênios seguintes, e sempre visível o renome conquistado em suas profissões. fortunanto ory recolhe os prêmios de seu talento. ganha medalha de prata na exposição artística e industrial de 1880 e é premiado por sua contribuição à exposição Colombiana de Chicago de 1893, um quadro com as armas brasileiras feito em folhas naturais. Merece elogios sua criação artística quando do falecimento do glorioso maestro Carlos gomes: É um primor artístico, como pensamento e execução, o tributo da repartição de Obras Públicas, Terras e Colonização, à memória do extinto imortal, confeccionado pelo Sr. Fortunato Ory, sobejamente conhecido e apreciado por seus trabalhos decorativos. Compõem-se a belíssima
alegoria de um grande álbum fingido, coberto de fino veludo preto em cuja capa de abertura lindíssima lyra de folhas douradas, excelso capricho da flora amazônica, partidas as cordas de ouro, envolve uma bussola, cuja agulha parou no occidente a indicar o termo da preciosa vida do maestro, enquanto o rumo norte faz lembrar.... (137)
1863
LiMa & teiXeira
Atores teatrais tornam-se retratistas em Fortaleza
acreditamos que, à margem da profissão de cabeleireiro-fotógrafo, tenha também se dedicado ao ensino da língua francesa na escola Prática de Comércio. o casal ory inicia o novo século ainda em plena atividade. Chega ao rio de Janeiro, em março de 1914, ali permanecendo Madame ory. os anúncios dela na imprensa carioca a identificam com Coleteira Parisiense, diplomada pela academia de Corte de Paris, com ateliê na rua Uruguaiana, 78, 1º andar. Quando seu esposo faleceu em Belém, ela e os filhos mandaram celebrar missa, na capital federal, no dia 7 de setembro de 1918, na igreja de são francisco de Paula. findava a história de fortuné ory, o sétimo dos fotógrafos itinerantes a exercer a profissão em terras cearenses.
Pedro ii. fortaleza, 5ª feira, 21 de maio de 1863, p. 4.
133. Publicador Maranhense, São Luís, ano XIX, nº 49, 4ª feira, 29 Fev. 1860, p. 4. 134. Pedro II, Fortaleza, ano XXII, nº 18, 5ª feira, 23 Jan. 1862, p. 4. 135. Pedro II, Fortaleza, ano XXII, nº 31, 6ª feira, 7 Fev. 1862, p. 4.
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136. A Constituição,, Belém, ano IV, nº 283, 4ª feira, 12 Dez. 1877, p. 3. 137. Folha do Norte, Belém, ano I, nº 282, 5ª feira, 8 Out. 1896, p. 1.
o movimento teatral nas províncias do norte transforma as capitais do amazonas, Pará e Maranhão em centros dinâmicos onde empresários e atores decidem a criação, fusão e morte dos mais variados grupos cênicos. o desaparecimento de empresas algumas vezes é determinado pela ação implacável das febres regionais endêmicas. superando esses revezes e apesar das dificuldades econômicas revelam-se talentosos artistas e consagrados empresários teatrais. no final de 1862, após um ano de contrato com o teatro oficial do Maranhão, o famoso ator-empresário germano francisco de oliveira declara encerrado o seu compromisso naquela cidade. a sobrevivência do grupo teatral
exigia a busca temporária de uma nova cidade e um novo palco. assim, em fevereiro de 1863, desembarca em fortaleza a empresa germano para cinco meses de temporada no Theatro Thaliense. no elenco de 15 experientes artistas vamos encontrar João Pereira da Costa Lima e antonio teixeira da fonseca Leão. os atores tornam-se populares, dentre eles Lima e teixeira, em sucessivos quadros cênicos que fazem a alegria do público fortalezense, entre 22 de fevereiro e 11 de junho. a temporada liderada pelo ator-empresário germano torna os dois atores conhecidos e bem aceitos. Juntos, Lima e teixeira, apareceram em sucessivos dramas montados no palco do thaliense: A probidade, O ultraje, D. César de Bazan, Jocelin, ou O marinheiro da Martinica, Pedro Sem, que já teve e agora não tem, Gabriel e Lusbel, ou O milagre de Santo Antônio, Suzana, A torre de Londres, A graça de Deus, A dama das camélias, Os dois renegados, Bertha, a mercadora de Flandres, Os três amores, ou O governador de Braga, “O Duque de Rouquelane, ou O homem mais feio de França, Ghigi, ou O quadro da Virgem, O anjo Maria e O Diabo, ou –O conde de São Germano. Lima apareceu, isoladamente, nos dramas O fantasma branco e Camões, e nas cenas cômicas O matuto no Recife, Os caranguejos de Pai João e O velho Casquilho e o jogador. Teixeira, por sua vez, figurou também no drama A honra de um escravo e fez sucesso numa série de comédias como Anjo e demônio, Tribulação e ventura, O tutor enganado, Oh! Que apuros!, ou O noivo de mangas de camisa, O diletante, O beijo e Maricota ou os efeitos da educação. essa intensa exposição nos espetáculos de nosso principal teatro abre certamente espaço para o empreendedorismo da dupla Lima e teixeira ao ingressar no emergente mercado da fotografia:
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1863
RETRATOS Lima & Teixeira acabão de receber um grande sortimento de caixas, quadros Passe-Partouts de todas as qualidades e tamanhos para retratos em crestalotypo. Teem o seu estabelecimento na rua Formoza sobrado do Sr. Graf onde tirão retratos todos os dias desde as 9 horas da manhã ás 3 da tarde. Tambem se prestão a tirar retratos de pessoas mortas mediante um preço razoável. Preços dos retratos. Desde 3$ até 15$ réis. (138)
MiCHeL norat & irMÃo
Fotógrafo da Casa Imperial de França e negociante de joias
o anúncio quando se refere ao recebimento de grande sortimento é sugestivo de que o gabinete já estivesse funcionando há algum tempo, provavelmente após as primeiras semanas da temporada da empresa germano na capital cearense. instalado em sobrado na rua formosa, artéria vital da cidade, deve ter atraído boa clientela. são os primeiros artistas do setor teatral a se aventurarem no promissor negócio da arte fotográfica. Pode-se reconhecer como inovadora a iniciativa de Lima e teixeira em oferecer uma modalidade de fotos que se tornaria tradicional em nossa sociedade até meados do século seguinte, o retrato de pessoas mortas. desde esses passos iniciais da fotografia profissional, é comum a presença do retratista nas salas de visita de residências das famílias de recursos onde eram realizados os velórios dos seus mortos queridos. as fotos de familiares em seus caixões fúnebres passaram a figurar nos álbuns de memória, apenas sendo avaliadas como lembranças negativas e descartadas no novo século. as atividades fotográficas dos dois artistas dramáticos são encerradas em 10 de junho, um dia antes da despedida da companhia teatral de germano francisco de oliveira. os últimos avisos têm o seguinte teor:
a descoberta da identidade dos retratistas Lima e teixeira é um dos resultados de nossa exaustiva pesquisa sobre os precursores da arte fotográfica em fortaleza. fechado o gabinete em 10 de junho, no dia seguinte, os atores João Pereira da Costa Lima e antônio teixeira da fonseca Leão, participando da despedida da empresa germano, aparecem na encenação do drama O Diabo, ou O conde de São Germano e da cena cômica O beberrão, ou Os caranguejos de Pai João. Um registro final torna-se necessário para evitar qualquer dúvida sobre o fotógrafo Lima que esteve no Ceará. no mesmo período, a partir de março de 1863, o dentista maranhense José de araújo Lima torna-se também fotógrafo. É dessa data a publicação simultânea de dois anúncios na imprensa da capital maranhense, oferecendo em sua casa, na rua grande nº 31, os seus serviços como dentista habilitado e retratista de fotografia. essa última profissão parece lhe ter sido favorável pois permaneceu ativo em são Luís até 1868, e deste ano até pelo menos 1871, ainda como fotógrafo ambrotipista, em Belém do Pará.
SOMENTE ATÉ O DIA 10 DE JUNHO RETRATOS Lima & Teixeira, tendo de retirar-se previne ás pessoas que quiserem retratar-se, que só trabalharão até o dia 10 do mez próximo futuro. Até essa data terão o seu estabelecimento aberto todos os dias desde as 10 horas da manhã às 3 da tarde. (139)
138. Pedro II,, Fortaleza, ano XXIII, nº 113, 5ª feira, 21 Mai. 1863, p. 4. 139. Pedro II,, Fortaleza, ano XXIII, nº 118, 4ª feira, 27 Mai. 1863, p. 4.
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ii. fortaleza, 4a feira, 19 de agosto de 1863, p. 4.
nos primeiros anos da década de 1860 a presença predominante são os fotógrafos franceses. na trilha do joalheiro-fotógrafo Carlos aron e do cabeleireiro-retratista fortunato ory, ambos franceses, chegam a fortaleza em 1863 o fotógrafo Michel norat e seu irmão Justino, membros de uma família de judeus franceses que explorava o comércio em Paris e em cidades brasileiras do rio de Janeiro e recife. À frente do estabelecimento fotográfico vinha Michel norat,
de 24 anos de idade, filho de Laudic e nonet norat, o primeiro desse grupo de negociantes de joias com pedras preciosas a ganhar visibilidade na nova arte. a cidade acolheu com simpatia Michel e seu irmão Justin, que, simultaneamente com a produção dos retratos, oferecia fascinante estoque de joias montadas em ouro de lei, incluindo brilhantes, pérolas, esmeraldas, rubis, turquesas, topázios, opalas, granadas e, ainda, mosaicos, corais e lavas do Vesúvio.
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Aviso. Acaba de chegar a esta capital Mr. Norat & Irmãos com um lindo sortimento de joias de ouro e de brilhantes do melhor gosto até agora vindo a este mercado. Tãobem tira retratos pelo systema photographico, em vidro, papel, oleado e malakachettes, que muito agradarão ao publico. Por este jornal será annunciado o lugar onde se há de estabelecer. Por ora está residindo em casa do Sr. L. Heymann. RUA DA PALMA (140) Dias depois, a nota assinada como Miguel Norat, localizava o estabelecimento na Praça da Municipalidade (atual Praça do Ferreira): Retratos. Miguel Norat, como há annunciado, dará principio a seus trabalhos amanhã de photographia em vidro Etc. por preços rasoaveis. (141) na semana seguinte aparece bem elaborado e extenso reclame que incluímos na abertura do capítulo, com endereços da firma em Paris, rio de Janeiro, Pernambuco e Ceará:
apesar das dificuldades regionais, com reflexo na capital provincial, fortaleza se apresentava como ambiente propício a esse tipo de comércio e aos espetáculos artísticos. o público aplaudiu, em 1863, além da longa temporada da empresa teatral de germano francisco de oliveira, o internacional Circo new York e Luande, com artistas já admirados na frança, estados Unidos e países do rio da Prata, e uma nova geração brasileira da família de alexandre Luande. o espetáculo circense alcançava todas as camadas da população. Mais restrito, o palco do teatro local era ocupado pelas récitas de espetáculos líricos, com os italianos Luigi Bally, a contralto Madame deperini Verdini e a soprano brasileira america deperini. e nos cinco meses finais, completando os destaques do ano, a passagem de norat irmãos, trazendo as inovações na arte fotográfica e o brilho das joias. o primeiro anúncio dessa temporada aparece em 2 de agosto:
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RETRATOS A PHOTOGRAPHIA NORAT IRMÃOS PARIZ CEARÁ Rue Coc Héron n. 7 Praça da Municipalidade PERNAMBUCORIO DE JANEIRO Largo do Campo Santo Rua do Hospício n. 64 Tendo de demorar-se por pouco tempo nesta capital, avisa ao publico cearense, que tem aberto seu estabelecimento de PHOTOGRAPHIA, em vidro, papel, oleados e malakachettes, em caixas, ricos quadros, cartões de visitas, anéis, alfinetes, e medalhas, pelos preços mais commodos possíveis. PREÇOS Lindos cartões de vizitasPor uma dúzia 12$000 Tem em seu estabelecimento um rico sortimento de ouro, brilhantes, perolas, esmeraldas, rubins, turquesas, topázios, opalas, granadas, mosaicos, coraes e lavas do vezuvio. Garante a qualidade de suas joias, sendo todas montadas em ouro de lei. ADVERTENCIA A pessoa que comprar joias no valor de 100$000 terá grátis 6 retratos em cartões de vizitas. Tem seu estabelecimento aberto todos os dias, das 10 horas da manhã as 3 da tarde. (142)
d. Luiz antonio dos santos, Bispo do Ceará. foto original: norat irmãos. fortaleza, 1863. acervo instituto do Ceará.
reprodução. acervo nirez.
em dezembro, era comercializado na Photographia de norat & irmão, por 1$500 réis, no formato cartão de visita, o retrato do Bispo d. Luiz antonio dos santos, reproduzido, pelo valor histórico, no final deste capítulo. d. Luiz, primeiro Bispo do Ceará, tinha sido sagrado para o governo da diocese, em 14 de abril de 1861, função exercida por vinte anos com ações relevantes como a criação dos seminários episcopais de fortaleza (1864) e sobral (1875), e uma unidade educacional que viria a ser o Colégio da imaculada Conceição (1865). na pesquisa dos caminhos de irmãos norat comprovamos a presença da família em atividades comerciais, durante pelo menos quatro décadas, no território nacional, abrangendo cidades do rio grande do sul ao Pará. fazem parte do grupo Mayer norat, Carlos Cerf norat, Camillo, Bernard, isidore, Michel e Justin Morat, sendo frequentes as viagens de alguns deles entre portos brasileiros. nos anos
1860, Bernard está estabelecido com loja de tecidos na Paraíba, na rua das Convertidas. encontramos a denominação norat & irmãos em recife, em 1856, na rua da aurora, n. 58, vendendo “as mais finas e delicadas obras de brilhante, pérola e ouro”. a mesma firma explora atividades comerciais no rio de Janeiro, na rua do Hospício, n. 61, e em recife, na rua nova, n. 67. depois na capital maranhense, fortaleza e Belém, onde ficaram conhecidos com os estabelecimentos La Ville de Paris e a Loja de Joias das três nações. numa das publicidades dessa época afirmam que “a confiança que as casas norat irmãos inspiram no Brasil, onde são bem conhecidas, é uma garantia da lealdade do seu comercio”. Michel norat, qualificando-se como fotógrafo, aparece pela primeira vez em 20 de dezembro de 1862, no Maranhão, de onde veio ao Ceará e para onde retornou. seu primeiro anúncio no Publicador Maranhense é bastante simples:
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15 Retratista. – Chegou a esta cidade Mr. Michel Norat, retratista photographo, e reside na rua Grande n. 25, onde tira retratos aos domingos e dias santos. (143) nas comunicações seguintes, ilustradas com brazão, Michel proclama-se Photographo da Casa imperial de frança: MICHEL NORAT Photographo da Casa Imperial de França N. 25 – RUA GRANDE – N. 25 Recentemente chegado a esta cidade, se oferece para tirar retratos de todos os systemas modernos, como seja cartões de visita, amphitypo e miniatura. Na mesma casa encontrarão um lindo sortimento de joias e brilhantes; troca e compra qualquer obra de ouro e brilhantes. As pessoas que comprarem o valor de cem mil reis em joias terão o direito a uma dúzia de seus retratos em cartões. Trabalha-se todos os dias das 10 ás 3 horas da tarde até o dia 22 do corrente. (144) em 1864, retornados do Ceará à capital maranhense, norat irmãos anunciam atividades comerciais em Pernambuco, Paris, rio de Janeiro e Ceará, vendendo obras de ouro e brilhante na loja à rua de sant’ana. em publicidade a 6 de abril dizem que “no dia 18 terão abertas também sua galeria para fazer retratos a photographia, em ricos quadros com um novo systema de cartão de visita”. essa atividade profissional, paralela ao comércio de joias, alcança mais visibilidade em junho, quando um estúdio é aberto na rua formosa: PHOTOGRAPHIA RUA FORMOSA N. 31 Norat & Irmãos abriram a sua casa de photographia na rua Formosa n. 31 – os quaes trabalham todos os domingos e dias santificados, das 10 da manhan ás 6 horas da tarde. - RUA FORMOSA N. 31. (145) nos anos seguintes, Justin assume o setor fotográfico da firma norat irmãos, e a publicidade diz que “Justino norat tira retratos em ponto grande, e em cartões de visita a 8$000 a dúzia”.
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a partir de 1870, os irmãos norat conseguem notoriedade no Pará, pela diversificação dos seus empreendimentos, que abrangem desde uma embarcação metálica para transporte de produtos no rio Madeira, até o comércio varejista de joias e relógios a revólveres e champanhe “verdadeira”. o prestígio e conceito do nome da família não impedem que sofram golpes de intolerância e preconceito tão comum à época, contra grupos de emigrantes. no amazonas, Michel e o naturalista americano ernest Morris, foram levados por ordem do vigário, com escolta armada, ao chefe de Polícia, por não se terem ajoelhado ante o sagrado viático. em Belém, a bordo do vapor francês Ville da Bahia, isidore é acusado pelo funcionário fazendário de fazer contrabando, trazendo joias nos bolsos do paletó, colete, calça e sobretudo. no Maranhão, quando se debatia emigração estrangeira para projetos de colonização, um deputado declarava-se contrário e dizia sua experiência com “um judeu desses”, citando que Michel norat tivera a ousadia de pedir-lhe cinquenta mil réis por um “anel de ouro alemão e cheio de cobre e betume, tendo apenas um pequeno vidro verde em cima com uma fotografia”, apresentando-lhe depois desculpas por pedir quantia tão exorbitante, baixando o preço para cinco mil réis. Michel norat, cidadão francês, fotógrafo da Casa imperial de frança, retratista itinerante e hábil comerciante de joias, encerrou em seus dias com a idade de 38 anos, no sábado, 6 de janeiro de 1877, vítima de compressão cerebral consecutiva a apoplexia, sendo seu corpo levado ao Cemitério dos israelitas em Belém do Pará.
140. Pedro II,, Fortaleza, ano XXIII, nº 173, domingo, 2 Ago. 1863, p. 4. 141. Pedro II,, Fortaleza, ano XXIII, nº 179, domingo, 9 Ago. 1863, p. 4. 142. Pedro II,, Fortaleza, ano XXIV, nº 186, 4a feira, 19 Ago. 1863, p. 4. 143. Publicador Maranhense,, São Luís, ano XXI, nº 289, sábado, 20 Dez. 1862, p. 2. 144. Publicador Maranhense,, São Luís, ano XXII, nº 51, 4ª feira, 4 Mar. 1863, p. 4. 145. Publicador Maranhense,, São Luís, ano XXIII, nº 137, 6ª feira, 17 Jun. 1864, p. 3.
1865
Pedro ignaCio de soUZa raBeLLo A Fotografia Artística
Cearense. fortaleza, 5ª feira, 26 de janeiro de 1865, p. 4.
o início de 1865 é assinalado pelas tensões nas províncias do sul, agravadas a 13 de dezembro do ano anterior pela declaração de guerra do Paraguai ao Brasil. as manifestações patrióticas percorrem todo o território nacional e na capital cearense a imprensa mobiliza a população, em prosa e verso, a exemplo do Cearense que proclama: ”Às armas cidadãos, é justa a guerra!”
Cearenses, voae as fronteiras, mostrae ao Brasil vossa dedicação a pátria, e ao tyrano do Paraguay, que suas hordas de selvagens não pisarão impunemente o solo brasileiro. - Viva a independência e integridade do Império! Viva o imperador e a familia imperial! Viva o exercito Brasileiro! Vivam os bravos de Paysandu, e Coimbra! Vivam os voluntários Cearenses! (146)
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os cearenses respondem de imediato à convocação. a 30 de janeiro, seguem para o sul os nossos primeiros setenta recrutas. Participação que se amplia em razão do decreto imperial que cria os corpos para os serviços de guerra denominados Voluntários da Pátria. (147) entre janeiro e outubro são embarcados os quatro primeiros efetivos cearenses como voluntários para a frente de combate, totalizando 749 praças e 45 oficiais. ao longo dos cinco anos da guerra da Paraguai, a cada ocorrência de sucesso em combate, a população ocupava as ruas em passeata aclamando as autoridades e os combatentes ausentes, em festas de luz e música. É nesse clima de emoção patriótica coletiva que surge mais um empreendimento fotográfico, o cidadão Pedro ignacio de souza rabello e sua Photographia artística. o primeiro anúncio aparece em janeiro: PHOTOGRAPHIA ARTISTICA Pedro I. de S. Rabello, tendo recebido de Pernambuco e do Rio de Janeiro diversos objectos de gosto próprios de sua arte, convida de novo seus freguezes e amigos a visitarem sua galeria na rua Formoza, sobrado da exma. Sra. Da. Manoela;Ambrotypo, caixas e quadros cada um de 3$000 para cima. Melanotypo para alfinetes de peito e caçoleta cada um 6$000. Photographia para alfinete de peito e caçoleta cada um conforme o ajuste. Grandes coloridos e em fumo, com ricos quadros para qualquer preço. Cartões em fumo uma duzia12$000Ditos meia dúzia 7$000Ditos coloridos uma dúzia30$000Ditos meia dúzia 20$000Garante a perfeição n’estes trabalhos, que serão sempre a contento das partes. (148) o texto revela que o ambrotipista já se encontrava instalado em salão térreo do sobrado de distinta dama, que identificamos como Manoela Marcolina Vieira. Personalidade respeitada, dona Manoela em sua residência na movimentada rua formoza (atual Barão do rio Branco), nº 50, acolhia a sociedade local para concorridas soirées. nesse local ocorriam reuniões de sociedades como a Juventude Cearense, revelavam-se talentos como o jovem pianista Jorge Victor ferreira Lopes Junior, foram promovidos bailes pelos deputados provinciais, e, no dia 7 de
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setembro de 1867, ocorreu o baile de instalação da sociedade Club Cearense. festas estas que criavam o renome de sua patrocinadora. sua importância era objeto de comentário em periódico de 1860: “são belas reuniões, que muito se aprecião como distracção, de cuja falta se ressente esta capital.” (149) no mês de julho, o retratista rabello transfere seu ateliê para a rua amélia (atual senador Pompeu), nº 83, no sobrado do português Manoel José salgado Couto, que desenvolvia atividades comerciais com seu irmão francisco Luiz salgado. nova série de avisos oferece os préstimos no novo endereço:
pontos da província, resolveo modificar o preço dos retratos, por conseguinte os que tirava antigamente a 6$000 em caixas e quadros, tirará agora a 3$; e também recebeu ricos passe partout para cartões. Pedro Ignácio de Souza Rabello (151) a partir dessa data ele divulga o início de suas visitas a diversas cidades do interior. em novembro, informa que vai percorrer alguns pontos da província, e que sua galeria ficará aberta apenas até o dia 20. em seguida, em novos avisos rabello diz que “dirigindose a Maranguape e a outros lugares visinhos”, fecha por pouco tempo a sua galeria de retratos. torna-se assim fotógrafo itinerante pelo interior cearense. dois anos depois, em sua última aparição na imprensa como retratista, comunica que devendo retirar-se de fortaleza, vende o seu gabinete fotográfico:
PHOTOGRAPHIA ARTISTICA DE P. I. DE S. RABELLO. O abaixo assignado tendo recebido um novo e variado sortimento de caixas e quadros, de bom gosto, pede ao respeitavel publico para visitar o seu estabelecimento, na rua Amelia nº 83, sobrado do Sr. Salgado Couto, a fim de apreciarem seu trabalho, que garante muita perfeição, limpeza e promptidão. A galeria estará aberta das deis horas ás tres da tarde. Os preços são os mesmos do costume. Ceará, 12 de agosto de 1865. Pedro Ignácio de Souza Rabello. (150) o proprietário do novo imóvel era bastante conhecido na cidade. Manoel José salgado, ao chegar em 1851 encontrara pessoa com igual nome na cidade e acrescentou o sobrenome Couto, época em que foi tesoureiro da sociedade theatral thaliense. nesse entrecho, fica a indagação de quem seria o retratistafotógrafo Pedro ignacio de souza rabello, que por dois anos e meio exerceu essa atividade em fortaleza e não aparece em nenhuma outra cidade brasileira. as pesquisas nos levaram a um empreendedor local que em 1859 era proprietário de um café-restaurante na rua da Palma (atual rua Major facundo). dois anos depois ele penhora os bens de um bar e de um bilhar. no mesmo ano aparece como proprietário de hotel que também servia de apoio às vendas dos ingressos de espetáculos do Theatro Thaliense.. esses antecedentes indicam a criação do ateliê Photographia artística como um empreendimento local de pessoa já integrada no meio comercial da cidade. a relativamente
PEDRO IGNACIO SOUZA RABELLO tendo de retirar se desta Capital vende o seu gabinete photographico: quem o pretender pode procural-o que fará negocio a dinheiro ou a prazo convencionado, com garantia edonea. Ceará, 3 de julho de 1867. (152)
longa permanência no novo negócio revela então muita disposição e provável competência na nova atividade profissional. Pedro ignacio rabello teria sido, como em anúncio em setembro, o primeiro a comercializar “álbuns com transparentes para retratos de fotografia”, ao mesmo tempo em que reduzia em 50% os preços de seus serviços. PHOTOGRAPHIA ARTISTICA DE P. I. DE S. RABELLO. O abaixo assignado acaba de receber directamente de Pariz pelo brigue “Ceará” um completo sortimento de albuns com transparentes para retractos de photographia, couza nunca vista n’este mercado, e que venderá por preços baratissimos; também recebeu quadros, caixas, que vende por preços baratissimos. O mesmo abaixo assignado tendo de ir visitar diversos
sem a preservação de valiosas fontes da história, personagens como Pedro ignacio souza rabello desapareceriam na névoa do tempo. Um último traço de sua personalidade, entretanto, pode ter sido descoberto quando um sobrevivente da terrível epidemia do cólera, que entre maio de 1862 a agosto do ano seguinte ceifou 11.000 vidas cearenses, num gesto público enumerou os abnegados socorristas que o salvaram em Baturité, acrescentando: “também não esquecerei o nome do sr. Pedro ignacio de souza rabello, enfermeiro, tão solícito, como humano, inteligente e dedicado.” (153) 146. Cearense, Fortaleza, ano XIX, nº 1785, 3ª feira, 7 Fev. 1865, p. 1. 147. Decreto Imperial nº 3.371, 3 Jan. 1865. 148. Cearense, Fortaleza, ano XIX, nº 1778, sábado, 21 Jan. 1865, p. 4. 149. Pedro II, Fortaleza, ano XX, nº 2051, 6ª feira, 27 Jul. 1860, p. 1. 150. Cearense, Fortaleza, ano XIX, nº 1880, 3ª feira, 15 Ago. 1865, p. 4. 151. Cearense, Fortaleza, ano XIX, nº 1903, 5ª feira, 15 Set. 1865, p. 4. 152. Pedro II, Fortaleza, ano XXVIII, nº 145, domingo, 7 Jul. 1867, p. 4. 153. Cearense, Fortaleza, ano XVI, nº 1538, 3ª feira, 19 Ago. 1862, suplemento.cv
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a aMeriCana MadaMe Janie fLetCHer Primeira mulher retratista a visitar o continente
RETRATISTA – Acha-se n’esta capital a artista americana Janie Flecther, chegada do Pará no vapor “Tocantins”. Consta que é uma artista hábil e de grande mérito. (154) Lamentavelmente não existem outras fontes primárias disponíveis sobre a visitante, mas, em fragmento de jornal temos confirmado que Janie fletcher (sobrenome grafado equivocadamente flecther na notícia anterior) estava em plena atividade profissional de fotógrafa. diz o pequeno anúncio: Estabelecimento Photographico de Madame Fletcher Rua Nova, na casa onde morou o Sr. D. Justa (155)
Carte de visite. autor n. i.
a pesquisa do ano de 1865 nos reserva uma grande surpresa, um capítulo nunca revelado da história da fotografia em nosso continente, omitido nas mais notáveis obras sobre o tema. Uma mulher exercendo a profissão de fotógrafo, vivendo a aventura de retratista itinerante na fase nascente da arte: a americana Janet ou Janie fletcher. antes dela, no início do daguerreótipo no Brasil, tem-se apenas notícia de um estúdio no rio de Janeiro, sob a direção de Madame Lavenue, esposa de Hippolyte Lavenue, retratista pioneiro em Minas gerais. ao chegar fletcher a fortaleza, em 1865, a cidade ainda não tinha vivenciado uma ambiciosa mudança na paisagem urbana. no dia primeiro de março, o chefe de polícia antonio Joaquim Buarque de nazareth resolvera
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disciplinar a ação dos mendigos que pediam esmola pelas ruas, fixando detalhadas normas a ser cumpridas sob penas previstas no Código Penal. todos os mendigos deveriam portar uma licença escrita do chefe de polícia, limitando-se a tirar esmolas das 6 às 13 horas, apenas nas terças-feiras e sábados, salvo no quarteirão de suas residências, com permissão também para as quintas-feiras. as licenças seriam negadas para os que tivessem sustento familiar e aos que fingissem enfermidades, impondo-se a esses a obrigação de se empregar no prazo de trinta dias em um trabalho útil ou seriam penalizados pela lei. no campo das artes, para os habitantes de fortaleza, o ano reservava muitas boas novas. a primeira novidade aparece nas páginas do periódico Cearense:
Confirmava-se a profissão de fotógrafa da americana que não aparece nas memórias da fotografia no Brasil. Mesmo inexistindo outros documentos referentes a fortaleza procuramos minuciosamente na imprensa do norte brasileiro, que pelo critério de divisão territorial dividia-se apenas em sul e norte. sobre Janie fletcher descobrimos apenas que, após ter visitado o Pará, exercera essa atividade no Maranhão no ano precedente. Como inúmeros outros profissionais itinerantes vindos dos estados Unidos, a porta de entrada da retratista tinha sido Belém do Pará. o periódico Publicador Maranhense, na coluna noticiário deu-lhe a melhor acolhida na capital maranhense: Uma retractista. – Veio-nos recomendada do Pará a americana Janet Fletcher, insigne retractista photographica, que vem por alguns dias exercer entre nós a sua profissão. Desnecessario é recomenda-la á protecção do publico, por ser geralmente sabido e conhecido o gênio hospitaleiro dos maranhenses, mormente para com os bons artistas, em cujo numero se acha sem a menor contestação a Sra. Fletcher.
Já vimos entre outros trabalhos o retracto tirado por ella, do nosso prestimoso amigo o distincto advogado do Pará o Ilmo. Sr. Alvaro Pinto de Pontes e Souza, e n’esse cartão achamos perfeitamente estampadas as suas feições. Ao bello sexo pois recomendamos a insigne retractista, e esperamos que ella ao retirar-se deixe e leve saudosas recordações. (156) a temporada maranhense foi reforçada por publicidade diária na imprensa em que eram ressaltados os retratos em cartões de visita e medalhas, serviços que disponibilizava até a passagem do primeiro navio quando retornaria para a américa. ressalva que não foi concretizada, porque no ano seguinte ela esteve trabalhando em fortaleza. a partir da temporada cearense desaparecem as notícias de fletcher, o que pode sugerir que tenha então regressado ao seu país de origem, como já anunciara na publicidade no Maranhão:
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(1820-1890), residente em Massillon, ohio, pesquisador de processos e produtos químicos que utilizava em seu trabalho e que perdeu a visão, em 1859, em explosão na câmara escura do seu ateliê. em consequência desse acidente, Martha, que se assinava Mrs. a. fletcher ou M. M. fletcher, continuou à frente do empreendimento. Produziu retratos de alta qualidade até 1866, ano em que por enfermidade encerrou suas atividades. Coleções sobre os fletcher encontram-se no Massillon Museum, e por doação da filha do casal, Lillian, um conjunto de placas e negativos no Museu de História natural de Los angeles. Um terceiro achado leva-nos a Montreal, Canadá, onde no dia 11 de setembro de 1841, no jornal The Montreal Transcripts, oferece seus serviços uma daguerreotipista que assinava apenas Mrs. fletcher. seu nome aparece em inúmeras obras especializadas e na The Canadian Enciclopedia, todos afirmando a possibilidade que tenha sido a primeira mulher fotógrafa na história daquele país. em estudo sobre a interação de gênero e tecnologia, assinado por diana Pedersen e Martha Phemister, as autoras ressaltam que no início da história da fotografia o lugar da mulher no estúdio era na frente da câmera e não atrás dela, o que dá dimensão ao aparecimento de Mrs. fletcher, pioneira daguerreotipista em Montreal e no Canadá:
PHOTOGRAPHIA Mme. FLETCHER, RETRATISTA Photographica Tira retratos e copias com toda a perfeição, e também aprompta cartões de visita e medalhas & A anunciante tendo de seguir para a America no primeiro navio que daqui seguir, oferece seus serviços às senhoras e cavalheiros que delles se quiserem utilizar, para o que estará sempre prompta todos os dias das 8 ás 4 horas da tarde, em a casa de sua residência. LARGO DO PALACIO, casa n. 15, Fronteira a casa do Sr. Dr. Antonio Marcelino Nunes Gonçalves. (157) após três meses de atividades no bom mercado maranhense, anunciando retirar-se em breve, Madame fletcher faz promoções para atrair novos clientes e motivar os que já tinham recorridos ao seu talento fotográfico: RETRATISTA - Photographica – Tira retratos e copias com toda a perfeição, e tambem aprompta cartões de visita e medalhas & PHOTOGRAPHIA GRANDE REDUCÇÃO - de preços – Mme. Fletcher, tendo de retirar-se, vem ainda por meio deste jornal, oferecer às senhoras e cavalheiros os seus serviços, reduzindo o preço dos retratos photographicos aos seguintes: As collecções de 12 retratos 8$000 reis, para os que ainda não tem tirado. As collecções para os que já tiraram 6$000 reis. LARGO DO PALACIO, casa n. 15, Fronteira a casa do Sr. Dr. Antonio Marcelino Nunes Gonçalves. PHOTOGRAPHIA (158) nos estranhos caminhos dos pioneiros que não mereceram registros nos periódicos ou despertaram a atenção dos historiadores regionais, mais um
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vulto desaparece sem deixar vestígios. no caso de Madame fletcher, após ter visitado comprovadamente os estados brasileiros do Pará, Maranhão e Ceará, pode-se apenas supor que a artista cumprira o seu anunciado retorno para o país de origem. a identidade e os antecedentes de Madame fletcher, que se apresentava como Janet ou Janie fletcher, permanecem como um desafio. seu nome não aparece nos roteiros geralmente percorridos por retratistas na europa e países da américa do sul e Central. Pesquisa aprofundada na américa do norte, entretanto, se não oferece uma resposta pelo menos produz uma hipótese, pois, com o seu sobrenome encontramos, ao lado de cinco fotógrafos, três mulheres fotógrafas que figuram entre as pioneiras dessa arte. o primeiro achado diz respeito a Mrs. a. fletcher, que em fevereiro de 1842, na cidade de Charleston,
tornou-se a primeira mulher a instalar um ateliê fotográfico no estado americano da Carolina do norte. a artista afirmava executar miniaturas em daguerreotipia de qualidade superior, enquanto seu marido, John fletcher, anunciavam seus serviços como frenologista. a descoberta seguinte revelou-nos uma excelente fotógrafa, Martha fletcher, esposa do pregador, poeta e retratista profissional abel fletcher
Provavelmente a primeira mulher daguerreotipista no Canada foi uma Mrs. Fletcher que descrevia a si própria em um jornal de Montreal em 1841 como “Professora e instrutora da Arte Fotogênica” e modestamente anunciava que ela estava “preparada para executar miniaturas em Daguerreotipia em estilo insuperado por artista Americano ou Europeu”. A identidade da primeira mulher fotógrafa em Ontario ainda não é conhecida. (159) o reconhecimento de Mrs. fletcher como a pioneira da fotografia feminina no Canadá, logo após o surgimento do invento aperfeiçoado por daguerre, generaliza-se em diversas publicações nesse país. em obra recente do jornalista, escritor e historiador Jean-françois nadeau, ele afirma:
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de estabelecer maior fluxo econômico através uma linha de vapores entre o rio de Janeiro e nova York. Projeto que se materializa e, em 29 de julho de 1862, fletcher chega da metrópole americana ao recife, no segundo maior vapor mercante da época, o Constitution, numa rápida e surpreendente viagem de apenas 18 dias. (161) em 1865, mesmo ano que a retratista Janet fletcher chegava a fortaleza, o reverendo empreendedor era homenageado pela Comissão de Comércio de nova York pela organização da linha de paquetes e sua contribuição nas relações comerciais entre os dois países. (162) a volumosa obra de Kidder e fletcher dedica poucas páginas ao Ceará, em texto que mereceu a censura do historiador guilherme studart (Barão de studart), que lamenta: “e esse amontado de dislates foi tudo o que a experiência de 20 annos ensinou a Kidder e fletcher acerca dos historical and descriptive sketches of Ceará”. (163)
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Ela é importante porque é (provavelmente) a primeira mulher no Canadá a fazer fotos, a tirar retratos, e ela o fazia, aqui mesmo, na Place d’Armes. Nós não sabemos muito sobre ela, mas reconhecemos que do início da fotografia em Montreal até agora, aparece um grupo de mulheres fotógrafas. Infelizmente, como as outras mulheres na história, suas contribuições foram negligenciadas. (160) nesse estágio da pesquisa propomos como válida a hipótese que Mrs. fletcher, pioneira no Canadá, de quem se desconhece sua história, possa ter percorrido outros países, visitado o norte brasileiro e alcançado a capital cearense. Um capítulo a ser aprofundado para reescrever a presença e a contribuição feminina nos primórdios da fotografia. no Brasil, o nome fletcher, entretanto, frequenta por anos as páginas dos jornais, graças a outro
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personagem, o reverendo americano James Cooley fletcher, que entre 1850 até 1865 fez várias visitas percorrendo todas as regiões brasileiras. ganha notoriedade após associar-se ao amigo reverendo metodista daniel Parish Kidder, que já publicara em dois volumes, em 1845, a obra Sketches of Travel and Residences in Brazil.(161) Juntos, Kidder e fletcher, produzem uma obra admirável de divulgação nos estados Unidos, Brazil and the Brazilians, portrayed in historical and descriptive sketches,, cuja primeira edição em 1857, e as sete reedições até 1868, resultam numa linha ascendente de sucesso. J. C. fletcher, filho de um empresário, político e banqueiro, ativista no movimento antiescravagista americano, revelou-se não apenas o missionário que se focava na ação religiosa de difusão da Bíblia em nosso território. granjeou prestígio pelos relacionamentos na corte, incluindo amizade pessoal com o imperador d. Pedro ii, e por seu contínuo esforço
Mesmo assim a narrativa dos religiosos americanos contribui com algumas observações sobre a cidade na segunda metade do século XiX, dentre as quais reproduzimos uma descrição (acompanhada de gravura) da paviola – primitivo recurso originário da áfrica e adotado para desembarque em fortaleza:
154. Cearense Cearense, Fortaleza, ano XIX, nº 1778, sábado, 21 Jan. 1865, p. 2. 155. Constituição Constituição, Fortaleza, ano II, nº 46, sábado, 25 Fev. 1865, p. 4. 156. Publicador Maranhense Maranhense, São Luís, ano XXIII, nº 64, 6ª feira, 18 Mar. 1864, p. 2. 157. Publicador Maranhense Maranhense, São Luís, ano XXIII, nº 63, 5ª feira, 17 Mar. 1864, p. 3. 158. Publicador Maranhense Maranhense, São Luís, ano XXIII, nº 138, sábado, 19 Jun. 1864, p. 4. 159. Pedersen, D.; Phemister, M. Woman and Photography in Ontario – 1839-1929: A Study of the Interaction of Gender and Technology. Scientia Canadensis, volume 9, issue 1, jun. 1985. Canadensis
Em ponto algum é fácil o desembarque devido às grossas vagas que constantemente se vão quebrar na praia. Adaptado a essa circunstância, o bote do piloto, no qual desembarcámos, era guarnecido por poderosos flutuadores de madeira a-fim-de evitar que se virasse, mesmo assim porém, não se aproximava muito da praia. Depois de levar os passageiros até onde o mar desse pé, esperava que fossem eles transportados numa “paviola”. Esta é uma espécie de cadeira presa a duas traves de madeira, de forma a poder ser transportada sobre os ombros de quatro homens. Os carregadores desse veículo singular precisam ter a mesma altura; no geral são muito altos e de compleição atlética, Vimos quatro deles que caminhavam em direção ao barco, para nos conduzir à praia, sem o menor receio da agitação do mar. De vez em quando uma onda mais forte cobria-lhe a cabeça, escondendo-os, momentaneamente. Nessa ocasião eles paravam e, quando a onda passava, continuavam a marcha. Finalmente dois deles imobilizaram o escaler com as mãos e então pudemos galgar a “paviola”, sentando-nos bem acima de suas cabeças. Apesar da altura em que nos achavamos, ainda não escapamos de alguns borrifos de água salgada. Todavia, demo-nos por felizes por não termos sido atirados para dentro do mar. Logo que nos deixaram na praia, continuámos calmamente nossa marcha em direção à cidade. O sol e o vento secaram-nos a roupa. (164)
160. Nadeau, J.-F. Montrealer’s: A Story in Portrait. Canadá: Juniper Publishing, 2017. 161. Cearense, Fortaleza, ano XVI, nº 1535, 3ª feira, 29 Jul. 1862, p. 2. 162. Cearense, Fortaleza, ano XX, nº 1993, sábado, 13 Jan. 1866, p. 3. 163 Studart, G. Estrangeiros e Ceará. Revista do Instituto Histórico, tomo XXXII, 1918, p. 205. 164. Kidder, D. P. Reminiscências de Viagens e Permanências no Brasil (Províncias do Norte). São Paulo: Martins/Ed. da USP, 1972, p. 136-137. 165. Ibidem, p. 217. Kidder, D. P. e J. C. Fletcher, Brazil and the Brazilians, portraeyd in historical and descriptive sketches, 1857, p. 525.
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aLCino goMes BraZiL (aLCino & irMÃo)
Retratistas fundam o Instituto Artístico
Soirée - Ante-hontem à noute teve lugar no sobrado do sr. Major Simão Barboza, um splendido soirée oferecido a oficialidade dos três navios de guerra da marinha americana, surtos em nosso porto, por sua patrícia a Exmª Srª D. Maria Catharina Barboza Cordeiro, deixando de a elle comparecer o chefe da esquadra, por achar-se incomodado. A sala estava bem decorada, deixando-se ver as duas bandeiras brasileira e americana, entrelaçadas, symbolisando assim a união e amizade que reinam entre as duas primeiras potencias da America. Foi bem concorrido; grande foi o numero de convivas. Compareceram as principaes famílias desta capital. Tudo esteve bastante animado. (167) o porto é também a entrada dos que foram à Corte e capitais mais desenvolvidas em busca de competência e qualificação, como alcino gomes Brasil que retornado da capital imperial após estudos na academia de Belas artes, anuncia que se dedicará ao ensino do desenho e da fotografia. o primeiro passo foi oferecer lições particulares:
U. s. VanderBiLt (1862-1873). fonte: U. s. navy Historical Center. (166)
os navios estrangeiros que ancoravam no porto de fortaleza eram motivo de interesse da população, que acompanhava o desembarque dos passageiros e a importância das trocas comerciais que eles viabilizavam. outras embarcações, como as esquadras militares, também se deslocavam entre os oceanos atlântico e Pacífico e tinham que contornar o continente. ao encerrar-se a guerra da secessão nos estados Unidos da américa do norte, o governo americano decide deslocar para sua costa no Pacífico uma esquadra de onze navios, chefiada pelo Comodoro John rodgers, capitaneada pela fragata U. s. Vanderbilt, com tripulação de 400 homens, e composta entre
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outros pelo encouraçado Monadnock, com 200 tripulantes, a corveta tuscarora e a fragata Powathan, todos com saída do porto atlântico de Hampton roads, em 2 de novembro de 1864, e chegada a san francisco, California, em 21 de julho do ano seguinte. esses quatro navios de guerra americanos que aqui demoraram nove dias, fundearam no porto da capital cearense em 10 de dezembro, e no dia seguinte, às 14h, a fragata Powathan levantou o pavilhão brasileiro e salvou-o com 21 tiros, sendo imediatamente correspondido pelos canhões da fortaleza. o Monadnock foi posto à visitação pública. a sociedade comemorou a visita, como noticiou a imprensa:
Lições de desenho. O abaixo assignado, dá lições de desenho figurado, de paisagem, esfumado ou colorido em casas particulares à 10$000 mensaes por uma pessoa, sendo porém mais d’uma na mesma casa procederá novo ajuste que será portanto menos cada pessoa, quanto maior fôr o numero que se reúnam em uma mesma casa; roga portanto as pessoas que precisarem de seus serviços, de o procurarem em casa de sua residência no largo do palácio. Alcino Gomes Brasil (168) as portas do sucesso abriram-se muito rapidamente e levaram-nos ao valorizado cargo de professor de desenho do Liceu do Ceará. sua nomeação como já vimos, em capítulo sobre o alemão Johann Brindseil, provocou críticas de suposto favoritismo. a denúncia de nepotismo, não decorria de ter um pai próspero proprietário e agricultor, falecido três anos antes, mas por ser sobrinho do reverendo Hypolito gomes Brasil, lente de latim no Lyceu e diretor geral da instrução pública. a denúncia vem nas páginas de O Tagarella, jornal pitoresco, crítico e recreativo:
Nepotismo Em que academia cursou as bellas artes o sr. Alcino Gomes Brasil para ser nomeado lente de desenho do nosso Lyceo? Pois quem vai ao Rio de Janeiro, e de lá traz uma machina de tirar retratos e chegando aqui anuncia que vai dar licções de retratar, póde considerar-se como habilitado para ser mestre de um estabelecimento, como é o lyceo Cearense? É verdade, que o nomeado é sobrinho do director da instrucção, e basta isto para lhe dar saber e mestrança. Ora breve veremos... (169) o comentário do jornal satírico pouco interferiu nos propósitos do artista alcino gomes Brasil, pois nomeado a 17 de julho de 1865, entrou em exercício na mesma data como professor de desenho no Liceu. não perdeu tempo e tornou-se também divulgador da arte fotográfica na província criando o instituto artístico. a firma alcino & irmão tem seu laboratório instalado no Largo do Palácio (atual Praça general tibúrcio), nº 10, oferecendo fotos em cartões de visita e em tamanhos diversos quando em retratos coloridos ou de grupos de pessoas. o provável sócio-irmão seria Joaquim gomes Brasil. no anúncio divulgado a partir de novembro, o artista diz que trabalha em diversos sistemas e refere-se aos dias nublados e horários de menor irradiação de raios brancos da luz como os mais favoráveis ao exercício de sua arte:
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BarÃo HoMeM de MeLLo
Os valiosos álbuns de Francisco Ignácio Marcondes Homem de Mello
Photographia. Alcino Gomes Brazil está habilitado para tirar retratos por esse systema, e por preços commodos. Convida, pois, a todos que queirão honrar seu gabinete, a comparecerem ás 2 horas da tarde para esse fim; certos de que encontrarão sempre muita promptidão e zelo no desempenho d’arte que abraçou por vocação. (171) INSTITUTO ARTISTICO. Alcino & Irmão, retratistas pelos differentes systemas de photographia, tem aberto seu laboratório no largo do Palacio nº 10 onde poderão ser procurados para qualquer trabalho de sua arte todos os dias, das 8 horas da manhã ás 2 da tarde; por serem as horas em que dominam os raios brancos da luz, assim como são, sendo a luz geralmente muito enérgicas nas regiões equinoxiaes, os dias annuveados são os mais aproveitáveis para os trabalhos de photographia. Os preços são por uma dusia de retratos em cartões de visita10$000Meia dita 6$000Dusia de bustos em cartões12$000Meia dita 8$000 Os grupos e os retratos em coloridos a olio ou água silla em differentes tamanhos outro ajuste... (170) em comunicado no ano seguinte, o retratista alcino não faz referência ao irmão nem ao instituto, o que nos parece indicar apenas que ele busca atrair clientes com a qualificação que obtivera em sua formação na capital do império afirmando também que era fotógrafo por vocação: 166. U. S. Navy Historical Center, public domain, photo #42188. 167. Cearense, Fortaleza, ano XX, nº 1977, sábado, 16 Dez. 1865, p. 2. 168. Cearense, Fortaleza, ano XIX, nº 1954, 6ª feira, 17 Jun. 1865, p. 3. 169. O Tagarella, Fortaleza, ano I, nº 18, domingo, 17 Jul. 1865, p. 4.
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as atividades do instituto artístico estendem-se pelo menos até o final de 1868, mesmo já falecido seu fundador, tendo persistido por meses o mesmo anúncio oferecendo bom salário ou possibilidade de participação na firma para um jovem que queira aprender a arte fotográfica: INSTITUTO ARTISTICO PHOTOGRAPHIA Neste estabelecimento preciza-se de um moço a quem se ensina gratuitamente photographia dando-se-lhe depois de aprendido um bom ordenado, ou interesse no estabelecimento. (172) alcino gomes Brasil, lente do Liceu do Ceará e também capitão da guarda nacional, seria mais um empreendedor em terras cearenses a contribuir para a difusão da fotografia. seus sonhos, entretanto, foram prematuramente cortados quando em 13 de fevereiro de 1868, aos 36 anos de idade, se viu vitimado por moléstia cardíaca. sem quem desse continuidade, seu projeto sobrevive apenas alguns meses. 170. Cearense,, Fortaleza, ano XX, nº 1956, domingo, 19 Nov. 1865, p. 4. 171. Aurora Cearense, Fortaleza, ano I, nº 4, domingo, 8 Jul.1866, p. 8. 172. Cearense,, Fortaleza, ano XXVIII, nº 2550, sábado, 25 Jan. 1868, p. 4.
ao meio dia, em 10 de junho de 1865, no paço da câmara municipal, prestou juramento e tomou posse da presidência da província do Ceará o dr. francisco ignacio Marcondes Homem de Mello. seria o 48º presidente no período imperial, substituindo Vicente alves de Paula Pessoa. a mudança foi assim recebida pelo editorialista do jornal crítico-satírico O Tagarella: Depois de um anno inteiro de perseguições arbitrarias de um presidente inepto e dócil a qualquer aceno de seus adeptos, raiou no horizonte um novo astro, de quem o Ceará espera melhor sorte. (173) doutor em direito, o novo dirigente da província era reconhecido nos círculos intelectuais como administrador, político, historiador, geógrafo e professor, deixando ao longo da vida uma honrosa história de realizações e sucesso, tendo exercido anteriormente a Presidência da província de são Paulo (1864), e posteriormente o mesmo elevado cargo no rio grande do sul (1867) e Bahia (1878). ao assumir a administração provincial daria atenção
aos projetos em andamento na capital cearense, dentre outras, a finalização do calçamento urbano, a contratação para edificação de um teatro público e a construção de um novo cemitério. no relatório sobre o desenvolvimento de obras públicas destacava-se o andamento do futuro passeio público: Há o projecto de fazer-se um passeio publico no espaço comprehendido entre a Casa de Misericórdia e o quartel de linha. E para a realisação d’esta idéia já foram iniciados trabalhos dispendiosos. A muralha de revestimento do segundo plano do jardim que custou 6:538$820, ameaça ruína. O 1o plano acha-se nivelado. Está já contractado o plantio das arvores pela quantia de 763$620 e o calçamento á razão de 9$000 a braça quadrada. Vão bem adiantadas as obras de ferro, consistentes em um gradil destinado a cercar o passeio e 2 portões, contractados com o ferreiro Henrique Erich pela quantia de 9:500$000. Já lhe foi entregue a primeira prestação, correspondente a um terço d’aquella somma. (174)
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19 o Presidente Homem de Mello, paulista nascido em Pindamonhangaba, em 1º de março de 1837 e falecido em Campo Belo, rio de Janeiro, a 4 de janeiro de 1918, seria detentor de uma carreira brilhante e que lhe assegura posição de destaque no império e no período republicano. ostentando os títulos de Comendador da imperial ordem da rosa (1867), Barão (1877) e de Major honorário do exército brasileiro, notabiliza-se por seus estudos e escritos como historiador e geógrafo, autor de importantes obras, Estudos históricos brasileiros e Esboços biográficos, ambas de 1858, e da Carta física do Brasil e Atlas do Império Brasileiro (1876). tornouse membro do instituto Histórico e geográfico Brasileiro e da academia Brasileira de Letras, professor do Colégio Militar do rio de Janeiro e catedrático da escola nacional de Belas artes. exerceu altos cargos como o de diretor do Banco do Brasil e da Biblioteca nacional, e presidente da Companhia da estrada de ferro são Paulo-rio de Janeiro. apaixonado pelo estudo da história brasileira, destaca-se pela persistente busca de documentos, mapas geográficos, manuscritos de valor históricos e valiosas coleções de obras de arte, pinturas, estampas, retratos, vistas fotográficas do território nacional. o prestígio do Barão Homem de Melo, reconhecido pelo nível intelectual e espírito empreendedor, aparece como fator decisivo da realização, no rio de Janeiro, da exposição de História do Brasil (18811882), enriquecendo a mostra com seu vasto acervo pessoal. era então Ministro da guerra interino. na seção artística, onde foram apresentadas vistas, paisagens e marinhas, são destaques os álbuns e itens do barão, compreendendo peças iconográficas da amazônia ao rio grande do sul. os originais fotográficos, as estampas litográficas e as reproduções em desenhos ou aquarelas ofereciam uma visão abrangente do império brasileiro. a maioria dessas imagens não têm seus autores identificados, mas várias trazem a assinatura de profissionais como Victor frond, Henry Klumb, alberto Henschel, francisco Benque, Philip Peter Hees, guilherme gaensley, francisco Labadie, Jacques Vigier, Luiz terragno, augusto riedel, J. schleier, alberto Cohen, Jules Martin, thomas King, José severino soare e Joaquim ayres.
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Como expositor o Barão Homem de Melo oferece vistas isoladas de todo o país e álbuns com seleções de estampas, a exemplo da Bahia, província que presidiu, apresentada em sete álbuns, totalizando 73 fotos. torna-se assim o conjunto uma das valiosas coleções da iconografia brasileira nessa periodo por compreender uma grande variedade de registros fotográficos. a seleção sobre a província do Ceará incluiu apenas nove estampas fotográficas de autor anônimo e sem determinação de data assim descritas no Catálogo da exposição de História do Brasil:
1867
PHotografia firMino & Lins Photographia Volante e ensino de fotografia.
16856. – Série factícia de 9 estampas phog. por Anon., representando assumptos da província do Ceará. S. d. – Contém: 1. Praça do Palacio com a Cathedral à esquerda e o Outeiro á direita (Fortaleza); 2. Palácio do Governo (Fortaleza); 3. Terraço do Governo da Fortaleza; 4. Outra vista do mesmo terraço, com 1 criança e um pretinho de pé; 5. Rua da Assembléa (Fortaleza); 6. Praça Carolina na Fortaleza; 7. Casa Ingleza de Singlehoffer, na Fortaleza; 8. Salão de jantar no Palacio da presidência (Fortaleza); 9. Outra vista da praça de Palacio, com a Cathedral à esquerda e o Outeiro no fundo (Fortaleza). (175) as vistas do Ceará expostas na exposição e provavelmente outras existentes no acervo do Barão Homem de Mello não tiveram destino conhecido. os preciosos álbuns em que colecionava suas coleções fotográficas devem estar em arquivos públicos não localizados. a Biblioteca Mário de andrade, em são Paulo, é detentora de dois de seus álbuns, os da Província de são Paulo e Província de sergipe, ambos datados de 1870. não é completamente impossível, pois, localizar-se o álbum que o Presidente do Ceará, francisco inácio Marcondes Homem de Melo dedicou certamente à província que digna e honrosamente presidiu. 173. O Tagarella, Fortaleza, ano I, nº 15, 5ª feira, 22 Jun. 1865, p. 2. 174. Cearense,, Fortaleza, ano XIX nº 1839, 3ª feira, 20 Jun. 1865, p. 1. 175. Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro – 1881-1882,, volume IX (II). Rio de Janeiro: Typ. G. Leuzinger & Filhos, 1881, p. 1408.
a população da capital vivenciou durante o ano animadores indícios de evolução. a cidade assiste a materialização do Museu de História natural com as valiosas coleções do Médico dr. Joaquim ribeiro, é instalado o Clube Cearense, avança a orquestra infantil preparada pelo musicista Victor augusto nepomuceno, assiste a inauguração da primeira Casa de Banhos com atendimentos individuais a 160 réis, chegam os primeiros veículos para a Companhia de Ônibus e têm início suas viagens diárias para Maranguape. Há renovada alegria com
a instalação do gasômetro da companhia inglesa Ceará gaz Company Limited e a antecipação no oferecimento desse benefício público, sendo acesos 200 bicos, nas praças e dois em cada beco, de um total de 698 combustores inicialmente previstos: A festiva inauguração oficial da iluminação a gás em Fortaleza, ocorreu a 17 de setembro de 1867, após uma experiência que a Ceará Gas realizou no dia 7, com atendimento parcial de ruas, do Clube Cearense e outros prédios, todos do centro da cidade. (176)
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rosa Maria antunes de almeida e Castro. Col. francisco rodrigues. acervo fundação Joaquim nabuco.
Homem, n. i. Coleção francisco rodrigues. acervo fundação Joaquim nabuco.
thereza de Moraes dias da silva. Col. francisco rodrigues. acervo fundação Joaquim nabuco.
Homem, n. i. Coleção francisco rodrigues. acervo fundação Joaquim nabuco.
fortaleza entrava em novo patamar de progresso, tornando mais atrativo aos empreendedores que aqui chegavam a oferecer serviços qualificados na arte fotográfica. os primeiros a chegar, no decorrer do ano, foram firmino & Lins, instalando-se na rua do Mercado nº 86. não temos data precisa do inicio das atividades da dupla de retratistas, mas em julho aparece na imprensa o primeiro aviso:
as nossas pesquisas levaram-nos ao ato de constituição da firma firmino & Lins, em recife, dois anos antes. os retratistas firmino Candido de figueiredo e francisco Candido Pereira Lins anunciaram em julho de 1865 a constituição da sociedade e instalação do estúdio à rua nova 15, na capital pernambucana:
patrícios, não será deslocada toda a proteção que lhes preste o nosso publico, a cujo favor recomendamos o seu estabelecimento, que poderá ser visitado para melhor verificar-se o que dito fica. (178)
Os anunciantes desejando acreditar o seu estabelecimento, garantem ao publico que nenhum trabalho sahirá de sua officina, sem que não seja perfeitamente acabado e a vontade do freguez. (179)
Como início de suas atividades na capital pernambucana, por ser uma alternativa de bons contratos, dão ênfase ao atendimento de retratos de pessoas falecidas, dentro ou fora da cidade:
É provável que os novos retratistas, como ocorreram a outros profissionais na época, optaram pelo exercício itinerante visitando outras capitais e cidades interioranas, como indica foto encontrada em pesquisa onde a marca firmino & Lins aparece sob o título de Photographia Volante. são desconhecidos os caminhos seguidos nesse período, mas, a presença da dupla pernambucana em fortaleza segue pelo menos até o final de 1867, como mostram os últimos anúncios aparecidos em novembro:
ATÉ O DIA 15 DE AGOSTO Firmino & Lins participam ao publico d’esta cidade, que no dia 15 de agosto próximo, concluem definitivamente, os seus trabalhos photographicos, aqui. Contratam uma pessoa que queira trabalhar em seos officios, preferindo quem já tenha algumas noções. Ensinam a photographia com perfeição, e fidelidade, em poucos dias e sob razoáveis condições. Rua do Mercado nº 86. Firmino & LinsN. B. – Não trabalharão aos domingos. (177)
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Acaba de abrir-se à rua Nova n. 15, 1º andar, uma officina photographica de que são proprietários os Srs. Firmino Candido de Figueiredo e Francisco Candido Pereira Lins, sob a firma de Firmino & Lins, os quaes tem o seu estabelecimento montado com as condições da decência e comodidades convenientes á nossa civilização. Temos visto trabalho dos Srs. Firmino & Lins, e podemos garantir que satisfazem pela graduação das posições, distribuição de luz e bem acabado de todo, de sorte que não são somenos aos de outras oficinas. Dispondo, portanto, de mérito artístico esses nossos
RETRATISTAS FIRMINO & LINS Novo estabelecimento de retratos à rua Nova n. 15, 1º andar, junto ao Sr. Gautier, dentista. Tiram retratos todos os dias, das 7 horas da manhã ás 5 da tarde, quer chova ou não. Tambem se oferecem para tirar retratos de pessoas falecidas, dentro ou fora da cidade.
no dia 18 do corrente, findarão-se os trabalhos photographicos n’esta cidade. de hoje até esse
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20 dia trabalha-se também aos domingos. firmino & Lins (180) após esse registro, não encontramos mais notícias dos itinerários do retratista firmino. Quanto a Lins temos dois fatos que sugerem que ele aqui tenha permanecido ou depois retornado a fortaleza. a primeira efetiva comprovação será vista depois no capítulo sobre o prussiano Carlos frederico J. reeckell, que chegara em 1870 procedente da ilha de são Miguel, nos açores, e dois anos depois anuncia que constituíra nova firma, reeckell & Lins, tendo como sócio francisco Candido Pereira Lins:
1867-1868
goodriCH & HoUgH
Fotógrafos americanos de Nova York em Fortaleza
Carlos F. J. Reeckell, avisa ao respeitável publico, que nesta data admittio para sócio em sua Photographia da rua do Cajueiro n. 25, ao Sr. Francisco Candido Pereira Lins, cuja firma girará sobre a razão Reechell & Lins; também scientifica que a sociedade será inteiramente estranha a qualquer negocio particular de qualquer um dos sócios. Ceará, 1º de novembro de 1872. Carlos F. J. Reechell. Francisco C. Pereira Lins. (181)
Moça em pé, n. i. acervo família Bezerra de Menezes.
a outra evidência dos laços criados com a capital cearense, onde possivelmente deve ter falecido, está no registro na imprensa local de morte de idalina de Lyra Lins, sua viúva, deixando órfãos três filhos. sua morte ocorreu em 28 de abril de 1884, dezessete anos depois da chegada a fortaleza dos promissores retratistas firmino & Lins.
176. Leite, A. B. História da energia no Ceará.. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1996, p. 46. 177. Cearense,, Fortaleza, ano XXI, nº 2412, 4ª feira, 11 Jul. 1867, p. 3. 178. Diario de Pernambuco, ano XLI, nº 149, 2ª feira, 3 Jul. 1865, p. 2. 179. Diario de Pernambuco, ano XLI, nº 148, sábado, 1 Jul. 1865, p. 4. 180. Cearense,, Fortaleza, ano XXII, nº 2504, sábado, 16 Nov. 1867, p. 4. 181. Pedro II, Fortaleza, ano 33, nº 198, 4ª feira, 6 Nov. 1872, p. 4.
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Pedro ii. fortaleza, domingo, 1 de março de 1868, p. 3.
o centro vital de fortaleza, compartilhado pelos nativos e emigrantes que a escolheram como terra de adoção, continua sendo a antiga feira nova, que se denominara Largo das trincheiras e Praça d. Pedro ii, e, agora, Praça da Municipalidade. e é nesse local privilegiado que o lusitano Joaquim José de oliveira conquista o respeito de todos, pelo caráter e competência empresarial. a ele se deve a instalação do primeiro estabelecimento destinado ao comércio especializado de livros e periódicos, com sempre renovado estoque a atrair sua clientela. a Livraria ocupava o prédio nº 10, da praça da Municipalidade, a partir de 1865 simplesmente praça Municipal, e batizada, em 1871, Praça do ferreira. em 1867, mantido o prestígio do livreiro, a loja expõe para venda um variado estoque de obras estrangeiras e nacionais, e para orgulho dos cearenses também a produção literária de conterrâneos, como
o já consagrado José de alencar, disponibilizando os romances Cinco minutos, A viuvinha, O guarany e As minas de prata, e o poeta Juvenal galeno, que aparece com a obra Lendas e canções populares. inovador em seu negócio, Joaquim de oliveira foi responsável pela difusão do retrato do Bispo do Ceará, d. Luiz antonio dos santos, produzido pelos ambrotipistas franceses Michel e Justin norat, agora comercializado em cópias litografadas em Paris e “próprios para ornar salas”. (182) e na livraria da Praça Municipal nº 10, local em que hoje se ergue o Cine são Luiz, o público busca as novidades mundiais nos disputados jornais O Cearense, A Constituição e Pedro II, este último impresso na empresa tipográfica propriedade do livreiro. no decorrer desse ano ganha destaque o avanço tecnológico na iluminação pública. os leitores de O Cearense tomam conhecimento das alvissareiras novidades de Paris sobre a luz elétrica:
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GALERIA PHOTOGRAPHICA AMERICANA Rua do Mercado n. 45 Goodrich & Hough, respeitosamente agradecem aos habitantes da cidade do Ceará pelo benévolo acolhimento que se dignarão dispensar-lhes durante sua curta demora nesta cidade. Advertimos que a nossa maior demora aqui não excederá a quinze dias, rogamos portanto a todas as pessoas que desejarem possuir um retrato inalterável, que se dirijão a nossa galeria, rua do Mercado nº 43, quanto antes; onde sempre nos encontrarão prontos e dezejosos a satisfazer aquellas pessoas que nos honrarem com sua confiança, envidando para isso os nossos melhores recursos. Ceará, 26 de junho de 1867. (184) a partir dessa presença em fortaleza buscamos recompor a trilha dos retratistas americanos em território brasileiro.
Capt. e. Van arsdale andruss – regiment 1st U. s. artille. autores: goodrich and Hough. new York, n.Y. fonte: new Jersey state archives. Collection: Civil War Cartes de Visite – c. 1861 – 1890.
Luz electrica. – Finalmente parece que vai empregar-se de uma maneira constante a luz electrica para iluminação publica. O resultado obtido com esta luz na festa noturna de patinadores no lago do bosque de Bolonha, á qual assistiu o imperador, deu causa a que se fizesse uma nova experiência, ha poucos dias, no pateo das Tulherias, onde se collocaram dous fogos luminosos alimentados por uma pilha de 50 elementos. (183) os cearenses comemoravam também a melhoria da iluminação pública com a introdução dos lampiões de gás carbônico pela empresa inglesa Ceara gaz Company Ltd, em grande festa ocorrida a 7 de
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dama n. i. autor: e. K. Hough. Collection: Civil War Cartes de Visite – c. 1861 – 1890.
setembro. essas transformações no espaço urbano de fortaleza, foram acompanhadas por dois fotógrafos americanos, com uma vivência declarada de 15 anos de profissão nos estados Unidos sendo os últimos 6 vividos em new York. Cumpriam uma aventura brasileira que durou cerca de três anos, com duas passagens pela cidade. os retratistas procediam de recife. É incerta a data de instalação na capital cearense da galeria Photographica americana, de goodrich & Hough, que se assinavam no rol de embarcados em vapores como M. P. goodrich e e. K. Hough, mas a primeira comunicação publicada tem como data 26 de junho de 1867:
a primeira descoberta ocorre quando abrem em outubro de 1866, na rua nova, n. 52, em recife, a Photographica goodrich & Hough, proclamando a excelência dos novos retratos sobre lâminas de ferros esmaltadas. destacando “novos photographos americanos, novos artistas, novos processos, novos gostos, novos preços”, aparece repetidamente na imprensa até dezembro: PHOTOGRAPHICA N. 52, Rua Nova N. 52 GOODRICH & HOUGH NOVOS PHOTOGRAPHOS AMERICANOS Novos artistas – Novos processos – Novos gostos – Novos preços RETRATOS Em vidro Em ferro – Em couro – Em panno ´ Em madeira – Em pedra – Em porcelana. RETRATOS Para álbuns – Para caixas – Para quadros – Para casoletta Para anneis – Para relógios – Para alfinete OS AMERICANOS GOODRICH & HOUGH Photographos estabelecidos à rua Nova n. 52 primeiro andar.
Vem oferecer aos habitantes desta bella parte da America, um NOVO E VARIADO SYSTEMA de retratos, peculiarmente americano, e esperam merecer a concurrencia e confiança do Povo Pernambucano, que também se ufana de ser americano. As laminas esmaltadas sobre que se estampam os retratos, os processos chimicos empregados nesse trabalho e os muitos instrumentos necessários à sua execução, são invenções americanas, e especificamente garantidas por privilégios concedidos pelos Estados Unidos; e somente os artistas americanos são os que os empregam com proveito. Esses retratos são em lamina esmaltada, tão lisa como o vidro, e tão delgada como o papel; e não só servem para álbuns, como também para quadros, para cartas, etc. Nas cidades dos Estados-Unidos fazem aos milhares, e são preferidos aos retratos em papel pelas razões seguintes: 1º Não são passados sucessivamente de uma lamina ou molde para o papel mas são tirados cada um de per si diretamente da pessoa, e por isso conservam todos esses delicados claros e escuros tão necessários á perfeita semelhança. 2º Não representam as pessoas mais velhas do que são, mas sim com as feições naturaes ou alguma cousa mais frescas. 3º Podem ser coloridos ao natural bella e rapidamente. 4º Podem se tirar e entregar dentro de uma hora. 5º Sahem muito mais barato do que por qualquer outro systema, sendo os preços menores porém fixos. 6º Duram muito mais tempo e não desbotam. Nota-se que os retratos feitos em papel, por causa do calor e da humidade dos climas intertropicaes, tornam-se amarelados e desbotados em pouco tempo, e muitas vezes em poucos mezes; de modo que os feito no Norte em um clima frio e trazidos para aqui duram mais tempos, e os feitos aqui quase sempre tornam-se amarelados, nodoados e desbotados mais cedo ou mais tarde como provavelmente se poderá verificar nos alguns desta cidade. Entretanto os retratos, agora annunciados, nunca desbotam. Os annunciantes apresentam em seu favor a experiência de 15 annos, o constante exercício da arte nos Estados-Unidos, sendo os últimos seis annos na cidade de New-York; teem tirado retratos segundo todos os modos conhecidos e trazem à consideração do respeitável publico desta cidade o novo systema americano de
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Photographia sobre esmalte que é o mais duradouro, o mais agradável e o mais conveniente dentre os usados actualmente. Finalmente, os annunciantes teem diversos modelos novos segundo o ultimo gosto em New-York, que estão expostos em sua galeria, notando-se entre elles retratos em porcelana e em mostradores de relógios e tem a honra de convidar, para que venham visitar o seu estabelecimento, a todos os habitantes desta cidade, de quem se confessamCriados e admiradores, Goodrich & Hough. (185) Como se tratava de uma novidade no mercado os retratistas americanos insistiam em explicar o método e proclamar as vantagens da fotografia sobre laminas esmaltadas sendo seus últimos anúncios, em janeiro de 1867, voltadas para esse esclarecimento: NOVO ESTILO Retratos americanos em cartões para albuns. N. 59 Rua Nova N. 59 Annunciando o novo systema de rectratos americanos em laminas esmaltadas, e affirmando serem elles muito duráveis, não pretendemos iludir os incautos ou ignorantes, pois que reconhecemos na população desta formosa cidades o bom senso preciso para se acautelar contra os falsos annuncios e conhecimento suficiente para apreciar devidamente as provas photographicas que por ventura vissem em nosso estabelecimento, e porque também temos, e podemos offerecer provas chimicas e razões scientificas do que havemos afirmado. As laminas além de serem leves, delgadas e flexíveis, são cobertas de um esmalte macio que as tornam inatacáveis pelo ar ou agua, e até pelos fortes dissolventes chimicos. Os retractos são estampados sobre uma brilhante superfície de finíssima prata aderente por meio de uma pellicula de collodio, substancia perfeitamente á prova d’agua. Por sobre essa supperficie aplica-se o verniz de esmalte, o que é tão transparente e quasi tão duro como o vidro. Deste modo, o retracto, não contendo em si matéria alguma orgânica sujeita à decomposição, e não sendo poroso nem absorvente, está inteiramente livre de humidade ou de qualquer outra influencia ofensiva da atmosfera. Assim pois por esta theoria se vê que os retractos offerecem provas de duração, o que tem sido
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eficazmente confirmado pela experiência: elles duram effectivamente e nada perdem do seu primor original. Não nos é necessário repetir as suas qualidades artísticas, pois que muitas pessoas das principaes famílias desta província, pessoas de fina educação e gosto cultivado, nos tem distinguido com a sua aprovação e honrado até com o seu patrocínio; outras provas seriam supérfluas. Entretanto lembraremos de passagem que os pintores antigos nunca se serviram de matéria porosa para as suas bellas pinturas, porem sim de substancias duras de supperficie macia, como a porcellana e o marfim; e as nossas laminas tem igual qualidade de superficie dura e macia. Finalmente convidamos áquelles, que por qualquer causa não tenham conseguido bons e exactos retractos por outros systemas, a virem experimentar o nosso; empregaremos então toda a nossa perícia e conhecimento artístico afim de lhes agradar, qualquer que seja o numero pedido de rectratos. Goodrich & Hough N. 59, Rua Nova, N. 52 (186) o roteiro dos fotógrafos comerciais americanos que se iniciara em recife, após a primeira temporada cearense, tem como terceira etapa a capital maranhense, onde se instalam na rua grande nº 12. a publicidade local confirma que já teriam agido profissionalmente no Ceará e Pernambuco. ao longo do mês de outubro aparecem intensamente na imprensa maranhense em publicidade destacada: RUA GRANDE N. 12 – GALERIA DO PHOTOGRAPHICO OS AMERICANOS GOODRICH & HOUGH RETRATISTAS PHOTOGRAPHICOS pelo NOVO SYSTEMA AMERICANO Têm a honra de anunciar aos habitantes do Maranhão que eles acabão de abrir uma galeria nesta cidade à RUA GRANDE N. 12 onde eles têm arranjado salas convenientes. Sua estada aqui será unicamente por alguns mezes. Elles possuem os últimos e os mais approvados
instrumentos, e um grande deposito dos melhores artigos chimicos que se podem comprar em os mercados. O estylo das photographias que eles fazem é inteiramente novo, e presentemente o mais popular nos Estados Unidos. O seu estylo é o mais MODERNO, BELLO E DURAVEL de todos os systemas conhecidos presentemente. As vantagens que elles reclamão do seu estylo de retratar fotografias sobre aquellas tiradas, em papel, é que ellas não disbotão nem se distroem com o calor e humidade de climas trópicos, porem que se conservão por muitos annos tão perfeitos como quanto forão tiradas. Igualmente que se podem acabar e entregarem-se dentro em poucas horas depois de tiradas. Em as cidades de Pernambuco e Ceará, onde os seus trabalhos forão introduzidos, receberão a patronagem das melhores famílias, e o seu methodo de retratar tem-se feito mais popular do que qualquer um outro estylo de photographia. Tirão fotografias para ALBUNS, CARTÕES DE VISITA, CAIXINHAS, MOLDURAS, ALFINETES DE PEITO, MEDALHAS, ANNEIS, && O publico é respeitosamente convidado a entrar em seus aposentos e examinar os objetos em exposição. Com attenção rigorosa sobre o negocio, o desejo de agradar a seus fregueses, esperão elles merecer liberal patronagem do respeitável publico Marnhense. PROMPTIFICA-SE E ENTREGA-SE NO MESMO DIA DA TIRAGEM. (187) a partir do dia 6 de novembro, o anúncio de goodrich & Hough é acrescido de pequena nota, do próximo regresso a Pernambuco e ausência por um mês do titular M. P. goodrich: AO PUBLICO. Por motivos imprevistos vejo-me obrigado a regressar a Pernambuco, ficando a minha galeria fechada durante o espaço de um mez. – Maranhão 29 de outubro de 1867. Goodrich & Hough. (188) efetivamente M. P. goodrich viaja no dia 4 de novembro, no vapor Cruzeiro do Sul, declarando Maceió como destino, e regressa no vapor Paraná, a 27 do mesmo mês, constando novamente Maceió
como a cidade de procedência. não são esclarecidos os objetos das viagens e de fato a galeria dos americanos goodrich e Hough mantem-se ativo no Maranhão a partir e dezembro e ao longo do mês de janeiro do ano seguinte. no dia 29 de fevereiro dão início a nova temporada em fortaleza, declarando-se de volta de viagem de “alguns meses pelos outros pontos do império”, e veiculando sua publicidade até o começo de abril: GALERIA DE PHOTOGRAPHIA N. 43 – RUA DO MERCADO. novo systema americano Goodrich & Hough, retratistas americanos, avisam ao respeitável publico do Ceará, que, de volta de uma viagem de alguns mezes pelos outros pontos do império, elles abriram novamente a galeria de photographia, occupada por elles antes na - RUA DO MERCADO N. 43, aonde esperam ser agradecidos com as visitas daquellas pessoas, que lhes honraram durante a primeira estada, com as suas ordens relativamente a obras photographicas, e de todo o respeitável publico do Ceará, que lhes queira encarregar com trabalhos tendentes á sua arte. Os mesmos se demorarão n’esta praça por pouco tempo, esperando portanto, que as pessoas que precisarem de seus serviços não demorem as respectivas ordens. O systema, em que os retractos serão tomados, é o mesmo que já está tão vantajosamente conhecido n’esta praça. Com instrumentos novos e um grande deposito de materiaes chImicos de superior qualidade com todo zelo na execução dos seus trabalhos, os mesmos esperam obter toda a satisfação dos seus committentes e a protecção do publico em geral. A galeria estará aberta todos os dias, das 9 horas da manhã até as 5 da tarde. Ceará, 29 de fevereiro de 1868. (189) a presença dos fotógrafos nova-iorquinos no Brasil prolongar-se-ia por mais de um ano, mas essa trajetória não foi ainda destacada nas obras que tratam da história da fotografia. as nossas pesquisas recompuseram, entretanto, parte do roteiro que cumpriram após deixarem o Ceará. Há uma lacuna no tempo, após fortaleza, até a próxima escala conhecida de goodrich e Hough. a partir de 13 de
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julho até o final de agosto, mantem aberta a galeria fotográfica na Paraíba. nos novos anúncios, além do Ceará. Pernambuco e Maranhão, os retratistas dizem ter trabalhado também na Bahia, Maceió e Penedo, o que indica que essas visitas tenham ocorrido ainda em 1867 ou de maio a julho do ano seguinte. aparecem depois na capital paraibana reafirmando a competência profissional e asseguram a qualidade dos retratos pelo “novo systema americano”, pela “primeira vez n’este império”, tirados em “laminas de ferro envernizados, muito finas e flexiveis”: N. 16 – LARGO DO CARMO – N. 16 GALERIA DE PHOTOGRAPHIA Pelo NOVO SYSTEMA AMERICANO. Os Americanos GOODRICH e HOUGH DE NOVA-YORK Avisam ao respeitável púbico da Parahyba que abrirão n’esta cidade a sua galeria photographica situada no Largo do Carmo n. 16, a qual se acha preparada com tudo que lhe é necessário. O sistema, pelo qual os retratos são tirados, é novo e introduzido pela primeira vez n’este Imperio pelos anunciantes, os quaes até agora são os únicos que trabalhão pelo mesmo. Elle se recomenda ao publico por ser MELHOR E MAIS DURAVEL que a photographia em papel, os retratos não empalidecem e não arruinão-se pelo calor ou pela humildade d’este clima, como acontece com todas as fotografias tirados em papel; ficam sempre perfeitos, pois são tirados em laminas de ferro envernizados, muito finas e flexíveis. Nas cidades de Pernambuco, Bahia, Ceará, Maceio e Penedo, onde os anunciantes trabalharão pelo systema, os seus retratos acharão a mais alta apreciação do publico. Podem ser pedido RETRATOS EM CAIXINHAS de diversas qualidades e tamanhos, os quaes se venderão mais baratos do que outros quaisquer, como também retratos próprios para ALBUNS, CARTÕES DE VISITA, QUADROS EM MOLDURAS, ALFINETES DE PEITO, ANNEIS, etc., etc. Os annunciantes convidão portanto ao respeitável publico d’esta cidade afim de vir visitar sua galeria e
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retratistas americanos trabalharam em diversas cidades do interior paulista concluído por última etapa na capital, instalados na rua do Carmo, a partir de 5 de março, também como fechamento da temporada. goodrich e Hough anunciam então o retorno em maio para o país de origem:
examinar os trabalhos expostos, prometendo exforçaram-se quanto lhes for possível para que fiquem satisfeitas as pessoas que se dignarem honral-os com suas ordens, tanto as que residirem nesta capital como as do interior da província. OS RETRATOS PROMPTIFICÃO-SE E ENTREGÃOSE MESMO NO DIA DA TIRAGEM, e os preços são os seguintes:12 cartões por Rs 8$000 8 cartões por Rs 6$000 6 cartões por Rs. 5$000 4 cartões por Rs. 4$000 2 cartões por Rs. 2$000 Declaramos que nossa demora n’esta capital será por pouco tempo. Parahyba. 13 de Julho de 1868. (190) as pesquisas que procedemos não revelam as atividades profissionais nos cinco meses após setembro desse ano, embora tenhamos um importante achado do embarque de e. K. Hough no rio de Janeiro para santos, em 1º de setembro de 1868, e um retorno desse porto para a capital do império, no dia 8 de maio de 1869. nesse período os
GOODRICH & HOUGH Retratistas Americanos Galeria na casa da Concordia - Rua do Carmo RETRATOS PARA ALBUM pelo novo systema americano SOBRE CHAPAS ESMALTADAS Retratos coloridos e lustrozos que nunca se desbotão, não manchão e nem sofrem a menor alteração. Conservando-se sempre claros e bonitos como no primeiro dia. Viajando pelo Brasil há mais de dous annos, excendendo a aceitação do nosso trabalho á nossa expectativa, colhendo por isso grandes vantagens, resolvemos voltar, em Maio do anno corrente, ao nosso paiz – os Estados-Unidos. Desejáramos oferecer por grande espaço de tempo ao publico dessa capital os nossos serviços, porém em vista das grandes demoras imprevistas que tivemos em localidades centraes desta província por pouco tempo que (talvez não exceda um mez) podemos permanecer nesta cidade, ultima nesta província, em que pretendemos expor os nossos trabalhos. Tendo actualmente para dispôr somente cem dúzias de chapas esmaltadas as offerece ao publico desta capital. Pedimos ás pessoas que quiserem possuir exemplares do nosso systema que hajão de quanto antes comparecer ao nosso estabelecimento, afim de não perder esta oportunidade. Os preços são mui razoáveis, como se vê da seguinte TABELLA12 retratos coloridos para álbum.................. 12$000 6 Ditos coloridos para álbum................... 7$000 4 Ditos coloridos para álbum.................... 5$000 2 Ditos coloridos para álbum.................... 3$000 1 Dito colorido para álbum...................... 2$000Retratos grandes muito bem coloridos com quadros e molduras para parede desde 15$000Exemplares de todos os tamanhos para a mostra na sala da Concordia. Retratos reproduzidos e augmentados. Ditos para alfinetes de peito caçoleitas, anneis, etc., etc. S. Paulo, 5 de Março de 1869. (191)
Cumprindo o anunciado os retratistas itinerantes colocaram a venda seus materiais, incluindo uma câmera “de 4 tubos e em que se pode tirar a um tempo 8 retratos”: PHOTOGRAPHIA A VENDA Os retratistas Goodrich & Hough tendo de retirarem-se para o seu paiz natal, vendem por modico preço, todo o aparelho photographico de seu estabelecimento, inclusive a sua boa machina de 4 tubos e em que se póde tirar a um tempo 8 retratos, fazendo os anunciantes a vantagem de ensinar ao comprador o systema por que trabalhão. Para tratar no salão da Concordia, á rua do Carmo. (192) Como previsto em maio foi finalizado o roteiro brasileiro e os artistas fotográficos regressaram à terra de origem. Chegados de santos ao rio de Janeiro, pelo vapor inglês Galileu no dia 7 de maio, quatro dias depois, a 11 de maio de 1869 saiam como os dois únicos passageiros na barca inglesa Edina que transportava café para o porto de new York. os registros dos embarcados no rio de Janeiro reservavam ainda uma surpresa sobre um dos componentes da dupla de retratistas. na divulgação do Diario do Rio de Janeiro da lista de passageiros vindos de santos
Modelo de câmera de quatro tubos (lentes) para produção múltipla de carte-de-visite, usada por goodrich & Hough, e vendida em são Paulo,em 1869, no final da temporada brasileira. fonte: green-Wood Historian Blog.
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21 pelo vapor Galileu, apareceu pela primeira vez por extenso o nome de um dos retratistas, grafado então como eugenio Kincarel Hough, o que nos permitiu reconhecê-lo como eugenio Kinkaid Hough, mestre ativo e consciente com contribuições frequentes em revistas conceituada como The Philadelphia Photographer, órgão oficial da National Photographic Association of the United States. (193) a identificação de e. K. Hough vai confirmar a suposição de página americana que o menciona como sendo eugenio Kinkaid Hough, nascido em Postdam, new York, em 24 de dezembro de 1834 e falecido em 3 de janeiro de 1902. em seu país tem uma longa história, aparecendo sucessivamente como daguerreotipista em
Petersburg, Virginia (1859), seguindo-se gabinete em Louisburg, north Carolina (1861), poser em New York City Gallery (1861-1865), estúdios em Winston, north Carolina, e no tennessee (1886), e novamente em fredonia, new York, tendo inclusive adquirido o ateliê do renomado Harry Mcneil, após sua morte em setembro de 1890. (194) o mérito maior de Hough, entretanto, situa-se na apreciação das técnicas e no debate de questões éticas e práticas da nova arte. Um dos seus primeiros escritos no The American Journal of Photography, com o título Expressing Character in Photographic Pictures,, é citado em recentes obras americanas. (195) a seu crédito essa formulação de princípios para o exercício profissional e a constante produção de artigos que aparecem em respeitadas publicações nos primórdios da fotografia na américa, como Anthony’s Photographic Bulletin, Journal of Photography e The Philadelphia Photographer,, de onde recolhemos seu pensamento para o próximo capítulo.
o PensaMento de e. K. HoUgH e os direitos do fotógrafo
As dificuldades do retratista comercial e a crítica cearense
Publicidade. Photographia do Lopes. rua do Hospício, 93. rio de Janeiro.
182. A Constituição, Fortaleza, ano III, nº 42, sábado, 3 Jul. 1866, p. 4. 183. Cearense, Fortaleza, ano XXI, nº 2412, 4ª feira, 11 Jul. 1867, p. 3. 184. Pedro II, Fortaleza, ano XXXVIII, nº 146, 3ª feira, 9 Jul.1867, p. 2. 185. Diário de Pernambuco, Recife, ano XLII, nº 238, 2ª feira, 15 Out. 1866, p. 4. 186. Diário de Pernambuco, Recife, ano XLIII, nº 14, 5ª feira, 17 Jan. 1867, p. 5. 187. Publicador Maranhense, Maranhão, ano XXVI, nº 226, 5ª feira, 3 Out. 1867, p. 4. 188. Publicador Maranhense, Maranhão, ano XXVI, nº 248, 3ª feira, 29 Out. 1867, p. 3. 189. Cearense, Fortaleza, ano XXII, nº 2577, sábado, 29 Fev. 1868, p. 4. 190. Publicador, Paraíba, ano VII, nº 1746, 4ª feira, 15 Jul. 1868, p. 4. 191. Diário de São Paulo, São Paulo, ano IV, nº 1056, 3ª feira, 9 Mar. 1869, p. 3. 192. Diário de São Paulo, São Paulo, ano IV, nº 1059, 6ª feira, 12 Mar. 1869, p. 3. 193. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ano 52, nº 126, domingo, 8 Mai. 1869, p. 2. 194. Shepard, D. H. Early photography in Freedonia. Darwin R. Barker Historical Museum, 1920. Blog Archive. 195. Trachtenberg, A. “Reflections on the Daguerrean Mystique”. In: Radway, J. A. et al. (Eds.) American Studies: An Anthology. Wiley-Blackwell, 2009.
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não há dúvidas que fortaleza tenha acolhido nos anos 1867 a 1868 um artista fotográfico talentoso e consciente: eugenio Kinkaid Hough. sua presença nas pioneiras revistas americanas especializadas em fotografia é prova não apenas da preocupação técnica, mas, de moldar o perfil do artista fotográfico, analisar o comportamento do nascente consumidor de retratos, defender uma postura profissional e os direitos nessa nova modalidade de comércio. antes mesmo de sua vinda ao Ceará já participava da American Photographical Society, Society tendo apresentado em março de 1859, na quarta reunião dessa entidade, um estudo sobre as novas aplicações do verniz de colódio, e a partir do lançamento em janeiro desse ano da revista The American Journal of Photography ele confirma sua vocação para a arte fotográfica, com frequentes artigos sobre assuntos técnicos, profissionais e éticos. nessa série de
artigos são publicados inicialmente “a new Method of Preserving Collodion Pictures” (Vol. i, n. 2), “art and artists” (Vol. i, n. 10) e o longo estudo em três partes com o título “expressing Character in Photographic Pictures” (Vol. i, n. 11, 12 e 13). esses e outros artigos, que regularmente aparecem nas maiores revistas especializadas do século XiX, preservam a essência do pensamento de Hough e põem em relevo as dificuldades do retratista em seu desempenho e a sua necessária formação artística para fazer atender o seu mercado específico. no seu texto The Ideal in Art and its Relation to Photography, publicado no The Philadelphia Photographer, em 1887, por nós traduzido, ele diz que a verdadeira arte é uma expressão de pensamento, aspiração da individualidade, percebendo-se já a mudança no comportamento do fotógrafo comercial e um novo estilo de fotografia em ascensão:
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Mas eles (os retratistas fotográficos) estão chegando ao sentimento que algo mais é necessário para distinguir a “arte” do “mecanismo”, os “artistas” dos “trabalhadores” em fotografia; algo mais que a diferença em estilo e preço do estúdio, ou a diferença de preços cobrados; [...] algo que é semelhante à eletricidade, poderosa embora imponderável, que é a alma do artista. E põe sua marca sobre todo seu trabalho. Assim que, embora não demonstravelmente evidente em cada fotografia, todavia dá uma média maior inegável, e mais valor intrínseco a tudo que ele produz. (196) o conjunto de artigos de e. K. Hough, aparecido em pelo menos três das mais importantes revistas que tratam da evolução do movimento fotográfico na américa, está lembrado por recorrentes citações na bibliografia americana até os nossos dias. (197) Hough abordou frequentemente outros temas como a difícil relação retratista-consumidor, resultado de sua longa experiência profissional. nas páginas do The Philadelphia Photographer ele discute direitos do fotógrafo e trata da psicologia do cliente: Nós ouvimos por toda parte a declaração de direitos, “direitos humanos”, “direitos civis”, “direitos das mulheres”, “direitos de patente”, por que não direitos fotográficos? […] A questão por isso está aberta, e eu penso digna de nossa séria consideração, porque nossos direitos parecem ser muito imperfeitamente entendidos, tanto pelo publico como por nós mesmos. Por que razão as pessoas vão ao fotógrafo? “Uma representação deles próprios de acordo com os princípios artísticos aplicados honestamente em fotografia”, você responderá. Nem sempre, raramente; em geral elas vão com uma vívida mas indefinida ideia de como eles devem parecer, ou como eles gostariam de parecer. E determinados a posar até conseguirem que o fotógrafo faça-lhes a vontade, [...] frequentemente posto em situação humilhante, quando depois de um cuidadoso trabalho consciente, é forçado a assumir um espírito meio servil ante pessoas que, embora educadas em outros assuntos, são totalmente ignorantes de todos os princípios da representação artística, [e ainda] imponham seu gosto não refinado no seu trabalho, e condenem simplesmente dizendo que eles não gostam. (198)
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a exposição acima talvez explique as difíceis relações e os conflitos mais comuns entre o retratista comercial e sua clientela, geradores de tristezas e sofrimentos em seus aventurosos roteiros. recolhemos um caso exemplar, ocorrido na cidade de tubarão, santa Catarina, por mostrar os dois lados da ação conflitiva. o retratista, um simples mascate de relógios e o consumidor, o padre da localidade. as divergências têm início na troca do antigo e deficiente relógio por um novo que lhe oferecia o vendedor ambulante. ao destruir o antigo como uma demonstração de nenhuma valia o mascate efetua a venda do novo por 30 mil réis, relógio que não funcionava bem e que também nunca lhe foi pago. a partir daí, o mascate usava do expediente de fazer uma despesa pessoal nesse valor e mandar a cobrança ao padre que sempre a recusava. essa relação conflituosa ganha páginas do jornal da capital e expande-se para o campo da fotografia. em carta ao periódico Argos da Província de Santa Catharina,, com o pseudônimo Caipira andante, a defesa do reverendo Joaquim soares Pereira, acusa o mascate-relojoeiro de enganar o público na cidade de Laguna declarando-se “perfeito tirador de retratos” mas “tirava retratos pretos”: [...] quando chegou à cidade de Laguna ostentou de grande relojoeiro, e perfeito tirador de retratos; porem em breve deo provas do seu charlatanismo: tirava retratos pretos e nada mais, por isso deixou o officio. Se tivesse ido para a Africa, teria acertado; a indústria dar-lhe bôa ganancia, e por conseguinte um excellente meio de vida; porem cá onde já não há abundancia de negros, perdeo o seu tempo. (199) o mascate-relojoeiro-fotógrafo responde com uma declaração curiosa, quando afirma que fotografia não se aprende em universidade e que quase todos os fotógrafos que trabalhavam no Brasil eram apenas curiosos: Diz (o Sr. Caipira acusador) que me apresentei na Laguna ostentando de bom retratista e bom relojoeiro, mas que em breve deixei o officio porque os retratos sahião pretos. Agora queria eu perguntar em que casa
me estabeleci como retratista e a quem me offereci para tirar retratos por dinheiro. Levei sim uma maquina para vender, como de facto vendi, e ensinei o segredo do trabalho a quem m’a comprou e foi nessa ocasião que fizemos algumas experiências, mas declarei ao comprador que não tinha pratica do trabalho, e que com a continuação elle poderia tirar bons retratos, como de facto aqui apresentou alguns a diversos artista que forão dignos de elogio. Talvez o Sr. Caipira ignorante creia que para tirar retratos pela Photographia seja preciso ir frequentar as universidades; pois fique sabendo que quase todos os retratistas que existem no Brasil são curiosos. (200) o próprio e. K. Hough e seu companheiro godrich sofreriam a crítica impiedosa de um cliente cearense que solicitava a atenção da polícia para industriosos de qualquer nacionalidade: Victima de uma logração, que, por não me parecer couza muito comum, encommodou-me bastante, resolvi pôl-a no domínio publico, para que aquelles que, quiserem acautelem-se bem de – cahir nas unhas de desalmados aventureiros. O mundo está cheio de flibusteiros, e é, principalmente, d’America do Norte, que elles sahem para tentar fortuna por qualquer fórma, e em qualquer parte. Goodrich & Hough, espertos cavalheiros de indústria, estabelecidos à rua do Mercado, onde tem sua officina de tirar retratos – pelo sistema mais aperfeiçoado, acabam de dar-me motivo para duvidar de sua proficiência n’arte e de sua probidade como indivíduos, segundo se vai ver. Tendo-me dirigido a casa d’esses artistas americanos com o fim de retratar-me elles incumbiram-se do trabalho, e dando-o por concluído, apresentaram depois – sete retratos – muito imperfeitos, cousa mesmo muito ruim -, que não me era possível aceitar, pelo que os recuzei, propondo que elles me tirassem outros, ao que annuiram. N’esta occcasião, para mostrar-lhes, que não tinha outro desejo, se não o de obter retratos mais bem trabalhados, paguei a importância, contentando-me com a promessa de me tirarem outros retratos. Enganei-me: quando voltei á casa de Goodrich & Hough os honrados artistas declararam que não tiravam novos
retratos, e ficaram com os primeiros, que eu engeitei, e com o dinheiro que paguei que fôram 9$000. Não é por esta tão exígua somma, que reclamo. Fiquei – sem retratos e sem dinheiro, mas devo dizel-o com franqueza, mais me incomodou o desfaçamento com que procederam, do que a decepção porque passei. A nossa terra já não é tão pequena, que qualquer – especulador desabusado, ou charlatão sem consciencia venha matar a fome, de dinheiro – por todos os meios. A policia deve lançar suas vistas sobre os industriosos de todas as classes, qualquer que seja a sua nacionalidade. (201) experiências pessoais como essa devem ter contribuído para a reflexão de e. K. Hough sobre o árduo exercício da nova profissão, o fotógrafo-retratista, surgido em recentes vinte anos. ele dá ênfase a fraternidade entre os fotógrafos justamente quando a profissão se destaca e se expande, em um dos seus escritos sobre os direitos na fotografia: A fraternidade fotográfica está agora aproximando rapidamente um desses períodos de crescimento, quando a velha intransigência de hábito e costumes, formados em estágio inicial de desenvolvimento, tem se revelado limitadora para todas as suas energias, produzindo geral desconforto e irritação. Não há solução para isto; nós devemos obedecer às leis de crescimento e progresso e iniciar uma nova era de esforço mais nobre e mais ampla liberdade. Porém é necessário unir os esforços de todos os membros confiáveis de nossa arte, ou nós fracassaremos. (202) finalmente, entre tantas contribuições de eugenio Kinkaid Hough ao fortalecimento para uma nova era para a fotografia profissional, recolhemos e traduzimos suas propostas para um plano objetivo que se constituísse numa garantia da liberdade e direitos do artista fotógrafo: O ponto em discussão é a muito generalizada impressão na mente publica, que fotógrafos são simplesmente meios, que operam os mecanismos de seu ofício como um servidor em uma loteria gira a roda e sorteia os bilhetes,
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22 e que eles têm tão pouca honra que vão dar aos clientes seja lá o que conseguirem por sorte, a menos que ditos clientes mostrem-se alertas para não serem enganados. Essa avaliação nós devemos transformar numa crença que o fotógrafo tem respeito próprio e honesto orgulho; que ele não é um mero intermediário entre eles e as forças da natureza que querem invocar; que ele tem uma consciência ativa, que dirige e controla, escolhe e combina, com propósito preciso; que suas substâncias químicas, instrumentos, e luz, são materiais em suas mãos para produzir representações artísticas de formas naturais, assim como as cores, pincéis e telas do pintor; que cada ramo de arte tem suas possibilidades, e suas limitações; que cada artista aprende muito mais, quando ele sabe o que tem de fazer, e o que ele não deveria tentar; e que o caminho verdadeiro para seus melhores esforços é acreditar nele – deixa-lo livre para escolha, arranjo e decisão pessoal. Agora, enquanto acredite que se fotógrafos unidos adotem e adiram confiantemente a essas poucas regras ou suas equivalentes, uma grande parcela de suas dificuldades pessoais desapareça, eu estou bem ciente de muitas objeções que podem ser arguidas contra elas. Mas eu não deveria antecipar e responder essas objeções agora. Meu objetivo atual é despertar interesse, e provocar discussão sobre o assunto: sendo bem convicto que de uma variedade de conselhos alguma ação sábia deve resultar. Se eu estiver certo na crença que a mentalidade fotográfica está razoavelmente amadurecida para tal movimento, este artigo pode ajudar seu progresso. (203)
Como ilustração das atitudes atuais do público em relação à fotografia, eu relatarei poucos exemplos de meu conhecimento pessoal. Alguns anos atrás, em Pernambuco, Brasil, um fotógrafo francês recentemente chegado, de nome Maurice, fez uma dúzia de fotos para a esposa de um Barão, de elevada posição política. Ela pagou adiantadamente, e não era bonita. Quando os retratos foram enviados, ele não gostou deles, e dirigiu-se ao fotógrafo raivosamente exigindo a devolução do dinheiro, ao que Maurice se negou. Uma hora mais tarde o Barão entrou acompanhado do chefe de polícia e dois policiais armados. O chefe determinou-lhe devolver o dinheiro imediatamente sob pena de detenção e encarceramento. Naturalmente o pagamento foi feito, mas o bom senso da comunidade condenou o ato arbitrário e injusto, e a ação policial jamais procedida em qualquer lugar. As pessoas somente reivindicam sempre o direito de posar, e posar novamente, até estar fatigado ou satisfeito. Eu estou inteirado que numa grande galeria dessa cidade, onde a regra é pagar adiantado, posar, e ver a prova, se elas desejarem, por qualquer razão, pode posar muitas vezes, sempre que deseje; não há qualquer restrição. Alguns anos depois, quando a média comercial era de cerca de cinquenta negativos por dia, mais da metade dos consumidores posavam de três a cinco vezes, frequentemente mais, antes de fechar o pedido. Lembro um exemplo real de uma dama – na meia-idade, nem jovem nem idosa que posou dezesseis vezes, para fazer um pedido de uma dúzia de fotos. (204)
a ênfase dos direitos do fotógrafo-retratista é certamente explicada pela vivência do profissional em suas aventuras no período inicial da história da fotografia americana. nos seus escritos não aparece qualquer referência ao já citado tratamento hostil de um cearense, mas descobrimos um relato que não apenas comprova que e. K. Hough realizou uma viagem por terras brasileiras, mas reforça o tipo de violência abusiva então praticada contra esses pioneiros retratistas. o texto sobre The Photographic Rights, que traduzimos a seguir, narra o constrangimento policial do retratista francês Maurice, sócio na firma eugenio & Maurice, em lamentável fato ocorrido em recife e por ele assistido:
Pelo valor testemunhal, em outro capítulo, ainda voltaremos aos artigos de eugenio Kinkaid Hough.
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196. The Philadelphia Photographer, Vol. XXIV, nº 296, abr. 16, 1887, p. 230. 197. Ver obras como: Greenough, S. “Of charming Glens, Graceful Glades and Frowning Cliffs”. In: Sandweiss, M. A. (Ed.). Photography in Nineteenth Century America. New York: Harry N. Abrams, 1991; Henisch, H. K. The Photographic Experience, 1839-1914: Images and Attitudes. The Pennsylvania State University Press, 1994; Trachtenberg, A. Reading American Photographs; Images as History, Mathew Brady to Walker Evans. New York: Hill and Wang, 1989. 198. The Philadelphia Photographer, Vol. VII, nº 136, abr. 1875, p. 115. 199. O Argos de Santa Catharina, Desterro, ano V, nº 751, 5ª feira, 8 Ago. 1861, p. 3-4. 200. O Argos de Santa Catharina, Desterro, ano V, nº 755, 3ª feira, 13 Ago. 1861, p. 2. 201. Cearense, Fortaleza, ano XXII, nº 2601, 5ª feira, 16 Abr. 1868, p. 3. 202. The Philadelphia Photographer, Vol XII, nº 137, mai. 1875, p. 141. 203. The Philadelphia Photographer, Vol XII, nº 137, mai. 1875, p. 142-143. 204. The Philadelphia Photographer, Vol XII, nº 141, set. 1875, p. 267.
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o Poeta-fotógrafo Pinto de saMPaio Primeira galeria fotográfica de longo sucesso
erra quem afirmar que fortaleza é uma cidade monótona. Vê-se um significativo movimento marítimo, e a população é avisada da chegada dos navios nacionais por um tiro de canhão da fortaleza. o tráfego urbano cresce com a circulação das carroças inglesas para mercadorias e carros americanos de quatro rodas com tração animal. novas alternativas no ir-e-vir na cidade como a diligência puxada por 4 cavalos para o arronches (atual Parangaba) e a inauguração de diligência da praça da alfândega para a da assembléia, com os bilhetes de passagens pelo preço de 200 réis. os habitantes da classe média e alta não têm o que reclamar de 1868, um ano de entretenimentos os mais diversos, com as atividades artísticas no Theatro Thaliense, apresentando visitantes e grupos locais com a dramaturgia lusitana, concertos musicais, mágicos e prestidigitadores internacionais, a programação do Club
Cearense, além dos bailes e saraus. os mais humildes moradores suburbanos e de areais, participam do popular samba, condenável diversão, sinônimo de batuque e bebedeira. Proliferam os sambas por toda parte, autorizados pela polícia ou improvisados, o tradicional do domingo e o de qualquer dia que reúne trabalhadores, escravos e a força policial, razão de muitos conflitos e mortes. na observação do cronista da época, o domingo é “dia de samba para os pretinhos do rosario, dia de panelada, (...) dia de jogo do gamão, bisca e trunfo, etc.”. (205) a censura social não perdoa e quem de classe mais elevada ousar frequentá-los sofre crítica pública: “pretendendo popularizar-se a todo custo, não há samba da mais vil canalha, que elle não vá presidir com sua inocente e honesta família.” (206) a palavra entra até na crítica política, como se lê nas páginas dos jornais: “ahi estão os taes deputados
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os anúncios seguintes, com tabela de preços, esclarecem que as fotos pelo processo de ambrotipia são entregues em “lindas e ricas caixas” e que nos contratos do padrão “cartões de visita” serão feitas duas poses diferentes no mesmo cartão para cada cliente. Preços para retratos de crianças, certamente pela dificuldade de mantê-las quietas frente à objetiva, são mais elevados que os cobrados para adultos:
feito apressa em um verdadeiro samba legislativo, decretando quanta asneira lhes vem a cabeça!” (207) o samba é assunto policial nos jornais desde os anos 1850, com crimes, prisões e condenações. e protestos dos que se julgam prejudicados: Para a polícia ler. Pede-se ao Illm. Sr. Dr. Chefe de policia que por amor a moralidade publica, faça extinguir um samba que quase diariamente se faz na casa de uma celebre – Maria Prata – no oiteiro da Cacimba do Povo. Os indivíduos que compõem esse samba, são muito immoraes: e por isso não se importam de encommodar com berraria e palavras deshonestas, ás famílias d’aquella parte do oiteiro. O inspector do quarteirão insta constantemente pela extincção de tal samba, mais tanto a dona da casa, como os cynicos que o compõem, de suas ordens não fazem caso. Por isso pede-se a policia que lance suas vistas sobre esse lupanar, afim de que se restitua o soccego dos habitantes d’aquelle bairro. Fortaleza, 5 de janeiro de 1864. Um visinho. (208) samba à parte, o ano de 1868 foi em especial pródigo em fotógrafos-retratistas. além do retorno dos americanos goodrich & Hough, comentado antes, vieram mais dois profissionais itinerantes. o primeiro dele, a quem dedicamos este capítulo, gostou da terra e instalou o primeiro gabinete fotográfico de longa duração. o fotógrafo Pinto de sampaio chegou a fortaleza no dia 26 de abril e anunciava a abertura, por algum tempo, de sua galeria:
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Photographo. – Chegou ante-hontem do norte no vapor “Guará”, o Sr. A. P. Sampaio, distincto photographo, que pretende demorar-se n’esta cidade, por algum tempo. Recommendamos á protecção de nosso publico esse artista de grande e reconhecido mérito. (209) Logo em seguida, aclamando a abertura da galeria, o periódico Cearense proclama o mérito do artista já conhecido no país: galeria de photographia. – acha-se aberta n’esta cidade a photographia do sr. Pinto de sampaio, artista de reconhecido mérito, e já bastante conhecido no paiz. o trabalho do P. sampaio é o mais perfeito que temos visto n’este gênero. (210) após a instalação de sua galeria à rua formosa (Barão do rio Branco), o visitante cumpre o ritual dos itinerantes, efetuando as visitas de cortesia aos jornais, e logo após veiculando os reclames para atração do público potencialmente interessado: GALERIA PHOTOGRAPHICA PINTO DE SAMPAIO No. 42 – Rua Formoza N. 42 Chegado recentemente à esta cidade, avisa ao respeitável publico, que tem aberto o seu estabelecimento de PHOTOGRAPHIA, todos os dias das 9 horas da manhã às 2 da tarde. Promptifica com acceio e perfeição os retractos que lhe forem encommendados, e serão entregues só à contento dos freguezes. (211)
GALERIA PHOTOGRAPHICA PINTO DE SAMPAIO N. 42 – RUA FORMOSA – N. 42 Acha-se aberta esta officina todos os dias das 9 horas da manhã ás 2 da tarde. Tiram-se retratos por todos os systemas modernos, e todos os dias em que o tempo permittir. Os retratos só serão entregues a contento dos freguezes, e pagos no acto da entrega. PREÇOS – PHOTOGRAPHIA. 6 Retratos em lindos cartões de visita, pessoas adultas 6$000 12 Retratos10$000 Grupos, conforme o ajuste. 6 Retratos em lindos cartões de visita, para criança10$000 12 Retratos15$000 Grupos, conforme o ajuste. 1 Retrato em “Ambrotypo”, em lindas e ricas caixas para estes retratos ‘ 8$000 1 Retrato em oleado, para alfinetes, medalhas, anneis, etc. etc. 4$000 6 Retratos, em cartões de visitas, a mesma pessoa, duas vezes reproduzidos em differente posição no mesmo cartão10$000 12 Retratos idem idem15$000 Os retratos em cartões de visita terão um abatimento de 10 por cento de uma duzia para mais. Ceará, 1º de junho de 1868. (212) a procedência e identidade do retratista a. P. sampaio ou Pinto de sampaio passaram a ser a preocupação do autor nessa pesquisa. a primeira conclusão encontrada nos resultados iniciais é que o visitante não deveria ser o “artista de reconhecido
Homem, busto. n. i. acervo família Bezerra de Menezes.
mérito” e muito menos “bastante conhecido no país”. tivemos êxito felizmente na comprovação de que ele seria um profissional jovem com residência na capital maranhense onde ganhara o reconhecimento pela inspiração poética. a constatação que sampaio seria o mesmo poeta maranhense Manoel antonio Pinto de sampaio, como supúnhamos de imediato, só se concretizou através de algumas listas de passageiros em vapores nacionais e numa notícia publicada 9 anos depois, em O Cearense, edição de 4 de março de 1877, onde o fotógrafo é nominado por extenso. a nossa história da fotografia enriquecia-se com um poeta, depois dos anteriores mágico, caixeiro, ourives, pintor, relojoeiro, ator teatral e cabeleireiro. o fascínio da nova e promissora arte atraía profissionais diversos e mascates itinerantes, alguns deles retratistas que se ocultavam para fugir de impostos ou por terem menores pretensões. o novo caso não é surpreendente e a mudança de vocação de Pinto sampaio, que deve ter representado uma perda para a literatura maranhense, resultou no surgimento de um retratista competente e sério. os versos do jovem vate aparecem nas páginas dos jornais de são Luiz, desde os anos 1860, exaltando suas musas:
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animado pelos resultados obtidos em sua terra, Pinto de sampaio, transfere-se para fortaleza, aqui chegando, como já vimos, a 26 de abril de 1868. o propósito inicial de demorar-se por pouco tempo transformou-se em projeto de longa duração. Havia conquistado seu espaço e realizou bem sucedido empreendimento conferindo à sua galeria fotográfica o melhor conceito de qualidade. identificou-se com a cidade e seu povo, razão de ter vivido e trabalhado pelo menos dez anos, ausentando-se apenas para incursões ao Piauí, Maranhão e interior cearense. em dezembro de 1868, sob a denominação de Photographia artística, é anunciando o recebimento de um estoque de drogas finas e uma excelente máquina fotográfica de procedência inglesa, expondo para apreciação pública no vestíbulo do seu ateliê uma coleção de retratos, “todos de pessoas desta terra”:
MEU INTERPRETE Corre corre meu suspiro Mais veloz que o pensamento Como o raio pelo vento Vem ligeiro a murmurar!... Não te assuste da procella O ronco iroso e tremebundo Vai meu suspiro profundo, Corre, vôa sem parar. Tem coragem, tem a força Destes meus amores vastos De Elvira nos seios castos Minha maguas vai depor; Vai contar-lhe quantas vezes Da saudade na essência Hei carpido a dura ausência Deste nosso santo amor. É virgem formosa de faces coradas Cobertas, cercadas – de brilho e fulgor; Seus olhos tão negros, são bellos, formosos Lançando ditosos – mil chamas d’amor. São longos, macios, são lindos, são bellos Os negros cabelos – que os hombros sustém; Seu collo é mimoso, gentil, engraçado Pulsando apressado – ora brando tambem. Seus lábios são rubros são qual, meiga, rosa Que vemos mimosa – nos campos florir; Seus dentes formosos, seus dentes de neve Se mostrão n’um breve – n’um doce sorrir. Nem de Dante a meiga virgem Nem de Tasso a Leonor, Encerravão tanto amor Tanta graça e gentileza; Nem Valliére, nem Natercia, Do malfadado Camões, Tinhão mais inspirações, Mais primores, e belleza. Mais veloz que o pensamento, Como o raio a desabar, Vai meu suspiro a voar Sempre altivo sem temores!.. Não te assustes da procela Ao iracundo som voraz Vai meu suspiro onde jaz Minha Elvira, meus amores. 22-12-61 M. A. Pinto de Sampaio (213)
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a fase de extensa produção poética de Manuel antonio Pinto de sampaio resultou não apenas em poesias avulsas nos jornais maranhenses, mas se materializou também em livros como Páginas íntimas (1863), Folhas dispersas (1863), Voo d’alma (1865), contendo suas poesias inéditas. ocorre então uma mudança em sua vida com o despertar para a arte fotográfica, talvez consequência de convivência com mestres experientes que passaram pela capital maranhense. a ocasião de partida para a nova profissão pode ter sido o pequeno aviso de instalação, em julho de 1866, da sua Photographia Central, na rua gonçalves dias, n. 86, em são Luiz. PHOTOGRAPHIA CENTRAL - Pinto de Sampaio – Rua Gonçalves Dias n. 86. (Defronte da Igreja de Santa Anna) (214) novos anúncios, promovendo o ateliê maranhense, são publicados em agosto e novembro, com repetição deste último até julho de 1867, quando lhe sucede nesse mesmo endereço o retratista antunes da Motta Junior, procedente da Bahia:
PHOTOGRAPHIA CENTRAL Pinto de Sampaio N. 86 – Rua Gonçalves Dias – 86 N. Acaba de chegar para esta nova officina de photographia, um rico e variado sortimento de quadros ricamente enfeitados, passepartouts, e caixas de todos os tamanhos, que se vendem a commodo preço. Maranhão 8 de agosto de 1866. (215) Photographia Central Pinto de Sampaio n. 86 Rua Gonçalves Dias n. 86 Neste novo estabelecimento de fotografias completamente montado, encontrará o publico um rico e variado sortimento de passepartouts, caixas, quadros dos melhores e mais delicados gostos, e em trabalho photographico perfeito, prompto e delicado Preços fixos. Retratos para cartas ou bilhetes de visita 10025$000. Idem idem para álbuns 1210$000. Idem idem para lenços 1260$000. Das 8 horas da manhã às 2 da tarde. Maranhão 10 de Novembro de 1866. (216)
PHOTOGRAPHIA ARTISTICA Pinto de Sampaio 42 – RUA FORMOZA - 42 Tendo chegado para esta officina por este ultimo vapor, um gande e excellente sortimento de drogas muito finas, agente essencial para a boa sahida dos retratos, avisa ao respeitável publico, o proprietário da mesma officina, que tem agora, além dos bons preparados, uma excellente machina ingleza, pelo que o seu trabalho será feito d’ora em diante com todo o aceio e perfeição e sem ter receio algum de achar quem possa competir nesta cidade, com a delicadeza e semelhança dos seus retratos. Tirão-se retratos todos os dias das 9 horas da manhã ás 2 da tarde. A galeria achar-se-há sempre aberta para todas as pessoas que quizerem examinar os retratos. Todos os retratos são de pessoas desta terra. (217) em 1869, quando se transferira para a rua amélia (atual rua senador Pompeu), 49, anunciava como novidade fotos em cores naturais, por novo processo de colorido por Johann Brindseil, pintor alemão que vimos no capítulo 8. nesse novo endereço o artista Pinto sampaio permaneceu pelo menos cinco anos:
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PHOTOGRAPHIA N. 49 – RUA AMÉLIA – N. 49 PINTO DE SAMPAIO Retratos das 9 ás 2 horas da tarde. Novo processo de colorido por Brindseil, cores naturais. PREÇOS 12 retratos.... 10:000 6 retratos ´ ´ ´ ´ ´6:000 COLORIDOS: 12 retratos....16:000 6 retratos... 10:000 (218) a longa carreira de Pinto sampaio segue pelos anos 70, com registros públicos de sua ativa dedicação à arte fotográfica. Há pelo menos uma viagem para teresina, capital do Piauí, onde na rua da gloria, em1872, instala a sua Photographia: PHOTOGRAPHIA Pinto de Sampaio Nº - RUA DA GLORIA – Nº RETRATOS 12 Retratos em cartões de visita... 12$000 6 Ditos........ 6$000 Grupos, conforme o ajuste. RETRATOS EM PONTO GRANDE 1 Retrato em quadro grande, dourado....25$000 Albuns, quadros, passepartouts Quadro allegorico da emancipação elemento servil de 1 ½ palmo de tamanho. 3$000 Garante-se um trabalho perfeito, nítido e durável, muito superior ao de todos os photographos que até hoje aqui teem trabalhado, e a não ser assim deixarei de receber a paga dos meus trabalhos. Theresina, 20 de fevereiro de 1872. (219)
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PHOTOGRAPHIA Pinto de Sampaio Nº 39 – RUA AMELIA – Nº 39 Acaba de receber um grande e variado sortimento de excelentes drogas dos melhores fabricantes de França e de Inglaterra, assim como uma caixa de finíssimas tintas líquidas próprias para colorir retratos ao natural tanto para cartões de visita como para retratos em ponto grande. É um systema novo ultimamente inventado na Allemanha, e tão bello, perfeito e durável que sem duvida há de satisfazer ao gosto mais exigente das bellas e elegantes cearenses. OS SRS. PHOTOGRAPHOS do interior encontrarão neste estabelecimento por modico preço, tudo o que for tendente à Photographia. Ceará 1º de Julho de 1874. (222) anúncio de 1873, novamente em fortaleza, além de reafirmar a sua superior qualidade, revela que reconhece e se curva à exigência do freguês, delicado problema enfrentado por todos os retratistas comerciais, garantindo que “só se entregarão os retratos a contento dos fregueses”. PHOTOGRAPHIA Pinto de Sampaio N. 83 – RUA AMELIA – N. 83. Retratos de novo systema. Garante-se que são os melhores que tem apparecido até hoje nesta capital pela sua perfeição, belleza e duração. Só se entregão os retratos a contento dos freguezes. Acha-se aberto o estabelecimento todos os dias desde ás 9 horas da manhã até ás 2 horas da tarde. (220) no ano seguinte, em avisos divulgados a partir de março, o prestigiado artista previne que atenderá até o fim de maio e que seguirá para sobral, próspera cidade do norte cearense, onde passará a desenvolver seus serviços. (221) retorna em julho para seu estúdio da rua amélia, com boas novas para a clientela. além de ter recebido excelentes drogas da frança e inglaterra, e finíssimas tintas líquidas para colorir retratos, estava agora adotando “um sistema novo ultimamente inventado na alemanha”, que satisfazia plenamente “o gosto mais exigente das belas e elegantes cearenses”:
a alusão aos fotógrafos do interior chama a atenção para a existência de retratistas itinerantes ou amadores trabalhando nas principais cidades do território cearense. não havendo periódicos que preservassem seus nomes ou por deliberada opção de anonimato, talvez fugindo a obrigatoriedade de pagamentos de tributos, há uma legião de esquecidos na história da fotografia brasileira. a notícia indica também que a galeria fotográfica de Pinto de sampaio praticava o comércio de material para a difícil e emergente profissão. o artista da câmera passa a figurar na história citadina e nas estórias de humor popular. em tom jocoso, o periódico Cearense descreve um longo fictício diálogo entre a autoridade policial e um deputado, personalidades da política dominante, e o retratista, a seguir resumido: Domingo passado apresentaram-se no estabelecimento photographico do Sr. Pinto Sampaio o Garcia da Polícia e João Felippe da Situação, com o fim de se faserem retractar em grupo. Nessa ocasião abriu-se um caloroso debate entre os dous crustáceos e o retratista. O João Felipe era de parecer que se deviam retratar sem mãos, o Garcia opinava que as mãos deviam aparecer, mas que o Sampaio fizesse com q’ellas sahissem inteiras, adicionando-lhes algumas excrescências à pincel.
- Pois Drs., os Srs. não veem que isto é um disparate! Minha machina não sabe fazer mãos, mas apenas copial as. A arte apesar de seus incontestáveis progressos ainda não pode endireitar o que a natureza encurtou. Vs. Ss. sabem latim e por tanto devem conhecer o aforisma de Hipocrates – quod natura datur nemo negare potest. Ora deixes de latinórios homem. O que queremos é que nos arranje a cousa de modo que possamos aparecer em publico sem escândalo. E eu, ajunta o João Pistolla já muito amarrotado, quero alguma couzinha mais. O Sr. Tem que me perfilar este corpinho todo qu’me bole em virtude da frouxeira de nervos que sofro deste que vim ao mundo. Sr. Dr., responde o Sampaio com as mãos na cabeça, quem torto nasce torto morre. A photographia não faz milagares. Se o Sr. quer endireitar a giba e as canellas, vá ao mestre Spears; elle que lhe bote um contraforte de aço ou lhe metta por ahi umas escoras de Sabiá. (...) (223) o ano de 1874 é finalizado com novos avanços em qualidade dos retratos produzidos por Pinto sampaio. ao crescimento do interesse por fotos colorizadas ele promete “retratos coloridos ao natural e com todas as cores dos vestuários”. (224) o poeta-retratista coleciona mais êxitos no ano seguinte, importando o melhor para seu desempenho, desde os preparados químicos necessários para seus cartões esmaltados e fotos grandes em cores naturais, como uma “excelente máquina rápida e de finíssimas lentes”. o estúdio aparece como localizado no antigo endereço da rua amélia, e agora também rua das flores (atual rua Castro e silva): PHOTOGRAPHIA PINTO DE SAMPAIO RUA AMELIA N. 39 RUA DAS FLORES N. 38 Acaba de receber da Europa pelo ultimo vapor um optimo sortimento das melhores drogas para photographia, papel albuminado superfino para retractos, tintas extra finas para colorir natural, cartões de papel marfim assetinados, e uma excellente machina rápida, clara e de finíssimas lentes. RETRACTOS Das 9 horas ás 2 da tarde. (225)
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23 em março de 1877, após uma temporada trabalhando na importante cidade costeira de aracatí, abre seu estúdio fotográfico em novo endereço, à rua formosa n. 12, retomando suas atividades em fortaleza. os novos anúncios indicam a plena dedicação do artistas à profissão:
gratuitamente pelo poeta-fotógrafo Manoel antonio Pinto de sampaio, a escrava Justina. fortaleza era proclamada a Terra da Luz,, primeira capital da província a extinguir a escravidão no Brasil.
1868
LeaL & Cia.
João José Leal, português egresso da América, instala nova galeria
PHOTOGRAPHIA PINTO DE SAMPAIO 12 – Rua Formoza - 12 Acha-se novamente aberto este muito acreditado estabelecimento com um vasto e importante ATELIER, e um material inteiramente novo, tanto em machinas dos melhores opticos ingleses e alemães, em cartões finíssimos para visita, quadros, passepartouts e cartões imperiais; como em puras e escolhidas drogas para a perfeita delicadeza, nitidez e bellos tons dos retratos. Grande redução! 12 Retratos em finos cartões de visita... 6$000 12 Retratos esmaltados (ultimo gosto)... 12$000 Retrato grande e quadro........ 15$000 Todos os dias das 10 da manhã às 2 da tarde. (226) o primeiro fotógrafo de longa presença profissional em fortaleza, tinha residência nos anos 1880, na rua Major facundo, nº 25, como aparece na tributação predial. nesse período ele pode assistir e participar de um belo e memorável dia da história da cidade. no dia 24 de maio de 1883, como resultado dos anos de lutas do movimento abolicionista cearense, estava preparada a libertação de todos os escravos da cidade, cadastrados previamente por rua e quarteirão, com os seus respectivos proprietários. seria extinto o abominável comércio negreiro, onde os de melhor figura e com todos os dentes eram disputados como investimento de capital. a festa fora assegurada com os donos de cativos sendo ressarcidos de perdas financeiras pelos pecúlios dos escravos, pagamentos pelas sociedades abolicionistas ou cidadãos beneméritos, mas, a grande maioria libertada gratuitamente pelos seus senhores. ao entardecer, coroando dois dias de festas, foi formalizado o instante redentor da libertação de todos os escravos da capital. e dentre esses, libertada
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205. O Sol, Fortaleza, ano VI, nº 356, domingo, 22 Nov. 1863, p. 3. 206. O Juiz do Povo, Fortaleza, ano I, nº 16, 6ª feira, 29 Nov. 1850, p. 3-4. 207. Cearense, Fortaleza, ano VI, nº 503, 5ª feira, 13 fev. 1863, p. 3. 208. Cearense, Fortaleza, ano XVIII, nº 1634, 6ª feira, 8 Jan. 1864, p. 4. 209. Cearense, Fortaleza, ano XXII, nº 2610, 3ª feira, 28 Abr. 1868, p. 1. Mesma notícia no Jornal do Ceará, ano I, nº 93, 4ª feira, 29 Abr. 1968, p. 2.; e no Pedro II, Fortaleza, ano XXVIII, nº 91, 4ª feira, 29 Abr. 1968, p. 2. 210. Cearense, Fortaleza, ano XXII, nº 2629, 4ª feira, 20 Mai. 1868, p. 1. 211. Cearense, Fortaleza, ano XXII, nº 2629, 4ª feira, 20 Maio 1868, p. 3. 212. Cearense, Fortaleza, ano XXII, nº 2640, 4ª feira, 6 Jun. 1868, p. 3. 213. Publicador Maranhense, São Luís, ano XXI, nº 4, 3ª feira, 7 Jan. 1862, p. 2. 214. Publicador Maranhense, São Luís, ano XXV, nº 175, Sábado, 21 Jun. 1866, p. 3. 215. Publicador Maranhense, São Luís, ano XXV, nº 180, 4ªfeira, 8 Ago. 1866, p. 3. 216. Publicador Maranhense, São Luís, ano XXV, nº 257, sábado, 10 Nov. 1866, p. 3. 217. Pedro II, Fortaleza, ano XXVIII, nº 262, 5ª feira, 10 Dez. 1868, p. 3. 218. Pedro II, Fortaleza, ano XXIX, nº 125, 6ª feira, 11 Jun. 1869, p. 4. 219. A Imprensa, Teresina, ano VII, nº 345, 6ª feira, 12 Fev. 1872, p. 4. 220. Pedro II, Fortaleza, ano XXXII, nº 72, 3ª feira, 15 Jul. 1873, p. 3. 221. Cearense, Fortaleza, ano XXVIII, nº 27, 5ª feira, 31 Mai. 1874, p. 5. 222. Cearense, Fortaleza, ano XXVIII, nº 53, 5ª feira, 2 Jul. 1874, p. 4. 223. Cearense, Fortaleza, ano XXVIII, nº 64, domingo, 9 Ago. 1874, p. 3. 224. Constituição, Fortaleza, ano XIII, nº 1, 6ª feira, 1 Jan. 1875, p. 4. 225. Constituição, Fortaleza, ano XIII, nº 46, domingo, 2 Mai. 1875, p. 3. 226. Cearense, Fortaleza, ano XXXI, nº 19, domingo, 4 Mar. 1877, p. 5.
o espírito da população de fortaleza é de euforia patriótica, após três anos vividos em apreensões sobre sangrentos combates na frente de guerra no Paraguai, onde cearenses deram suas vidas como Voluntários da Pátria e também faleceu o general antonio de sampaio, cuja memória foi preservada como Patrono da arma de infantaria do exército brasileiro. o ano de 1868 foi palco de manifestações festivas a cada notícia de eventos bem sucedidos enquanto as tropas aliadas, do Brasil, argentina e Uruguai, avançavam para o fim do conflito. Quando passavam por aqui com suas câmeras fotográficas os retratistas M. P. godrich, e. K.
Hough, Pinto de sampaio e o português Leal, a cidade estava em festa e as ruas eram tomadas por passeatas cívicas, sob a explosão de girandolas, com bandas de músicas, bandeiras, e aquecidas por discursos inflamados de júbilo. a cada navio do sul com os jornais da Corte detalhando os combates e as vitórias o povo em desfile percorria o centro da cidade, adequadamente iluminado para as comemorações. assim foi com a tomada pelo exército aliado da fortaleza de Humaitá e nos sucessos das batalhas de itororó, avaí e Lomas Valentinas. a imprensa registrou para a história esses momentos iniciais de um ano de vitórias:
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É nessa cidade de espírito festivo que aparece o retratista Leal profissional que procederia dos estados Unidos da américa. a primeira notícia refere-se apenas a um sr. Leal que estaria instalando um estabelecimento fotográfico, mas, quando dois meses depois surgem seus anúncios ele tem um sócio e assina Leal & Companhia. aprofundamos as pesquisas que nos conduziram à sua identificação e do seu provável associado. os achados permitiram também ter comprovada sua nacionalidade portuguesa e traçar um breve perfil, como veremos depois. o noticiário de primeira página do periódico Cearense comenta visita feita ao gabinete fotográfico, diz a procedência e exalta a competência do seu proprietário, festejando o fato de “o Ceará apesar da guerra e de outros obstáculos não cessa de continuar no caminho da civilização”:
Primeiro empreendimento de João José Leal, no Ceará: Polyorama London a gás oxigênio (1865).
Regosijo publico. – Os dias 11 e 12 do corrente foram de verdadeiro jubilo para a população d’esta capital. Desde que o “Cruzeiro do Sul” safou a ponta do Mocuripe mostrando-se garbosamente embanderado de prôa a pôpa, que toda a cidade agitava-se, e como por um poder mágico, os animos abatidos, pelo prolongamento da guerra, despertaram para festejar a grande noticia do triumpho de nossas armas contra as muralhas de Humaytá. Logo que em terra chegou tão feliz nova, esta derramou-se por todos os angulos da cidade, e não se ouvia mais senão o troar das girándolas que subiam ao ar de diversos pontos; o contentamento via-se estampado em todos os semblantes. Immediatamente as repartições publicas feixaram-se por ordem da presidencia; os consulados insaram seus estandartes; as ruas enfeitaram-se de immensidade de bandeiras; a fortalesa de N. S. d’Assumpção deu tres salvas: tudo era prazer e contentamento.
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Á noite percorreram as ruas da cidade diversas passeiatas, dando vivas ao exercito, a armada, ao imperador, etc. O nosso illustrado amigo, o Sr. Dr. José Julio improvisou um importante e eloquente discurso, dictado pelo mais puro patriotismo, arrancando fervorosos aplausos da grande multidão que o ouvia. Tambem o nosso amigo e distincto poeta, o Sr. Juvenal Galeno, recitou uma linda poesia que esteve na altura do assumpto, sendo grandemente victoriado. O club deu uma partida extraordinaria, que, segundo consta-nos, esteve explendida. No dia seguinte ainda houve uma grande passeiata á noite, e no palacio da presidencia deu-se uma partida que foi muito concorrida. Foram pois dous dias cheios de prazer para esta população que vivia acabrunhada por esse marasmo que produz o longo esperar. (227)
NOTICIARIO Photographia Leal. – Tivemos occasião de entrar hontem no estabelecimento photographico, que está preste a abrir o sr. Leal, chegado há pouco dos Estados-Unidos, aonde não poupou nem despezas, nem trabalhos, para trazer aqui, o que na arte photographica há de melhor e mais moderno. Com effeito duvidamos, que no Brasil, fora de Rio de Janeiro haja outro estabelecimento tão perfeito n’este gênero e talvez lá mesmo não exista superior. Está engajado o Sr. João Brindseil para colorir as photographias sobre papel, porcellana, óleo, sobre aquarella ou outro qualquer methodo até hoje conhecido. Convidamos, pois, os nossos patrícios, para concorrerem a esse estabelecimento, que nos mostra, que o Ceará apezar da guerra e de outros obstáculos não cessa de continuar no caminho da civilisação. (228) a referência ao alemão pintor Johann Brindseill, já comentado em capítulo anterior, que mais uma vez aparece como colorizador de retratos, talvez possa ser o sócio oculto no nome da firma. Quanto a Leal, ao ressurgir em notícia parece ser o citado sócio gerente da firma chegado de New-York. entre a anunciada instalação em julho e a efetiva abertura no domingo 18 de outubro, a galeria Photographica
de Leal & Comp. levou quatro meses de preparação, o que deve ter exigido esforço pessoal e investimento consideráveis no estúdio, equipamentos e em materiais para revenda como Stereoscopes, molduras, passepartouts e caixas para fotos. a boa nova revela os vínculos do fotografista com a terra, anunciandose como Photographia Permanente, qualificada a grande variedade de serviços, como a novidade de vistas esterocópicas, cópias e reproduções, e fotos em ferrotipo, ambrotipo transparente, marfim, porcelana, lenços de linho, cartões de visita: GALERIA PHOTOGRAPHICA DE LEAL & Comp. O sócio gerente da firma acima mencionada, há pouco chegado de New-York, fará no domingo 18 do corrente, a abertura de sua Photographia Permanente, á rua da Palma n. 110 – onde funccionará todos os dias, desde as 10 horas da manhã até 5 da tarde. 1o Em ferro-typo. 2o Em ambro-typo transparente. 3o Em marfim. 4o Em porcelana. 5o Em lenços de linho. 6o Em cartões de visita.
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7o Copias e reproducções de todo o gênero. Prestar-se-há também a chamados para tirar o retrato de qualquer anjo ou defunto. Tirará igualmente a vista de qualquer panorama, ou edifício, quer dentro quer fora da cidade para Stereoscopes. N. B. As chapas ou negativos, ficarão archivados para reproducções. PREÇOS FIXOS Cartões de visita (dúzia)10$000 Meia dúzia 6$000 Ditos de busto (duzia)12$000 Meia dúzia 7$000 Cartões Imperiaes (um) 4$000 Dous ditos 6$000 Ditos em busto 5$000 Dous ditos 8$000 Bustos em oval dourado (um) 8$000 Ditos em dito, maior10$000 Bustos com passeportout e vidro (um)25$000Ditos em porcelana20$000 Caixas com retratos de porcelana, a 25, 20, 15, 12 e 10$000 Caixas com retratos de ferro-typo, a 3, 4, 5, 6, 7, e 10$000 Retratos em ferro typo, do tamanho de cartões de visita, com envellope (duzia)10$000 Meia dúzia 6$000 Ditos em cartões bordados com o retrato no outro em busto (dúzia) 8$000 Meia dúzia 5$000 Caixas com retratos de ambro-typo transparente uma10$000 Caçoletas ou alfinetes de peito (um) 5$000 Além dos mencionados objectos existem na mesma galeria um sortimento de Stereoscopes, molduras, passeportouts e caixas do ultimo gosto. N. B. – Os retratos são pagos na occasião da entrega. (229) Leal & Comp. apresentavam-se efetivamente como qualificados a concorrer com o competente Pinto sampaio, já instalado em fortaleza, ou qualquer outro retratista itinerante. acrescente-se a novidade como revendedores de objetos e materiais concernentes à fotografia, a oferta de imagens dos
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os planos de um estabelecimento fotográfico permanente, apesar dos êxitos iniciais do empreendimento, desaparecem a partir do início de 1870, quando as instalações da ria da Palma, 110, passam ao controle do retratista itinerante ágio Pio Pedro, que apresentaremos em outro capítulo. o curioso é que, durante os dez meses iniciais, ele colocara à venda pertences de Leal & Cia., como consta em sua publicidade, incluindo objetos fotográficos, quadros para sala; passe-partouts; caixas de massa e de velludo, bustos para sala, porcelanas... no dia 27 de outubro de 1870, efetua-se o leilão dos pertences da Photographia Leal & Comp.:
Jesuino de alcantara Vianna. acervo Prof. Carlos Viana.
Verso de carte-de-visite.
panoramas e prédios da cidade para uso em stereoscopes – tecnologia abordada em futuro capítulo, e o atendimento para fotos de pessoas falecidas – anjos e defuntos,, o que foi uma tradição das elites e classe média até meados do século XX, que organizavam os velórios na sala principal de suas casas e desejavam preservar a imagem dos entes queridos no leito de morte. as dificuldades iniciais na identificação do nome completo do retratista Leal, repousava na constatação de ser este um nome de família bastante comum na província. algumas ideias sobre ele são sugeridas na descoberta de uma carta a jornal local, assinado com o cognome Um Cearense,, pelo conhecimento do artista que o autor revela. Podese afirmar que o sr. Leal viera para fortaleza para aqui fixar residência, que tinha empenho profissional e talento artístico, e em curto tempo adquirira profundos conhecimentos da arte de tirar retrato. era portanto novo na profissão.
o texto a seguir com a omissão dos dois parágrafos iniciais perdidos parcialmente pela fragmentação do jornal, diziam da grande concorrência na abertura do estabelecimento fotográfico no dia 18 de outubro de 1868, a atenção e delicadeza do artista, e a aceitação geral dos bustos deslisados em cartões e ferro-typo, trabalho inteiramente novo entre nós nós. segue o autor da carta: (...) Como cearense he-nos grato dar agradecimentos ao Sr. Leal, por ter conseguido montar no Ceará um estabelecimento tão importante. Homem trabalhador e talento verdadeiramente artístico, o Sr. Leal conseguiu, n’um curto espaço de tempo, profundos conhecimentos na difícil arte de tirar retratos. Continue, pois, em suas investigações sobre tão útil arte que o povo cearense saberá compensar os seus esforços, e a sincera amizade, que vota a este torrão, que escolheu para sua residência. Um Cearense. (230)
LEILÃO POR INTERVENÇÃO DO AGENTE JATAHY HOJE 27 do corrente, ás 11 horas do dia DA ANTIGA PHOTOGRAPHIA LEAL & COMP. À rua da Palma n. 110 - Constando de Machinas para tirar retrato, machinas de fantasmagoria, drogas, quadros, mezas, cadeiras, fiteiros, carteiras, sofás, mezas de meio de salla, cômodas, cadeiras de braços, espelhos, lamparinas, && em consequência de ter seu proprietário de ir a Europa. (231) em novembro de 1870, agora instalada na Praça Municipal (atual Praça do ferreira), 36, a antiga galeria de Leal & Cª, desaparecia em definitivo e dava espaço para o surgimento de agostinho José de frança, mais um fotógrafo que será lembrado na história da cidade. não se comprovam os passos dados por Leal, nem se foi à europa, após o encerramento dos serviços na capital. sua presença 4 anos depois, em Cascavel, em região costeira próxima à capital cearense, é revelada em tumultuada substituição do vigário da cidade. no comentário da imprensa pode-se confirmar sua nacionalidade portuguesa e um alto grau de envolvimento nos assuntos locais, onde certamente residia
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24 o retrato na era da fotografia
e exercia profissão. diz o correspondente do periódico fortalezense:
A evolução do daguerreótipo à ambrotipia
Por ocasião da posse do novo vigário padre Laurindo Ferreira Douétes, o portuguez Leal que ahi foi retratista, teve a imprudência e ousadia de fazer na matriz um discurso incendiário, taxando de illegal o procedimento do Sr. conego vigário geral d’aqui, e concedido a exoneração ao padre Luiz. (...) Que o vigário geral, disse Leal, commetera um crime de lesar dignidade. Depois de Leal subiu à tribuna sagrada o delegado de policia (!) que abundou nas mesmas considerações, afim de obstar-se a posse do novo parocho que já se achava felizmente empossado. (232) a identidade do retratista português Leal, após prolongados exames do contexto na história dos espetáculos nessa em fortaleza, foi finalmente decifrada. ele aqui estivera, em dezembro de 1865, com uma lanterna mágica e uma bem estruturada linha de espetáculos. À frente de sua empresa, denominada Polyorama London à Gaz Oxigenio, assinando apenas como Leal, alcançou sucesso nas apresentações no Theatro Thaliense, em que mesclava projeções luminosas de vistas e fantasmagorias. no início de 1866, ainda no Theatro Thaliense, geralmente ocultando seu nome, ele enfim é identificado como autor e intérprete – ator e cantor - de cenas dramáticas e diálogos teatrais, oportunidade em que põe em cena a que provavelmente foi a primeira atriz teatral cearense. o espetáculo por ele encenado era composto por três peças de sua autoria: A zuava Brasileira, O matuto patriota e A serrana. na montagem do espetáculo ele contracenava com Custodia florentina Cabral, “jovem honesta cearense” – ressalva necessária para quem iria enfrentar o forte preconceito que afastava a presença feminina dos palcos. Complementava o espetáculo o Poliorama e fantasmagorias já apresentadas por ele. afinal, em um único comentário aparece seu nome completo: João José Leal. ao que tudo indica ele já se familiarizara com a terra e pretendia aqui se estabelecer. no dia 29 de maio de 1866, ele cria uma sociedade teatral, como consta na notícia da época:
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Recreio Dramático – Assim denomina-se uma sociedade particular installada ante-hontem, n’esta capital, sob a direção do Sr. João José Leal. Esta sociedade pretende dar alguns espectaculos no theatro Thaliense, proporcionando nos d’este modo alguns momentos de distração. Fazemos votos pela sua duração. (233) no intervalo entre essas atuações nos espetáculos cênicos em fortaleza e o seu retorno como fotógrafo habilitado, pode ter ocorrido a sua viagem aos estados Unidos. o retratista lusitano João José Leal, responsável por essa importante contribuição à fotografia em fortaleza, reaparecerá ainda em capítulo sobre as projeções luminosas e no próximo livro que dedicaremos à Lanterna Mágica e o pre-cinema na capital cearense.
227. Cearense, Fortaleza, ano XXII, nº 2586, sábado, 14 Mar. 1868, p. 1. 228. Cearense, Fortaleza, ano XXIII, nº 2669, 5ª feira, 23 Jul. 1868, p. 1. 229. Pedro II, Fortaleza, ano XXIX, nº 218, sábado, 17 Out. 1868, p. 4. 230. Pedro II, Fortaleza, ano XXIX, nº 230, sábado, 31 Out. 1868, p. 2-3. 231. Pedro II, Fortaleza, ano XXXI, nº 229, 5ª feira, 27 Out. 1870, p. 4. 232. Cearense, Fortaleza, ano XXVII, nº 24, domingo, 22 Mar. 1874, p. 2. 233. Cearense, Fortaleza, ano XX, nº 2100, 5ª feira, 31 Mai. 1866, p. 1.
Louis Jacques Mandé daguerre (1787-1851). fonte: daguerre, L. Historique et description des procédés du daguerréotype et du diorama. nouvelle édition corrigeé et augmentée du portrait de l’auteur. Paris: alphonse giroux et Cie., 1839.
através de séculos, a tradição seguida pelos artistas plásticos, desenhistas e pintores em exercitar a difícil arte do retrato, confere à posterioridade um rico acervo de obras produzidas por lápis e pincéis que imortalizaram seus autores e estão preservadas nos museus, memoriais e nos acervos particulares. o advento da fotografia, em 1839, com o primitivo daguerreótipo e os aperfeiçoamentos que se seguiram, um salto qualitativo na produção de imagens, provoca o mais vivo entusiasmo e desperta livre debate sobre as perspectivas abertas pela nova técnica e o impacto sobre a arte da pintura e o desenho tradicionais. a reflexão sobre o tema, nos dois decênios iniciais da fotografia, contribui para a percepção das incertezas na transição do retrato tradicional, criação dos pintores hábeis, para os produtos de uma revolucionária tecnologia de retenção e reprodução de imagens que gerava uma nova categoria de artista. surgiam os retratistas que, por essa época, se identificavam como daguerreotipistas
e, logo a seguir, a partir da difusão do neologismo fotografia, criado pelo inglês John frederick William Herschel (1839), reconhecidos como fotografistas ou fotógrafos. o retrato fotográfico que surge com o processo criado pelo pintor francês Louis Jacques Mandé daguerre, em 1839, no que pesem as deficiências das primitivas chapas de cobre polido, sensibilizada por uma camada de iodeto de prata, era o portal de uma deslumbrante e contínua evolução. a criação de daguerre, que mundialmente se expandiu sob a denominação de daguerreotipia, em pouco tempo superaria as suas limitações, como não permitir a produção de cópias, e a necessidade das chapas metálicas serem guardadas em estojos ou caixas. a introdução no Brasil do revolucionário invento deu-se rápido, graças à chegada ao rio de Janeiro, no dia 6 de janeiro de 1840, da corveta franco-belga L’Orientale. o capelão desse navio-escola que percorria o mundo, o abade Louis Compte trazia uma
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câmera de daguerre e foi o seu divulgador e introdutor em várias escalas de sua longa e histórica viagem. a fotografia chegava através das primeiras vistas por esse processo feitas na capital do império brasileiro, a que se seguiu uma demonstração para o imperador d. Pedro ii, então com 14 anos de idade. o jovem monarca tornou-se de imediato um aficionado da novidade, dois meses depois já adquirira um aparelho em Paris e deixa seu nome na história como o decisivo patrono da arte em nosso território. a novidade tecnológica iria se popularizar predominantemente como um meio de produzir retratos, sendo pioneiros comercialmente instalados na capital do império, em 1842, os americanos augustus Morand & smith, e como ativo introdutor da daguerreotipia em fortaleza, em 1847, o irlandês frederick Walter. nos 10 anos seguintes a capital cearense familiariza-se com o sistema daguerre, através do francês augustin Letarte, o luso-cearense Joaquim José (insley) Pacheco, no seu retorno dos estados Unidos, antonio César de faria Villaça e João B. thoma. não demora e a evolução se impõe com a descoberta de novas técnicas para produção de imagens. Viria a seguir o sistema patenteado pelo americano James ambrose Cutting, em 1854, que utilizava um negativo de vidro sensibilizado por sais de prata, permitindo uma imagem única, transformada em positivo quando montada sobre fundo negro. o novo processo denominado ambrotipia (do grego, ambro – imperecível), mesmo não assegurando a pretensa eternidade das imagens, oferecia custos menores e domina o mercado da fotografia. o luso-cearense Joaquim insley Pacheco, então Fotografista da Augusta Casa Imperial, aparece com destaque na introdução comercial da ambrotipia no Brasil, anunciando os Magníficos retratos em vidro ou o Systema Ambrotypo: Joaquim Insley Pacheco (...) confia que todas as pessoas que o obsequiarem indo alli fazer retratos ou aos seus mais caros objectos de affeição, ao verem a perfeição, a belleza e a fidelidade com que suas formas são impressas sobre vidro pelos puros raios da luz, indicarão as suas amizades e relações que procura a casa n. 40, da rua do Ouvidor. (234)
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as limitações da chapa original que não permitia cópias, e abrindo novas possibilidades para crescimento do mercado e do potencial de uma nova arte. os ambrotipistas já oferecem o atendimento para retratos em seis ou doze cópias, anunciam retratos coloridos, e além dos tradicionais atrativos estojos para fotos, a novidade dos luxuosos álbuns de retratos que se tornam comum nos lares cearenses. insley Pacheco é dentre todos, incontestavelmente, o que mais contribui para difundir o novo sistema e agita o elitizado mercado da corte imperial com o aperfeiçoamento da produção dos retratos em ambrotipia a cores. sua liderança criativa é ressaltada, em 1858, na primeira página do Diário do Rio Janeiro: de Janeiro
as agruras do luso-cearense Joaquim insley Pacheco no exercício da difícil arte do retrato fotográfico sintetizadas com humor pelo ilustrador-editor alemão Henrique fleuis (1823-1882). fonte: semana illustrada, rio de Janeiro, domingo, 3 de setembro de 1865, p. 4.
o mesmo já consagrado fotógrafo apresentaria o sistema ambrótipo em fortaleza, em 1859, quando programa um retorno à terra onde se iniciou profissionalmente. no anúncio que reproduzimos em capítulo próprio Pacheco diz que a” pedido de várias pessoas resolveu pôr em prática o sistema ambrótipo”:
O Sr. J. Insley Pacheco, retratista em ambrotypo, morador á rua do Ouvidor n. 40, acaba de pôr em pratica um importante melhoramento de sua invenção, o qual provavelmente eclipsará os retratos tirados a óleo, e é de certo um grande passo na arte photographica. Consiste este melhoramento em pintar os retratos sobre o vidro, colorindo-os de maneira a simularem perfeitamente os retratos a óleo, conservando-lhes entretanto o sombreado natural.
É o ambrotypo e a pintura dando-se as mãos para reunirem á fidelidade da copia a duração e a persistência das cores. Os retratos assim executados têm ainda a vantagem de ser muito mais baratos do que os coloridos pelos outros methodos photographicos. O primeiro trabalho do Sr. Pacheco faz honra ao seu talento e à sua atividade. O colorido é applicado pelo hábil artista em óleo e miniaturista Giovanni Buschetti. As pessoas que quiserem ter o seu retrato com todas estas vantagens, não devem perder tão opportuna occasião. (236)
Elogiar este novo methodo que pela primeira vez vai aparecer no Ceará, será supérfluo á vista de alguns especimens que podem ser examinados na residência do anunciante. (235)
a transição não é feita sem polêmica. nos debates há quem conteste a superioridade dos negativos sobre vidro, a exemplo do ocorrido no rio de Janeiro, obrigando Pacheco a vir a público em defesa da ambrotipia que introduzira naquela capital. recolhemos, como ilustração dessa divergência de opiniões, uma de suas respostas definitivas:
os retratos em ambrotipia, como vimos anteriormente, ganham grande visibilidade em fortaleza, em 1861, na publicidade do joalheiro e retratista francês Carlos aron, que proclama o fim da daguerreotipia: “o reflexo da Chapa Metálica está vencido. retratos de Photographia sobre o Vidro. nunca se apagarão!” a ele se seguem os fotografistas franceses fortuné ory, Michel e Justine norat, os artistas teatrais Lima & teixeira e Pedro ignacio de souza rabelo. a fase é consagradora para o novo sistema, superando
O respeitável publico do Rio de Janeiro se lembrará de ter lido, há pouco tempo, algumas invectivas que o despeito e o espirito de systema fez publicar em alguns artigos a pedido nos jornaes desta corte contra o methodo de photographia sobre vidro denominado – Ambrotypo. A verdade combatida mais luminosa se torna, mais victorias alcança; é como o ouro que no fogo se purifica, como a Phenix que das cinzas renasce mais bella, e sempre imortal. É o que aconteceu ao ambrotypo. Seu credito se fortificou na guerra que contra elle se pregou; os defeitos
Louis Compte, rio de Janeiro (1840). 1º daguerreótipo tirado na américa do sul.
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25 obter um retrato perfeito, igual ao do mais excellente pintor, por um preço bastante modico. É preciso ver as provas, admiral-as com os próprios olhos, para ficar de todo convencido que não há nas nossas palavras exasperação nem vangloria. Temos a satisfação de sermos os inventores deste novo systema, que confessamos excedeu a nossa própria expectação; esta satisfação, porém, só póde avalial-a quem tem experimentado igual, quando vê seus esforços coroados de feliz resultado, e póde representar uma descoberta mais, ou nas artes ou na indústria, ou nas sciencias, ou em uma profissão em geral. Joaquim Insley Pacheco Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 1858. (237)
Homem sentado. n. i. Chapa metálica. fotógrafo n. i. acervo família Bezerra de Meneses.
que lhe quiseram attribuir, como falta de belleza, pouca duração, etc., ficaram destruídos, só existiam nas sombras de imaginações invejosas, e a evidência mostrou que eram puramente fictícios e falsos. Que o systema de ambrotypo é um grande progresso na arte photographica têm-no assaz demonstrado os trabalhos deste gênero tão bem e geralmente aceitos nesta grande capital, e a essas provas mais uma recente e magnifica se ajunta com o resultado de uma experiência que o nosso estabelecimento, rua dos Ourives n. 40, acaba de ser feita pelos esforços e estudos reunidos meus e do Sr. Giovanni Bruschetti, artista bem conhecido por varias producções suas bem acolhidas nesta corte, algumas das quaes tem sido expostas ao publico, entre ellas um retrato em miniatura de S. M. o Imperador. O ilustrado publico póde visitar no nosso estabelecimento de ambrotypo um retrato sobre vidro por este methodo, o qual reúne todas as vantagens da photographia às da pintura a óleo, de tal perfeição que nem a machina de Daguerre por si só, nem o pintor já com o pincel póde conseguir tanta similhança, tanta finura de contornos, nem tanta belleza. A isto acresce que se póde
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a ambrotipia, com uso da emulsão negativa sobre vidro, prevalece pelo menos por mais dez anos, dividindo o mercado e depois sendo suplantado pelo ferrótipo, uma fina chapa metálica revestida com esmalte negro, ambos viabilizados pelo processo criado pelo inglês frederick scott archer, com uso do denominado colódio úmido para sensibilização à luz. nessa fase inicial da fotografia, após a introdução em fortaleza por insley Pacheco, em 1859, estabelecem-se os ambrotipistas Michel norat, Lima & teixeira, Pedro ignacio de souza rabello, Janet fletcher, alcino gomes Brazil, firmino & Lins, e os americanos M. P. goodrich e e. K. Hough.
234. Correio Mercantil, Rio de Janeiro, ano XIV, nº 346, sábado, 10 Dez. 1857, p. 4. 235. Pedro II, Fortaleza, ano XIX, nº 1910, 4ª feira, 4 Mai. 1859, p. 4. 236. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ano XXXVIII, nº 15, domingo, 17 Jan. 1858, p. 1. 237. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ano XXXVIII, nº 15, domingo, 17 Jan. 1858, p. 2.
1870
gaLeria PHotograPHiCa de agio Pio Sucessor do lusitano Leal na Galeria Photographica
a fortaleza de 1870 tinha cerca de 20.000 habitantes. era uma bela capital de Província com presença internacional, incluíndo um expressivo núcleo de cidadãos de origem portuguesa. no porto desperta atenção navios das mais variadas bandeiras e a imprensa dá destaque ao inusitado, qual um indicativo de progresso, como a chegada da embarcação russa Atlanta: “supomos ser esta a primeira vez que no nosso porto flutua a bandeira da rússia.” (238) Como de resto no território nacional as tradições portuguesas estão fortemente presentes nas manifestações populares. algumas delas vão assumindo conotações negativas e sofrendo a condenação da sociedade. este é o quadro que se vê por dois decênios em relação ao entrudo, quando grupos percorriam as ruas com o uso abusivo das bisnagas de limão de cheiro e água de cuia. as frequentes manifestações agressivas dos bandos de entrudo, especificamente
contra pessoas que julgam desagradáveis, ganham a rejeição da sociedade com o rótulo de brincadeira selvagem, estúpida, grotesca e perigosa. a condenação do velho entrudo português abre espaço, entretanto, para um novo carnaval, o carnaval popular de máscaras e fantasias burlescas e extravagantes, com seletivos bailes de máscaras. as primeiras manifestações em fortaleza desses bailes mascarados ocorrem em 1854, no Theatro Thaliense, com aplauso da imprensa: “apenas divulgada a lembrança de partidas para o carnaval, nós o aplaudimos. É este o melhor corretivo do selvagem e perigoso entrudo, que de concomitância com saúdes arruinadas, sóe sempre operar desastres de toda a espécie.” (239) Quando o retratista agio Pio chega a fortaleza, a temporada carnavalesca é restrita aos grandes Bailes Mascarados e desfiles de fantasiados, sendo acolhida com aplauso a proibição do velho entrudo:
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Photographos, - Acabam de chegar á esta cidade os Srs. Ágio & Cª, insignes artistas, que na rua Amélia vão montar um estabelecimento photographico. Os Srs. Agio & Cª teem aprerfeiçoado os systemas modernos de sua arte, e portanto os recommendamos ao publico d’esta capital. (241) na semana seguinte, é aberto o estúdio na rua da Palma n. 110, uma continuidade ao que anteriormente desenvolvera o lusitano Leal. no primeiro anúncio os novos proprietários diziam atender a contratação de retratos em todos os sistemas e vendiam variado estoque de materiais certamente deixados pelo antecessor:
Mulher, busto. n. i. acervo de gerardo Chagas.
Entrudo. – A câmara municipal declara que é prohibido o brinquedo de entrudo, e venda de limas de cheiro etc. Os infractores da postura incorrem em multa de 8$, que se reproduzirá igualmente nas reincidências. Foi uma boa providencia, que põe o publico a salvo dessas aggressões perigosas, e muitas vezes fataes. (240) em torno do sucesso dos Bailes Mascarados, no ritmo do cancan, voluptuosas quadrilhas, galopes e valsas, desenvolve-se o comércio das máscaras e fantasias. até mesmo o ator Xisto Bahia, que suspendendo a temporada de sua empresa teatral para ceder o espaço do Theatro Thaliense, ingressa na venda de máscaras e o aluguel de vestimentas próprias para homens e senhoras no período de festas carnavalescas. a primeira grande notícia do ano, para os já numerosos aficionados dos retratos fotográficos, é a reabertura da galeria de Leal & Cia. o responsável pela iniciativa assina apenas agio & Cia. e por dez meses conduz com sucesso o seu empreendimento, quando o ateliê é leiloado e abre espaço para outro profissional. diz o Jornal de Fortaleza na edição de 13 de janeiro:
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GALERIA DE PHOTOGRAPHIA DE AGIO & COMPANHIA N. 110 – RUA DA PALMA – N. 110 - Entrada pela rua das Trincheiras Este estabelecimento pertencente outr’ora aos Srs. Leal & Companhia acha-se novamente aberto para trabalhar em todos os systemas até hoje conhecidos. A galeria está exposta diariamente aos visitantes que quiserem analysar o trabalho; e funccionará das 9 da manhã ás 3 da tarde inclusive domingos e dias santos. N’este estabelecimento se encontrará um variado sortimento de objectos photographicos, quer para dentro, quer para fora da capital; bem como uma longa serie de quadros para sala; differentes passe-portueris; caixas de massa e de velludo, tudo do ultimo gosto. Os bustos, para sala, porcelaneas, e copias, só á vista do freguez se fará preço. Também se tiram retratos de finados, fora da galeria a saber:Defuntos...................................... 50$000 rs. Ceará, 26 de janeiro de 1870. (242) Mas quem seria o retratista agio. no resultado de nossas buscas ele vai aparecer numa errônea citação em recife, como agio rio Pedro da fonseca, agio P. Pedro, agio rio e agio Pio Pedro, levando-nos à conclusão que são uma única pessoa e provavelmente fosse cidadão napolitano. Veremos a seguir, como desenvolvemos a linha tentativa de elucidação da identidade de mais um pioneiro da fotografia
Criança sentada. n. i. acervo arquivo nacional.
regional. o retratista é incluído no valioso Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro de Boris Kossoy no verbete Fonseca, Agio Rio Pedro da, tendo como base uma nota publicada no diário de Pernambuco, edição de 20 de maio de 1864, em que faz referência a ter trabalhado antes com os profissionais augusto stahl e a. W. osborne. (243) tratava-se de uma carta ao jornal, sobre uma notícia publicada no dia 18 de maio referente à visita de inspeção da ponte de são João sobre o Capibaribe, quando se diz ter sido “tiradas diversas vistas da mesma ponte, tanto em plano como em secções”, sem fazer citação ao nome do profissional. (244) na edição de 20 de maio, um leitor pede que seja dado crédito das “vistas a um moço comprovinciano” sr. agio rio Pedro da fonseca, revelando que atualmente era auxiliar do estúdio do americano a. W. osborne e que fora discípulo e anteriormente trabalhara por três anos com o renomado retratista alemão augusto stahl, atuante em recife desde os anos 1850. (245) nessa única notícia
encontramos o nome grafado agio rio Pedro, o que nos parece erro gráfico em seu segundo nome. o reforço dessa afirmação, foi encontrado por nós em anúncios publicados nesse mesmo ano, oferecendo a venda um “carrinho de 4 rodas para duas pessoas”, dando como endereço: agio P. Pedro, na rua do imperador, n. 38, “casa do retratista americano sr. osborne.” (246) É evidente que agio rio Pedro é o mesmo agio P. Pedro, forma abreviada do nome que também aparece nas listas de passageiros em viagens marítimas de recife a outros portos brasileiros. reforçando a correção do seu nome, temos uma primeira chegada a recife, ainda no ano de 1860, vindo do sul no vapor Tocantins, o passageiro agio Pio Pedro. (247) É com esse nome – agio Pio Pedro – que ele desenvolve atividades itinerantes em nosso território com sua Photographia Volante, marca que aparece no verso de suas fotografias. o nome é também simplificado para agio Pio quando ele se apresenta com estúdios fixos em algumas cidades. na passagem por fortaleza, no mês de junho, o artista faz promoção reduzindo preços para atrair o público, omitindo seu nome para apresentar-se apenas como o dono do estabelecimento: AOS AMADORES DA PHOTOGRAPHIA ATTENÇÃO!!! O dono do estabelecimento photographico da rua da Palma faz sciente aos seus numerosos fregueses, que d’ora em diante, os Srs. que tirarem uma dúzia de retratos em dito estabelecimento pelo preço abaixo, receberão um – passe-pour-tout – grátis. PREÇOS Cartões 1 dusia10$000 ½ dusia 6$000 3 cartões 4$000 Ferrotypo 1 dusia12$000 ½ dusia 8$000 3 copias 5$000 1 copia com quadro 3$000 Ambrotypo
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Um retrato em caixinha: de 5$ até 20$00 N.B. – Tira-se também retratos em chitas, sedas, etc. por 5$. (248) as atividades de agio Pio Pedro em fortaleza prosseguem até por volta de outubro, quando todo o acervo da antiga galeria Photographica de Leal & Companhia vai à leilão e é vendido para outro retratista. assumindo esse papel de itinerante, denominando-se Photographia Volante, nada é revelado sobre os caminhos percorridos. somente quando se instala em capitais de província com empreendimentos de maior tempo de permanência, ele aparece dando títulos a seu ateliê. É o que ocorre, em outubro de 1873, quando após passagem na cidade maranhense de Caxias, chega a teresina, Piauí, e denomina o seu estúdio de Photographia internacional. a publicidade no periódico o Piauhy é indicativa de bons negócios: ATTENÇÃO!!! Photographia Internacional, deregida por Agio Pio. Tem a honra de avisar ao publico d’esta capital, que em pouco tempo estabelece uma officina de photographia com todos os pertences precisos a bem servir a um publico conhecedor de bons trabalhos. Confiado na grande pratica de annos de trabalhos garante os melhores retractos que a esta capital tem vindo não só pelo brilho, e nessas de seus detalhes como nas agradáveis e elegantes posições. Não só trabalha nas meniaturas do systema – Grosat – como bello lustro que faz sobressair os retractos e nos melainetypos, trabalho peculiarmente americano, são tão lisos como vidro e delgados como papel, em New York fazem-se aos milheiros, pela prestesa com que são tirados e entregues. Como também um grande e variado sortimento de alguns, passipartuts, para serem collocados os retractos. A demora é concluir com a grande concurrencia que tem havido em Caxias. (249) a recuperação de um comentário do jornal o Baependyano, da cidade mineira de Baependi, onde instalou a sua Photographia Chromotypia, seis anos depois da passagem por teresina, é bem reveladora
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da extensa peregrinação desse retratista comercial, exercendo sua arte nas capitais e pequenas cidades interioranas. a notícia faz um breve perfil do artista e atribui-lhe a naturalidade pernambucana. Photographo. – Acha-se entre nós, desde alguns dias, no intuito de exercer aqui a arte de photographo, o Sr. Agio Pio, natural de Pernambuco. É realmente admirável a viagem que o traz esta cidade; pois começada no Piauhy, continuou por terra através das províncias que medeia entre esta e aquella província, e depois através de Minas até aqui. Por toda parte suas obras hão encontrado o melhor acolhimento, e não lhe tem faltado serviço. E motivo para que assim seja. Effectivamente as fotografias do Sr. Agio são das melhores que havemos visto no gênero (bombé); ao menos é a impressão que sobre nós produzira algumas amostras que obsequiosamente enviou-nos. Isto quanto ao artista. Quanto ao cavalheiro, não podemos omitir um rasgo, que para nós constitue uma divida de gratidão e assás o caracterisa. Quando longe, bem longe desta terra, em uma hospitaleira cidade da província, o agente desta folha o encontrou pela primeira vez, o Sr. Agio, que então ahi apenas residia temporariamente e tinha de seguir em sua viagem, não podia razoavelmente ser convidado a tomar uma assinatura; desejoso entretanto de prestar seu concurso ao Baependyano, assigna-o e oferece a assignatura a um amigo. Era um auxilio á imprensa e uma homenagem á amizade. (250) ao encerrarmos a memória dedicada ao experiente retratista, que é identificado em duas fontes já citadas como natural de Pernambuco, é correto lembrar que ele tenha sido incluindo, em virulenta nota dirigida aos tribunais e juízes, bem no preconceituoso estilo de época contra atuantes minorias estrangeiras, denegrindo quatorze napolitanos que passaram pelo Ceará. o nome de agio Pio Pedro figura estranhamente na lista de 14 napolitanos “bandidos”:
Os Napolitanos. Além dos mais flagellos, com que já lutamos, desenvolve-se o furto no Ceará por parte dos napolitanos, que vão chegando. Quatorze compraram fazendas a praso, e fugiram para as não pagar. Fazemos a relação delles, para pedir às justiças uma correção para esses bandidos. (...) Esta gente tem dado a peior copia de si em Buenos-Ayres, em Montevidéo, no Rio de Janeiro e na Bahia. Não é raro encontrar-se um napolitano comprando e pagando, e procedendo em tudo como homem honrado e trabalhador. Ao cabo de algum tempo, foge e conduz a fortuna que poude apanhar nas aparências de bom homem. (...) (251)
238. Jornal de Fortaleza, Fortaleza, ano II, nº 66, domingo, 27 Mar. 1870, p. 2. 239. Pedro II, Fortaleza, ano XIV, nº 1325, 4ª feira, 1 Mar. 1854, p. 4. 240. Jornal de Fortaleza, Fortaleza, ano II, nº 19, 4ª feira, 26 Jan. 1870, p. 1. 241. Jornal de Fortaleza, Fortaleza, ano II, nº 8, 5ª feira, 13 Jan. 1870, p. 2. 242. Jornal de Fortaleza, Fortaleza, ano II, nº 20, 5ª feira, 27 Jan. 1870, p. 4. 243. Kossoy, B. Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Salles, 2002, p. 145. 244. Diario de Pernambuco, Recife, ano XL, nº 113, 4ª feira, 18 Mai. 1864, p. 1. 245. Diario de Pernambuco, Recife, ano XL, nº 115, 6ª feira, 20 Mai. 1864, p. 2. 246. Diario de Pernambuco, Recife, ano XL, nº 229, 5ª feira, 6 Out. 1864, p. 4. 247. Diario de Pernambuco, Recife, ano XXXVI, nº 279, sábado, 1 Dez. 1860, p. 2. 248. Jornal de Fortaleza, Fortaleza, ano II, nº 110, 4ªfeira, 8 Jun. 1870, p. 4. 249. O Piauhy, Teresina, ano VII, nº 287, 2ª feira, 12 Nov. 1873, p. 4. 250. O Baependyano, Baependi, Minas Gerais, ano II, nº 90, 2ª feira, 30 Mar. 1879, p. 4. 251. O Cearense, Fortaleza, ano XXIX, nº 34, domingo, 2 Mai. 1875, p. 4
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CarL friedriCH JoHann reeCKeLL
Fotógrafo prussiano abre espaço para Candido Pereira Lins
o fim do mundo é um tema recorrente no desenrolar dos séculos. Predições de videntes famosos ou teorias científicas apocalípticas atravessam os séculos com a previsão do fim dos tempos. o assunto torna-se facilmente preocupação generalizada e circula em todas as camadas da população. no início de 1870 aparecem na imprensa local, veiculando matéria de periódico francês, as revelações de um profeta europeu que fixa o desaparecimento da terra em 1890, com descrições sobre os próximos e últimos 30 anos de nosso planeta: Segundo os estatutos de Mr. Juliet de Bruxellas o mundo só durará 30 annos; em 1900 desapparecerá. Principiará a sua ruína em 1898, por grandes calores, secca completa das águas, incêndios, vendavaes e muitas cousas que o extermine. A Pérsia, a Turquia e a Rússia Asiática darão o primeiro signal desta catastrophe, e as noites a crescer até desapparecer o sol, a lua e as estrellas, ficando todos os montes e serras ao nível da terra, porque serão arrasados por contínuos terremotos, innundações etc. Antes do fim do mundo tem de haver muitas descobertas, pelos homens; como sejam a resurreição dos mesmos depois de 4 horas de fallecidos, leval-os em vida pelo ar
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a qualquer parte do mundo por meio de um mechanismo que os conduzirá contra os ventos ou temporaes. Guerras, terremotos, incêndios nas cinco partes do mundo, etc. (...) Quantas descobertas não apparecerão antes do fim do mundo?!A épocha se approxima, 30 annos depressa se passam e os que tiverem menos de 30, não hão de gostar desta noticia, porque o mundo para elles não será duradouro, e oxalá que Juliet se engane: mas elle é um propheta, um sábio em que toda a Europa se curva pelas suas prophecias que todas teem sahido certas. (252) a população discute também questões menos transcendentais, como o escândalo das lavadeiras desnudas da rua do Pocinho (atual rua Pedro Borges), que ganham a vida em honesto trabalho nas águas do riacho Pajeú: Na rua do Pocinho, onde passa o corrego, que recebe as agoas do Pajeú, reúnem-se grande numero de lavandeiras, que para comodidade, expõe-se as vistas do publico no estado de nudez, em que nasceram. Cumpre á policia evitar que se reprodusam taes escândalos. Os moradores das ruas próximas e os tranzeuntes não estão dispostos a apreciarem, sempre com paciência, aquella especie de pequeno e extravagante Parnaso. (253)
Homem, busto n. i. C. f. J. reeckell, Photographo Volante. acervo família Bezerra de Menezes.
o mais importante é o espírito cordial com que os citadinos acolhem os viajantes e as novidades positivas que chegam de ultramar, a bordo de embarcações que enfrentam a fúria do oceano e os riscos de naufrágio. Como a barca portuguesa Amisade, que saindo da ilha de são Miguel, nos açores, em 15 de julho, ancorava em nosso porto vinte dias depois, trazendo-nos, na companhia de emigrantes, os artistas de uma empresa lírico-dramática espanhola e o fotógrafo prussiano de nome aportuguesado Carlos frederico Johann reeckell. com a esposa isabel Jacintha reeckell. as dificuldades na viagem do Amisade foram amenizadas pela experiência, moral e civilidade do comandante augusto Borges Cabral, capitão, contra-mestre e guarnição do navio, o que os torna merecedores de um testemunho de gratidão assinada pelos passageiros:
Não sabemos agradecer tantos benefícios que devemos ao illustre commandante, que nos parece ser o mais grato dos officiaes que navegam n’esta carreira de passageiros... (254)
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Quatro dias depois a trupe artística espanhola estreava no Theatro Thaliense, com a zarzuela, em 3 atos, Jugar con Fuego. enquanto isso o casal de fotografistas preparava a sua galeria, na praça Municipal (atual Praça do ferreira), anunciada ao grande público no dia 14 de agosto, com elogio ao nível de qualidade do visitante: Photographia. – O Sr. Carlos F. Reeckell ultimamente chegado a esta capital, fundou um estabelecimento de photographia à Praça Municipal nº 40. Temos visto alguns retratos tirados pelo Sr. Carlos com notável perfeição. O trabalho é bom, e digno de ser recomendado ao publico. (255) seus anúncios aparecem na imprensa, com destaque para o mais detalhado que se segue: CARLOS F. J. REECKELL PHOTOGRAPHO VOLANTE PRAÇA MUNICIPAL N. 40 Bastante conhecido nas principaes cidades do Imperio Brasileiro, onde trabalhou durante 10 anos, teve também o prazer de vêr bem recebidas as suas fotografias nas cidades de Angra, Horta, e Ponta Delgada, e espera que o mesmo lhe succederá aqui. A nitidez dos cartões de diversos formatos – a pureza e bôa qualidade das drogas – o novo e aperfeiçoado systema das machinas, que ultimamente comprou em Paris e Londres, junto á pratica de muitos annos, dá em rezultado uma grande presteza na composição dos CLICHES, e levam-no a convencer-se de que satisfará plenamente as pessoas, que se dignarem procural-o. Compromette-se a apresentar fotografias pelo novo systema, de maneira que o colorido é inalterável e se póde lavar sem sahir as cores. Compromette-se a apresentar fotografias superiores as de todos os photographos que aqui tem estado, e quando assim não seja, nada terão a pagar as pessoas que as desejarem. São instantâneos os retratos de crianças, e para as pessoas grandes dois segundos a maior demora. HORAS DE TRABALHO – das 9 da manhã até as 3 da tarde. São preferidos os dias sombrios. (256)
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as afirmações de muitos anos de prática, o sucesso profissional nas cidades açorianas de agra, Horta e Ponta delgada, como os dez anos no império brasileiro, foram plenamente confirmadas em nossas pesquisas. além disso, o retratista reeckell, regressaria depois a fortaleza, de setembro de 1871 ao final de 1872, instalando-se à rua do Cajueiro, nº 15 (atual rua Pedro Borges, no trecho entre a Praça do ferreira e rua Conde D’Eu). ). em novembro desse último ano, constituiu a firma reeckell & Lins. Logo depois o artista segue para o rio grande do sul onde exercita sua profissão, mas face ao agravamento de sua enfermidade é substituído por sua esposa. Uma fase especial na história de Carlos frederico Johann reeckell tinha sido vivido nas ilhas dos açores, onde deu contribuição nos primórdios da fotografia local, formando outros profissionais açorianos, com o seu ateliê na rua da esperança, 19, em Ponta delgada, e como fotógrafo volante. antes de sua vinda para fortaleza, entretanto, já estivera no Brasil, com pelo menos dois retornos aos açores.
na sua primeira jornada brasileira instalou-se na capital do império. associou-se, em 1865, no rio de Janeiro, ao português Bernardo Lopes guimarães, que se desfizera de uma fábrica, confeitaria e refinação de açúcar, registrando a firma frederico & Lopes: Na semana passada forão apresentados ao tribunal do commercio, para registrar os contratos sociaes dos Srs. Frederico Carlos Reeckell e Bernardo Lopes Guimarães, em commercio de photographia, na rua do Hospicio n. 104, nesta corte, com o capital de 1:500$, sob a firma de Frederico & Lopes. (257) a associação entre reeckell e Lopes guimarães dura menos de dois anos. até setembro de 1867 o fotógrafo prussiano cumprira um roteiro itinerante, passando pelo menos por Valença e santa theresa, com certa permanência na cidade de Vassouras, onde instala sua Photographia Volante: CIDADE DE VASSOURAS Photographia Volante DE F. C. REECKELL, RETRATISTA Participa ao respeitável publico, aos Srs. fazendeiros do recôncavo de Vassouras, que acaba de abrir uma casa de photographia nesta cidade. Tendo trabalhado em Valença e Santa Theresa, cujos retratos acha-se as amostras na mesma casa, garante ser seu trabalho igual aos mais aperfeiçoados dos Srs. retratistas da corte. (258) desfeita a sociedade, o sócio Bernardo Lopes guimarães mantém o estabelecimento fotográfico da rua do Hospício, 104; associa-se em 1874 no comércio de fotografia com antonio salgado guimarães com a firma Bernardo Lopes guimarães & Cia., e em 1877, torna-se sócio na firma dias da fonseca tavares & Cia., especializada no comércio de instrumentos de música e ótica, com sucessivas viagens à europa. o retratista reeckell e sua esposa prosseguem com as atividades da Photographia Volante, e deixam o Brasil, embarcando no rio de Janeiro rumo à ilha terceira, em 22 de setembro de 1867, no patacho português terceirense. regressariam ao Brasil,
como vimos, três anos depois, com a chegada a fortaleza, em agosto de 1870. os negócios na capital cearense foram bem sucedidos e permitem incursões a outras cidades não identificadas. no seu estúdio na Praça Municipal divide as tarefas com Madame reeckell, responsável pela colorização e finalização de retratos. nesse período ele tira proveito dos eventos da vida local, como o falecimento do senador Miguel fernandes Vieira, comercializando o retrato desse político em ponto grande por 3 mil réis. no final de 1871, o artista avisa que trabalhará apenas até o final de setembro, por planejar ausentar-se. adia os planos. em dezembro, coloca à venda parte do seu patrimônio, dois sítios com casas, benfeitorias e fruteiras, um na estrada de Messejana e outro nas damas, perto da estrada dos arronches (atual Parangaba), e declara que o motivo da venda é estar doente e ter de retirar-se para o sul. apenas em 9 de maio de 1872, após deixar o ateliê fotográfico provavelmente com sua esposa, viaja pelo vapor Cruzeiro para o rio de Janeiro, chegando de retorno dois meses depois, no dia 12 de julho, pelo vapor Bahia. fica claro então, pelos movimentos sequentes, que fora recomendado mais cuidados com a saúde e se decidira buscar a ajuda de um sócio para dar conta dos pesados encargos do estabelecimento fotográfico agora instalado na rua do Cajueiro (atual rua Pedro Borges), nº 25, primeiro quarteirão para a Praça do ferreira: RETRATOS DE PHOTOGRAPHIA EM TODOS OS TAMANHOS Admitte-se um sócio, na Photographia da rua o Cajueiro n. 25, em consequência de se ter de retirar desta província o proprietário da mesma, também se ensina a fazer igual as amostras, ou se fará qualquer negocio que convenha, isto até o dia 30 do corrente mez. Ceará 20 de setembro de 1872. Carlos Frederico Johan Reeckell (259) a solução foi encontrada na associação ao fotógrafo pernambucano francisco Candido Pereira Lins que, como vimos em capítulo próprio, veio para o Ceará em 1867,
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ernesto do Canto. acervo: instituto Cultural Ponta delgada. Centro de documentação.
integrando a Photographia Firmino & Lins, e aqui fixara residência. ao constituir a firma sob a razão social reeckell & Lins, o retratista prussiano tomava as últimas providências para uma retirada definitiva da província: Carlos F. J. Reechell, avisa ao respeitável publico, que nesta data admittio para sócio em sua Photographia na rua do Cajueiro n. 25, ao Sr. Francisco Candido Pereira Lins, cuja firma girará sobre a razão Reechell & Lins; também scientifica que a sociedade será inteiramente estranha a qualquer negocio particular de qualquer um dos sócios. Ceará 1º de novembro de 1872. Carlos F. J. Reechell. Francisco C. Pereira Lins. (260)
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isabel Maria do Canto. acervo: instituto Cultural Ponta delgada. Centro de documentação.
Manuel de Bettencourtt rocha. acervo: instituto Cultural Ponta delgada. Centro de documentação.
indica Boris Kossoy (op.cit.), que a partir de 1873 seu nome aparece no livro de contribuintes do imposto de profissões em Porto alegre, sendo dispensado desse pagamento dois anos depois. o provável agravamento da saúde de Carlos frederico Johann reeckell explica sua substituição pela esposa, com o aparecimento em 1875, na capital gaúcha, da nova Photographia Allemã, na rua dos andradas, 80. a retratista Mme. reeckell, como revela o arquiteto e historiador gaúcho Miguel antonio de oliveira duarte, era portuguesa, natural da Vila de Velas, ilha de são Jorge, no arquipélago dos açores, e chamavase isabel Jacintha da Cunha. (261) recolhemos em nossas pesquisas um episódio que mostra a solidariedade existente entre os aventureiros artistas e
Maria das Mercês fisher Berquó Poças falcão. acervo instituto Cultural Ponta delgada. Centro de documentação.
profissionais itinerantes, em caminhos estranhos de países estrangeiros. Quando o casal reeckell chegou a fortaleza, em julho de 1870, eram passageiros da barca portuguesa Amisade, o primeiro grupo de artistas espanhóis de uma companhia lírico-dramática. no mês seguinte, pela embarcação Íris, vieram para a capital cearense 68 colonos portugueses, dois italianos, e mais doze espanhóis que se integrariam ao grupo artístico que se apresentava no Theatro Thaliense. no segundo grupo de artistas, procedente da ilha de são Miguel, estava a família riosa, composta pelo pai, d. Bonifacio e filhos menores, que se tornam conhecidos no país e por mais duas vezes visitaram fortaleza. a grande atração seriam as meninas Carolina e Júlia, popularizadas como
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27 as jovens riosa. Um cronista de época, entretanto, diz a emoção do espetáculo de estreia quando se apresentaram as pequenas órfãs:
Pelos dados recolhidos, concluímos que os caminhos do casal reeckell e da família riosa já deviam ter se cruzado nos açores e mais uma vez em fortaleza, quando se estabeleceu uma relação de sincera amizade, que mais tarde vai se repetir no rio grande do sul. Quando os riosa se apresentavam no theatro são Pedro, em Porto alegre, em abril de 1878, não esqueceram o amigo prussiano reeckell, agora enfermo, dedicando-lhe a renda do espetáculo. esse gesto de sentimento fraterno é aplaudido no periódico gaúcho Album do Domingo:
que as distingue, bem como a seu pai o Sr. Riosa. Há sentimentos generosos naquelles corações: a gratidão e a caridade entrelação-se e tornão esses artistas mais ainda recomendáveis aos olhos dos que prezão as grandes virtudes e as grandes dedicações. O Sr. Reeckell teve um dia ocasião de ser útil á família Riosa. Correrão os annos, e o Sr. Reeckell veio para esta capital, onde sua esposa tem feito verdadeiros prodígios para tornar menos amargo um longo quinquênio de moléstia, martyrios e dores de seu marido. Só tão rara abnegação, tão grande esforço para o trabalho tem feito afuguentar a miséria, que mais de uma vez se há apresentado esquálida e medonha á porta do pobre enfermo. Pois bem: o acaso trouxe a nossas plagas a família Riosa, e esta não pôde ser indiferente á triste sorte daquele de quem outr’ora recebeu favores. Os dignos artistas offerecerão ao Sr. Reeckell o produto de uma recita, que se realisou na quinta-feira. Bem hajão por tão nobre procedimento, que revela elevação de sentimentos não muito commun no estado actual da sociedade. (...) (263)
(...) Julia e Carolina Riosa têm sido bastante aplaudidas nos magníficos soirées que hão dado no theatro S. Pedro; quer representando com gosto e naturalidade diversas comedias, quer enlevando-nos com doces acentos de suas vozes suaves e harmoniosas. E não é só o talento
Uma página confortadora em momento difícil na vida do casal reeckell, que vivera as conquistas e os sofrimentos comuns ao artista itinerante, e escolhera o rio grande do sul como esperançosa etapa de uma história de dedicação à fotografia.
... a scena do tango executado pelos filhinhos do Riosa muito enterneceu-nos, desde que ligávamos a idéa de que aquellas creanças já não tinha mãe e pediam ao estrangeiro o pão da hospitalidade. (262)
252. Jornal de Fortaleza, Fortaleza, ano II, nº 50, domingo, 6 Mar. 1870, p. 4. 253. Jornal de Fortaleza, Fortaleza, ano II, nº 115, sábado, 18 Jun. 1870, p. 1. 254. A Constituição, Fortaleza, ano VIII, nº 152, 5ª feira, 4 Ago. 1870, p. 3. 255. Pedro II, Fortaleza, ano 31, nº 179, 6ª feira, 26 Ago. 1870, p. 3. 256. Pedro II, Fortaleza, ano 31, nº 170, domingo, 14 Ago. 1870, p. 4. 257. Correio Mercantil, Rio de Janeiro, ano XXII, nº 188, 3ª feira, 11 Jul. 1865, p. 3. 258. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 46, nº 199, 3ª feira, 19 Jul.
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1867, p. 2. 259. Pedro II, Fortaleza, ano 33, nº 181, sábado, 21 Set. 1872, p. 4. 260. Pedro II, Fortaleza, ano 33, nº 198, 4ª feira, 6 Nov. 1872, p. 4. 261. Duarte, M. A. de O. Faça chuva ou faça sol: Fotógrafos em Porto Alegre (1849-1909). Porto Alegre, 2016. 262. Pedro II, Fortaleza, ano 31, nº 181, domingo, 28 Ago. 1870, p. 1. 263. Album de Domingo, Porto Alegre, ano I, nº 1, domingo, 7 Abr. 1878, p. 6.
1870
agostinHo JosÉ de franÇa O retratista da bandeira encarnada
Jornal de fortaleza. fortaleza, 6ª feira, 25 de novembro de 1870, p. 3.
se as previsões do fim do mundo trazia preocupações para o fortalezense, no início dos anos 870, a notícia do fim de uma guerra espalhava júbilo e alegria por toda a cidade. a anunciada morte de solano Lopez, no dia 1º de março, determinante do final dos sangrentos combates na frente paraguaia, justificava dias de festas nas ruas dando lugar inclusive a uma passeata feminista, segundo o jornal, uma “passeata do belo sexo cearense”. foram dias consecutivos de festa generalizada: Ante-hontem houve regosijo publico e verdadeiramente popular. Continuamente durante todo o dia a cidade embandeirada, á noite reuniram-se diversos grupos de todas as classes da sociedade no largo de palácio, que estava brilhantemente illuminado. Comparecendo em
uma das janellas S. Exc. o Sr. desembargador Freitas Henriques, levantou diversos vivas, que foram enthusiasticamente correspondidos. S. Exc. dignou-se associar-se ao regosijo geral, collocando-se a frente do immenso concurso de cidadãos, que, acompanhados de musica, percorreram as ruas da cidade, dando vivas enthusiasticos e patrióticos. Vários cidadãos e alumnos do Atheneu Cearense, proferiram discursos análogos ao grande feito do dia 1o de março, e o povo acolhia com vivas demonstrações de praser as palavras que o patriotismo inspirava. Á S. Exc. o Sr. presidente reuniram-se o Sr. chefe de policia, a guarda nacional, cujos chefes condusiam seus respectivos estandartes; engrossaram o numeroso préstito a importante e patriótica classe dos artistas, com uma
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musica á sua frente, os alumnos do Atheneu Cearense uniformisados condusidos por seu digno director, o corpo de menores navaes e seu respectivo commandante, além de grande numero de importantes cidadãos da corporação de commercio. Depois de percorridas varias das principaes ruas, o povo acompanhou S; Exc. á palácio, onde S. Exc., possuido do enthusiasmo que dominava geralmente, levantou novos vivas, que foram estrondosamente correspondidos. A cidade esteve ricamente illuminada, sobresahindo a illuminação da Illma. Câmara municipal, onde se viam bellos desenhos symbolisando o Brazil e seus estandartes. (264) o comércio local reflete o momento festivo nacional. nas tradicionais e populares casas comerciais onde se vende o mais variado estoque de importados
já aparecem artigos decorrentes da evolução da fotografia. o estabelecimento de João Luiz rangel, na rua da Palma, 31, anuncia que recebeu da europa um completo sortimento de objetos de escritório, desenho e encadernação, aparecendo na lista “canetas com vistas fotográficas, caixilhos ou molduras para retratos e calços de cristal com vistas fotográficas”. na loja e armazém águia Branca, na rua formosa, 88, encontram-se fazendas francesas, inglesas, ferragens e miudezas, incluindo ricos cintos com fivelas de cristal e fotografia. o Messias, estabelecido nas lojas 45 e 47 da feira Velha, diz que chegou de Paris um grande sortimento de preparos para atender um público específico emergente: os retratistas! os lojistas locais descobriam um novo mercado, comumente explorado apenas pelos fotógrafos comerciais que, ao lado dos serviços próprios da profissão, vendiam inúmeros produtos a ela pertinentes. nos anos 1870 essa prática foi preservada pelo retratista agio Pio Pedro, expondo à venda “variado variado sortimento de objetos fotográficos, caixas de massa e de veludo, passe-partouts para emoldurar fotos, quadros para salas”. ”. a grande novidade nessa área, entretanto, foi a decisão de levar à leilão todos os pertences da antiga galeria fotográfica de Leal & Comp., que este ano estivera com ágio Pio. no dia 27 de outubro, o agente Jatahy põe à venda diversas máquinas, inclusive de fantasmagoria, e pertences do ateliê por “ter seu proprietário de ir as europa”: LEILÃO POR INTERVENÇÃO DO AGENTE JATAHY HOJE 27 do corrente, ás 11 horas do dia DA ANTIGA PHOTOGRAPHIA LEAL & COMP. Á rua da Palma n. 110 Constando de Machinas para tirar retrato, machinas de fantasmagoria, drogas, quadros, mezas, cadeiras, fiteiros, carteiras, sofás, mezas de meio de salla, cômodas, cadeiras de braços, espelhos lamparinas && em consequência de ter seu proprietário de ir a Europa. (265)
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abre-se então uma oportunidade para revelar um novo nome na seara da fotografia. Um mês depois, efetivamente, aparece como fotógrafo agostinho José de frança, de efêmera passagem na profissão. arrematante dos despojos da antiga galeria de Leal, torna público em 24 de novembro que instala sua Photographia na estratégica Praça Municipal, 36, “tendo como distintivo a bandeira encarnada, com o dístico – retratista”: PHOTOGRAPHIA NA 36 – PRAÇA MUNICIPAL - 36 Esta antiga galeria outr’ora de Leal & Cª presentemente é dirigida pelo artista Agostinho José de França, e estará aberta diariamente das 8 horas da manhã as 3 da tarde, tendo por distintivo bandeira encarnada com o dístico – Retratista – para as pessoas que quiserem se utilizar de seu trabalho terem a bondade de honrarem com suas presenças esta galeria que promette-se toda perfeição e commodidade nos preços. Ceará 24 de novembro de 1870. (266) difícil é identificar a origem desse empreendedor e saber quanto tempo tenha permanecido no ramo. a total ausência de seu nome em atividades anteriores sugere que se tivesse iniciado na fotografia nessa oportunidade. não existindo igualmente outras informações de sua ação como retratista da bandeira encarnada. o mais provável é que tenha buscado no interior da Província o campo ideal para sua realização pessoal. seu nome reaparece na cidade de Canindé, exercendo funções públicas e participando ativamente da vida local. É nomeado, em 1874, delegado de Polícia, ao que se segue a função de inspetor das escolas, cargo exercido até 1879. nos anos 1880 está presente em atos coletivos e questões regionais, visitas à capital e, em 1887, é novamente nomeado para o cargo de delegado de polícia do termo de Canindé, que evidentemente tornara-se sua terra definitiva. 264. Jornal de Fortaleza, Fortaleza, ano II, nº 77, domingo, 10 Abr. 1870, p. 1. 265. Pedro II, Fortaleza, ano XXXI, nº 229, 5ª feira, 27 Out. 1870, p. 4. 266. Jornal de Fortaleza, Fortaleza, ano II, nº 211, 6ª feira, 25 Nov. 1870, p. 3.
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a Lanterna MágiCa e as Vistas fotográfiCas
Da fantasmagoria aos espetáculos de vistas luminosas
a atração dos espetáculos de magia e ilusionismo se perpetua em séculos de história. na busca de efeitos surpreendentes os prestidigitadores trouxeram para os palcos desde os primitivos recursos das sombras chinesas até os valiosos projetores luminosos que lhe permitiam criar quadros de impacto denominados fantasmagorias. o aperfeiçoamento e diversificação do dispositivo ótico conhecido como Lanterna Mágica, tema desenvolvido em meu livro sobre a pré-história do cinema, atravessa o século XiX e ganha os espetáculos sob as mais variadas denominações: cosmorama, poliorama, silforama, lumiorama, megascope egípcio... nos tempos iniciais, a lanterna torna-se um recurso auxiliar indispensável nas exibições de mágicos e prestidigitadores.
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Um dos primeiros espetáculos recorrendo a projeções luminosas, na capital do império brasileiro, em 9 de fevereiro de 1825, abrangia as sombras chinesas e uma dispositivo chamado Machina Pyrotechnica ou fogos Pyricos, que projetava os retratos do imperador e vistas da antiga e moderna roma, formado dos mais delicados desenhos. antes do advento da fotografia, os efeitos visuais eram obtidos através de chapas pintadas, adequadas a uma narrativa temática. em fortaleza, encontramos como registro que o artista atlético achille georgini, que se apresentava no Theatro Thaliense, em 22 de novembro de 1846, incluía no espetáculo uma parte para esses efeitos físicos com o seu gabinete mágico. no início da história da fotografia na capital cearense há um bom exemplo de como os
mágicos profissionais dependiam da colaboração de desenhistas e pintores para a montagem dos seus quadros cênicos. Como vimos antes, o ilusionista e daguerreotipista guilherme frederic Walter, recorreu ao talento do jovem desenhista Joaquim José Pacheco, famoso depois como insley Pacheco, para suprir as gravuras para os seus atos, e em troca transmitia os conhecimentos da nova arte de daguerre. o avanço da fotografia e o aparecimento de recursos como as chapas de vidro contribuem para ampliar o uso das projeções. a transição ocorre no período de 1860 e 70, quando a lanterna deixa de ser utilizada unicamente nos palcos dos espetáculos mágicos de fantasmagorias. favorecida pela nova tecnologia fotográfica, presta-se a um novo gênero de diversão, em salões para exibição de coleções de vistas de personalidades, cidades e acontecimentos mundiais. assim um novo tipo de entretenimento desperta empresários que alugam espaços para apresentação exclusiva de vistas luminosas, como o já referido retratista português João José Leal que montou o Polyorama London à Gaz Oxigênio,em 1865, no Passeio Público. em 1869 é instalado o Cosmorama do salão de recreio, na Praça Municipal (Praça do ferreira, atual), seguindo outra sala de exposição de Vistas, em 1871, na rua das trincheiras (atual rua Pedro Pereira). É preciso considerar o impacto provocado no público por essas imagens vivas, os registros fotográficos internacionais nunca vistos antes. as sessões realizadas em forma contínua eram limitadas a cerca de dez a vinte vistas fixas, renovadas semanalmente. dentre as vistas que atraíram e deram contentamento ao público do salão de recreio, em 1869, consagrando a novidade como entretenimento cultural, destacamos as apresentadas no período de 5 de junho a 21 de agosto: Vista de Londres, compreendendo parte do rio Tamisa. Turim, praça de Victor Emmanuel na Itália. Ilha de Malta, pertencente aos ingleses (tomada do mar). Cidade de Berna na Suiça. Praça de S. Marcos em Veneza na Itália. Serralho velho e desembarque do príncipe Napoleão
em Constantinopla no dia 1o de maio de 1854. Paris, tomada da coluna de Julho. Lisboa (tomada do mar.) Porto do Havre na França (tomada do mar). Batalha de Riachuelo no dia 11 de julho de 1867. Cidade do Porto. Argel na África, tomada da darsena dos Purscos. Dresda capital de Munich na Alemanha. Bordeaux, na França (tomada dos Charlons). Vista geral de Lucerna (Suiça). Praça do palácio real em Paris. Roma onde aparece S. Santidade em procissão. Vista geral da cidade de Trieste na Itália. Passagem das Mercedes pela esquadra brasileira no dia 18 de junho de 1865. Chegada no Pireu de Jorge I, proclamado rei da Grécia, protegido pela marinha. Florença, atual capital do reino da Itália. Passagem de Cuévas, pela esquadra brasileira no dia 12 de agosto de 1865. Vulcão Etna e do golfo de Nápoles. Vista geral do bosque de Bolonha, tomada de cima do moinho de Longchamps. Constantinopla, tomada da torre de Seraskir. Veneza na Itália, tomada do cais dos Esclavons. Genebra na Suiça, tomada do Monte Branco. Londres, tomada da torre da igreja de S. Brides. Hotel da cidade em Paris. Vista geral de Havana, capital da ilha de Cuba. Sebastopol. Palácio e parque de S. Cloud, em Paris. Praça das armas em Havana, capital da Ilha de Cuba. Jerusalém atual, compreendendo o que há de mais notável n’essa cidade. Praça de Nápoles, em Paris. Madrid, capital da Espanha. Bayonne, tomada da fortaleza. Vista geral de Atenas, capital, Grécia. Vista dos defensores da Independência Italiana por ocasião da campanha d’Itália. Vista de uma pesca de sardinhas defronte do Porto Luiz. Buenos-Aires, tomada da praça d’Alfandega. Bombardeamento de Sebastopol, em 1854. Vista geral de Edimburgo, capital da Escossia. Argelia n’Africa (possessão francesa). Paris, tomada da praça do Louvre. Vista geral de Ruão na França, tomada da costa de S. Catharina. Praça da Concórdia, em Pariz.
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anúncio do livro sobre os novos usos da Lanterna Mágica no final do século XiX. the american annual of Photography, and Photographic times almanac for 1900.
Vista da celebre Basílica de S. Pedro em Roma (em dia de festa). Bombardeamento de Bomar-Sund, em 15 de agosto de 1854. Genova na Itália. Sevilha na Espanha, tomada da Triana. Palácio de Cristal no Porto. Vista geral de Friburgo na Suiça. Palácio real, em Paris. Roma, tomada da Villa de Farnese. Cidade de S. Francisco, em 1860. (Califórnia). Puebla, tomada de Santiago, episódios da guerra do México. Monte de S. Miguel, na Prússia. Marselha, na França, tomada do porto de Julieta,Paris, onde aparece o grande Palácio de Napoleão III. Bombardeamento do porto imperial d’Odessa, em 26 de abril de 1854. Vista geral
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de Roma. Bordeaux na França, tomada da bastida. Combate de Monte-Bello, episodio da campanha d’Italia. Turim, na Itália, antiga capital de Victor Emmanuel. Sausana na França, tomada do asilo dos cegos. Vista geral de Bruxelas, capital da Bélgica. Vista geral de Florença, capital do reino da Itália tomada da porta Romana. Porto de Málaga na Espanha. Paris tomada da ponte da Concórdia. Vista da velha e Nova Orleans, na França. Santander, na Espanha. Cronstad, na Rússia. Reunião no bosque de Bolonha, em Paris. Praça do Povo, em Roma. Vianna do Castello, em Portugal. Palácio de Cristal de Nova-York para a exposição da indústria de todas as nações. Batalha e vitória de Magenta a 4 de junho de 1859, episódio da campanha d’Italia. Batalha de Calatafine, dada a 15 de maio de 1860. Nova-York, e entrada do rio d’Este, tomada da ilha d’Ellis. Antuérpia, na Bélgica. Vista de uma pesca de bacalhau, sobre o grande banco da Terra Nova. Tunis na África, tomada da estrada da Goleta. Palácio de Compiegne, em Paris. Vista geral de Berlim, capital da Prússia. Vista geral de Veneza na Itália, tomada do mar. Cidade de Hamburgo n’Alemanha. Funchal, na ilha da Madeira, porto de Portugal, tomada da barranca de S. Paulo. Vista do Recife e porto de Pernambuco. Entrada do porto de Pernambuco. Ponte do Caxangá em Pernambuco. Largo do Teatro de Santa Izabel em Pernambuco. Ponte da Boa Vista em Pernambuco. Vista de Pernambuco, tomada de Olinda. Rua da Cruz em Pernambuco. Vista geral de Constantinopla. Vista de uma parte de Paris, tomada da torre de S. Gervásio. Vista geral de Nápoles, Itália. (267) a Lanterna Mágica tem vida longa e sobrevive ao surgimento do Cinema. os exibidores ambulantes do Cinematógrafo mesclam seus espetáculos das surpreendentes cenas animadas, com partes
dedicadas exclusivamente às vistas fixas. esse é um uso, nem sempre reconhecido pelos pesquisadores, comum a todos os exibidores itinerantes que percorriam o Brasil, como ressalto em obras anteriores. (268) esses pioneiros do cinema itinerantes trouxeram de novidade os projetores de imagens em movimento e também um vocabulário novo para o público, anunciando as criações cinematográficas como vistas, quadros ou cenas, antes mesmo que aparecessem os termos fita e filme. graças aos recursos de reversibilidade de muitos dos seus projetores ou pela disponibilidade de lanternas, passam a alternar os dois sistemas, a antiga lanterna e a nova cinematografia, distinguindo nos anúncios as vistas fixas e as vistas animadas. (269) foi prática comum entre os exibidores itinerantes do cinema fazerem uso da fotografia para produzir vistas fixas dos locais que visitavam, destacando personalidades, panoramas e acontecimentos sociais, o que pode confundir o pesquisador que desconheça essa norma, atribuindo-lhes filmagens que não realizaram. (270) Como exemplos de ocorrências em fortaleza, que atestam a importância das projeções fixas na fase inicial do cinema, são as duas reportagens fotográficas que se seguem. o pioneiro do cinema italiano giuseppe fillipi que estava em fortaleza com sua Companhia d’arte e Bioscope inglês, assistiu e fotografou as festas inaugurais da avenida 7 de setembro, um espaço ajardinado incrustado na Praça do ferreira, apresentando a 8 de setembro de 1902, “algumas vistas instantâneas tiradas por ocasião
da inauguração da avenida 7 de setembro”, uma reportagem atualíssima das festividades ocorridas na véspera. (271) em 14 de agosto de 1903, o italiano Cesare Menazinne, proprietário da empreza d’arte e Bioscope Ítalo-francesa, desperta o interesse do público programando entre filmes da Pathè frères, como Quo Vadis? e Assassinato do Presidente McKinley, as fotos feitas em fortaleza, “que documentavam a Partida do Batalhão de segurança para grossos, atualidade que tratava dos incidentes da região em litígio entre os estados do Ceará e o rio grande do norte”. (272) o uso de reportagens fotográficas, inseridas nas programações cinematográficas, ocorre até os anos 20, do século XX, ao ser exibido em várias capitais brasileiras o filme cearense da aba film, O juazeiro do Padre Cícero e Aspectos do Ceará, lançado no Cine Moderno, em fortaleza, a 8 de dezembro de 1925, com retorno em 8 de dezembro de 1927. o documentário de adhemar albuquerque, no roteiro fora do Ceará, anunciava como complemento imagens fixas do “célebre bandoleiro Lampião com o seu grupo e asseclas”. a iniciativa faz sucesso em 1926, em recife, nos Cinemas royal e são José, em maio e junho; no rio de Janeiro, no Cinema Parisiense, em julho; e em Manaus, em outubro, no Cinema Polytheama. a utilização combinada de imagens fotográficas e cinematográficas, nesse caso, revitalizava a importância do gênero documental e ampliava a repercussão em torno de dois nomes notáveis na história regional, o cangaceiro Virgulino ferreira, o Lampião, e o benemérito Padre Cícero romão Batista.
267. Pedro II, Fortaleza, ano 29, edições de nº 120, sábado, 5 Jun. 1869, a nº 184, sábado, 21 Ago. 1869. 268. Sobre as práticas de exibição alternada de vistas fixas e animadas, diz Alice Dubina Trusz: “Somente o pesquisador Ary Leite as apontou.” Trusz, A. D. Entre lanternas mágicas e cinematógrafos – A origem do espetáculo cinematográfico em Porto Alegre, 1861-1908. São Paulo: Ecofalante, 2010, p. 215. 269. Leite, A. B. Fortaleza e a Era do Cinema – Pesquisa Histórica, Volume
1901-1931. Fortaleza: Secretaria da Cultura e Desporto – Secult, 1995, p.91 270. Leite, A. B. Memória do Cinema: Os Ambulantes no Brasil – Cinema Itinerante no Brasil, 1859-1914. Fortaleza: Premius, 2011. 271. Leite, A. B. A Tela Prateada – Cinema em Fortaleza, 1897-1959. Fortaleza: Secretaria da Cultura e Desporto – Secult, 2011, p. 62. 272. Ibidem, p. 59.
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1873
franCisCo saBino LoPes BrandÃo Retratista no Ceará e Amazonas
Commercio do amazonas. Manaus, 5ª feira, 7 de maio de 1874, p. 4.
a década começara positivamente, com a província comemorando o final da desgastante guerra do Paraguai. as transformações ocorriam em fortaleza, que ascendera em 1872 a 20.180 habitantes, agregando continuamente emigrantes estrangeiros que ajudavam no crescimento urbano e no processo civilizatório. a cidade contava agora com a significativa presença de profissionais das mais diversas atividades. o censo indicava a existência de 7 médicos alopatas, 7 farmacêuticos, 5 dentistas, 17 advogados, 4 professores de música, 5 alfaiates, 6 ourives, 3 relojoeiros, 1 cabeleireiro, 4 barbeiros sangradouros, 7 sapateiros e 1 armador de galas e funerais, dentre outras atividades do comércio e variada nomenclatura de artífices. as 7 tipografias, com 24 tipógrafos e 3 impressores, atendiam a impressão de 5 periódicos, com destaque
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para 3 folhas principais, as conservadoras Constituição e Pedro II, e Cearense,, destinado a defesas do ideário do Partido Liberal. surgem boas notícias no transcurso de 1873, como o inédito espetáculo de uma locomotiva em teste para a alegria geral, sinal de que a estrada de ferro se concretizaria com uma futura ligação de fortaleza a Baturité. Às 5 horas da tarde, no domingo, 27 de julho, o público curioso assistia a primeira corrida da locomotiva batizada Fortaleza, em percurso de apenas 1 quilômetro de trilhos, trecho recentemente concluído sob a supervisão do engenheiro francisco José gomes Calaço. (273) no dia 14 de setembro, a primeira locomotiva vinda para o Ceará percorria o trecho já construído da estrada de ferro de Baturité, fazendo a viagem inaugural entre fortaleza e arronches (atual Parangaba):
Dirigiu a locomotiva “Fortaleza” o maquinista José da Rocha Silva, auxiliado pelo foguista Henrique Pedro da Silva, sendo chefe de trem Eloy Alves Ribeiro e guardafreios Marcelino Leite. (274) em 1873, a cidade tem à sua disposição, em momentos diversos, pelo menos 3 gabinetes fotográficos atendendo ao público. o principal deles, já com cinco anos de funcionamento, a Photographia Pinto de Sampaio Sampaio, do competente Manoel antonio Pinto de sampaio. simultaneamente, tem-se os últimos momentos do ateliê do prussiano Carlos frederico Johan reeckel associado com o pernambucano francisco Candido Pereira Lins. a esses profissionais da fotografia comercial vem se juntar francisco sabino Lopes Brandão, sem procedência e qualificação anterior especificadas. seu nome aparece, entretanto, no almanak administrativo, Mercantil e industrial, como exercendo a profissão com estúdio montado na rua da Palma. (275) nada se encontra sobre quando e como esse novo empreendedor iniciou-se profissionalmente. a provável convivência com fotógrafos itinerantes explica o despertar de novas vocações e a qualificação de jovens nas províncias visitadas. esse parece ser o caso de francisco sabino Lopes Brandão, de quem se desconhece qualquer referência ao desenvolvimento de negócios ou cargos anteriormente exercidos. sua formação escolar, pelo que alcançam nossas pesquisas, tem passagens por instituições na capital cearense. sabino Lopes Brandão aparece inscrito no Colégio dos educandos, em 1862, tendo representado essa escola na festa natalina da Casa de Misericórdia, expondo como sua criação um colete de seda bordado a matiz. três anos depois, é aprovado como aluno no Liceu do Ceará, a mais importante e prestigiada entidade educacional da província. são registros curriculares que o credenciava para as oportunidades inovadoras do mercado. Uma outra vez encontramos seu nome, em fase anterior ao exercício da fotografia. Pela imprensa, em 1871, diz ter sido roubado de sua casa na vila de Canindé, por um “moço que goza de muito bom conceito”, e apela pela devolução sob pena de divulgação do nome
do autor. o objeto roubado: “um relogio de prata com a cadeia de ouro e uma cassoleta de plaqué, contendo um retrato de sua irmã.” (276) o desempenho da função de retratista, a partir de 1873, ou mesmo em data anterior, fica encoberto por dois fatores: a muito comum ausência de publicidade dos fotógrafos iniciantes e lacunas nas fontes primárias referentes a esse período de nossa história. o fato é que no ano seguinte, reaparece em Manaus, anunciando a continuidade do exercício da profissão que iniciara em fortaleza. a publicidade na imprensa amazonense é encontrada a partir e maio de 1874: Photographo Francisco Sabino Lopes Brandão, retratista photographo pode ser procurado todos os dias das 9 horas da manhã as 2 da tarde na casa de sua residência á praça de Payssandú e contingua ao sr. Felismino Rodrigues Coimbra. (277) na nova etapa a divulgação continua sendo muito breve, um simples aviso de sua presença na cidade e o horário de atendimento, o que evidencia as limitações dos recursos que aplicava em publicidade para atração de clientes. apenas uma vez, ele retorna com a informação de atendimento em novo endereço: O artista photographo Francisco Sabino Lopes Brandão, mudou a sua residencia para a rua de Marcilio Dias, para propriedade do Sr. Melbourne. Aonde pode ser procurado das 9 da manhã as 2 da tarde, todos os dias com excepção das quintas feiras. (278) ignora-se o que ocorre a seguir. Certamente, como muitos outros que fizeram o caminho entre o Ceará e o amazonas, estabelecendo laços históricos entre essas províncias, é provável que lá tenha ocupado outras funções. Consta um tenente francisco sabino Lopes Brandão em exercício no 5º Batalhão de infantaria, da força pública amazonense. Um dos últimos registros de sua presença no Ceará aparece, entretanto, em 1881, com seu nome na lista do tesouro Provincial dos empresários que devem
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30 pagar os impostos de décima e de estabelecimentos comerciais de fortaleza. Possível caso de homonímia ou simplesmente o artista estaria de volta ao ponto de partida. as dificuldades na reconstrução histórica dos primeiros tempos da fotografia e profissões afins, na fase itinerante, podem ser exemplificadas com a chegada nessa mesma época a fortaleza, dos pintores polacos alexandre e Carlos Brecht, que ofereciam serviços de sua arte, e o ensino do desenho e pintura: Chegaram hontem no vapor pernambucano os dois pintores polacos, os Srs. Alexandre e Carlos Breit, que tendo feito trabalhos importantes no Rio de Janeiro, Bahia e
273. Pedro II, Fortaleza, ano 32, nº 77, domingo, 27 Jul. 1877, p. 3. 274. Soares, F. das C. O trem, rei dos transportes. Fortaleza: Fundação Cultural de Fortaleza, 1997, p. 53.. 275. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Província do Ceará, Ano II, edição 1873, p. 446. 276. O Cearense, Fortaleza, ano XXV, nº 90, domingo, 6 Ago. 1871, p. 4.
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Pernambuco, se propõem a fazer por preços muito rasoaveis trabalhos de pinturas taes como casas, vistas, dísticos, taboletas, etc. etc., e se encarregão também de aceitar discípulos para dezenho e mesmo para pintura. Podem serem procurados no Hotel Cearense. (279)
1875
retratista aMeriCano r. H. fUrMan
Concorrendo com Pinto Sampaio e a Photographia Popular
Quase impossível seguir os seus passos, pela confusão dos nomes com que se anunciavam, Breit ou Brecht, nada correspondente como apareciam no rol de passageiros do vapor Ipojuca em que viajaram: Carlos Pecherts e alexandre stroping. essa facilidade em adotar novos nomes é mais um um complicador nos desafios que são oferecidos para uma mais precisa narrativa histórica.
277. Commercio do Amazonas, Manaus, ano V, nº 202, 5ª feira, 7 Mai. 1874, p. 4. 278. Commercio do Amazonas, Manaus, ano V, nº 211, 5ª feira, 28 Mai. 1874, p. 4. 279. O Cearense, Fortaleza, ano XXV, nº 65, 4ª feira, 7 Ago. 1872, p. 1.
os tempos mudam e a população de fortaleza acolhe as novidades do Carnaval que surge em substituição do anacrônico e prejudicial entrudo. os foliões passam a encontrar no comércio local o mais variado sortimento para as festas nos bailes e os festejos de rua. as lojas de Manoel Pereira Valente, o arêas e o Braga renovavam o estoque, para venda ou aluguel, de vestuários carnavalescos, sapatos, meias, ceroulas, camisas e luvas coloridas, gorros encarnados, plumas, barbas, bigodes, e máscaras de cera, papelão ou arame com mola, com barba ou sem barba, em forma de animais, meia-caras e cabeça inteira. na avaliação da imprensa as novas festas carnavalescas traziam benefícios ao seu desagradável precedente, o entrudo, prevenindo possíveis excessos de mascarados:
Carnaval. – Correram sem maior novidade os três dias de carnaval, que de alguns annos á esta parte tem substituído o anachronico e prejudicial entrudo, outr’ora causa de muitas doenças e infelicidades. Mas Deus queira que as vantagens da substituição sejão mais benéficas e duradouras; pois varias pessoas já se nos teem queixado de mascarados, que abusando das mascaras e das attenções que todos lhes despensam, procuram o ensejo para insultarem os desafectos. (280) o espírito festivo do carnaval popular emoldura um ano de novas presenças no setor da arte fotográfica. a cidade conta com a conceituada galeria Photographica de Pinto de sampaio que atravessa os anos prestando serviço de qualidade. durante o ano pelo menos dois novos retratistas oferecem
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assegura a publicidade é o que retrata “imitando os claros e sombras” do grande mestre da pintura. furman dizia-se ser “o único artista, que até agora tem executado no Brasil com sucesso estes dois novos métodos” e ufanar-se “que os seus trabalhos são iguais senão superiores dos melhores tirados na corte do império”. o periódico Constituição divulga em outubro a seguinte notícia e anúncio da galeria do furman: Retratista - Chamamos a attenção dos leitores para o annuncio, que do lugar competente publicamos, do Sr. R. H. Furmann, amestrado retratista americano, que se acha estabelecido nesta cidade. (284)
bons serviços à clientela local, destacando-se mais um artista itinerante americano. em setembro de 1875, aparece discretamente o primeiro aviso do retratista r. H. furman: R. H. FURMAN, retratista americano, tem a honra de participar ao publico cearense, que abriu o seu Atelier photographico á rua do Conde d’Eu n. 34. Solicita respeitosamente a protecção dos cearenses. (281) a publicidade do artista americano que identificamos como sendo robert Henry furman, passa a ter anúncios mais detalhados, sob o título galeria do furman, instalada na rua Conde d’Eu nº 34, como o que se segue: GALERIA DO FURMAN R. H. Furman retratista americano scientifica ao publico desta cidade que já se acha aberta a sua galeria photographica a rua do Conde d’Eu n. 34, onde offerece seus serviços todos os dias úteis das 8 horas da manhã as 3 horas da tarde. Sua galeria está exposta a quem quizer fazer o favor de visital-a para examinar seu trabalho. O annunciante em qualquer dia fará presente de uma photographia do Sr. Dr. José Cardoso de Moura Brazil á aquellas pessoas que estando cegas recobrarão as vistas com as operações desse distincto oculista”. (282)
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Percebendo a aclamação coletiva ao renomado e humanitário médico cearense dr. Moura Brasil pela população de fortaleza, que aqui realizava cirurgias oculares milagrosas, tirou e ofereceu gratuitamente o seu retrato, como diz o anúncio, a todas as pessoas que “estando cegas recobraram as vistas com as operações desse distinto oculista: . abria-se assim a temporada de mais um fotografista americano, sobre o qual obtivemos nas pesquisas as referências de sua família e origem. o visitante era natural de new York, onde nasceu em 1840, filho do reverendo Charles furman e Harriet emline Johnson. sua esposa Helen C. furman, nascida em 1850, era também natural de new York, e o acompanhou na viagem ao Brasil, aparecendo desde o início como colorizadora dos retratos produzidos. Profissionalmente, o artista anuncia-se apenas como robert H. furman ou r. H. furman. (283) a longa permanência no Brasil se desenvolveu, pelo menos, entre 1870, quando atuou no Pará, e 1876, quando se despede de fortaleza, após prometer algumas das novidades no campo da fotografia, notadamente os métodos Rembrandt e de imagens sobre porcelana, preparada com garantia de durabilidade, beleza e delicadeza de linhas. os retratos sobre porcelana já tinham sido trazidos ao Ceará pelos americanos M. P. goodrich e e. K. Hough (1867-68) e o português Leal (1868). o atrativo mesmo era o sistema Rembrandt,, que como
R. H. FURMANN tem a honra de participar ao publico do Ceará que a sua demora n’esta capital será limitada a um curto espaço. Ao mesmo rempo recommenda as obras de sua arte como superiores que são ás que até agora apparecerão n’esta cidade e principalmente chama a attenção para os dois, no Brazil, novos systemas de photographia, de que usa sendo o de Rembrandt e o em porcellana.
O methodo Rembrandt é tirado emitando os claros e sombras do grande maestro, de que tem o nome; o de porcellana, é effectuado sobre a face de uma porcellana, preparada para este fim e tem assim as vantagens da durabilidade, da grande belleza e da delicadez das linhas. R. H. Furman lisongeia-se de ser o único artista, que até agora tem executado no Brazil com successo estes dois novos methodos e estando na posse dos melhores materiaes, como dos apparelhos mais perfeitos, ufanase em assegurar que os seus trabalhos são iguaes senão superiores dos melhores tirados na corte do império. (285) Pode-se atribuir a furman o pioneirismo de retratar as ruas e praças de fortaleza, destacando os prédios e pontos de referência, produzindo vistas que foram comercializadas. seria essa uma iniciativa até então inédita na história local com imagens lamentavelmente não preservados para os nossos tempos. sua iniciativa mereceu elogio na imprensa: Galeria Furman. – O Sr. R. H. Furman, photographo, mostrou-nos algumas vistas de diversas ruas, praças e edifícios desta cidade, por elle apanhadas; é um trabalho de muito mérito, por sua fidelidade e perfeição. Como este, recommendão-se todos os trabalhos photographicos do Sr. R. H. Furman. Vão ser postas à venda algumas dessas vistas e é de esperar que encontrem muita aceitação da parte do publico. (286) ao contrário de outros itinerantes vindos dos estados Unidos, parece que em cerca de seis anos, r. H. furman e esposa Helena concentraram-se no mercado do Pará ao Ceará, demorando-se mais nas capitais visitadas. Quando chegou a fortaleza, como tinha estoque de cartões com sua marca impressa no verso Pará, ele alterava desenhando à mão Ce sobre a inicial P, corrigindo para Ceará, como vemos nas imagens publicadas neste capítulo. revelando desde o início sua competência profissional e habilidade na comunicação com o público, os anúncios de abril de 1870, em Belém, oferecia retratos no formato gabinete (cabinet-portrait), imagem de 10 x 14 cm
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colada sobre cartões de 11 x 16,5 cm, ressaltando que estes tinham o triplo de tamanho do cartão de visita (carte-de-visite), fotos de 6 x 9,5 cm montadas em cartão de 6,5 x 10,5 cm, o padrão de retrato que predominou por muito tempo nos estágios iniciais da fotografia. a outra atração anunciada eram as fotografias colorizadas pela sra. Helena furman. o artista americano excede em recurso publicitário quando afirma: “É universalmente admitido que as fotografias de furman são muito superiores a outras quaisquer feitas nesta província.” seu gabinete, na rua s. antonio, 22, era então denominado Photographia americana:
PHOTOGRAPHIA AMERICANA. R. H. FURMAN, o photographo americano, faz uma especialidade de retrato de gabinete, que tem o triplo do tamanho da carte de visite, dá mais espaço para a exposição da habilidade nos arranjos de accessorios, luz e posição, e tem sido quasi exclusivamente adoptado na Europa e America. Specimens destes retratos de residentes no Pará achamse em exposição no seu Studio, 22, rua de S. Antonio. Photographias lindamente coloridas pela Snra. Helena Furman. É universalmente admitido que as fotografias de Furman são muito superiores a outras quaisquer feitas nesta província. O publico é respeitosamente convidado a visitar e examinar pessoalmente. (287) reconstituir todos os períodos e locais que robert H. furman e esposa trabalharam é extremamente difícil. aparecem indicações nos almanaques de comércio e indústria da época a existência do estúdio até 1873. nenhum vestígio deixou das escalas entre esse ano e a atuação em fortaleza. os últimos atos dessa presença na capital cearense ocorrem a partir de fevereiro de 1876, quando sucessivamente avisa o fechamento a 20 de maio, realiza uma redução dos preços dos serviços fotográficos, e põe a venda ou em leilão todos os pertences do ateliê e de sua residência.
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Homem em pé, n. i. acervo família Bezerra de Menezes.
Homem, busto, n. i. acervo saboya.
Young woman from rochester, new York. acervo ary Bezerra Leite.
dr. Moura Brasil. arquivo nirez.
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GRANDE REDUÇÃO NOS PREÇOS R. Furman, retratista norte-americano para aproveitar as drogas, cartões e quadros que tem em grande quantidade, antes de retirar-se oferece se para tirar retratos por – METADE DO PREÇO – por um mez somente, sendo: Cartões de visita, uma dúzia 6$000 Cartões de visita, meia dúzia 4$000 Cartões de gabinete, uma dúzia 10$000 Cartões de gabinete, meia dúzia 8$000 Quem quiser tirar retratos grandes terá de GRAÇA para cada um retrato uma requissima moldura dourada. (288) r. H. fUrMan retratista americano avisa ao respeitável publico que até o dia 20 de Maio vindouro, feixará definitivamente sua casa. ainda tem algumas ricas molduras que oferece as pessoas que quiserem tirar retrato. abril 25 de 1876. (289) no domingo, dia 24 de maio, na residência do retratista, foi procedido pelo agente Jatahy o leilão de todos os pertences de uso doméstico, acrescido de quadros com variadas fotografias e vistas. a inclusão de retratos no leilão, como induzia o aviso, provocou um incisivo protesto em páginas de jornal local, uma crítica mordaz contra mais um profissional estrangeiro que nos visitava. Retratos em leilão. No leilão do retratista norte americano Furmann foram arrematados muitos retratos de cavalheiros e senhoras distinctos de nossa sociedade. Este procedimento do Sr. Furmann não tem qualificação, nem deve passar ser um protesto enérgico. É até onde pode chegar a audácia de um estrangeiro insolente. Assim retribue o Sr. Furmann a hospitalidade e cavalheirismo com que foi recebido entre nós. É bom que assim acontecesse para não sermos tão fáceis em receber como cousa boa, quanto contrabando por aqui passa; admitindo em nossa sociedade estrangeiros atrevidos, cuja procedência ignoramos muita vez forçado evadido de algum presidio. Si desde principio, o Sr. Furmann tivesse sido tratado
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com indiferença e despreso que nos inspira qualquer engraxate, elle não teria hoje o arrojo de levar a leilão os retratos de nossas esposas, de nossos filhos, de nossas irmãs e de nossas mães! Isso não passou de uma torpe especulação desse insolente, a vergonha e o refugo dos Jankees. Fiquem consignadas estas palavras como um protesto solemne contra a ousadia desse borra-botas. Um cearense. (290) experiente e qualificado profissional, robert H. furman faleceu em 1905, deixando seu nome na história da fotografia em seu país. seu estúdio principal em rochester, new York, foi instalado na state street, ocupando sucessivamente os números 58, 62 e finalmente 80 & 82, mas atuou como fotógrafo também na California. suas fotos são encontradas em arquivos nos estados Unidos e Canadá, e publicados em obras diversas sobre o seu século. (291)
Homem em pé, n. i. acervo família Bezerra de Menezes.
Joaquim antonio de amorim. Visconde de Monte redondo. grupo familiar. acervo funação Joaquim nabuco.
280. Constituição, Fortaleza, ano XIII, nº 16, 5ª feira, 11 Fev. 1875, p.2. 281. Constituição, Fortaleza, ano XIII, nº 114, 6ª feira, 10 Set. 1875, p.3. 282. Constituição, Fortaleza, ano XIII, nº 122, 4ª feira, 29 Set. 1875, p. 4. 283. U. S. Federal Census, 1880, New York, Monroe County, City of Rochester. 284. Constituição, Fortaleza, ano XIII, nº 125, 4ª feira, 6 Out. 1875, p. 1. 285. Constituição, Fortaleza, ano XIII, nº 125, 4ª feira, 6 Out. 1875, p. 3. 286. O Cearense, Fortaleza, ano XXX, nº 90, domingo, 12 Nov. 1875, p. 2. 287. O Liberal do Pará, Belém, ano II, nº 74, sábado, 2 Abr. 1870, p. 3. 288. O Cearense, Fortaleza, ano XXX, nº 14, 5ª feira, 17 Fev. 1876, p. 4. 289. O Cearense, Fortaleza, ano XXX, nº 35, 4ª feira, 26 Abr. 1876, p. 4. 290. O Cearense, Fortaleza, ano XXX, nº 49, domingo, 28 Mai. 1876, p. 3. 291. Arquivos do Museum of Photography (Rochester, Nova York), San Diego History Center, McCord Museum, Robert Grabhorn Collection (Califórnia), e outros. Obras: First Presbyterian Church (Pueblo, Colorado; de sua autoria), Children Fashions of the Past in Photography (editado por Alison Mager), San Diego Area Views (de Clark Alberti), e outras.
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1875
ignaCio fernandes Mendo
O último dos titulados Fotógrafo da Casa Imperial.
a década de 1870 prossegue com bons tempos para a população de fortaleza. a sociedade se mobiliza na capital e em diversos pontos da província, através da ação de comissões especiais, para a aquisição de produtos industriais, naturais, agrícolas e de obras de arte, para representar o Ceará nas exposições provincial, na corte do império, e em filadelfia, estados Unidos, como esforço de demonstrar o potencial econômico e a criatividade cearense. as atividades socioculturais na capital oferecem uma diversidade de espetáculos que atraem a atenção do público. os teatros são Pedro e são José, as sociedades recreio Popular e recreio familiar, dentre outros espaços de entretenimento, trazem sucessivamente grupos artísticos itinerantes nas mais variadas programações. simultaneamente com a temporada da empresa dramática eduardo alvares, encenando extenso repertório teatral, repercutia o grupo de Campanólogos escoceses, de anselmo saywer, único no gênero, que executava musicas em 160 campainhas de metal e 40 copos de cristal.
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a conjuntura é favorável a outros profissionais de distintas áreas artisticas, a exemplo do fotógrafo ignacio fernandes Mendo, que faz sua atuação inicial nessa função em território cearense. não revelando procedência, sugerimos com base nas pesquisas realizadas, que o retratista tenha naturalidade maranhense. dez anos antes, ele aparece como passageiro em viagem de são Luís para Parnaíba. Um lustro depois de sua passagem em fortaleza, quando se encontrava em outras cidades nordestinas, continuava com o estúdio denominado fotografia Maranhense. essas duas referências são sugestivas de sua origem. a primeira aparição de ignácio fernandes Mendo como fotógrafo, é recolhida em periódico de sobral, importante cidade do norte do Ceará, quando instala na rua Boa Vista nº 15, a Photographia Popular, declarando-se simplesmente artista brasileiro, habilitado nos mais modernos e diversos sistemas adotados na américa e europa:
PHOTOGRAPHIA POPULAR DO ARTISTA BRASILEIRO IGNACIO FERNANDES MENDO Tem a honra de participar ao respeitável publico d’esta cidade que abrio uma GALERIA DE PHOTOGRAPHIA – na Rua bôa vista n. 15. No seu estabelecimento tira retratos por deversos systemas, e os mais modernos e adoptados nas principaes capitaes da America, da Europa, para o que possue os milhores e ms. approvados instrumentos, e grande sortimento de artigos chimicos. Os retratos são pelo systema que uzão, os mais bellos e duráveis, e que se não distroem, nem pela umidade, e nem pelo excessivo calor. Tira-se photographias sobre papel, vidro, pano, polimento, ou couro invernisado; pelo systema - crozate Gabinete Portrait - e melanotypos -, trabalho especialmente americano, tanto para álbuns; cartões de visita, caixinhas, molduras, alfinetes de peito, anneis, e lenços. O estabelecimento acha-se franquiado ao respeitável publico para serem examinados os deferentes trabalhos que se acham em exposição, para melhor poderem ser apreciados. O photographo espera a benévola proteção não só dos apreciadores do mérito, como do bello sexo desta cidade, que não deixarão de aproveitar a occasião de obter uma boa photographia. A sua estada n’esta cidade será por pouco tempo. Sobral 12 de Março de 1875. (292) Meses depois, em fortaleza, funcionava na rua da Palma, 17, a galeria denominada igualmente Photographia Popular, que se pode relacionar com o retratista ignacio Mendo, mesmo referindo-se a uma tabela de preços restrita apenas aos retratos pelo sistema ferrótipo: PHOTOGRAPHIA POPULAR Na Rua da Palma n. 17, ao lado direito do – Destino – achar-se-há a photographia popular, onde se tira retratos pelo systema ferreotipo e por preço que anima a todos se retratarem. PREÇOS12 Retratos em cartão, sejão em busto ou todo corpo 8$000 6 Ditos em cartão, sejão em busto ou todo corpo 4$000 3 Ditos em cartão, sejão em busto ou todo corpo 2$000 1 Dito em cartão, sejão em busto ou todo
gravura sobre foto de i. Mendo. a Locomotiva. salvador, domingo, 2 de dezembro de 1888, p. 1.
corpo 1$000 1 Retrato dos maiores que se pode tirar pela photographia 10$000 Estes retratos só serão entregues se agradar ao freguez. Trabalha-se todos os dias das 10 às 3 horas da tarde. (293) apesar de limitada a divulgação de sua presença e atividade nos permite restabelecer o seu roteiro ao longo de decênios que se seguem, todo ele desenvolvido na região nordeste. Uma linha visível de marcos de referência confirma haver percorrido todos os estados até fixar-se, nos anos 1880, mais demoradamente, em território baiano. num dos últimos anúncios dizia pretender partir para o rio de Janeiro. em ordem cronológica, ele se encontra, em 1876, no rio grande do norte, tendo o jornal Correio do Assu, anunciado naquela cidade, grafando equivocadamente ferreira em seu nome:
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estrada de ferro de Paulo afonso. Piranhas. 1878-1880.
estrada de ferro de Paulo afonso. Piranhas, alagoas. 1878-1880.
estrada de ferro de Paulo afonso. nova olinda, Cearรก, km 5. 1878-1880.
estrada de ferro de Paulo afonso. Piranhas, alagoas. 1878-1880.
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PHOTOGRAPHIA Ignacio Ferreira Mendo participa ao respeitável publico assuense, que tem de ausentar-se desta cidade no dia 5 do mez p. vindouro. As pessoas, pois, que desejarem obter as suas fotografias, deverão procura-lo ate aquelle dia em que poderá ajuda prestar-lhes os serviços de su’arte. Assu, 16 de outubro de 76. (294) após mais dois anos como retratista comercial, uma nova oportunidade se abre para ignacio Mendo, ao incorporar-se como fotógrafo no projeto de construção da estrada de ferro de Paulo afonso, com uma vasta produção documental cobrindo a região costeira do rio são francisco, a partir de Piranhas, alagoas até Jatobá, Pernambuco, com incursão a nova olinda, em território cearense. no período de 1878 a 1880, pelo menos, ele deve ter se radicado em Piranhas, uma cidade que se orgulhava de ter recebido a visita do imperador Pedro ii, em 1860, na sua histórica visita às cachoeiras de Paulo afonso. tendo pernoitado nessa localidade, o imperador cavalgou até a localidade de olhos d’água, acompanhado por 140 cavaleiros, em trajeto que seria incluído no projeto da ferrovia por ele futuramente autorizada. nessa oportunidade, Pedro ii conheceu o alemão J. P. a. schramback, de 72 anos, engenheiro civil em alagoas e membro do Batalhão Multinacional de Caçadores, de Pernambuco, constituído por estrangeiros, a quem foi entregue a construção da ferrovia. as atividades foram iniciadas em 1878, em plena devastação da grande seca que flagelara os habitantes do nordeste. Mendo teria sido convidado pelo engenheiro schramback e produziu imagens que preservam a história da ferrovia que teve seu primeiro trecho, até olhos d’água, inaugurado em 1882, e a etapa final alcançando a localidade pernambucana de Jatobá concluída no ano seguinte. as fotos recuperam a paisagem agreste, os rios, as obras de engenharia, e as residências para as equipes de construção, com destaque para o “hotel” no ancoradouro de Piranhas, como lembra uma narrativa em diário do alemão Hermann ferschke:
Usando de humor tipicamente alemão, o autor recomenda este “hotel” ironicamente a todos aqueles insatisfeitos com albergues no antigo continente. A fotografia feita pelo seu amigo Mendo falaria mais do que estava em condições de descrever. Esta base de ilustração do texto, mostra de fato apenas um espaço aberto, coberto de folhas e esteiras, sem moveis Também ironicamente, o diarista registra que o proprietário do “hotel”, a dona da casa e as crianças mantinham-se acocoradas silenciosas. Se o viajante tinha algo comestível consigo, podia estar satisfeito. A família hospedeira, sem meios, ficava contente se fosse convidada a participar da alimentação. (295) a estrada de ferro de Paulo afonso foi arrendada à Companhia great Western of Brazil e prestou serviços até sua desativação em 1964. Piranhas, que tivera o seu grande dia na visita de Pedro ii, volta ao foco dos noticiários por entrar na trajetória do cangaço, tendo sido escolhida para a exposição das cabeças decepadas de Lampião, Maria Bonita e membros do seu bando. ignacio fernandes Mendo, por sua vez, após o contrato com a ferrovia, volta a ser retratista comercial em sergipe e Bahia. no retorno à antiga rotina, Mendo, nesses dois estados, promove o seu ateliê Photographia Maranhense, em aracaju, instalado na rua de Japaratuba. anunciando a próxima viagem para Maroim, em 1881 ele aparece nas páginas do Echo Sergipano, como notícia e em publicidade, a seguir transcritas:
estrada de ferro de Paulo afonso. Piranhas, alagoas. 1878-1880.
PHOTOGRAPHO O Sr. Ignacio Mendo, Photographo, tendo se dedicado a extrahir importantes fotografias das mais gradas pessoas d’esta capital, segue por esses dias para a cidade de Maroim, onde vae dedicar-se exclusivamente ao alto mister de sua honrosa profissão. Aguardamos que o povo d’aquella cidade receberá o nosso digno e respeitável amigo com as considerações que lhe são cabidas, e ao mesmo tempo proporcionando meios afim de que seja feliz com a sua importante empresa.
estrada de ferro de Paulo afonso. Casa do Cipó, km 3. Canindé de são francisco, sergipe. 1878-1880.
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estrada de ferro de Paulo afonso. Casa da 6ª residência, km 12. 1878-1880.
RETRATOS PHOTOGRAPHICOS Pelos systemas Crozat, Bombé, Photorelevo e pelo nobre Systema de Rembrandt PHOTOGRAPHIA MARANHENSE IGNACIO F. MENDO Premiado na Exposição dos Artistas Participa ao respeitável publico que tem aberto a sua galeria de photographia na Rua de Japaratuba. Convida ao mesmo respeitável publico a vir tirar suas fotografias. Garante o photographo, bem satisfazer as exigencias das pessoas que se forem retratar. No seo estabelecimento tira-se retratos por diversos systemas, os mais modernos e adoptados nas principaes capitaes da America e da Europa, para o que possue os melhores e mais aprovados instrumentos, e um sortimento de artigos chimicos. O estabelecimento acha-se franqueado ao respeitável publico para examinar os diversos trabalhos que se achão em exposição. O photographo espera a benévola proteção não só dos apreciadores do mérito, como do bello sexo d’esta cidade; que não deixarão de aproveitar a ocasião para obter uma boa photographia. A sua estada será por pouco tempo, visto como pretende partir na primeira ocasião para o Rio de Janeiro. (296) a partir de 1884, marca presença em diversas localidades baianas, do interior à capital. em agosto desse ano, abre o seu ateliê de fotografia à rua Conde d’Eu. (235) seu nome aparece, no ano seguinte, na lista de estudantes da faculdade de Medicina da Bahia, para os exames na primeira série de farmácia. reaparece em 1886, em Cachoeira, então um porto importante na exportação da produção agrícola do recôncavo Baiano. seu estabelecimento prossegue com a denominação Photographia Marahense, exaltando que atende com perfeição crianças e pessoas nervosas e que é detentor de várias medalhas de ouro:
estrada de ferro de Paulo afonso. Porto de Piranhas, alagoas. 1878-1880.
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PHOTOGRAPHIA MARANHENSE Trabalhos premiados com medalhas de ouro. 8 – RUA DA MATRIZ – 8 IGNACIO MENDO Participa ao respeitável publico que querendo retirar-se
para a capital, oferece os seus serviços, garantindo bem satisfazer as exigências dos seus fregueses. Pelo novo processo rápido, que acaba de receber, segundo os últimos progressos da arte na Europa e Estados-Unidos, é com mais perfeição os trabalhos, principalmente para as pessoas nervosas, ou crianças, facilitando uma expressão mais natural. PREÇOS 1 duzia glacê 12$ 1 dita simples 6$ Retractos ferro-typos americanos 1 duzia Bijou 1$500 8 victoria 2$500 (297) os últimos anos de 80 são vividos por ignacio Mendo na capital baiana, onde se estabeleceu com a agora denomina Photographia Universal, montada na rua de d. José, nº 2. Parece que seu anúncio sobre a habilidade em retratar crianças e pessoas nervosas deu resultados compensadores e agora em pequenos avisos na imprensa ele se credita com essa especialização: PHOTOGRAPHIA UNIVERSAL De IGNACIO MENDO Especialidades: retratos instantâneos para creanças e pessoas nervosas. Preço sem rival. 2 – RUA DE D. JOSÉ – 2 (298) PHOTOGRAPHIA UNIVERSAL De IGNACIO MENDO Tira retratos com perfeição e modicidade em preços.. (Tem obtido diversas medalhas de ouro). RUA DIREITA DO COLLEGIO Esquina de D. JOSÉ – 2 (299) além de sua vocação pela arte fotográfica ignacio fernandes Mendes revela-se um amante da música, que cultuava à margem de sua profissão e meio de vida. nesses anos finais aparece também como compositor, dedicando uma dessas criações às majestosas cataratas de Paulo afonso, lembrança do árduo período da construção da ferrovia. sua produção musical tem registro na imprensa baiana:
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RECEBEMOS A polka Cachoeira Paulo Affonso – brilhante produção do nosso sympathico amigo Ignacio Mendo, acreditado photographo d’esta capital. (300)
estrada de ferro de Paulo afonso. Vista de Piranhas, alagoas. 1878-1880.
estrada de ferro de Paulo afonso. olho d’água do Casado, alagoas, km 28. 1878-1880.
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suas qualificações como artista fotográfico ascendem a seu ponto mais relevante. em quanto vistas produzidas por Mendo aparecem como gravuras em jornais, seu nome é agraciado pela maior honraria que o império dedicava, desde 1851, aos mais competentes profissionais da nova arte, o título de fotógrafo da Casa imperial. em 28 anos, tinha sido concedido o título a Buvelot & Prat (rJ, 1851), Joaquim insley Pacheco (rJ, 1855), João ferreira Villela (Pe, 1860), revert Henrique Klumb (rJ, 1861), stahl & Wanshaffe (rs, 1862), diogo Luiz Cipriano (rJ, 1864), antonio da silva Lopes Cardoso (Ba, 1864), thomas King (rs, 1866), José ferreira guimarães (rJ, 1866), Mangeon & Van nyvel (rJ, 1868), Marc ferrez (rJ, 1870), Luiz terragno (rs, 1870), alfonse Juntin Lièbert (Paris,
292. O Sobralense, Sobral, Ceará, domingo, 17 Mar. 1875, p. 4. 293. Pedro II, Fortaleza, ano 35, nº 86, domingo, 7 Nov. 1875, p. 4. 294. Correio do Assu, Assu, RN, ano IV, nº 110, 4ª feira, 25 Out. 1876, p. 4. 295. Revista Brasil-Europa, 1989: Da participação alemã na superação da barreira comercial no São Francisco: a ferrovia de Piranhas a Jatobá e implicações culturais. [O diário do engenheiro alemão no São Francisco em narração de Hermann Ferschke. 1835-1903].
frança, 1872), Joaquim Coelho da rocha (Lisboa, Portugal, 1872), Pedro silveira (rJ, 1873), José tomás sabino (Pa, 1873), Henschel & Benque (rJ, 1874), Pedro Hees (rJ, 1876), guilherme Perimutter (Viena, áustria, 1877), franz Priedrich (Praga, tchecoslováquia, 1877), antonio Henrique da silva Heitor (rJ, 1885), Charles Molock (Praga, tchecoslováquia, 1886), fernando stark (sP, 1886), francesco Pesce & filho (nápoles, itália, 1888) e Juan gutierrez de Padilha (rJ, 1889). no dia 6 de agosto de 1889, o imperador Pedro ii concedeu o título de fotografo da Casa imperial a ignacio fernandes Mendo, o 26º dos favorecidos pelo reconhecimento oficial da proficiência artística. seria o último detentor do título a participar desse grupo restrito de brasileiros e estrangeiros que atuaram na Corte imperial e um dos seis artistas com atuação exclusivamente em províncias a ser distinguidos com essa honraria. Consagrador fecho de história de um artista que podia agora ostentar o brasão da família imperial em suas publicidades.
296. Echo Sergipano, Aracaju, Sergipe, ano II, nº 4, 5ª feira, 24 Abr. 1881, p. 4. 297. A Ordem, Cachoeira, Bahia, ano XVI, nº 29, 4ª feira, 14 Abr. 1886, p. 4. 298. Folha Nova, Salvador, Bahia, ano I, nº 4, 4ª semana de set. 1888, p. 2. 299. A Locomotiva, Salvador, Bahia, ano I, nº XI, sábado, 9 Fev. 1889, p. 8. 300. A Locomotiva, Salvador, Bahia, ano I, nº XI, sábado, 9 Fev. 1889, p. 3.
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O FOTÓGRAFO E O DRAMA DA SECA Joaquim Antonio Correia, pioneiro do fotojornalismo
A infeliz província do Ceará abysma-se em um mar de profundas desgraças e de horrorosas desolações; vai pouco a pouco sumindo se no seio tenebroso dos tumulos, aquella heroica porção do império sul-americano, tão rica de tradições gloriosas e de exemplos de viva energia e dedicação pessoal. (302) A tragédia ainda não era conscientizada nos altos escalões do poder imperial e para oferecer um quadro real a Gazeta de Notícias, inovador periódico que se destacava pelo debate dos problemas nacionais, resolve enviar para Fortaleza um dos seus redatores, o escritor José do Patrocínio para cobertura da trágica realidade cearense:
A partir de 1877 a Província do Ceará vive durante três anos sob o impacto da mais devastadora e trágica estiagem: a Grande Seca. Diz um periódico da corte: Parece que o Ceará vai caminhando para um completo aniquilamento! (301) As narrativas que se espalham pelo país são tão chocantes que não ousamos reproduzir. A população interiorana foge em desespero pelas estradas que levam às cidades costeiras e à capital, deixando um rastro de mortos pela fome, a sede, e epidemias avassaladoras. Os que sobrevivem trazem um panorama desolador para as cidades
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portuárias que se veem invadidas por mais de 200 mil retirantes. Fortaleza ao ingressar no ano de 1878 recebera 90 mil flagelados da seca e via rapidamente elevarem-se os índices de mortalidade, com mortes mensais superiores ao total do ano anterior. A cidade assiste o dantesco quadro de miséria exposta em suas ruas, acolhendo as legiões de sofredores em abarracamentos provisórios nos subúrbios e organizando o imenso fluxo migratório nas embarcações que se destinam ao norte e sudeste do Império. Resume o drama a imprensa da Corte:
Segue hoje para o Ceará, no vapor nacional Pará, o nosso companheiro de redacção José Carlos do Patrocinio Os sucessivos horrores por que tem passado ultimamente aquella infeliz província, os dramas de miséria que alli se têm repetido, despertaram no nosso distincto colega os desejos de apreciar de perto tão horrível situação, e fazer com taes elementos um livro, que há de necessariamente commemorar tão triste acontecimento, e ser ao mesmo tempo mais uma prova do talento do festejado auctor do Motta Coqueiro. É louvável e pouco vulgar o escrúpulo do jovem escriptor, que se arrisca a tão incommoda viagem para escrever com verdadeiro conhecimento de causa. A empresa da Gazeta, a quem elle comunicou os seus desejos, resolveu commissional-o n’essa província, resolução que trará uma dupla vantagem para os leitores d’esta folha: a de noticias exactas e minuciosas acerca do estado da população d’aquella parte do império, e a publicação do livro do nosso companheiro, a quem desejamos feliz viagem. (303) As notícias de sua dolorosa experiência na capital constrangida pela miséria foram enviadas pelos vapores rumo ao sul e sucessivamente publicadas nas páginas do periódico. Ao descrever as ruas e praças de Fortaleza, no seu segundo artigo, o jornalista e futuro tribuno abolicionista confessa estar pagando bem caro a sua incredulidade:
Os que não vieram assistir a tremenda exposição da miséria, os que não estão n’esta infeliz província, onde por toda a parte se encontra o pânico, a ruina, a fome, a enfermidade, a morte, não podem nem ao menos acreditar nos factos, que lhe forem narrados. Eu tenho pago bem caro a minha incredulidade! Quando encontro nas ruas dez e doze redes amarradas pelo meio por uma corda de couro; quatro e seis padiolas funerárias ostentando no seu todo negro uma enorme cruz branca, e batendo indifferentemente a tampa grosseira; mais adiante as carroças negras, os préstitos a pé, alumiados por tocheiros os caixões, cuja fórma lembra duas pirâmides truncadas e desiguaes, ligadas pela base, parece-me que estou habitando a cidade da morte e espontaneamente a memoria parodia-me os pavorosos versos do Dante: “Seres creados, não poupeis jamais, “Deixai toda esperança – oh! Vós que entrais!” A cada canto há um quadro horroroso que nos prende a atenção, uma lagrima a enxugar, uma indignação a conter. (304) Foi nesse estado de espírito, e na cidade mergulhada em tristeza e sofrimentos, que José do Patrocínio encontrou um fotógrafo que produzia as mais dantescas imagens da tragédia cearense. Joaquim Antonio Correia, retratista local, buscava nas ruas e praças da cidade as criaturas flageladas para fotografá-las no seu estúdio na Rua da Palma, compondo o mais doloroso mural de nossa história. De imediato, Patrocínio selecionou fotos de Correia para que fossem divulgadas na Corte. Remeteu-as para o amigo português Rafael Bordalo Pinheiro, notável caricaturista e diretor de publicações satíricas, há três anos no Brasil, e que acabara de fundar seu novo periódico, O Besouro. As imagens sensibilizam Bordalo que com maestria reproduz a bico de pena duas delas para ilustração de denúncia contundente em sua revista. A edição de O Besouro, de 20 de julho de 1878, trazia na capa duas fiéis reproduções desenhadas por Bordalo Pinheiro a partir das fotos originais do retratista Correia, com títulos que provocaram repercussão na Corte e no Governo Imperial:
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PÁGINAS TRISTES Scenas e aspectos do Ceará (PARA S. MAGESTADE, O SR. GOVERNO E OS SRS. FORNECEDORES VEREM} (Copias fidelíssimas de photographias que nos foram remettidas pelo nosso amigo e collega José do Patrocínio) ... Estado da população retirante... e ainda há quem lhes mande farinha falsificada e especule com elles!!! (305) Na segunda página da revista uma nota explicativa do editor: O CEARÁ Nosso amigo José do Patrocínio, em viagem por aquella província, enviou-nos as duas photographias por que foram feitos os desenhos da nossa primeira pagina. São dois verdadeiros quadros de fome e miséria. É n’aquelle estado que os retirantes chegam á Capital, aonde quasi sempre morrem, apezar dos apregoados socorros, que segundo informações exactas são distribuídos de maneira improfícua. A nossa estampa da primeira pagina é uma resposta cabal àquelles que acusavam de exageração, a pintura que se fazia do estado da infeliz província. Repare o governo e repare o povo, na nossa estampa, que é a cópia fiel da desgraça da população cearense. Continuaremos a reproduzir o que o nosso distincto collega nos enviar a tal respeito. (306) Pela primeira vez na história da província a fotografia tinha sido usada para denúncia social e as reproduções de Bordalo prestaram–se ao objetivo de constranger o Governo Imperial e os fornecedores que se beneficiavam ilicitamente nas ações de assistência. Punha em foco os que morriam no solo cearense e os milhares de retirantes embarcados no grande êxodo em busca de sobrevivência. Nos navios repletos de flagelados muitos perderam a vida. O vapor nacional Conde d’Eu, em fevereiro de 1878, levou a bordo 945 vítimas da seca. No naufrágio da barca portuguesa Laura, em maio, perecem
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cerca de 200 dos emigrantes transportados. A grande seca, mesmo não considerando o doloroso quadro da emigração forçada, alcançou números dramáticos em perdas de vida: Deixou um saldo de mais de 500 mil mortos entre os habitantes do Ceará e das vizinhanças. Só em Fortaleza pereceram 119 mil pessoas. Cerca de 50% da população morreu. Dos mortos de 1877 a 1879, calcula-se que 150 mil faleceram de inanição e 100 mil de febres e outras doenças, 80 mil de varíola e 180 mil de fome, alimentação venenosa e sede. (307) O dramático período da história regional induziu ao jornalista José do Patrocínio a divulgar o inédito e corajoso libelo fotográfico de Joaquim Antonio Correia. Pelo menos duas séries com dezenas de fotos foram produzidas em tamanho carte de visite, montadas em cartão com inscrição na parte inferior – Secca de 1877-1878 – Ceará, ou Secca de 1877 a 1879. Nas laterais dos cartões versos que pretendiam expressar o lamento desesperado dos retratados, exemplificados a seguir: Tão bello! na face outror’ora Eu tinha os risos dos céus! E myrrada pelle agora Cobre mal os ossos meus! Tenho fome! Tanta fome Que já não me posso erguer! Miseria, que me consome, Deixe que eu possa morrer! Vede este corpo, elle outror’a Foi luzidio e feliz; Mas hoje é pallido espectro Que a existência maldiz. Triste orphão da ventura Só dores no mundo achei Dá-me oh! Deus a sepultura Onde a paz encontrarei!
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33 Por que me tornas cadáver, Miséria, que me assassina? Por que plantas tantas dores Na minh’alma inda menina?! Eu sou cadáver esguio Que por entre os vivos erra; Meu corpo tomba sombrio No solo da ingrata terra! O filho, como uma fúria. Ergeu-se e um pão pedio! Pobre pae, ante a penúria, Tremeu de fome e cahio! Foi o ceu inexhoravel Contra á mim, contra á meus paes, Deixou-me na orphandade Entregue a dores e ais!
a tragédia cearense não deixou apenas histórias tristes. no auge da crise o imperador d. Pedro ii, revelando sensibilidade, teria dito que venderia até a última joia da coroa, mas não permitiria que nenhum cearense morresse de fome. o jornalista José do Patrocínio transformaria sua vivência em emocionante romance, Os retirantes (1879), regressando ao Ceará para apoiar e assistir a vitória do movimento abolicionista. o fotógrafo Joaquim antonio Correia, cuja atuação por mais de dez anos veremos a seguir, qualificou-se nesse episódio como iniciador do fotojornalismo no Brasil. Cinco anos após a grande seca, exerceria mais uma vez sua vocação para o documentário fotográfico, reverenciando os líderes abolicionistas cearenses na sua série denominada Retratos Libertadores.
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JoaQUiM antonio Correia Das fotos da seca aos retratos libertadores
Deixei por amor a vida Me roubarem o pudor! E hoje, mulher perdida Morro de fome e de horror!
301. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, ano IV, nº 196, 5ª feira, 18 Jul. 1878, p. 1. 302. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, ano IV, nº 57, 3ª feira, 26 Fev. 1878, p. 1. 303. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, ano IV, nº 127, 6ª feira, 10 Mai. 1878, p. 1.
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304. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, ano IV, nº 201, 3ª feira, 23 Jul. 1878, p. 1. 305. O Besouro, Rio de Janeiro, ano I, nº 16, sábado, 20 Jul. 1878, capa. 306. O Besouro, Rio de Janeiro, ano I, nº 16, sábado, 20 Jul. 1878, p. 2. 307. Malveira, A. Notas sobre as secas. Rio de Janeiro: Ed. do autor, 2001, p. 62.
as dificuldades vividas no território cearense a partir de 1877, prolongadas ao longo de mais dois anos, não era fato novo na província. no período de 185 anos, entre 1692 a 1877, tinham sido registradas treze grandes secas geradoras de fome e sofrimento para sua população. a ocorrência cíclica do devastador fenômeno de secas, que acompanha a história da região nordestina como um todo, constituía-se desafio à sua população na busca de superação e continuidade no caminho ao desenvolvimento. a vida prossegue na capital da província, mesclando o sofrimento coletivo com o toque espirituoso necessário para desanuviar as mentes e o retorno ao curso normal de evolução. Um bom exemplo, o estilo adotado pela firma rocha figueiras, ao anunciar sua liquidação de estoques com redução
de preços, vendendo tudo apenas à vista, porque “o fiado morreu na seca de 1877”. a dramática seca de 1877-78, como exposto em capítulo anterior, colocou em evidência um quase anônimo fotógrafo que se iniciara na profissão em conjuntura tão adversa. Joaquim antonio Correia, até então e pelo menos desde 1874 aparecia no cadastro de contribuintes apenas como proprietário de casa comercial, especializado em produtos manufaturados fora da província, estabelecida na rua da Palma, 17. só no início de 1877, Correia torna-se visível como fotógrafo estabelecido à rua formosa, nº 31, afirmando em seus primeiros anúncios ter recebido dos estados Unidos variado sortimento de cartões finos, quadros e outros artigos, e ter à venda por 500 réis retratos em cartede-visite do Papa Pio iX:
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PHOTOGRAPHIAJoaquim Antonio Correia, na rua Formosa nº 43, acaba de receber dos Estados Unidos um sortimento de cartões finos para retratos de visita, quadros dourados de gosto para retratos grandes, cartões chineses enfeitados com dezenhos para retratos de gabinete e grandes, e outros muitos artigos concernentes ao seu trabalho de photographia; pelo que avisa ao respeitável publico que se acha provido de tudo quanto lhe é necessário para servir bem a quem se dignar servir-se do seu trabalho. PREÇOS 1 dusia de retratos de visita6$000 ½ dusia de retratos de visita 4$000 Retratos envernisados a crozá 1 dusia de retratos a crosá10$000 ½ dusia de retratos a crozá6$000O mesmo tem retratos do nosso Santo padre Pio IX em cartões de visita a 500 réis. (308)
em seguida a este momento desconcertante na vida profissional, Joaquim antonio Correia teria a oportunidade de conhecer, em maio, o escritor e jornalista José do Patrocínio. as fotos dramáticas que vinha realizando com as tristes vítimas da grande seca ganharam uma grande dimensão política pela divulgação dada pelo editor e notável desenhista rafael Bordalo Pinheiro. a publicação na capa do periódico O Besouro, edição de 20 de julho de 1878, como vimos no capítulo anterior, provocou a corte imperial, feriu diretamente a consciência nacional e contribuiu para um tratamento mais humano e efetivo das vítimas da seca. o episódio concede a Correia o mérito de ser pioneiro no uso da fotografia como denúncia social e, na consideração de muitos autores contemporâneos, ter com suas fotos do drama da seca iniciada a era
assinando geralmente J. a. Correia ou Corrêa, exerceu a função de fotógrafo retratista por período não inferior a dez anos. nos dois primeiros anos, em pleno doloroso período da grande seca, enfrentaria não apenas os percalços decorrentes das intempéries. teve que reagir de imediato a ação agressiva da maledicência que lhe atribuía a comercialização indevida de retratos de suas clientes, jovens de conceituadas famílias. acusação que mais uma vez se fazia a um profissional da nova arte. Correia deve ter superado a questão, como comprova sua longa permanência em exercício, a partir de sua contestação da infâmia, acrescida de uma curiosa e inusitada ameaça aos seus clientes devedores de expor seus retratos pendurados de cabeça para baixo em sua galeria: JOAQUIM ANTONIO CORREIA Declara ao – RESPEITÁVEL PUBLICO – que em sua Photographia nunca vendeu, nem venderá retractos de moças de família: e si alguém disser o contrario será uma calumnia que só poderá infamar a quem tal proferir. Quanto aos que levarão retratos dizendo: - Eu hoje mesmo lhe trago o dinheiro, e não voltavão mais, tem resolvido a dipendura-los de cabeça para baixo em sua galeria, afim de fixar-lhe em lembrança e não cahir em outra embaçadella. Fortaleza, 29 de Abril de 1878. (309)
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Menino em pé, n. i. acervo família Bezerra de Menezes.
Mulher em pé, n. i. acervo família Bezerra de Menezes.
Mulher idosa em pé, n. i. acervo família Bezerra de Menezes
do fotojornalismo brasileiro. resoluto, o artista fotógrafo dá continuidade ao exercício de uma profissão que se afirmava no mercado nacional. eram então seus concorrentes em fortaleza o dinamarquês niels olsen associado ao austríaco Constantino Barza, o francês Benoit Baubrier e francisco Candido de Moura Cabral. seu estúdio fotográfico, agora instalado na rua formosa, nº 31, dispõe de máquinas de 4 objetivas para tirar simultaneamente 8 retratos, com preços reduzidos para fotos crozat, esmaltadas, e em formato carte-de-visite:
visita...6$0006 retratos em cartão de visita...4$00012 retratos a crozat (esmaltado)... 10$0006 retratos a crozat (esmaltado)...6$000Os retratos grandes, mediante ajuste. (310)
PHOTOGRAPHIA J. A. Correia, rua Formoza, n° 31, tem grande sortimento de quadros de gosto, para retratos grandes e pequenos, ditos para 1 a 12 retratos, machinas de 4 objetivas para tirar 8 retratos de 1 vez, laminas de ferro para retrato a ferro-typo, e tudo por preço tão diminuto que adimira. PREÇO DOS RETRATOS:12 retratos em cartão de
os novos tempos abriam também um capítulo de glórias para o povo cearense, com o coroamento vitorioso do movimento antiescravagista, graças a destemida ação de abolicionistas agrupados em organizações como a sociedade Libertadora Cearense e o Centro abolicionista, fundadas nos anos de 1880 e 1882, respectivamente. a força do ideal libertário foi consagrada ao surgir a sociedade abolicionista feminista Cearenses Libertadoras, em 1883, liderada por Maria tomásia figueira Lima, a jovem elvira Pinho, então com 22 anos, e outras admiráveis mulheres cearenses. os anos 80 enobrecem a província cearense. três datas são inscritas em páginas luminosas de sua história. o dia 1º de janeiro de
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1883, com a emancipação dos escravos de acarape, primeira vila a ficar sem escravos o que lhe concederia a atual denominação de redenção. no dia 24 de maio de 1883, fortaleza tornava-se a primeira capital brasileira a libertar todos os seus escravos. Logo em seguida, em 25 de março de 1884, o Ceará conquistava o título de primeira província brasileira a extinguir o sistema escravagista. eventos memoráveis que precederam à assinatura da Lei áurea pela Princesa isabel, em 13 de maio de 1888, libertadora de todos os escravos do Brasil. (311) Joaquim antonio Corrreia, novamente, decide preservar a história, documentando e prestando homenagem aos líderes antiescravagistas em fotos denominadas Retratos Libertadores. nessa fase reaparece a figura de José do Patrocínio, que revisita o Ceará em alegria cívica da vitoriosa campanha emancipadora, atribuindose a ele ter dado ao Ceará o título de Terra da Luz. Correia produz e comercializa os retratos dos líderes da Libertadora Cearense, um ano antes da extinção total da escravatura na província cearense: RETRATOS LIBERTADORES Na photographia de J. A. Correia á Rua Formosa vendem-se retratos dos Sócios da Libertadora Cearense, que foram em commissão á cidade do Icó assistir a libertação do município. O trabalho é perfeito e bem acabado, que nada deixa a desejar pela fidelidade do original. Vende-se barato e vale a pena possuir essa recordação histórica do grande acontecimento. (312) as atividades prosseguem no estúdio agora localizado à rua formosa, nº 3. em 1885, Correia diz ter adquirido de Paris mais uma aperfeiçoada máquina para retratos instantâneos e também chapas no tamanho de 30x40 que possibilitavam tirar fotos de grupos de cem pessoas: Photographia Joaquim Antonio Correia, Photographo á rua Formosa nº 31, além das que tem, acaba de receber de Pariz uma machina das mais aperfeiçoadas para o processo instantâneo, e chapas de bromureto de prata, para tirar grupos
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a evidência de que continuava em pleno exercício da arte fotográfica é uma sequência de anúncios no ano seguinte, que com as chapas instantâneas recebidas da Bélgica, pode fazer tirar os mais belos retratos, pequenos e grandes, individuais ou de grupo familiar numeroso, sem fatigar o fotografado por mais que sofra dos olhos:
PHOTOGRAPHIA Joaquim Antonio Correia, photographo á rua Formosa nº 37, acaba de receber as mais perfeitas chapas instantâneas, preparadas na Bélgica para retratos pequenos e grandes; podendo por isto tirar retratos os mais bellos, visto não fatigar a pessoa por mais que soffra dos olhos. Em chapa grande, pode tirar retratos e grupos de famílias, por mais numerosas que sejam, ficando para o freguez grande economia em preço. (315)
Menina em pé, n. i. acervo família Bezerra de Menezes.
de cem pessôas, com rapidez e perfeitamente marcados em todo tamanho da chapa, que é de 30X40; e assim também retratos grandes, podendo ser chamados a qualquer parte, por preço razoável. (313)
seu nome ainda aparece, no final dos anos 80, nos editais de arrecadação do imposto de indústria e profissão. É provável que tenha continuado no ofício pelo menos até 1892, quando no dia 29 de dezembro, inaugura no Boulevard da Conceição, a primeira fábrica de louças do Ceará, assim divulgada: FÁBRICA DE LOUÇAS Boulevard da Conceição PROPRIETARIO – Joaquim Antonio Correia Amanhã quinta-feira 29 do corrente pelas 10 horas do dia depois da Sacra ceremonia da Benção será Inaugurada
a 1ª Fabrica de louças intallada neste Estado montada com elementos para fornecer sortimento completo de Filtradores, Panellas, Alguidares, Botijas, Copos, Bilhas, Jarros e toda qualquer peça que disser respeito a sua fabricação Louças fuscas e vidradasO proprietário convida ao respeitável publico a visitarem este Novo Estabelecimento industrial que se fazia tão preciso a esta capital. O deposito geral será no Estabelecimento – CONFUCIO – Ceará, 28 de Dezembro de 1892. Joaquim Antonio Correia – Proprietario. (316) Confirmando ter mudado definitivamente de negócio, encontramos a seguir um anúncio de venda de seu gabinete fotográfico: PHOTOGRAPHIA Joaquim Antonio Correia, vende a sua photographia constando de boas lentes, drogas, punsas, etc. A tratar: Rua Formosa n. 31 (317) Por essa época, Correia aparece no rol dos proprietários locais, com sua residência à rua floriano Peixoto, 95, e o prédio industrial localizado no Boulevard da Conceição. o fotógrafo que fizera história por mais de dez anos, o corajoso documentarista da devastadora seca de 1877-78, o iniciador do fotojornalismo brasileiro no reconhecimento de muitos autores, o apoiador dos corajosos abolicionistas cearenses, encerrava definitivamente essa etapa de vida. desaparecia o artista fotográfico para surgir um esperançoso empreendedor industrial.
nos três anos seguintes a sua presença publicitária vai se reduzindo, confrontando visivelmente com a forte presença de niels olsen. enquanto o anúncio do fotógrafo dinamarquês destacava-se, Correia no decorrer de 1886, marca sua presença com pequeno aviso, em dias alternados, na última página do periódico Libertador: RETRATISTA Joaquim Antonio Correia tira retratos pelos processos mais aperfeiçoados e garante a nitidez do seu trabalho. Rua Formosa Nº 31. (314)
308. Cearense, Fortaleza, ano XXXII, nº 5, 5ª feira, 18 Jan. 1877, p. 4. 309. Cearense, Fortaleza, ano XXXII, nº 44, domingo, 12 Mai. 1878, p. 4. 310. Cearense, Fortaleza, ano XXXII, nº 57, 3ª feira, 15 Mar. 1881, p. 4. 311. Sobre a extinção da escravatura no Ceará, sugiro a obra: Girão, R. A abolição no Ceará. Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto, 1984. 3ª edição melhorada. 302 pp. 312. Libertador, Fortaleza, ano III, nº 100, 4ª feira, 9 Mai. 1883, p. 1.
313. Cearense, Fortaleza, ano XXXIX, nº 143, 5ª feira, 30 Jul. 1885, p. 3. 314. Libertador, Fortaleza, ano VI, nº 185, 3ª feira, 17 Ago. 1886, p. 4. 315. Libertador, Fortaleza, ano VII, nº 193, 4ª feira, 13 Jul. 1887, p. 4. 316. A República, Fortaleza, ano I, nº 210, 4ª feira, 28 Jul. 1892, p. 3. 317. A República, Fortaleza, ano II, nº 122, 3ª feira, 30 Mai. 1893, p. 3.
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1877
o dinaMarQUÊs nieLs oLsen
Salvo em naufrágio e notável retratista fin de siècle
niels olsen em foto do studio n. olsen & Barza, Pará. acervo de nirez.
o início de 1880, amainados os efeitos da seca, traz novos ares para a cidade e esperanças de volta à rotina tranquila. a vida sociocultural gira em torno de organizações como o Theatro Thaliense, o recreio familiar, o teatro são José, o gabinete Cearense de Leitura, e no subúrbio dos arronches (atual Parangaba) com o teatro guarany. a população possui agora um serviço de carros de aluguel para passeio, casamento ou batizado. a Companhia ferro-Carril
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recebe pelos vapores Bertha Carrington, inglês, e Nellie, alemão, os materiais e bondes de passageiros e carga, que serviriam aos habitantes da capital. Com a conclusão da estação de Canoa (atual aracoiaba), inaugurada em março de 1880 pela estrada de ferro de Baturité, é instituído um trem de recreio com viagens dominicais, incluindo almoço ao som de música em hotel, tarde dançante e alternativa de alugar cavalos para uma cavalgada até Baturité.
o francês Pedro Hypolito gérard abria a preços módicos em seu Hotel de l’Univers, magníficas banheiras para banhos frios e mornos, e disponibiliza ao público o sorvete, novidade que seu concorrente do Hotel Central anunciava como refresco que não se deve servir com o corpo agitado. anos antes, sem precisão de data, o dinamarquês niels olsen estabelece-se em fortaleza, cidade adotiva em que firma seu prestígio profissional e torna-se o mais prestigiado fotógrafo do final de século. num primeiro momento ele exerce a profissão de forma itinerante no interior cearense anunciando-se como Photographia Volante n. olsen e, a seguir, adotando a denominação Photographia Dinamarqueza. a evidência do uso dessa segunda denominação aparece em nota recolhida pelo professor Levi Jucá do periódico “o Baturité”, de 28 de junho de 1877, que registra a instalação do atelier Photographia Dinamarqueza. no anúncio, que segue o padrão de uso comum pelos itinerantes, apresenta-se como “n. olsen de passagem por esta cidade, avisa ao respeitável publico, que pretendendo demorar-se alguns dias tem montado a sua photographia na rua nova do commercio”, e oferece a dúzia de cartões fotográficos por dez mil réis. Baturité reafirmava o atrativo para os fotógrafos visitantes, pois, oito meses antes, em novembro de 1876, anunciava o mesmo jornal a abertura de casa fotográfica, na rua do Meio, do retratista Leocadio francisco tavares, um dos inúmeros ambulantes não mais lembrados que percorriam o interior brasileiro, e de quem se sabe apenas chegado do sul a fortaleza, no vapor Ipojuca no dia 12 de dezembro de 1875. em 1879, olsen casa-se com Lydia Cabral, filha do português José Cabral de Melo, tendo nesse consórcio 7 filhos. nesse mesmo ano é formalizada sua atividade profissional na capital, como consta em edital de arrecadação de impostos, em primitivo ateliê na Praça do ferreira, nº 4. após essa fase inicial, pouco conhecida, ele transfere seu gabinete fotográfico para a rua senador Pompeu, nº 67, exibindo o título de Photographia Dinamarqueza, denominação que utilizava no serviço itinerante. os pequenos anúncios aparecem na Gazeta do Norte:
PHOTOGRAPHIA DINAMARQUEZA N. Olsen avisa os seus fregueses que continua em seus trabalhos photographicos á rua do Senador Pompeu, n. 67; podendo ser procurado das 9 horas da manhã ás 3 da tarde. (318) as atividades exitosas seriam interrompidas pela decisão de retornar à europa, em setembro desse ano, em busca de aparelhos novos e melhor capacitação em sua arte fotográfica: Niels Olsen avisa ao respeitável publico desta cidade e da província, que parte para a Europa no dia 20 do corrente e pretende voltar no fim do anno, trazendo apparelhos novos e mais melhoramentos pertencentes a sua arte de photographia, afim de habilitar-se para poder satisfazer aos seus fregueses com a pericia desejada em vista da grande perfeição a que tem chegado a photographia na Europa e mesmo nas outras províncias do Brazil. Offerece-se também para agenciar as encomendas das pessoas que desejarem mandar tirar retrato a óleo na Europa. Ceará, 10 de setembro de 1880. (319) regressava niels olsen ao continente de origem de onde migrara para o Brasil em 1855, numa viagem venturosa que quase terminou em tragédia com o naufrágio da embarcação ao entrar na baía de guanabara. a migração dos olsen para o Brasil insere-se no grande êxodo de milhões de escandinavos que fugiam das dificuldades reinantes em seus países em busca de oportunidades nas américas. seus pais Henrik Lewin olsen e anna Christine olsen, originários de tronheim, noruega, tinham chegado ao rio de Janeiro com passaportes dinamarqueses, em 1850, acompanhados dos filhos mais velhos ole danie e Henriette Wilhelmine. o último filho do casal, niels olsen, chega em 1855, trazido por gentileza pelos irmãos Herman theodor Lundgren e Karen Lundgren, suecos originados de norrköping, amigos da família. as diversas fontes consultadas afirmam que niels tinha 7 anos de idade ao chegar ao Brasil, o que nos leva a aceitar 1848 como o ano do seu nascimento, contrapondo-se a 1843 apontado em
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ao regressar à fortaleza, após cumprir seu roteiro europeu de atualização de conhecimentos, anuncia nos jornais locais a reativação do gabinete fotográfico a partir de fevereiro, trazendo como novidade o austríaco Constantino Barza, agora seu sócio. o acerto de sociedade deve ter ocorrido mesmo em recife, onde Barza então residia. Como veremos em capítulo seguinte, o austríaco desde 1870 exercera atividades comerciais no Pará e a seguir, em recife, qualificando-se nas atividades fotográficas, tendo exercido até 1880 a gerência da Photographia alemã, do renomado retratista germânico alberto Henschel. os anúncios da parceria olsen e Barza aparecem na imprensa cearense em janeiro de 1881:
Mulher, n. i. acervo fundação Joaquim nabuco.
antonio Bezerra de Menezes. acervo família Bezerra de Menezes.
obras diversas. seu nascimento teria ocorrido em 5 de fevereiro de 1848. a chegada à capital brasileira do jovem niels foi marcada pelo naufrágio da embarcação, narrado por Lundgren a seus biógrafos:
caminhos diversos. Karen Lundgren casa-se com ole danie olsen e vão viver no rio grande do sul. Herman theodor Lundgren transfere-se para o nordeste, em 1868, e faz carreira empresarial como exportador e criador de uma fábrica de pólvora, a Pernambuco Powder factory, e outra de tecelagem, a fábrica de tecidos Paulista. ao falecer em 1907, seus herdeiros, a viúva anna elisabeth stolzenwald e seus cinco filhos, desenvolvem uma bem sucedida rede lojista que se consagra depois como Casas Pernambucanas. niels olsen escolhe fortaleza como terra de adoção, casa-se em 1879 com a jovem Lydia Cabral, de 16 anos de idade, e constitui uma família integrando-se na sociedade local. desenvolve então atividades comerciais e exercita a profissão de fotógrafo, que vem a ser interrompida a 20 de setembro de 1880 por sua viagem à europa.
Os dois meses de viagem transcorreram sem problemas até a entrada na baía da Guanabara, quando uma tempestade se abateu sobre o veleiro. Surpreendida com as velas arriadas, a embarcação foi atirada sobre rochedos à flor d’água. Todos os passageiros salvaram-se em barcos mandados de terra. Mas o choque contra os rochedos bastara para causar ferimentos em muitos, inclusive Herman, que passou os primeiros vinte dias de estadia no Brasil em um leito de hospital. (320) a amizade entre os Lundgren e olsen é ainda mais entrelaçada no Brasil, embora tenham seguido
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NIELS OLSEN De volta de sua viagem a Europa participa ao respeitavel publico, que se associou ao distincto photographo austriacho Constantino Barza, e que com seu socio está habilitado a tirar retratos de todos os tamanhos desde cartão de visita, gabinetes, até o tamanho natural. Para este fim dispõem das machinas mais aperfeiçoadas e modernas. Sendo necessario tempo para montar a casa, só podem principiar os seos trabalhos no fim do mez de Fevereiro do corrente anno. (321) a sociedade olsen & Barza, na capital cearense, entra em atividade em março, no mesmo local do antigo estúdio da rua senador Pompeu, 61, permanecendo aberto ao público sobre a competente direção dos experientes fotógrafos até dezembro. o início das atividades representa uma boa nova para a sociedade local, que reconhecia os méritos do artista dinamarquês:
PHOTOGRAPHIA Temos a honra de participar ao respeitável publico que acabamos de montar a nossa casa Photographica na rua do Senador Pompeu nº 61, e que somos habilitados para todo e qualquer serviço pertencente á nossa arte; tiramos retratos até tamanho natural, e com toda perfeição desejável, pois que dispomos das melhores machinas e preparos para este fim. As pessoas que nos quizerem honrar com as suas visitas e encommendas, achão na exposição trabalhos já executados aqui, como também retratos de toda espécie tirados nas melhores casas da Europa. A nossa casa se acha à disposição dos nossos freguezes das 9 horas da manhã ás 4 da tarde. Acceitamos encommendas de retratos a óleo de tamanho natural pelo preço de 125$000 cada um com moldura e garantimos n’estes, como nos trabalhos da nossa casa toda perícia. Ceará, 18-3-1881. Olsen & Barza.. (322)
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PHOTOGRAPHIA Os abaixo assignados participam ao publico que transpassaram o seu estabelecimento photographico, a rua do Senador Pompeu n. 61 nesta capital, ao Sr. Francisco Candido de Moura Cabral, que os fica substituindo no mesmo trabalho, para o qual está convenientemente preparado. Aproveitam o ensejo para scientificar as pessoas que se retrataram, que todas as chapas ficam em poder do mesmo Sr. Cabral, a quem se devem dirigir para obter qualquer reproducção de retratos. Podemos afiançar aos nossos freguezes que, ficamos optimamente substituídos; e, a nossa affirmativa será verificada por aquelles que de novo se retratarem ou pedirem reproducções. Ceará, 3 de dezembro de 1881. N. Olsen & Barza (323) Quatro meses depois, entretanto, motivados por oportunidade pressentida na próspera capital paraense, passam a anunciar a decisão de fechar a casa fotográfica em 31 de agosto, em razão de pretenderem instalar-se em Belém, no Pará. o que efetivamente se concretiza em dezembro desse ano, quando o gabinete de fortaleza é transferido para o profissional francisco Candido de Moura Cabral:
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a breve permanência da dupla olsen & Barza em fortaleza, deve ter tido dois fatores decisivos: o fato de Constantino Barza ter iniciado suas atividades empresariais na cidade de Belém, como veremos no capítulo seguinte, e o espaço profissional aberto pelo falecimento do conceituado fotógrafo paraense José thomaz sabino e a consequente venda em leilão
seus pertences, móveis e objetos, incluindo um poliorama, máquina fotográfica e todos os artefatos de seu gabinete. sabino trocara o prestígio de uma função pública pelos estudos de fotografia na europa, retornando em 1870 para a instalação da Photographia de Lourenço antonio dias e, por dez anos, em seu estúdio próprio, tornara-se profissional de alto conceito. tinha 39 anos quando faleceu a 23 de julho de 1880, sem recursos financeiros, mas ostentando desde 1873 o honroso título de fotógrafo da Casa imperial, a 16ª honraria concedida pelo imperador Pedro ii. em comentário sob a epígrafe Nem sonhos o acordarão, revela o Liberal do Pará: Viveo sempre com os mais exíguos recursos e morreo sem deixar cousa alguma à sua famiia; mais em compensação deixou ennobrecida a sua arte, e, por sua prematura ausência, cheios de tristesa e luto os seus amigos. (324) Chegados a Belém, olsen & Barza ocupam o antigo estabelecimento de sabino à rua da trindade nº 24 onde promovem durante dois anos a Photographia Viennense:
PHOTOGRAPHIA VIENNENSEN.24 – RUA DA TRINDADE – Nº 24 ANTIGO ESTABELECIMENTO DO FALLECIDO JOSÉ THOMAZ SABINO N. OLSEN & BARZA tem a honra de participar ao respeitável publico desta capital e do interior da Provincia que acabam de montar o seo estabelecimento de – PHOTOGRAPHIA – na casa onde morou o fallecido photographo Sabino e que se acham competentemente habilitados a bem servir as pessoas que quiserem se dignar de honral-os com suas encommendas. Tiramos retratos desde o tamanho natural ao menor em todos os systemas modernos, com o aperfeiçoamento e pericia e que nos últimos annos tem attingido a arte Photographica Começaremos nossos trabalhos no dia 1º de Janeiro vindouro, estando nosso estabelecimento á disposição do publico, das 8 horas da manhã ás 5 da tarde, e para as pessoas que quiserem se retratar das 9 ás 4. PREÇOS MODICOSBelém 21 de Dezembro de 1881. N. Olsen & Barza (325) a sociedade entre olsen e Barza, durou pelo menos cerca de dois anos, quando os parceiros
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Casal, n. i. acervo fundação Joaquim nabuco.
Mulher com leque, n. i. acervo fundação Joaquim nabuco.
Horácio gomes da Costa. acervo Luciano titara Mesquita.
Plácido de Carvalho. acervo instituto do Ceará.
retornam para suas antigas cidades, respectivamente, fortaleza e recife. Barza tem sucesso com sua firma de importação e exportação além de exercer sua vocação de retratista como auxiliar do alemão alberto Henschel e depois como proprietário da Photographia alemã.É a oportunidade para niels olsen regressar para fortaleza, o que o faz em 12 de setembro de 1884, acompanhado da esposa e dois filhos, dos quais veio a falecer seis meses depois o menor César, de 4 anos. o retorno é anunciado previamente como uma permanência de apenas alguns meses:
o retorno de niels olsen para fortaleza seria definitiva, salvo temporadas em que desenvolveu sua arte na cidade praiana cearense de aracati e em natal, capital do rio grande do norte, onde anunciando-se como Photographo n. olsen, manteve gabinete na rua da Conceição. em nota de 7 de outubro de 1884, olsen anunciou a abertura do seu ateliê fotográfico na rua do Conde d’Eu nº 113, a Photographia Vienense, quando consolidava a qualidade do seu lavor artístico e o alto conceito que desfrutava na capital cearense.
as suas visitas e encommendas, os seus trabalhos que serão feito sempre com a máxima perícia, pois para este fim tem adquirido ultimamente os machinismos mais aperfeiçoados e modernos. Os trabalhos serão executados com as chapas extra-instantaneas de bromorêto de potássio cujo emprego em combinação com machinas adequadas, possibilitam obter-se sem causar o menor encommodo ao retratado, os retratos de maior perfeição desejável. Pelo systema acima dito com facilidade tira-se retratos perfeitissimos de creanças por muito traquinas que sejam: assim como também de grupos de varias pessoas. O estabelecimento estará a disposição do publico todos os dias úteis, domingos e dias sanctos das 8 horas da manhã as 4 da tarde. Attende-se a qualquer chamado, para tirar retratos fora de caza por preço módico, para cujo fim tem feito
aquisição de uma machina especial. Ceará, 7 de Outubro de 1884.W. Olsen (327)
Niels Olsen, á chegar brevemente a esta cidade, pretendendo demorar-se alguns mezes, tem a honra de offerecer seus serviços aos amigos e freguezes os seus trabalhos já tão vantajosamente conhecidos n’esta província. [...] (326)
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PHOTOGRAPAHIA VIENNENSE O abaixo assignado avisa ao respeitável publico d’esta capital e do interior, que acaba de montar o seu atelier photographico na rua do Conde d’Eu nº 113. O mesmo põe a disposição das pessoas que quizerem honrar com
o gabinete fotográfico de olsen transfere-se em 1886 para a rua formosa, a mais valorizada área da cidade, ficando instalado no prédio nº 100. inicialmente o ateliê é anunciado como Photographia Niels Olsen e, após nova viagem à europa em 1890, como Photographia Dinamarquesa. Um extenso período que se prolonga ao final do século tornando-se o artista dinamarquês o mais destacado e prestigiado fotógrafo dos que até então desenvolveram a arte na capital cearense. os propósitos da viagem de maio de 1890, oportunidade em que fechou seu ateliê, foram expostos em publicidade na imprensa:
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azevedo, que relembra sua iniciação na fotografia de olsen na sua notável obra “fortaleza descalça”. Conceituado na sociedade cearense, niels olsen, apresenta-se nos eventos da vida local e ostenta a consagração como o melhor fotógrafo do final do século XiX. sua morte em 17 de outubro de 1911 é assim profundamente lamentada: N. Olsen Hontem falleceu nesta capital o sr. N. Olsen, habilíssimo photographo que residiu entre nós largos annos. Era dinamarquês e casado numa das mais distintas famílias do Ceará. A sua morte foi bastante sentida, realizando-se hoje pela manhã o seu enterro. Damos pêsames aos seus parentes, especialmente ao seu digno genro Luis Correia. (329)
Crianças em fantasias, n. i. acervo família Bezerra de Menezes.
sinhá Barroso e Pedro Junior da Costa. acervo instituto do Ceará.
PHOTOGRAPHIA N. OLSEN retira-se temporariamente para a Europa, onde fará acquisição de novos e importantes melhoramentos para seu estabelecimento photographico, nesta capital. Regressando, reabrirá a casa, atentada com o máximo aperfeiçoamento, de modo a continuar a merecer a confiança de seus fregueses. Fortaleza, 1º de Maio de 1890. (328)
exposição Universal de Chicago. apoiou a equipe técnica da Comissão astronômica Britânica, com fotos e revelação das chapas feitas durante o eclipse solar de 1893. sua câmera registra também momentos históricos, como as obras do porto, a expansão da ferrovia e o levante que depôs o Presidente Clarindo de Queiros, e aspectos do cotidiano, como a presença de emigrantes nas ruas centrais, as reuniões no Prado e as quermesses do Passeio Público. ao longo de sua vida dedicada à arte fotográfica, niels olsen, apoiou a diversos pintores como Johann Brindseil e daniel Bérard, e contou com jovens auxiliares que fizeram história individualmente, entre eles, o poeta raimundo Varão, o retratista antonio rodrigues (a. roiz), pintor e flautista Júlio azevedo, o escritor Herman Lima, musicista augusto Cabral e o poeta, artista plástico e fotógrafo otacílio de
no regresso da viagem, realizada em companhia da esposa e do filho, niels olsen reabre o ateliê da rua formosa nº 100 novamente sob a denominação de Photographia Dinamarquesa. no ano, seguinte, faz sua mudança de endereço, passando a funcionar no prédio nº 21, na mesma rua, sempre como conceituado e emérito retratista. suas vistas dos Ceará foram selecionadas pela comissão provincial para a
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apesar do elevado respeito que granjeou em todas as áreas da vida cearense, a niels olsen foi negado pelas autoridades eclesiásticas o pedido que lhe concedessem um ritual católico. a família que fora confortada nos seus últimos momentos de vida por um círculo de amigos, manifestava especial agradecimento aos médicos eduardo salgado, Bruno Valente, Cabral de alencar e José frota e aos padres alexandre e José de arimatéa, pela assistência durante a sua enfermidade. Uma nota na imprensa
318. Gazeta do Norte, Fortaleza, ano I, nº 18, 3ª feira, 29 Jun. 1880, p. 4. 319. Cearense, Fortaleza, ano XXXIV, nº 95, domingo, 12 Set. 1880, p. 4. 320. Marcovitch, J. Pioneiros e empreendedores: a saga do desenvolvimento no Brasil, Volume 3. São Paulo: EdUSP, 2007, p. 30-31. 321. Cearense, Fortaleza, ano XXXV, nº 19, 4ª feira, 26 Jan. 1881, p. 3. 322. Constituição, Fortaleza, ano XIX, nº 23, sábado, 19 Mar. 1881, p. 3. 323. Pedro II, Fortaleza, ano II, nº 42, 5ª feira, 8 Dez. 1881, p. 4. 324. O Liberal do Pará, Belém, ano XII, nº 167, sábado, 24 Jul. 1880, p. 1.
local explicava a ausência do rito católico: A família do snr. Niels Olsen pede-nos para avisarmos aos parentes e amigos deste cavalheiro que deixou de se realizar o seu enterro pelo ritual catholico, contrariando as ultimas disposições do finado, por terem se recusado os poderes ecclesiásticos. Outro sim deixam de se realizar também missas ainda pelo mesmo motivo. (330) À distância, em Manaus, o parente e amigo guilherme sombra e sua família, mandaram celebrar uma missa por alma do saudoso morto, na igreja Matriz da capital amazonense, na manhã do dia 7 de novembro de 1911. (331) a morte de olsen não lhe apaga o nome. a sua Photographia olsen prossegue como empreendimento do seu sócio e genro Luiz Correia, sob a responsabilidade técnica do filho oscar olsen, o seu único continuador na profissão. o gabinete fotográfico sobrevive até os anos 20. seus filhos Walter e orlando, em sociedade, dedicam-se à Casa olsen, uma loja de tecidos e artigos masculinos. a viúva Lídia Cabral faleceu no dia 13 de novembro de 1944, aos 81 anos de idade. a preservação da Photographia n. olsen, então com endereço a rua Barão do rio Branco (antiga formosa), n. 49, nas primeiras décadas do século XX, constituiu-se uma justa reverência ao seu criador, exemplar na vida e na arte.
325. Diário de Belém, Belém, ano XV, nº 9, 5ª feira, 21 Jan. 1882, p. 4. 326. Libertador, Fortaleza, ano IV, nº 168, sábado, 16 Ago. 1884, p. 5. 327. Libertador, Fortaleza, ano IV, nº 210, 4ª feira, 8 Out. 1884, p. 1. 328. Libertador, Fortaleza, ano X, nº 103, 2ª feira, 5 Mai. 1890, p. 4. 329. Jornal do Ceará, Fortaleza, ano VIII, nº 1410, 4ª feira, 18 Out. 1911, p. 2. 330. Jornal do Ceará, Fortaleza, ano VIII, nº 1412, 2ª feira, 23 Out. 1911, p. 2. 331. Jornal do Commercio, Manaus, ano VIII, nº 2709, domingo, 5 Nov. 1911, p. 2.
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1878
HerBert HUntington sMitH
A Grande Seca na visão de naturalista americano
Herbert Huntington smith.
a grande seca, um capítulo dramático da história cearense, prolongada entre os anos de 1877 e 1879, revelou o sentimento de solidariedade de um visitante americano que aqui recolheu imagens e narrou com precisão e respeito essa tragédia coletiva. o nome de Herbert smith é lembrado na galeria “estrangeiros no Ceará”, em valioso estudo do Barão de studart, que o qualifica apenas como um viajante americano do norte que esteve no Ceará, em 1878, atraído “pela notícia das inomináveis desgraças que então pesava, sobre a Província”. o visitante publica em seguida um livro de repercussão, Brazil, the Amazons and the Coast, que recebe a aprovação do notável historiador cearense:
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Escreveu um livro sobre a viagem, que emprehendera ao Brasil, destacando-se de suas impressões pela verdade e tons de sympathia as que se referem ao Ceará daquele tempo, tão batido e victimado quão valente em arrostar a infelicidade. São interessantes as cifras e dados estatísticos do livro. (332) Herbert Huntington smith, nascido em tuscaloosa, alabama, a 21 de janeiro de 1851, tinha-se dedicado ao estudo da flora e fauna brasileira, a partir de sua primeira viagem científica como aluno da Universidade de Cornell que integrava o grupo de auxiliares da expedição Morgan à amazonia, em 1870, chefiada pelo cientista Charles frederick Hartt.
Uma segunda viagem ao Brasil ocorre de 1874 a 1876 com o objetivo de estudar e coletar animais, explorando os rios amazonas e tapajós, demorando-se depois quatro meses no rio de Janeiro. interessado em prosseguir suas pesquisas Herbert smith consegue o patrocínio dos editores scribner & Co. para mais duas viagens ao Brasil, que resultariam em artigos na scribner’s Montly, revista ilustrada de grande circulação, e no livro, editado em 1879, Brazil, the Amazons and the Coast. graças à repercussão internacional da grande seca de 1877 no nordeste brasileiro, divulgado em jornais americanos como o The New York Times e o New York Herald, foi incluída a província do Ceará, devastada pela seca, no roteiro do naturalista americano em visita ao Brasil. apesar da estada em território cearense ter sido breve as descrições do drama da seca resultaram em exposição compreensiva e correta dos eventos que ocorreram em dois anos de flagelo. Herbert smith apresenta os cearenses como hospitaleiros e de bomcoração e diz que muitos renunciavam sua refeição simples para alimentar o irmão mais pobre. assim o visitante descreve a capital, tradução nossa da edição americana original de 1879: Ceará não tem porto, mas alguns poucos ancoradouros dispersos pela costa. O maior desses é a capital, Fortaleza. Em 1876 ela possuía cerca de vinte e cinco mil habitantes. As ruas são largas e limpas, e a aparência geral da cidade é muito agradável. Navios ancorados na ampla enseada; mercadorias são transportadas em barcaças. E passageiros e bagagens em jangadas*. Como no interior da província, a capital era, normalmente, muito saudável; e refrescada sempre pelas brisas do mar, o calor jamais era opressivo. (333) Herbert smith chegou em 19 de dezembro de 1878, demorando-se apenas 10 dias no Ceará. tinha então 27 anos de idade. não perdeu tempo, instalando-se em hospedaria em fortaleza apesar de advertido que havia ali duas pessoas com varíola, epidemia em declínio, mas que naquele momento, ainda fazia 750 vítimas por dia. Percorreu a cidade em busca da trágica realidade. Visitou o cemitério
desenho de J. Wells Champney, sobre original fotográfico.
de Lagoa funda, os enfermos nos lazaretos e os retirantes abrigados em campos de concentração (refugee camps). registrou os milhares de flagelados utilizados na construção de estradas em viagem a Pacatuba. a vivência local resultou num preciso documento. a narrativa dos dolorosos quadros que observou e os seus comentários expressam sentimentos de correção e solidariedade. no intuito de cumprir sua missão jornalística buscou então as imagens fotográficas. recolheu as fotos que mostravam a tragédia e conversou com os seus autores. Certamente conheceu o fotógrafo Joaquim antonio Correia e suas dramáticas imagens das vítimas do flagelo. smith compara essas cenas chocantes às da prisão de andersonville na guerra civil americana: Eu tenho série de fotografias, as quais foram tomadas em Fortaleza nessa época, e elas me falaram mais eloquentemente do que as palavras podem de um sofrimento terrível que existiu. Os fotógrafos disseram-me que os retratados eram apanhados aleatoriamente nas ruas, e muitos dos
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desenho de J. Wells Champney, sobre original fotográfico.
que foram encontrados, como eles aparecem nas fotos, praticamente nus. Eu comparo essas fotografias nada menos que os retratos dos prisioneiros de Andersonville, os quais foram publicados durante a guerra; parece-me impossível que tais esqueletos possam ter sobrevivido. (334)
autor em uma de suas viagens, e provável ilustrador da narrativa cearense. o jornalista americano faz a observação quase que obrigatória sobre a utilização da jangada, no difícil desembarque em águas bravias da terra cearense:
as fotografias recolhidas no Ceará não apareceram nas publicações feitas na revista Scribner’s Montly ou no seu livro de narrativa da viagem. todas as ilustrações são de autoria da equipe de desenhistas da editora, em geral reproduções de fotos selecionadas, como a do grupo de crianças retirantes, de autor não identificado, que publicamos no final do capítulo. o principal desses desenhistas americanos que assinam as ilustrações é J. Wells Champney, companheiro do
A jangada é uma pequena balsa, com uma plataforma (estrado) levantada numa extremidade, e uma grande vela triangular. O passageiro é transportado através das ondas, se ele se segurar suficientemente forte. Se a arrebentação for muito elevada a bagagem se molha; o mesmo ocorrendo naturalmente com o passageiro. (335)
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a jangada cearense é uma das ilustrações dessa obra, gravura já publicada, dois anos antes em artigo
desenhos de J. Wells Champney, sobre original fotográfico.
de Henry eckford, na revista Scribner´s Monthly, que por sua vez se utilizou de original de 1874 do fotógrafo, desenhista e engenheiro alemão, franz Keller Leuzinger. o artista publicara seu original da jangada, em versão assinada pelo xilogravurista a. Closs, de stuttgart, na sua clássica obra Vom Amazonas und Madeira”=. (336) Huntington smith sensibilizou-se com tudo que viu no sofrimento do povo e as ações de assistência, dedicando todos os elogios a um personagem por ele descoberto em Baturité, o jovem promotor da cidade, dr. antonio gomes Pereira Junior (1854-1904), que chegaria a exercer cargos mais importantes como a Presidência da Província de goiás. diz o naturalista e jornalista americano:
Em Baturité, quando a seca começou, ali residia um homem tranquilo e despretensioso, chamado Dr. Gomes Pereira. Ele era um advogado, mas praticava muito pouco. Quase todo o seu tempo era ocupado administrando sua grande propriedade, pois era um dos homens mais ricos da província. O Governo, apreciando seu valor, ou sua riqueza, o nomeou Promotor Público; ou seja, uma espécie de supervisor geral dos prédios públicos e obras em sua região. No começo do ano da fome, uma comissão auxiliadora foi constituída na sua localidade, com o Dr. Pereira na chefia dela. Quando o grande êxodo ocorreu, ele trabalhou noite e dia. Enquanto o dinheiro público era aguardado, ele recorreu a seu próprio bolso. Ou recorreu ao crédito pessoal. Quinze mil pessoas refugiaram-se
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período de 16 anos, entre 1870 e 1886, em seis viagens ao nosso país, coletou cerca de 250.000 exemplares para coleções de história natural que foram destinados ao Museu nacional e museus no exterior. Casando-se em 1880, com amelia “daisy” Woolworth, também naturalista, regressou ao Brasil e aqui viveram até 1886. amigo do cearense Capistrano de abreu, obteve dele a publicação na Gazeta de Notícias, de suas impressões de viagem, e embora dominasse corretamente o português, o consagrado historiador traduziu o seu original inglês, publicando-o no periódico carioca entre julho de 1886 a outubro de 1887, e depois em livro. no prefácio dessa última obra, Do Rio de Janeiro a Cuiabá, do naturalista e jornalista americano, Capistrano de abreu dá notícia da sua morte, aos 64 anos de idade, ocorrida em 22 de março de 1919: No dia 22 de março de 1919 (escreve J. C. Branner, sempre amigo e sempre generoso), ás 7 ½ da manhã, Smith, indo de sua casa na villa de Tuscaloosa, Alabama, para o museu da Universidade, tendo de travessar o leito de uma estrada de ferro, foi morto instantaneamente por um trem de carga. Desde moço era um pouco surdo e parece provável que não sentiu a aproximação do trem. (340) reprodução de gravura de a. Closs, de stuttgart, alemanha, sobre original do fotógrafo e desenhista alemão franz Keller Leuzinger. Publicada com o título eine Jangada in der Brandung, no livro de Keller, Vom amazonas und Madeira (stuttgart: gebrüder Mäntler, 1874).
aqui, e muitas outras por aqui passaram, no seu caminho para a costa...(337) Agora eu penso do Dr. Pereira como um homem franco, o herói de proezas sem fanfarronice, eu penso do meu amigo como eu o vi no grande barracão inacabado, com os garotos de calça-curta, e o professor escolar de campanha... (338). e o visitante não ficou apenas no relato correto. solidário aos flagelados da seca, de volta ao seu país tentou sensibilizar os conterrâneos no sentido de oferecer ajuda material aos sofredores cearenses. em carta ao dr. gomes Pereira ele diz os seus esforços: Logo que recebi a sua carta dando-me notícia da
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continuação da secca, escrevi para um dos nossos jornaes, recomendando uma subscripção americana em favor das infelizes victimas no Brazil. Por vários motivos não quis receber as subscripções, e lembrei que mandassem os donativos ao Sebribuer & Cª, casa antiga e muito acreditada. Creio que, até agora, a somma não é grande, visto que, por ora, a atenção pública está preocupada com a fome na Irlanda, mas ainda que pouco, o resultado da subscripção vai com os melhores desejos dos americanos para os seus irmãos do Brazil. (339) Herbert Huntington smith dedicou parte de sua vida a pesquisas em território brasileiro. em
332. Studart, G. “Estrangeiros e Ceará”. Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, tomo XXXII, ano XXXII, 1918, Tipografia Minerva, p. 220. 333. Smith, H. H. Brazil, The Amazons and the Coast. New York: Charles Scribner’s Sons, 1879, p. 405. 334. Ibidem, p. 417. 335. Ibidem, p. 406. 336. Keller-Leuzinger, F. Vom Amazonas und Madeira. Stuttgart: Gebrüder Mäntler, 1874. Eckford, H. “From the Atlantic to the Andes”. Scribner’s Monthly,
New York City, tomo XV, nº I, 1877, p. 1. 337. Smith, H. H. Op. cit., p. 428. 338. Ibidem, p. 432. 339. Cearense, Fortaleza, ano XXXIV nº 55, 6ª feira, 21 Mai. 1880, p. 2. 340. Smith, H. H. Do Rio de Janeiro a Cuyabá: Notas de um Naturalista. São Paulo: Melhoramentos, 1922. 372 p. Prefácio de J. Capistrano de Abreu.
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fotógrafo aUstrÍaCo Constantino BarZa Breve e produtiva associação com Niels Olsen
nesse momento de entusiasmo cívico é que retorna da europa niels olsen, retomando as atividades fotográficas, agora em sociedade com o austríaco Constantino Barza. ambos presenciariam ainda os acontecimentos dos dias 27, 30 e 31 de janeiro, que culminaram com o fechamento definitivo do porto de fortaleza ao tráfico de escravos. Vitória comemorada nas ruas centrais, à noite, em passeata de abolicionistas e povo, tendo à frente, uma banda de música. numa edição comemorativa o Libertador registra o momento histórico: No dia 27 de Janeiro uns senhores que conhecem outro meio de vida, sinão comprar e vender creaturas humanas, trataram de exportar para os portos do sul quatorze homens e mulheres. Quando, á luz da civilização, a sociedade inteira se levanta contra a escravidão o povo cearense não podia
ficar aquém do século e collocar-se na reta-guarda dos tempos que já la foram. Assim entendeu elle de seu dever protestar contra o deshumano trafico, e um por um affluiram á praia mais de 1,500 homens de todas as classe e condições. Lá já estavam os jangadeiros prestando os valiosos e indispensáveis serviços de sua profissão. A elles, pois, se dirigiram os negreiros solicitando o embarque dos infelizes que destinavam vender no sul. - No porto do Ceará não se embarca mais escravos! Esta resposta terminante e decisiva partio ao mesmo tempo de todos os lábios. Não se sabe mesmo quem primeiro a proferisse. [...] Glória ao povo Cearense! O dia 27 de Janeiro tornou-se para sempre memorável. (341) o movimento de 27 de janeiro, não apenas impediu qualquer embarque de escravos, como libertou dos porões do vapor Pará, uma família
Constantin Barza. foto: albert Henschell. recife. acervo fundação Joaquim nabuco.
os acontecimentos mais relevantes do início do ano de 1881, para o povo cearense, são produzidos pelo movimento de emancipação dos escravos, liderado por personalidades da vida socioeconômica e intelectual. a sociedade Cearense Libertadora, a primeira das organizações no combate à escravidão, dá um largo passo com o lançamento no dia 1º de janeiro, do periódico Libertador. seguem-se eventos artísticos em favor da causa humanitária com o apoio amplo dos segmentos da vida local. na busca dos suportes financeiros necessários, no
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dia 19, no salão Provincial, realiza-se um grande sarau Musical, com apresentação da pianista idalia frança e várias destacadas senhoras da sociedade. no palco do theatro são Luiz, a Companhia dramática rodrigues sampaio, sensibiliza o público com a peça Mãe dos escravos, uma versão portuguesa do romance A cabana do Pae Thomaz, de Beecher stowe. nas consecutivas apresentações da peça, sob a ovação do público, o espetáculo era encerrado pelo teatrólogo e poeta frederico severo que recitava poesias abolicionistas.
alberto Henschel e Constantino Barza. acervo fundação Joaquim nabuco.
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Urbano Barbosa da silva, negociante. acervo fundação Joaquim nabuco.
Lydia dos santos. acervo fundação Joaquim nabuco.
Laura Batista de oliveira alves. acervo fundação Joaquim nabuco.
rachel Bastos gomes de Matos. acervo fundação Joaquim nabuco.
escrava embarcada no Maranhão para ser vendida no rio de Janeiro. o episódio foi assistido por mais de três mil homens que acorreram à praia. no dia 30, a última tentativa dos mercadores de escravos teve em definitivo a recusa de embarque numa atitude coletiva dos jangadeiros, liderados por francisco José do nascimento, depois cognominado o Dragão do Mar. esta a fortaleza encontrada pelo retratista Constantino Barza, uma capital animada pelo entusiasmo de um vigoroso movimento social. Para o austríaco visitante a realidade nordestina não era estranha. sua vivencia do Brasil, a partir 1870, compreendia inicialmente o comércio no Pará, e, posteriormente, após viagem a europa, em recife. no dia 26 de fevereiro de 1875, retornava da
europa para recife, pelo vapor inglês neva. sua atuação na capital pernambucana, é desenvolvida como contratado e gerente da Photographia Allemã, do conceituado artista alemão alberto Henschel. Barza encontrava-se ainda nesse ateliê, em 1880, quando chegou um artista alemão credenciado pelo reconhecimento artístico em Berlim, Viena e Paris, Mauricio Lamberg, que formalizou em setembro de 1881 a compra do gabinete de Henschel e publicou, em 1895, a obra ilustrada O Brazil, com suas observações sobre o país. exercendo a gerência do estúdio de Henschel, é provável que Barza tenha acertado na passagem de olsen, em sua viagem à europa, uma associação de interesses que resultaria na firma olsen & Barza, que fez história em fortaleza e Belém, uma
experiência nova em sua vida. a instalação do gabinete fotográfico de olsen & Barza, em fortaleza em janeiro de 1881, utilizando-se do antigo ateliê do dinamarquês à rua senador Pompeu, n. 61, aponta a curta mas ativa estada de Barza na capital cearense. a dupla, como vimos em capítulo anterior, resolve fechar o ateliê em agosto, para deslocar-se para Belém do Pará em setembro, antes mesmo da divulgação formal em 3 de dezembro do traspasse do empreendimento cearense para francisco Candido de Moura Cabral. o início em Belém, sob a firma olsen & Barza, dá-se em 21 de dezembro com a abertura da Photographia Vienense, ocupando o mesmo estúdio do falecido José thomaz sabino. são pelo menos dois anos de cooperação, sem indicação da data de término da
sociedade, tendo niels olsen regressado para fortaleza em setembro de 1884. Barza, em data incerta, retoma definitivamente seu vínculo com o atelier pernambucano fundado por alberto Henschel, falecido em 1882, que repassara seus estúdio em salvador, rio de Janeiro e recife a outros profissionais. Pelo menos nos anos imediatos, após a dissolução do acordo com olsen, o retratista Barza trabalha no rio grande do norte para a Casa Henschel, estabelecendo-se em natal mas incursionando por cidades interioranas como Macaíba, citada nesta notícia:
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Rio Grande do Norte Escrevem-nos da Capital: - De volta de Macahyba estará brevemente aqui o Sr. Constantino Barza, inteligente
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Philomena da silva. acervo fundação Joaquim nabuco.
William Bowell, Lorimer Bowell, John Bowell filho. acervo fundação Joaquim nabuco.
Ubaldina de souza rodrigues. acervo fundação Joaquim nabuco.
grupo família, n. i. acervo fundação Joaquim nabuco.
photographo da Casa Alberto Henschel, dessa província. (342)
comprou a photographia denominada Allemã, a contar do dia 24 do corrente, sendo o gente do estabellecimento o Sr, C. Barza, o mais hábil artista da Casa Alberto Henschel & C., dispensando qualquer elogio a este senhor visto já ter o mesmo sua reputação formada. Outrosim, o novo possuidor desta photographia não se responsabiliza por qualquer debito contrahido por seu antecessor, visto que comprou o estabelecimento livre de qualquer ônus. Recife, 24 de Outubro de 1885. (343)
que publicamos em outra secção desta folha, assumio a gerencia da conhecida photographia allemã, o Sr. Constantino Barza que alli trabalhou muitos annos. Artista perito e laborioso, animado de grande desejo de bem servir para angariar a concurrencia publica, offerece assim uma garantia a todos que prourarem o seu estabelecimento, e que, estamos convencidos, sahirão d’alli completamente satisfeitos. (344)
denominada Photographia Allemã de Carlos Hoenen. a contratação é assim anunciada:
em outubro de 1885, Barza aparece novamente como gerente da Photographia Allemã, em recife. o novo proprietário do estúdio era o franco-germânico João Christiani, há mais de dez anos comerciante na capital pernambucana, estabelecido com uma loja de chapéus à rua Barão da Vitória (antiga rua nova), pai de cinco filhos, dois homens e três mulheres, entre elas Helene, esposa de Contantino Barza. a nova fase é assim divulgada na imprensa: Ao publico e ao Commercio João Christiani faz sciente ao respeitável publico que
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o mesmo periódico tece elogio ao profissional Barza: Photographia Allemã. – Conforme se vê de um annuncio,
a competência de Barza assegura o prestígio da Photographia Allemã que, no ano seguinte contratou na Corte do império o pintor austríaco, natural de Viena, ferdinand Piereck, que dez anos antes, em 1877, trabalhara nesse estúdio, com passagem posterior em são Paulo onde exercera sua arte na também
PHOTOGRAPHIA ALLEMÃ ALBERTO HENSCHEL & C. N. 52 - Rua do Barão da Victoria - N. 52 O bem acreditado estabelecimento photographico acaba de aumentar as suas galerias ao gosto das mais sumptuosas casas deste gênero, como Pariz, Londres e Berlim; onde o respeitável publico encontrará os mais aperfeiçoados trabalhos pelo systema mais moderno e mais apreciado.. Para dar mais impulso a sua casa e assim melhor satisfazer as mais difíceis exigências, acaba de contractar o exímio pintor o Sr. Ferdinand Piereck, chegado recentemente da Corte do Imperio, onde adquirio grande nome,
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além de bom credito que já gosou em 1877 quando aqui esteve na mesma casa. Roga-se as Exmas. Familias e mais pessoas o obsequio de honrar com suas visitas este estabelecimento, onde existe uma magnifica exposição de suas producções artísticas e onde encontrarão lhaneza no trato, perfeição nos trabalhos e modicidade nos preços. C. BARZA, gerente.. (345) Piereck faz viagem a Viena no ano seguinte, e quando regressa para o estúdio pernambucano, Constantino Barza anuncia também outra aquisição, o renomado paisagista pernambucano Jerônimo José telles Júnior, natural de recife, que estudara fotografia com Joaquim José de oliveira e destacava-se como pintor paisagista e desenhista: Para satisfazer em geral a todos que honrarem nosso estabelecimento com suas encomendas, participa que além dos retratos, seja qual for o systema, também recebe encommendas para qualquer vista ou paysagens pintadas a óleo, sendo o encarregado destes últimos o muito conhecido paysagista Sr. Telles Junior. (346) Com a morte de João Christiani, então proprietário da Photographia alemã, a 23 de maio de 1890, seu genro Constantino Barza passa a se apresentar como sucessor de alberto Henschel. num mercado competitivo e dinâmico, ele contrata no rio de Janeiro,em 1891, Jorge Henrique Papf, atuante retratista e produtor de postais e filho do pintor alemão Karl ernst Papf, que viera para recife em 1868 e depois estabelecera a Photographia Papf em Petrópolis. PHOTOGRAPHIA ALLEMÃ 52 – Rua Barão da Victoria n. 52 C. Barza, sucessor de Alberto Henschel, tendo contractado na Capital Federal o Sr. José Henrique Papf para dirigir as suas oficinas como exímio photographo, tendo em vista melhor servir à seus fregueses e ao publico deste Estado, espera continuar a merecer a mesma confiança que sempre lhe dispensou o mesmo publico e seus fregueses. (347)
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a Photographia alemã, de Constantino Barza, parece ter oferecido bom retorno. o estúdio da rua Barão da Victoria, em razão de reclamos dos fregueses, passa a funcionar em 1894 inclusive aos domingos até 3 horas da tarde, com exceção apenas dos dias santificados. essa permanência positiva das tarefas como fotógrafo não impede uma crescente participação em negócios de importação. o desligamento definitivo da área, que lhe tinha dado renome e bons resultados financeiros, ocorre em fevereiro de 1900 quando formaliza a venda da Photographia alemã a Leopoldo de oliveira Lopes, antigo colaborador do seu estúdio, que se desligara amigavelmente oito anos antes. a nota ao público é o último ato de sua história como artista fotográfico: Ao Commercio e o Publico. C. Barza scientifica ao commercio e ao publico em geral que vendeu o seu antigo e conceituado estabelecimento, denominado Photographia Allemã, sita à rua do Barão da Victoria n. 52, ao seu antigo interessado Leopoldo de Oliveira Lopes, livre e desembaraçado de qualquer ônus, pelo que pede a quem julgar-se seu credor a apresentar suas reclamações até 28 do corrente, à rua do Marquez de Olinda n. 2, 1º andar. Outrossim, agradece e pede aos seus amigos e fregueses para continuar a dispensar ao seu sucessor a mesma prova de confiança que sempre lhe dispensaram. Recife, 15 de fevereiro de 1900. (348)
os eventos seguintes asseguram a continuidade da tradicional Photographia Allemã, inicialmente em sociedade constituída em junho pelo seu novo proprietário, Leopoldo de oliveira Lopes, com antonio Lopes gonzalez, sob a firma Leopoldo Lopes & C., desfeita após dezesseis meses. Constantino Barza, o austríaco nascido a 25 de julho de 1855, designado Consul da áustria e Hungria, exerce a função pelo resto da vida tornando-se decano do Corpo Consular em Pernambuco. Várias vezes retornou à europa em viagens de interesse profissional ou familiar. na área comercial aparece como ativo importador de móveis, bicicletas, tecidos, vidros, bebidas, conservas, queijos, chocolates, e outros produtos variados. a partir da década final do século XiX, Constantino Barza lança no mercado local algumas marcas internacionais e nacionais, como o whisky escossês Buchanan, a cerveja alemã franciskaner, a água mineral Harz ser-sauerbrunnen granhof, a farinha de aveia Knorr, os charutos gaúchos de Poock & C., os fósforos Curytiba e a cerveja antartica. Quando Barza faleceu, em recife, no dia 4 de março de 1934, era viúvo e deixava seis filhos. Contava 79 anos e meses de idade, tendo vivido 64 anos de sua vida em território brasileiro, com uma respeitável história no mundo dos negócios e, em especial, consagrado como excelente e bemsucedido fotógrafo.
341. Libertador, Fortaleza, ano I, nº 3, 2ª feira, 7 Fev. 1881, p. 1. 342. Jornal do Recife, Recife, ano XXVIII, nº 62, 2ª feira, 13 Mar. 1885, p. 2. 343. Jornal do Recife, Recife, ano XXVIII, nº 245, 3ª feira, 27 Out. 1885, p.3. 344. Jornal do Recife, Recife, ano XXVIII, nº 259, 5ª feira, 12 Nov. 1885, p.1.
345. Jornal do Recife, Recife, ano XXIX, nº 51, 5ª feira, 4 Mar. 1886, p. 4. 346. Jornal do Recife, Recife, ano XXX, nº 123, 4ª feira, 1 Jun. 1887, p. 4. 347. A Província, Recife, ano XIV, nº 103, domingo, 10 Mai. 1891, p. 4. 348. A Província, Recife, ano XXIII, nº 36, 6ª feira, 16 Fev. 1900, p. 2.
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eUgÈne Benoit BaUBrier e ÉMiLie CosMoPoLiteM
A Photographia Brazileira-Paris dos retratistas franceses
aos navios ancorados ao largo. ainda mais desejava esquecer as primitivas paviolas, utilizadas no embarque e desembarque dos passageiros, que abordamos anteriormente no capítulo sobre a fotógrafa Janie fletcher. a precária forma de condução de passageiros, reprodução das colémas africanas, identificava negativamente o Ceará em obras publicadas nas primeira décadas do século: PAVIOLA DO CEARÁ. – É um estrado com quatro braços, a modo d’andor, e sobre o qual está pregada uma cadeira; pégão-lhe quatro negros aos hombros, depois de se haver alli sentado o passageiro que de bordo quer ir para terra, e assim lá chega, se bem que algumas vezes encharcado, porque a ressaca no Ceará é fortíssima, e não permitte que barcos ou canôas cheguem ao cáes. A paviola é também conhecida na nossa África occidental, mas com o nome de coléma. (350)
Benoit Baubrier e sua esposa Émilie Cosmopolitem. Uma das surpresas reservada ao casal visitante era a forte presença da Casa Boris frères, um empreendimento comercial dos irmãos isaie, theodore e alphonse Boris, com sede em Paris e sucursal na capital cearense. o fotografista e sua senhora, na chegada em dezembro de 1881, anunciavam que estavam dando uma volta ao mundo e divulgavam o seu estúdio Photographia Brazileira-Paris, instalado na rua senador Pompeu, n. 91, com uma mensagem para conquistar o público local: vos amamos tanto como se houvéssemos nascido no Brasil. além dos serviços fotográficos como retratistas a dupla também ensinava como tirar fotos:
o sonho de concretização de um porto para fortaleza, é uma longa história de estudos e projetos, mobilizando especialistas nacionais e estrangeiros, obra também avaliada pelo engenheiro americano William Milnor roberts, que cumpriu missão nos meses finais de 1880, e deixou suas impressões sobre a cidade em carta divulgada em fortaleza:
a presença britânica é um capítulo importante na província do Ceará, quer na ligação marítima com a europa e américa, quer no investimento na infraestrutura e serviços. as linhas regulares de vapores ingleses asseguram o fluxo comercial necessário ao crescimento regional. Por essa época, a Grã-Bretanha já estabelecera o domínio da navegação comercial com a província do Ceará, através de linhas ligando diretamente Livepool e outros portos ingleses à cidade de Fortaleza, com rotas que seguem ao norte até New Orleans e New York. Empresas como a Liverpool Northern Brazil Steamers (depois Booth Company) e a Red Cross Line of Mail Steamers consolidaram essa rota que transportava o algodão e outros
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produtos primários cearenses e abasteciam o mercado local de produtos britânicos. (349) a influência inglesa é também demonstrada pelos capitais investidos nos setores de produção, comércio e intermediação financeira, e principalmente na infra-estrutura de serviços públicos. desde os anos 1860 são desenvolvido projetos e criadas as primeiras empresas como a Ceara Water Company Limited, a Ceara gas Company Limited e, para construir o tão almejado porto, em 1886, a Ceará Harbour Corporation Limited. fortaleza envergonhava-se do seu precário cais, acessado apenas por jangadas e outras pequenas embarcações, que transportavam passageiros e mercadorias
Fui grandemente sorprehendido pela extensão, belleza, aceio e agradável aspecto geral da cidade do Ceará. V. me havia dito que aqui encontraria a mais bonita cidade desta costa, e assim parece-me, depois de tel-a visto em todas as suas partes. Estou admirado de que até agora nada se tem feito para melhorar o porto do Ceará. Todos os gêneros do seu considerável commercio, tanto de importação, como de exportação, são carregados á cabeça de homens, pelo mesmo primitivo systema de há um século ou mais, sendo completamente imprestável para o desembarque, quer de mercadorias, quer de passageiros, a solitária ponte edificada na praia. (351) essa é a capital cearense, descrita pelo engenheiro como agradável pela extensão, beleza, asseio e aspecto geral, que acolhe o fotógrafo francês eugène
Mulher. n. i. foto Baubrier. Photographia Brasileira-Paris. acervo família Bezerra de Menezes.
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de 84 sobre 41 centimetros – 25$000 rs. Se retrata por toda temperatura desde as 7 da manhã até as 4 da tarde (evitando o meio dia). Ensina-se photographia a quem dezejar aprender. 91 Rua do Senador Pompeu 91 O ilustre publico cearense receba da parte dos annunciantes as homenagens que sua estima lhe consagra e tanto como se houvesse nascido no Brasil saberão dar provas de amor. Confessando-se desde já summamente agradecidos pela generosa hospitalidade, os annunciantes se poderem ser útil a alguma pessoa cumprirão o seu fim. Baubrier e Emilia (352)
Jovem militar, n. i. Baubrier. Photographie anglaise & française. Paris. 1865.
PHOTOGRAPHIA BRAZILEIRA-PARIS O Sr. Baubrier e sua senhora D. Emilia Cosmopolitem, recentemente chegado ao Brasil, e presentemente nesta cidade, tem a honra de avisar ao respeitável publico d’esta capital que estabeleceram uma officina photographica. A qualidade do novo processo que distingue suas producções, lhes assegura d’ante mão a freguezia de todas as pessoas desejosas de obter bons retratos. Elles teem resolvido o difficil problema – da perfeição unida a barateza – e novo systema para conseguir – rosto claro e esmalte inalterável. Uma dúzia12$000 Meia dúzia 7$000 As pessoas que quizerem uma dúzia se lhes faz presente de um quadro com um retrato colorido. Também se tira retratos pelo antigo systema a 8$000 a dúzia. Uma photographia pintada a óleo com o quadro de veludo
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Benoit Baubrier é mais um profissional na arte fotográfica que traz como referência atividades anteriores em seu país de origem. sua atuação como fotógrafo de estúdio, como ficou comprovado em pesquisas nas fontes francesas, tem início em 1864. em retrato com sua assinatura, datado de 1865, achamos no verso como marca as indicações A L’Italienne – Photographie Anglaise & Française, com o endereço, 60, rue notre-dame de nazareth, Paris. a denominação associando fotografia inglesa e francesa se assemelha à denominação do ateliê em fortaleza que se dizia Brazileira-Paris. Quanto à esposa, Émilie Cosmopolitem, pode ser inscrita na galeria, logo após a americana Janie fletcher, como a segunda mulher fotógrafa a trabalhar em fortaleza. ela participava diretamente dos serviços do ateliê do marido. seu nome, grafado emilia Cosmopolitem de Baubrier, foi incluído na obra de alejandra niedermaier sobre a participação da mulher na história da fotografia na américa Latina. (353) À exemplo de outros fotografistas estrangeiros que por aqui passaram o artista francês aportuguesava o nome para facilitar as comunicações. assim seu sobrenome aparece grafado de forma variada Bobrié, Boubrié, Boubrier e Baubrier. Chegamos a localizá-lo em anúncios que trazem Benoit alterado para Bento, anunciando-se então como eugenio Bento Bobrié. a esposa é citada como emilia Cosmopolitem, emilia Baubrier e depois apenas como Madame Baubrier. a área de atuação parece ter se limitado ao Maranhão, Piauí e Ceará, não apenas
as capitais como cidades do interior e julgamos tenha trabalhado também nas capitais nortistas. as pesquisas nos levam a acreditar que depois de afastado da arte fotográfica tenha fixado residência na capital cearense.É provável que o roteiro brasileiro do casal tenha inicio em curta temporada no Maranhão e em seguida no Piauí. o primeiro registro que se tem dos artistas franceses, ocorre em são Luiz, em março de 1880, quando anuncia a galeria Photographica:
as pessoas desejosas de obterem bons retratos. Preco Porcelana meia dúzia 12$ uma dúzia 18$ Meia porcelana meia dúzia 8$ uma dúzia 12$ Simples sem retoque meia dúzia 5$ uma dúzia 8$ OS GRUPOS PAGAM DOBRADOS Fazem reproducções pintadas a óleo, estão a disposição do publico todos os dias das 7 as 10 horas da manhã e de 1 as 3 horas da tarde, na rua da Gloria n. 19. (355)
GALERIA PHOTOGRAPHICA ALTA NOVIDADE! O Sr. Bobrié e sua senhora, recentemente chegados, tem a honra de avisar ao ilustrado publico desta capital que estabelecerão uma galeria photographica no prédio da rua das Barrocas n. 36 que pode ser visitada. O novo processo de que fazem nos distingue as suas produções e lhes garante d’ante mão a freguesia de todas as pessoas que desejarem retratos fieis e de tintas firmes. PREÇOS Photographia em porcelana, dúzia 18$½ dúzia 12$ Photographia em meia porcelana, dúzia 12$½ dúzia 8$ Photographia simples dúzia 8$ Os negociantes fazem perfeitas reproducções photographicas de retratos a óleo assim como ensinão fotografar. Demorão-se poucos dias nesta capital. Rua das Barrocas n. 56 Em frente ao Ribeirão. (354)
semanas depois Baubrier adota o anúncio de despedida, pois devem retirar-se em poucos dias, e mostrando suas habilidades publicitárias declarava que se sentiam como se houvessem nascido em teresina e felicitava a generosa sociedade local pelo seu bom gosto pelas artes:
ao se apresentar ao público maranhense o casal Baubrier sugere que realizam os serviços fotográficos bem como ensinam a nova arte que atraia o interesse de amadores. a demora por poucos dias, com que se anunciam, extende-se efetivamente por dois a três meses, como se comprova na sua passagem pelo vizinho estado do Piauí. a nova escala é anunciada em junho: Photographia: O Sr. Boubrier e sua senhora tem a honra de avisar ao illustrado publico desta capital que estabelecerão uma Galeria Photographica A qualidade do novo processo que distingue as suas produções lhes assegura d’ante mão a freguezia de todas
O Sr. Baubrier e sua senhora têm a honra de avisar ao honrado publico que vão retirar—se em pouco. S dias; devem dar um voto de gratidão a esta generosa sociedade... felicitando-o pelo seu bom gosto pelas artes; satisfação que provamos com todo enthusiasmo da mais alta admiração pelos poucos dias que aqui demorarão, há de fazer todo esforço para agradar-lhes sendo os retractos mais e mais perfeitos e mais bonitos. DESPEDIDA Illustre publico, receba de parte estrangeira as homenagens que sua estima vos amárra tanto como se houvéssemos nascido em Theresina. (356) teresina deve ter realmente cativado o casal de artistas, pois, após mais uma passagem pelo Maranhão, retorna exaltando a sua sociedade risonha e feliz: PHOTOGRAPHIA O Sr. Bobrié e sua senhora de regresso de suas viagens para o Maranhao não podem passar em Theresina sem demorar-se alguns dias entre uma sociedade risonha e feliz, florescente na abundacia de delicias no meio da paz fazendo lembrar todos os encantos da idade do ouro. Não temos de vós senão muito boas lembranças, servos últil é o nosso desejo estamos, portanto, a disposição de todas as pessoas desejosos de obterem bons retratos.
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Prestidigitadores, mas, os fotógrafos eventualmente dispunham desse equipamento para auxílio na projeção de cenários em seus ateliê. Um caso anterior que descobrimos na pesquisa, ocorre em 1865, quando o português João José Leal fez sucesso em suas exibições do Polyorama London à Gaz Oxigenio, revela-se depois nos palcos da cidades, e apenas três anos mais tarde retorna como competente fotógrafo, fato descrito no capítulo 23 dedicado à Leal & Cia. agora, com Benoit Baubrier, temos o inverso, um fotógrafo profissional transformado em operador de Lanterna Mágica, naturalmente motivado pelo ganho adicional dessa atraente variedade de arte. os programas eram compostos pelas tradicionais vistas de outros países e continentes, costumes de povos como os esquimós, cenas cômicas e fantásticas, museus e obras de arte, quadros históricos e revelações científicas, como a aparição de insetos infinitivamente pequenos, até mesmo invisíveis, aumentados 38 milhões de vezes. o retratista transmutado em artista de palco, também fazia uso dos fogos diamantinos, que identificamos como o mesmo dispositivo de efeitos luminosos chamado Camaleão elétrico em tempos anteriores. Para o espetáculo do dia 4 de setembro, no theatro são João, que incluía uma revista nos infernos, em bem elaborada publicidade, prometia alta novidade:
Precos Porcelana com retoque meia dúzia 8$000 Uma dita............ 15$000 Simples sem retoque meia dúzia 6$000 Uma dita............ 10$000 Rua Bella nº 20 (357) É então que o retratista decide cumprir seu roteiro em território cearense, rumo a fortaleza. anunciando-se como sr. Bobrié e sua senhora. instala seu atelier, em julho de 1881, na cidade de sobral: PHOTOGRAPHIA O Sr. Bobrié e sua Srª, têm a honra de avisar ao illustrado publico desta cidade, que estabelecerão uma photographia à Praça do Senador Figueira, por muito poucos dias. A qualidade do novo processo que distingue suas producções lhes assegura d’antemão a freguesia de todas as pessoas desejosas de obter bons retratos. Em photographia pintado a óleo miniatura próprio para salão 20$00 Em cartão de visita simples dúzia 10$00 PORCELLANA ½ dúzia 10$000 1 dúzia 18$00 Os grupos pagarão dobrado. Se retrata por todas as temperaturas e todos os dias: pela manhã das 7 ás 9 horas; e pela tarde, de 1 ás 3 horas. (358) ao lado dos serviços fotográficos, o retratista inova ao realizar em sobral exibições de silforama, declarando-se operador de Paris desse gênero de lanterna mágica. os espetáculos apresentando quadros científicos e históricos foram realizados pelo casal no theatro são João, nos dias 21 e 28 de agosto e 4 e 7 de setembro. a estréia, no dia 21, mereceu de periódico local uma nota favorável ao desempenho de e. Bobrié e senhora por superar a expectativa do público e ter agradado plenamente a todas as pessoas: A 1ª parte em que aquelle Sr. mostrou consumada perícia, satisfez plenamente; e não menos a 2ª explicada pela simpathica Senhora D. Emilia Bobrié.
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Dará Mr. BOBRIÉ o seu 3º espectaculo, effectuando por essa noite as combinações mais engenhosas de seu vasto repertorio, e as mais arrojadas magicas que a chimica tem alcançado no últimos tempos! Grande variedade em tudo!!! Corram no Theatro para apreciar essas extraordinárias e explendidas funções pelas quaes MR. BOBRIÉ tem sido proclamado pela Imprensa dos DOUS MUNDOS como único nesse gênero de trabalho!!! (360) O distincto photographo, durante o espectaculo, recebeu calorosos aplausos da plateia, e, por diversas vezes foi chamado a scena. (359) a Laterna Mágica, que abordamos no capítulo 28, era usualmente utilizada pelos Magicos e
nem Beaubrier era o único nesse gênero, nem assim aclamado nos dous Mundos. também não encontramos qualquer outra evidência de sua apresentação em outros palcos. aparentemente esta foi uma aventura isolada do casal. antes e depois das exibições do silforama em sobral, aparecem apenas
como retratistas de estúdio. assim ocorreu no período de dezembro de 1881 a março do ano seguinte, em fortaleza, com o gabinete fotográfico montado à rua senador Pompeu, 91, com boa cobertura publicitária: PHOTOGRAPHIA SABE AONDE SE RETRATA BEM? Em a photographia Brazileira-Pariz. - Barato e perfeito: por todas as temperaturas desde as 7 horas da manhã ás 4 da tarde; e quando há muito sol, evitando o meio dia. Uma dúzia com 1 quadro... 12$000 Em ponto maior um só retrato com 1 quadro... 6$000 91 Rua do Senador Pompeu 91 (361) Nos anúncios publicados no periódico Cearense, tenta conquistar o público com sua usual saudação – vos amamos tanto como se houvéssemos nascido no Brasil: O illustre publico receba da parte do estrangeiro as homenagens que sua respectosa estima. Vos amamos tanto como se houvéssemos nascido no Brasil. Si podemos ser útil a alguns amigos, nosso fim está completo. Baubrier e Emília (362) o espírito itinerante em busca de resultados financeiros parece determinar as viagens cada trimestre. no final de janeiro é publicado o aviso de que o estabelecimento será fechado no dia 8 de fevereiro, por espaço de três meses. e o destino é a próspera cidade de Baturité, que se tornava de fácil acesso com a conclusão das obras ferroviárias que a ligava à capital. Um notável progresso que é exaltado na já citada carta do britânico Coronel roberts: Muito admirado fiquei encontrando aqui uma admirável estrada de ferro, em perfeita ordem, bem administrada em todos os seus serviços e já dando renda superior á sua despeza de custeio. Isto mostra a maravilhosa força de recuperação do povo do interior desta província, e convence-me de que a estrada de ferro de Baturité, será uma grande empreza se a província for favorecida com as costumadas chuvas. (363)
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nos três anos que se seguem Baubrier parece ter definitivamente fixado residência em fortaleza, com eventuais viagens entre teresina a Manaus, sem identificação de suas finalidades. ainda em 1882 durante uma de suas ausências da capital cearense, a firma francesa Levy frères reclamava publicamente que o súdito francês E. B. Baubrier devia-lhe 886$715 réis, e retirara-se da província não se sabendo para onde. a questão financeira deve ter sido resolvida e o casal é socialmente integrado ostentado propriedades no Boulevard Visconde do rio Branco, como a Chácara Champs-elysées, posta à venda em 1887. somente em julho de 1886, tem-se outra notícia de sua atividade profissional como fotógrafo. Mais uma vez em teresina, estranhamente sob o nome eugenio Bento Bobrié, declarando-se agora francês e brasileiro: a conclusão do trecho final da ferrovia com a inauguração da estação de Baturité, a 2 de fevereiro de 1882, certamente foi fator decisivo na ida dos artistas para essa cidade,onde instala a Photographia Brazileira-Paris, na rua 7 de setembro, nº 63. Cumprido a temporada, um anúncio publicado a 12 de março, informava a retirada da cidade no dia 23, acompanhada de nota de despedida, como sempre no seu estilo adequadamente laudatório: Despedida Cidade de Baturité recebe de nós nossos adeuses, sociedade risonha e feliz, florescente na abundancia de delicias no meio da paz. Vós nos lembrãos todos os encantos da idade de ouro. Nós não temos de vós senão muito boas lembranças. Ser-vos útil é o nosso único desejo. Baubrier e sua senhora Emilia (364) Logo depois, em 1883, instala-se na capital piauiense, com pequenos avisos na imprensa: Já chegou! Já chegou! Já chegou o exímio retratista E. B. Boubrier francez e brasileiro muito acreditado. RUA BELLA Nº 20. (365)
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O abaixo assignado, exímio retratista francez e brasileiro, tem a honra de avisar ao illustrado publico desta capital, que abriu o seu laboratório na rua rua Grande n. 43, a qualidade do novo processo que distingue suas producções e assegura d’ante mão a freguesia de todos que desejam obter bons retratos. Dê uma prenda Meia dúzia 6, 7 e 8$000 Uma dúzia 11, 12 e 15$00 Confiando na magnanimidade de vossos grandes corações como apreciadores, desde já espero benévolo acolhimento e antecipo a minha eterna gratidão. Por ser de vós humilde respeitador Eugenio Bento BobriéRetrata-se até o dia 31 de agosto. (366) esta a última função documentada da história profissional do retratista eugène Benoit Baubrier. em algumas ocasiões, por motivos diversos, seu nome aparece na imprensa de fortaleza. em 1887 ele coloca à venda uma chácara com casa no Boulevard do Visconde do rio Branco, 480 palmos de frente, confinando com propriedade do sr. guilherme studart. anúncio em abril, diz estar à venda a Chácara Champs-elysées, um terreno em separado no mesmo boulevard com 300 palmos de
frente, e um cavalo de sela novo e equipado. dois anos depois, ainda residindo no mesmo endereço, contesta citação em processo civil pelo comprador de parte de seus terrenos, vem a público em nota, ilustrada por planta, esclarecendo que ele é que fora prejudicado por construção indevida avançando nos limites de sua propriedade. seu nome volta a aparecer, em 1890, como cidadão qualificado no alistamento eleitoral. nesse mesmo período, ganha mais evidência Madame Émílie Baubrier, por sua presença na vida social e como dedicada professora da língua francesa. exerce essa profissão ao lado de notáveis educadoras em conceituados estabelecimentos de educação feminina, aparecendo entre os docentes no Colégio santa rosa de Lima, dirigido por Júlia amaral, e Colégio de santa tereza de Jesus, propriedade e direção de rufina rossas. os anos que se seguem omitem o nome do fotógrafo Baubrier, talvez já falecido, mas, sua esposa, uma das pioneiras da profissão de fotógrafa e depois professora de francês, reaparece no início do novo século. Uma homenagem lhe é prestada pelo editorialista do Jornal do Ceará, reconhecendo-a como brasileira pelo coração, nome dos mais populares e estimados da sociedade, ao noticiar que lhe fora concedida uma pensão pelo governo francês:
Por esse inestimável serviço acaba de ser galardoada com uma pensão do governo francês, por uma indicação da Alliança Francesa. Não regatearemos aplausos ao justo acto do governo e enviamos a respeitável e incansável Madame Baubrier o nosso parabém pela alta distincção com que vê recompensado os seus utilíssimos esforços. (367) o jornalista, escritor e futuro membro da academia Brasileira de Letras, gustavo Barroso, em sua trilogia de memórias, lembra Madame Baubrier, a propósito dos sentimentos conflitantes pós-grande guerra. ele, francamente germanófilo, relembra a professora e pioneira fotógrafa francesa:
Madame Baubrier O nome que epigrafa esta noticia é dos mais populares e estimados em nossa sociedade. Madame Baubrier, de nacionalidade francesa, fez-se brasileira pelo coração e há muito que se dedica ao ensino da lingua francesa, tornando-se quase familiar.
À noite, participei do sereno que apreciava a recepção no Consulado da Alemanha, na travessa Municipal. Dos salões iluminados elevava-se uma voz de barítono, cantando trechos wagnerianos. Era Corbiniano Vilaça, que então dava concertos em Fortaleza e cujos retratos, em trajes de ópera, eu admirava num grande quadro exposto na libraria Guálter do Militão Bivar. Viemos a nos conhecer muitos anos depois, no Rio de Janeiro, quando tive de adquirir diversas relíquias de sua coleção para o Museu Histórico Nacional. Comentava-se no sereno o fato dos oficiais alemães se sentarem, fumando, nos peitoris das janelas que davam para a travessa. Esse costume, hoje corriqueiro, ainda não chegara ao Brasil através do cinema. Madame Emilie Baubrier, popularíssima na cidade, velha professora de francês condecorada com a Legião de Honra, resmungava num grupo com espírito de revanche: - Oh! ces sacrés allemands! C’est inoui!... (368)
349. Leite, A. B. História da Energia no Ceará. Fortaleza: Edições Fundação Demócrito Rocha, 1996, p. 35-39. 350. Almanach de Lembranças Luso-Brasileiras para 1857. Lisboa: Typographia Universal, 1856, p. 249. 351. Cearense, Fortaleza, ano XXXV, nº 21, 6ª feira, 28 Jan. 1881, p. 2. 352. Pedro II, Fortaleza, ano 42, nº 96, 5ª feira, 8 Dez. 1881, p. 4. 353. Niedermaierr, A. La Mujer y la Fotografía: una imagen espejada de autoconstrucción y construcción de la historia. Buenos Aires: Leviatan, 2008. 354. O Paiz, Maranhão, ano XVIII, nº 53, 6ª feira, 5 Mar. 1880, p.3; Diario do Maranhão, Maranhão, ano XI, nº 1970, 6ª feira, 5 Mar. 1880, p. 3. 355. A Época, Teresina, Piauí, ano III, nº 114, domingo, 12 Jun. 1880, p. 4. 356. A Época, Teresina, Piauí, ano III, nº 119, 2ª feira, 12 Jul. 1880, p. 4. 357. A Imprensa, Teresina, Piauí, ano XVI, nº 670, 4ª feira, 5 Jan. 1881, p. 4.
358. Gazeta do Sobral, Sobral, Ceará, ano I, nº 6, 5ª feira, 21 Jul. 1881, p. 4. 359. Gazeta do Sobral, Sobral, Ceará, ano I, nº 11, 5ª feira, 25 Ago. 1881, p. 1. 360. Gazeta do Sobral, Sobral, Ceará, ano I, nº 12, 5ª feira, 1 Set. 1881, p. 4. 361. Gazeta do Norte, Fortaleza, Ceará, ano II, nº 274, 4ª feira, 21 Dez. 1881, p. 3. 362. Cearense, Fortaleza, Ceará, ano XXVI, nº 279, sábado, 21 Dez. 1881, p. 4. 363. Cearense, Fortaleza, ano XXXV, nº 21, 6ª feira, 28 Jan. 1881, p. 2. 364. Gazeta de Baturité, Baturité, Ceará, ano I, nº 42, domingo, 12 Mar. 1882, p. 1. 365. A Época, Teresina, Piauí, ano VI, nº 271, 6ª feira, 7 Set. 1883, p. 6. 366. A Imprensa, Teresina, Piauí, ano XXII, nº 982, sábado, 31 Jul. 1886, p. 4. 367. Jornal do Ceará, Fortaleza, Ceará, ano I, nº 88, 4ª feira, 7 Set. 1904, p. 3. 368. Barroso, G. Memórias de Gustavo Barroso. Edição em conjunto das obras: Coração de Menino, Liceu do Ceará e Consulado da China. Fortaleza: Governo do Estado do Ceará, 1989, p. 237.
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1881
franCisCo Candido de MoUra CaBraL Sucessor de Olsen & Barza anuncia fotografia instantânea
ao findar 1881, fortaleza acolhe um novo fotógrafo, francisco Candido Moura Cabral, apresentado pelos renomados niels olsen e Constantino Barza como seu sucessor. a cidade vive um bom momento na área cultural. nos seus teatros são Luiz e são José realizam-se temporadas sucessivas das companhias teatrais de rodrigues sampaio, Lima Penante, antonio Pedro de souza e ribeiro guimarães. associações como recreio familiar, reform Club e Clube Cearense, dinamizam também a vida local, com soirées musicais e literários. a cidade assistiria então um relevante acontecimento, logo depois do virar de ano, ao fundear na costa o vapor inglês Norseman, de propriedade da Western
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and Brazilian Telegraph Company. a embarcação concluía a etapa de lançamento do cabo telegráfico submarino de Pernambuco ao Ceará, colocando a capital cearense em comunicação direta com a Corte, capitais brasileiras, europa e estados Unidos da américa. importante projeto a ter continuidade pelo vapor Kangordo que seguiria para a interligação de fortaleza com as províncias do norte. na manhã do dia 19 de março de 1882, às 7 horas, a bordo do paquete inglês Norseman, o Presidente da Província, dr. sancho de Barros Pimentel, realiza a primeira mensagem telegráfica declarando inaugurado o Cabo submarino, com significativos benefícios para o desenvolvimento local:
Cabo submarino. – Acha-se ligado com o Recife o cabo telegraphico da Western and Brazilian telegraph Company. Hontem às 7 horas da manhã teve lugar sua inauguração. Acompanhado por alguns funcionários públicos e outros distinctos cavalheiros, o Exm. Sr. Dr. Sancho de Barros Pimentel, Presidente da província, dirigiu-se à bordo do paquete inglez “Norseman”, para iniciar a communicação telegraphica. O cabo emergiu quasi em frente ao morro do Croatá, onde se trata de construir um ligeiro abrigo que servirá de estação provisória, emquanto não se edifica o prédio próprio. Expediram-se os seguintes telegramas para as estações do Rio de Janeiro e Recife: - Do Presidente do Ceará ao Exm. Sr. Ministro d’Agricultura: “Emergiu aqui hoje o cabo submarino. De bordo do vapor “Norseman” tenho a honra de comprimentar a V. Exc. com quem me congratulo pela inauguração desse grande melhoramento para o Ceará, que de hoje em diante comunicar-se-ha directamente com a Europa. Barros Pimentel.- Do Dr. Chefe de policia do Ceará ao Dr. Chefe de policia da Corte:Emergiu hoje nesta capital o cabo submarino que põe o Ceará em communicação directa com a Europa. José Ladisláu. Em nome da imprensa cearense e da “Gazeta do Norte” como representante de sua Redacção, o nosso colega João Lopes Ferreira Filho dirigiu também um telegramma de felicitação ás illustradas Redacções do “Cruzeiro” e do “Jornal do Recife”. Depois foi servido a bordo um delicado almoço pelo digno commandante do “Norseman”, o sr. Lacy que penhorou a todos com a mais distincta hospitalidade. (369) a população de fortaleza encontrava-se em conjuntura favorável quando nesse período os sócios niels olsen e Constantino Barza, ao se transferirem para o Pará repassam o seu estabelecimento a francisco Candido de Moura Cabral e em nota pública afiançam sua competência profissional: Aproveitam o ensejo para scientificar as pessoas que se retrataram, que todas as chapas ficam em poder do mesmo Sr. Cabral, a quem se devem dirigir para obter qualquer reproducção de retratos.
Júlia Bezerra. acervo família Bezerra de Menezes.
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Podemos afiançar aos nossos fregueses que, ficamos optimamente substituídos; e, a nossa afirmativa será verificada por aquelles que de novo se retratarem ou pedirem reproducções. Ceará, 3 de dezembro de 1881. N. Olsen & Barza (370) Esta seria a revelação de Moura Cabral no rol dos fotógrafos da época. Até esse momento é provável que tenha desenvolvido atividades comerciais. Seu nome surge pela primeira vez, como passageiro vindo em vapor do norte e desembarcado em Recife em outubro de 1878. Um ano depois desloca-se para o norte, sem especificar o destino. Mais uma vez, como passageiro no vapor francês Congo, vindo do sul do país, em setembro de 1880, ele chega à capital pernambucana. O acordo de traspasse do gabinete fotográfico de Olsen & Barza, anunciado em 3 de dezembro de 1881, materializa-se dias depois com os anúncios de apresentação do sucessor. O estúdio na Rua Senador Pompeu, nº 61, reaparece em tom modesto nas notas de divulgação, nos primeiros onze meses, como a indicar cautela do novo titular. O pequeno anúncio dizia: Retratos – Simples e a Crozat. Tira Moura Cabral sucessor de N. Olsen & Barza, Rua Senador Pompeu n. 61. A publicidade inicial é focada apenas nos retratos simples, no padrão de uso comum dos profissionais, com a alternativa Crozat, esmaltado. O sistema Crozat, grafado às vezes na imprensa Grozat ou Grozá, geralmente anunciado como miniaturas esmaltadas, custava quase o dobro das fotografias comuns. Não se constituía novidade, pois já era conhecida em Fortaleza desde Michel Norat (1863) e os americanos M. P. Goodrich e E. K. Hough, que nos visitaram em 1867. Outros profissionais da fotografia, posteriormente ofereceram serviços no mesmo sistema, como Agio Pio (1870), Ignacio Fernando Mendo (1875), Pinto de Sampaio (1877) e Joaquim Antonio Correia (1877). Retratos miniaturas esmaltados em casolettas, alfinetes de peito, broches, medalhas, relógios e anéis, foram também anunciados por Goodrich e Hough, Pinto Sampaio e Norat. Uma das alternativas para movimentar o negócio adquirido por Cabral,
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incluindo todas as chapas fotográficas de Olsen e Barza, seria naturalmente oferecer esse acervo em reproduções de retratos para a antiga clientela: Reproducções de retratos. Moura Cabral sucessor de N. Olsen & Barza tendo ficado com todas as chapas das pessoas que se retratarão com aquelles senhores, encarrega-se de fazer reproducções por preços razoáveis. Rua do Senador Pompeu n. 61. (371) As limitações do empreendimento inicial podem ser avaliadas pela não utilização das já tradicionais marcas impressas no verso dos cartões fotográficos, contendo o nome e créditos do profissional, valorizadas por ilustrações artísticas. Seus retratos traziam carimbos estampados no verso com o seguinte teor: MOURA CABRAL- Photographo – Rua do Senador Pompeu N. 61 – CEARÁ. Outros fotógrafos profissionais no Ceará já utilizavam a gravação frontal de seu nome além de marcas impressas no verso dos cartões, com uso ocasional de carimbos, a exemplo de Joaquim Antonio Correia (1877), o fotógrafo da seca. Moura Cabral dá continuidade ao atendimento no estúdio fotográfico, mas, como muitos outros logo assume o papel itinerante anunciando em outubro sua próxima viagem no dia 15. Pelo anúncio verifica-se que ainda prossegue realizando retratos simples e de Crozat, agora a preços reduzidos: RETIRADA Moura Cabral, tendo de retirar-se no dia 15 do vindouro, resolveu tirar retratos por preços ao alcance de todos. 1 duzia a Crozat9$000 1 dita simples6$000 Faz reproducções pelas chapas compradas aos Srs. Olsen & Barza. 1 duzia6$000 Fortaleza, 26 d’Outubro de 1882 Rua do Senador Pompeu nº 61 (372) São desconhecidos o destino e os motivos da curta viagem mas, menos de um mês depois, Moura
Cabral reaparece com ânimo novo. Seu estabelecimento agora denominado American Photographic oferece retratos em miniatura e padrão Vitória e como grande novidade retratos instantâneos feitos e entregues em 10 minutos. Mesmo assim, prevenindo que permanecerá na cidade apenas 20 dias: AMERICAN PHOTOGRAPHIC GRANDE SUCESSO!! ÚLTIMA NOVIDADE9 Retratos em miniatura1$5009 Ditos com cartão2$00036 Ditos sem cartão4$0009 Ditos em Victoria4$000 FEITOS E ENTREGUES EM 10 MINUTOS! Na Rua do Senador Pompeu nº 61, na photographia de MOURA CABRAL Abre-se Quinta-Feira nº 61. Trabalha-se somente 20 DIAS O estabelecimento estará aberto todos os dias, das 9 horas da manhã até as 4 da tarde; qualquer tempo é favorável. (373) A nova fase revela que o artista não faz referência aos dois formatos tradicionais de retratos, o carte-devisite (cartão de visita), nas dimensões de 5,7 x 10,8 cm, que imperou a partir de 1850 e seguinte, e o carte gabinet (gabinete), de 10,8 x 16,5 cm, introduzido em 1863, e em uso crescente a partir dos anos 1870. Moura Cabral continua oferecendo as miniaturas de Crozat e agora um dos novos formatos de cartões fotográficos, o Victoria, de 8,3 x 12,7 cm, em uso nos anos 80 como alternativa mais econômica ao cartão gabinet. O curioso é que o seu ateliê reapareça com a denominação inglesa American Photographic, e ofereça retratos – feitos e entregues em 10 minutos! Não conseguimos explicar como o fotógrafo, na breve ausência de Fortaleza, motivou-se para modificar sua estratégia comercial, em 1882, nem qual sistema o fotógrafo poderia utilizar-se para tirar retratos de entrega imediata, o que lhe concede um surpreendente pioneirismo no gênero. A época vinha gradualmente dando ênfase aos sistemas de fotografia instantânea, a exemplo do ítalo-brasileiro Luigi Terragno que anunciou, em dezembro
de 1881, o seu próprio invento denominado pistola Terragno. Alguns fotógrafos passam a anunciar fotografia instantânea, graças às melhorias de processo. As reduções no tempo de exposição já permitiam aos profissionais anunciarem com ênfase esse avanço. Em Recife, em 1883, o francês Georges Renouleau, que seria depois o introdutor do cinematógrafo em São Paulo, anunciava o método especial para gente nervosa, crianças, vistas e retratos em grupo. Na corte, em 1884, José Ferreira Guimarães divulgava que Waldemar Lange, em seu estúdio, usava o systema americano de John Carbutt, de Philadelphia. Outro artista renomado, Antonio Henrique da Silva Heitor (A. Heitor), Retratista da Casa Imperial, em 1887, anunciava a fotografia instantânea. Enquanto os modernos sistemas se consolidavam, a imprensa brasileira dava notícia de sua utilização em diversos setores, como nos bancos de New York que adotavam em 1890 o recurso para identificar as pessoas que se apresentam aos caixas. Após a estada em Fortaleza, Francisco Candido de Moura Cabral adota durante o lustro seguinte a vida itinerante, mantendo-se provavelmente no território nordestino. Seus roteiros de difícil rastreamento devem ter incluído as cidades interioranas, mercado disputado por muitos outros profissionais. Ao longo dos anos ele emerge para as páginas dos jornais em algumas capitais. Ainda em 1883, a capital do Piauí é sua área de atuação. O periódico O Telephone, de Teresina, apresenta seus anúncios a partir 9 de agosto, informando a abertura de seu estabelecimento na rua Grande, e meses depois, em fevereiro do ano seguinte já comunica que se encontrava de partida para fora da Província. (374) Em outubro de 1884, passa a trabalhar na capital paraibana, denominada então Parahyba, permanecendo até meses iniciais do ano seguinte, como consta em obra de Bertrand de Sousa Lira: Moura Cabral foi outro que não se demorou, avisando em janeiro de 1885 que só tira retratos até o final do mês. Cabral havia chegado à capital da Parahyba do Norte em outubro de 1884, abrindo um atelier na rua Nova (atual General Osório) nº 24. No anúncio por ele veiculado no jornal Diário da Parahyba, de 26 de outubro de 1884,
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39 alardeava o fato de ser “vantajosamente conhecido nas províncias do norte” (...) Anunciava também que trazia para seus clientes da capital paraibana o sistema alemão, “o mais aperfeiçoado que existe”.(...) (375)
RETRATOS Simples e em porcelana, tira Moura Cabral Rua Formoza n. 3 (376)
novamente há um vazio no rastreamento da vida profissional de Moura Cabral, até sua última reaparição no rio grande do norte, em 1888, com seu gabinete fotográfico instalado em natal, na rua formosa, nº 3. nessa etapa, volta a oferecer retratos simples e em porcelana, a partir de setembro, através de pequenos anúncios de uma coluna que revelam seu modesto posicionamento:
o último registro que encontramos de francisco Cândido de Moura Cabral, não como retratista, mas, como cidadão residente na cidade de natal, ocorre em sua participação como mesário nas eleições de setembro de 1890. Uma página final comum a outros personagens que transitam pela fotografia comercial e encontram o futuro em outros segmentos dos negócios.
a fotografia nos saLÕes de BeLas artes
Superação da crítica que fotografia não é Arte
o momento histórico na manhã de 16 de janeiro de 1840 em que o francês Louis Compte, capelão do navio-escola L’orientale, demonstrou o fantástico poder da daguerreotipia aos brasileiros, felizmente foi preservado em editorial do Jornal do Commercio: 369. Cearense, Fortaleza, ano XXXVI, nº 70, 6ª feira, 20 Mar. 1882, p. 2. 370. Pedro II, Fortaleza, ano II, nº 42, 5ª feira, 8 Dez. 1881, p. 4. 371. Gazeta do Norte, Fortaleza, Ceará, ano II, nº 96, 4ª feira, 3 Mai. 1882, p. 1. 372. Gazeta do Norte, Fortaleza, Ceará, ano III, nº 241, domingo, 29 Out. 1882, p. 1. 373. Gazeta do Norte, Fortaleza, Ceará, ano III, nº 275, 3ª feira, 12 Dez. 1882, p. 1.
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374. Kossoy, B. Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro – Fotógrafos e Ofício da Fotografia no Brasil (1833-1910). São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2002, p. 94. 375. Lira, B. de S. Fotografia na Paraíba – Um inventário dos fotógrafos através do retrato (1850 a 1950). João Pessoa: Editora Universitária, 1997, p. 39. 376. Gazeta do Natal, Natal, Rio Grande do Norte, ano I, nº 74, sábado, 15 Set. 1888, p. 4.
Hoje de manhã teve lugar na hospedaria Pharoux hum ensaio photographico tanto mais interessante, quanto he a primeira vez que a nova maravilha se apresenta aos olhos dos Brasileiros. Foi o abbade Combes quem fez a experiência: he hum dos viajantes que se acha a bordo
da corveta franceza l’Orientale, o qual trouxe comsigo o engenhoso instrumento de Daguerre, por causa da facilidade com que por meio dele se obtem a representação dos objetos de que se deseja conservar a imagem. He preciso ter visto a cousa com os seus próprios olhos para se poder fazer idéa da rapidez e do resultado da operação. Em menos de nove minutos o chafariz do largo do Paço, a praça do Peixe, o mosteiro de S. Bento, e todos os outros objectos circumstantes se acharão reproduzidos com tal fidelidade, precisão e minuciosidade, que bem se via que a cousa tinha sido feita pela própria mão da
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natureza, e quasi sem intervenção do artista. Inutil he encarecer a importância da descoberta de que já por vezes temos ocupados os leitores; a exposição simples do facto diz mais que todos os esclarecimentos. (377) Iniciava-se a fotografia no Brasil, com a daguerreotipia, a fixação de imagem numa placa de cobre polida, recoberta por uma camada de iodeto de prata, primeiro capítulo de um admirável romance. No relato citado acima, o editorialista ressalta que a operação seria feita pela própria mão da natureza, e quase sem intervenção do artista. As restrições do processo de Louis Daguerre, a partir da limitação da chapa metálica negativo-positiva que não permitiam a produção de cópias, são superadas com aperfeiçoamentos que, até o final do século, posicionam a fotografia em elevado nível e a consagram como Arte. A negação do produto fotográfico como criação artística, entretanto, repete-se através de decênios, embora se reconheça a qualidade das obras de alguns nomes consagrados. O retratista americano E. K. Hough, que esteve em Fortaleza nos anos 1867-68, como vimos em capítulo próprio, contestou essa crença generalizada de que os fotógrafos apenas operavam mecanismos e produtos químicos, nada ou quase nada influindo no produto final. Nas páginas da revista The Philadelphia Photographer, em 1875, apelava para a necessidade de defender o valor da profissão: [...] Nós devemos transformar numa crença que o fotógrafo tem respeito próprio e honesto orgulho; que ele não é um mero intermediário entre eles e as forças da natureza que eles querem invocar; que ele tem uma consciência ativa, que dirige e controla, escolhe e combina, com propósito preciso; que suas substâncias químicas, instrumentos, e luz, são materiais em suas mãos para produzir representações artísticas de formas naturais, assim como as cores, pincéis e telas do pintor; que cada ramo de arte tem suas possibilidades, e suas limitações; que cada artista aprende muito mais, quando ele sabe o que tem de fazer, e o que ele não deveria tentar; e que o caminho verdadeiro para seus melhores esforços
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é acreditar nele – deixa-lo livre para escolha, arranjo e decisão pessoal. (378)
produz é tão somente resultante de certos phenômenos physicos e reacções chímicas. (380)
ter um retrato fotográfico de qualquer um, mas ter um Sarony, um Ryder, ou um Crame... (382)
No Brasil, após a chegada do daguerreótipo em 1840, o Imperador D. Pedro II, amante das novidades tecnológicas, tornou-se logo um adepto da fotografia, patrono dos melhores artistas e ele próprio um fotógrafo amador. Entre 1851 e 1889, concedeu a 26 profissionais ou estúdios como reconhecimento ao valor artístico o título de Fotógrafo da Casa Imperial. Nas Exposições Gerais de Belas Artes, da Academia Imperial, realizadas entre 1840 a 1884, já a partir da edição de 1842 ocorre a inclusão de retratos tirados com daguerreótipo, sem declaração de autoria e que se supõe sejam de Madame Lavenue. A fotografia se faz presente entre 1861 a 1889 em 18 outras Exposições Provinciais Nacionais. O Brasil participou também de 12 importantes exposições internacionais nas Américas e Europa, listadas em valiosa pesquisa da historiadora Maria Inez Turazzi. (379) Apesar da expressiva presença das obras fotográficas nas mostras competitivas nos salões de Belas Artes, e a qualidade inconteste de nossos artistas, repete-se o protesto de que a fotografia não é arte. Matéria de primeira página no Jornal do Commercio, publicado na Corte, mantém em 1884 essa mesma linha crítica:
O estágio já alcançado pela fotografia e o nível de competência dos profissionais em atividade no país, explicam a pronta contestação de críticas, demonstrado nesse episódio pelo aparecimento de resposta no jornal Gazeta de Notícias:
Na medida em que fotógrafos se tornam individualmente famosos tanto quanto renomados pintores, apreciadores da arte expressam publicamente esse reconhecimento, como faz o editorialista do Jornal do Commercio, em 1862, numa crônica de primeira página sobre Joaquim Insley Pacheco:
Encontrão-se em uma das salas da exposição de Bellas-Artes amostras de diversos processos photographicos. Eu poderia perguntar aos Srs. Diretores da Academia se pelos seus estatutos é considerada a photographia como ramo das bellas-artes; mas, tendo também visto, ao lado das fotographias e dos esmaltes, trabalhos de xilografia e até mesmo de calligraphia, não me animo a fazer pergunta. Mas, como o meu intuito é analysar a exposição, e taes objectos forão aceitos pela academia, não deixarei de referir-me a elles, sem deixar, por isso, de considera-los, como devem sê-lo, isto é: meros produtos industriaes. A photographia é, ninguém o desconhece, uma verdadeira maravilha, que se presta a numerosas applicações; mas também não é menos verdade que tudo quanto ella
Diz o critico que na photographia todo o trabalho é feito pela câmara escura! Então quem quiser o seu retrato compre uma câmara escura e mande o critico metter-lhe o nariz pelo buraco. (...) Em vez do tal critico falar, aconselhar ou censurar o que não entende, seria melhor que mandasse vir do estrangeiro trabalhos análogos e fizesse o confronto com os que se acham na exposição. Só assim poderia concluir que estamos atrasados n’esse ramo de actividade humana. (381) A aceitação da fotografia nos grandes centros, refletido em escala mundial, abre as portas para um próspero setor de negócios, e paralelamente, ocorre o surgimento dos hábeis profissionais que concedem individualidade e valor artístico ao que produzem. Surgem então nomes consagrados cujos produtos tornam-se objeto de desejo de sua clientela e recebem o reconhecimento nas exposições de arte. Em apenas quarenta anos, desde o início da daguerreotipia, cresce essa legião de notáveis. Joaquim Insley Pacheco, fotógrafo e pintor lusocearense, é um exemplo dessa afirmação de talento. Refletindo a pregação de E. K. Hough, aplicando sua marca pessoal no que fazia, tornou seu estilo inconfundível e seu nome tão importante quanto os retratos de sua autoria. Concretizava-se o ideal de valorizar artisticamente a criação fotográfica, a que se refere a escritora Sarah Greenough como sendo o novo estilo do profissional americano em ascensão: Enquanto o culto a personalidade cresce, os profissionais desejam ardentemente tornar-se uma moda não apenas
Já uma vez tive ocasião de recomendar ao público o Sr. Pacheco como photographista, cujo único defeito era fazer sahir de sua officina os retratos reproduzindo a physionomia das pessoas retratadas com a mais completa verdade e semelhança, verdade e semelhança muitas vezes cruel. (...) Pois o Sr. Pacheco serve a todas essas exigências da amizade, do amor e da vaidade, e tão perfeitamente, que nem disfarça os senões que por ventura tenha o rosto ou o corpo da pessoa que se quizer retratar; o pincel sublime de um pintor que não adula nem mente, não dá um simples narizinho a uma moça nariguda, nem uma cintura de palmo e polegada a uma matrona de corpo de saloia. Sahe tudo tal e qual como se apresenta diante do sol, o que já não é pouco. (383) Seus retratos artísticos ganharam visibilidade e conquistaram prêmios em exposições nacionais e internacionais. Entre 1857 e 1882 se fez presente nas Exposições de Belas Artes da Academia Imperial, no Rio de Janeiro, nos anos de 1857, 1864, 1866, medalha de prata por 22 paisagens; 1867, com paisagens e fotografia sem retoque;1868, fotografias e paisagem pastel; e 1875, participação com retratos fotográficos e paisagens a guache e aquarela.. Novos reconhecimentos nas quatro edições da Exposição Nacional, realizadas no Rio de Janeiro, nos anos de 1861-1862, detentor de medalha de cobre por fotografias em halótipo e ambrótipo e fotopintura de paisagens; 1866, detentor de medalha de prata; 1873, medalhas de prata e cobre por paisagens à óleo e fotopinturas a guache e pastel; e 1875, com desenhos e pinturas de paisagens.
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40 Pacheco além de participação no Chile e Chicago, foi aclamado em outros eventos internacionais, como a exposição Universal de Londres (1862), com retrato em halótipo, retratos fotográficos diversos e da família imperial; exposição internacional do Porto (1865), com fotografias que lhe deram Medalha de Primeira classe e a condecoração pelo rei de Portugal com o título de Cavaleiro de Cristo, exposição Universal de Paris (1867), com retratos e fotopinturas (retratos coloridos); exposição Universal de Viena (1873), com 28 fotografias,
377. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano XV, nº 13, 6ª feira, 17 Jan. 1840. p. 1. 378. The Philadelphia Photographer, Philadelphia, Volume XII, nº 133, Jan. 1875, p. 141. 379. Turazzi, M. I. Poses e Trejeitos – A fotografia e as exposições na era do espetáculo (1839 a 1889). Rio de Janeiro: Funarte/Rocco/Ministério da Cultura, 1995. 380. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano LXIX, nº 269, 6ª feira, 26 Set. 1884, p. 1.
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premiado com Menção honrosa; exposição Universal de filadelfia (1876), participação laureada, e nova premiação na exposição Continental de Buenos aires (1882). (384) o portfólio de Joaquim insley Pacheco, que se nivela a dezena de outros consagrados com atuação no rio de Janeiro e províncias brasileiras, serve de comprovação do crescimento e afirmação da fotografia artística que convive com a similar comercial, de baixo custo, que se realiza para atender a crescente busca pela preservação de imagens através dos retratos fotográficos.
381. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, ano X, nº 273, 2ª feira, 29 Set. 1884, p. 2. 382. Greenough, S. “Of charming Glens, Graceful Glades and Frowing Cliffs.” In: Sandweiss, M. A. (Ed.) Photography in Nineteenth Century America. New York: Harry N. Abrams, 1991. 383. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano XXXVII, nº 10, 6ª feira, 10 Jan. 1862, p. 1. 384. Turazzi, M. I. Op. cit., p. 209-225.
1882
JosÉ irineU de soUZa e oLYMPio Pereira de MeLLo Pintores retratistas na era da fotografia
ao iniciar-se o ano de 1882, existem bons indícios de que a capital cearense vivia um período de desenvolvimento urbano e progresso social. a população acolhia e prestigiava os artistas que cultuavam as belas artes e os que favoreciam as artes cênicas, notadamente a música, ópera e teatro. fortaleza tinha então três estúdios fotográficos, o do casal francês Baubrier, Moura Cabral e Joaquim antonio Correia, os primeiros na rua do senador Pompeu e o último, na rua formosa. nem por isso fechava o mercado aos artistas do pincel que ensinavam o desenho e a pintura, dedicavam-se ao paisagismo e mantinham ativo o mercado do retrato à óleo, como os pintores olympio Pereira de Mello e José irineu de souza. o cadastro predial indicava o crescimento urbano e fortaleza era considerada orgulhosamente como bela e mimosa cidade pelos habitantes. existiam 3.855 casas, sendo que 2.012 numeradas
pelo sistema placa. as ruas e praças ostentavam 176 dísticos de identificação. as ruas com maior número de prédios eram a senador Pompeu, formosa (atual Barão do rio Branco), Boa Vista (atual floriano Peixoto) e Major facundo, respectivamente com 281, 275, 203 e 202 edificações. as áreas construídas são demarcadas por 20 prédios públicos de maior importância: o Palácio do governo, Palácio episcopal, seminário, Quartel do 15º Batalhão, Quartel de Polícia, santa Casa de Misericórdia, Cadeia, Cemitério, estação da via-férrea, Paiol de Pólvora, tesouro Provincial, alfândega, assembleia, asilo de Mendicidade, Colégio das órfãs, Liceu, depósito de artigos bélicos, Biblioteca, escola Modelo, instrução Pública, Paço Municipal e Mercado Público. integram o conjunto urbano a Catedral e 9 igrejas católicas, além da sede particular do reform Club, na rua formosa, que em janeiro instalara a sua biblioteca.
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iniciais, induzem a optar pelo estúdio fotográfico como meio para custeio dos seus estudos de pintura, fato descrito em perfil pelo Barão de studart: Na Capital do Imperio – não tinha recommendação – nem dinheiro, nem amigos nem relações, mas cinco dias depois de sua chegada arranjou-se com um mestre de obras, o pintor de casas Joaquim Patricio, sendo dentro de um mez seus ordenados elevados a 10$000 rs. como pintor decorador. Deixou no entanto esse emprego tão pouco lucrativo para se empregar de novo em uma Photographia (Casa Lopes) visto como essa occupação lhe permitiria estudar. (386)
a temporada teatral no palco do theatro são Luiz é aberta no dia 21 de janeiro, com a comemoração do 100º espetáculo da sociedade dramática recreio familiar, uma associação de artistas amadores locais, seguindo-se as tournées da Companhia dramática ribeiro guimarães e Companhia de ópera-Cômica e dramática Portuguesa, de antonio Pedro de souza. Au Phare de la Bastille é uma nova e ampla loja de fazendas, miudezas e artigos de moda importados da europa instalada a 19 de abril, na rua formosa, 52. Vai compor o panorama de muitos outros estabelecimentos comerciais com denominações que revelam as suas raízes europeias: La Ville de Paris, Novo Paris na América, Louvre, Bon Marché, Versailles, L’Hotel de l’Univers, Noveauté Paris, Rendez-vous des Amis, Ship Chandler... e dando continuidade a uma tradição de moda francesa, iniciada por estilistas como Mme. aline e Mme. Louise, instala-se na rua Boa Vista, Mme. Bisson, modista qualificada como contramestre nas principais casas de Paris. evidentemente fortaleza estava pronta para acolher os artistas plásticos que contribuíam para a elevação cultural das capitais provinciais. o primeiro deles, olympio Pereira de Mello, não era desconhecido na cidade, mas, retornava a 12 de janeiro, vindo do norte, pelo vapor Bahia. Hospeda-se no Hotel das 4 nações onde instala seu ateliê para o ensino de desenho e pintura e atendimento como retratista:
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Retratos a óleo, garantidos. Olympio Pereira de Mello, professor de desenho e pintura, offerece ás pessoas que desejarem retratar-se, os seus serviços. Offerece-se tambem á aquellas pessoas que quizerem lecionar-se e conhecerem os segredos de sua arte. Para este fim pode ser procurado no Hotel das 4 Nações, de 1 ás 4 horas da tarde. (385) antes de completar dois meses, cumprindo a vida de artista itinerante, no dia 23, embarcava em vapor com destino aos portos do sul. enquanto um retratista ganhava rumos desconhecidos, um artista cearense voltava à sua terra após dez anos de ausência. José irineu de souza, a exemplo do anterior, assumia o duplo papel de professor de pintura e retratista, construindo uma longa história profissional. Cearense, nascido em fortaleza, em 25 de março de 1850, teve sua formação básica em escolas locais, complementada por noções de música, estudos de francês com os professores Victor saillard e Padre Vieira, e principalmente, desenho, orientado pelo artista alemão, versado no capítulo 8, Johann Brindseil. ensaiou atividades comerciais mas, manifestando maior vocação para a pintura, toma o caminho do rio de Janeiro, em novembro de 1872, em busca de aperfeiçoamento artístico. os dez anos vividos na Corte, superadas as dificuldades
a oportunidade de conviver com os profissionais da fotografia vai marcar sua vida, pelo menos como amador da nova arte. a Casa Lopes, era nessa época localizada na rua do ouvidor, disputava o seu espaço em mercado bastante competitivo. os pequenos anúncios então ofereciam Retratos a 3$000 a dúzia, seguido da informação Na Única Casa do Lopes, Rua do Ouvidor n, 62, talvez para evitar vir a ser confundido com eventuais profissionais homônimos. anos depois, em 1876, o estabelecimento está instalado na rua do Hospício, nº 93, bem próximo da concorrente Photographia Sabino, agora com publicidade em volantes coloridas, mas mantendo o mesmo estilo de pequenos anúncios em jornais iniciados na antiga Casa Lopes: A ÚNICA photographia do Lopes é a rua do Hospício n. 93. (387)
... pela muita benevolência de seus professores e Director foi rápido o seu curso e em concurso foi elle premiado com a medalha de prata e o respectivo Diploma, sendo por essa occasião apresentado ao Imperador. Sua Magestade o acolheu benevolamente, mas um certo pendor republicano não o consentiu utilizar-se da munificência do monarca. (388) ao regressar a fortaleza, em 1882, o artista irineu estava disposto a enfrentar as difíceis condições para o exercício de sua profissão. enfrentou os três estúdios fotográficos então existentes e dividiu com olympio Pereira de Mello a clientela para os retratos à óleo. a inquietação e busca de porto seguro motivam a primeira viagem a Manaus, onde segundo o historiador Barão de studart teria sido contratado pela municipalidade para realizar um retrato em tamanho natural do imperador Pedro ii. após passar novamente pelo rio de Janeiro, projeta seu nome no Ceará a partir do ano seguinte: PINTURA Á OLEO. José Irineu de Souza, de volta da Côrte, offerece ao publico os serviços de sua arte, tirando á capricho retratos á óleo e executando qualquer outro trabalho que lhe for encommendado. Para retratos tem um rico sortimento de molduras douradas de vários gostos e qualidade. Também dá licções de desenho comparecendo á casa dos discípulos que o honrarem com sua confiança. O annunciante pode ser procurado no grande HOTEL DO NORTE, onde acha-se residindo. (389)
o emprego com o fotógrafo Lopes, além do aprendizado dessa arte, assegurou a José irineu de souza concretizar seus estudos de desenho no Imperial Liceu de Artes e Ofícios. impedido de realizar o sonho de cursar a Academia de Belas Artes, que não matriculava candidatos que tivessem mais de 18 anos de idade, o amante da arte encontrou no Liceu mestres como Victor Meirelles e angelo agostine, e segundo Barão de studart, não quis aproveitar as generosidades do imperador:
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em julho, com seu ateliê instalado no sobrado da rua do rosário, nº 42, realiza sua obra de maior repercussão, “fortaleza Liberta”, uma reconstituição da sessão comemorativa da extinção total da escravidão na capital cearense. sobre a feitura dessa obra histórica, diz o pintor, fotógrafo e memorialista otacílio de azevedo: [...] Mais de cinquenta pessoas estão representadas, em sua maioria, políticos de renome, com fidelidade impressionante. [...] Segundo o testemunho de pessoas antigas, já falecidas, para Fortaleza Liberta, que foi pintada naquele sobradinho da Praça dos Voluntários – Rua Perboyre e Silva com Rua do Rosário – serviram de modelo algumas pessoas que, à custa de dinheiro, quiseram figurar na importante obra, como testemunho da célebre sessão patriótica da libertação dos escravos. Também no quadro A Ronda Noturna, de Rembrandt, muitos nobres da época pagaram para figurar. [...] (390) o quadro de especial valor histórico foi produzido em 1883, data que corrige a recorrente citação do ano de 1884 por historiadores e memorialistas. a inauguração da valiosa obra ocorreu como parte de reunião promovida no dia 8 de dezembro de 1883, nos salões da assembléia Provincial, em que julgada possível a libertação total da Província no alvorecer do ano novo, foi fixado o próximo 25 de março de 1884 para essa consagradora proclamação. Perante representantes de todas as classes sociais e imprensa, após discursos do Presidente Provincial, dr. gonçalo de Lagos, e eminentes personalidades locais, foi inaugurada e exposta a obra de irineu de souza. o periódico Constituição narra o luminoso momento histórico, em fortaleza – a primeira capital a libertar todos os seus escravos, quando se decidiu também a próxima data em que o Ceará consagrava-se como a primeira província brasileira sem escravos: O Dr. Gonçalo de Lagos agradeceu a espontânea concurrencia publica áquella reunião, e convidou todas as pessoas presentes a assistirem a inauguração do bello quadro, em que o nosso distincto patrício José Irineo de Souza reproduziu a grande solemnidade da redempção
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do município da capital no memorável dia 24 DE MAIO. Foi entre vivas e ao som de musica que ficou definitivamente assentada a data, em que se deve realizar o admiraval acontecimento da libertação da 1ª província do Imperio. Nossas saudações e enthusiasticas felicitações aos valentes e patrióticos empreendedores de tão magnânima obra de civilização. (391) Mantido à visitação pública o quadro Fortaleza Liberta, nos três primeiros dias já fora visto por 812 pessoas, tendo o seu autor prolongado por mais 3 dias a exposição. a obra foi também fotografada, em novembro do ano seguinte, pelo artista Joaquim antônio Correia, e exposto no escritório do jornal Libertador. o reflexo dessa conquista do público aparece em 1884, quando prossegue sua atividade como pintor-retratista, promove exposições de suas obras e oferece, sem sucesso, para a juventude e comerciários cursos noturnos de desenho. a abertura do seu salão de pinturas, em 10 de agosto, amplia suas pretensões de desenvolver cursos de pintura, desenho e música, estes últimos em parceria com alberto nepomuceno. Por essa iniciativa recebeu José irineu de souza o aplauso da imprensa: Fez-nos uma doce consolação o salão de pinturas; o gosto do artista, o seu trato ameno, a disposição dos quadros, a especialidade deste ou d’aquelle estudo do pintor artista, do pintor que pensa, que medita, que idealisa, do pintor poeta que vae no seio da natureza buscar imagens coloridas, apanhar prismas de luz, effeitos de sombra, que reúne nos simples traços do seu pincel as sensações da alma – a esthetica e o pulsar do coração – a vida; do pintor, emfim, que conhece os segredos da divina arte dos Raphaes e faz da tela a imagem do seu futuro. (392) nesse mesmo ano, irineu transfere-se para o norte, tendo vivido em Manaus e posteriormente em Belém, cidades onde exerceu a pintura comercial e o magistério público, lecionando desenho. ingressou na política, em Manaus, elegendo-se vereador membro do Conselho local, quando foi
nomeado Capitão da guarda nacional. no campo das belas artes foi laureado em exposições com medalha de ouro e diploma de 1ª classe, respectivamente, em recife e Manaus. nos últimos anos do século, ele continua trabalhando ativamente no norte. seu ateliê em Manaus é transferido, em 1893, para a rua saldanha Marinho, nº 86, mantendo-se dedicado à sua vocação original. essa sobrevivência graças à pintura e o desenho, não lhe impede voltar à fotografia como amador, interesse resultante da prática adquirida nos tempos da Photographia Lopes. numa de suas estadas em fortaleza, em 1897, participa diretamente na criação de uma associação que congregasse os fotógrafos amadores. a cidade já assistira movimento semelhante em 1893, prova inconteste da agitação existente entre os aficionados dessa arte. ao encontrar o dinâmico conterrâneo Joaquim Moura Quineau somaram as energias para criar uma nova agremiação de amadores: Gremio Photographico Alguns moços de distincção, amadores da photographia, com o concurso dos nossos dous hábeis conterrâneos José Irineu e Moura Quineau, fundaram nesta capital um “Grêmio de Propaganda Photographica”, sendo aclamada uma directoria provisória, até approvação dos estatutos básicos e definitiva eleição. (393)
cooperativa de artistas do pincel com os fotografistas profissionais e amadores. essas associações e Joaquim Moura Quineau serão destaques do final do século. otacílio de azevedo, em sua antológica obra já referida, narra o seu único encontro com irineu de souza, no Café Java, quando aqui esteve para fazer parceria com o famoso fotógrafo-pintor J. ribeiro na elaboração de um retrato do Presidente de estado, João thomé. o autor fecha melancolicamente o capítulo a ele dedicado: José Irineu de Souza era baixo e estava vestido de casemira preta, chapéu coco à cabeça. Disse-me ser cearense, casado com uma das Fiúza Pequeno e residir há muitos anos no Pará, onde sempre fora pintor conceituado, além de professor de desenho contratado pelo governo. Logo que terminou o trabalho, regressou à terra de onde viera e que o adotou com afeto e compreensão – o que não aconteceu com sua terra natal. Sentindo-se velho, doente e torturado pela saudade da terra que nascera, desiludido da grande mentira que se chama glória, regressou a Fortaleza, onde morre pobre e totalmente esquecido. (394)
o grêmio de Propaganda Photographico, criado em fevereiro de 1897, era o segundo de quatro iniciativas similares ocorridas em curto período de sete anos. Um exemplo da convivência harmoniosa e
irineu de souza tinha fixado raízes no norte, mas retornava à sua terra natal para matar saudades. numa das viagens, veio a falecer, no dia 26 de agosto de 1924, aos 74 anos de idade. o artista deixou provado o seu talento na sua arte e nos episódios de uma vida ativa e produtiva. seu quadro Fortaleza Liberta, de grande valor histórico, faz parte do acervo do Museu do Ceará.
385. Cearense, Fortaleza, ano XXXVI, nº 11, Sábado, 14 Jan. 1882, p. 3. 386. Studart, G. Diccionario Bio-Bibliographico Cearense (Volume II). Fortaleza: Typo-Litographia a Vapor, 1913, p. 125. 387. O Globo, Rio de Janeiro, ano III, nº 148, 3ª feira, 30 Mai. 1876, p. 4. 388. Studart, G. Op. cit., p. 125. 389. Libertador, Fortaleza, ano III, nº 97, sábado, 5 Mai. 1883, p. 1.
390. Azevedo, O. Fortaleza Descalça. Fortaleza: UFC/Casa José de Alencar, 1992, p. 280-281. 391. Libertador, Fortaleza, ano III, nº 273, 4ª feira, 12 Dez. 1883, p. 2. 392. Libertador, Fortaleza, ano IV, nº 166, 4ª feira, 13 Ago. 1884, p. 1. 393. A República, Fortaleza, ano VI, nº 35, sábado, 13 Fev. 1897, p. 1. 394. Azevedo, O. Op. cit., p. 281.
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41 soBreira, fotógrafo e reLoJoeiro-rHaBiLLeUr
O versátil Professor João Gonçalves Dias Sobreira
horas da noite, ensaiaram nas proximidades de sua casa, como um insulto à meretriz Maria Miranda. a manifestação era organizada por senhores de família respeitável, como dario Correia guerra e o professor público Valdevino Pantalião de araújo, acompanhados pelo escravo liberto Joaquim e mais oito capangas armados de cacetes, como descrito no periódico Cariry: Dario esfregava a serra na barrica e agitava um enorme chocalho, e segundo informa a mulher era quem cantava, as palavras da festa; o Professor Valdevino, o que miava, uivava e chorava; o liberto Joaquim, batia em ferros velhos fazendo uma algasarra tremenda; todos fasião coro, com uma gritaria selvagem, sem respeito as famílias importantes da visinhança, como as do negociante Felismino, Dr. Tyrso, João Gonsalves, Lavor, e outras de pobres mas honestas, com os mesmos direitos de respeito e socêgo. Foi um acto medonho e mais revoltante pela inacção da força publica que não appareceo se não para applaudir, por mais de meia hora. Consta que muitos d’elles fiserão correrias pela rua da larangeira, proferindo palavras obscenas, batendo nas portas. A que está redusido o Crato! Pessoa de qualificação, praticando aquillo que nem toda a baixa plebe pratica. É o que se diser do Sr. Coronel Antonio Luiz que traz assim os filhos soltos na rua, nessas escolas de degradação, nessas reuniões criminosas e indecentes! (395)
fonte: gallica. Bibliothéque nationale de france. gentileza de J. terto de amorim.
se a comunidade cearense tinha alcançado êxito da extinção do entrudo, em virtude do uso abusivo das bisnagas de limão de cheiro e água de cuia, substituindo-o por um novo carnaval, assim não acontecia com outra herança portuguesa bem mais ofensiva e constrangedora. sobrevivia na capital e no interior, na semana santa, a agressiva tradição popular conhecida como serra-a-velha e suas variantes. oriunda de Portugal, mas também vigente na itália, frança e espanha, era praticado esse desagradável cortejo noturno até à porta da residência da pessoa que desejavam criticar ou humilhar. no local desejado o bando chamava em canto fúnebre
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o nome da vítima alvo da manifestação e começava o ato de serragem da velha. sob a algazarra dos acompanhantes e o barulho dos chocalhos, o dirigente gritava versos ofensivos, outro participante interpretava o desespero da vítima apelando por sua vida, enquanto a turba respondia aos gritos de “serra a velha!”. a condenada era então supostamente serrada dentro de um barril. o ruído dos serrotes era abafado pela comemoração festiva dos agressores. essa pratica resultou, em 1884, em pelo menos uma vítima fatal na província. na cidade do Crato, uma mulher enferma faleceu vítima de susto provocado pela algazarra do serra-a-velha que às 11
no final do século XiX, a tradição do serra-avelha ainda era um problema de ordem pública em fortaleza, merecendo um editorial na primeira página em favor da civilidade e bons costumes:
se reproduzem todos os annos n’esta capital, dando uma triste idea de nossa civilisação e costumes. (396) a cidade demonstra um vivo empenho na busca de modernização, superando os antigos hábitos e tradições que maculem o orgulho do citadino, criando espaço para tudo que contribua no processo civilizatório. os mercadores de tecnologias são assim bem recebidos. nos jornais de 1884, a partir de março, começam a aparecer pequenos avisos da chegada de mais um fotógrafo para satisfazer a uma clientela crescente: SOBREIRA – PHOTOGRAPHO 26 – RUA DAS FLORES – 26 RELOJOEIRO RABILLEUR 26 – RUA DAS FLORES – 26 (397) assim anunciado, poderia sugerir que o fotógrafo sobreira fazia-se acompanhar de um relojoeiro, provavelmente chamado rabilleur. a inexistência de outras notícias que permitissem identificar os dois personagens concede-lhe um simples registro no fundamental Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro: SobreiraRua das Flores, 26 Fortaleza CE 1884 Apenas uma breve referência sobre este fotógrafo, que dividia, aparentemente, o imóvel com o relojeiro Rabilleur. (Gazeta do Norte, 15 mar. 1884, p. 3) (398) as buscas dos personagens foi inicialmente exitosa na referência ao relojoeiro. Como não
Contra os vandalos Estamos na semana santa, em que a piedade de muitos revela-se em actos de abominável crueldade, contra as pobres arvores que ornamentam nossa cidade e suas chácaras e, de outro modo, em alarido infernaes serrando velhos, perturbando o socego e inquietando os pobres doentes. Antes que chegue o sabbado d’Alleluia, dia escolhido para desabafo de tão ruins paixões, pedimos a policia que tome providencias no intuito de evitar as scenas vandálicas que
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a coincidência de endereço na rua das flores (atual rua Castro e silva), usado pelo fotógrafo-relojoeiro sobreira e o da publicidade do Professor J. g. d. sobreira, confirmava tratar-se uma única pessoa. a comprovação viria depois com a hipótese que o anunciante seria o Professor João gonçalves dias sobreira, um personagem bem conhecido por sua versatilidade, mas indicado nas notas biográficas apenas como professor e escritor. encontramos o ato mais antigo de sua nomeação para função pública no expediente do governo da Província, em 22 de fevereiro de 1874, que informa ter o Professor sobreira assumido o cargo de professor em Pendência (atual Capistrano). afinal, a prova definitiva, é encontrada no ano de 1880, quando um anúncio mostra que além de Professor ele também exercia os serviços de relojeiro em Baturité:
the state of Ceará – Brief notes for the exposition of Chicago, as authorized by the governor of Ceará, Brazil, dr. José freire Bezerril (Chicago, 1893). fonte: ©2016 new York Public Library. agradecimentos: sr. Paul friedman, general research division. gentileza de J. terto de amorim.
aparecesse seu nome em nenhuma outra região brasileira, levou-nos a esclarecer o enigma em consulta a um dicionário francês de profissões. Lá encontramos como uma das categorias de relojoeiros a de Horloger-rhabilleur, cuja descrição profissional em resumo, diz ser a pessoa que fabrica, limpa, regula e prepara as peças e os mecanismos de relojoaria e de minuteria de diversos aparelhos elétricos ou eletrônicos (cronômetros, relógios a carrilhão), indicadores de mostrador, etc. a ele cabe o exame de cada aparelho a fim de identificar o que prejudica o seu funcionamento e avaliar o custo antes de proceder os reparos. resolvido o enigma rhabilleur, passamos a concentrar a pesquisa apenas em sobreira, o
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personagem que exercia a dupla função de fotógrafo e relojoeiro-consertador. a chave de identificação de sobreira vem a seguir em anúncio publicado em abril, paralelamente com o de fotógrafo e relojoeiro, em que se identifica como Professor J. g. d. sobreira: ÀS FAMÍLIAS O professor J. G. D. Sobreira se offerece para leccionar em casas particulares, todos os dias uteis, das 2 da tarde ás 8 da noite, mediante ajuste prévio as seguintes matérias: Portuguez, contabilidade, desenho linear e geométrico, latim, francez, musica vocal, historia e geografia do Brasil. À tratar na rua das Flores n 26. (399)
RELOJOEIRO – RELOJOARIA Para melhor commodo, passou-se para a Pendencia onde offerece seus serviços em tudo quanto diz respeito a arte, e em toda e qualquer qualidade de relógio; e qualquer que seja o desconserto, garante-se aperfeiçoamento e presteza. Tambem galvaniza de ouro e prata pelo methodo elétrico-chimico caixas de relógios, correntoes, resplendores e quaisquer obras de metaes que não sejam de ferro ou aço. Baturité, 13 de janeiro de 1880. J. G. Sobreira. (400) durante anos imediatos a essa data, entra com diversos recursos administrativos, como o pedido de licença em 1881, para se preparar para o concurso de inspetor de distritos. no ano seguinte ele tenta conciliar o exercício do magistério em Pendência, onde também era professora a esposa anna eponina de Lima sobreira, com o ofício de relojoeiro: CAMARA MUNICIPAL Sessão de 3 de abril de 1882 Requerimentos. – De J. Sobreira, professor publico de Pendencia, pedindo permissão para continuar com sua officina de relojoeiro n’esta cidade. – Suppondo esta câmara haver incompatibilidade, seja ouvido o Dr. Inspector da Instrucção Publica. (401)
nesse ano pediu demissão e, em 1884, passou a residir em fortaleza, quando concorreu a concurso para preenchimento de uma vaga no magistério público, e segundo o historiador Barão de studart, tirou o primeiro lugar, sendo nomeado para o cargo a 18 de setembro. isto certamente explicaria a sua atuação como fotógrafo na capital cearense ao lado de tantas outras atividades. sobre sua origem e os anos de formação, diz o Barão de studart: João Gonçalves Dias Sobreira – Filho de Joaquim Gonçalves e Dª Josepha Maria de Jesus, nasceu no Crato a 1 de setembro de 1847. Com três mezes de nascido foi confiado a uma família visinha por ficar sua mãe gravemente doente. Deixou a casa dessa família na edade de dez annos para frequentar a escola primaria. Começou seus estudos secundários em 1866. Entrou para o Seminario Episcopal de Fortaleza em 1870, mas tendo concluído os estudos de preparatórios e não querendo ordenar-se deixou o Seminario ao começar o curso theologico. (402) sobreira dedicou-se em largos períodos ao magistério primário, exercendo cadeira no interior entre 1873 a 1822, e na capital, a partir de 1884 até 1893. seu nome ganhou notoriedade pela publicação de compêndios os mais diversos, mas serve igualmente para pilhérias de alguns setores intelectuais que o consideravam como um professor sabe-tudo. suas obras, entretanto, são aprovadas pelos órgãos competentes e adotadas nas escolas e tiveram reedições sucessivas. seu primeiro texto publicado, ainda em 1873, foi um tratado de pronúncia francesa, a que se seguiram: Simplificação da Gramática Portuguesa; Arte de Música; Sistema Métrico para as escolas primárias; Geografia Especial do Ceará (1887); Pequeno Mapa do Ceará (1888); Apontamentos para a Carta Topográfica do Ceará (1892); Mapa do Ceará (1892) com retrato do autor; Geografia Especial do Ceará com anexo para descrição física da América e Europa (1894); Curiosidades e fatos do Ceará; Castaldo uma lição de mestre – conto (1902); Petições da Alma (1908). seu mapa foi incluído em livro para a exposição de Chicago sob o título Map of the State of Ceará by Prof.
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42 J. G. Dias Sobreira. (403) a irreverência dos intelectuais cearenses contra o Professor sobreira se manifesta mais claramente no ato de criação da famosa Padaria espiritual, fundada em 30 de maio de 1892. Quando o poeta e romancista antônio sales redigiu os 48 artigos do programa de fundação dessa original academia literária cearense, dedicou-lhe o artigo nº XXXi: “encarregar-se-á um dos Padeiros de escrever uma monografia a respeito do incansável educador Professor sobreira e suas obras.”desgostoso do magistério primário, segundo o biógrafo Barão de studart, em dezembro de 1883 prestou exame em concurso para o telegrafo nacional, instituição socialmente valorizada. exerceu a função de telegrafista inicialmente no Crato e em fortaleza, sem interromper sua produção editorial posta à venda em toda a província. o efêmero fotógrafo sobreira fixou residência no rio de Janeiro após a virada de século, vindo a falecer em 15 de junho de 1926, aos 79 anos de idade. o periódico carioca O Jornal registrou seu passamento: Falleceu ontem, no meio-dia, em sua residência, á rua Toneleiros n. 206, o velho educador patrício João
395. Cearense, Fortaleza, ano XXXVIII, nº 216, 4ª feira, 1 Out. 1884, p. 2. 396. A República, Fortaleza, ano IX, nº 83, 4ª feira, 11 Abr. 1900, p. 1. 397. Gazeta do Norte, Fortaleza, ano IV, nº 59, sábado, 15 Mar. 1884, p. 3. 398. Kossoy, B. Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro – Fotógrafos e Ofício da Fotografia no Brasil (1833-1910). São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2002, p. 299. 399. Libertador, Fortaleza, ano IV, nº 82, sábado, 26 Abr. 1884, p. 3. 400. A Ordem, Baturité, ano II, nº 23, domingo, 15 Jan. 1880, p. 4.
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Gonçalves Dias Sobreira, professor publico aposentado e funcionário do Telegrapho Nacional. O professor Sobreira, que era natural do Ceará, dedicouse sempre ás coisas do ensino, tendo elaborado vários trabalhos didacticos, como a “Grammatica elementar”, a “Geographia” e o “Mappa” daquele Estado, além de “Curiosidades e factos do Ceará” e “Castaldo, uma lição de mestre” O extincto deixa viúva d. Anna Eponina de Lima Sobreira, filhos os srs. Luiz e Heraclydes Dias Sobreira, e netos Osmar Lamberg, engenheiro electricista, residente em Nova York. Oscar Lamberg, funccionário da Repartição de Aguas, Carlos Lamberg, nosso colega do “S. Paulo-Jornal”; senhorita Olga Lamberg e d. Elza Lamberg Montiro de Barros, casada com o dr. Armando Monteiro de Barros. (...) (404) a passagem de João gonçalves dias sobreira pela história da fotografia ficou no esquecimento. seus biógrafos nada dizem a respeito. seu nome ficou definitivamente lembrado apenas como educador no ensino público primário e autor de obras didáticas oficialmente aprovadas pelas autoridades educacionais e de uso nas escolas cearenses.
401. A Onda, Baturité, ano I, nº 7, domingo, 30 Abr. 1882, p. 3. 402. Studart, G. Diccionario Bio-Bibliographico Cearense (Volume I). Fortaleza: Typo-Litographia a Vapor, 1913, p. 486-488. 403. The State of Ceará – Brief Notes for the Exposition of Chicago, as authorized by the Governor of Ceatá, Brazil, Dr. José Freire Bezerril. (Chicago: The Governor of Ceara, Brazil / E. J. Campbell, printer 1893. 101 p. 404. O Jornal, Rio de Janeiro, ano VIII, nº 2303, 4ª feira, 16 Jun. 1926, p. 8.
1885
ManUeL BeZerra de MeLLo
A Photographia Mello busca a clientela interiorana
fortaleza em 1885 vive ainda a afirmação cívica de um vitorioso movimento pela eliminação total da escravatura na província do Ceará, concretizado no ano anterior. o povo comemorou o dia 25 de março ao som da banda de música do corpo de Polícia, que às 5 horas da manhã cumprira a alvorada em frente ao palácio da presidência, e à noite, no passeio público, animou a grande concentração popular. a província ostentava agora o glorioso epíteto Terra da Luz. ao reform Club e clubes iracema e Cearense, integra-se uma nova sociedade recreativa familiar. a população prestigiava os espetáculos de circos e eventos musicais. no palco do theatro são Luís, logo após a despedida de d. Máximo rodrigues, o primeiro Hércules do Mundo, que mesclava suas apresentações de vistas dissolutivas com um Megascope egípcio, e os efeitos dos fogos diamantinos ou camaleão elétrico, abre-se a programação artístico-dramática do ano. o público fortalezense acolheu com entusiasmo a atriz portuguesa emília adelaide, que percorria o Brasil com sua companhia dramática, anunciando seis récitas e repertório que incluía Fernanda, de
Victorien sardou, Os dois sargentos, de C. roth. A Dama das Camélias e Kean,ou Gênio e desordem, ambas de alexandre dumas. a pauta teatral tem sequência com o grupo Cômico de operetas em Português, da francesa suzana Castera, personagem que entra na história por sucessos em palcos, gestos admiráveis como encenações em benefício de escravos e gerência de famoso prostíbulo na capital do império. na temporada, Castera cativa tanto em solos de habanera, cana verde e o malho, como nas operetas Sinos de Corneville e Paulo e Virginia, versões portuguesas de souza Bastos, e a opereta cômica Os 30 botões, de eduardo garrido. em sequência, a cidade recebe a Companhia dramática Moreira de Vasconcelos, em que o diretor-ator brasileiro se faz acompanhar da atriz adelina Castro em melodramas de sucesso como Joana Ferras, a mulher adúltera. os frequentadores do theatro são Luíz aplaudiriam ainda a Companhia-Lírico-dramática de augusto Boldrini e Luiz Milone, com um repertório de óperas líricas como Rigoleto, O trovador e mascote. É nesse cenário que mais um retratista se estabelece em fortaleza. em julho de 1885, os jornais fortalezenses publicam o aviso de apresentação:
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PHOTOGRAPHIA Rua do Senador Pompeo n. 174 – 1o andar. M. B. de Mello, photographo, tem a honra de offerecer ao illustrado publico os serviços tendentes a arte de sua profissão. (405) À exemplo de outros fotógrafos visitantes, Mello não apresenta de imediato suas origens e qualificações. Ao prolongar-se sua estada na província, por mais de dois anos, torna-se possível sua identificação como Manoel Bezerra de Mello, natural de Pernambuco, com intenso roteiro anterior à vinda para a capital cearense. Em Fortaleza encontrou boa acolhida e foi retratista por dez anos. Na temporada inicial Mello não esclarece os serviços prestados e sua tabela de preços, mas com certeza visitou as principais cidades interioranas. Localizamos sua presença, em 1886, na cidade do Crato. Em janeiro do ano seguinte anuncia uma programação itinerante para o sul da província, enumerando várias cidades: Photographo – Segue para o sul com escalas em Aracaty, Russas, Limoeiro, Espírito-Santo, Jaguaribe-Mirim, Iguatu, Serra do Pereiro, Icó, Crato, Barra do Jardim etc., o hábil photographo pernambucano Manoel Bezerra de Mello, no intuito de exercer nessas localidades a sua profissão. (406) Photographo – Segue para o sul da Província, o photographo Manoel Bezerra de Mello, que tenciona visitar as localidades – Morada Nova, Limoeiro, Russas, Aracaty, Jaguaribe-Mirim, Pereiro, Iguatu, Icó, Crato e outros pontos, prestando os seus serviços na arte em que é perito. (407) Os percursos interioranos eram muito demorados como se constata pelos sete meses decorridos nessa viagem até chegar a Iguatu, em julho, o que nos comprova a notícia de jornal da cidade do Crato: NOTICIÁRIO Photographo. – O distincto photographo, o Sr. Manoel Biserra de Mello brevemente chegará a esta cidade onde demorar-se-há alguns dias. Presentemente está na cidade de Iguatu, de onde, segundo comunicam-nos, virá para aqui. O Sr. Mello o anno passado esteve entre nós e deixou boas recordações, já como artista perito na sua profissão,
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já como cavalheiro estimável. É digno do melhor acolhimento. (408) A formação profissional de Manoel Bezerra de Mello e sua vocação de retratista ambulante têm origem em Recife, na Photographie Parisienne, do notável artista Alfredo Ducasble. No início de 1880, Mello trabalha com o francês na capital pernambucana. Embora encontremos viagens ao norte do país, tem comprovação apenas trabalho itinerante como seu sócio e representante, a partir de 1881, nas capitais de províncias vizinhas e no próprio interior pernambucano: Photographia Parisiense – O proprietário deste acreditado estabelecimento, tendo resolvido crear casas filiaes nas visinhas províncias da Parahyba e Rio Grande do Norte, mandou com esse fim um representante às mesmas províncias. É esse representante o Sr. Manoel Bezerra de Mello, um dos principaes photographos do aludido estabelecimento, e seguio elle hontem para a Parahyba á bordo do paquete brasileiro. (409) Temos breve notícia de uma dessas missões em obra sobre a história da fotografia na Paraíba: Manuel Bezerra de Melo, que se estabelecera em 1881 à Rua Direita, (atual Duque de Caxias) nº 120, na cidade da Parahyba, viajou pelo interior instalando-se provisoriamente na cidade de Mamanguape à rua do Rosário nº 41. (410) Nesse mesmo ano, a imprensa dá notícia de sua peregrinação em território pernambucano, revelando que além de retratista ele produz vistas das cidades visitadas: Nazareth – Escrevem-nos desta cidade em 18 do corrente:O Sr. Manoel Bezerra de Mello, retratista ambulante, aqui chegou a semana ultima e estabeleceu uma photographia temporariamente. Seus trabalhos que tem em exposição o abonam, sobresahindo uma coleção de vistas da cidade do Espírito Santo de Pao d’Alh, estações e trabalhos diversos da estrada de ferro de Limoeiro. (411) É possível que o retratista Mello após cumprir
agendas de trabalho no Ceará no período 1885 a 1888, tenha continuado no interior nordestino e mais tarde, reintegrado-se ao ateliê do mestre Ducasble, que em 1894, transferiu seu famoso Photographia Parisienne, com todo acervo de retratos e vistas para Ludgero Jardim da Costa. O hábil artista retornaria à França, não sem antes, em companhia de Fernando Pierecke, ter visitado Fortaleza e outras capitais. Bezerra de Melo também se instala na capital cearense, a partir de 1896 e durante pelo menos três anos cumpre a segunda presença em solo cearense. Como novidade, além dos retratos em formatos de carte-de-visite e em cartão gabinete, o fotógrafo comercializa vistas das ruas, praças e edifícios da cidade, registro iconográfico lamentavelmente perdido. Seu estúdio foi instalado na Rua Floriano Peixoto, nº 79: Photographia Mello Rua Foriano Peixoto, 79 Retratos em cartão de visita Porcelana – dúzia – 18$000 Assetinado ou laminado – dúzia – 15$000 Em cartão de gabinete Porcelana – dúzia – 30$000 Assetinado ou laminado – dúzia – 25$000 Vistas das ruas, praças e edifícios da cidade de Fortaleza – uma 2$000. (412) Em 1897, apesar de enfrentar dois vigorosos concorrentes, o dinamarquês Niels Olsen e o empreendedor cearense Moura Quineau, que aparecerá em capítulo posterior, o fotógrafo Mello revela certa habilidade para ocupar espaço em mercado restrito. Seu estúdio passa a ser citado em anúncios das companhias teatrais como local de venda de bilhetes para os espetáculos. Sua publicidade também vai ampliando-se com a promoção de foto-cromocoloridos por sistema moderno e assegurando preços módicos e ampla liberdade ao freguês nas opções de corpo inteiro ou busto, só ou em grupo: PHOTOGRAPHIA MELLO Á Rua Floriano Peixoto – 69 Esta officina convenientemente montada e munida do melhor material, acha-se aberta ao publico das 8 horas
da manhã ás 4 da tarde. Tira-se o retracto a gosto e contendo do freguez – corpo inteiro ou busto – só ou em grupo – por commodo preço. Garante se toda presteza, nitidez e perfeição no trabalho. Tira-se também retratos photo-cromos-coloridos – systema moderno. (413) Na nova fase em Fortaleza, no lustro final do século, o artista apresenta-se apenas como Mello, o que poderia induzir a dúvidas que fosse o veterano retratista pernambucano. A confirmação de que se trata mesmo de Manoel Bezerra de Mello é definitivamente dada nas edições do Almanach do Ceará, a partir de 1896, quando indica na lista nas oficinas fotográficas, ao lado de Olsen e Quineau, o nome M. B. de Mello – Rua Floriano Peixoto, 69. (414) São desconhecidos os caminhos que a seguir são trilhados por Melo e o resultado de suas opções. Muitos outros exerceram a fotografia comercial de forma intermitente, por breves períodos, e terminaram exercendo novas profissões que lhes assegurassem estabilidade econômica. Numa quadrinha espirituosa do consagrado poeta e advogado cearense Quintino Cunha, ele desacredita o retorno financeiro da profissão, apesar da grande aceitação dos retratos fotográficos. No seu improviso irreverente, ao citar os dois mais famosos fotógrafos da Fortaleza fin de siècle, Niels Olsen e Moura Quineau, concorrentes do Melo, ele nos dá sua visão mordaz e crítica da nova arte: A canalha da cidade Já toda se retratou Nem Olsen ganhou dinheiro, Nem também Moura Quineau. (415) 405. Gazeta do Norte, Fortaleza, ano VI, nº 143, 5ª feira, 9 Jul. 1885, p.3; Cearense, Fortaleza, ano XXXIX, nº 125, 5ª feira, 9 Jul. 1885, p. 3. 406. Cearense, Fortaleza, ano XLI, nº 5, sábado, 8 Jan. 1887, p. 1. 407. Pedro II, Fortaleza, ano 47, nº 3, domingo, 9 Jan. 1887, p. 1. 408. Vanguarda, Crato, ano I, nº 11, 5ª feira, 21 Jul. 1887, p. 2. 409. Diario de Pernambuco, Recife, ano LVII, nº 86, 2ª feira, 18 Abr. 1881, p. 3. 410. Lira, B. de S. Fotografia na Paraíba– Um inventário dos fotógrafos através do retrato (1850-1950). João Pessoa: Conselho Estadual de Cultura / Editora Universitária, 1997, p. 39. 411. Diario de Pernambuco, Recife, ano LVII, nº 290, 4ª feira, 21 Dez. 1881, p. 3. 412. A República, Fortaleza, ano V, nº 225, 4ª feira, 7 Out. 1896, p. 4. 413. A República, Fortaleza, ano VII, nº 242, 2ª feira, 25 Out. 1897, p. 2. 414. Almanach Administrativo, Estatístico, Industrial e Litterario do Estado do Ceará – para o Anno de 1897. Anno 3º. Fortaleza: Typ. d’A Republica, 1896, p. 122. 415. Diario de Piauhy, Teresina, ano II, nº 264, 3ª feira, 3 Dez. 1912, p. 1.
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1888
a. a. LeÃo e a PHotograPHia Moderna O modismo das cartes de visite e os álbuns de fotografia que conquistam o comércio
as artes cênicas na capital provincial do Ceará evidenciam um clima positivo para os espetáculos, favorecendo o contínuo fluxo de companhias dramáticas. circos, empresas de fantasmagorias, mágicos e concertistas. Há publico para tudo. dentre os visitantes é bem recepcionado o Comendador ernesto de sá acton, ilusionista, físico e taumaturgo, que nove anos depois cumpriria a primeira exibição cinematográfica na cidade com um Kinetoscope Projetor de thomas edison. os bons tempos são evidentes também para a arte fotográfica. as imagens em porta-retratos e emolduradas nas paredes, e exibidas como miniaturas em medalhas, anéis e relógios, ganham maior uso na forma de álbuns de família. a prática de colecionar os retratos ou postais em álbuns vinha de três décadas. o anúncio mais antigo que encontramos, em fortaleza, refere-se a Manoel José Vieira de araújo, que chegado de Pernambuco, em julho de 1853, incluía álbuns na variada lista de produtos postos à venda.
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o modismo é influenciado pelos retratistas itinerantes que também fazem o comércio de álbuns como os irmãos Justino e Michel norat, em 1863, quando esse produto estava à venda na livraria e papelaria do cidadão português Joaquim José d’oliveira, na Praça do ferreira, nº 10, modelar estabelecimento com localização privilegiada onde hoje se encontra o Cine são Luiz. outros fotógrafos vendem álbuns, como o retratista Pedro ignacio rabello que os importava da frança, em 1865, ano em que a alfândega leiloava mercadorias salvas do naufrágio na costa cearense da escuna dinamarquesa Berend Wilhelm, uma caixa contendo 52 álbuns com capa de papelão e 12 com capas de couro com efeitos de marfim e metal dourado. (416) a comercialização continuada desse novo produto por negociantes locais é reforçada pelos artistas itinerantes goodrich e Hough e Pinto de sampaio. embora o livreiro J. J. d’oliveira ostente o reconhecimento de pioneiro absoluto em seu ramo na comercialização de álbuns para retratos, no ano
de 1885 ampliam-se as opções para quem buscasse um precioso álbum para conservar as memórias de família. além do livreiro oliveira estão em disputa da clientela prestigiadas lojas da cidade. o Bon Marché, na rua do Major facundo, 77, anuncia que, em honra aos ilustres abolicionistas eleitos deputados por esta província, tem novos artigos de decoração e de moda, desde espartilhos a chapéus, e ricos álbuns. a loja de modas Notre Dame de Paris, na rua da Boa Vista (hoje rua floriano Peixoto), 51, que recebe mensalmente mercadorias francesas, alemãs e inglesas, vende ricos álbuns para fotografia e para cromos. outra ampla loja de modas, a guarany, na rua do
Major facundo, 92, expõe álbuns no seu variado sortimento de importados europeus. o mercado de produtos fotográficos se consolidava como consequência da popularização dos retratos no formato cartede-visite, de ampla circulação nas relações sociais. a arte fotográfica, por sua vez, é geralmente praticada por profissionais itinerantes. após inúmeros artistas estrangeiros e nacionais que visitam a cidade, ocorre evidentemente o despertar do interesse de residentes locais que se decidem estudar e dedicar-se à profissão emergente. os nomes desses novos empreendedores passam rapidamente pela história quase sem deixar memória. alguns não se expõem intencionalmente talvez se ocultando para fugir da tributação municipal pelo exercício da profissão. nessa legião de quase anônimos aparece, em 1888, o retratista que se assina a. a. Leão, sem nenhuma indicação de sua procedência. na busca infrutífera de sua identidade apenas encontramos o nome de antonio saraiva de araújo Leão, residente em Baturité, que entre janeiro e junho, faz consecutivas viagens de passeio à capital, simples sugestão que não oferece qualquer evidência que possa corresponder ao perfil do retratista. os primeiros avisos de a. a. Leão, iniciados em outubro de 1888, comunicam simplesmente a instalação de sua Photographia Moderna: Photographia Moderna de A. A. Leão & Ca. Rua do Senador Pompeu nº 126. (417)
anna frankel (1861-1939), pioneira da fotografia em Malmö, na suécia, autora de um dos cartes-de-visite do álbum de antonio gonçalves da Justa. fonte: nordiska Museet (digitalmuseum) – domínio Público.
o estúdio instalado inicialmente na rua do senador Pompeu nº 126, ao findar do ano muda-se para o nº 81 da mesma rua, anunciado agora pelo proprietário como um elegante atelier de photographia. a mudança revela as novas pretensões de a. a. Leão que passa a divulgar seu empreendimento em anúncios mais destacados entre os meses de Janeiro a outubro de 1889, competindo com os bem estabelecidos e conceituados Joaquim antonio Correia e niels olsen. os avisos seriam a repetição da publicidade lançada em 9 de janeiro:
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Cartes de visite oferecidas a antonio gonçalves da Justa. Jacques gradvohl. acervo ary Bezerra Leite.
Cartes de visite oferecidas a antonio gonçalves da Justa. Verso da foto ao lado com oferecimento. Photographie de la Porte st. denis, Paris. acervo ary Bezerra Leite.
Cartes de visite oferecidas a antonio gonçalves da Justa. alfredo Mayer. acervo ary Bezerra Leite.
Cartes de visite oferecidas a antonio gonçalves da Justa. Verso da foto ao lado com oferecimento. atelier Carl rose, Lübeck, alemanha. acervo ary Bezerra Leite.
A. A. LEÃO PHOTOGRAPHO Participa ao respeitável publico d’esta capital e do interior que mudou-se da casa nº 126, denominada Photographia Moderna, á rua do Senador Pompeu, para a de nº 81 na mesma, em frente do Telegrapho Nacional, onde há de estar sempre prompto a satisfazer ás pessoas que desejarem retratar-se, dispondo para isso d’um elegante atelier de photographia, chapas instantâneas, machinas dos melhores fabricantes conhecidos, excellentes cadeiras que muito contribuem para maior elegância dos retratos, finalmente todos os utensílios exigidos pela sua arte. TRABALHO NITIDO - Rua do Senador Pompeu, Nº 81 - (418)
pequeno aviso nos periódicos “o Brasil” e “Pedro ii”, omitindo seu nome e apenas indicando o seu endereço. oferecia então 6 retratos pelo preço de 1$000, com entrega em apenas 10 minutos, não esclarecendo o processo rápido de revelação das chapas utilizadas. assim como se desconhece a identidade e a procedência do fotógrafo a. a. Leão, não conseguimos evidências de que tenha deixado a província e prosseguido exercendo a profissão. Um personagem a desafiar o investigador da memória da cidade. enquanto os artistas da câmera passam, os produtos por eles gerados formam novos hábitos nas relações sociais. nessa época os cartões de visita fotográficos, por exemplo, alcançam popularidade mundial e geram o modismo dos álbuns de memórias. a prática alcança o meio empresarial e é comum a troca das cartes de visite com dedicatórias entre homens de negócios, políticos
e personalidades celebradas da sociedade. Para comprovar essa prática, que se tornara mundial, selecionamos uma carte-de-visite oferecida em 1888, em Paris, por J. gradvohl, “a mon amie Monsieur antonio da Justa”. este e outros retratos do mesmo formato fazem parte de um conjunto que se julgava pertencer ao cearense antonio da Justa, que fora intendente em fortaleza no período de 1869 a 1873. as outras fotos, de procedência alemã, sueca e brasileira, trazem as dedicatórias “meo caro amico da Justa”, a Antonio G. Justa e “ao meu dedicado amigo Antonio Gonçalves da Justa”. os retratos, incluídos no final do capítulo, indicam a ampla preferência na época pelo formato carte-de-visite, medindo cerca de 9,5 x 6 cm, de custo acessível, surgido em 1859, e que domina o mercado por decênios. a denominação cartão-de-visita mostrava a intenção de torná-lo de uso comum na convivência social. o
que efetivamente ocorreu. a prática da permuta de cartões de visita fotográficos generalizou-se, como exemplifica esse pequeno conjunto onde aparecem variadas procedências. Carl rose foi importante e prestigiado ateliê na cidade alemã de Lübeck, no período de 1868 a 1900. anna frankel, presença feminina na nova profissão, assumiu o estúdio do pai em 1883, e tornou-se pioneira na cidade sueca de Malmö. Joaquim antônio Correia, com ateliê em fortaleza, documentarista da trágica seca de 1877-78, é responsável por um dos retratos. e o último, oferecido por J. gradvohl, é produção da Photographie de la Porte St. Denis, que se promovia com o título de atelier fotográfico dos deputados do Sena e do Conselho Municipal de Paris. e, afinal, a quem pertenceram essas cartes de visite, se existiam inúmeros antônio Justa no Ceará oitocentista? o rigor da pesquisa teria de afastar várias hipóteses,
nos meses de julho a novembro, em fortaleza, o fotógrafo Leão publicou continuamente um
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Cartes de visite oferecidas a antonio gonçalves da Justa. Bernht nerbot aus schwecley. acervo ary Bezerra Leite.
inclusive a de que seria do antigo intendente ou Prefeito de fortaleza. o fato objetivo de aparecer nos retratos, em duas vezes, o nome de antonio g. Justa e antonio gonçalves da Justa, já orientava para a redução de possibilidades. foram excluídos, o dr. antonio da Justa seixas Correia, nascido em fortaleza em 1867, médico formado e depois radicado no rio de Janeiro; antonio Henrique da Justa, estudioso da navegação aérea, inventor do aeróstato denominado Aeroscapho, que terminou destruindo todos os seus estudos antes de praticar o suicídio; e o dr, José antonio da Justa, aluno da escola Militar do rio de Janeiro e de grignon, na frança, que fez parte da Câmara Municipal de Pacatuba, falecido em 1886. deixamos de considerar como possibilidades, por aparecerem em período mais tarde, o comerciante antonio da Justa Menescal, membro da sociedade Cearense de amadores Photographos
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Cartes de visite oferecidas a antonio gonçalves da Justa. Verso da foto ao lado com oferecimento. anna frankel, Malmö, suécia. acervo ary Bezerra Leite.
Cartes de visite oferecidas a antonio gonçalves da Justa. José theotonio de oliveira. acervo ary Bezerra Leite.
Cartes de visite oferecidas a antonio gonçalves da Justa. Verso da foto ao lado com oferecimento. J. a. Correa, Ceará, Brasil. acervo ary Bezerra Leite.
(1898), proprietário da Casa Menescal, cunhado e sócio de Luiz severiano ribeiro, e o humanitário médico protetor dos hansenianos dr. antônio alfredo da Justa, que deu nome a uma rua da cidade. a referência ao ano de 1888, em um dos retratos europeus, afastaria também o nome do intendente da cidade de fortaleza, antônio gonçalves da Justa, nascido em 1831, 5º vice-presidente da Província do Ceará (1872), comerciante e político, que cumprira viagem à europa em busca de tratamento para a enfermidade (ataxia locomotriz) e, segundo o Barão de studart, faleceu em 1878. finalmente, admitimos que tenham pertencido ao comerciante antônio gonçalves da Justa, titular da firma antônio g. da Justa & Cia.. seu nome aparece em viagens e manifestações públicas ao lado dos titulares de firmas como albano & Cia., Boris frères, Carlos Mesiano, Gradvohl Frères, antônio russo italiano, e outros. a
identificação dos retratados apontam pelo menos duas pessoas participantes da área comercial local. José theotonio de oliveira era nome emergente da classe caixeiral cearense. o francês Jacques gradvohl dirigia, em Paris, o escritório da firma exportadora e importadora Gradvohl Frères, estabelecida com seus irmãos gerson e Lázaro na cidade cearense de aracati. o retratado na suécia não foi identificado e alfred Mayer, de Lübeck é, provavelmente, o cônsul da áustria-Hungria, no rio de Janeiro, nomeado em 1888. Quantas histórias e lembranças sugeridas pelos velhos cartões de visita, preservadas nas páginas dos valiosos álbuns fotográficos.
416. Cearense, Fortaleza, ano XX, nº 1944, domingo, 5 Nov. 1865, p. 3. 417. Pedro II, Fortaleza, ano 49, nº 92, 4ª feira, 17 Out. 1888, p. 3. 418. Pedro II, Fortaleza, ano 49, nº 4, 4ª feira, 9 Jan. 1889, p. 3.
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1888
PRINCESA TERESA DA BAVIERA
Recordações de uma princesa, cientista e fotógrafa
América do Sul (Colombia e Equador) e África, a Princesa Teresa detinha ainda a qualificação de exímia fotógrafa, o que lhe confere esse espaço na historia da fotografia no Ceará oitocentista. As narrativas sobre a presença da princesa germânica na excursão brasileira omitem, lamentavelmente, referências às imagens por ela produzidas. O historiador Lúcio Alcântara, Presidente do Instituto do Ceará, em estudo sobre a Princesa Teresa da Baviera esclarece a composição da comitiva e aponta o equipamento fotográfico em sua bagagem: Em 1888 empreende viagem ao Brasil com uma pequena comitiva composta por uma dama, um cavalheiro da corte e um criado com habilidade de taxidermista, na bagagem equipamento fotográfico. [...] Mediante um plano bem elaborado e cumprido com rigor foi possível em quatro meses e meio percorrer treze províncias brasileiras malgrado a precariedade das comunicações ao tempo da visita. (420) No portal eletrônico do Instituto Histórico de Petrópolis, em extenso perfil da Princesa Teresa, é declarado o uso da fotografia desde o início da expedição em Belém, aonde chegaram a 26 de junho:
Therese, Prinzessin von Bayern.
No século XIX, dentre os visitantes estrangeiros a terras cearenses, um em especial, merece destaque, Therese Charlotte Marianne von Bayern, por suas especificidades. Além da incomum condição de ser mulher dedicada a estudos e exploração científica, tem como ineditismo ser uma princesa, Therese, Prinzessin von Bayern, que obtém notoriedade no Brasil como Princesa Teresa da Baviera. Nessa viagem ocultou sua real identidade, constando no passaporte o cognome Condessa Elpen, o mesmo usado nas recepções da Corte imperial brasileira. Enfrentando com extrema simplicidade as mais adversas condições de um roteiro extenso, exigia da acompanhante dissimular o status de nobreza,
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nessa expedição que tinha o apoio administrativo do General Maximiliano von Speidelt, e compunhase ainda de uma dama de corte, a Baronesa Françoise Lerchenfeld, e de um servidor taxidermista, Maximiliano Avew. Esses acompanhantes são assim citados pelo historiador Dr. Guilherme Studart (Barão de Studart): Acompanhavam-na quando aqui uma dama de companhia, de trajes exóticos, e um mordomo official do exercito Bavaro. (419) Credenciada por pesquisas científicas como etnóloga, zoóloga e botânica, realizados na Europa,
Ficaram em Belém até o dia 1º de julho, percorrendo detalhadamente os arredores, colhendo plantas e fotografando. [...] A princesa fotografava com maestria o que na época era uma raridade. {421) Em página digital da Academia Brasil-Europa de Ciência e Cultura, Antonio Alexandre Bispo, comentando o relato da cientista publicado em Berlim, ressalta a importância da sua contribuição: A publicação é ilustrada em grande parte com fotografias que a própria autora tirou, o que empresta um valor documental inestimável à obra. (422) A visita a Fortaleza foi um imprevisto de percurso da aristocrata alemã, com o navio demorando-se por dois dias em nosso porto. Isto foi o suficiente para
o recolhimento de material de estudo científico, conhecimento da terra e do povo e naturalmente produção de imagens. Essas experiências no Ceará aparecem no seu diário de viagem Meine reise in den Brasilianischen Tropen (Berlim, 1897), que ganhou versão brasileira, Minha viagem nos trópicos brasileiros (Fortaleza, 2014), tradução e edição do professor-pesquisador cearense André Luís Frota de Oliveira. Dessa narrativa da visitante transcrevemos suas impressões após o desembarque em Fortaleza e sua caminhada da praia ao centro da cidade, traduzido do alemão pelo professor André Frota: Justamente acima da praia havia um encantador passeio público, que subia em terraços. Os pisos inferiores desses terraços eram habitados por uma ave característica da região dos campos, uma avestruz (Rhea macrorhyncha Sclat.), de plumagem cinzenta, que aqui deplorava sua liberdade perdida. Estátuas sobre fundo verde-vivo de folhas adornavam as partes superiores dos jardins. Mungubeiras (Bombax Monguba Mart.) com grandes frutos castanhos, lenhosos, de forma oval, estendiam ali sua escura folhagem. Ao lado havia espinheiros (Mimosa sepiaria Benth.), árvores frequentemente encontradas nas regiões meridionais do Brasil. Também não faltavam as plantas arboriformes de florescimento vermelho, aqui muito disseminadas, que os naturais do país chamam de logura ou jasmim e que provavelmente serão Bougainvillea pomacea Choisy. Pequenos regatos percorriam o jardim e aráceas de grandes folhas cobriam em alguns lugares o claro solo arenoso. Este não era o único jardim de Fortaleza. Jardins particulares muito bonitos interrompiam as fileiras de belas casas, recentemente caiadas, de um e de dois andares. Enfeite ornamental decorava as fachadas das moradias. Gárgulas, representando cabeças de dragão, ressaltavam dos telhados, muito além das calçadas bem conservadas, até as ruas limpas, largas e em linha reta, e fizeram um passeio na chuva nos parecer pouco atrativo. Coqueiros, isoladamente ou unidos em grupos e pequenos bosques, alcançavam, ora aí, ora acolá, suas palmas bipinadas sobre o casario. Também não faltavam algumas das esquisitas bananeiras-de-leque (Ravenala) e pela primeira vez vimos um mandacaru (Cereus), uma
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fortaleza e Jangada em Primeiro Plano. Meine reise in den Brasilianischen tropen. original therese, Prinzessin Von Bayern. gravura de edmund Berninger.
daquelas originais formações vegetais que são típicas da fisionomia tanto das paisagens mexicanas como dos campos do Ceará. Nas ruas fora da cidade e nos arrabaldes juntavam-se às casas e vivendas bem apresentadas pitorescas choças de folhas de palmeira, como as tínhamos visto no Amazonas. Constituía o fundo das perspectivas das ruas o mar cintilante azul ou os arredores tropicais de rico colorido. Em comparação com Manaus, Pará e São Luís, Fortaleza, com seus 30.000 habitantes mostrava, na qualidade das casas e ruas, no que tange ao aspecto civilizado, um grande progresso. [...] (423) a princesa, ao chegar ao Ceará, tinha cumprido a parte inicial de seu roteiro em território brasileiro, iniciado em 26 de junho, e já visitado as capitais do Pará, amazonas e Maranhão. a expedição segue então o audacioso plano, com sucesso na sua
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execução, abrangendo ainda as províncias do rio grande do norte, Paraíba, Pernambuco, Bahia, rio de Janeiro, com viagens complementares ao espírito santo, Minas gerais e são Paulo. ao sair do porto do rio de Janeiro a 5 de outubro para Bremen, no paquete alemão frankfurt, tinha visitado 12 províncias em apenas 133 dias, utilizando-se variados tipos de transporte e enfrentando as mais adversas condições. a rapidez com que atravessou essa extensão territorial e a ocultação do seu status de nobreza determinaram, na época, o desconhecimento público da expedição e levantou dúvidas quanto a real identidade da princesa, como ocorreu no interior paulista: O nosso colega de Taubaté, O Noticiarista, noticiando a passagem por essa cidade, a 29 do mez findo, da Sra. Condessa d’Elpen, princesa da Baviera, poz em duvida
Maranguape. Meine reise in den Brasilianischen tropen. original therese, Prinzessin von Bayern. gravura de Bernhard Wiegandt.
a sua identidade, e diz que, por mais que procurasse nos jornaes d’esta corte qualquer cousa que garantisse-lhe alguma cousa, nada encontrou. (424) o imprevisto pernoite em fortaleza ensejou ao espírito aventureiro da cientista decidir pela imediata visita à cidade serrana de Maranguape, servida então pelo ramal ferroviário da estrada de ferro de Baturité, que enriquece seus momentos vividos no Ceará. o cenário do vale entre duas serras lembrou-lhe trecho do vale superior do Reno às margens do Lago de Constança. as descobertas no passeio só foram toldadas pela noitada improvisada em redes em uma casa particular cujo dono ofereceu aos visitantes, que a onze horas não comiam, apenas um refresco. dentre as surpresas positivas do passeio, a descoberta de um roedor encantador – um mocó (Cavia rupesris Wied), cujo interesse despertado
resultou em doação à Princesa, gesto qualificado por ela como autêntica demonstração da amabilidade brasileira. o presente iria depois provocar em fortaleza um incidente com populares revoltadas pelo embarque da Princesa teresa, com seu mocó de estimação, no bonde do caís do porto. são essas as últimas reminiscências da passagem pela capital cearense: Em Fortaleza sucederam-nos coisas ainda mais desagradáveis do que em Maranguape. Enquanto esperávamos por um bonde, originou-se de nosso aspecto, um pouco exótico, como parece, um verdadeiro motim. Guardas tentaram dispersá-lo, porém como isso foi debalde, nos mandaram entrar em um armazém para privar o povo embasbacado de nossa vista. [...] O bonde que descia para a praia libertou-nos finalmente de nosso estado de sítio. Contudo, mal me havia
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Carnaubeiras. Meine reise in den Brasilianischen tropen. original therese, Prinzessin von Bayern.
Carro de boi. Meine reise in den Brasilianischen tropen. original therese, Prinzessin von Bayern.
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nosso acampamento em rio doce. Meine reise in den Brasilianischen tropen. original therese, Prinzessin von Bayern. gravura de edmund Berninger.
sentado no carro, meu mocó no regaço, provisoriamente acomodado em uma ratoeira, quando o condutor quis me obrigar a descer por causa do animal. O perigoso sol tropical do meio-dia queimava com indescritível ardência, nenhuma sombra em toda a redondeza, além disso a grande caminhada, indispensável agora, em lugar da viagem de carro, ameaçava nos fazer perder o vapor. A situação era crítica. Palavras suplicantes abrandaram afinal o coração do homem que resmungava, e a condessa, como tal eu era conhecida entre os companheiros do navio, com seu animal, pôde utilizar o bonde até ao mar lá abaixo. Pouco depois do meio-dia o Maranhão içou ferro e novamente prosseguiu sua rota para o sul. A nívea Fortaleza, também chamada simplesmente Ceará, pelo movimento de avanço do navio veio a ficar aparentemente no sopé
da serra de Maranguape com suas linhas elegantemente longas e ofereceu, desse modo, um quadro de pitoresco encanto. A pouco e pouco sumiram-se as serras e apenas uma costa arenosa desconsoladoramente plana e uniforme de dunas de vivo amarelo limitava o horizonte. À noite uma fogueira acesa por habitantes litorâneos e o farol do Aracati, situado na barra do rio Jaguaribe, nos enviaram os últimos cumprimentos da interessante província de campos do Ceará. (425) a memória da expedição resultou na obra publicada, em Berlim, ilustrada por 4 pranchas, 18 ilustrações de página inteira e 60 estampas, em grande parte na forma de reproduções de suas fotografias por renomados gravuristas germânicos. no capítulo XViii, sobre o rio doce, é incluída uma foto da cabana de campanha, por ela utilizada, vendo-se a
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45 princesa e dois dos seus acompanhantes, sabendo-se que ela não recusava as mais difíceis situações, como dormir no chão batido, camas de campo ou em redes nativas. no capítulo 10, sob o título Maranhão e Ceará, encontramos quatro imagens originais da princesa-fotógrafa colhidas no Ceará, copiadas pelos artistas alemães edmund Berninger (18431929), pintor orientalista, e Bernhard Wiegandt (1851-1918). este último residiu no Brasil, entre 1875 e 1880, inicialmente em Belém onde seu irmão Conrad Wiegandt era proprietário de uma empresa litográfica, e posteriormente, na capital do império brasileiro, quando se notabiliza como paisagista e tem consagrada participação na exposição geral de Belas artes de 1879 e na exposição de História do Brasil (1880). a Princesa teresa da Baviera, nascida em Munique, alemanha, a 12 de
419. Studart, G. “Estrangeiros e Ceará”. Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, tomo XXXII, ano XXXII, 1918, Tipografia Minerva, p. 223. 420. Alcântara, L. “Breve nota sobre a passagem de Teresa Princesa da Baviera pelo Ceará”. Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, tomo XXXII, ano CXXXVIII, 2014, p. 115. 421. Instituto Histórico de Petrópolis. Portal na web: ihp. Org.br. Consultado em julho de 2014. 422. Bispo, A. A. Academia Brasil-Europa de Ciência e Cultura, página na
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novembro de 1850, tinha 38 anos quando realizou sua ousada viagem pelos trópicos brasileiros, vindo a falecer em Lindau, alemanha, no dia 19 de setembro de 1925. os episódios de sua expedição brasileira foram preservados na narrativa editada na alemanha, em 1897, e que apenas em 2014 mereceu a primeira versão integral em português por iniciativa do professor cearense andré frota oliveira, que a traduziu e editou. as quatro ilustrações do Ceará que aparecem na edição original alemã, às páginas 196, 198, 199 e 201, têm respectivamente os títulos: Carnaubeiras, Maranguape, Carro de bois e Fortaleza e uma jangada em primeiro plano. a paisagem Maranguape é de autoria de edmund Berninger e a vista Fortaleza, é assinada por Bernhard Wiegandt, ambas reproduzidas de originais fotográficos da talentosa princesa germânica.
web. Brasil-Alemanha.com.br. Consultado em junho de 2017 423. Baviera, T. Minha Viagem nos Trópicos Brasileiros. Fortaleza: André Luís Frota de Oliveira Editor, 2014, p. 207-208. 677p., il. 1ª edição em português. Trad. André Frota de Oliveira. 424. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, ano IV, nº 1207, 3ª feira, 2 Out. 1888, p. 1. 425. Baviera, T. Op. cit., p. 214-215.
1889
CarL BisCHoff no Ceará
O extenso roteiro de fotógrafo alemão radicado no Chile
a pesquisa sobre a passagem de artistas itinerantes no interior cearense perde-se pela inexistência de fontes primárias. os nossos sertões eram naturalmente visitados por esses retratistas ambulantes que semeavam o interesse nos locais em que futuramente criariam seus próprios ateliês. os principais pontos de entrada eram naturalmente os portos marítimos de fortaleza, seguindo-se aracati e Camocim. as estradas de ferro como fator civilizatório foram determinantes para que os retratistas incluíssem em seus destinos várias promissoras cidades interioranas. as estações ferroviárias passam então a figurar como facilitadoras para que alargassem os roteiros em terras cearenses. Quando Maranguape ganhou uma companhia de ônibus, com viagens diárias, em 1867, o retratista Pedro ignacio souza rabello mudou-se para lá, um exemplo da relação entre melhoria dos transportes
e presença de difusores da fotografia. Mas a cidade torna-se efetivamente meta de mercadores e convidados importantes após a conclusão em janeiro de 1875 do ramal ferroviário vindo de fortaleza via Maracanaú. Baturité faz-se também mais atrativa após a inauguração da estação de Canoas (atual aracoiaba) em 1880, e da sua própria estação no arrabalde de Putiú, dois anos depois. Ligada por trilhos de ferro à Capital, inclusive por um turístico trem de recreio, recebe alguns retratistas como o dinamarquês olsen, o casal francês Baubrier e o alemão Wenk. a expansão do ramal ferroviário da cidade portuária de Camocim, iniciado em 1881, passa por granja e alcança sobral a 31 de dezembro de 1882, outro importante centro econômico e cultural da província, tornado de mais fácil acesso pela conexão com um porto marítimo movimentado.
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o artista permite confirmar essa primeira estada em sobral. no jornal diário do Maranhão, de 26 de abril de 1886, aparece C. Bischoff como passageiro do vapor alcântara, chegado do Ceará naquela data ao porto de são Luís. no Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro, de Boris Kossoy, é dedicado um verbete ao profissional C. Bischoff que teria trabalhado em santa Catarina, espírito santo, Paraíba e Piauí, entre 1882 a 1888. o autor que faz referência à procedência chilena não encontra maiores informações sobre o roteiro brasileiro: Existem registros da atividade desse fotógrafo em diferentes províncias (...) A trajetória que Bischoff teria seguido ainda está por ser pesquisada. (427)
Certamente foi esse o meio que levou o fotógrafo alemão Carlos Bischoff à sobral, que ficaria fora da história da fotografia no Ceará não fosse uma única citação na valiosa obra Cronologia sobralense, do Padre francisco sadoc de araújo, referente ao ano de 1889: 10 FEVEREIRO (Domingo): O fotógrafo C. Bischolf instala, na Rua do Campelo, moderno atelier fotográfico. (426) esta era a prova definitiva de que o retratista alemão, radicado no Chile, apesar do pequeno erro gráfico no sobrenome, tinha estado em terras cearenses. a minha pesquisa leva a uma afirmação que antes dessa data deve ter havido outra visita a sobral. encontrei em edição do periódico sobralense Gazeta do Norte, de 16 de fevereiro de 1886, em edital da repartição local dos correios, o aviso de correspondência retida destinada a C. Bischoff. isto sugere que o artista estivera ou estava para chegar nessa cidade. a trilha que levantamos sobre
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as origens de Carlos Bischoff são esclarecidas na obra de Hernán rodrígues Villegas sobre os fotógrafos do Chile no século XiX. o historiador faz menção de uma possível presença do alemão no Peru e desconhece sua incursão brasileira. detalhando as atividades de Bischoff no Chile entre 1868 e 1875, confirma seu regresso em data incerta à cidade chilena de Valdívia, onde teria valiosas propriedades em seu nome. nascido em osterode, alemanha, em 1852, Carl Bischoff chegara a Valdívia, no Chile, em 1857, aos cinco anos de idade,
trazido pelos pais. nessa cidade teria conhecido o casal alemão Cristián enrique Valck (1826-1899) que desde 1858 mantinha um atelier fotográfico, sucedido pelos filhos fernando (1857-1910) e Jorge (1852-1933). nessa convivência, Bischoff deve ter aprendido a arte fotográfica, tornando-se em 1868 um profissional bem conhecido em Valparaíso. em 1869 associa-se ao americano eduardo Clifford spencer (1844-1914), cooperação dissolvida antes do início da sangrenta guerra do Pacífico (18791883), conduzida pelo Chile contra o Peru e Bolívia. a associação Bischoff-spencer é assim descrita pelo historiador argentino Vicente gesualdo: Spencer chegou ao Chile em 1865-70 e trabalhou como fotógrafo em um local da rua Huérfanos Nº 28 com outro profissional cujo nome desconhecemos. Até 1875 esteve associado em Valparaiso com o alemão Carlos Bishoff (1852-1939) e atendem em dois locais realizando retratos e vistas estereoscópicas (…) Quando começou a guerra em 1879 Spencer se transferiu para as frentes de luta como fotógrafo, talvez como o primeiro repórter fotográfico do país (...) (428) o historiador chileno Villegas, citado anteriormente, resume as atividades de Bischoff em seu país adotivo, em texto que também traduzimos do original: Chegou com pouca idade a Valdívia, em 1857 com seus pais, o marceneiro George Bischoff e Dorothea Vollbrecht. Possivelmente se formou como fotógrafo em Valdívia, com Valeck, ou em Valparaiso onde iniciou seu estabelecimento fotográfico a partir de 1868. Em 1869 se associou ao fotógrafo Spencer, com que apresentou trabalhos fotográficos na Exposição Internacional de Santiago em 1875, merecendo prêmios por sua qualidade. Entre seus trabalhos se incluem vistas estereoscópicas da baia de Valparaíso em 1873. (429) nada é divulgado sobre as atividades de Carlos Bischoff a partir do final dos anos 70 e períodos seguintes, nessas duas fontes citadas. Conseguimos, entretanto, um roteiro brasileiro mais amplo
e comprovável, integrando o que consta na obra de Boris Kossoy com os resultados de nossa pesquisa. retornando de uma visita à europa, Bischoff inicia em data incerta sua viagem pelo Brasil. apareceria inicialmente em Joinville, santa Catarina, em 1882; seguindo-se em fevereiro de 1883, estabelecido em são João d’el rei (Minas gerais). de dezembro de 1884 a fevereiro de 1885, trabalha em Vitória, espírito santo. em setembro de 1885, tem seu atelier montado na capital da Paraíba. no ano seguinte, início de 1886, esteve provavelmente em sobral, Ceará, e desembarca no mês de abril em são Luís
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(Maranhão), de lá se ausentando entre setembro e outubro, sem declarar o destino. novamente no Maranhão, em novembro 1886, ali permanece até maio de 1887, com incursões a Caxias. de junho de 1887 até junho de 1888, deve ter cumprido rota pelas antilhas aos estados Unidos, talvez passando pelo Peru. de volta, viaja de Belém do Pará no vapor alagoas, no dia 19 de junho, com destino ao Maranhão. reabre o ateliê em são Luís em 2 de julho de 1888, mas, em meados de agosto anuncia transferir-se para teresina, Piauí. a última data comprovada da presença de Bischoff, no Brasil, permanece a abertura no dia 10 de fevereiro de 1889, do seu ateliê na cidade de sobral, norte do Ceará. Como outros artistas estrangeiros seu nome é divulgado com algumas variações. as notícias jornalísticas trazem algumas vezes erros gráficos, aparecendo como g. Bischoff no espírito santo, e g. Biscroff na Paraíba. nas demais publicações seu nome é grafado corretamente como C. Bischoff nos anúncios, e em notas de redação como Carlos Bischoff. a primeira atividade brasileira do alemão Bischoff, com documentação na imprensa, ocorreu em são João d’el rei, próspera cidade de Minas gerais. no dia 22 de fevereiro de 1883 o periódico O Arauto de Minas dá notícia de sua chegada: Photographo. – Acaba de chegar á esta cidade e acha-se estabelecido á rua da Prata o Sr. C. Bischoff, excellente photographo. Visitamos o atelier do intelligente artista e alli apreciamos finíssimos e perfeitos trabalhos que muito recommendam-no. Vimos ali uma linda collecção de vistas desta cidade, trabalho perfeito, exposto à venda por preço muito modico. As machinas do Sr. Bischoff e os productos empregados o habilitam a desempenhar-se satisfatoriamente de sua tarefa tirando pelos systemas conhecidos os mais perfeitos retratos, como se vê da sua galeria, onde se destacam trabalhos verdadeiramente artísticos. (430) no anúncio inicial do ateliê montado em são João del rei o fotógrafo diz ser recém chegado da
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europa e declara pertencer à antiga Casa Bischoff & spencer, artistas premiados na Exposição Internacional de Santiago,do Chile, em 1875: PHOTOGRAPHIA DE C. BISHOFF, DA ANTIGA CASA BISCHOFF e SPENCER PREMIADOS NA EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL DE SANTIAGO, DO CHILE 1875. Este tão conhecido e acreditado estabelecimento em Valparaiso, tem posto sua photographia em esta cidade por pouco tempo, a qual está agora à disposição do respeitável publico. O Sr. Bischoff, há poucos mezes voltou da Europa, trazendo de lá instrumentos novos, utencilios e material de melhor qualidade; assim como os últimos adiantamentos n’esta arte da Exposição de Paris e Philadelphia, entre os quaes pode nomear da primeira categoria O CELEBRE RETRATO PORCELANA que por sua suavidade e formosura se chama o NON PLUS ULTRA DEL ARTE Em igual linha se põe, sem duvida, este novo systema para a claridade, chamado RETRATO REMBRANDT adoptado, sem disputa, por quantos artistas há de mais reputação. Retratos Imperiaes com paisagens naturaes. Idem Sobre os mostradores de relógios. Idem tamanho natural Systema infalível para tirar RETRATOS DE CRIANÇAS Pede-se a todos que tem o verdadeiro gosto para esta arte, visitar meu estabelecimento (para ver o trabalho) está aberto desde as nove horas da manhã até a noite. RUA DA PRATA, EM FRENTE AO THEATRO. Tiram-se Retratos no domicilio assim como Paysagens, vistas, etc. Retratos por dúzia à dez mil reis e d’ahi para cima. (431) no ano seguinte, na Capital do espírito santo, seus anúncios, com o erro gráfico que troca o C. (de Carlos) por g., reafirmam sua experiência anterior e a premiação de sua obra:
Verso retrato anterior. acervo ary Bezerra Leite.
Homem, busto, n. i. acervo ary Bezerra Leite.
CHEGOU A ESTA CAPITAL NO PAQUETE MANÁOS O CONHECIDO PHOTOGRAPHO G. BISCHOFF DA ANTIGA CASA BISCHOFF & SPENCERSeus trabalhos forão premiados na exposição internacional de Santiago do Chile em 1875. No próximo número dar-se-há melhores pormenores. Rua do General Camara. (432) fotógrafo experiente além dos retratos produz vistas da cidade visitada, uma alternativa comercial e uma forma de conquistar o público. a imprensa de Vitória reconhece a qualidade do profissional itinerante: Photographia. - Temos visto optimos retractos tirados pelo hábil photographo p Sr. Carlos Bischoff, são de diversos systemas, como sejão Rembrandt, Porcellana, Esmalte, e Communs, segundo as descobertas do finado e celebre pintor Rembrandt, Raphael, Liébet, Talbot. Estes trabalhos muito tem agradado ao publico.
O Sr. Bischoff acaba de tirar pela sua aperfeiçoada machina, systema de campo, a vista geral da cidade, que pela prova que nos foi mostrada ficou excellente. (433) o teuto-chileno não trazia novidades, mas faz uma temporada que se prolonga entre novembro de 1884 a fevereiro do ano seguinte. a fotografia em porcelana era usada nos últimos vinte anos, sendo conhecida pelos cearenses desde 1867, trazida pelos americanos goodrich e Hough e, a seguir, pelo lusitano Leal. o sistema Rembrandt, que pretendia imitar os efeitos de sombra e luz das obras do mestre da pintura que lhe dava nome, era o destaque de robert H. furman e do laureado ignacio f. Mendo, em 1975, quando cumpriram temporada em fortaleza. ao contrário da passagem não documentada por santa Catarina, existe evidência da escala na Paraíba em anúncio no Diário da Parahyba, edição de setembro de 1885. a seguir, como sugerimos, deve ter estado em sobral, pela primeira vez, em abril de 1886. a capital maranhense foi, na sua estada
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46 ausente a partir de junho de 1887, retorna um ano depois ao Maranhão dando notícia de seu retorno dos estados Unidos e antilhas: C. Bischoff Artista Photographico Tendo voltado de sua viagem aos Estados Unidos e offerece brevemente e de novo os seus serviços ao respeitável publico desta cidade com todos os novos systemas empregados nesta arte. Tiram-se retratos instantâneos! Pormenores no próximo annuncio! (435)
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Visitante iLUstre e fotógrafo nÃo identifiCado
Visita o Ceará Louis Phillippe Marie Ferdinand Gaston, o Conde d’Eu
dois meses depois, resolve viver novas experiências, avisando sua partida para teresina: C. Bischoff Artista Photographico Tendo de fazer viagem para Theresina, avisa as pessoas que ainda desejam retratar-se de vir ao seu atelier no espaço de 8 dias. (436) as últimas escalas de Bischoff identificadas em território brasileiro foram teresina (Piauí) e sobral (Ceará). seus caminhos posteriores desaparecem na bruma do tempo. a etapa final de sua vida transcorre no Chile, na sua cidade de adoção Valdívia, onde ocorreu a sua morte em 1939, aos 87 anos de idade. Uma longa e movimentada vida dedicada à arte fotográfica. brasileira, a cidade de mais longa permanência, servindo de base por quase três anos, com chegada em abril de 1886 e partida definitiva em fevereiro de 1889. o público de são Luís deve lhe ter sido receptivo, em mais alto nível, como ocorrera com outros artistas visitantes. seu primeiro anúncio ressaltava a premiação no Chile: ABRE-SE BREVEMENTE A PHOTOGRAPHIA ARTISTICA C. BISCHOFF Premiada na Exposição Internacional de Santiago do Chile, em 1875. 16 – RUA DAS BARROCAS – 16 (434)
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426. Araujo, A. F. S. Cronologia Sobralense – Volume IV 1881-1910. Sobral: Imprensa Universitária – UVA, 1965, p. 80. 427. Kossoy, B. Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Salles, 2002, p. 83-84. 428. Gesualdo, V. Historia de la Fotografia en América. Desde Alaska has Tiertra del Fuego en el Siglo XIX. Buenos Aires: Editorial Sui-Generis S. A., 1990, p. 128-130. 429. Villegas, H. R. Fotógrafos en Chile durante el Siglo XIX. Santiago: Centro Nacional del Patrimonio Fotográfico/Editora Ograma S. A., 2001, p. 76. 430. O Arauto de Minas, São João del Rei, ano VI, nº 42, 6ª feira, 22 Fev. 1883, p. 2. 431. O Arauto de Minas, São João del Rei, ano VII, nº 1, 5ª feira, 8 Mar. 1883, p. 4. 432. O Espirito Santense, Vitória, ano XIV, nº 89, domingo, 9 Nov. 1884, p. 4. 433. O Espirito Santense, Vitória, ano XV, nº 97, domingo, 7 Dez. 1884, p. 2. 434. Pacotilha, São Luís, ano VII, nº 114, 5ª feira, 13 Mai. 1886, p. 4. 435. Pacotilha, São Luís, ano VIII, nº 170, 5ª feira, 21 Jun. 1888, p. 1. 436. Pacotilha, São Luís, ano VIII, nº 211, 4ª feira, 1 Ago. 1888, p. 1.
o Conde d’eu (ao centro) recepcionado no porto de fortaleza. autor: fotógrafo não identificado. acervo fundação Biblioteca nacional.
o mais lembrado episódio político no Ceará no final dos anos 1880, quando se tornava mais intensa a discussão entre monarquistas e republicanos, foi a passagem em fortaleza, por duas vezes, do Príncipe de orleans, Luís filipe Maria fernando gastão, o Conde d’Eu, neto do rei Luís filipe i, da frança, esposo da princesa isabel Cristina Leopoldina de Bragança, filha do imperador do Brasil, d. Pedro ii. sua presença em terras cearenses integrava-se no roteiro da uma expedição pelas Províncias do norte do império, determinada em junho de 1889, em meio de agitadas manifestações a favor e contra a Monarquia. o Príncipe consorte do Brasil, Conde d’Eu, cumpriu a missão e no seu rumo à amazônia, após visitas à
Bahia e Pernambuco, chega a fortaleza, a bordo do vapor nacional alagoas, no sábado, 22 de junho de 1889, sendo festivamente recepcionado no quebra-mar, em construção a cargo da empresa inglesa Ceará Harbour. algumas fotografias, sem identificação de autoria, trazem viva a memória desse momento, e foram preservadas na Coleção d. thereza Christina, no acervo da fundação Biblioteca nacional. a qualidade de imagem e seu valor histórico justificam o espaço que concedemos ao Conde d’Eu nessa narrativa da fotografia cearense do século XiX, principalmente pelo desafio que permanece sobre o fotógrafo que fez os registros. o visitante ilustre, após a breve estada, segue viagem no dia seguinte,
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Conde d’eu recepcionado no porto de fortaleza. fotógrafo n. i. reprodução. acervo nirez.
mas, ao fazer a rota de retorno dedicaria vários dias de permanência no Ceará com uma agenda repleta de contatos na Capital e no interior da Província. das cidades de Belém (em cujo porto aparece em foto assinada por fritz Bartels) e Manaus, onde chegou a 3 de julho, e outros compromissos de visita, retoma o Príncipe francês no dia 14 na rota do sul. ao chegar à cidade cearense de Camocim, em 31 de julho, ali lhe esperavam uma comissão procedente da Capital, constituída pelo Major João Brígido dos santos e outros designados pelo governo provincial. no mesmo dia ele segue por trem para sobral, reservando uma parada noturna em granja, no retorno, para cumprimento do roteiro cerimonial. na quarta-feira, 2 de agosto, no vapor Cabral, chega novamente a fortaleza para mais extensa programação de visitas. nova recepção festiva com a presença do Bispo e do Vigário geral, do Presidente e membros da assembleia Provincial, do Presidente e vereadores da Câmara Municipal, Comandante e oficiais do 11º Batalhão, representantes da sociedade e populares, que o acompanharam do porto ao Palácio da Presidência. após recebimento de cumprimentos, de almoço e missa solene, foram cumpridas visitas a prédios e passeio pela cidade. na manhã do dia 3 de agosto, viaja em trem
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expresso para Baturité, onde pernoita, seguindo para a vila de Quixadá para ver as obras do açude de Cedro. no dia 6, sua alteza o Príncipe imperial e comitiva, são recebidos pelo Presidente da Província e seletos convidados, em Canôa (atual aracoiaba), para juntos visitarem a serra de Baturité. após o desembarque visitaram a igreja Matriz de Baturité e foram recepcionados no colégio feminino, dirigido pela educadora ana Bilhar, quando as meninas recitaram para o ilustre visitante. a seguir percorreram diversas fazendas, com jantar no chalé do sr. isaias Boris, homenagem no povoado de Conceição e pernoite na fazenda Venezuela sendo recepcionados por dona ana felícia Caracas e dr. José Pacífico Caracas. antes do regresso a fortaleza, em trem expresso, passando ainda por Maranguape, o Conde d’Eu visitou prédios públicos e foi homenageado pela Câmara Municipal de Baturité. a partir da tarde de 7 de agosto, novamente em fortaleza, o Conde d’Eu percorre amplamente a cidade, com visitas as obras do porto, ao povoado do Meireles, ao farol na ponta do Mucuripe, as salinas do Cocó, o Mercado Público, a santa Casa, passeio de bonde do Benfica e Pelotas, e uma visita noturna ao Passeio Público. Às 11 horas, no dia 10, o visitante ilustre Conde d’Eu e sua comitiva, embarcam no vapor Maranhão
de regresso para o rio de Janeiro. assistiram aos últimos dias da Monarquia brasileira. no dia 15 de novembro de 1889 era proclamada a república no Brasil. Permanece nebulosa a identidade do fotógrafo que, em 22 de junho de 1889, produziu a imagem da chegada ao porto de fortaleza do genro do imperador d. Pedro ii. não há nenhuma comprovação que o Conde d’Eu tivesse um fotógrafo credenciado na sua comitiva. e mesmo uma foto de sua chegada ao porto de Belém, assinada por um desconhecido fritz Bartels, em nada contribui para uma resposta. a hipótese mais provável é, evidentemente, que tenha sido um fotógrafo comercial local ou itinerante. Pode ser descartado o alemão Carl Bischoff, que aparecera em sobral em fevereiro de 1889, porque deveria estar retornando ao Chile, país de sua procedência. outro fotógrafo comercial que se instalara na capital cearense em 1885, Manuel Bezerra de Mello, tem uma mínima possibilidade
de ainda estar ativo nesse período. resta em nossa pesquisa a possibilidade de três outros profissionais atuantes no mercado da fotografia. o mais conhecido, o dinamarquês niels olsen, estava trabalhando com seu ateliê Photographia niels olsen, fechando-o temporariamente para viagem à europa em maio de 1890, para substituí-lo no retorno com a denominação Photographia Dinamarquesa. o outro conceituado artista fotográfico, Joaquim antonio Correia, o fotógrafo da seca, embora tivesse perdido a visibilidade pública deve ter permanecido em atividade até 1892. aparece, entretanto, um terceiro fotógrafo comercial de forte presença, em fortaleza, o desconhecido a. a. Leão, que instalou um estúdio Photographia Moderna, na rua senador Pompeu, 126, em outubro de 1888, com publicidade continuada no ano de 1889. somente um achado inesperado, de algum registro documental, pode esclarecer o mistério da autoria dessa foto histórica.
Conde d’eu recepcionado no porto de Belém. fotógrafo: fritz Bartels.
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1890
antonio franCisCo de PaULa QUiXadá Agrimensor, marceneiro, construtor, comerciante, industrial, advogado, político e fotógrafo comercial
antonio francisco de Paula Quixadá.
a versatilidade cearense produziu alguns fotógrafos habilidosos no período oitocentista. Um exemplo, numa Pompílio de Loyola e sá, feito fotógrafo pelo Barão de Capanema que exaltava seu talento para todos os ofícios mecânicos e aptidão para consertos de instrumentos matemáticos, no final da vida transformado em cirurgião-dentista na capital pernambucana. Mais famoso foi João gonçalves dias sobreira, professor público, autor de obras didáticas, desenhista, contador, geógrafo criador de carta topográfica do Ceará, instrutor de latim, português, francês e música vocal, relojoeiro-consertador e fotógrafo comercial, que terminou a vida no rio de Janeiro
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como telegrafista, aposentado do telégrafo nacional. nessa honrosa galeria vem ocupar uma posição de relevo antonio francisco de Paula Quixadá, que exerceu a fotografia comercial em sobral, dentre inúmeras outras habilidades profissionais. nascido em fortaleza, a 18 de abril de 1830, após viver algum tempo na cidade de Quixadá, adotou esse topônimo como apelido e o incorporou formalmente em seu sobrenome. e é como Quixadá que constrói sua biografia e aparece na sua atuação como retratista. seu perfil é traçado pelo memorialista alberto amaral, que afirma ter ele sido fotógrafo, agrimensor, marceneiro, construtor, comerciante, industrial e advogado:
Maria Luiza Paula Pessoa. acervo: Museu Histórico de sobral / gerardo Chagas.
Maria Magdalena Ximenses de araújo, esposa do fotógrafo Paula Quixadá. acervo instituto do Ceará.
De inteligência esclarecida, polemista fluente, advogado assíduo nos tribunais de júri de Sobral e Ipú, pelo seu devotamento à causa dos desfavorecidos, exerceu o Major Quixadá, Cavaleiro da Ordem de Christo, sempre com independência e honestidade, cargos de confiança do Governo e de eleição: Delegado de Polícia de Sobral por quase um decênio, Vereador, Presidente da Câmara Municipal de Ipú, onde residiu alguns anos, fundando ali com outros o Gabinete Ipuense de Leitura, cuja sede e instalação estiveram a cargo e a expensas deste operoso diretor, que corajosamente se bateu pela extinção da escravatura. Construiu, na Estrada de Ferro de Sobral, as estações de Santa Cruz e do Ipú. Esta cidade, além
de sua bela estação, deve às aptidões do Major Quixadá toda uma rua que recebeu o nome do seu construtor; a remodelação da antiga Matriz, a planta do Mercado Público e diversas outras iniciativas. Em Sobral, aos 24 anos de idade, contraiu casamento cm Dª Maria Magdalena Ximenses de Aragão. Do consórcio houve 12 filhos, cujos nomes por disposição paterna começam todos pela letra “A”. (437) não aparecem citações em jornais ou livros que ofereçam a data em que Quixadá tenha montado o seu atelier. o provável período de exercício dessa profissão talvez venha ser fixado a partir dos retratos
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sobral no final dos anos 40, acompanhando três irmãs solteiras. Casou-se em 1854 e se evidencia em funções públicas. no posto de tenente-alferes é nomeado em julho de 1860 para o batalhão da guarda nacional de sobral. em 1861, como Vereador propõe a criação da Praça da Constituição, atual Praça de são francisco. Capitão da guarda nacional, em 1871, é designado para exercer as funções de major fiscal do batalhão nº 19. Por ato do governo provincial em 19 de julho de 1872 foi nomeado delegado, candidatando-se a seguir ao cargo de Juiz de Paz. Participando ativamente em várias áreas da vida local, integra em maio de 1873 a Comissão de socorros Públicos. o longo exercício do cargo de delegado, prolongado por dez anos, gerou desafetos, sendo absolvido em dois processos legais movidos por adversários. no final de 1880, então no posto de Major da guarda nacional, reside na cidade de ipu, onde tem atitudes salientes como a denúncia de espancamento de pedreiros pelo destacamento e o apoio à libertação por abolicionistas de um escravo das mãos de um capitão de campo que o conduzia para o Maranhão. o episódio foi festivamente comemorado e repercutiu na imprensa da capital da província com o desfecho triunfal acolhido com música e foguetes: Homem n. i. acervo Museu Histórico de sobral.
Mulher n. i. acervo gerardo Chagas.
Em seguida percorreram as principaes ruas d’esta cidade, parando em frente de algumas casas, d’onde se fizeram ouvir diversos brindes alusivos ao acto, terminando a passeata em casa do nosso amigo Antonio Francisco de Paula Quixadá, onde fallaram Thomaz Correia de Carvalho da Silva, Dr. Raimundo Pereira, Dr. Feliz Candido de Souza Carvalho, Francisco de Andrade Pessôa, sendo precedidos do dono da casa, que em breves palavras fez um elogio aos ipuenses, admirando a causa que as tenha levado a praticar aquelle acto de civismo e humanidade e também muito se distinguio o nosso amigo, não só pelo bom acolhimento que deu a idéa, como também pelas maneira lhanas e affaveis com que recebeu os libertadores. (438)
ainda em ipu, o Major Quixadá, além de presidir a Câmara Municipal e participar da fundação do gabinete ipuense de Leitura, deixou sua contribuição como construtor de equipamentos públicos e de duas estações ferroviárias da linha norte, em santa Cruz (atual reriutaba) e ipu, inauguradas, respectivamente, em 1º de dezembro de 1893 e 10 de outubro de 1894. essas datas citadas, bastante significativas como momentos relevantes da vida de antônio francisco de Paula Quixadá, podem também sugerir que o exercício da fotografia profissional tenha ocorrido entre os anos 1870 e 1880, pela sua presença mais concentrada em sobral, cidade indicada como a
senador Vicente. acervo Museu Histórico de sobral.
por ele produzidos, que traziam como registro frontal as palavras QUiXadá e soBraL, e no verso sua marca com a inscrição: PHotograPHia artÍstiCa, a. f. P. de QUiXadá, soBraL. a identificação dos retratados e seus dados pessoais poderão sugerir uma resposta. Maria Magdalena Ximenes de aragão, sua esposa, foi uma das retratadas. o casamento ocorreu na Matriz de sobral, a 30 de novembro de 1854, quando tinha 24 anos de idade. Quixadá faleceu a 27 de agosto de 1905, aos 75 anos de idade, e diz alberto amaral que ele construiu o caixão em que foi sepultado. o levantamento de marcos de sua vida também auxilia nessa pesquisa. Chega a
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48 localização do seu ateliê, nos retratos com a marca Photographia artística, de a. f. de P. Quixadá. Curioso que a cidade de adoção do jovem antonio francisco de Paula, tenha se tornado conhecida pelos inúmeros sobrenomes adotivos, dados pelo padre antonio da silva fialho, professor latinista, a vários de seus alunos, gerando novas famílias com sobrenomes famosos como Cialdini, Mont’alverne, Verginaud, criados pelo capricho desse respeitado mestre latinista. a esse grupo de nomes de família vai se acrescentar o Quixadá, que o fortalezense antonio francisco de Paula resolvera adotar
formalmente como reconhecimento a localidade onde desfrutara bons anos de sua juventude. resultado dessa decisão pessoal, transferindose para sobral já assinando legalmente antonio francisco de Paula Quixadá, constituiu família que preservaria o sobrenome de adoção. ao falecer, em 1905, o versátil cearense, deixou nove filhos, que assinaram: aprígio Quixadá aragão, argemiro Quixadá, adélia Quixadá, Maria antonieta Quixadá, antonia amélia Quixadá, arminda Quixadá aragão, adolfo Quixadá aragão, amanda Quixadá aragão e arolisa Quixadá aragão.
1892
fotógrafo doCUMenta UMa reBeLiÃo Identificando o autor de reportagem fotográfica
acervo the Library of Birmingham archive. sir Benjamin stone Collection.
437. Amaral, A. Notas Para a História de Sobral. Rio de Janeiro, 1953. Monografia mimeografada.
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438. Pedro II, Fortaleza, ano 48, nº 30, 5ª feira, 19 Abr. 1888, p. 2.
5 horas da tarde. terça-feira, 16 de fevereiro de 1892. a vida da cidade está sob a tensão de um conflito sangrento iminente. opositores do general José Clarindo de Queiroz, governador do estado, levantaram-se em armas para sua deposição. os revoltosos da escola Militar, apoiados por parte das tropas federais, movimentam-se no Passeio Público e decidem atacar o Palácio do governo, após ter sido rechaçado um ultimato telefônico pela renúncia imediata. foi dado um tiro de canhão como sinal de início da rebelião militar. esse momento
histórico de tensão era assistido por um fotógrafo que produz uma série de fotos do conflito, lamentavelmente sem deixar sua assinatura. em 2014, uma exposição realizada na embaixada Brasileira em Londres, 122 anos depois do acontecimento, põe em evidência a notável história de sir John Benjamin stone, industrial e político conservador, um apaixonado da fotografia e que deixou 22.000 fotos montadas e 17.000 negativos de seu acervo, hoje em arquivo especial na Library of Birmingham, inglaterra. Uma dessas preciosidades é a foto dos
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acervo nirez.
acervo nirez
rebeldes de fortaleza, tendo à frente um canhão, na rua Major facundo, prontos para o ataque. a foto montada em cartão tem a legenda escrita pelo próprio Benjamin stone, em que a identifica como revolução no Ceará, em 16 de fevereiro de 1892, quando o grupo estava preparado para bombardeio ao palácio do governo, acrescentando ser um exemplo de revolução brasileira: The Revolution at Ceará, Brazil, 16th Feb. 1892. Prepared for bombarding (firing out) of the governour’s palace. A good example of a Brazil Revolution. o simples fato de aparecer no acervo de Benjamin stone uma fotografia com legenda de próprio punho pode sugerir a sua autoria. Por isso alguns textos ingleses que traduzimos afirmam sua presença nos eventos ocorridos em fortaleza em fevereiro de 1892:
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Viajar poderia ser perigoso, especialmente na sua viagem ao Brasil em 1890 que ele visitou pelo interesse da Royal Astronomical Society de fotografar o eclipse solar. Ele visitou a cidade de Ceará quando o país estava sob o domínio de uma revolução. Seu obituário no Birmigham Mail de 3 de julho de 1914 relatou o que aconteceu a seguir: “Poderíamos também dizer que a câmera provou ser mais poderosa que a espada. Em certo momento no Ceará uma barricada foi construída pelos rebeldes, e o canhão estava postado de maneira que o palácio do Governo pudesse ser bombardeado. Quando abordado pelo fotógrafo os rebeldes prontamente concordaram adiar o bombardeamento por alguns minutos para que Sir Benjamin Stone pudesse fotografar a revolução, e posaram com suas armas.” (439)
acervo nirez.
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o inusitado de ter documentado uma revolução brasileira, que em quase nada acrescenta ao rico portfólio do celebrado fotógrafo amador, deve justificar a citação recorrente em seus biógrafos. numa das obras dedicadas às coleções de fotos feitas por stone, diz o prefaciador Michael Macdonagh: Nada jamais foi obstáculo para ele. Levando-se em conta seu amplo trabalho – e ele tirou fotos do eclípse do sol no Brasil, uma revolução na América do Sul, o grande terremoto do Japão, e em quase todas as fases de sua vida em dúzia de países... {....] Nenhuma cena, nenhum prédio, nenhuma pessoa, foi empecilho para ele. (440) afirmações nesse sentido, que trazem equívocos quanto ao ano em que realmente esteve no Ceará, explicam a provável inconsistência do que aparece em esboço biográfico de Sir Benjamin Stone publicado na web:
No começo de 1892 ele visitou o Brasil pela primeira vez, e a 16 de fevereiro daquele ano, em Fortaleza, se viu no meio de uma revolta popular contra o governo; militares haviam postado um canhão diante do palácio: Stone pediu que estes posassem para uma fotografia e os rebeldes adiaram o canhoneio para que ele registrasse o momento; ele ainda registrou o estrago feito pelos tiros de canhão no salão de visitas do palácio. (441) a primeira ideia que se tem é que a identificação do autor das fotos fora resolvido, mas, para confirma-la procuramos outras fontes biográficas sobre sir John robert stone. embora a ele dediquemos dois capítulos seguintes, podemos antecipar que dotado de boas posses e espírito aventureiro, dedicava-se nos anos 1860 à sua paixão por colecionar fotos, retratos e estereógrafos que comprava no seu país e exterior, bem antes de adquirir conhecimentos sobre o uso de uma câmera. ele continuou nas suas
acervo Museu do Ceará.
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frequentes viagens internacionais, então privilégio de ricos, a adquirir imagens de fotógrafos comerciais sobre povos, costumes e acontecimentos relevantes. dizem os textos biográficos: Viagem e fotografia foram duas entre as muitas paixões que Sir Benjamin Stone acolheu em sua vida rica e variegada. [...] Ele viajou desde cedo e a riqueza pessoal permitiu-lhe fazer viagens regulares a diversos países, tais como China, África do Sul e Brasil. Um colecionador perspicaz, Stone adquiriu fotos tomadas por fotógrafos comerciais por toda sua vida. Esse interesse levou-o a iniciar suas próprias fotos e no final do século XIX ele era conhecido nacionalmente como um entusiástico fotógrafo amador. (442) Ele continuou a adquirir fotos ao longo de sua vida, contratando e comprando trabalhos de fotógrafos comerciais, permutando imagens com colegas cientistas e antiquários e através do recebimento de presentes de colegas e amigos fotógrafos. Stone reuniu, catalogou e examinou essas reproduções ao lado de outros objetos e artefatos que ocupavam sua biblioteca em sua casa, The Grange, em Erdington. (443) além dessa prática de colecionar fotos produzidas por profissionais no exterior ser um indicativo de possibilidade que as fotos da rebelião cearense tenham sido obtidas por stone a um fotógrafo local, os dados que levantamos em diversas notas sobre suas viagens reforçam essa hipótese. a única viagem comprovada de Benjamin stone ao Brasil ocorreu um ano depois dos acontecimentos políticos no Ceará, como veremos em capítulo posterior. o fotógrafo amador chegou por recife, no vapor inglês trent, procedente do porto de southampton, na tarde do dia 8 de abril de 1893. após cumprir seu objetivo no Ceará, em maio, acompanhando a 16 de abril o eclipse total do sol, enquanto a expedição inglesa retorna à inglaterra via recife, stone seguiu viagem para o extremo norte, visitando e fotografando as capitais do Maranhão, Pará e amazonas, percorrendo 1.450 km no rio amazonas. o percurso entre fortaleza e Belém, no vapor inglês Orígen, é produtivo, chegando à capital maranhense a 5 de
maio, uma breve escala que lhe permite fazer belas fotos, e ao Pará, na 2ª feira, 8 de maio. a equipe inglesa chefiada por a. J. taylor chega de retorno a recife, a bordo do vapor Brazil, do Lloyd Brasileiro, a 6 de maio, e três dias depois embarca para southampton no paquete s. s. trent, da royal Mail. a possibilidade de ter vindo ao Ceará, um ano antes, durante o movimento armado que derrubou o governador Clarindo de Queiroz, parece-nos improvável. os dados que encontramos anteriores a 1893 indicam outros caminhos. em janeiro de 1891 parte em viagem em torno do Mundo, visitando e documentando países como austrália e Japão. no seu roteiro aparece efetivamente a europa, Caribe, áfrica do sul, américas e oriente Médio, não havendo qualquer referência ao Brasil. nesse período cumpre visitas à noruega e suíça, em 1892, que em um texto biográfico é afirmado que esses eram dois dos destinos favoritos de Stone, onde ele muito desfrutava com o estudo da flora. ainda em 1892, ele é distinguido com o título honorífico de Cavaleiro, concedido em reconhecimento por sua contribuição nas organizações Conservative Primrose League e Birmingham Conservative Association. a chave para esclarecer a origem e autoria das fotos da rebelião cearense de fevereiro de 1892 deve estar no círculo de relacionamento de Benjamin stone na breve passagem em fortaleza rumo à cidade de Paracuru onde foram realizadas as observações do eclipse total solar de maio de 1893. o ilustre visitante relacionou-se com o vice-cônsul da inglaterra, george Holderness, também sócio da firma importadora Holderness & salgado e agente dos vapores da Red Cross Line of Mail Steamers e da Booth Steam Ship Limited; e o vice-cônsul dos estados Unidos da américa, William H. Mardock, que era gerente do Cabo submarino da The Western Brazilian Telegraph & C. Ltd. e o inglês furley, então na Ceará Harbour Corporation. seu principal apoio local, entretanto, foi o fotógrafo dinamarquês niels olsen, que lhe acompanhou na viagem a Paracuru e também revelou em seu laboratório todos os negativos produzidos por stone e pela expedição da royal astronomical society. no relatório sobre a missão oficial britânica
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que estudou o eclipse de 1893, é esclarecida a participação de niels olsen em Paracuru A expedição da Royal Astronomical Society comandada por Mr. A. J. Taylor foi acrescida no Brasil por um Sr. Olsen – um fotógrafo do Ceará, um Mr. Furley da Ceará Harbour Works, e intérprete. Sr. Olsen trouxe uma câmera com lentes de retrato. Sua missão, fotografar a coroa criada pelo eclipse, era delineada para prover dados comparativos com os obtidos durante os eclipses anteriores e pela expedição enviada à África. (444)
acervo: the Library of Birmingham archive, sir Benjamin stone Collection.
a mesma foto anterior existente na sir Benjamin stone Collection em cópia preservada no Ceará. acervo nirez.
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Um momento marcante da história política do Ceará, a deposição do governador do estado general José Clarindo de Queiroz, ganha maior importância como a primeira reportagem fotográfica local do gênero. a autoria que passamos a atribuir ao retratista niels olsen pode agora ser evidenciada graças à divulgação pela Library of Birmingham, em 2014, homenageando a sir John Benjamin stone no centenário de sua morte. a rebelião iniciada pela mobilização de tropa armada, às 5 horas da tarde de 16 de fevereiro de 1892, teve rápido desfecho, com a rendição do governo às 6 horas da manhã do dia seguinte. após o ultimato ao governador e sua recusa em renunciar, começou a batalha à noite, havendo reação do Corpo de segurança e civis armados fiéis ao governo. o palácio foi duramente bombardeado provocando destruição e 11 mortes. a imprensa nacional repercutiu os graves eventos políticos do Ceará: O ataque prolongou-se até 5 horas da manhã, já dia claro, quando foi vista hasteada em palácio a bandeira branca de parlamentar. Cessou logo o fogo e o general Clarindo comunicou que resolvera não prosseguir na resistência, passando o governo ao comandante Bezerril, desta guarnição. Durante o combate deram-se de ambos os lados para mais de mil tiros. É impossível conhecer o numero exacto de mortos e feridos. Houve-os muitos. Pela manhã sahia do palácio cerca de 200 capangas armados. O palácio e as casas visinhas muito soffreram pelo bombardeio. Aquellle acha-se quase demolido.
O palácio do governo está em ruinas, de tal forma que admira ter o general Clarindo apenas sido contundido. Ás 2 horas da madrugada o governador estava completamente abandonado, entre as paredes crivadas de balas. Uma das balas de canhão derribou do pedestal a estatua do general Tiburcio. (445) no seu ofício de renúncia, assinado na madrugada de 17 de fevereiro, o governador general Clarindo de Queiroz entregava o poder ao comandante da escola Militar, tenente-Coronel José freire Bezerril fontenelle. Quanto à estátua do general antonio tibúrcio ferreira de souza, que ao ser bombardeada caiu de pé do seu pedestal, foi reconduzida ao mesmo local em festiva comemoração no dia 24 de maio do ano seguinte.
439. Crews, N. Joseph Chamberlain and Sir Benjamin Stone. The Iron Room, Archives and Collections, The Library of Birmingham, 2 Jul. 2014. Texto on-line. 440. Sir Benjamin Stone’s Pictures – Records of National Life and History (Vol. I – 1838-1914). London, Paris, New York & Melbourne: Cassell and Company, 1906. 441. John Benjamin Stone. Wikipédia. Texto on-line. 442. Crews, N. Ibidem. 443. Crews, N. Observations. Sir Benjamin Stone in Brazil 1893. The Iron Room, Archives and Collections, The Library of Birmingham. Texto on-line. 444. Orrantia, R. Observations. Sir Benjamin Stone in Brazil 1893. The Iron Room, Archives and Collections, The Library of Birmingham. Texto on-line. 445. Jornal do Recife, Recife, ano XXXV, nº 47, sábado, 27 Fev. 1892, p. 2.
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1892
Kiernan & Braga
Os mercadores da fotografia a cores
Hoje, porém, graças aos esforços de alguns bohemios das lettras, surge a Padaria Espiritual que com certeza vai dar alimento a muito cérebro faminto, caso que executem o brilhante e curioso programma que se imposeram. O forno da Padaria está montado á rua Formosa 105, e começa a funccionar hoje ás 7 horas da noute. [...] (446) os artistas fotográficos não estão ausentes da vida cotidiana, e o espaço do mercado para os desconhecidos itinerantes passa a ser preenchido pelos habilidosos profissionais de fotografia a cores apresentados como Kiernan & Braga:
a república. fortaleza, 4ª feira, 26 de outubro de 1892.
as turbulências políticas não alteraram a vida da capital cearense e ao longo do ano de 1892 a população viveu dias normais de entretenimento e de efervescência intelectual. a Companhia telephonica do Ceará, que põe no mercado as inovações tecnológicas da Western electric Company, alcança o número de 200 assinantes. É inaugurado o Prado Cearense. aparecem novos jornais na capital como A República, sucessor do Libertador e do Estado do Ceará. a missionária americana Mary Clement Leavitt, presidente honorária da World’s Woman’s Christian Temperance Union, faz conferencias no Clube iracema na sua cruzada mundial contra o alcoolismo. Há um variado leque de atrações de palco e picadeiro, abrangendo circos tradicionais, espetáculos equestres, grupos teatrais, ilusionistas,
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concertos de artistas locais e visitantes, companhias de zarzuelas cômicas espanholas e de operetas em português. surgem academias de letras como a sociedade Literária silva Jardim e a irreverente Padaria espiritual, animada pelo poeta antonio sales, que assim foi saudada em A República: Padaria Espiritual Installa-se hoje esta sociedade de rapazes de lettras, que, parece nos, vai iniciar uma nova phase de utilidade intellectual em nossa terra. Depois de uma ultima campanha litteraria de que foi chefe João Lopes e que deixou tão luminosos traços de sua acção, nossa mocidade intelligente havia cahido numa inércia, numa inactividade verdadeiramente lamentável.
PHOTOGRAPHIAS DE CORES Acham-se entre nós os srs. Kiernan & Braga, photographos hábeis e que com a maior esthetica, presteza, aceio e correcção encarregam-se de colorir qualquer retrato, mesmo com gelatina, dando-lhe as cores mais naturaes, do rosto, da roupa, laços, flores, etc. É um novo processo, inteiramente desconhecido entre nós e incontestavelmente merecedor de elogios pela fineza das tintas. Tem sido muito visitados no Hotel do Norte, onde se acham hospedados. (447) a divulgação dos serviços oferecidos e a tabela de preço, com o aviso padrão de curta permanência de 10 dias, revela que os retratistas tinham montado seu gabinete no próprio Hotel do norte:
completos, impedia a pesquisa histórica e que obtivéssemos resposta sobre seus caminhos e atividades. apenas no Maranhão, onde chegaram em dezembro do mesmo ano, continuavam juntos, como Kiernan & Braga: Retratos Vimos hoje uns magníficos retratos coloridos, muito bem trabalhados, obra dos Srs. Kiernan & Braga, que atualmente se acham n’esta cidade hospedados no Hotel do Commercio e cujos serviços oferecem ao nosso publico como do annuncio publicado n’este jornal. Recommendamos esse gênero de fotografias aos nossos leitores. (449) os anúncios maranhenses traziam como título “grande novidade”. reproduziam o mesmo texto e a mesma tabela de preços da temporada cearense. os artistas estavam instalados no Hotel do Comércio, atendendo das 8 horas ás 5 da tarde. as capitais do Ceará e Maranhão foram, provavelmente, as únicas que receberam a visita da dupla de retratistas, que deve ter sido desfeita seguindo os sócios caminhos e ofícios diversos. o primeiro desafio para o rastreamento seria a identificação do retratista Braga, nome comum na comunidade luso-brasileira Um incidente ocorrido em fortaleza, entretanto, facilitou a pesquisa, por oferecer informações adicionais sobre os fotógrafos desconhecidos. num protesto contra
KIERNAN & BRAGA Retratos Cristalizados em cores naturaes Pretendendo demorar-se apenas 10 dias nesta Capital, offerecem-se às familias para colorir retratos pelo sistema mais moderno, mediante os seguintes preços: Photographia cartão de visita, um...................10$000 Cartão Imperial................................................15$000 Medianos..........................................................25$000 Grandes............................................................30$000 Prommetem asseio, presteza e belleza aos coloridos. Hotel do Norte, das 8 horas às 5 da tarde. (448) a falta de qualquer outra informação sobre a origem dos retratistas comerciais e seus nomes
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leva-me a sugerir que o jovem farmacêutico Luiz Braga tenha-se aventurado na curta associação com o visitante estrangeiro Kiernan. Uma hipótese que lanço como uma motivação para futuras pesquisas. Quanto a Kiernan tem história longa. após desfazer a parceria com Braga, e percorrer caminhos não revelados, chega ao amazonas anunciando suas fotografias a cores indeléveis cristalizadas:
abuso sofrido no Club Cearense, publicado em A República, o reclamante diz ter jantado no Hotel do norte com os senhores Kiernan e Luiz Braga e os acompanhado ao clube e ao teatro são Luiz. resolvera-se a busca pela identificação de um sócio sócio. a pesquisa concentrou-se então nesse último nome, na região norte, encontrando-se coincidentemente a presença do cidadão brasileiro Luiz Braga, que fizera os estudos secundários em fortaleza e realizara o curso superior em Minas gerais, com diplomação em 1889, na conceituada escola de farmácia de ouro de Preto: Concluiram o curso da escola de pharmacia de Ouro Preto, recebendo o gráo e prestando o juramento os seguintes comprovincianos nossos: Alfredo Cláudio, Arthur de Carvalho, Luiz Braga, Leopoldo Domingues e Moura Cavalcanti. (450) no ano seguinte, em sessão da Junta Comercial de fortaleza, em 21 de agosto de 1890, foi aprovado contrato de constituição de uma sociedade sob a firma studart & Braga: Carlos Studart e Luiz Braga, cidadãos brasileiros, residentes n’esta capital, tendo contractado entre si uma sociedade sob a firma Studart & Braga para commercio de drogaria em seus differentes ramos, pedem para ser registrato o contacto que juntaram a sua petição. (451) a formação dessa sociedade, justamente por pessoa habilitada também para o comércio de drogas em uso no processo de produção fotográfica,
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o escândalo chegou aos jornais da capital federal, com a notícia intitulada amazonas – importantes cartas: MANÁOS, 8 – O Amazonas publicou cartas de um negociante, agente de uma companhia de seguros daqui, o sr. Cyrillo Kiernan, encontrada em Porto Alonso, aconselhando Lino Romero a fuzilar Gentil Norberto e Rodrigo de Carvalho e a comprar também o silencio da imprensa sobre a questão do Acre. Este facto causou extraordinária sensação. [...] (455)
Photographias indeléveis crystalisadas de cores natruraes. C. F. KIERNAN Ficando ainda alguns dias n’esta capital, offerece os seus serviços ao respeitável publico. Pode ser procurado no Hotel de França, das 9 da manhã ás 4 horas da tarde. (452) agora assinando C. f. Kiernan, o retratista fixa residência em Manaus e em novas atividades profissionais começa a assinar Cyrillo f. Kiernan e Cirilo francisco Kiernan. as minhas pesquisas indicam que ele permanece até os anos 10 do século seguinte, em pleno exercício de seus negócios no ramo de seguros em Manaus. a aparição como agente de seguros no norte brasileiro, creio que retornando do Peru, fica documentado em notícia da imprensa amazonense: LA EQUITATIVA Acha-se nesta capital no caracter de agente viajante da companhia de seguros La Equitativa, o sr. Cirilo F. Kiernan, cuja visita agradecemos. S. s. acha se hospedado em casa dos Srs. Prüsse Pussinelli & Cª, agentes permanentes de La Equitativa nesta capital. (453) nesse momento trocara definitivamente a fotografia pelos seguros e intermediação comercial. em 1898 ele é agente geral, no amazonas, da garantia da amazonia – sociedade de seguros Mútuos sobre a Vida, função que se prolonga por largo período, e tesoureiro da Companhia de seguros Manauense. Manteve também escritório na rua Marechal deodoro, nº 21, em Manaus, para comercialização
de produtos como cimento em barricas de ferro, telhas, tábuas de madeiras diversas, óleo de linhaça, creme de leite, batatas alemãs e a água mineral imperador frederico. apenas em um episódio Cirilo f. Kiernan viu seu prestígio ameaçado no amazonas. tornaram-se públicas cartas de sua autoria em que classificava de venais a diplomacia brasileira e os jornalistas locais, o que ganha devastadora repercussão: Foi justa a atitude que a imprensa de Manaus tomou contra a ousadia do estrangeiro Cyrillo Kiernan, que tentou, por cartas escriptas a um boliviano, cobrir de defeitos o corpo diplomático brasileiro e os jornalistas amazonenses, e isso motivou a sua sahida apressada d’aquella capital, não esperando pela recompensa, que lhe estava preparada. [...] Se um esforço pessoal não tomou, foi porque elle tratou de embarcar para a Europa no vapor inglez “Augustine”, e como declara uma das folhas, em vez de sahir dizendo se norte americano, como é, inculcou-se de peruano. (454)
o incidente deve ter sido rapidamente superado pela continuidade de sua presença no amazonas a serviço de acreditadas empresas de seguro. a crítica reproduzida do jornal maranhense pelo menos ajudou-nos a descobrir a sua nacionalidade. até então tínhamos como possível relação os cidadãos britânicos a serviço estrada de ferro inglesa entre são Paulo, a partir de 1870, george C. Kiernan e John C. Kiernan. a notícia do jornal maranhense finaliza a investigação afirmando a verdadeira nacionalidade do estrangeiro Cirilo francisco Kiernan: “em vez de sair dizendo-se norte americano, como é, inculcouse de peruano.” Kiernan insere-se na galeria dos artistas efêmeros que fazem parte da história da fotografia na capital cearense.
446. A República, Fortaleza, ano I, nº 39, 2ª feira, 30 Mai. 1892, p. 4. 447. A República, Fortaleza, ano I, nº 159, 4ª feira, 26 Out. 1892, p. 1. 448. A República, Fortaleza, ano I, nº 165, 5ª feira, 3 Nov. 1892, p. 3. 449. A Cruzada, Maranhão, ano III, nº 200, sábado, 17 Dez. 1892, p. 2. 450. Gazeta do Norte, Fortaleza, ano I, nº 225, 4ª feira, 9 Out. 1889, p. 2. 451. A Pátria, Fortaleza, ano I, nº 155, 5ª feira, 18 Set. 1890, p. 3. 452. Diario de Manáos, Manaus, Amazonas, ano III, nº 190, sábado, 10 Jun. 1893, p. 3. 453. Diario de Manáos, Manaus, Amazonas, ano IV, nº 103, 5ª feira, 9 Nov. 1893, p. 1. 454. Diario do Maranhão, Maranhão, ano XXXIV, nº 8937, 4ª feira, 27 Mai. 1903, p. 3. 455. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano XIII, nº 129, sábado, 9 Mai. 1903, p. 2.
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1893
o aLeMÃo edUardo WenK e angÉLiCa de MeLLo
Photographia Americana e frustração de uma retratista
a república. fortaleza. sábado, 12 de agosto de 1893.
a população de fortaleza, no decorrer do ano de 1893, vive repetidos momentos de júbilo. Um indicativo dos ventos favoráveis é o clima em que se desenvolveram as festas carnavalescas o comércio, apregoando as alegrias do Zé Pereira, assegura um completo sortimento de tecidos para fantasias e grande estoque de máscaras e meias máscaras de arame, seda, papelão e cera. os clubes sociais iracema, Cearense e stella, realizam seus bailes noturnos. o carnaval de rua é animado pelos grupos de endiabrados foliões que percorrem a rua formosa até a Praça de Pelotas, rua senador Pompeu, 24 de maio, José de alencar, Major facundo, Praça dos Mártires, Boa Visa, d. Pedro e retornam à movimentada rua formosa. o desfile promovido pelos intemeratos dragões do averno, na terça-feira, com carros alegóricos acompanhados em grande efeito por numerosos cavaleiros uniformizados de beduíno, assim é descrito: ... Uma sumptuosa romaria carnavalesca, constando de deslumbrantes carros allegoricos, carros luxuosamente enfeitados, condusindo senhoras fantasiadas e muitos
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outros carros com cavalheiros, creanças, tudo adornado com magnificência e gosto artístico. (456) a festa popular promovida pelos destemidos Conspiradores infernais era composta por coloridos carros alegóricos temáticos: Conspiradores (preto e encarnado), imprensa (azul), Memorável (branco), esperança (verde), infernal (encarnado), iracema (branco e azul) e Popular (diversas cores). o desfile é assim lembrado na imprensa: O prestito compunha se de grande numero de carros vistosamente enfeitados e muitos cavalheiros fantasiados com gosto, À frente do préstito tocava uma banda de musica, e pelos carros resoavam todos os instrumentos ruidosos, como clarins, cornetins, tambores, campas, gaitas e o diabo a quatro. (457) o Carnaval de 1893 reaviva a confiança e o bom humor da população, merecendo o aplauso da imprensa em editoriais:
Desde muito tempo não tínhamos um carnaval tão animado como o deste anno. Os Dragões do Averno e os Conspiradores Infernaes porfiaram em brilhar cada qual mais e o resultado foi que os tres dias consagrados a Momo tiveram uma animação a que já estávamos desacostumados. Sobressahiu igualmente o Club dos Fantasmas exhibindo excellentes criticas que deliciaram a nossa população, fasendo-a rir a valer. Appareceram outros grupos com boas criticas, entre os quaes uma critica ao Prado Cearense, apresentado como Prado Pavunense no espirituoso programma de corrida que foi distribuído. Emfim, o carnaval deste anno convenceu-nos de que ainda sabemos rir e ainda temos bastante enthusiasmo para affrontar a tristeza deste velho mundo, chamado Valle de lagrimas desde o tempo em que se inventou a Salve Rainha. Nesta epocha em que a civilisação vai golpeando de morte todas as tradições, bem merecem os que sabem revoltar-se, fasendo-as reviver a custa de gargalhadas e cabriolas. (458) a cordialidade cearense acolhe este ano mais um retratista estrangeiro para o exercício da prestigiada profissão. seu nome aportuguesado, eduardo Wenk. não oferecia informações de procedência e atividades anteriores. identificamos sua identidade no rol de passageiros, do paquete inglês Tamar, em um grupo de seis súditos alemães embarcados no rio de Janeiro, em 23 de janeiro de 1891, com destino ao rio da Prata com escala em santos. a aparição de eduardo Wenk com a profissão de fotógrafo somente ocorre no ano seguinte, na capital maranhense, de onde veio para o Ceará, instalando-se em fortaleza à rua formosa nº 31, com o estúdio denominado Photographia americana, fato tornado público a 12 de agosto de 1893: Photographia americanaRecebemos um amável convite do Sr. Eduardo Wenk para visitarmos amanhã o seu modesto atelier, á rua Formosa nº 31. O Sr. Wenk é hábil photographo. Agradecemos a finesa. (459)
a instalação de um modesto ateliê, como diz a notícia, mostra o espírito itinerante de Wenk, que encontrava em fortaleza, estabelecido com requintes, o conceituado niels olsen. suas atividades prolongam-se por mais de três meses, quando busca a atrativa cidade de Baturité, ligada à capital pela eficiente estrada de ferro de Baturité, um importante centro de atividade econômica e porta de entrada para a bela serra de guaramiranga. a cidade ganhou relevo com seus estabelecimentos de educação e permitiu movimentos culturais como o desenvolvido pelo renomado maestro italiano Luigi Maria smido, importante nome na história musical.Wenk estabeleceu-se em Baturité, em dezembro de 1893, com a denominada Nova Photographia Americana: NOVA PHOTOGRAPHIA AMERICANA PRAÇA DE S. LUZIA Nº 22 O Photographo E. Wenk avisa ao respeitável publico desta cidade, que tendo assentando demorar-se aqui por alguns dias, resolveu montar o seu “atelier” á Praça de S. Luzia nº 22. Convida a Exmas. Senhoras e senhores para visitarem o seu estabelecimento, cujos trabalhos serão desempenhados com esmero, pelos preços seguintes: Retr. Formato – Visita 1 duzia 15§000 “ “ “ ½duzia10$000 Retr. Formato – Album 1 duzia 30$000 “ “ “ ½duzia20$000 Grupos: cada pessoa mais 2$000 Formato maior a tratar – Repoducção. BATURITÉ (460) o pitoresco no preçário do alemão Wenk referese a foto em grupo, com acréscimos de 2$00 a cada pessoa que acompanhasse o retratado. as facilidades de acesso à capital permite ao artista renovar os recursos necessários ao desempenho profissional. após cumprir sua viagem à capital, anuncia seu retorno a Baturité, em 4 de fevereiro de 1894: ATTENÇÃO De volta da capital, com novas machinas e drogas, o photographo Eduardo Wenk mudou-se para a Rua
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7 de Setembro, defronte a praça do Senador Pompeu, convida os seus amáveis fregueses para visitarem seu “atelier”. O Sr. Wenk nos assegura que o mau tempo nada influe sobre a boa sahida dos retratos. (461) sem outras informações sobre eduardo Wenk, além da presença em Baturité, o valioso Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro, de Boris Kossoy, equivoca-se ao registrar esse anúncio como ocorrido em 1891, momento em que se encontrava a bordo do vapor inglês tamar rumo ao rio da Prata. (462) Pelas pesquisas desenvolvidas, antecedendo sua vinda ao Ceará, Wenk revelou-se no Maranhão, e isto a partir de junho de 1892 quando instala um ateliê no Beco da Boquinha: O sr. Eduardo Wenk communicou-nos que abriu o seu atelier de photógrapho no Becco da Boquinha. (463) Meses depois, já ambientado na capital maranhense, o retratista aventura-se em nova área, associando-se ao maestro italiano ettore Bosio e o ilusionista maranhense deocleciano Belfort, num projeto de espetáculo mágico-musical: Empreza Bosio & Cª Os Srs. maestro Ettore Bosio, Deocleciano Belfort, e Eduardo Wenk, organisaram uma empresa com o fim de dar um grande espectaculo magico-musical no theatro S. Luiz, depois do qual seguirão para as capitaes do Sul do Brazil. (464) a iniciativa materializa-se num anunciado grande e extraordinário espetáculo mágico-cômico-musical
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no sábado, 26 de novembro de 1892, no palco do theatro s. Luiz. o programa iniciava-se com o prestidigitador deocleciano Belfort, em atos de ilusionismo, seguido de um ato cômico por artistas amadores e uma parte musical pelo afamado Maestro ettore Bosio. no encerramento um quadro de sonambulismo, com uma mulher suspensa no ar sem nenhum ponto de apoio. não há participação explícita de Wenk o que nos sugere tenha contribuído na montagem dos atos mágicos. superado o capítulo de empreendedor teatral, eduardo Wenk deu sequência exclusivamente ao papel de fotógrafo tendo trabalhado em Belém do Pará, em fevereiro de 1893, na rua santo antonio, na sua Photographia Volante Instantânea Americana: Photographia Volante Instantanea Americana Abre-se hoje á concurrencia publica este importante estabelecimento sito á rua de Santo Antonio, canto da travessa 15 de Agosto. A modicidade dos preços, a brevidade e perfeição do trabalho, são outros tantos motivos que fazem digna da atenção publica a “Photographia Volante Instantanea Americana” do sr. Eduardo Wenk. (465) no Pará, o fotógrafo alemão não declara o seu destino. apenas vamos encontra-lo como passageiro do vapor Brazil, a 2 de maio, e depois em agosto iniciando sua temporada cearense. no ano seguinte, em agosto, a fazenda do estado Ceará incluía seu nome entre as pessoas que deixaram de pagar suas contribuições do imposto de indústria e profissão. a essa época deveria estar residindo no Maranhão, na cidade de Caxias, como encontramos em nota da Companhia de águas acusando ter sido canalizada a casa na rua do sol, propriedade de olympio s. Leitão, cujo inquilino era eduardo Wenk. Caminhos assemelhados a de outros artistas que percorriam os estados do norte em busca de sucesso e fortuna. alguns abraçavam novos ofícios quando enfrentavam dias difíceis. outros escondiam sua presença para fugir do peso de impostos fixados pelos códigos de postura municipais cada vez mais rigorosos, que além de multas aos infratores ameaçavam
com prisão. Um exemplo o código da cidade de riachuelo, em sergipe, adotado em 1890: Art. 71 – Nenhuma casa de photographia se abrirá nesta cidade, sem consentimento da Intendencia, pagando o proprietário 10$00 pela licença. O infractor pagará a multa no dobro da mesma, ou oito dias de prisão. (466) na época em que o alemão eduardo Wenk deixava o Ceará, ocorre um caso ilustrativo de muitos outros em que a atividade oculta da fotografia comercial se vê ameaçada, estimula a fuga e frustra eventual sonho de simples amadores. a senhora angélica de Mello, residente na rua formosa, nº 31, em fortaleza, foi denunciada à fiscalização de arrecadação de impostos, vindo imediatamente a público: PHOTOGRAPHIA Angélica de Mello, tencionando abrir nesta Capital um atelier photographico, na casa de sua residência, a rua Formosa, nº 31, e tendo sido já dennunciada essa idea ao sr. director da Secção de Recebedoria, como cousa já realizada, para os effeitos de ser procedida a respectiva coleta, declara ao publico e especialmente ao sr. director, que ainda não tratei de semelhante estabelecimento
456. A República, Fortaleza, ano I, nº 32, 5ª feira, 9 Fev. 1893, p. 2. 457. A República, Fortaleza, ano I, nº 29, 2ª feira, 06 Fev. 1893, p. 2. 458. A República, Fortaleza, ano I, nº 37, 4ª feira, 15 Fev. 1893, p. 2. 459. A República, Fortaleza, ano II, nº 183, sábado, 12 Ago. 1893, p. 2. 460. O Oitenta e Nove, Baturité, ano II, nº 24, domingo, 3 Dez. 1893, p. 3. 461. O Oitenta e Nove, Baturité, ano III, nº 32, domingo, 4 Fev. 1894, p. 3. 462. Kossoy, B. Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Salles, 2002, p. 327.
e que não o fará enquanto não receber encommendas que fez para o estrangeiro, consernentes os misteris do mesmo atelier. Fortaleza, 19 de fevereiro de 1894 Angélica de Mello (467) nada mais se sabe sobre a denunciada. seu nome não reaparece nas páginas dos jornais, encerrando o projeto de mais um ateliê fotográfico na capital cearense.
463. Pacotilha, Maranhão, ano XII, nº 137, sábado, 10 Jun. 1892, p. 2. 464. Pacotilha, Maranhão, ano XII, nº 149, 2ª feira, 17 Out. 1892, p. 2. 465. Correio Paraense, Belém, ano II, nº 245, 3ª feira, 28 Fev. 1893, p. 1. 466. A República, Aracaju, Sergipe, ano II, nº 202, 3ª feira, 5 Ago. 1890, p. 2. 467. A República, Fortaleza, ano II, nº 40, 2ª feira, 19 Fev. 1894, p. 3.
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o Ceará na eXPosiÇÃo de CHiCago A contribuição de fotógrafos e pintores cearenses
dr. José freire Bezerril fontenelle, the state of Ceará – Brief notes for the exposition of Chicago. Chicago: the governor Ceará, Brazil / e. J. Campbell, 1893.
Pavilhão do Brasi. Brazil Building l. the World’s Columbian exposition. Chicago, 1893.
o Ceará progride, o Ceará prospera!Com essa exaltação, o escritor, diplomata e jornalista paraense Marques de Carvalho, resume seu entusiasmo traduzindo as melhores impressões de fortaleza e do estado do Ceará em 1893, em sua segunda visita em nove anos. no artigo publicado em A Província do Pará, o visitante vê o avanço da ferrovia de
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Baturité até Quixadá, a florescente indústria fabril e a fundação do Banco do Ceará. a capital oferecia melhoria no ponto de desembarque, agora frente à via-férrea; a formação da enseada do Meireles; o novo edifício da alfândega, bastante espaçoso e de bela arquitetura; e a inauguração do Prado Cearense. diz o autor:
dr. José freire Bezerril fontenelle, the state of Ceará – Brief notes for the exposition of Chicago. Chicago: the governor Ceará, Brazil / e. J. Campbell, 1893.
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A vida elegante desenvolveu se também na Fortaleza. No Prado Cearense é extraordinária a concorrência de “sportsmen”. Aposta-se dezenas de contos de réis. Elegantissimas senhoras, que á belleza e graça naturaes reúnem apuradíssimo gosto ao vestir e uma desenvoltura e liberdade bem compreendidas o que talvez fora do Ceará, só poderá ser encontrado no Rio de Janeiro, frequentam o Prado, o passeio publico, ou fazem compras pelos bazares e casas de modas nas ruas commerciaes. (468) o ponto alto ressaltado pelo visitante foi o esforço desenvolvido pelo governo do estado no preparo da representação do Ceará na exposição de Chicago, com excepcional resultado alcançado
pela comissão central, dirigida pelo empresário francês isaias Boris. Marques de Carvalho viu então os produtos selecionados para a exposição e sua narrativa sobre uma esplêndida coleção de fotografias é uma preciosa contribuição à memória histórica da fotografia local: Com os produtos do Ceará deverá seguir para Chicago uma esplendida collecção de vistas photographicas dos mais bellos panoramas d’aquelle Estado, que os tem inúmeros e dos mais pitorescos. Essas vistas, fructos do labor do distincto artista sr. Olsen, são em ponto grande e recomendam-se pela nitidez com que aquelle inteligente photographo sabe brilhar os seus trabalhos. (469)
dr. José freire Bezerril fontenelle, the state of Ceará – Brief notes for the exposition of Chicago. Chicago: the governor Ceará, Brazil / e. J. Campbell, 1893.
dr. José freire Bezerril fontenelle, the state of Ceará – Brief notes for the exposition of Chicago. Chicago: the governor Ceará, Brazil / e. J. Campbell, 1893.
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o depoimento do visitante é o único localizado sobre o Ceará na exposição de Chicago que ressalta a qualidade das fotos e indica o seu autor, mais uma vez o consagrado niels olsen. a fotografia cearense estaria assim presente ao mais importante evento internacional da época, The World’s Columbian Exposition, realizada em Chicago para comemorar os 400 anos da descoberta da américa e afirmar a vitalidade da cidade que se recuperara do destruidor incêndio de 8 de outubro de 1871. anunciado o grande evento em 1890, a geralmente denominada exposição de Chicago, fora prevista para 1892 e após receber ampla adesão mundial e superar problemas
políticos internos, teve adiada sua realização para 1893, de 1º de maio a 30 de outubro. nela o Brasil brilhou a partir do vasto pavilhão, ocupando uma área apenas igualada pelo dos estados Unidos da américa. o prédio do Brasil em dois andares, no estilo renascentista francês, no formato de uma cruz grega, e encimado por uma cúpula, quatro campanários e o teto usado como passeio, foi considerado o mais belo entre todos os de participantes estrangeiros. o governo do Ceará, refletindo a decisão brasileira de promover uma grande participação em Chicago, decidiu-se por uma mostra em alto nível. sua comissão organizadora foi designada ainda em maio de 1892:
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dr. José freire Bezerril fontenelle, the state of Ceará – Brief notes for the exposition of Chicago. Chicago: the governor Ceará, Brazil / e. J. Campbell, 1893.
O sr. Governador solicito ao appello que lhe dirigiu a commissão central encarregada de representar o Brazil na exposição de Chicago, nomeou uma commissão composta dos cidadãos: Izaias Boris, presidente, João Joaquim Simões, commendador Antonio Pinto Nogueira Accioly, William H. Mardoch, tenentes coronéis Manoel Francisco da Silva Albano e José Abdon da Silva, drs. Ernesto Antonio Lassance Cunha e João Felippe Pereira, Valdemiro Moreira, capitão Guilherme César da Rocha e Antonio Bezerra de Menezes, para auxiliar aquella no sentido de fazer representar este Estado na exposição preparatória que se há de realisar em tempo próximo na capital Federal. (470)
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o resultado foi brilhante, estando presente o Ceará nos diversos departamentos e grupos estruturados, inclusive o de Belas artes. na exposição Preparatória realizada no rio de Janeiro, é unânime o reconhecimento de que a participação cearense ficava entre as três melhores, merecendo elogios da imprensa do rio de Janeiro, como a Gazeta de Notícias que resume: “empregando o termo de Paula ney: ‘o Ceará na ponta’, a elle incontestavelmente cabe a primazia.” (471) o Ceará não apenas ofereceu a maior mostra de seu potencial nas coleções de peças selecionadas como se fez destacar no rio de Janeiro publicando um vasto Catálogo dos produtos
dr. José freire Bezerril fontenelle, the state of Ceará – Brief notes for the exposition of Chicago. Chicago: the governor Ceará, Brazil / e. J. Campbell, 1893.
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remetidos à exposição Preparatória, editada em fortaleza pela tipografia econômica, e em Chicago, uma obra ilustrada com 10 fotos e um mapa do Ceará, assinada pelo dr. José freire Bezerril fontenelle, editada em inglês com o título The State of Ceará; Brief Notes for The Exposition of Chicago. (472) Uma vigorosa participação em exposição internacional com a presença da fotografia cearense que, ao ser exposta em Chicago, foi destinada para o pavilhão ao departamento L – artes Liberais, onde se agrupavam as áreas de educação, Literatura, engenharia, obras Públicas, Música e drama. nesse pavilhão foi criado um novo grupo 151 reservado à fotografia. o catálogo em inglês editado em Chicago trás apenas uma referência genérica: DEPARTAMENTO L. – ARTES LIBERAIS Grupo 151 FOTOGRAFIA 389. COMISSÃO DO ESTADO DO CEARÁ. Uma coleção de fotografias. – Classificação Número – 871. (473) originalmente as fotografias tiradas por niels olsen tinham sido propostas pela Comissão do estado do Ceará no grupo 140, referente a Belas artes. Compunham o conjunto de vistas, quatro do interior do estado, uma da estrada de ferro de sobral e onze da capital que não são tituladas, constando apenas como photographia da cidade de Fortaleza. as fotos são numeradas de 1 a 16, começando com as interioranas, e todas trazem no catálogo editado no Ceará a informação adicional – Tirada por N. Olsen: 1. Photographia da cidade do Quixadá; 2. Idem da cidade de Baturité; 3. Idem do Açude do Acarape; 4. Idem da cidade de Pacatuba; 5. Idem da E. de Ferro de Sobral; 6 a 16 – Idem da Cidade da Fortaleza. (474) outra foto de niels olsen, tendo como expositor a firma Pamplona, irmão & Cª, recebeu no catálogo cearense o nº 59, do grupo 140, retratava a Estação Telephonica, na Praça do ferreira. Como não aparece em nenhum setor de exposição em Chicago é provável que tenha sido integrado ao já referido grupo
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151, na coleção de fotografias do Ceará. três outros conjuntos fotográficos, de autores não identificados, foram aceitos pela Comissão Central e enviados a exposição Preparatória no rio de Janeiro e, em seguida, para representar o Brasil em Chicago. Manoel Pereira dos santos, o popular Mané Coco, inscreveu sob os números 14 e 15, duas vistas do Café Java e Café Cascata, sem declaração do autor. a escola Militar do Ceará reuniu oito fotografias, também sem identificação de autoria, mostrando exercícios dos alunos em assalto de esgrima. finalmente, no grupo 140, foi inscrito pelo expositor estrada de ferro de Baturité um álbum com vistas das estações da via-férrea cearense, também sem creditar a autoria. as fotos dos cafés Java e Cascata, inscritos por Manoel Pereira dos santos, não aparecem nas fontes americanas, tudo indicando que tenham sido também agregadas no grupo 151 na coleção de fotografias do Ceará. estiveram em exibição em diferentes edifícios temáticos os dois outros conjuntos. no departamento g – transportes, no grupo 80 que reunia participações sobre ferrovias equipamentos e plantas ferroviárias, aparece como item 2, a estrada de ferro de Baturité (Baturité railway), com apetrechos, mapas e fotografias. no departamento L – artes Liberais, no grupo 149, onde eram expostos itens relativos à educação Primária, secundária e superior, foram expostas as fotos do Colégio Militar do Ceará, com o título fotografias de exercícios escolares. nesse último departamento, no grupo 147, classificado como desenvolvimento físico, treinamento e Condições de Higiene, foi exibida pela Comissão Cearense mais um conjunto com o título Ceará – Fotografias emolduradas do mercado público de Acarape, sem créditos do autor. no brilhantismo da exposição cearense, graças ao empenho da comissão central, destaca-se a participação como expositor de valiosas coleções o cearense antonio Bezerra de Menezes, prosador, poeta, naturalista, historiógrafo, jornalista e vigoroso ativista abolicionista. Membro do Instituto do Ceará, da Academia Cearense e de outras sociedades culturais, a que acrescentamos agora sua paixão pela fotografia como um dos criadores do Photo Club, como veremos em capítulo posterior. aparecem no
catálogo cearense um total de 29 quadros a crayon, de autoria de Joaquim nogueira, reproduzindo fotografias do amador antonio Bezerra, classificados no grupo 140 – Belas artes. a coleção trazia os seguintes títulos: feira do Pau, Missão Velha; Cidade de são Bernardo; Boqueirão de Lavras; Vila de Pedra Branca; Poço de orós; sertão de Pedra Branca; Margens do Jaguaribe; Vila do assaré; Cidade do Crato; Mercado do acarape; serra dos frades, no acarape; Vila do saboeiro; Vila do Jardim; Vila d’aurora; Vila de s. Matheus; Vila de Jaguaribe mirim; Vila de Quixeramobim; Vila de Milagres; Vila de Lavras; espinheiro rabo de raposa; Vila do Limoeiro; Câmara do aracati; Cidade de Canindé; açude da Cachoeira; olho d’água do Pinga, União; Cidade de Barbalha; Vila de Missão Velha; Vila de Maria Pereiro; e Cidade do icó. outro artista que apresentou desenhos a crayon foi Luiz sá, com uma planta da cidade de fortaleza e uma vista do Porto do Ceará segundo
uma fotografia, sobre a qual a Comissão Central acrescentou a informação: Vista do Porto do Ceará segundo uma photographia tomada do viaducto, tendo em frente Rua Boris e Senna Madureira, e avistando parte da cidade da Fortaleza, feito por um amador de 18 annos. (475) Luiz sá produziria ainda seis desenhos do Porto do Ceará nos tempos coloniais, segundo desenhos existentes na Câmara Municipal, que foram classificados para o grupo 148. o artista antonio rodrigues da silva teve inscrito um retrato a crayon de adrian Boris, a partir de uma fotografia de autoria de niels olsen. João ramos, discípulo de Luiz sá, apresentou dois outros no mesmo gênero: Gladiador e Marceleza. Maria diogo Cavalcante, com obra não titulada, e emília Barroso com o quadro a crayon – Cismando, representaram as mulheres cearenses.
dr. José freire Bezerril fontenelle, the state of Ceará – Brief notes for the exposition of Chicago. Chicago: the governor Ceará, Brazil / e. J. Campbell, 1893.
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ainda no grupo Belas artes foram inscritos três itens: fotografia do Ceará, fotografia de sobral, e Vista do Porto do Ceará, sob os n. 52 a 54, com a informação: Vistas antigas da Fortaleza, segundo desenhos que se acham na Câmara Municipal. no contexto da feira de Chicago ocorreu também uma exibição coletiva promovida pelo The Bureau of the American Republics, uma instituição com sede em Washington e mantida por dezenove nações independentes do continente americano. a presença brasileira se faz com fotos que apresentam o Presidente deodoro da fonseca, d. Pedro ii e imperatriz, Princesa isabel e Conde d’Eu, como personalidades nacionais, seguindo-se paisagens, prédios importantes, cenas de costumes, vendedores de rua, tipos da população negra e indígena, meios de transporte ferroviário e fluvial, abrangendo oito estados, mas, o Ceará não está de todo ausente pela presença de Joaquim insley Pacheco, o primeiro na capital cearense a aderir à novidade do daguerreótipo e tornar-se profissional de renome internacional. além de ter concorrido na exposição fotográfica, insley Pacheco é visto do departamento de Belas artes com 33 pinturas a óleo e aquarelas, o que lhe dá destaque entre os expositores. sobre ele comenta o crítico William Walton, na obra Art & Architecture:
Parque da Liberdade e igreja do sagrado Coração; 4. Cidade de fortaleza; 5. Ponte do acarape. 6. Ponte de Choró; 7. Cabana de palha de carnaubeira; 8. Barragem de Quixadá; 9. Cidade de Baturité e estação ferroviária. 10. Cidade de fortaleza e praia. a memória não foi de todo perdida também por outra iniciativa de uma firma comercial da capital, napoleão irmãos & Cia., proprietária da popular loja Bon Marché, que editou folhetos com vistas selecionadas, postas à venda no início de 1894: VISTAS DO CEARÁ Em libretos, caprixosamene encadernados, contendo os prinicipaes edifícios do Estado, e cidades centraes, a 1000 réis cada um. Vende-se no BON MARCHÉ. Napoleão Irmãos & C. (477) algumas das fotos, recolhidas de um dos folhetos comercializados no Bon Marché fazem parte do acervo do historiador Miguel angelo de azevedo - nirez, que as classificam como datadas a partir de 1887. o conjunto de vistas ilustra este capítulo, memória da consagradora presença do Ceará na World’s Columbian Exposition, a Feira de Chicago de 1893.
Entre as pinturas o número de paisagens é muito grande. Signor Insley Pacheco, por exemplo, forneceu não menos de trinta e três em óleo e aquarelas no Edifício do Brasil a maioria sendo vistas do Rio de Janeiro. (476) são efetivamente 23 quadros a óleo e 6 aquarelas. a primeira delas foi denominada por insley Pacheco, “Ceará”, o que revela seu interesse em prestar homenagem à terra que o acolheu e favoreceu sua formação artística. apesar do Ceará ter comparecido à exposição de Chicago de 1893 com uma mostra fotográfica expressiva, dela sobrevivem apenas apenas as fotos de niels olsen, como as inseridas na citada obra “the state of Ceará; Brief notes for the exposition of Chicago”, legendadas originalmente em inglês e que são: 1. estação ferroviária; 2. Cidade de Quixadá; 3.
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468. A República, Fortaleza, ano I, nº 14, 4ª feira, 18 Jan. 1893, p. 2. 469. Idem. 470. A República, Fortaleza, ano I, nº 40, 3ª feira, 31 Mai. 1892, p. 1. 471. A República, Fortaleza, ano I, nº 5, sábado, 7 Jan. 1893, p. 1. 472 Fontenelle, J. F. B. The State of Ceará – Brief Notes for The Exposition of Chicago. Chicago: The Governor of Ceará, Brazil / E. J. Campbell, 1893. 101 p. 473 Catalogue of the Brazilian Section at the World’s Columbian Exposition. Chicago: Brazilian Commission / E. J. Campbell, 1893, p. 128. 474 Exposição de Chicago 1892-1893; Catálogo dos Productos do Ceará. Ceará: Typographia Economica, 1893, p. 259-260. 475. Ibidem, p. 264. 476. Walton, W. Art & Architecture. Philadelphia: G. Barrie, 1893, p. 95. 477. A República, Fortaleza, ano II, nº 70, 5ª feira, 29 Mar. 1894, p. 3.
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1893
NASCE O PHOTO CLUB DO CEARÁ O pioneirismo de Antonio Bezerra, Júlio Braga, Gustavo Job e João Leocádio da Costa Sedrim
Antonio Bezerra de Menezes. Foto: Niels Olsen. Acervo Instituto do Ceará.
O Ceará vive um ano de vitoriosas realizações. Alcançou aplausos na Exposição Preparatória no Rio de Janeiro e compareceu com extensa e valiosa mostra da sua natureza, potencialidade econômica e diversidade cultural à World Columbian Exposition – Exposição de Chicago, que atraiu mais de 27 milhões de pessoas. Contribuíram para esse honroso resultado a firme decisão do Governador, General José Freire Bezerril Fontenelle, e de uma comissão de ilustres representantes da terra cearense. O prestígio e capacidade do Presidente da Comissão do Estado, o comerciante francês Isaïe Boris, agente consular de seu país, foi fator decisivo, com a experiência do sucesso na Exposição Universal de Paris 1889, onde o Ceará conquistou 3 medalhas de ouro, 3 de prata, 8 de bronze e 9 menções honrosas. Ao seu
lado, como membro da comissão e depois como designado pelo governador para acompanhar a mostra cearense, o destaque é concedido a Antonio Bezerra de Menezes, pela participação na montagem da participação oficial e contribuição como expositor individual. Coleções suas foram aceitas em 9 seções do grande evento internacional, em total de 384 objetos do seu acervo, além de ter oferecido 30 fotografias ao artista Joaquim Nogueira. que as reproduziu em quadros à crayon expostos no setor de artes. A contribuição mais concentrada em ciências sociais, também incluía dois dos seus livros, Horas de recreio, coleção de folhetins publicado em 1886, e Província do Ceará – Notas de viagem, editado em 1889, e até mesmo peças do artesanato cearense como um punhal com pedras preciosas.
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Antonio Bezerra detinha renome na área cultural, com dezenas de obras publicadas de prosa e verso, e valiosos estudos como naturalista e historiógrafo. Ativo cofundador dos periódicos O Libertador e O Ceará. Membro de inúmeras instituições culturais como a Academia Cearense, o Centro Literário de Fortaleza, a Padaria Espiritual, a Sociedade de Ciências Práticas e o Instituto do Ceará. Sua dedicação à luta pela libertação dos escravos reserva momentos incomuns como corajosas ações noturnas para libertar escravos, facilitando-lhes a fuga, atos que afirmam sua elevação de espírito. O episódio histórico da criação da Sociedade Cearense Libertadora, em reunião reservada convocada por João Cordeiro, em local adrede preparado, a que ele havia dado o nome de Sala de Aço, é assim narrado: Depois de fechada a porta da entrada e acêsas as velas das lanterna, João Cordeiro, que ocupava o centro da cabeceira, levanta-se e arrancado da cava do colête um punhal, atira-o com força no meio da mêsa, onde ficou cravado, oscilando sinistramente ao reflexo das luzes e disse: Meus amigos exijo de cada um de nós um juramento sobre êste punhal, para matar e morrer, se for preciso, em bem da abolição dos escravos. Vamos travar luta terrível com o govêrno, e por isso está muito em tempo de se retirar aquêlle que fôr amigo do govêrno ou dêlle fôr dependente. Quem não tiver coragem para tanto póde sair, que ainda sai a tempo: e logo se retiraram onze, cujos nomes por conveniência ocultamos do desprêzo público. Juraram de conformidade com o cargo que cada um exercia na associação provisória o Presidente João Cordeiro, o vice Presidente José Amaral, o 1º secretário dr. Frederico Borges, o 2º o dito Antonio Bezerra, os directores Antonio José Martins, José Theodorico, José Barros, José Marrocos e Izaac Amaral. João Cordeiro ditou para o 2º secretario as palavras seguintes, que ficaram na sociedade servindo de estatutos. Art. 1º - Um por todos e todos por um. § Único – A sociedade libertará escravos por todos os meios ao seu alcance. Sala de Aço, 30 de Janeiro de 1881. E todos os presentes assinaram. (478)
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O historiador Raimundo Girão, na sua obra A Abolição no Ceará, exalta Antonio Bezerra como uma estrela de primeira grandeza na luta abolicionista, um abnegado das campanhas em que se empenhava. Em artigo na revista Palyanthéa, repercutido nas páginas de A República, João Cordeiro traça um perfil de Antonio Bezerra: LADRÃO DE ESCRAVOS Antonio Bezerra é catholico, apostólico, romano: vai á missa aos domingos sobraçando grosso e velho breviário, confessa-se uma vez por anno e, se não estou enganado, usa escapulário ao pescoço. É um crente sincero. Apesar do respeito que aos verdadeiros crentes da religião do Christo inspira a propriedade alheia, nos bons tempos da grande luta pela igualação dos brazileiros, elle não trepidou em considerar letra morta o art. 7º dos Mandamentos da lei de Deus, que diz – não furtarás Bezerra foi um audaz e cynico ladrão de escravos, e tão pouco caso fazia dessa abominável propriedade que, aos pés de seu confessor, não incluía no grande rol dos seus peccados o furto de brilhantes pretos, assim chamava elle os negros. Sua casa era uma senzala.! Negros e negras, velhas e moças, cegas, aleijadas, boas, doentes umas, grávidas, outras amamentando: de tudo enfim havia ali em abundancia. Só faltavam a essa moderna senzala os torpes instrumentos de martyirios, os conhecidos pelos nomes de troncos, gargalheiras e outros. Os negreiros só o chamavam – o ladrão de negros – e elle em vez de zangar-se com esse epitheto, enchia-se do mais nobre orgulho e respondia-lhe – Sim! Senhores magarefes de gado humano, eu furto homens do captiveiro para a liberdade – presto um serviço à civilização e á humanidade. (479) No final do século, aposentado de emprego público em sua terra mudou-se para o Amazonas onde foi diretor do Museu Amazonense e redatorchefe do periódico Pátria, editado pela colônia cearense. No Dicionário Bio-Bibliográfico Cearense, volume I (1910), o Barão de Studart acentua sua contínua produção intelectual:
Estudioso das sciencias naturaes, historiographo, poeta e prosador. Foram de relevância os serviços, que prestou na campanha abolicionista. Com Telles Marrocos e Antonio Martins fundou O Libertador e com Antonio Augusto de Vasconcellos, Ferreira do Valle e Dr. G. Studart O Ceará. Pode-se affirmar sem receio de erro que tem colaborado em todos os jornaes literários publicados em Fortaleza de 30 annos a esta parte. (480) A realização da Exposição de Chicago de 1893 expõe o talento artístico de Antonio Bezerra com o aproveitamento de suas fotografias, em geral paisagens das mais importantes vilas e cidades do Estado. Nesse mesmo ano ele confirma sua paixão pela fotografia ao organizar um grupo de amadores que coloca a cidade de Fortaleza em iniciativa pioneira em nosso país. A criação de uma sociedade de aficionados da nova arte, o Photo-Clube do Ceará, tornado público em A República: Photo Club Com esta denominação fundar-se-á brevemente nesta capital uma associação de amadores da arte photographica e desenhistas. O Photo Club montará um atelier, onde trabalhará em pintura a crayon, paysagem, desenho topográphico e photographia. São promotores da idea os Srs. Antonio Beserra, Gustavo Job, Julio Braga e J. L. Sedrim, aos quaes desejamos o mais feliz êxito na realisação de seu útil emprehendimento. (481) A criação de um clube de amadores fotográficos deve ter sido inspirada pelo Photo-Club de Paris, fundado em 1888, primeiro no gênero em capital europeia, que compartilhava com a The New York Society of Amateur Photographers, formada em 1884, os mesmos objetivos de promover debates sobre os padrões estéticos da nova arte. A capital cearense tinha então visíveis relações com a nação francesa desde que cidadãos dessa nacionalidade dirigiam algumas das principais casas comerciais e direcionava o fluxo de negócios. Dentre os criadores
do clube cearense, Gustave Job, de família originária de Chalon-sur-Saône, na Bourgogne, é o elo natural entre a iniciativa cearense e a entidade francesa. As suas atividades de indicam o vínculo com a hegemônica Casa Boris Frères, o maior empreendimento de franceses em Fortaleza. Agente da Companhia de Navegação do Maranhão. Fez sociedade com José Theodorico de Castro em projeto de uma Companhia cearense de navegação a vapor, para cabotagem entre os portos do Recife até o Amazonas. Acionista da Companhia Ferro-Carril do Ceará, votava em nome dos franceses Boris e outros empreendedores da mesma nacionalidade. Os titulares da firma Boris Frères concederam a ele, Argemiro Quixadá, Jorge Fiuza e Silvain Coblentz, poderes para gerirem seus negócios, em seus impedimentos. Aparece também como secretário do Vice-Consulado da França no Ceará, cujo titular era Isaïe Boris, figura das mais destacadas no mundo dos negócios. A influência francesa na vida local, nesse período final do século, é evidenciada em outros episódios vivenciados por amadores e fotógrafos profissionais. Enquanto Gustavo Job assumia a presidência do Photo Club do Ceará, respondia pela secretaria da entidade João Leocadio da Costa Sedrim, cearense com formação no Instituto de Humanidades e no Liceu do Ceará, servidor dos correios em Fortaleza no período 1882 a 1895. À exemplo de Antonio Bezerra e Júlio Braga que migraram para o Norte, Sedrim muda-se definitivamente para a Bahia onde, em 1897, torna-se empregado na Alfândega e participa ativamente do movimento católico. Em abril de 1910 visitou Fortaleza com sua família, em despedida, vindo a falecer meses depois. No verbete a ele dedicado pelo Barão de Studart, no Dicionário Bio-Bibliographico Cearense, são reproduzidas palavras do Conselheiro Filinto Bastos ao inaugurar o Centro Catholico Bahiano (15 de Agosto de 1909): “Consenti que ponha em destaque a energia a múltipla atividade indefesa do illustre consorcio Sr. João Leocadio da Costa Sedrim, laborioso conterrâneo dos jangadeiros heróes, que escreveram nas vagas do oceano bravio o poema da abolição do elemento servil, e daqueles novos
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bandeirantes arrojados, que nas plagas, muitas vezes inhospitas do Acre firmaram e cimentaram com o seu suor e o seu sangue a integridade do território brasileiro”. (482) outro importante animador do foto-clube cearense foi Júlio Henrique Braga, arquiteto da Câmara Municipal de fortaleza e professor interino de desenho, efetivado em 1897, no Liceu do Ceará. dele faz um breve perfil o Barão de studart, na antológica obra, antes citada: Tendo feito seus preparatórios no Lyceu de Fortaleza, e embarcando para o Rio de Janeiro em 1886, foi
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matricular-se na Escola Polytechnica onde fez dois annos de curso de engenharia, não tendo continuado os estudos por falta de meios. De volta ao Ceará ocupou em 1889 o logar de auxiliar do prolongamento da Estrada de Ferro de Baturité, do qual pedio demissão em 1891. Fez parte da Companhia de Melhoramentos do Ceará até esta ser dissolvida. Occupou o logar de architecto da Camara Municipal da Fortaleza e lente da Cadeira de Desenho do Lyceu. (483)
O novo club conta já regular numero de sócios, ficando a sua directoria provisória composta dos srs. Joaquim Bandeira, presidente; Amaral França, secretario; Augusto Brandão, tesoureiro; Fausto Correia e Alberto de Mello, diretores substitutos. Foi expedido um telegrama congratulatório ao Photo Club Brasileiro, do Rio, e ficou designado o próximo mez de setembro para ser inaugurada a primeira exposição de trabalhos. (485)
a criação do Photo-Clube do Ceará, em 1893, tem o mérito do pioneirismo em capital brasileira. a 1ª sociedade no gênero em nosso país. esse fato histórico invalida a afirmação constante em algumas obras que indicam o primeiro foto clube do Brasil como criado no rio de Janeiro, em 1910, duplamente equivocado. a capital federal teve como sua primeira associação de fotógrafos o Photo Club Brasileiro, instalado na quinta-feira, 25 de março de 1896, como foi divulgado na imprensa carioca:
graças ao espírito empreendedor dos fotógrafos amadores de fortaleza, o Ceará ganha o indiscutível lugar de pioneirismo na história das sociedades de apoio e difusão da fotografia artística no século XiX. graças à capacidade realizadora de antonio Bezerra de Menezes, gustavo Job, Júlio Henrique Braga e João Leocádio da Costa sedrim, o Photo Club do Ceará foi formalizado no sábado, 27 de maio de 1893, com aprovação dos seus estatutos, a seguir reproduzido na redação original:
Acha-se fundada n’esta cidade uma associação photographica de amadores, cuja primeira sessão de fundação teve logar hontem, ás 7 horas da noite, á rua Gonçalves Dias n. 50, recebendo o titulo de Photo Club Brasileiro. Para a comissão directora provisória, foram nomeados os Srs. Luiz Arthur Velloso de Araujo, Arthur da Silva Araujo e João Euclides de Moura. Para a confecção de estatutos, os Srs. farmacêutico Lino de Macedo, Dr. Francisco Pereira das Neves e Paulo Rebustillo. (484)
PHOTO-CLUB DO CEARÁ CAPITULO I CONSTITUIÇÃO, FINS, SEDE
no ano seguinte, são Paulo instala sua primeira associação de fotógrafos amadores, no domingo, 4 de julho de 1897, o Photo Club Paulista, com o apoio do fotógrafo comercial J. Bandeira, que cedeu seu ateliê na rua de são Bento, 46, para a solenidade inaugural: Photo-Club Paulista Installou-se ante-hontem, no atelier photographico do sr. J. Bandeira, á Rua de S. Bento, n. 46, o Photo Club Paulista, com o fim de desenvolver a arte photographica entre os seus associados, estudando todos os seus modernos processos.
Art. 1º – Fica instituída na cidade da Fortaleza, capital do Estado do Ceará, uma Sociedade de Amadores de Photographia que se denominará – Photo-Club do Ceará. Art. 2º - O fim d’esta sociedade é:§ 1º - Instruir seus sócios na arte photographica;§ 2º - Entrar em relação com todas sociedades congêneres;§ 3º - Publicar semestralmente ou annualmente um “Boletim” ou brochura, resumindo os trabalhos da sociedade;§ 4º - Organisar excursões;§ 5º - Apanhar panoramas, paysagens e quadros de costumes do Paiz, com o fim de tornar conhecido o Estado do Ceará;§ 6º - Estudar a acção dos productos chimicos respectivos nos paizes tropicaes;§ 7º - O tempo de exposição;§ 8º - Os melhores processos de impressão;§ 9º - Acompanhar de um modo geral os progressos da photographia, apoderando-se das novas doutrinas e processos e pondo-os de accordo com as condições particulares do clima. CAPÍTULO II MEMBROS, COTISAÇÃO Art. 3º - Por ser conveniente
ao desenvolvimento da sociedade, em princípio fica limitado o numero de sócios ao numero de fundadores.§ 1º - Poderão entretanto ser admittidos mais sócios depois de completamente organisada a sociedade e quando ella achar conveniente. Art. 4º - Para ser acceito sócio é necessário:§ 1º - Ser proposto por um membro da sociedade;§ 2º - Ter boa conducta e ser esta abonada pelo proponente;§ 3º - Ser maior de 18 annos;§ 4º - Obter maioria de votos da casa em escrutínio secreto. CAPITULO III ADMINISTRAÇÃO Art. 5º – Aos directores compete:§ 1º - A organização de um salão scientifico para a exposição de estudos referentes ao Estado sobre Historia, Chorographia, Topographia, Botânica, Zoologia e Pintura.§ 2º - A redacção do “Boletim” de accordo com os documentos adqueridos no interior pelos mesmos directores e no exterior pelas relações promovidas pelo presidente.§ 3º - A organisação de um atelier laboratório photographico para a realisação dos principaes fins da sociedade e sempre de accordo com as disposições do presidente e dos capítulos seguintes. CAPÍTULO IV DISPOSIÇÕES GERAES Art. 6º - A sociedade, na medida de seus recursos, fará acquisição dos apparelhos materiaes, drogas e tudo necessario ao estabelecimento de seu atelier e laboratório photogaphicos para a realisação do seu principal fim – o desenvolvimento da bellissima Arte Photographica, bem como organisará um salão scientifico para a illustração de seus sócios as condições scientificas, geraes do Estado. Art. 7º - Organisar-se-á um Regimento Interno para regular o uso dos apparelhos e o serviço do laboratório. Art. 8º – As lacunas apontadas pela pratica nos presentes Estatutos serão preenchidas pelas decisões da sociedade. Art. 9º – Os presentes Estatutos poderão ser reformados quando a sociedade reunida em assembléa geral achar de necessidade. Fortaleza 27 de Maio de 1893. Gustavo Job - Presidente. João L. Sedrim - Secretário. Antonio Bezerra - Director. Júlio Braga - Director. o capítulo é um reconhecimento à criatividade de notáveis cearenses que fizeram história e um desafio aos historiadores e pesquisadores. da criação do primeiro foto-clube em fortaleza, pouco se pode
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53 acrescentar hoje, sem recolher a possíveis documentos preservados sobre a associação e seus fundadores. Antonio Bezerra de Menezes, nasceu em Quixeramobim em 21 de fevereiro de 1841, filho do Dr. Manoel Soares da Silva Bezerra, e sra. Maria Thereza de Albuquerque Bezerra. Faleceu em Fortaleza, na sua casa no Barro Vermelho (atual bairro Antonio Bezerra), em 28 de agosto de 1921. De Julio Henrique Braga encontra-se o registro de inúmeras viagens no final do século, com passagens no Rio de Janeiro, Recife e Belém, de onde viajou a 25 de julho de 1899, no vapor britânico Lisbonense, para New York. Júlio Braga faleceu no Pará, na vila do Castanhal, Pará, em 5 de setembro de 1901. O fotógrafo amador João Leocadio da Costa Sedrim, filho de Manoel do Nascimento Costa e sra. Maria Sedrim Costa, nasceu em Maranguape a 9 de dezembro de 1865, e faleceu, em Salvador (Bahia) a 15 de agosto de 1910. Mesmo ausente da capital cearense, João Leocadio da Costa Sedrim cumpriu fielmente seu papel de Secretário do Photo Club do Ceará, fazendo-o figurar, no primeiro lustro do século XX, nos anuários europeus, a exemplo do Annuaire Général et International de la Photographie (editado em Paris por Plon-Nourrit et Cie.). Seu procedimento chamaria a atenção, décadas depois, de Alejandro del Conte, editor em Buenos Aires da mais importante publicação especializada na América Latina, o Correo Fotográfico Sudamericano. O fotógrafo, cineasta e periodista Alejandro del Conte (1897-1952) comenta em sua publicação a existência no Brasil do que seria o primeiro Foto-Clube Sul-Americano:
Seria interessante que os foto-clubes brasileiros do presente indagassem quem foi e qual foi a obra de João Sidrin, do Ceará, que teve a virtude de fazer saber ao mundo que no Brasil, nos albores do século, existiu uma entidade de cultores da fotografia.
SIR JOHN BENJAMIN STONE
Nobre inglês e fotógrafo amador descobre o Ceará
A revelação do Correo Fotográfico Sudamericano, edição nº 575, repercutiu no Brasil, nas páginas do boletim do Foto-Cine Clube Bandeirante, (São Paulo, ano II, nº 20, dezembro-1947, p. 12), provocando a descoberta: Com efeito, nada aqui sabemos sobre a existência, há tempos, de um foto clube no Ceará, pelo visto, o primeiro na América do Sul. Os mais antigos amadores que consultamos também nunca ouviram falar do mesmo, e nem mesmo o Albuquerque que é de Fortaleza, Capital do Ceará, - onde com toda probabilidade teve sua sede o Foto Clube do Ceará, - e onde possue uma das maiores casas fotográficas do norte do Brasil, poude nos dizer qualquer cousa sobre aquela entidade, ou sobre João Sidrin (ou Cidrin?) Quem poderá satisfazer a curiosidade a curiosidade dos aficionados platinos e que agora é também nossa? Sentimo-nos realizados, ao oferecer uma resposta documentada aos platinos e paulistas, seis décadas depois, sobre os dedicados pioneiros que em 1893 criaram o Photo Club do Ceará.
Um único foto-clube da América do Sul figurava nos anuários europeus do ano de 1904, e esse se encontrava precisamente no Ceará, Brasil: o Foto Clube do Ceará, cujo secretario era, então, João Sidrin.
O pioneirismo dos amadores fotógrafos cearenses ao criar uma sociedade no gênero do foto-clube de Paris ou camera-clubs americanos, no século XIX, era desconhecido e nunca tinha sido antes comprovado e divulgado. Um capítulo agora recuperado como contribuição à história da fotografia no Brasil. Honra e glória para os ilustres empreendedores do Photo-Club do Ceará.
478. Bezerra, A. O Ceará e os Cearenses. Fortaleza: Editor Assis Bezerra/ Minerva, 1906, p. 44. Reedição fac-similar: Fortaleza, Biblioteca Básica Cearense, Fundação Waldemar Alcântara, 2001. 479. A República, Fortaleza, ano II, nº 86, 2ª feira, 17 Abr. 1893, p. 2. 480. Studart, G. Diccionario Bio-Bibliographico Cearense. Fortaleza: Typo-Litographia a Vapor, 1910, volume I, p. 64-66. 481. A República, Fortaleza, ano II, nº 90, 6ª feira, 21 Abr. 1893, p. 2.
482. Studart, G. Op. cit.,p. 491-492. 483. Studart, G. Diccionario Bio-Bibliographico Cearense. Fortaleza: Typo-Litographia a Vapor, 1913, volume II, p. 220-221. 484. Gazeta de Notícia, Rio de Janeiro, ano XXII, nº 87, 6ª feira, 27 Mar. 1896, p. 2. 485. Commercio de São Paulo, São Paulo, ano V, nº 1252, 3ª feira, 6 Jul. 1897, p. 2.
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Acervo Library of Birmingham. Retratado por John Collier. The Benjamin Stone Photographic Collection.
O assunto de repercussão no início de 1893, que atrairia as atenções para o Ceará, era a ocorrência do que seria o último eclipse total do sol, no século, tendo como os dois pontos privilegiados de observação a localidade de Fundium, às margens do rio Saloum, no Senegal, e a cidade praiana cearense de Paracuru. Além da missão científica brasileira que se preparava para acompanhar o evento de grande interesse para os estudiosos da física solar, anuncia-se a formação da primeira expedição inglesa a
deslocar-se ao Brasil para estudos astronômicos. Com esse fim, constituiu-se um comitê, Joint Solar Eclipse Committee, com participação de membros da a Royal Astronomical Society e The South Kensington Solar Physics Observatory. A notícia divulgada na Inglaterra despertou o espírito aventureiro do inglês, Sir John Benjamin Stone, oriundo de rica família de Birmingham, industrial e político conservador, que se notabilizava pela paixão por imagens fotográficas e frequentes viagens de
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in the Public gardens. Ceará. 1893. “adieu.” “We met to part.” acervo Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection.
Jangada, or surf-boat ashore. in Para Curu. acervo Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection.
Mr. albert taylor, solar eclipse expedition, taking Kodak views on the beach at Paracuru, Brazil, 1893. acervo Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection.
Breakers Coast of Brazil. 1893. acervo Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection.
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observação, que lhe serviam para a realização de palestras e publicação de livros de viagem. stone que a princípio dependia de fotógrafos comerciais das regiões visitadas, tornara-se ele próprio, no começo de 80, fotógrafo-amador e apreendia as imagens utilizando uma câmera Kodak. nascido a 9 de fevereiro de 1838, em aston, Birmingham, estava com 45 anos de idade, quando decidiu, à expensas próprias, vir ao Ceará. toda a viagem, desde sua partida de southampton, no vapor inglês trent, foi documentada fotograficamente. a passagem em recife, onde desembarcou a 8 de abril, a breve estada em fortaleza, a experiência de Paracuru e o eclipse ocorrido a 16 de abril, a viagem para o norte no vapor inglês origen e as paisagens das capitais do Maranhão (5 de maio) e Pará (8 de maio), a que se seguiu o percurso de 1.450 km no rio amazonas,
ensejaram a produção de valiosa coleção de mais de 250 chapas preservadas até hoje na Birmingham Library. fato relevante é que sir John Benjamin stone não fazia parte da expedição científica inglesa. os membros da comissão chefiada por sir albert J. taylor embarcaram no navio Tamar, a 23 de fevereiro, em southampton, chegando a recife a 11 de março. no navio costeiro São Francisco os cientistas alcançam fortaleza provavelmente no dia 17, e uma semana depois do barco oriente são desembarcados em jangadas com os equipamentos na praia de Parazinho, e transportados para Paracuru, a 30 de março, em carros de boi. em relatório publicado no daily telegraph, de Londres, em sua parte final transcrita no periódico A República, o astrônomo tayor registra a a chegada a Paracuru dos fotógrafos stone e olsen:
the american Vice-Consul Wm. H. Mardock & the British Vice-Consul george Holderness. acervo Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection.
the Market. Ceará. Brazil. 1893. acervo: Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection.
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Cel. Meirelles & his family circle. Para-Curu. Brazil. 1893. acervo Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection.
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De tudo tirou fotografias Niel Olsen, o conhecido photographo Dinamarquês, que por longos anos aqui residiu, fez família e falleceu. (487) o eclipse de 16 de abril de 1893 abre espaço para a entrada na história da fotografia no Ceará de Sir Benjamin Stone, cuja presença em fortaleza e Paracuru foi esquecida até 2014, quando aparecem suas fotos nas comemorações inglesas dos cem anos de sua morte ocorrida em 2 de julho de 1914. notabilizado como fotógrafo amador em seu país, além de seu desempenho como político e industrial, distinguido com o título de Cavaleiro em 1892, ele alça patamares mais elevados e destaque como notável fotógrafo. nessa área artística a ele se deve
a fundação da Birmingham Photographic society, da qual foi 1º presidente, a criação da Warwickshire Photographic survey (1892), e a national Photographic record association (1897). torna-se conhecido, na imprensa inglesa, por epítetos como “the knight of the camera” (o cavaleiro da câmera), resultado de seu contínuo labor fotográfico no seu país, e em viagens à volta do mundo, abrangendo a europa, ásia, oceania, áfrica, américas e oriente Médio. de fato, a paixão pela fotografia resultou num valioso acervo preservado na The Library of Birmigham: A Coleção Sir Benjamin Stone, contida no conjunto de Arquivos e Herança, foi presenteada pelos herdeiros depositários de Stone à Biblioteca em 1921. Ela compreende
the Priest and chief inhabitants of Para-Curu. Brazil. 1893. acervo Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection.
Sabbado, 11 de Abril, o Sr. Benjamin Stone, que tinha vindo de Inglaterra espontaneamente assistir á observação, chegou de Fortaleza acompanhado do Sr. Niels Olsen, um inteligente photographo, que vinha também auxiliar-nos por iniciativa própria. (486) na chegada retardada de stone a fortaleza, relaciona-se com o dinamarquês niels olsen, fotógrafo comercial local, e seguem juntos para Paracuru onde são incorporados como apoiadores da equipe oficial, alcançando excelentes resultados como veremos em capítulo seguinte. ele também cumpre viagem, após o registro do eclipse, em rota e embarcações distintas da expedição científica inglesa. a sua permanência em fortaleza deve ter sido o suficiente para relacionar-se com olsen, e também com os representantes consulares george Holderness, vice-cônsul da inglaterra e agente das companhias red Cross Line
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e Booth steam ships, e William H. Mardock, vicecônsul dos estados Unidos da américa e gerente do Cabo submarino da the Western Brazilian telegraph & C. Ltd.. as fotos que produziu de paisagens e grupos de pessoas em fortaleza e Paracuru foram tornadas públicas em 2014, em exposição na embaixada Brasileira, em Londres, cem anos depois de sua morte. a breve passagem de stone por fortaleza pode explicar porque o dr. guilherme studart (Barão de studart), de nacionalidade britânica, em sua fundamental obra Datas e Factos para a História do Ceará, não faz qualquer referência ao conterrâneo fotógrafo, o que parece indicar não ter havido contato entre eles. na obra estrangeiros e Ceará, entretanto, o Barão de studart biografa o astrônomo sir albert taylor que chefiou a expedição britânica oficial, creditando apenas a participação local de niels olsen:
Village Children. Para-Curu. Brazil. eclipse-of-the-sun expedition – 1893. acervo Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection.
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cerca de 22.000 fotos montadas acompanhada de 17.000 preservados negativos de vidro para fotografias feitas pelo próprio Stone. Há cerca de 600 fotos estereoscópicas, e mais algumas centenas de álbuns de fotos comerciais e recortes referentes a Stone e seus interesses. (488) o resultado de uma paixão obsessiva pelas viagens e a fotografia, iniciada quando jovem, em 1860, tendo como primeiros destinos a noruega e a Lapônia, é uma valiosa coleção de vistas comercializadas nas terras visitadas. após duas décadas de aventuras, com imagens produzidas por profissionais locais, torna-se ele mesmo fotógrafo amador em 1880. a prática de adquirir imagens comercializadas é superada pelo uso continuado de sua câmera. assim, destaca sua vocação
na arte fotográfica em todas as viagens posteriores, desde a europa à ásia, oceania, áfrica e continente americano. na vinda ao Brasil em 1893, do embarque em southampton, no navio trent, sua estada no Ceará até sua partida de Belém, em retorno à inglaterra, a 25 de maio, Benjamin stone produziu preciosas imagens a bordo dos navios e nas cidades de recife, fortaleza, Paracuru, são Luiz, Belém. Manaus e rio amazonas. a par das fotos de viagens, Benjamin stone documentou os eventos de sua época e produziu retratos de personalidades. sua competência como retratista é reconhecida, em 1902, quando foi indicado fotógrafo oficial na coroação do rei eduardo Vii. a sua contribuição documental pode ser constatada, agora, mais de um século de sua morte, pelo número
at Par-Curu. Brazil. J. Benjamin stone. 1893. acervo Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection.
Bying dress pieces for children. Para-Curu. Brazil. eclipse-of-the-sun expedition. 1893. acervo Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection.
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forest dwelling. Brazil (note: i rested in my Hammock here some hours in travelling from Ceará to Para-Curu – JBs). Women lace making. acervo Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection.
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de edições em circulação. são obras encontradas no mercado: Sir Bejamin Stone’s Pictures Records of National Life and History, Parliamentary Scenes and Portraits, com 1ª edição em 1906 (Memphis, tennessee: general Books, 2010; stoughton, Wisconsin: Books on demand Ltd., 2013); Bill Jay, Customs and Faces of Sir Benjamin Stone (London: academy editions, 1972); Colin ford, Sir Benjamin Stone, 1838-1914 & The National Photographic Record Association (London: national Portrait gallery, 1974); A History of Lichfield Cathedral, with a description of its Architecture and Monuments, 1ª edição em 1870 (Charleston, south Carolina: nabu Press, 2011; Memphis, tennessee: general Books, 2012); elisabeth edwards, Peter James and Martin Barnes, A Record of England, Sir Benjamin Stone and the National Photographic Record Association 1897-1910 (stockport, inglaterra: V. & a, Publications, 2006); On the Great Highway
(Charleston: nabu Press, 2010); A Tour with Cook through Spain; descriptive letters of ancients cities of Spain, illustrated by photographs, etc. (Charleston: nabu Press, 2010; British Library: historical print editions, 2011; Memphis: general Books, 2012); Sir Benjamin Stone 1883-1914, Photographer, Traveller and Politician, por robert stephen (Creatspace independent Publishing Platform, 2014). a visita de sir John Benjamin stone, em 1893, enriquece a história da fotografia no Ceará, e confirma o cumprimento do que traçou como sua missão: Resumidamente, eu tenho visado registrar a história através da câmera, o que, penso eu, é a melhor maneira de fazê-lo. (489) Uma citação de stone, em obra de douglas B. graham, resume o propósito alcançado em sua vida:
in the forest. Ceará. Brazil. 1893. acervo Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection.
algumas notas finais devem ser acrescentadas a este capítulo. no espaço de tempo que estiveram em terras cearenses, sir Bejamin stone e o chefe da expedição astronômica, albert J. taylor, fizeram uso de câmeras de mão Kodak, para documentar panoramas e aspectos da vida em terras cearenses. stone foi excepcional nesse aspecto porque produziu centenas de fotos, desde os tripulantes e passageiros das embarcações por ele utilizadas às paisagens, locais públicos, personalidades e grupos populares,
dos seus roteiros terrestres no Ceará, Maranhão, Pernambuco e amazônia. Várias dessas vistas tomadas por stone são apresentadas a seguir, com legendas originais em inglês escritas de próprio punho pelo visitante. É preciso esclarecer que ele se utiliza do topônimo Ceará para se referir às fotos feitas em Fortaleza e a palavra inglesa forest para nominar o sertão, mata costeira ou zona rural. as fotos foram feitas em fortaleza, Parazinho e Paracuru. são registros valiosos do acervo conservado na inglaterra pela Library of Birmingham. Uma coleção que honra à memória de sir John Benjamin stone, um homem digno que fez da câmara fotográfica os seus olhos para preservação da história.
486. A República, Fortaleza, ano II, nº 177, sábado, 5 Ago. 1893, p. 2. 487 Studart, G. Estrangeiros e Cearenses – 2ª Edição. Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará / Fundação Guimarães Duque / Escola Superior de Agricultura de Mossoró, 1983, p. 48. 488. Orrantia, R. Observations. Sir Benjamin Stone in Brazil 1893. The Iron
Room, Archives and Collections, The Library of Birmingham. Texto on-line. 489. Stone, B. The Library of Birmingham, Rewriting the Book. Benjamin Stone Photographic Collection, Library of Birmingham. Texto on-line. 490. Graham, D. B. Documentary Photography. Time-Life Books, 1974, p. 23. Texto transcrito na Wikipedia.
Retratar em benefício de futuras gerações as maneiras e costumes, os festivais e cerimonias, os locais históricos de nossos tempos. (490)
Brazilian forest scene. 1893. acervo Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection.
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os fotógrafos e o eCLiPse soLar
A missão inglesa documenta o Eclipse Total Solar em Paracuru
eclipse solar. Ceará. Brazil. 16 abril 1893. – J. Benjamin stone acervo Library of Birmingham – the Benjamin stone Photographic Collection
o domingo, 16 de abril de 1893, estava cercado de grande expectativa pelo sucesso das observações do que seria o último e mais demorado eclipse solar do século. o fenômeno alcançaria a duração máxima de 4 minutos e 40 segundos. a linha do eclipse começaria na parte meridional do Pacífico, penetrando o território Chileno em Charanah, com travessia da américa do sul para sair do continente na localidade cearense de Paracuru, cruzando o atlântico, até desaparecimento da sombra no interior da Àfrica setentrional. a privilegiada localização de Paracuru, como ponto de observação do eclipse total do sol, despertou o interesse científico internacional. duas expedições científicas foram deslocadas para o Ceará. a nacional chegou a fortaleza, a 2 de abril, no vapor Alagoas, presidida pelo dr. Henrique Morise, e composta pelo dr. alípio gama, guilherme
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Calheiros da graça, mecânico eduardo Chartier e o farmacêutico alfredo José abrantes. a expedição inglesa, composta pelo Comitê Junta de eclipse solar, da sociedade real de astronomia e observatório south Kensington de física solar, esteve presente em duas localidades. o grupo presidido pelo astrônomo thorpe deslocou-se para fundium, na áfrica oriental. o outro, a cargo do astrônomo sir albert J. taylor partiu de southamtpon em 22 de fevereiro e desembarcou com os equipamentos na costa de Parasinho, a 30 de março, levando mais três dias de viagem terrestre até o local das observações, em Paracuru. Constituía a expedição inglesa ao Ceará dois astrônomos, albert J. taylor (1865-1930) e William shackleton (1871-1921). a partir de fortaleza, a dupla foi acompanhada pelo engenheiro inglês furley, da Ceará Harbour Corporation Limited, que
teria a função de intérprete, mas, acabou prestando assistência na construção de cabanas de madeira, montagem dos aparelhos óticos e no uso do duplo coronógrafo durante o eclipse. arthur furley trabalhava e radicou-se na capital cearense e foi também empregado da Ceará gaz Company Limited. os equipamentos embarcados para Pacuru compreendiam um duplo coronógrafo, heliostatos para a abertura espectroscópica e da câmara prismática. o astrônomo taylor, em seu relatório tornado público no Daily Graphic, de Londres, narra o desembarque com os equipamentos em Parasinho, de onde seguiriam por terra para Paracuru: Às 6 horas da tarde de 30 de Março chegamos ao Parasinho, porto do Paracuru e immediatamente desembarcamos no meio de grande curiosidade dos habitantes do logar. O único meio para desembarcar os instrumentos eram as jangadas de pesca ou jangadas índias, que são simples balsas consistindo em cinco ou seis paus com cerca de quinze pés de comprimento, unidos entre si por um espigão de madeira e capazes de conduzir cerca de meia tonelada. Têm as jangadas um longo mastro com larga vela destendida por uma retranca que impede-a de ser enrolada pelo vento. Os pescadores do logar dirigem as jangadas com grande destreza e afrontam a força das vagas com uma segurança relativa. Foi uma scena animada e pitoresca: a brilhante luz electrica do paquete, que fundeára a trezentas ou quatrocentas jardas da costa; as tangas dos trabalhadores tostados pelo sol e quase nús, que se arremessavam sobre a jangada ao approximar-se esta da praia; o uniforme branco da policia local e o brilho dos sabres eram postos em admirável relevo pela sombra densa do fundo de palmeiras e o chão lodoso da aldeia de pesca. [491) a primeira etapa cumprida, o cientista visitante relata o transporte dos aparelhos para o destino, Paracuru: O transporte de Parasinho para o Paracuru foi feito em um carro de bois, uma grosseira e formidável estructura sobre rodas solidas cujo chiado era propositadamente
aggravado pelo sebo e resina aplicado sobre o eixo com o fim de estimular o esforço das oito juntas de bois. A estrada é um largo e espesso areal no qual as rodas enterram seis polegadas com uma carga de meia tonellada. Levamos três dias a conduzir nossos pesados instrumentos para o logar da observação. (492) na véspera do eclipse, o fotógrafo amador britânico sir John Benjamin stone, que vinha espontaneamente da inglaterra para documentar o eclipse, chega a Paracuru, em companhia do experiente fotógrafo comercial niels olsen. a presença imprevista dos dois fotógrafos teve boa acolhida pelos cientistas ingleses pelo potencial de ajuda que ofereciam. diz taylor em seu relatório: O Sr. Benjamin Stone encarregou-se de expor o foco spectroscopico e de photographar também a corôa com um aparelho commun, empregando a pára-luz para o heliostato. Ao Sr. Olsen coube photographar o eclipse com a terceira lente, servindo-se do pára-luz do heliostato do Sr. Shackleton. (493) durante o eclipse a participação inesperada dos fotógrafos stone e olsen, e mesmo do interprete furley, tornou-se valiosa. o comando de albert taylor foi decisivo ao desempenho dessa equipe ampliada por esses auxiliares, como ele narra em relatório: O trabalho foi dividido como se segue: eu encarreguei-me do duplo coronógrafo com o qual devia photographar a corôa, tendo dous apparelhos opticos, um dos quaes recebia imagens na escala de meia pollegada para o diâmetro da lua e outro do triplo dessa escala. O manejo de seis caixilhos com os quaes obtive doze chapas, foi trabalho especial meu. Ao sr. Furley, o interprete, encarreguei de tomar os aspectos, collocando e tirando laminas diante das lentes, a um signal meu. Aos Sr. Shackleton coube a câmara prismatica, obtendo em tres caixilhos vinte e quatro chapas, - três antes de começar a totalidade, desoito durante esta e três depois. O Sr. Benjamin Stone removeu a carta collocada em frente ao foco spectrospico logo que começou a totalidade e tornou a collocal-a
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dez segundos depois do fim desta. No intervallo entre o começo e o fim delle obteve as chapas que era possível no seu apparelho commun. Ao Sr. Olsen foi confiada exclusivamente a exposição de laminas photographicas de tres pollegadas. (494) na manhã do eclipse, dia 16 de abril, o tempo nublado ameaçou as observações dos cientistas visitantes e preocupou a todos. no relatório, taylor diz que o primeiro contato da lua não foi observado, devido a uma densa nuvem, mas, a seguir uma abertura na camada mais baixa da mesma nuvem permitiu a observação da lua avançando sobre o sol:
acervo Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection.
acervo Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection.
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Às 11 h. e 10 m. meia hora antes do tempo em que devia começar a totalidade, o Sr. Shackleton verificou que se rarefasia a camada de nuvens a oeste, dando uma esperança de que isso atingiria o sol justamente na ocasião da totalidade do eclipse. O lado oriental se havia também dividido em massas, parecendo um tanto provavel que se abrissem intervalos de claridade entre os grupos de nuvens, precisamente no momento crítico. A esse tempo não havia aparentemente diminuição de luz. O sol veiu, porém, a faltar rapidamente depois, e ás 11 h. e 30 m. estava notavelmente mais escuro, tornando-se a opacidade das cousas muito definida e extremamente densa. [...] Procedi a uma inspecção final, verificando que todos estavam a postos, perfeitamente calmos, embora um bocadinho ansiosos, e tomei posição ao pé do coronógrafo. A fresta da camada occidental das nuvens tinha attingido o sol, e a camada oriental engrossava-se de pesadas nuvens de chuva, fechando o horizonte. O sol estava portanto inteiramente livre de nuvens e bruma, o que nos garantia o êxito das observações. Empunhando um vidro escuro eu observava cuidadosamente a desaparição crescente do sol. Vagarosamente passaram os poucos minutos restantes; o phenomeno conhecido como contas de Bailey apareceu, dividindo-se o delgado crescente do sol em fulgurantes pontos de luz. Dei então o signal de attenção combinado – vamos; as contas desappareceram, e eu disse – prompto, signal do começo da totalidade.[...] Dez minutos depois do fim da totalidade as nuvens cobriram novamente o céu, e avaliámos então que
prodigiosas auras de bôa fortuna haviam bafejado os nossos desígnios. (495) na avaliação oficial dos resultados obtidos, o astrônomo taylor reconhece a excelência da participação de stone e olsen: O Sr. Shackleton expos três chapas antes da totalidade e conseguiu expor quinze durante a phase total. Elle viu tambem o ponteiro menor de seu relógio e poude registrar perfeitamente o tempo de suas exposições. As fotografias da corôa tiradas pelo Sr. Benjamin Stone são perfeitas, como também as tiradas pelo Sr. Olsen com suas lentes photographicas. [...] As photographias obtidas no Brazil são consideradas muito satisfatórias e podem ser incontestavelmente proclamadas uma bôa colheita de factos scientificos, como se evidenciará depois do paciente exame a que estão sendo submettidas. (496) a imprensa local fez boa avaliação da contribuição de niels olsen. segundo A República, suas fotos foram consideradas excelentes pelo irlandês dr. Patrick o’Meara, um conceituado engenheiro à serviço do porto e que se despedia definitivamente de fortaleza: Vimos hoje a prova das photographias tiradas pelo Sr. Olsen por ocasião do eclipse do sol, a 16 do corrente. O Sr. Dr. O’Meara, que também as examinou, achou as excellentes. [...] Segundo nos informou o Sr. N. Olsen, os membros da commissão mostraram-se satisfeitíssimos pelos brilhantes resultados colhidos de suas observações. [497] niels olsen também contribuiu pela disponibilização de uma câmera escura e a revelação de todas as chapas produzidas pela expedição, como consta no relatório: [...] Quatro dias depois do eclipse, os instrumentos estavam desmontados e encaixotados, porém tínhamos que esperar uma semana pelo vapor que devia conduzir-nos á Fortaleza, onde foram as photographias desenvolvidas pelo Sr. Olsen. (498)
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acervo Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection. acervo Library of Birmingham. the Benjamin stone Photographic Collection.
o eclipse foi também acompanhado em fortaleza com grande interesse popular, registrando-se fenômenos como a mudança de temperatura à sombra e ao ar livre, merecendo comentários da imprensa: O público geralmente se associou á expectação, não ficou alguém entre paredes, veio todo o mundo para as calçadas e quintaes. As aves recolheram-se a seus poleiros e dormiram; no interior das casas ascendeo-se o gaz. Os morcegos sahiram à caça e voltaram aturdidos pela volta de luz. (499)
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Do fenômeno recolhemos noticia compativel com a nossa publicação, no grupo de observadores dirigido pelo illustrado Sr. Dr. Patrick O’Meara, na sua maioria formado por amadores ingleses, a cujos trabalhos assistiram os Srs. drs. Beserril e Lassance, nosso redactor chefe o Sr. coronel J Brigido e outros, nacionais e estrangeiros, que ligavão maior interesse a esse estudo. O Sr. G. Boris, com machina photographica instantânea, tirou seis formas do eclipse, do torreão do armazém dos srs. Boris Frères. (500)
na mesma edição, de A República mencionava um seleto grupo que acompanhou o eclipse em fortaleza, em que aparecem o engenheiro irlandês Patrick o’Meara, o Cel. José freire Bezerril fontenele então primeiro Presidente eleito do Ceará, engenheiro ernesto antonio Lassance, diretor da estrada de ferro Baturité, e o advogado, jornalista e redatorchefe do periódico, João Brigido:
a referência final a um membro da família Boris, cujo primeiro nome é grafado apenas com um g, que supomos seja um erro gráfico, é indicativo da expansão em fortaleza da fotografia não profissional no final do século. e também revela mais um amador da fotografia e seu esforço para documentar o último eclipse total solar ocorrido no século XiX, que é tema de publicações científicas e matéria nas páginas dos jornais populares de todo o mundo.
491. A República, Fortaleza, ano II, nº 175, 5ª feira, 3 Ago. 1893, p. 2. 492. Ibidem, p. 2. 493. A República, Fortaleza, ano II, nº 176, 6ª feira, 4 Ago. 1893, p. 2. 494. A República, Fortaleza, ano II, nº 177, sábado, 5 Ago. 1893, p. 2. 495. Ibidem, p. 2.
496. Ibidem, p. 2. 497. A República, Fortaleza, ano II, nº 88, 4ª feira, 19 Abr. 1893, p. 2. 498. A República, Fortaleza, ano II, nº 177, sábado, 5 Ago. 1893, p. 2. 499. A República, Fortaleza, ano I, nº 87, 2ª feira, 17 Abr. 1893, p. 2. 500. Ibidem, p. 2.
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1893
danieL BÉrard e LUiZ LUZ
Pintores-retratistas convivem com os fotógrafos comerciais
dos americanos na metrópole nova-iorquina que consagraram a denominação numérica de vias públicas, os fortalezenses rejeitaram o ato político e permaneceram referindo-se às ruas, bulevares e praças da cidade pelos primitivos nomes. a cidade venceria uma investida que a descaracterizava, fato já previsto, desde o início, por articulista na imprensa local: Já se passaram alguns meses e ninguém se pode accostumar a chamar as ruas 7C ou 5B. Por mais que se persista na sustentação da deliberação da Intendencia, ella jamais terá a consagração do publico. O hábito é uma segunda natureza. (502)
fortaleza inicia a última década do século em clima de festa e animação. o povo se diverte participando dos fandangos, no boulevard da Conceição, no oiteiro, festa tradicional de canto e dança, e como diz a publicidade, saboreando bom café cerveja gelada, boa aguardente republicana e a fresca e agradável geny. De meia-noite em diante bom caldo de panelada para confortar o estômago. os comentários na imprensa procuram afastar dessa diversão popular qualquer preconceito: É um brinquedo que muito tem agradado a população cearense. Todas as famílias que os freqüentam sahem satisfeitíssimas pelo bom desempenho do brinquedo e pela perfeita ordem que há no turbilhão de povo que os aprecia. (501) nas quermesses do Passeio Público, mais seletivas, entre as barracas e pavilhões são inúmeros os equipamentos instalados para o elegante público, gentis kermessenses e rapazes infatigáveis, e a animação é conduzida pelas duas bandas do 11º Batalhão de infantaria e do Corpo de segurança. a crônica
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jornalística destaca também a choupana Ceará, com o seu samba pitoresco e alegre e um serviço irrepreensivelmente cearense. a surpresa de maior impacto para a população, nessa época, ocorre com uma resolução do Conselho de intendência Municipal, em 29 de outubro de 1890, que substituía os nomes de todos os logradouros públicos por números. os legisladores municipais tinham resolvido apagar as denominações tradicionais e eliminar nomes de personalidades. explicava-se que se tinha adotado o sistema americano em vez de macaquearmos a velha Europa. a partir daquele dia a famosa rua formosa deixava de existir e passava a ser a rua nº 1, rua senador Pompeu a nº2, rua Major facundo a nº 3, rua da Cadeia (general sampaio) rua nº 4, rua Boa Vista rua nº 5; e assim sucessivamente. as vias transversais ganham a denominação de travessas também numeradas: travessa nº1 (Boulevard do Livramento), travessa nº 2 (rua do Livramento), e assim por diante. todas as Praças tiveram seus nomes substituídos, a exemplo da Praça do ferreira que passou a se denominar Municipal. ao contrário
afinal, já revogada na prática pelo povo, a resolução perde força legal no dia 28 de abril do ano seguinte, apenas seis meses após sua instituição. foram restabelecidos os antigos nomes, como impunha o bom senso. nesse período fim-de-século a capital cearense vivia uma animação artística excepcional, com espaço para todas as artes e um ambiente cordial de interação e convivência, a exemplos de pintores e fotógrafos. o primeiro a chegar, vindo da frança, em janeiro de 1891, é o artista Marie françois daniel Bérard, que se instala no estúdio fotográfico de niels olsen na rua formosa, que o legislativo local ainda teimava de denominar rua nº 1. nascido no rio de Janeiro a 12 de outubro de 1848, filho de pai francês e mãe irlandesa, daniel Bérard realiza os primeiros estudos em Paris, vindo para o Brasil aos 17 anos de idade. retorna à europa, em 1870, após a morte do pai. sua formação artística entre o Brasil e a frança, segue uma linha ascendente de sucessos desde a academia imperial de Belas artes, que lhe concede bolsa de estudo na europa, à escola de Belas artes de Paris. detentor de uma bagagem artística valiosa, o artista escolhe o Ceará no seu reingresso no Brasil. a primeira notícia de sua presença em fortaleza, aparece em janeiro de 1891: Pintor brazileiro. – Está nesta capital o distincto pintor brazileiro Sr. Daniel Berard, que fez sua educação
artística em Paris. Pinta retratos a óleo e seus trabalhos são já conhecidos por diversos cavalheiros, que os possuem. Na photographia do Sr. N. Olsen recebem-se encomendas e dão-se informações. (503) o visitante credenciava-se pelo talento como retratista, ainda mais por ter sido exibida sua obra Emancipação dos Escravos, na seção brasileira da exposição Universal de Paris de 1889. seu anúncio introdutório expõe suas qualificações: Retratos a óleo O abaixo assignado, pintor brazileiro, estabelecido há muitos annos em Paris, recebendo do Brazil frequentes pedidos de retratos á óleo, como prova bom numero de trabalhos seus já aqui existentes, resolveu empreender esta viagem e permanecer dous ou três mezes nesta capital; isto não somente para satisfazer assim melhor os mesmos pedidos, recebendo directamente todas as indicações precisas, como também poderá acceitar qualquer encargo de quadros ou retratos para egrejas e outros edifícios públicos. As pessoas, portanto, que se dignarem honral o com a sua confiança o poderão procurar todos os dias na photographia de N. OLSEN, rua Formosa numero 100, das 9 horas da manhã ás 6 da tarde. Ahi encontrarão expostos alguns dos seus trabalhos entre os quaes a reproducção, em ponto pequeno, do seu quadro allegorico da emancipação dos escravos, que figurou na secção Brazileira da exposição internacional de 1889. Daniel BérardN. B. – Os retratos serão entregues com suas molduras. (504) a permanência do artista em fortaleza prolongase até julho, correspondendo à expectativa do público e deixando sua imagem de hábil e distinto pintor. no dia 24 de julho, embarca para recife, onde se instala por vários anos, com estúdio na rua Barão de Vitória, nº 61. em 18 de julho de 1893, foi nomeado lente de desenho no instituto Benjamin Constant. na longa nota sobre sua chegada diz o Jornal do Recife:
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O Sr. Bérard. [...,[. Além de ser um cavalheiro estimável pelo seu trato e maneiras distintas, é um artista cujos trabalhos têm sido considerados e admirados em differentes exposições o que é suficiente para recomendar o seu mérito. Está ele hospedado na residência do nosso ilustre amigo Dr. Barreto Sampaio e demorar-se-há algum tempo nesta capital, seguindo para o Rio de Janeiro, de onde regressará à Paris. (505) no rio de Janeiro, daniel Bérard alcançou renome como artista e mestre na escola nacional de Belas artes, distinção que conquistara por concurso público, onde deu uma expressiva contribuição na formação de seus discípulos. assim, quando de sua morte repentina, no domingo 5 de junho de 1910, em Maceió, onde iniciara um retrato em corpo inteiro de euclides Malta, governador de alagoas, colegas professores e alunos fizeram celebrar duas missas, com a presença da comunidade artística brasileira. Bérard visitava um açude, em momento de lazer, quando sofreu enfarte fulminante que lhe ceifou a vida aos 65 anos de idade. suas qualidades foram exaltadas pelo amigo Barreto sampaio em editorial de primeira página no Jornal Pequeno: Modelo da mais fina sociedade, tinha grande erudição, falava bem e melhor ainda escrevia, era poético o seu estylo e divino o seu pincel. Deixou esparsas innumeras paginas escriptas em telas, que reunidas, constituirão um precioso volume capaz de fazer o orgulho de uma nação. (506) Uma década depois, assim foi lembrado françois-Marie daniel Bérard: Como homem, mestre Bérard era um exemplo. Como artista, impecável, de uma honestidade sem par. Nos seus retratos, elle procurava dar mais que a simples semelhança, rebuscava no recondito do modelo, dentro da própria alma, a psychologia, que os pinceis traduziam para a tela, como uma pagina aberta aos seus olhos penetrantes de observador. (507)
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outro exímio pintor-retratista, Luiz Luz, marcará os primeiros anos 1890 com a sua maestria, inicialmente em sua terra, o Maranhão, onde faz nome como desenhista, pintor, retratista e cenógrafo. sua vinda para o Ceará coincidia com o retorno dos jovens prestidigitadores, José P. Pismel e arthur guimarães, que emocionavam o público com o quadro mágico a mulher degolada. embarcam em são Luiz, no domingo 2 de abril de 1893, rumo à fortaleza. a cidade dá boa recepção ao artista maranhense:
os anúncios ofereciam retratos a crayon em 24 horas, última novidade do século:
Luiz Luz Este conhecido e hábil pintor, retratista e scenographo maranhense acha-se actualmente nesta Capital, pretendendo demorar-se algum tempo, trabalhando pela sua arte, para o que montou seu atelier á rua do Major Facundo, 168, conforme o annuncio que vai na secção competente. Cumprimentando ao distincto artista, desejamos-lhe o melhor acolhimento por parte do publico cearense. (508)
Como prova de sua habilidade artística tem a oferecer um portfólio de sucesso em sua terra e que continuaria ao longo de sua carreira em são Luís. o pintor maranhense deixou ainda vasta produção em retratos à óleo como o dos poetas Joaquim de souza andrade (1902) e gonçalves dias (1904), trabalhos cenográficos como o Palácio de Poncio Pilatos na peça “Paixão e Morte de Jesus Cristo” (1890), além do pano-de-boca do teatro oficial, e painéis publicitários na redação do “diário Maranhense” (1890). a partir de janeiro de 1893. Luiz Luz atende em seu ateliê cearense aos interessados por retratos à óleo. os retratos de sua autoria são expostos na loja Democrata, recebendo elogio na imprensa:
Scenographo e retratista Achando-se de passagem nesta capital o scenographo e retratista Luiz Luz, recebe toda e qualquer encommenda que diga respeito a sua arte, garantindo promptidão, perfeição e modicidade em preço. Retratos a crayon com passe par tout em 24 horas, ultima novidade do século por 20:000 reis. Rua do Major Facundo, n. 168. (509)
Retratos Na loja “Democrata” estão expostos 2 explendidos retratos, de uma admirável perfeição, trabalho do habilíssimo artista maranhense, o Sr. Luiz Luz que aqui se acha. Vale a pena ir a “Democrata” para apreciar esses primores d’arte. (510) na temporada dos jovens mágicos Pismel e Magalhães, ele produz para o espetáculo de 8 de abril, o theatro são Luiz, uma esplendida galeria infernal, realçando o seu talento artístico. no mês seguinte, Luiz Luz transfere seu ateliê para a rua do Chafariz (atual José avelino), n 9, com o mesmo atendimento a qualquer hora do dia. em junho, revelando versatilidade, mais uma vez ganha elogios por um mural publicitário:
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56 Foi ante-hontem inaugurado o salão de bilhares da MAISON MODERNE, de que é proprietario o Sr. Braga Filho. As paredes do salão acham-se esplendidamente decoradas de pinturas á óleo contendo RECLAMES de casas commerciaes, officinas, profissionaes, etc. Esse trabalho é devido ao pincel do hábil artista Sr. Luiz Luz. (511) após passar pela vida artística cearense, o talentoso Luiz Luz, retorna à sua terra. e como mais uma evidência da convivência saudável e necessária entre pintores e fotógrafos, usa o seu pincel para pintar um esplendido pano de fundo para a Photographia União, de gaudencio r. da Cunha, prestigiado
profissional maranhense. Quanto ao ambiente e a vitalidade das artes plásticas em fortaleza, ainda em 1893, tem-se notícia do retorno de mais um talentoso pintor paisagista cearense: Paisagens Convidamos o publico para admirar os trabalhos de pintura que na segunda-feira exporemos em nossa vitrine. São paisagens da Monguba e de alguns logares do Estado. E seu auctor o habilíssimo jovem, nosso conterrâneo, Francisco Macedo, alumno da Escola de Bellas Artes do Rio e cuja modéstia se mede pela extensão de seu talento e decidida vocação para a sublime arte de Miguel Angelo e Raphael. (512)
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MarC ferreZ no Ceará
Mestre da fotografia e a jangada cearense
autorretrato de Marc ferrez com cerca de 36 anos de idade, c. 1879 rio de Janeiro. Marc ferrez, Coleção gilberto ferrez, acervo instituto Moreira salles.
501. A República, Fortaleza, ano X, nº 5, 4ª feira, 8 Jan. 1890, p. 3. 502. O Estado do Ceará, Fortaleza, ano I, nº 114, 6ª feira, 19 Dez. 1890, p. 2. 503. Cearense, Fortaleza, ano XLV, nº 8, domingo, 11 Jan. 1890, p. 1. 504. Cearense, Fortaleza, ano XLV, nº 9, 3ª feira, 13 Jan. 1890, p. 2. 505. Jornal do Recife, Recife, ano XXXIV, nº 168, 3ª feira, 28 Jul. 1890, p. 2. 506. Jornal Pequeno, Recife, ano XII, nº 125, 3ª feira, 7 Jun. 1910, p. 1.
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507. Illustração Braziliense, Rio de Janeiro, nº 5, Jan. 1921, p. 38. 508. A República, Fortaleza, ano I, nº 77, 4ª feira, 5 Jan. 1893, p. 2. 509. Ibidem, p.4. 510. A República, Fortaleza, ano II, nº 86, 2ª feira, 17 Abr. 1893, p. 2. 511.. A República, Fortaleza, ano II, nº 143, 2ª feira, 26 Jun. 1893, p. 2. 512. A República, Fortaleza, ano II, nº 183, sábado, 12 Ago. 1893, p. 2.
nas páginas da história do Ceará, não registrados ou esquecidos, passam visitantes célebres. alguns deles produziram relatos e coletaram imagens a desafiar o espírito investigativo dos cultores da memória cearense. novos capítulos deverão aparecer fruto desse resgate de momentos perdidos. a curiosidade nos conduz a imagens esparsas do Ceará com a assinatura do franco-brasileiro Marc ferrez, nascido no rio de Janeiro, a 7 de dezembro de 1843, e falecido na mesma cidade em 12 de janeiro de 1923, cidade em que viveu e imortalizou nas suas
fotos produzidas desde os 22 anos de idade. dedicando-se a retratar a gente e a terra brasileira, com o reconhecimento nas inúmeras exposições nacionais e internacionais a que se fez presente, torna-se um mestre na arte fotográfica. após a perda total do seu estúdio na rua são José, por incêndio em novembro 1873, realiza viagem a Paris onde adquiriu os equipamentos necessários ao recomeço de sua brilhante carreira. surge então, em 1875, uma missão que lhe permitirá o contato inicial com o nordeste brasileiro, na condição de fotógrafo da
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Palmiers, Carnaúba. álbum Brazil 1870-1882. acervo Biblioteca Mário de andrade, são Paulo.
Comissão Geológica Imperial, presidida pelo cientista americano Charles frederick Hartt. o governo imperial escolhera o cientista Hartt, professor da Universidade de Cornell, por seus títulos de competência e excelência dos estudos da estrutura geológica do amazonas, quando auxiliar do professor agassiz, em 1865, e posteriormente, presidindo uma missão exploratória, subvencionado por sua Universidade, que realizou os estudos exploratórios dos rios tocantins, Xingu e tapajós, formando ricas coleções de amostras geológicas. esses resultados e mais o empenho em recolher exemplares de louças e utensílios de povos indígenas e estudar os seus
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dialetos, qualificaram-no para presidir a Comissão que realizaria a exploração sistemática da geologia do Império, posição por ele aceita, vindo contratado para o Brasil em julho de 1874: Veio para esse fim ao Rio de Janeiro e a 1º de Maio de 1875 foi nomeado chefe da comissão. Teve por ajudante o engenheiro Dr. Elias F. Jordão, geólogos auxiliares os Srs. Orville A Derby e Ricardo Rathbun, praticante o Dr. Francisco José de Freitas e photographo o Sr. Marc Ferrez desta Côrte. Antes de principiar os seus trabalhos em um paiz inexplorado, tratou de reconhecel-o província por província. (513)
Jangadas, c. 1875. Ceará. Marc ferrez, Coleção gilberto ferrez, acervo instituto Moreira salles.
Marc ferrez embarcou para Pernambuco acompanhando o Professor Hartt e o ajudante elias Pacheco Jordão, no dia 10 de julho de 1875, no paquete nacional Pará. a partir desse momento, tem o seu olhar voltado para a paisagem nordestina, percorrendo durante dois anos o nordeste. no Ceará, entre 1874 a 1876, o periódico O Cearense, noticia o ato de constituição da comissão e, com frequência, a passagem do Professor Hartt, nos portos do Pará, Pernambuco e Bahia, sem referência a sua presença em nosso território. os estudos incluíam o estudo dos recifes, ancoradouros e portos do litoral entre a Bahia e o Ceará, e uma comunicação do dr. Hartt, em 25 de agosto de 1875, informa sobre o resultado
da exploração dos fósseis no norte de Pernambuco, limítrofe ao Cariri cearense: Tenho a honra de comunicar a V, Exc,, que, tendo feito uma exploração ao norte de Pernambuco, donde acabo de chegar, fiz uma importantíssima e enorme collecção de fosseis, talvez superior a dose mil specimens, pertencentes ao terreno cretáceo. Desses specimens há muitos novos e inteiramente desconhecidos à sciencia. (514) não se tem registros de Marc ferrez no Ceará, mas no acervo da Biblioteca Mário de andrade, no álbum “Brazil, 1870-1882”, aparece desse artista uma foto de carnaubeiras à beira de um lago, intitulado: Palmiers
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revista Kosmos. agosto 1906.
“Carnaúba” (Ceará). Como é indefinida a data, é possível que tenha sido feita no decorrer da missão, e até o ano limite de 1882. durante a Missão geológica notabilizaram-se as vistas de ferrez da Cachoeira de Paulo afonso, que apareceram nas páginas da revista “ilustração Brasileira” (1876) e os retratos, obtidos pela primeira vez, dos índios botocudos. sua produção fotográfica deve ter sido extensa, como comprova
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dr. affonso Penna e dr. antonio Pinto nogueira accioly, Presidente do estado. revista Kosmos. agosto 1906.
a notícia sobre as inúmeras coleções apresentadas na exposição nacional 1875, pela Comissão geológica, nomeadamente Hartt e ferrez:
Acompanham estas collecções as delicadas photographias tiradas pelo Sr. Marc Ferrez, hábil auxiliar da commissão geológica, das quaes apenas se poderam expor algumas, visto subirem já a mais de 200. (515)
Estas preciosas colleções contêm muitas amostras de espécies animaes desconhecidas e outras raras, que muito abonam os conhecimentos scientificos e a reconhecida intelligencia do Sr. professor Hartt.
Já reconhecido como mestre na arte, com participação nas grandes exposições internacionais de filadélfia, Paris, Buenos aíres e amsterdam, Marc ferrez
assume a parte fotográfica de uma revista quinzenal, Galeria Contemporânea do Brazil, lançada em agosto de 1884, aplaudida pela imprensa cearense: {....] O trabalho photographico é perfeito e assignado pelo Sr. Marc Ferrez; a biografia da pena habilíssima do Sr. Arthur Barreiros, cujo estylo correctissimo encanta pela forma e pelo pensamento.. (516)
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´a edição da revista, numa fase em que Marc ferrez dedica-se a viagens às principais cidades brasileiras, coincide também com uma provável visita em 1884 a fortaleza, sem dados documentais a respeito. da última década do século, datada de 1895, uma foto assinada por ferrez, Jangadas em Fortaleza, é indicativa de uma nova visita. (517)as diversas narrativas sobre a fotografia brasileira no século XiX, apontam o mestre da câmera carioca como o mais atuante no registro de vistas brasileiras.
JoaQUiM de MoUra QUineaU
Artista empreendedor cria a Photographia Norte do Brasil
Outro fotógrafo, entre vários, que merece destaque neste período é o carioca Marc Ferrez, aquele que mais circulou pelo Brasil no século XIX. Em Minas Gerais, documentou em profundidade os trabalhos de mineração e de siderurgia da usina Boa Esperança. Em Recife, fez vistas antológicas do porto; fotografou praias da Paraíba, o porto de Fortaleza, o Teatro da Paz, em Belém, o porto de Santos, em São Paulo, e a construção da estrada de ferro Paranaguá-Curitiba, registrando seu vertiginoso viaduto que ainda hoje impressiona por sua ousadia. (518) o renomado artista voltaria a fortaleza, desta vez comprovado por documentos e fotos, em 1906, contratado para acompanhar o Presidente eleito da república, affonso Pena, em sua viagem ao nordeste. após percorrer outras capitais do nordeste, a comitiva presidencial embarcava em natal, no dia 16 de junho, permanecendo em fortaleza até o dia 18, cumprindo visitas na capital e ao interior servido pela estrada de ferro de Baturité. ferrez produz então um conjunto de vistas retratando a cidade e um retrato formal do Presidente visitante e o Presidente do estado, dr. antonio Pinto nogueira accioly, imagens divulgadas na revista Kosmos. ao final do século XiX, Marc ferrez não
apenas se consagrara pela difusão das imagens brasileiras, mas, seu estabelecimento comercial na capital federal estava consolidado no comércio de equipamentos fotográficos. Com o advento do cinema, ampliou para essa área o seu ramo de negócio. em 1905, torna-se representante da poderosa PathéFrères, de Paris, distribuindo seus filmes em território nacional para exibidores ambulantes e salões cinematográficos fixos. dois anos depois investe no setor de exibição, inaugurando o Pathé, no rio de Janeiro, primeiro ato de um crescente interesse pela nova arte, compartilhando com seus filhos esse novo capítulo de sua vida.
513. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ano 66, nº 181, sábado, 7 Jul. 1877, p. 1. 514. Cearense, Fortaleza, ano XXX, nº 81, 5ª feira, 14 Out. 1875, p. 3. 515. O Globo, Rio de Janeiro, ano 3, nº 4, 3ª feira, 4 Jan. 1876, p. 3.
516. Cearense, Fortaleza, ano XXXVIII, nº 189, 6ª feira, 29 Ago. 1884, p. 1. 517. Cerávolo, S. Caminhos de uma trajetória. Foto on-line. 518. Lima, M. R. N. A fotografia nas metrópoles: urbanização e cotidiano no Séc. XIX. XXVII Simpósio Nacional de História. Natal, RN. Texto on-line.
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Verso de carte gabinet. acervo ary Bezerra Leite.
nem mesmo a profecia que previa o fim do mundo para dois anos depois, reiterada por um astrônomo da Universidade de iena, tirou a tranquilidade dos cearenses. dizia o cientista que em 1897 a terra se tornaria inabitável e que o calor excessivo faria desaparecer toda a vida animal e vegetal no globo. a população fortalezense mantinha-se tranquila e animada com o que o ano de 1895 concretamente lhe reservava em eventos artísticos, do atrativo circo equestre, aos dramas cênicos, mágicos e efeitos luminosos de silforama, e uma inédita companhia internacional de touradas. superando as limitações financeiras, o público a tudo prestigia, mas, um cronista da época identifica a preferência geral:
Decididamente o gênero de diversão predilecto do nosso povo é o circo de cavallinhos, não há lyrico, nem dramatico, nem isto, nem aquillo, que lhe roube a primazia. (519) a população recebeu a todos com interesse, como a passagem, por algumas horas, do laureado maestro Carlos gomes, que atraiu grande multidão ao percorrer as ruas e visitar os principais monumentos da cidade. atrações como a Companhia dramática apolônia Pinto, dirigida por germano alves, a Companhia de Variedades do ilusionista espanhol Henrique Moya, com silforama e um caleidoscópio gigante, o Circo equestre de Manoel Pery, e a Companhia tauromáquica de Manoel antero,
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entra então em cena o nome de um fotógrafo desconhecido, um cearense que retornava à sua terra, para escrever no decorrer de dez anos uma história bem sucedida de realizações. Joaquim de Moura Quineau afirma-se, então, um inteligente e criativo empreendedor. a primeira referência sobre Moura Quineau aparece em A República, dando notícia da presença em sobral desse desconhecido:
os dois memorialistas em parte têm razão porque encontramos a prova que no princípio da carreira adotava Moura Quinô, como sobrenome, alterando anos antes do retorno ao Ceará, para Moura Quineau. em dados genealogócios caririenses encontramos também referência à família Moura Quinou (sic), o que comprova o último sobrenome não ser apenas um apelido. fato interessante e complicador, encontrado em pesquisa, é que na fase inicial das atividades profissionais do artista adota nome por extenso Joaquim rufino de Moura Quinô. Posteriormente, no rigor formal dos registros, passa para a história como Joaquim de Moura Quineau. Quanto à procedência desconhecida, a que se refere o Monsenho Quinderé, localizamos a sua atividade precedente como profissional de fotografia na Bahia, tendo como fonte a notícia de sua chegada, em março de 1890, na capital piauiense:
Photographo Cearense Vimos hoje uma excellente photographia do nosso confrade Belfort Teixeira, magnifico trabalho de um artista cearense o sr. Moura Quineau, natural do Crato e actualmente em Sobral. (521) era o prenúncio do nascimento de um profissional fadado a compartihar o mercado com o consagrado niels olsen, efetivamente concretizado a partir de 1896. o semanário o figarino fez sua apresentação:
n. i. Moça, busto. acervo ary Bezerra Leite.
tiveram também acolhida simpática. a previsão da crônica local, ao dar graças aos deuses pela possibilidade de ser ver uma autêntica tourada espanhola, assegurava bom público para as diversões: Circo, tourada, e uma companhia dramatica que, segundo dizem, por ahi vem, vão tornar menos penosa a quaresma, em que o Bacalhau é rei e o Boi, vassalo. Embora andem bicudos os tempos e o cambio sempre em baixa ascendente, verão como se vão encher circos e theatro. O nosso povo cuida menos do panem, que dos circenses: nesta parte não imita o povo romano que pedia a Cezar uma outra cousa. (520)
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Moura Quineau É o nome de um cearense que pretende brevemente manter um atelier nesta capital. Já vimos trabalho do inteligente artista, e porconseguinte, pudemos dizer ao nosso publico que – é capaz de desempenhar com perfeição tudo que lhe for confiado sem menor disgosto do freguez. É cearense... Basta! (522) o sucesso foi rápido e afirmou-se a qualidade do seu serviço. Lamentavelmente, mesmo transcorrido os dez anos em que comprovadamente viveu em fortaleza, sua origem e destinos permaneceram um denso mistério. Por décadas realizei pesquisas com achados inesperados, mesmo assim momentos essenciais de sua vida não foram desvendados. a primeira dúvida sobre a sua naturalidade ficou resolvido com as duas primeiras notícias na imprensa local. o artista era Cearense, nascido na cidade do Crato. em diversos documentos legais, que localizamos, assina o nome Joaquim de Moura Quineau, que se pode ter como oficial. Memorialistas cearenses, entretanto, fazem referências conflitantes sobre o seu verdadeiro nome. gustavo Barroso, em seu livro Consulado da China, diz:
Cartão editado por B. P. grimaud-nacivet, de Paris.
Havia em Fortaleza no ofício de fotógrafo a superstição dos nomes franceses. Fotógrafo com nome nacional não ia lá das pernas. O velho e moreno Moura passou a ser Moura-Quineau. O Eurico Bandeira transformou-se em Eurico Bandiére. (523]
Photographo Chegou a esta capital, vindo do Estado da Bahia, o cidadão Joaquim Rufino de Moura Quinô, hábil photographo, que acaba de estabelecer seu atelier na rua do Desembargador Freitas, casa da estrella. As honrosas referencias que temos deste cavalheiro levam-nos a apresental-o a nossa sociedade como digno de todo seu apreço e estima. (525)
Uma versão mais intrigante é encontrada nas reminiscências do Monsenhor José Quinderé em que se refere às primeiras exibições de cinema
na temporada do Piauí, prolongada por mais de um ano, demonstra o domínio dos segredos da arte fotográfica. nos seus primeiros anúncios assina apenas Moura Quinô e diz que o seu equipamento instantâneo evitaria cansaço dos retratados, aparecendo a seguir já com o nome afrancesado, Moura Quineau, como comprovam anúncio e notícia a seguir reproduzidos:
Um dos bioscópios apareceu dirigido por Joaquim Félix de Moura, mais conhecido pelo alcunha de “Quinô”, cuja grafia mudou para “Quineau”. Nascido no Cariri, surgiu em Fortaleza, vindo de qualquer ponto do País, inaugurando uma fotografia bem aparelhada e moderna, especialmente em ampliações de retratos. (524)
ATÈLIER PHOTOGRAPHICO Acha-se aberto com o seu laboratório photographico, a rua do Desembargador Freitas (Casa da Estrella) o sr. Moura Quinô, prompto para receber fregueses das 7 horas da manhã as 3 da tarde. Trabalha com o sol, e sem elle, garantindo não massar o retratando em
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irapuan Mendes, empresário em sobral. acervo ary Bezerra Leite.
antonio teodorico da Costa e outro. acervo instituto do Ceará.
Cel. José Belém de figueiredo. Vice-Presidente do esstado. acervo instituto do Ceará.
guilherme studart (Barão de studart). Coleção arquivo Público nacional.
posição, visto seu aparelho ser instantaneo. SPECIMEN PHOTOGRAPHICO O sr. Quineau, habil photographo, que se acha entre nós, teve a gentileza de enviar-nos um specimen do seu acreditdo atelier. É a photographia de uma gentil menina da nossa sociedade, trabalho que se recomenda por sua nitidez e perfeição. Despensamo-nos de recomendar ao publico o trabalho do inteligente artista porque ele tem em si a melhor recommendação. (526)
e conquista a simpatia do exigente público maranhense, já familiarizado com a melhor arte de fotógrafos nacionais e estrangeiros. Começa a trabalhar sem divulgação por algum tempo, e em março de 1892, procura como auxiliar um rapaz de 14 a 16 anos, que tenha bom comportamento e vocação para fotografia e desenho. o anúncio formal do seu estúdio somente aparece em junho desse ano:
INSTANTANEAS de todos os tamanhos. Acceita convite para tirar fora do ATELIER grupos de famílias, retrato de pessoas mortas, paisagens, etc, etc, bem como reproducções de todos os tamanhos, tanto em PHOTOGRAPHIA como CRAYON. Se as provas apresentadas, ás quaes teem direito todos os nossos bons fregueses, não agradarem, serão extrahidos dos novos clichês, até sua completa satisfação. Especialidade RETRATOS DE CRIANÇAS Depositando a maior confiança no ilustrado publico maranhense e no seu trabalho NÃO EXIGE PAGAMENTO ADIANTADO. Maranhão, 22 de junho de 1892. Moura Quineau Rua do Trapiche n. 29, 3º andar. (527)
a imprensa faz menção à qualidade de retratos de pessoas da sociedade maranhense, elogiando a perfeição das criações pela expressão e naturalidade das sombras. Quineau anuncia que faz retratos de perpetua duração fixados ao fogo em novos processos instantâneos, em papel albuminado de 1ª qualidade, e em todos os tamanhos, destacando sua especialidade em retratos de criança. no decorrer do ano de 1893 ao lado dos seus serviços fotográficos o retratista oferece também concertos de maquinas de costura, pianos, caixas de música e órgão à manivela. o período de formação técnica estava encerrado e retorna ao Ceará como uma surpresa positiva, instalando seu ateliê fotográfico, na rua formosa, nº 134, no dia 4 de junho de 1896. apresenta-se então ao público fortalezense:
após permanência em teresina, com visita a Parnaiba e outras cidades, muda-se para o Maranhão, sem data precisa, onde instala a Photographia nacional, ostentando o sobrenome Quineau
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Photographia Nacional Rua do Trapiche n. 29, 3º andar. O proprietário deste bem montado estabelecimento faz sciente ao bom povo maranhense, que se acha mais do que nunca habilitado a exercer todo e qualquer trabalho tendente a sua profissão, visto lhe ter chegado recentemente da America um grande sortimento de PLACAS
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N.B. Os trabalhos em papel albuminado são de longa duração, não se manipulam com gelatina (vulgo porcellana) para não sacrificar-lhe a conservação, salvo exigência do freguez. (528) Moura Quineau entrara definitivamente no cenário artístico da cidade. o seu estúdio fotográfico fora instalado com recursos que lhe permitiam compartilhar o mercado onde brilhava isolado o competente niels olsen. a partir desse momento os nomes dos dois artistas da câmera passam a ser reconhecidos como os mais brilhantes retratistas do Ceará. o periódico A República, em matéria de primeira página, descreve o novo ateliê fotográfico e exalta o talento do profissional:
Presidente Caio Prado. acervo instituto do Ceará.
ATELIER PHOTOGRAPHICO De MOURA QUINEAU Estabelecimento montado a capricho dispondo de aparelhos modernos para satisfazer todas as exigências do publico. Retratos de todas as dimensões por operações modernas e aperfeiçoadas. Bellas nuances desde o tom púrpura ao rico negro de gravura, mates ou brilhantes. Retratos inalteráveis em platinotypia. Retratos de creança, nitidez garantida. Reproduções de photographias antigas, ampliações, etc. Acceitam-se convites para operações fora do Atelier, em casa de família, jantares, grupos de sociedades, picnics, etc. Opera-se no atelier das 8 horas da manhã às 1 da tarde com tempo claro ou nublado. 134 –RUA FORMOSA – 134
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ATELIER QUINEAU No sabbado ultimo, tivemos o prazer de fazer uma visita ao adiantado atelier do hábil e illustre photographo sr. Moura Quineau, que levou a delicadesa ao extremo de mostrar-nos um por um, todos os seus apparelhos de mais moderna invenção e de maior perfeição nos trabalhos de photographia, ao passo que nos informava minuciosamente a utilidade dos mesmos. O sr. Quineau é um homem mui apprendido nos diversos trabalhos de photographia, e por momentos discorreu, facilmente sobre os últimos progredimentos ensaiados na Europa, inclusive a radiographia. Os apparelhos de que se serve o nosso operoso conterrâneo para execução nítida e perfeita dos trabalhos, compõe se de câmaras escuras do notável fabricante R. A. Goldmann de Vienna; objetivas do exímio fabricante E. Krauss e Dallmeyer; amplificador especial para photographias de todos os tamanhos desde o tamanho de cartão visita, ao natural; cylindros aperfeiçoados para collandrar photographias, etc. As objectivas de Krauss, tidas até agora como as mais aperfeiçoadas na Europa, são tão rápidas que ganham os objectos em pleno movimento. No salão principal do sr. Quineau estão expostos diversos specimens dos seus trabalhos, alguns d’elles sobre platinotypia, reveladores da habilidade e da longa practica que o colloca na escala dos verdadeiros conhecedores da arte de retratar.
Pedro Pereira da silva guimarães. acervo instituto do Ceará.
Mulher, busto. n. i. acervo instituto do Ceará.
O atelier do nosso conceituado compatriota está mesmo a pedir uma visita dos entendidos, e o concurso do nosso publico que certamente não encontrará neste Estado, trabalhos superiores, no genero a que alludimos. Folgamos de registrar pois, a especial attenção que nos mereceu o atelier do sympathico e obsequiador artista sr. Moura Quineau. (529)
julho de 1899, eventos que abordamos em capítulo próprio. as reuniões artísticas ocorrem em sua residência e no ateliê que segue valorizado:
acumulando sucessos, revela-se dinâmico e criativo. Um ano depois de seu retorno anima o seu setor promovendo a fundação, ao lado do pintor José irineu e jovens amadores, em 13 de fevereiro de 1897, da segunda associação cearense, no gênero, o Grêmio de Propaganda Fotográfica, que dá origem à Sociedade Cearense de Amadores Fotógrafos, a 6 de outubro do mesmo ano, e ainda ao Photo Clube Cearense,em 4 de
ATELIER QUINEAU O favor publico continua a honrar o atelier photographico do habil artista sr. Moura Quineau, nosso intelligente conterrâneo. Varias são as encommendas que tem recebido nestes últimos dias, de trabalhos de photo-oleographia e de photo-aquarella, processos modernos e recentemente introduzidos nas capitaes civilisadas da Europa. Informam-nos que são de uma admirável perfeição os trabalhos de platinotipia e photo-zincographia, que por novos processos estão sendo ensaiados pelo sr. Moura Quineau. Já se vê que o nosso publico não está sendo logrado com os
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acervo Museu do Índio. reprodução autorizada.
aperfeiçoamentos introduzidos nos trabalhos de photographia neste Estado, pelo distincto e sympathico artista. (530) o artista amplia e renova o seu estúdio com mobiliário, equipamentos e materiais fotográficos, importando da europa o necessário para produzir fotos ampliadas e lançar em fortaleza a novidade de foto-selos, o único a produzir retratos nesse formato: “Atelier Quineau” O sr. Moura Quineau que pratica a photographia sem fim meramente especulativo, mas com a dedicação e constância de um artista consciencioso, acaba de fazer acquisição na Europa, para o seu atelier, de um apparelho amplificador para retratos em tamanho natural;
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um apparelho para fabricação de retratos chamados sellos; porta fundos aperfeiçoado; fundos contínuos imitando salas magnificamente trastejadas; papel aristotypo, platina, papel charbon; e cadeiras curiosíssimas que facilitam todas as as posições aos retratandos, sem aborrecel-os nem tão pouco fatigal-os. Munido desses inventos aperfeiçoados, cuja applicação torna-se hoje forçosamente necessária em todo o processo photographico moderno, e desejoso de bem servir ao publico, o operoso artista está habilitado para emprehender os trabalhos mais delicados e mais difficeis de sua profissão. Dispondo de uma longa pratica e de uma tenacidade louvável, o sr. Moura Quineau como M. Legouvé, de que nos fala madame de Stael, tem sêde de rosto humano. Os seus clichês podem ser examinados com attenção investigadora,
acervo Museu do Índio. reprodução autorizada.
e não podem nem devem ser comparados a outras tantas caricaturas que por ahi se impingem á guisa de retratos. O publico faça uma visita ao Atelier Quineau, e convença-se por seus próprios olhos de que estamos affirmando uma verdade. (531)
o reconhecimento do seu desempenho profissional, encontrado na imprensa, de forma intensa e contínua, atesta o êxito do seu talento inovador ao final de 1897, ano de excepcional vitalidade, o editorialista renova a exaltação de suas qualidades:
os originais retratinhos selos produzidos por Moura Quineau tiveram uma interessante publicidade na imprensa de fortaleza:
Atelier Quineau O publico já está ao facto do grande desenvolvimento que há tido de um anno a esta parte o atelier do nosso conterrâneo sr. Moura Quineau, qual a introducção da platynotipia, da photo-gravura e outros processos da moderna photographia. Praticando a arte pela própria arte, com amor e dedicação, raro não registrarmos uma conquista artistica do hábil profissional que há conseguido inaugurar nesta terra uma epocha reaccionaria contra a conservação e
Os retratinhos sellos Naõ conhece o bom tom quem não possue ainda os retratinhos sellos do ATELIER QUINEAU de tanta utilidade e distincção nas visitas de cerimonia, nos cartões de pêsames e de felicitações e nas correspondências amorosas. (532)
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immobilidade dos processos antiquados e actualmente condemnados pela evolução scientifica. Não se deve admirar, pois que venhamos reclamar a sua benévola attenção para os dous importantíssimos quadros que hoje expomos no salão principal de nossas officinas, contendo os retratos do benemerito presidente e sr. coronel vice-presidente do Estado. É um ensaio de photographia ampliada graças ao auxilio de um poderoso apparelho que acaba de adquirir no extrangeiro o sr. Moura Quineau, com capacidade sufficiente para reproduzir qualquer retrato em tamanho regular, sem alterar em nada a correcção das linhas e formas naturaes. Os dous retratos em questão dão por si mesmo idea da nitidez admirável com que o ampliador photographico reproduz em tamanho natural qualquer retrato, mesmo os de photo miniatura. Alguns senões que se descobre n’um delles, se reconhece á primeira vista serem devidos á primitiva photographia. Não obstante, como ensaio, são dignos de uma criteriosa apreciação os dous últimos trabalhos do laborioso artista, a quem felicitamos. (533) nos meses finais de 1897 a população de fortaleza vivenciara a chegada da maior novidade do século, a fotografia animada, o Cinema. sequencialmente, foram apresentados em fortaleza, em setembro, o Kinetoscope de visor e o Kinetoscope Projector ou Projetoscópio, de thomas edison, e em novembro, o Cinematographo dos irmãos Lumière. o espírito empreendedor de Joaquim Moura Quineau revela-se mais uma vez. em fevereiro de 1898 ele exibe o Chronophotographo dèmeny, adquirido na L. gaumont & Cie., em Paris, primeiro projetor 35/60 mm do mundo, tornando-se agora também exibidor cinematográfico. seus retratos são então montados em cartões produzidos na frança pela renomada casa B. P. grimaud-nacivet, de Paris. o famoso editor de cartões fotográficos e cartas de baralho Baptiste-Paul grimaud (1817-1899), tinha se associado a outro profissional J. H. nacivet de 1889 a 1898, e é nesse período que Quineau fez a aquisição dos belos cartões com suas marcas Photographia Moura Quineau e Photographia Norte do Brasil, com
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o indicativo - Casa fundada em 1896, e com esses nomes se torna conhecido em toda região, através de visitas pessoais ou exposições de suas obras. Como difusor do cinema Quineau esteve em são Luís e salvador (1898) e como artista fotográfico nos estados do norte, obtendo repetidos elogios da imprensa. sua aceitação regional é demonstrada pelas críticas favoráveis de periódicos de Manaus: Dentre os trabalhos expostos vimos um quadro, retrato em tamanho natural que, por si só, basta para firmar a reputação do artista que o executou. O retrato de que falamos é colorido pelo novo systema do polychromo-photographico, original de machinas de recente invenção, que explora a natureza no vasto campo do desconhecido. O polychromo é a pura photographia, ampliada por meio de aparelhos de perfeição admirável e engenhoso, como concepção do espírito humano. Este processo dos mais modernos operou uma revolução na arte photographica e no Brazil é elle pela primeira vez empregado pelo sr. Moura Quineau. O retrato que vimos é de uma formosa menina. A nitidez da cútis, os traços os mais finos, tudo foi apanhado com o maior rigor. O tênue tecido das rendas, a pelle quase impeceptivel das faces, o menor acidente deste todo primoroso da especie humana reproduzem-se na tela de modo a produzir a ais perfeita ilusão. Esse produto da arte ora exposto na Casa Havaneza pelo sr. Moura Quineau, que pode ser considerado uma verdadeira capacidade nacional neste gênero, revela o muito talento e a vocação que tem para a arte a que se dedicou. (534) Retratos há que nos apresentam autênticos modelos de belleza feminina. Encantam, deslumbram! Nota-se que o sr. Quineau possue em elevado gráo o “savoir faire” e, o que é mais, sabe escolher os alvos dos seus estudos. Dir-se-ia, ao contemplar aquellas fisionomias cantantes e aquellas cabeças de talhe grego, que estamos em presença de exemplares da antiga formosura. Não há negar que o sr. Moura Quineau é um finíssimo artista, culto e delicado, elegante e apaixonado pelos eleitos de seu apurado sentir. (535)
Incontestavelmente é um dos nossos melhores artistas, que honra a Arte brasileira. Quer na photographia, quer nos trabalhos a “crayon” ou a pastel, Quineau mostra-se artista de merecimento. (536) Sem desanimar um momento ante as innumeras dificuldades com que se esforça em sua terra, para elevar os créditos do seu atelier artístico, Moura Quineau é um luctador incançavel, um espírito animado pelas energias do talento. Os retratinhos sellos, encontrados em seu atelier, e os seus trabalhos de photonotypia, com especialidade, primorosamente executados, dão o valor exacto desse artista cearense, muito digno mesmo de outra sorte na terra das dunas prateadas. (537) a aprovação pelos conterrâneos é refletido na imprensa local, que lhe destaca como operoso, inteligente e laureado profissional, um dos primeiros artistas nacionais no seu gênero, que contribui
para o desenvolvimento das artes no Ceará. de fato ele domina vários estilos e alternativas na arte do retrato, como a fotografia policrômica: Como fizemos ver, em local anterior, o ultimo resultado dos seus estudos e experiências trouxe para nós a applicação das tintas polygrades á photographia, descoberta recentíssima e revolucionaria. Não querendo dormir sobre os louros da sagração de primeiro artista nacional no gênero, Moura Quineau fará brevemente uma exposição de trabalhos preparados, mediante novos processos photographicos, como seja a Photo-pintura, a Photo-aquarella e o retrato a “charbon”. (538) Comprovam a sua operosidade e espírito empreendedor, a aquisição na frança de novidades como o já citado Chronophotographo demeny, comercializado por Leon gaumont, e no campo da fotografia uma câmara negra:
acervo: Museu do Índio. reprodução autorizada.
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Moura Quineau O hábil e intelligente artista photographo, sr. Moura Quineau, que entre nós gosa do mais elevado conceito e das mais vivas e espontâneas sympathias, acaba de installar em seu conhecido atelier à rua Formosa, nesta Capital, a Câmara Negra, também chamada Câmara Universal, destinada a augmentar e reduzir por transparencia os clichés obtidos desde 6½ x 9 até 30 x 40, que é o seu tamanho natural. Esse apparelho gigante está sendo actualmente adquerido por todos os profissionaes e amadores de arte photographica na Europa, e é o primeiro que se importa para o Brasil. Para que os nossos leitores possam fazer uma ligeira idéa da Câmara Negra, fazemos aqui um rápido descriptivo: “Compõe-se de tres corpos; dous folles de igual dimensão; dous caxilhos quadrados com cortinas intermediárias; duas planchetas para objectiva, podendo essas ser collocadas na frente ou no meio, de modo a protegerem a objectiva da grande luz; corrente a dous élos, para imprimir movimento ao contrapeso vertical.” A objectiva dessa camara monstruosa custou, isoladamente, a pequena quantia de mil e quinhentos francos ao cambio do dia, orçado por mais de quatro contos o aparelho completo. O sr. Moura Quineau inaugurará, por estes dias, a célebre machina com um grupo de representantes da imprensa, segundo nos consta. A cada passo o estimável brasileiro, nosso conterrâneo, demonstra ser um dos que mais profundamente e com mais sã consciencia sabem elevar-se pelo amor da arte no Brasil, e prescindem, por certo, todos quanto tem notícia dos seus primeiros trabalhos, da importante acquisição feita à Casa Gils et Fils de Pariz, para proclamar que basta uma producção do seu atelier para honrar não só aqui, mas n’um meio mais desenvolvido, como é o do Rio de Janeiro, a florescente corporação a que pertence. (539) Moura Quineau ganha fama e prestígio graças ao elevado número de personalidades por ele retratadas e sempre que faz exposições colhe os mais francos elogios:
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D. Anna Bilhar Desde hontem acha-se em a nossa sala de exposições um bello e fidelissimo retrato da provecta e estimavel educadora exma. sra. d. Anna Bilhar, uma das mais fulgurantes scintillações do magistério feminino cearense. O quadro que indica pelas variantes da luz e nitidez absoluta de linhas, factura estrangeira, é rigoroso trabalho artístico de ampliação photographica, que como muitos outros sahidos do atelier do hábil photographo sr. Moura Quineau, não permittem á observação minuciosa e clarividente outra exclamação que não a de uma justa e sincera admiração. Para os que vivem, entre nós, do suor do seu labor, o capricho, o esforço, o estimulo e a dedicação profissional desse nosso intelligente conterrâneo, são ensinamentos próprios a servirem de exemplo e de rota. Que outros saibam seguir-lhe... (540) O último ano do século foi comemorado festivamente em Fortaleza com ornamentação especial nas praças, seguindo-se às 12 badaladas da noite de 31 de dezembro o repique dos sinos de todas as igrejas, explosões de morteiros e girândolas, apresentações de bandas de música e festa no Clube Iracema. Inicia-se o ano com mais novidades na trajetória profissional do artista que, animado com o sucesso já obtido, estabelece uma firma com os sócios Alcântara e Carneiro, sob o título de Empreza Photographica Cearense: Empreza photographica cearense O operoso artista Moura Quineau constituiu nesta cidade uma sociedade de capital e industria para exploração da arte photographica, que girará sob a razão de M. Quineau, Alcântara & Carneiro, com agencias em todos os Estados da União e com o capital de 50 contos. A competência, capricho e a reputação do conhecido photographo são títulos sufficientes pra recommendar amplamente a nova firma que se inicia sob os melhores auspícios. Tomando nota da firma, não precisamos recommendar a empresa ao publico, que tem nas tradições da casa Quineau um titulo nobre, conquistado por um esforço continuo e por um trabalho consciencioso e perseverante. (541)
A notícia revela o plano do artista de ampliar a sua área de atuação a todos os estados brasileiros, mas, no verso dos novos cartões fotográficos além de se apresentar apenas como M. Q. o empreendedor define como mercado preferencial o Norte do Brasil: EMPRESA PHOTOGRAPHICA CEARENSE EM EXPLORAÇÃO AO NORTE DO BRASIL M. Q., Alcantara & Carneiro CASA PRINCIPAL – RUA FORMOSA Nº 134 – CEARÁ (542) A curiosa abreviação do nome de Moura Quineau, quando ele era garantidor da qualidade da firma, induziu a um equívoco no valioso Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro, de Boris Kossoy, que incluiu como verbete – ALCANTARA, M. Q., quando na denominação da firma os nomes Alcantara e Carneiro, referem-se aos outros dois sócios. Na prática Moura Quineau apresentou-se como Diretor Técnico e Proprietário da Empresa Photographica Cearense, enquanto ela existiu. Ainda no ano de 1900, em 2 de junho, foi nomeado pelo Secretário de Justiça do Ceará, como fotógrafo de polícia, função que ao aceitar e exercer foi julgada na imprensa como ato patriótico. As primeiras fotos policiais, feitas no seu ateliê, foram de um grupo de meninos gatunos, cujo chefe denominava-se Cara-Ôlho Dendê. Nos anos seguintes ele cumpre viagens de difusão do cinema, como em João Pessoa no Theatro Santa Rosa (1902), e da arte fotográfica, com destaque para sua primeira atuação no Rio de Janeiro, a 5 de outubro de 1902, com um ateliê na rua do Ouvidor, nº 41, sobrado, nos altos do Café Cascata. A presença no mercado carioca é apontada nos periódicos O Paiz, A Notícia e Correio da Manhã, com elogios aos serviços de foto-pintura, foto-aquarela, policromia sobre seda, platinotopia e carbono. A cargo do estúdio carioca ficou o fotógrafo Amaro Arthur de Albuquerqe. Entre as realizações de Quineau, nesse mesmo ano, figura vista geral, ampliada, da casa exportadora Gradvohl Frères a ser exposta em Paris. A 3 de março de 1904,
Fortaleza vive um momento conturbado e trágico. Ao ser divulgado o sorteio militar para preenchimento de vagas na armada nacional, os catraeiros entram em greve, repelida violentamente pelo Capitão do porto Lopes da Cruz, apoiado por cem homens cedidos pelo governo. Do confronto militar com os marítimos, manifestantes e populares que os apoiavam, resulta em 10 mortos e 36 feridos. Em relato de periódico maranhense, é descrito o clima pós-conflito: A cidade apresenta um aspecto lúgubre. As ruas estão desertas. Praças de cavalaria passeiam pelas vias publicas ostentando revolvers e atemorizando o povo. (543) Moura Quineau acompanhou a violência praticada, usando sua câmera para documentar os efeitos da tragédia para conhecimento público e cobrança de justiça. Os atos cívicos em memória dos mortos foram por ele fotografados: Romaria Sagrada O hábil photographo Moura Quineau enviou a esta redacção um exemplar da photographia tirada no dia 6 de Março, em frente ao Cemiterio de São João Baptista, na ocasião em que o préstito civico da romaria aos túmulos das victimas do dia 3, confrontava o portão do cemitério. É um trabalho que há de perpetuar na memoria dos cearenses o protesto levantado, por toda população, contra as scenas de terror vandálico d’aquelle dia de luto. Ao inteligente artista agradecemos a gentileza da oferta. (544) Meses depois ao massacre dos marítimos, que resultou na exoneração do capitão dos portos, aceitou fotografar no seu ateliê as vítimas da violência, em iniciativa patrocinada por jornal da oposição: AVISO Aviso a todas as pessoas, que em 3 de janeiro perderam braços ou pernas, pede-se que vão tirar o retrato na oficina do sr. Moura Quineau, no mais breve prazo possível, A despesa será por conta do Unitário. (545) Seu interesse pela música segue paralela à vocação fotográfica. O Club Filarmônico recebe seu apoio
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assinatura em contrato. fonte: arquivo Público do Ceará.
e retribui em festas na sua residência no retorno de viagens ao norte. funda depois, em janeiro e 1905, a sociedade artística denominada Violão Clube, que tem por finalidade desenvolver entre seus associados o gosto pela música. na primeira diretoria eleita, a vice-presidência é ocupada por Moura Quineau e a tesouraria por Luiz Moura, que só recentemente descobri ser seu filho. a diretoria era assim composta: Presidente, João guilherme; vice-presidente, Moura Quineau, 1º secretário, antonio Capibaribe. 2º secretário, José severiano, tesoureiro, Luiz Moura, e arquivista, José Vale. sem perda de tempo o Violão Clube integra-se a sociedades recreativas para a criação da Liga Carnavalesca, e, 18 de fevereiro, participando do carnaval de 1905 com anúncio de um monumental e nunca visto Zé Pereira. animado por novas idéias Joaquim Moura Quineau põe em execução seus planos para 1906, preparando talvez
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uma despedida definitiva do Ceará. dois anos depois desaparecia do cenário cearense, no dia 6 de abril de 1906, no Cartório feijó, assina uma escritura de penhor de máquinas e utensílios de sua fotografia nesta capital, denominada “Photographia Norte do Brasil”, ao comerciante local Joaquim emygdio de Castro, para garantia de r$ 6.000$000 (seis mil contos de réis). (546) em seguida, provavelmente utilizando esses recursos obtidos, Joaquim de Moura Quineau retoma o caminho do cinema, anunciando um novo modelo inédito de projetor cinematográfico francês, o Aléthorama, produzido por Paul Mortier e Chéri rousseau, o único dessa origem a aparecer no Brasil. as ações que se seguem tornam visível que o fotógrafo resolvera abrir um capítulo novo em sua vida. no dia 19 de abril estréia o Aléthorama – Cinematographo falante – em fortaleza no theatro João Caetano, esquina da rua senador Pompeu com a travessa das trincheiras
Verso de carte-de-visite. Publcidade. fonte: almanach do Ceará.
Verso de carte-de-visite. Publcidade. fonte: almanach do Ceará.
(atual rua Pedro Pereira), permanecendo em atividade até 15 de maio. no dia 26, ele firma uma escritura de sociedade indústria com Luiz Mariano de serra e silva, que deveria auxiliá-lo em suas ações, na exposição de suas vistas em qualquer parte deste Estado, ou outro qualquer, assegurando-lhe salário de trezentos mil réis, além de “passagens de primeira classe por mar e terra, casa e mesa, e no caso de moléstia – médico e botica”. (547) a partir do momento em que Moura Quineau reassume o papel de exibidor itinerante de cinema, apregoando a qualidade do seu Aléthorama, nada é esclarecido sobre o seu estúdio fotográfico. sua trajetória também é desconhecida, mas, a pesquisa nos revela que após o lançamento em fortaleza (theatro João Caetano, 19 de abril a 15 de maio), aparecem entre as cidades visitadas: são Luís (theatro são Luís, 16 a 30 de junho), teresina (theatro 4 de setembro, em setembro), sobral
(theatro são João, em 18 de outubro), natal (theatro Carlos gomes, 25 de novembro a 8 de dezembro), e em 1907, Maceió (theatro Macioense, 12 de abril a maio). enquanto ganha caminhos não conhecidos, cai um denso véu sobre seu nome, sendo esquecido pela imprensa cearense que nada divulga sobre sua nova fase de vida. o prestigiado estúdio de Moura Quineau é então sucedido, provavelmente no período 1908 a 1910, por uma firma denominada ribeiro, Moura & Martins, e que conservava o título de Photographia norte do Brasil, e em 1913, anuncia-se apenas como ribeiro & Martins. o episódio é ainda cercado de mistérios, mas, podemos afirmar ser capitaneada pelo exímio fotógrafo João ribeiro e que o segundo sócio seria o até então desconhecido Luiz Moura. nas pesquisas recentes que realizamos ficam eliminados os equívocos a respeito de Luiz Moura, esse novo e misterioso personagem na história da
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fotografia cearense, que coloca mais uma peça no quebra-cabeça Moura Quineau. as atenções sobre ele tinham sido despertadas pela obra do pintor estrigas em que biografa o amigo artista Barrica: Barrica segundo Barrica. Nascimento em Juazeiro do Norte em 1914 (depois soube-se que foi em 1908). Veio para Fortaleza aos seis anos de idade. Batizou-se na antiga igreja da Sé com o nome Clidenor Capibaribe. Antes do batismo teria sido registrado pelo pai, como Guilherme Moura Quineau. Ao casar-se diz ele ter feito novo registro com o nome Guilherme Clidenor de Moura Capibaribe (cartório João de Deus). Nome do pai: Luiz Moura Quineau (fotógrafo de profissão) e da mãe Maria Urbano. O pai tendo feito viagem ao norte (Pará) para montar uma filial fotográfica, não mais retornou a Fortaleza, sendo ignorado, até hoje, o que lhe aconteceu e nunca explicado o seu desaparecimento. Barrica não chegou a conhecê-lo e foi criado pelo tio Antonio Capibaribe. (548) não havia identificado quem seria o pai de Barrica quando, em 1998, concedi entrevistas à doutoranda Kadma Marques rodrigues, autora de uma excelente monografia sobre o pintor cearense, que buscava esclarecer sua identidade. (549) as pequenas descobertas somente surgiram quase dez anos depois, solucionando as dúvidas, e acrescentando páginas na vida de nosso biografado. a prova definitiva da existência do fotógrafo chamado Luiz Moura, ocorreu ao ao ser encontrada uma sugestiva notícia no jornal A República, edição de 11 de novembro de 1907: Sabbado, á tarde, o sr. Luiz Moura, acompanhado dos srs. Antonio Capibaribe e Jayme Rossas, foi a residência do Sr. José Accioly, Vice-Presidente do Estado, offerecer a s. exc. duas bellas photographias ampliadas e ricamente emmolduradas reproduzindo aspectos do embarque do nosso chefe sr. dr. Nogueira Accioly. O trabalho do sr. Luiz Moura muito recommenda os seus créditos de artista intelligente e consciencioso. (550) revelava-se assim um novo fotografo em
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fortaleza, o pai do Barrica, que conduzido por antonio Capibaribe, tio do pintor, nessa apresentação ao Vice-Presidente do estado. Luiz Moura não assinava Quineau para credenciá-lo e permanecia em fortaleza, com apenas duas mais citações ao fotografar os festejos de nossa senhora de nazareth, no Mucuripe no dia 18 de novembro, e na noite de 25 de dezembro, na avenida 7 de setembro (Praça do ferreira), quando exibe um moderno estereoscópio. estudo sob o título Minha Árvore de Família (Minha e de Muitos Outros), de autoria do Padre azarias sobreira, publicado na revista do instituto do Ceará mostra o grupo de família dos irmãos Maria Capibaribe e antonio Capibaribe, respectivamente mãe e tio do pintor, e registra o pai de Barrica (Clidenor Moura Capibaribe) por seu nome completo Luiz Moura Quinou (sic):
constava o nome do seu cunhado antonio Capibaribe como 1º secretário e o de Luís Moura como tesoureiro. finalmente o elo de ligação é descoberto em conversa, mantida em 2017, com o empresário stélio ferreira, amigo de Barrica, que me declarou ter ouvido várias vezes do pintor a afirmação de ser Joaquim Moura Quineau o seu avô. Um avanço significativo quando nada se sabia sobre o seu grupo familiar. e por onde andava o empreendedor cearense, depois da temporada com o Aléthorama ou Cinema falante? retornara ao exercício da fotografia como profissional itinerante. em janeiro de 1909, ele chega a aracaju e monta seu ateliê: Atelier photographico Está entre nós o provecto artista photographo sr. Moura Quineau, vantajosamente conhecido por seus trabalhos, cuja perfeição excede todos os limites. O distincto artista vem montar nesta capital um atelier, onde o nosso publico encontrará todos os requisitos modernos da arte photographica. Em exposição acham-se nas vitrines da conceituada Livraria Brazileira vários trabalhos do sr. Quineau que atestam exhuberantemente a sua perícia. Agradecemos a visita que nos fez desejando-lhe prósperas felicidades. (553)
Maria Capibaribe, conhecida por Dona-Maria, que foi casada com Luís Moura Quinou. São filhos deste casamento: Clidenor Moura Capibaribe, casado com Ércia Colares, e Valdenora Moura Capibaribe, casada com Moacir Machado. (551) Completa as evidências da história narrada pelo pintor Barrica o fato de que a firma Photographia norte do Brasil, em sua nova composição, em notícia de 1910, diz que a filial no Piauhy, tem como diretor o sócio Luiz Moura, o que dá credibilidade à versão do pai ausente que não conhecera: Photographia Norte do Brazil Os srs. Ribeiro, Moura & Martins, proprietários desse importante estabelecimento, reabriram hoje os seus ateliers, depois de haver o prédio, onde se acham os mesmos installados, passado por uma reforma completa. Um dos nossos companheiros teve occasião de visitar a Photographia Norte do Brasil, que se acha magnificamente alojada, na rua Barão do Rio Branco 134, dispondo de ateliers modernos, onde são executados quaesquer trabalhos photographicos de platinotipia, ampliação, crayon e óleo. Nas galerias de retratos, artisticamente dispostas, vêemse trabalhos esplendidos, dignos de figurar em qualquer exposição e que firmam os créditos da acreditada
Verso de carte-de-visite.
photographia, uma das principaes do norte do paiz. Os seus retratos têm uma grande virtude: tão parecidos são, que só lhes falta falar. Os ateliers são franqueados ao publico das 10 da manhã ás 2 da tarde, sendo preferível, porem, das 10 ao meio dia. Obtem-se, agora, com muita facilidade, excellentes retratos de crianças, isto em virtude do grande alargamento da fonte luminosa. Os srs. Ribeiro, Moura & Martins têm uma casa filial em Piauhy, á frente da qual se acha o sócio Luis Moura. Dentro de alguns dias os mesmos srs. farão uma exposição dos seus trabalhos no salão desta folha. (552) faltava descobrir a relação entre Joaquim Moura Quineau e seu sucessor Luís Moura. Já tínhamos verificado que ao ser fundado o Violão Club, em 1905, o famoso retratista assume a Vice-Presidência,
instalado com atelier em aracaju, na rua das Laranjeiras, utilizando ainda o nome de Photographia norte do Brasil, promete fazer uma pessoa feia aparecer bonita, elegante e simpática em seus retratos: Photographia Norte do Brazil A rua de Laranjeiras, é a única que satisfaz o bom gosto de de sua numerosa clientella. É a única que dá provas de retratos, antes de entregar a encomenda, ficando assim o cliente convicto do que fai receber. É a única que tem o previlegio de fazer um feio bonito, elegante e sympathico, sem desparecer o retratando: só isto é de um valor incontestável. Todo o material empregado na manipulação de retratos, é de primeira ordem, tratando-se de retratos tirados em
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nosso estabelecimento. Todos os vestidos – brancos ou de cores claras, são próprios para um bom retrato, fazendo-se excepção dos vestidos pretos, que matão a photographia. HORÁRIO – das 10 horas da manhã as 3 da tarde, todos os dias. O Director MOURA QUINEAU (554) dedica-se então a um empreendimento mais ousado, no rio de Janeiro, compondo com o sócio capitalista amaro albuquerque, a firma a. albuquerque & Cia., em que ele assume a responsabilidade técnica do estúdio na rua do ouvidor, nº 191. na oportunidade consegue repercussão em jornais e revistas de maior prestígio nacional: INAUGURAÇÃO Mais um excellente estabelecimento photographico acaba de se inaugurar nesta capital. Os seus proprietários os Srs. A. Albuquerque & C., são habilíssimos artistas, conhecedores de todos os segredos da arte a que se dedicam, o que lhes facilita executar trabalhos magníficos. Tivemos occasião de visitar o “atelier” dos amáveis photographos e verificámos a perfeição dos seus trabalhos, feitos aliás com todas as exigências do progresso. Installado nos 2º e 3º andares do prédio n. 191 da rua do Ouvidor, com entrada pelo Largo de S. Francisco, o “atelier” da nova Photographia nada deixa a desejar a quem o visita. De tudo os Srs. A. Albuquerque & C. cuidaram na sua casa que pode ser considerada entre as primeiras desta cidade. O Sr. Moura Quineau, que é o artista operador, é um antigo photographo do Ceará, onde trabalhou longo annos, tornando-se, pela sua pratica e competência, conhecido em todo o norte. Desejamos as melhores prosperidades aos artistas patricios, que merecem muito justamente o apoio publico. (555) a revista Carioca, de grande circulação nacional, classifica Moura Quineau como um primoroso artista: Tivemos occasião de assistir á inauguração do atelier
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photographico do primoroso artista que é Moura Quineau, nos altos do café Java, examinando os finos trabalhos de sua exposição. Em uma cidade como o Rio em que há photographos por todos os cantos, parece que um de mais ou de menos em nada influirá. Parece, só. Porque há photographos e photographos. Moura Quineau é um artista de valor. Os seus trabalhos são primores photographicos. E de certo, dentro em breve o seu atelier, magnificamente montado há de ser concorrido pelo que de mais elegante houver no Rio de Janeiro e na sua galeria fugurarão todos os lindos rostos das nossas gentis patrícias.É o que de coração desejamos ao exímio photographo que vem de estabelecer-se no Rio. (556) o projeto carioca duraria pouco, mas, as manifestações da imprensa da capital federal devem ter animado o fotógrafo cearense que enfrentava o mercado altamente competitivo da capital federal: Há dias visitámos a convite do Sr. Moura Quineau o seu novo estabelecimento photographico, magnificamente instalado no prédio da rua do Ouvidor, esquina do largo de S. Francisco, cujo “atelier” tem todas as exigências recommendadas pelos mestres da photographia. O mostruário da Photographia Moura Quineau bem demonstra a competência do Sr. Quineau. Alli se encontram photographias todas artísticas nas suas diversas modalidades com effeitos de luz surpreendentes e maravilhosos. Por isso mesmo o Sr. Quineau, que é um activo cearense, tem feito successo. (557) em 14 de janeiro de 1911, por decisão do juiz da vara comercial, é decretada a dissolução e liquidação da firma a. albuquerque & C., requerida pelo sócio capitalista e gerente amaro albuquerque por desinteligência com seu sócio Joaquim Moura Quineau. a dissolução dessa sociedade comercial, não impede que o fotógrafo cearense prossiga com o estúdio. os anúncios da Photographia Moura Quineau, publicados por algum tempo no Correio da Manhã, dizem que o estúdio estabelecido na rua do ouvidor, 191, com entrada pelo largo de s. francisco, é o que melhor serve aos fregueses e por preços
cômodos. outro capítulo da vida profissional do notável fotógrafo, como quase tudo em sua história cercada de mistério, deve ter então sido aberto. a partir de sua retirada de fortaleza, a pesquisa tem tido difícil percurso, deixando lacunas que em parte conseguimos esclarecer. a grande surpresa quando seguia na interminável pesquisa do enigma Joaquim Moura Quineau, ocorreu quando o Museu do Índio promoveu em junho de 2003, na sua sede no rio de Janeiro, a exposição fotográfica “as estratégias do olhar: o acervo fotográfico da Comissão rondon”, com imagens das atividades entre 1900 e 1922 por fotógrafos contratados alberto Brand, José Louro, Luiz Leduc, oscar Pires, Joaquim de Moura Quineau, Major Luiz thomaz reis, emanuel s. do amarante, Benjamin rondon (filho do Marechal rondon), entre outros. foram então iniciados os contatos para esclarecimentos da presença de Moura Quineau, alimentando a esperança de trazer mais luzes sobre a vida do esquecido fotógrafo cearense. a primeira indagação que colocamos dizia respeito ao ano de contratação do artista. Localizamos a afirmação de que Moura Quineau se incorporara à Comissão rondon em 1908, em exposição da historiadora Laura antunes Maciel, em sua tese de doutorado na Pontifícia Universade Católica de são Paulo, A Nação por um fio: caminho, práticas e imagens da Comissão Rondon. (558) a mesma referência ao ano 1908 reaparece em pesquisas da antropóloga Carolina Pucu de araújo, e outros autores, o que nos dava como razoavelmente certa. os contatos pessoais com o Museu do Índio, no rio de Janeiro, colocou-nos ante uma informação correta e definitiva prestada pela historiadora denise Portugal Lasmar, então chefe do serviço audiovisual da instituição, que classificou o conjunto de autoria de Moura Quineau como fotografias das expedições da seção norte, ocorridas a partir de 1911, entre Porto Velho e o rio Jamari. não existiam documentos referentes a sua contratação e nenhum outro comprovante de pagamentos. no Museu do Índio, encontravam-se preservados 24 negativos das 38 fotos de sua autoria que aparecem no álbum comemorativo do centenário da independência, Linhas Telegraphicas Estratégicas de
Verso de carte gabinet.
Matto Grosso ao Amazonas: photographias da construção, expedições e explorações desde 1900 a 1922. (559) a primeira expedição de rondon, em 1907, atravessou com pequeno grupo o território dos índios Paresi e nambiquara até o rio Juruena. no ano seguinte,
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com numeroso contingente, explorou a linha tronco rumo ao rio Madeira. em 1909, a terceira expedição explora o rio Jaci-Paraná até atingir o Madeira. finalmente, em 1911, a implantação de linhas telegráficas compreende a seção norte, explora a região de Porto Velho ao rio Jamari. as fotos de Moura Quineau em sua totalidade abrangem a abertura de picadões e locação da linha de santo antonio ao Jamari, acampamentos do Jamari e do rio Candeias, o esticamento dos fios telegráficos derrubada das árvores e construção de pontilhões sobre igapós, grupos de oficiais e trabalhadores em comemoração ao cumprimento de trechos de linhas. as imagens produzidas pelo cearense são portanto de 1911. o ingresso de Joaquim Moura Quineau como fotógrafo civil da Comissão de Linhas telegráficas de Mato grosso ao amazonas deve ter sido decidido quando era sócio da firma a. albuquerque & Cia. o estúdio, na rua do ouvidor, 191, ficava bem próximo ao escritório central de Cândido rondon, na mesma rua esquina com a travessa sachet (travessa do ouvidor), local onde funcionou a Comisão de Linhas telegráficas até setembro de 1910. a sociedade comercial de Quineau foi desfeita em janeiro de 1911, talvez quando já estivesse com as malas prontas para sua aventura nas selvas do Brasil central. no seu vínculo com a histórica Comissão rondon o artista deixou sua marca pessoal, revela sua paixão pelo violão, e alterou os padrões da produção fotográfica oficial. Laura antunes Maciel, em obra que repete o improvável ano 1908, observa o olhar peculiar do artista cearense na sua produção nas selvas: Duas fotografias feitas pelo fotógrafo Joaquim de Moura Quineau em 1908, no acampamento do Rio Candeias, impressionam pela riqueza cênica da composição. Além dos elementos da natureza, estão presentes os “sinais” da civilização: cadeiras e mesas, roupas, chapéus e botas lustrosas, o violão, e acima de tudo, um aparelho de chá em plena selva amazônica. A legenda que acompanha uma das fotografias informa que “mesmo na floresta, havia sempre um dia de regozijo”, como nesta comemoração pela inauguração de um trecho da linha telegráfica. De quem terá sido a idéia de reunir doze homens e
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uma criança em torno de uma mesinha de chá, embalados pelo som de um violão dedilhado em plena mata? E quais as suas motivações? O que teriam pensado esses homens, duros comandantes de contingentes de trabalhadores civis e soldados sertão afora, durante os minutos em que, imobilizados, encaravam o fotógrafo? Mas o dia não havia acabado, ainda havia luz suficiente para mais fotografias, e então todos se prepararam para outra pose, desta vez em torno de uma mesa construída com troncos, cuidadosamente preparada com frutas e bebidas para um “banquete fornecido pelas primícias da mata”, diz a legenda. Afora, “improvisa-se a música”, com o violão fazendo-se acompanhar pelo acordeão, toda a festa emoldurada pela mata fechada. Mas ninguém toca (os instrumentos apenas repousam nos bancos); ninguém come, todos olham para a câmera. (560) sem dúvidas, nas fotos das selvas, revelava sua motivação artística, moldada em vivência como fotógrafo comercial, aliada ao seu gosto musical já demonstrado em fortaleza participando do Club filarmonico e do Violão Clube. enfrentara as aventuras amazônicas ao deixar o comércio do retrato em centros urbanos, em período, agora comprovado, de 1911 a 1912. Publicações mas recentes ligam seu nome às atividades da missão na seção norte, percorrendo o rio Jamari: As fotografias referentes aos trabalhos de construção da linha telegráfica em sua Seção Norte e datadas de cerca de 1911 são de autoria de Joaquim de Moura Quineau e elas retratam o trecho de Porto Velho ao Rio Jamari. O Museu do Índio possui a totalidade de suas fotos conhecidas, 24 negativos, cujas cópias fazem parte do Álbum organizado em 1922 para comemorar os cem anos da Independência do Brasil. Aqui reproduzimos 15 das fotografias de Quineau que foram copiadas do cito Álbum por Euripedes V. Andreatto (Nenê) e que se encontra sob a guarda do Museu da Imagem e Som de Cuiabá. (561) deixara sua marca no acontecimento histórico da expansão das linhas telegráficas nas selvas amazônicas para retornar à luta pela sobrevivência como fotógrafo comercial. Já encerrara o seu capítulo
cearense do final do século XiX, onde vivera o sucesso. esquecido na sua terra natal, ausente total nas páginas dos jornais, ainda assim alguns dos seus conterrâneos lembram seu nome elogiosamente, como targino filho, em crônica de 1912, sobre as artes no Ceará diz: “Moura Quineau ainda é o nosso daguerre.” ou de forma jocosa, a exemplo do incomparável Quintino Cunha, que descreveu em quadra o drama dos profissionais da fotografia: A canalha da cidade Já toda se retratou. Nem Olsen ganhou dinheiro, Nem também Moura Quineau.
os tempos finais de vida profissional de Joaquim Moura Quineau são passados em aracaju, sergipe, para onde deve ter retornado em 1912, com estúdio montado em novo endereço, na travessa do Palácio, onde exerceu a profissão até pelo menos o término dos anos 20. tenho a lamentar que, após tantos anos de extensas buscas, não haja conseguido desvendar a sua vida pessoal, o nascimento e a formação de família, as razões de sua retirada de fortaleza, os últimos lances de uma rica vida de empreendimentos e sucessos. Mais lamentável, o fotógrafo incansável, o incentivador da música, um dos pioneiros da exibição cinematográfica, permanece esquecido e deixado à margem da história cultural cearense.
519. A República, Fortaleza, ano III, nº 53, 5ª feira, 7 Mar. 1895, p. 2. 520. A República, Fortaleza, ano III, nº 46, 5ª feira, 28 Fev. 1895, p. 2. 521. A República, Fortaleza, ano IV, nº 105, 2ª feira, 13 Mai. 1895, p. 1. 522. O Figarino, Fortaleza, ano I, nº 45, domingo, 8 Mar. 1896, p. 3. 523. Barroso, G. “Consulado da China”., Memórias de Gustavo Barroso (Edição conjunta das obras “Coração de Menino”, “Liceu do Ceará” e “Consulado da China”). Fortaleza: Governo do Estado do Ceará, 1989. 524. Quinderé, M. Reminiscências. Fortaleza: Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará, 1979, p. 23. 525. Estado do Piauhy, Teresina, ano I, nº 3, 6ª feira, 7 Mar. 1890, p. 4. 526. Estado do Piauhy, Teresina, ano I, nº 27, 4ª feira, 19 Mar. 1890, p. 3; e ano I, nº 42, 6ª feira, 25 Abr. 1890, p. 4. 527. Diário do Maranhão, São Luís, ano XXIII, nº 5638, sábado, 22 Jun. 1892, p. 3. 528. A República, Fortaleza, ano V, nº 228, sábado, 10 Out. 1896, p. 4. 529. A República, Fortaleza, ano V, nº 283, 4ª feira, 16 Dez. 1896, p. 1. 530. A República, Fortaleza, ano VI, nº 57, 5ª feira, 11 Mar. 1897, p. 1. 531. A República, Fortaleza, ano VI, nº 226, 4ª feira, 6 Out. 1897, p. 1. 532. A República, Fortaleza, ano VII, nº 236, 4ª feira, 18 Out. 1897, p. 4. 533. A República, Fortaleza, ano VII, nº 272, 4ª feira, 1 Dez. 1897, p. 1. 534. A Federação, Manaus, ano V, nº 428, 3ª feira, 12 Set. 1899, p. 1. 535. Diario de Noticias, Manaus; A República, Fortaleza, ano VIII, nº 115, sábado, 20 Mai. 1899, p. 4. 536. Commercio do Amazonas, Manaus, ano XXXII, nº 22, 5ª feira, 14 Jul. 1899, p. 3. 537. Diario de Noticias, Manaus; A República, Fortaleza, ano VIII, nº 115, sábado, 20 Mai. 1899, p. 4. 538. A República, Fortaleza, ano VIII, nº 130, 5ª feira, 8 Jun. 1899, p. 1. 539. A República, Fortaleza, ano VIII, nº 191, 3ª feira, 22 Ago. 1899, p. 1. 540. A República, Fortaleza, ano VIII, nº 222, 5ª feira, 28 Ago. 1899, p. 1. 541. A República, Fortaleza, ano VIII, nº 16, sábado, 20 Jan. 1900, p. 1. 542. Empreza Photographica Cearense, marca no verso do cartão fotográfico. 543. Pacotilha, São Luis, ano XXIV, nº 6, 6ª feira, 8 Jan. 1904, p. 1.
544. Jornal do Ceará, Fortaleza, ano I, nº 1, 4ª feira, 16 Mar. 1904, p. 2. 545. Unitário, Fortaleza, ano II, nº 135, 3ª feira, 10 Mai. 1904, p. 2. 546. Livro de Escrituras do Cartório Feijó, Livro nº 28, Fls. 103v a 104. Arquivo Púbico do Estado do Ceará. 547. Livro de Escrituras do Cartório Feijó, Livro nº 28, Fls. 119v. Arquivo Púbico do Estado do Ceará. 548. Estrigas. Barrica, O Alquimista da Arte. Fortaleza: Secretaria da Cultura e Desporto do Estado do Ceará, 1993, p. 21. 549. Rodrigues, K. M. Barrica, O gesto que entrelaça história e vida. São Paulo/Fortaleza: Annablume/Secult, 2002. 114 p. 550. A República, Fortaleza, ano XVI, nº 257, 2ª feira, 11 Nov. 1907, p. 1. 551. Revista do Instituto do Ceará, tomo LX, ano LX, Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1946, p. 22. 552. A República, Fortaleza, ano XIX, nº 159, 4ª feira, 20 Jul. 1910, p. 2. 553. Folha de Sergipe, Aracaju, ano XVIII, nº 173, domingo, 21 Jan. 1909, p. 2. 554. Correio de Aracaju, Aracaju, ano III, nº 312, domingo, 24 Out. 1909, p. 3. 555. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, ano XXXVI, nº 323, sábado, 19 Nov. 1910, p. 3. 556. Careta, Rio de Janeiro, ano III, nº 126, sábado, 29 Out. 1910, p. 14. 557. Revista da Semana, Rio de Janeiro, ano XI, nº 552, domingo, 11 Dez. 1910, p. 9. 558. Maciel, L. A. A Nação por um fio: caminhos, práticas e imagens da Comissão Rondon. São Paulo: Educ/Fasesp, 1998. 318p. 559. Commissão Rondon, Linhas Telegraphicas Estrategicas de Matto Grosso ao Amazonas: photographias da construção, expedições e explorações desde 1900 a 1922. Rio de Janeiro: s/n, 1922, 2v. 560. Maciel, L. A. “O Sertão domesticado”. Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 1, nº 11. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, ago. 2006, p. 36. 561. Lucídio, J. A. B.; Lima, L. G. S. Catálogo Digital. Acervo Comissão Rondon. Secretaria de Cultura do Estado de Mato Grosso. On-line.
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1897
grÊMio de ProPaganda PHotograPHiCa José Irineu de Souza e Joaquim Moura Quineau unidos pela fotografia
Patent Bijou Camera 1885-1895.
o astrônomo da Universidade de iena que fixara o fim do mundo em 1897 errara em suas predições. o ano para a população de fortaleza foi dos mais animados e cheio de novidades, assumindo como a maior atração a chegada da fotografia em movimento, o Cinema, com imagens vivas projetadas numa tela. Mas, para não fugir ao interesse popular pelo apocalipse, surge um cientista austríaco que anuncia com convicção o dia e a hora do juízo final, para apenas dois anos depois: O FIM DO MUNDO O astrônomo e professor Rodolpho Falb, de Vienna d’Austria, prediz o fim do mundo para o dia 30 de novembro de 1899, ás 3 h. e 9 minutos da tarde. “Felizmente, diz o jornal d’onde ora extrahimos a noticia, felizmente essas previsões vão sempre tendo suas realisações adiadas.” (562)
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a população fortalezense poderia viver com tranquilidade até as 3 horas e 9 minutos da tarde de 30 de novembro de 1899, usufruindo os entretenimentos que lhe ofereciam os folguedos populares, os clubes e associações culturais, ou os mais variados espetáculos dos espaços teatrais. o carnaval despertou o entusiasmo e a criatividade de foliões, nos clubes e na rua, recebendo aplausos o desfile das agremiações carnavalescas. era destaque Os Companheiros do Silêncio, com batedores trajando calça branca, colete azul e casaca preta, em suas montarias, a que se seguiam carros alegóricos e de crítica, carruagens ocupadas por sócios e mimosas demoiselles à fantasia, animadas por três bandas de música. o Club Bota-Fogo, também com duas bandas de música, apresentava-se com luxo nas suas cores amarelo, branco e encarnado, um imponente carro alegórico alusivo à baia do Botafogo, no rio de
Janeiro, representada por encapelada onda de três metros de altura, conduzida por um intrépido marinheiro de dez anos de idade, segurando um remo e o glorioso estandarte tricolor da agremiação. Completava o desfile os carros de espirituosa crítica ao jogo de bichos e a carestia da vida. outro grupo carnavalesco a chamar a atenção representava antônio Conselheiro e seus adeptos. a crônica jornalística descreve o clima de a alegria do carnaval de 1897 na capital cearense: Passeiatas, grupos e mascaras avulsas percorrem as ruas atapetadas de serpentinas e estrelladas de confetti. Por toda parte o delírio, o prazer e a loucura manifestam-se em ruidosas cascatas de loucos enthusiasmos. A alegria prodigamente derramada pelos diabólicos sacerdotes de Momo, em sua passagem triumphal, irradia se facilmente. [...] A agglomeração de povo nas ruas, praças, beccos e calçadas, nas janellas, portas e saccadas foi verdadeiramente excepcional. Lindas deidades trajando com essa adorável simplicidade e elegância características da mulher cearense e com os cabellos guardados por interessantes coifas de confetti, contribuiram poderosamente para o effeito phantastico que apresentou hontem a nossa capital. Moças, velhas e creanças, sem distincção de matizes, acotovellavam-se, n’uma promiscuidade democrática, formando intermináveis cordões, por entre os quaes passaram, triumphantes, os galhofeitos e convictos adeptos do impagável deus da Gargalhada. Sem o fausto, sem a deslumbrante e ostensiva riquesa do carnaval passado, o carnaval presente, entretanto, sobrepuja o seu antecedente no espírito e na chalaça. D’entre os que mais agradaram, é de justiça destacar o grupo conselherista. O chefe deste bando de rapazes alegres, que com muita graça criticaram o caso dos Canudos, trajava, como Antonio Conselheiro, uma sotaina azul, amarrada á cintura por um cordão de S. Francisco, e trazia á cara uma mascara de compridos cabellos e longas barbas. Acompanhava-o um estado maior composto de Maria de Araújo e outras beatas igualmente vestidas de batinas, ao qual seguia-se um enorme séqüito de capangas
armados de espingardas, clavinottes, cacetes, mãos de pilão, foices, machados, o diabo emfim. As lábias empregadas pelos alliciadores do Conselheiro, eram, de fazer rir as escancaras. Magnífica lettra deu também uma cigana montada num burrico, no meio de uma carga, esmolando tostões aqui e acolá, para um filhinho, que levava ao collo. Pela perfeição do trajo e cabal desempenho que soube dar ao seu papel, muito agradou o grupo que trazia um urso dansando, cumprimentando e fazendo mil cachimonhas. (563) o clima festivo da cidade deve ter animado também os espíritos criativos de dois artistas que se juntam para criar uma nova entidade de promoção do interesse e aprendizado da arte fotográfica. Joaquim Moura Quineau, desde o ano anterior com estúdio instalado em fortaleza, tem como companheiro o já consagrado pintor e retratista José irineu de souza. reviviam os mesmos sonhos do Photo-Club do Ceará (1893) de gustave Job, antonio Bezerra, Júlio Braga e João sedrim. os idealistas empreendedores dão o nome de Grêmio de Propaganda Photographica à entidade que visava despertar o interesse de amadores pela arte, já exercida comercialmente nessa época em fortaleza pelo competente trio de profissionais, niels olsen, Manuel Bezerra de Mello e Joaquim Moura Quineau, que assumiu a presidência da entidade. a criação da associação artística ocorre em fevereiro, tornando-se pública no dia 13 de fevereiro de 1897: Gremio PhotographicoAlguns moços de distincção, amadores da photographia, com o concurso dos nossos dous hábeis conterrâneos José Irineu e Moura Quineau, fundaram nesta capital um “Grêmio de Propaganda Photographica”, sendo clamada uma directoria provisória, até approvação dos estatutos básicos e definitiva eleição. (564) Mesmo com a preocupação voltada para as ocupações que lhe dão o retorno econômico, os dirigentes entram em ação. a primeira iniciativa constituiu-se um gesto simpático para atrair adeptos,
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produzindo o retrato artístico da senhorita alice accioly, filha do dr. antonio Pinto nogueira accioly, Presidente do estado: MLLE. ALICE ACCIOLY A aurora de hoje nos apontou com os seus dedos de rosa o natalício de nossa intelligente e graciosa patrícia mademoiselle Alice Accioly, uma das estrelas micantes dos nossos salões, e dilectissima filha do nosso venerando amigo exmº sr. dr. Nogueira Accioly, benemérito chefe republicano. Alem das numerosas felicitações que rececebeu por data tão jubilosa e dos mimos que por delicadas amigas foram offerecidas a exmª sr.ª d. Alice, o “Gremio de Propaganda Photographica” por intermédio de seu presidente sr. Moura Quineau, pediu permissão para depor em mãos da gentilíssima demoiselle, o primeiro trabalho com que esse club fez a sua estréa artística, isto é, o seu retrato em photo-oleographia, ricamente emoldurado. Por tão bello acontecimento, A Republica envia a adorável patrícia um perfumado ramilhete de flores. (565) apesar do pouco tempo de sua presença como fotógrafo valoroso, Moura Quineau faz mais uma contribuição ao desenvolvimento de sua terra. ao criar o Grêmio de Propaganda Fotográfica, com a honra de presidi-lo, fixa as bases para uma sociedade mais ampla que em outubro lhe sucede. divide os méritos dessa iniciativa com o veterano artista plástico José irineu de souza, retornado do rio de Janeiro há 13 anos, após estudos no Imperial Liceu de Artes e Ofícios e formação prática no estúdio do fotógrafo Lopes. autor do famoso quadro Fortaleza Liberta (1883), o pintor transfere-se a seguir para o amazonas onde desenvolveu atividades artísticas, políticas e de magistério. os objetivos de Quineau e irineu contribuem para a promoção e difusão da fotografia e agregam os amadores cearenses. faltam notícias de suas realizações, mas, a entidade amplia-se ao adotar novo nome, Sociedade Cearense de Amadores Fotógrafos, com a formalização de seus estatutos a 6 de outubro. abre-se uma nova etapa com ampla repercussão pelos nomes que passam a integrar os seus quadros e pela programação de passeios e excursões coletivas.
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Mais um marco na história da fotografia no Ceará que reúne dois cearenses de vocação artística, um fotógrafo que regressa após anos de trabalho em outras terras e um mestre do pincel. ambos tinham superado todos os obstáculos da formação e convergiam para uma associação de talentos e um projeto de ajuda aos amantes e aprendizes das artes visuais. Joaquim Moura Quineau, como vimos, alcançara rapidamente o prestígio em sua terra, graças ao seu contínuo investimento de competência e recursos no sentido de alcançar o mais alto nível de qualidade. no seu moderno estúdio produzia retratos em qualquer padrão, com preços reduzidos a partir do segundo ano, cobrando por dúzia: Cartões exposições – 80$000, Portrait salon – 70$000, Paris Portrait – 40$000, gabinete – 35$000, Victoria – 25$000, Visita – 20$000. o artista revela perfeito domínio na técnica exigida para uso de tão variado espectro de estilos, a partir dos tradicionais padrões Carte de Visite (10,5 x 6.5 cm), Carte Cabinet (16 x 10,65 cm) e Victoria (8,3 x 12,7%), introduzindo no mercado os alternativos Carte exposition, Carte Promenade (9 x 20 cm), Carte Boudoir (13,5 x 21,5 cm) e o econômico Mignonnette (4 x 8 cm). exercita sua arte desde o diminuto 3 x 4 aos retratos ampliados em tamanho natural (30 x 40 cm). os originalíssimos retratinhos-selos, eram ofertados em bloco de cem unidades pelo preço de vinte mil réis. É nessa categoria em que ele revela sua preocupação em inovar e manter-se atualizado com os avanços da arte fotográfica. o final do século é dominado por suas realizações e ofertas: A photographia Moura Quineau prepara em 8 dias, um retrato perfeito (faltando somente fallar) em papel “Platino Mate” tendo 30 x 40 em quadro de elegante moldura dourada, primeira qualidade, pela insignificante quantia de 100$000. (566) Communica-nos ainda o habilíssimo photographo, nosso conterrâneo sr. Moura Quineau, que acaba de receber directamente de Pariz o novo cartão “Mignonnetes”. Com o qual poderá fazer a dusia de retratos pelo
retrato-selo; stamp portrait. fonte: drexelantiques.
commodo e baratissimo preço de dez mil reis. Realmente os “Mignonnetes” sobre serem uma novidade, ficam ao alcance de todos os recursos. Nestes tempos já é uma bôa pechincha ter-se uma dusia de retratos nítidos e perfeitos por tão pouco dinheiro. (567) Photographia Moura Quineau. – É a única, no Brazil, que tem o aparellho, aperfeiçoado, para fazer os retratinhos Sellos – invejados por todo mundo. (568) se os retratos miniaturizados são um destaque do ateliê de Moura Quineau é no retrato ampliado que ele projeta seu nome do Ceará ao extremo norte do país. Uma dentre as frequentes críticas na imprensa aplaude sua vocação artística, almejando que o pioneirismo do fotógrafo cearense servisse de incentivo a todos quantos fazem da grandiosa descoberta de daguerre um simples meio de vida: O nosso intelligente conterrâneo e habilíssimo photographo sr. Moura Quineau tem em exposição no nosso salão de honra trez importantíssimos retratos em tamanho natural. Talvez a maior ampliação photographica que se haja feito nesta capital. O trabalho que é produzido em finíssimo papel platina se torna merecedor da conscienciosa attenção do publico entendido em assumptos de arte e de bom gosto, pela nitidez das linhas, assimilação
do original e elegância da pose. Com os que, até agora, têm admirado os bellos e brilhantes retratos expostos, mandamos ao estimável artista photographo as nossas sinceras felicitações. (569) elogiado por seu desempenho, reconhecido pela introdução de modernos processos fotográficos, com qualidade ressaltada no uso da platinotipia, a fotogravura e os retratos de alta nitidez, Joaquim Moura Quineau era a pessoa habilitada para criar e presidir um grêmio de amadores da nova arte. o episódio de criação da segunda associação fotográfica em fortaleza coloca em evidência também outro notável artista, o pintor José irineu de souza, com quinze anos no exercício de sua profissão. regressara a fortaleza, em 1822, após dez anos no rio de Janeiro, quando realizou estudos no imperial Liceu de artes e ofícios, aperfeiçoando-se com mestres como Victor Meirelles e angelo agostine. nessa oportunidade trabalhara no estúdio fotográfico da Casa Lopes, o que explica a sua familiaridade com a arte fotográfica. após realizar a valiosa tela Fortaleza Liberta, em comemoração pela libertação total dos escravos na capital cearense, transfere-se para a região amazônica, durante uma década, como retratista profissional e professor de desenho em escola pública, participando da vida política de Manaus,
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1897
soCiedade Cearense de aMadores fotógrafos
Consolidando espaço para os amadores da fotografia
fonte: the american annual of Photography and Photographic times almanac for 1891.
onde foi eleito vereador. no seu segundo retorno a fortaleza, em 1897, associa-se a Moura Quineau no seu projeto do Grêmio de Propaganda Fotográfica. José irineu divide com Moura Quineau os méritos dessa iniciativa, que logo a seguir ganha vitalidade e prestígio assumindo o título de Sociedade Cearense de Amadores Fotógrafos. a relação de cooperação entre os dois artistas cearenses igualmente dá resultados positivos até a virada do século. suas realizações em foto-pintura atestam a maturidade que os torna merecedores do aplauso da crítica: Apreciamos hontem dous magníficos retractos, esmerado trabalho de photo-pintura dos eximios artistas, nossos distinctos compatrícios, Moura Quineau e José Irineu. Já sabíamos de quanto são capazes a intelligencia d’este e o gênio emprehendedor d’aquelle, mas, todavia, os seus últimos trabalhos nos surprehenderam, tal a impeccavel dexteridade com que foram executados. Os de que ora nos occupamos, caprichosamente elaborados, são primorosíssimos. Dia a dia mais se aperfeiçoam os dous dignos artistas – artistas na verdadeira accepção da palavra, d’aquelles
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que honram o Ceará – e cada trabalho que sae de seu atelier é mais uma obra prima, que vem firmar o alto credito de que, tão merecidamente, gosam, evidenciando que os seus esforços, longe de serem improficuos, coroamse sempre do mais brilhante êxito. (570)
José de Mendonça nogueira. acervo instituto do Ceará.
562. A República, Fortaleza, ano VII, nº 275, sábado, 4 Dez. 1897, p. 1. 563. A República, Fortaleza, ano VI, nº 48, 2ª feira, 1 Mar. 1897, p. 1. 564. A República, Fortaleza, ano VI, nº 35, sábado, 13 Fev. 1897, p. 1. 565. A República, Fortaleza, ano VI, nº 59, sábado, 13 Mar. 1897, p. 1. 566. A República, Fortaleza, ano VII, nº 35, 2ª feira, 13 Fev. 1899, p. 2. 567. A República, Fortaleza, ano VII, nº 236, sábado, 15 Out. 1898, p. 2. 568. A República, Fortaleza, ano VIII, nº 62, sábado, 18 Mar. 1899, p. 2. 569. A República, Fortaleza, ano VII, nº 133, 2ª feira, 13 Jun. 1898, p. 2. 570. A República, Fortaleza, ano IX, nº 260, 3ª feira, 13 Nov. 1900, p. 2.
o primeiro trimestre do ano é intensamente quente em fortaleza, alcançando os 34 graus centígrados, que o povo diz ser calor senegalês. as altas temperaturas não impedem a animação do carnaval de rua. os jornais revelam que na cidade em expansão existe oportunidade de negócios e vende-se de tudo, desde sapotis da chácara de Moura Quineau no Jacarecanga a mil braços de terra, com casa e fruteiras, propriedades de José Pinto do Carmo no Pici, nome
de uma região suburbana, um lustro antes que a criatividade cearense atribuísse a origem da denominação aos aviadores americanos, durante a segunda guerra mundial, que lá instalaram o post-command de sua base, referida apenas como PC (pi-ci). o público fortalezense deve agradecer a diversidade de espetáculos oferecida para todos os gostos. Houve de tudo, do Circo acrobático estrela, de francisco azevedo, a famosa trupe circense do brasileiro
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Anchises Pery até à laureada Companhia Imperial Japonesa de Kosabro Yamamoto. A cena teatral é preenchida pelo Grupo Lírico Dramático, de Máximo Gil, e a Companhia Câmara Madureira. Os espetáculos de variedades trazem o Professor Grossi e Mademoiselle Roux, adivinhadora do pensamento. Nas atrações de mágica e ilusionismo o destaque fica com os franceses Mr. Stephen e Madame Diane Eckert e a famosa companhia americana Edna & Wood, com a estrela apresentando-se como a mulher que voa. A cidade tem ainda a registrar o momento mágico da apresentação do grande invento de fim de século, a fotografia em movimento, que chega para o nosso público com as opções do Kinetoscope de visor, para uso individual, e os modelos de projetores em tela que disputavam o mercado, o Kinetoscope Projetor, de Thomas Edison, e o Cinematographo dos irmãos Auguste e Louis Lumière. O impacto da nova arte deve ter agitado ainda mais os espíritos no aprendizado e prática da fotografia, lembrando-se que nos primeiros dez anos da exibição cinematográfica os espetáculos eram compostos por apresentações alternadas de vistas animadas (filmes) e vistas fixas (slides de fotografias ou desenhos), projetadas luminosamente sobre a tela. Essa era a composição dos espetáculos cinematográficos que só desaparece com o surgimento das salas fixas de exibição e dos filmes de média e longa metragem. A ideia de congregar os interessados e amantes da fotografia ganhava mais força. Inexiste documentação precisa de quando a denominação Sociedade Cearense de Amadores Fotógrafos foi adotada ofuscando o anterior Grêmio de Propaganda Fotográfica, mas ela aparece antes mesmo de se formalizar através de estatutos e eleição de uma diretoria, quando se torna nítido que profissionais como Moura Quineau e José Irineu deram espaço para os amadores emergentes. Na mesma edição de A República, de 19 de julho de 1897, que trazia em primeira página a grande novidade de ter chegado a Fortaleza, pelo vapor “Policarp”, vindo de New York, os primeiros projetores Kinetoscope, de Thomas Edison, anunciava-se a nova entidade de fotógrafos amadores
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referindo-se a ela como centro de propaganda da fotografia: Sociedade Cearense de Amadores Photographos Nesse futuroso centro de propaganda da photographia, realisar-se-á amanhã importante sessão, cujo resultado daremos opportunamente conhecimento aos nossos leitores. (571) É a primeira vez que chega a público, nas páginas de um jornal, a criação dessa nova entidade voltada para a disseminação do uso da fotografia sem fins comerciais. As esparsas notícias que se seguem descreve o clima de entusiasmo em que buscam traçar um plano e compor o seu quadro de sócios e correspondentes em outras cidades. Na reunião de 20 de julho foram aprovados cinco sócios, dois correspondentes no interior do Estado e um na capital federal, e discutidas as proposições de excursões fora da capital e uma exposição anual da produção fotográfica dos associados: SOCIEDADE CEARENSE DE AMADORES PHOTOGRAPHOS Realisou-se na terça-feira, próxima passada, conforme noticiamos, importante sessão na sede desse futuroso grêmio de amadores de photographia. Entre os mais assumptos, todos de muito interesse de que se occuparam, aventurou-se a idea de uma exposição annual de trabalhos photographicos, que será inaugurada em dezembro futuro; tratou-se de excursões por fora da capital para obter-se a reproducção de paysagens e costumes cearenses. Foram propostos e acceitos sócios effectivos os srs. Benjamin Accioly, capitão Francisco Benévolo, Antonio Diogo de Siqueira, Manoel Emygdio da Costa Nogueira e Augusto Lopes, correspondentes os srs. dr. Felix Candido de S. Carvalho, no Tamboril, Julio Braga, em Porangaba, e Benjamin Antanahydo na capital federal. Fazemos votos pela prosperidade e amplos resultados da operosa associação. (572) Na reunião de 23 de setembro, na residência de Joaquim Moura Quineau, são propostos três novos
sócios contribuintes e os primeiros sócios correspondentes em Paris, uma estratégia para manterse atualizado com o progresso da arte no grande centro europeu. A primeira excursão de trabalho para ensaios fotógrafos de paisagens e costumes regionais, tendo Parangaba como destino, tem sua data divulgada na imprensa em nota que também cita, com erros gráficos, os correspondentes franceses C. Klary e H. Mackenstein: SOCIEDADE CEARENSE DE AMADORES PHOTOGRAPHOS Na ultima reunião desta sociedade foram propostos para sócios contribuintes os srs. Dr. Manuel Duarte Pimentel, d. Izabel R. da Silva e José Firmiano, e para sócios correspondentes em Paris os srs. C. Karey e H. Manchenstein. Outrossim, ficou marcado o dia 10 de outubro para ter lugar as primeiras experiências da sociedade em Porangaba. (573) A formalização da sociedade ocorreu na quartafeira, 6 de outubro de 1897, em Assembléia Geral, em casa de Moura Quineau, às 20 horas, quando seriam aprovados os Estatutos. A sessão foi interrompida pela chegada de notícia da vitória militar republicana contra os seguidores de Antonio Conselheiro. O povo tomava as ruas acompanhando a banda de música do Batalhão de Segurança, entre discursos e vivas coletivos, inspirados na crença de que Canudos vencida estava salva a República. O momento de exaltação popular interrompera a reunião dos amadores fotográficos, mas adotei essa data em meu livro Fortaleza e a Era do Cinema como a instalação formal da Sociedade Cearense de Amadores Fotógrafos. (574) A sessão suspensa em regozijo pela vitória das forças republicanas em Canudos, teve sua conclusão na noite de 8 de outubro, presidida por Moura Quineau e secretariada por Antonio Nunes Valente, 1º secretário, e João Guilherme, 2º secretário, com participação dos sócios fundadores, a que se seguiu uma terceira reunião no sábado, 16 de outubro. A prática de reuniões periódicas torna visível a dinâmica com que os empreendedores conduziam a sociedade. No ano seguinte, uma reunião em 25 de
agosto, aprova o ingresso de mais seis sócios efetivos, além de novos correspondentes, sendo três no Rio de Janeiro, dois em Manaus e dois em Paris. Na mesma sessão foi aprovada o domingo, 28 de agosto, para a excursão inaugural, e como destino a cidade de Maranguape. Em notícia na imprensa aparecem novamente com erros gráficos os nomes de C. Klary e Poulenc Fréres, representantes em Paris: SOCIEDADE CEARENSE DE AMADORES PHOTOGRAPHOS Realisou-se hontem a sessão ordinária desta futurosa associação. Ficou definitivamente assentado que a excursão inaugural se effectue no próximo domingo, 28 do corrente tendo sido escolhido para os respectivos trabalhos a cidade de Maranguape. Neste sentido o sr. Presidente mandou que fossem convidados por meio de annuncio todos os srs. sócios que a ella quizerem se incorporar. Foram propostos e acceitos por unanimidade para sócios effectivos, Julio Cezar da Fonseca, capitão tenente Ludgero Bento da Cunha Motta, dr. Francisco Marcondes Pereira, Octavio Augusto de Souza Andrade, Antonio da Justa Menescal e José Salgado; para sócios correspondentes no Rio de Janeiro os srs. Júlio de Freitas Junior, Heráclito Domingues e Arthur Gurgulino de Souza; em Manáos os srs. Antonio Bezerra de Menezes e coronel Raymundo Affonso de Carvalho e em Paris os srs. C. Riary e Ponlenc Fréres. (575) O entusiasmo em torno do passeio inaugural é tornado público, por convite aos sócios na imprensa, advertindo a partida para Maranguape às 6.45 horas da estação central da Empresa Ferroviária de Baturité. A nota lembrava aos sócios a conveniência de conduzirem os seus respectivos aparelhos para o maior atrativo e melhores resultados. A excursão teve a data alterada depois para 11 de setembro, em concorrida reunião para tratar de novidades como a encomenda de aparelhos fotográficos para venda em prestação para os sócios. Foram aceitos mais quatro sócios titulares e outros correspondentes em sete municípios:
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SOCIEDADE CEARENSE DE AMADORES PHOTOGRAPHOS A ultima reunião desta distincta sociedade, realisada na 4a. feira, 7 do corrente, esteve animada e bastante concorrida. Foram apresentadas e aceitas as seguintes propostas: Todo o socio que tiver proposto 50 socios contribuintes e achando-se estes em dia com o thesoureiro, terá direito a uma ampliação com a respectiva moldura. Os apparelhos ultimamente encommendados serão vendidos aos sócios, facilitando-se a estes o pagamento que poderá ser também em prestações módicas. A excursão inaugural, que por motivo de força maior foi de todo impossível realisar se no dia 28 de agosto p. passado se effectuará no próximo domingo, 11 do corrente em Maranguape. Para sócios effectivos os srs. dr. Francisco Salgado, José Ramos, dr. Firmino Ferreira da Costa Lima, dr. Antonio E. Gadelha. Para sócios correspondentes: Em Baturité, coronel Alfredo Dutra, Itapipoca dr. Francisco Barbosa Cordeiro, Lavras, coronel Honório Correia Lima, Granja coronel Salustiano Moreira da Costa Marinho e João Montezuma de Carvalho, Pacatuba, dr. Torquato Rufino Jorge de Souza, Ipu, Thomaz Correa, Sobral, coronel Mont’Alverne e major Domingos Bessa. (576) não há registros de outros temas debatidos nas reuniões ou de resultados dos experimentos fotográficos realizados pelo seleto quadro social. resgatamos a memória dos amadores fotógrafos cearenses apenas em esparsos episódios, recolhidos como contribuição à história de uma agremiação cultural que gerou tantas expectativas nos anos finais do século. recolhemos para a posterioridade um relato mais detalhado da significativa excursão a Maranguape, onde dois sócios correspondentes a recepcionaram, o Juiz de direito dr. José Moreira da rocha e o empresário antonio ribeiro de nascimento e silva: SOCIEDADE CEARENSE DE AMADORES PHOTOGRAPHOS Comunicam-nos o seguinte:
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Realisou se a 11 do corrente a excursão inaugural desta distincta e futurosa agremiação. O logar escolhido foi a aprazível cidade de Maranguape, onde a natureza cearense é realmente prodiga de assumpto para tal gênero de recreação artística. Antes das 7 ½ horas da manhã já o numeroso grupo de amadores, acompanhados de distinctas senhoras da nossa elite, chegava à gare da Estrada de Ferro no seu ponto terminal e poucos momentos depois entravam em funcionamento os muitos apparelhos levados, sendo então photographados algumas das mais bellas paisagens das proximidades do logar. Na residência do illustre sr. dr. Moreira da Rocha, digno sócio correspondente da sociedade, foi servido um lauto almoço, gentilmente offerecido por s. s. aos excursionistas, reinando por essa occasião a mais viva animação e enthusiasmo. Vários brindes foram então trocados, destacando-se àquelles que mais de perto alludiam ao futuro da sociedade, merecidamente digno dos mais lisongeiros auspicios e do mais franco estimulo. Logo após o almoço entraram de novo em acção as objectivas, chapas, machinas, etc. etc., e às 4 horas da tarde dirigiram-se todos para a casa do sócio, sr. Antonio Ribeiro, servindo-se ahi um magnífico lunch, que se prolongou até a hora da partida do ultimo trem de volta. Sem encômio e com justiça terminamos affirmando que a festa inicial da S. C. de Amadores Photographos foi a mais palpitante e segura das garantias do adiantamento da arte photographica no Ceará, do seu desenvolvimento e sobretudo dos bons resultados que já nos é dado esperar de seu futuro. Asseverou-o de sobra a enorme e selecta concurrencia e animação que reinou sempre, não havendo um único senão a lamentar. As nossas saudações pois aos esforçados excursionistas de Maranguape. (577) na noite de 8 de março, reunidos os sócios em assembleia geral foi eleita uma nova diretoria, com posse solene a 21 de abril. Uma demonstração da diversidade do seu quadro social assume uma diretoria eclética, com a presença de um presidente militar, o Capitão tenente Ludgero Bento da Cunha Motta, comandante da escola de aprendizes Marinheiros; um engenheiro na vice-presidente, o dr.
Benjamin accioly, filho do Presidente do estado; e uma diretoria composta por quatro personalidades femininas e dois renomados médicos: SOCIEDADE CEARENSE DE AMADORES PHOTOGRAPHOS Esta útil sociedade, em sessão de hontem, elegeu a sua nova directoria para o primeiro trimestre do corrente anno, que ficou assim constituída: Presidente – Capitão-tenente Ludgero B. da Cunha Motta. Vice-Presidente – Dr. Benjamin Accioly. 1º Secretario - José Salgado. 2º Secretario – Manoel Marçal. Thesoureiro – Alfredo Pompeu.
571. A República, Fortaleza, ano VII, nº 159, 2ª feira, 19 Jul. 1897, p. 1. 572. A República, Fortaleza, ano VII, nº 163, 6ª feira, 23 Jul. 1897, p. 3. 573. A República, Fortaleza, ano VII, nº 221, 5ª feira, 30 Jul. 1897, p. 1. 574. Leite, A. B. Fortaleza e a Era do Cinema (Pesquisa Histórica, Volume I 1891-1931. Fortaleza: Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, 1995, p. 68.
Bibliothcario Archivista – Raymundo Guilherme. Directores: D. Judith Rossas, d. Georgina Cabral, d. Julieta Pompeu, d. Alice Accioly, dr. Manoel Duarte Pimentel e Guilherme Rocha Filho. (578) a atuação do grêmio de amadores fotógrafos nos três anos finais do século, com a formação de um numeroso quadro de associados, reflete o impacto que a fotografia tivera sobre a população. os fatos e eventos coligidos nessa narrativa são uma demonstração da dimensão, ainda maior, que tomara a respeitabilidade e interesse do movimento fotográfico, em terras cearenses, nas suas vertentes comercial e artística.
575. A República, Fortaleza, ano VII, nº 194, 6ª feira, 26 Ago. 1898, p. 1. 576. A República, Fortaleza, ano VII, nº 206, sábado, 10 Set. 1898, p. 4. 577. A República, Fortaleza, ano VII, nº 208, 3ª feira, 13 Set. 1898, p. 4. 578. A República, Fortaleza, ano VIII, nº 56, 5ª feira, 9 Mar. 1899, p. 4.
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1897-1898
fotógrafos MostraM o CineMa
O pioneirismo de Nicola Maria Parente e Moura Quineau
ernesto de sá acton.
nicola Maria Parente
Cinquenta anos depois da chegada do daguerreótipo a fortaleza, pelas mãos do irlandês guilherme federic Walter, a população da capital cearense volta a deslumbrar-se com a maior atração do fim de século: a imagem em movimento. Vivia-se em 1897 a surpreendente revelação do Cinema que nos aparece em um curto período de três meses em três versões dos primitivos equipamentos originados na frança e nos estados Unidos. a surpresa inicial era provocada por uma notícia sobre a importação pelo empresário cearense arnulfo Pamplona do grande revelador da fotografia animada:
O nosso esforçado amigo e operoso commerciante Confucio Pamplona que tem se dado ao trabalho de vulgarisar entre nós os grandes inventos norte-americanos, já introduzindo o serviço de telephones, já pela importação que fez do primeiro phonographo que se conheceu nesta capital, acaba de receber pelo vapor “Policarp”, vindo de New York e está em despacho na alfandega, o grande apparelho revelador da photographia animada. Divulgado com immenso successo em todas as capitais civilisadas, avaliamos desde já o alvoroto que vem causar á nossa população o diabolico apparelho de Edson. Até lá, esperemos com paciencia. (579)
KINETOSCOPIO Graças! Vamos ter em breve uma novidade com que desenfastiar-nos da semsaboria dos últimos dias, e quem vae proporcionar-nos, é o grande domesticador Edson, com o “Kinetoscopio” - uma das muitas maravilhas do seu possante talento de invencionista.
a cidade devia ao empreendedor arnulpho Pamplona a criação da Empresa Telephonica do Ceará e a comercialização de outra invenção maravilhosa, o fonógrafo, que vendia como representante regional da Western Electric de thomas alva edison. agora, disponibilizava no mercado os dois aparelhos
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de edison, o Kinetoscope de visor e o Kinetoscope Projetor, com que permitiria o ingresso de fortaleza na era do cinema. o episódio e os personagens, descritos em três livros que dediquei à história do cinema, não podem ser esquecidos: No mês de setembro de 1897 apareceram os primeiros equipamentos comercializados na capital cearense, o que desperta o interesse de investidores. Surgem, simultaneamente, dois empreendimentos pioneiros na demonstração do cinema: Braga & Acton, uma associação entre o Comendador Ernesto de Sá Acton e o empresário A. Ferreira Braga, com um teatrinho de 500 lugares, à rua Senador Pompeu, lançando o Kinetoscope; e o popular Mané Coco, Manoel Pereira dos Santos, proprietário do Café Java - o famoso quiosque da Praça do Ferreira, expondo comercialmente o seu aparelho à rua Formosa (atual Barão do Rio Branco), n° 56. Talvez pelo espírito de competição entre esses empresários, temos que os cearenses viram as primeiras imagens em movimento através do revolucionário Kinetoscópio de Edison, no sábado, 19 de setembro de 1897, marco histórico que deve ser incluído no calendário comemorativo da cidade. (580)
Kinetoscope de visor, de edison.
a introdução comercial do Kinetoscope de visor, gênero popularizado na américa como Penny Arcades ou Peep Shows, que permitia ver as imagens em movimento por apenas um espectador de cada vez, ficou a cargo de Manoel Pereira dos santos, o popular Mané Coco, famoso pela gestão de seus empreendimentos como o Café Java, na Praça do ferreira. numa apresentação para a imprensa, provocou o seguinte comentário do jornalista convidado: KINEITOSCÓPIO Hontem, a convite do sr. Manoel Pereira dos Santos, co-participamos de uma sessão de seu kineitoscópio, montado e funccionando à rua Formosa. Pela ocular do magnífico apparelho optico de Edson observamos nitidamente a scena animada de uma dansarina, dando-nos apesar das dimensões restrictas da imagem, succedendo-se com a mesma rapidez com que foram aprehendidas, uma illusão perfeita de todas
Primitivo cinematógrafo Lumière.
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as suas vivas e reaes evoluções choreographicas. De facto, a photographia do movimento é uma grande conquista; mas para o público aprecial-a devidamente, sendo mesmo de melhor effeito, convém antes as projecções sobre um écran, com o augmento das dimensões das imagens. A illusão assim é mais perfeita. (581) Mané Coco teve a colaboração decisiva de John Petter Bernard, holandês de rotterdam, que instalou a telefonia no Ceará, tornou-se cearense de adoção, e aparece na atualização tecnológica da cidade, em episódios como o fonógrafo, o cinema e o automóvel. Bernard é lembrado em meu livro anterior: Pessoa grata na sociedade cearense, holandês naturalizado brasileiro, participa em eventos diversos da cidade. No episódio da chegada do primeiro automóvel, em nossa cidade, no dia 28 de março de 1909, adquirido pela empresa do Dr. Meton de Alencar e Major Júlio Pinto, ele aparece como representante da empresa compradora. E ao lado de outro pioneiro, Roberto Muratori, conduziu o veículo e estudou o seu motor na tentativa de fazê-lo funcionar. (582) o aperfeiçoado Kinetoscope Projetor ou Projetoscópio, lançado por thomas edison no ano anterior para substituir o seu primitivo Vistacope, foi adquirido à telefônica pelo Comendador ernesto de sá acton que já tinha passagem por fortaleza como “ilusionista, físico e tamumaturgo” em novembro de 1988, e regressara em agosto de 1896, após ter cumprido em Belém a instalação do importante Museu Paraense (atual emilio goeldi). Qualificavase agora como “naturalista e prestidigitador”. associando-se ao cearense antonio ferreira Braga para construção de um teatro para 500 pessoas, acton foi, efetivamente, o primeiro a exibir as “cenas ou vistas animadas” (o que se chamariam no século XX fitas ou filmes), em tamanho natural sobre tela, para assistência coletiva: PROJETOSCOPIO O Kinetoscopio projector de Edison é a machina mais moderna que descobriu o eminente electricista, projecta figuras animadas em tamanho natural sobre uma téla.
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Nestes dias será exposto este ultimo invento de Edison no theatrinho da Rua do Senador Pompeu. A machina foi importada pela Empreza Telephonica sob encommenda do commendador-proprietario do referido teatrinho. (583) em novembro de 1897, dois meses apenas depois do lançamento do Kinetoscope, aparece em fortaleza o Cinematographo dos irmãos Lumière. Um dos exibidores, farmacêutico dionísio Costa, vindo do Pará, recebe apoio do empresário cearense alfredo salgado, faz exibições em fortaleza de vistas animadas dos estúdios Lumière e Pathé, complementadas com apresentação de músicas pelo grafofone. no mesmo mês, vindo da Paraíba, o fotógrafo italiano nicola Maria Parente, apresentando o Cinematografo Lumière entra para a nossa história. o primeiro fotógrafo a aparecer no Brasil exibindo as cenas animadas do cinematógrafo tinha sido o francês georges renouleau, que exercera a profissão com o estúdio Fotografia Universal, em Montevidéu, Uruguai, e em diversas cidades brasileiras, como Pelotas (1875), Porto alegre (1878), santos (1882), rio de Janeiro (1883-1884), e são Paulo (a partir de 1888). renouleau é responsável pela primeira exibição cinematográfica em são Paulo, a 7 de agosto de 1896, e a segunda em Porto alegre, a 7 de novembro de 1896, três dias depois que o pioneiro francesco di Paola faz sua estréia na capital gaúcha. em fortaleza, nos anos 1897-1898, dois fotógrafos ocupam a liderança na exibição de novidades, o Cinematographo Lumiére e o Chronophotographo demény, da gaumont. Como profissionais da câmera entenderam as amplas possibilidades que a imagem em movimento oferecia para o futuro. Certamente foi essa crença na força do Cinema que os conduziu, por caminhos distintos, à tarefa de difundir o novo invento. nicola Maria Parente, no relato de seus descendentes, migrara do sul do Cáucaso, com família e amigos, para a itália, tendo apoiado as lutas de garibaldi pela unificação italiana, que lhe concedeu como recompensa essa nacionalidade e o batismo do sobrenome Parente, constando ter nascido em 1847, em Marsico nuovo, Potenza, itália. na frança
relacionara-se com os irmãos Lumière, revisitando-os em seus três retornos à europa. a sua longa trajetória brasileira torna-se visível a partir de sua passagem em João Pessoa. em capítulo do meu livro sobre os exibidores itinerantes no Brasil relato esse ponto de partida: Através da pesquisa o que se encontra de mais remoto é sua presença na Paraíba do Norte (Paraíba), hoje João Pessoa, em 1889, exercendo a dupla função de fotógrafo e dentista. A vocação maior, entretanto, é a de retratista com atelier próprio na Rua da Areia, 73, a Photographia Vesúvio ou Photographia Ítalo-Brazileira. Em 1895, aparece na mesma cidade, com estúdio fotográfico, na Rua Nova, 2, mas deve ter visitado pelo menos os Estados vizinhos, pois se encontram fotos feitas por ele no em atelier na Rua do Conde d’Eu, 23, em Goiana, Pernambuco. Por depoimentos, escritos, aceita-se que tenha estado na França, talvez de fins de 1895 a 189,
de onde retorna com o Cinematógrapho Lumière. (584) a presença em fortaleza do fotógrafo nicola Maria Parente pode ter se limitado à divulgação do de cinematógrafo, não oferecendo a imprensa local outras informações além de anúncio sobre permanência e preços reduzidos nas entradas das exibições: ATTENÇÃO! ATTENÇÃO! O proprietario do Cynematographo, á rua Formosa n. 89, tendo resolvido demorar-se por mais algum tempo n’esta aprazivel capital, avisa aos apreciadores desse notavel invento, que, para tornal-o mais conhecido, deliberou reduzir o preço das entradas para 1$000 nas exhibições futuras; e, contando com a generosidade da fidalga população cearense, promette um grande melhoramento e perfeita nitidez nas scenas que tem de representar. A abertura será annunciada previamente. O proprietário, Nicola Maria Parente. (585) introdutor do cinema em João Pessoa, Paraíba, durante as festas das neves, em 28 de julho de 1897, levou o Cinematógrafo Lumière, além de fortaleza, a natal e salvador (1898), Bragança e Campinas (1899), recife e Manaus (1900), cumprindo o desafiador papel de ambulante do cinema. fixa-se na fase final de vida na cidade paraense de abaetetuba, estabelecendo ali a Casa italiana, sob a firma nicola Parente & filhos, retornando também ao labor fotográfico. seus quatro filhos, dois homens e duas mulheres, casaram-se e deixaram descendência, dispersa no Brasil, itália, rússia, frança, suíça, alemanha e estados Unidos da américa. faleceu em seu estúdio, no dia 19 de fevereiro de 1911, em consequência de explosão de um aparelho que inventara para gerar gás oxigênio. o fotógrafo cearense Joaquim Moura Quineau é, entretanto, personagem não menos importante na legião de pioneiros da cinematografia itinerante. surgido no cenário da cidade em 1895 como um desconhecido, em apenas dois anos ele é reverenciado por sua competência. os impulsos criativos já tinham sido demonstrados na área cultural, liderando o surgimento de entidades como
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o Photo Cub do Ceará. agora, com a chegada dos projetores de imagem e movimento, que surpreendeu o público local com o Kinetoscope de Visor e o Kinetoscope projetor (Projetoscópio), de edison, e o Cinematographo, dos irmãos Lumière, Moura Quineau resolve ampliar o espaço de sua história. no dia 3 de fevereiro de 1898 é feita a apresentação da última novidade de Paris, o Chronophotographo Demény, um projetor patenteado por georges demèny, originalmente com películas de 60 milímetros de largura, comercializado em versão de 35 mm a partir de 1895, por Léon gaumont. Moura Quineau tem o mérito de ser o único a valorizar a novidade e importar um aparelho para exibição itinerante no Brasil. na programação cearense até 17 de fevereiro, foram apresentadas as películas originais de gaumont complementadas por vistas animadas de outros produtores: avenida da ópera (Place de l’opera), 1896, de georges Méliès; Cavalaria espanhola - vestuário de manobras (Cavalerie), 1897, Lumière; Cavalos em Liberdade (Chevaux en Liberté); Chegada de um trem (L’arrivé d’un train), 1896, de Méliès; Cisnes e Cegonhas nas Margens do tejo (Les Cygnes), 1897, Pathé frères; Colheita de trigo (Batteuse du Blé), 1897, Lumière; dança gênero Moulin rouge -fantasia; dança Japonesa (danseuses Japonaises), 1897, Lumière; dança serpentina Lois fuller (danse de la Lois fuller), 1897, Pathé frères; desfile de artilharia 14 de Julho de 1896 (défilé d’artillerie à la revue du 14 Juillet 1896), gaumont; duas senhoritas em duelo, duelo feminino ou duelo de senhoras (Combat de femme), 1897, de félix Mesguisch; exército espanhol (défilé d’un regiment d’infanterie), 1897, Lumière; festa Popular - Barreira do trono; as gôndolas no Porto de Veneza (Les gondoles à Venise), 1896; as grandes águas de Versalhes (Les grands eaux de Versailles), 1896, gaumont; guerrilhas espanholas; o Lavrador; Lição de equitação (La Leçon d’Équitation), 1896; a Partida de Cartas (Une Partie de Cartes), 1891, Méliès; a saída das oficinas Panhard e Lavassor (Le sortie des Usines Panhard et Lavassor), 1896, da gaumont; salto de Cercas por um esquadrão de dragões (sauts d’obstacles par les dragons), 1896, Pathé frères; ss. MM. o Czar e Czarina Chegando a Paris (arrivé
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Chronophotographo demény.
a Paris de LL. MM. L’empereur et l’imperatrice de russie), 1896, Cinematographie e. Pirou; os três Jogadores; Zuavos no exercício. a iniciativa de Moura Quineau recebe aplausos na imprensa local: CHRONOPHOTOGRAPHO DE DEMENY O maravilhoso apparelho de G. Demeny, actualmente em exhibição devido aos esforços particulares do sr. Moura Quineau, vai legitimando pelos resultados a grande attenção e interesse que excitou de nossa parte. É que só acreditamos nas provas, e as provas vão, por sua vez, demonstrando, que com mais algumas sessões, o chronophotographo constituirá um attractivo fascinador para o intelligente publico desta capital. Porquanto este mesmo publico, em cujo animo notamos uma certa sympathia pelas cousas d’arte, sabe perfeitamente que a reputação da obra prima do conhecido phyisico não se firmou pela plethora dos annuncios e demasias dos noticiários, porém pela sua própria superioridade. Os seus similares, nossos conhecidos, cinematographos, kinetographos, etc., posto que muito inferiores ao principal modelo se acham vulgarisados em maior amplitude. Não obstante, o chronophotographo de Demeny é o único que emprega as pelliculas de sessenta milímetros
gaLeria de niCoLa Maria Parente Mulher. n. i. acervo ary Bezerra Leite.
gaLeria de niCoLa Maria Parente n. M. Parente. Photographo e dentista. Verso do retrato anterior. acervo ary Bezerra Leite.
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galeria de nicola Maria Parente Mulher n. i. acervo fundação Joaquim nabuco.
galeria de nicola Maria Parente Maria amélia nóbrega. acervo fundação Joaquim nabuco.
de largura, permittindo projecções quatro vezes maiores e mais brilhantes que todas até o presente exhibidas, ultrapassando-os, quer pela nitidez e variedade das côres, excellencia da luz oxyphydrica ou oxyphyterica que substituem a luz electrica, quer pelo tamanho das photographias e precisão de seus movimentos. O publico verificará de própria presença a importância do admirável apparelho, visto como possue entendimento, o critério que o habilitam a discernir e appreciar com equidade. Nossas felicitações, pois, ao sr. Moura Quineau pela obra d’arte que está praticando com a exhibição do chronophotographo. (586)
fortaleza (1901) e no theatro santa rosa, em João Pessoa (1902). amante de novidades e espírito ousado, Moura Quineau na virada do século volta a investir no cinema. escolhe como projetor outra invenção francesa, o Aléthorama, de Paul Mortier e Chéri rousseau, único no gênero a vir para o Brasil, e com ele inicia sua despedida do Ceará. após assinar em cartório, no dia 6 de abril de 1906, a penhora do seu atelier com todas as máquinas e utensílios, ele estréia o Aléthorama em fortaleza, no theatro João Caetano, no dia 13 de abril extendendo as exibições até 15 de maio. no dia 23 de maio ele assina contrato cartorial com Luiz Mariano de serra e silva, para prestar-lhe serviços nas suas viagens de divulgação. iniciava uma viagem sem volta. inexplicavelmente seria esquecido na imprensa cearense. Com o novo projetor fez apresentações em inúmeras
Com o Chronophotographo demény, desconhecido no mercado, ele faz exibições itinerantes, das quais localizamos em são Luís e salvador (1898),
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galeria de nicola Maria Parente José francisco Vieira de Melo. acervo fundação Joaquim nabuco.
galeria de nicola Maria Parente Crianças n. i. acervo fundação Joaquim nabuco.
cidades. Localizamos sua presença, em 1906, em são Luis, no theatro João Caetano; em teresina, no theatro 4 de setembro; em sobral, no theatro são João, e em natal, no theatro Carlos gomes. em 16 de abril de 1907, em Maceió, ele estréia no theatro Maceioense. Prosseguia um pouco mais sua itinerância de exibidor de cinema. seu prestigiado ateliê em fortaleza estava em outras mãos. Moura Quineau traçara novos caminhos em que renasce a paixão pela fotografia que vai ocupar o restante de sua vida, intensa e cheia de episódios ocultos a desafiar a perícia do pesquisador. 579. A República, Fortaleza, ano VII, nº 159, 5ª feira, 19 Jul. 1897, p. 1. 580. Leite, A. B. A Tela Prateada (Cinema em Fortaleza - 1897-1959). Fortaleza: Secult / Ceará, 2011, p. 20-21. 581. A República, Fortaleza, ano VII, nº 212, 2ª feira, 20 Set. 1897, p. 1. 582. Leite, A. B. Fortaleza e a Era do Cinema (Pesquisa Histórica, Volume I 1891-1931). Fortaleza: Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, 1995, p. 52.
583. A República, Fortaleza, ano VII, nº 208, 4ª feira, 15 Set. 1897, p. 1. 584. Leite, A. B. Memória do Cinema: Os ambulantes no Brasil (Cinema Itinerante no Brasil, 1895-1914). Fortaleza: Premius, 2011, p. 100. 585. A República, Fortaleza, ano VII, nº 263, sábado, 20 Nov. 1897, p. 4. 586. A República, Fortaleza, ano VII, nº 32, 3ª feira, 8 Fev. 1898, p. 1.
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1897-1899
Pintores e retratistas fin-de-siÈCLe A contribuição artística de nacionais e estrangeiros
José de Paula Barros, antonios rodrigues e raimundo ramos. acervo nirez.
fortaleza vivencia tempos de modernidade. não são necessários índices comprobatórios dessa transformação. Mais valiosa é a apreciação entusiástica do cronista diário, que se assina Photographo, ao descrever o crescente movimento de veículos na cidade: Passa o primeiro vehiculo... É a hora do sol posto, e as notas do carrilhão do Patrocínio fogem colleando no ar, numa tonalidade suave e doce, avivando as recordações e as saudades recalcadas para o fundo da alma. Passa o primeiro vehiculo: - é uma bicycleta elegante e esguia, cavalgada desairosamente pelo sportsman novato.
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Passa o segundo vehiculo: - é um carro que vem rumo da igreja. Dentro lobrigam-se folhos alvos, polvilhos alvos, brancuras de pellica, de envolta com o negro intenso de uma casaca. São os noivos que vêm casar. Passam outros carros, victorias, coupés, alcochoados das cores raras dos vestidos, das fitas, das pompas da moda; e, na carreira rápida das carruagens levadas a trote pelas parelhas nédias, espelha por vezes á luz da tarde o pello luzidio das claques. São os convidados. Mas passa outro vehiculo: - é um bonde de tostão, democrático e moroso, que demanda o bairro do Mororó. Tomo-o para pensar melhor, para recolher-me em mim
mesmo, para fugir á fustigante saudade que esta profusão de machinas do movimento me veio avivar na alma há tanto tempo anesthesiada pelo diabólico sceptismo das coisas, e pela ausência de affectos e de illusões. Mas, pela rua da Lagoinha, vem deslisando garboso e elegante – na sua soberbia de cyclope moderno – o bojo negro de uma locomotiva. Na frente brilham em lettras de oiro o numero de ordem – 22. E volta-me então mais intensa o diabo da saudade, implicante, cruel, obcecante; volta nostalgia dos tempos idos, volta-me á mente amargurada a minha doce e quieta aldeiasinha mettida entre os cajueiraes copados, cortada pelo riacho de águas claras, tão claras, tão transparentes que deixam a descoberto no fundo a brancura nívea dos seixos. (587)
Favorita acha-se em exposição o retrato do malogrado moço Francisco Nogueira Filho, official da Caixa Econômica, ultimamente fallecido. O que é para notar no trabalho é que o fallecido nunca se photographara; e, desejando o seu venerando pai possuir o seu retrato, entendera-se com Rodrigues, que conhecera apenas Nogueira Filho quando criança e vira-o uma vez de relance no estabelecimento em que este era empregado ultimamente. De memória, pois, e com informações de terceiro, conseguiu o nosso intelligente conterrâneo preparar um retrato, que, alem da correcção dos traços, é a semelhança fidelíssima de Nogueira, segundo informações de todos que conheceram o retratado. É caso para saudarmos o intelligente artista cearense. (589)
a cidade é também artisticamente mais viva ao confrontarmos a plêiade de artistas dos pincéis que convivem com os amadores e profissionais da fotografia. Pintores e desenhistas deixam seu nome nos esperançosos anos de fim de século. Uma galeria em que muitos assumem um lugar de destaque.
ativo profissional da pintura e retratista afamado deixou-nos também registros fotográficos com a assinatura de a. roiz, comprovando sua presença nessa arte. a melhor síntese desse artista brilhante foi escrita pelo fotógrafo-pintor otacílio de azevedo, em seu antológico livro Fortaleza descalça:
ANTONIO RODRIGUES [A. ROIZ]Abrindo a lista destacamos o pintor e desenhista Antonio Rodrigues, nascido em Fortaleza a 15 de julho de 1867 e falecido na mesma cidade a 15 de setembro de 1915. Aos 30 anos de idade já se consagrara com respeitável clientela no seu ateliê à rua Formosa (atual Barão do Rio Branco), nº 163. Seus méritos são exaltados, em crônica de jornal, pelo seu discípulo Otacílio de Azevedo:
Antonio Rodrigues foi, indiscutivelmente, o melhor retratista a carvão e “crayon” do Ceará – talvez mesmo do Brasil. De anônimo e obscuro barbeiro que era, especializou-se com esforço próprio, de tal forma, na arte do retrato que só podemos compará-lo a Antonio Carneiro, de Portugal. A diferença entre os dois era a técnica: enquanto Antônio Carneiro trabalhava com o lápis, Antônio Rodrigues fazia-o com pós pretos e pincéis ou esfuminho. A absoluta fidelidade dos seus retratos, a leveza de suas roupagens, a imponência do veludo na sua maciez, os pormenores dos reflexos luminosos eram-lhe familiares. Os traços seguros de uma lapela, o laço impecável de uma gravata sobre o branco peitilho de uma camisa engomada, onde ardia, fosforescente, uma pérola ou um brilhante, a miniatura de uma cabeça, dentro de um camafeu sobre fofos de rendas – tudo isso era só seu. Só ele era capaz de fazê-lo com maestria, paciência de ourives e absoluta perfeição. [.....] Estatura mediana, paletó esverdeado, gorro de feltro, cabelos negros encaracolados a lhe caírem sobre a testa
Imitava, com o auxílio apenas dos pincéis, o que N. Olsen fazia com as melhores objetivas e o mais fino gosto artístico e proficiência fotográfica até hoje não igualada. (588) o talento de a. roiz, como também assinava o artista, era reconhecido nas notas dos jornais, como no retrato de um jovem falecido que nunca se fotografara: PINTOR ANTONIO RODRIGUES Mais um laurel acaba de conquistar este esperançoso artista cearense. Na loja
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sonhadora, nariz aquilino onde descançavam os aros de ouro de um pince-nez, bigodes retorcidos, cavanhaque à Richelieu roçando-lhe as asas de borboleta de uma gravata de seda colorida – eis o retrato do incomparável A. Roiz que ainda tenho na memória: o A. Roiz que sempre admirei como a um ídolo e venerei como a um Deus! (590) JUDITH ROSSAS - No rol das revelações, selecionamos como representante feminina, Judith Rossas, jovem promissora que expressou seu talento como desenhista e fotógrafa amadora. Exercendo profissionalmente o magistério, foi capaz de ganhar espaço no segmento das artes, justificando a retirada do seu nome do esquecimento que encobre vocações artísticas da terra cearense. O primeiro reconhecimento público da artista aparece, em 1897, na primeira página de A República: Bello trabalho. Há dias que nos mostraram um magnífico desenho á crayon, perfeitamente acabado e denunciador de uma intelligencia promissora e habillisima. Era o retrato de uma senhora, com toda a correcção das linhas e cuidado dos contornos, um bello trabalho de arte. Contaram-nos que fôra produzido por uma das nossas mais intelligentes conterrâneas e distincta educadora, a exma. sra. D. Judith Rossas. Desde então nos resolvemos a tornar publico as aptidões artísticas da digna preceptora como uma homenagem devida ao seu talento e aos seus esforços. É o que hoje fazemos gostosamente. (591) Filha do comerciante Francisco Fernandes Rossas e Amélia Borges Rossa, a jovem cearense se faz presente na vida social e artística da capital. É com frequência citada, a partir dos anos 1880, notadamente na programação escolar promovida pelo conceituado estabelecimento privado, Colégio Santa Tereza de Jesus, dirigido pela educadora Rufina Rossas. Nas festas de encerramento do ano letivo, Judith aparece saudando aos participantes em francês, como pianista em eventos musicais ou encenando esquetes teatrais. Ao desempenho de variadas expressões artísticas, acresce-se no final de século o
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desenho e o interesse pela arte fotográfica. Judith Rossas, em 1897, faz parte da diretoria da Sociedade Cearense de Amadores Photographos eleita a 8 de março e empossada solenemente a 21 de abril. Sob a presidência do Capitão tenente Ludgero Bento da Cunha Motta, comandante da Escola de Aprendizes Marinheiro, tendo como vice-presidente o Engenheiro Benjamin Accioly, a entidade prestigiou a mulher fotógrafa, indicando como diretores além de Judith Rosas, suas primas Julieta Pompeu e Alice Accioly, e Georgina Cabral. HENRIQUE JANNSEN - Mais um artista germânico, Henrique Pedro Christiano Jannsen, nascido em Bliestorf, Schleswig-Holstein, a 11 de julho de 1830, vem para o Ceará para o exercício de sua arte. Seu nome é lembrado na resenha biobliográfica Estrangeiros no Ceará, de Guilherme Studart (Barão de Studart): Depois de ter feito seus exames preparatórios, exerceu o cargo de professor leccionando em diversas casas particulares, fundando um collegio em Blahkenese, perto de Hamburgo, tendo discípulos internos e externos, o qual funcionou até 1895. Depois se mudou para Hamburgo aonde continuou com a mesma profissão. Fez a campanha da Dinamarca. Foi casado com D. Sophia Jannsen, née Hanfft, de Hamburgo, e de seu consorcio teve 4 filhos, dos quaes existem dois, sendo um Capitão de Fragata, Henrique Jannsen Junior, que exerce actualmente o cargo de Superintendente Geral do fornecimento naval em Kiel. A filha, Dª Olga Jannsen, casou com o negociante de Fortaleza, Joaquim Barroso. [...] Dª Sophia Jannsen, sua esposa foi condecorada pelo imperador Guilherme I pelos seus serviços prestados na guerra de 1870 com a Ordem pour le mérite. (592) Chegado em Fortaleza em setembro de 1898, alcança renome por sua expressiva atuação como professor e pintor retratista, com repercussão na imprensa: Um quadro mimoso O nosso digno amigo, sr. Joaquim Barroso, honrado
commerciante desta praça, deu-nos o summo prazer de espôr no salão principal desta folha um delicado trabalho de pintura a oleo executado pelo seu venerando sogro, o sr. Henrique Jannsen, representando uma de suas graciosas e interessantes filhinhas, de pouco mais de dois annos de idade. Não só por exprimir o brinde de um extremoso affecto paternal, como pela nitidez de traços e harmonia suavissima das tintas, a meiga e excellente pintura torna-se digna da attenção com que a sensibilidade do coração e do espirito cearense, costuma acolher essas revelações artisticas. (593) O artista estabelece também estreito relacionamento profissional com o cearense Moura Quineau. produzindo retratos a óleo a partir de fotografias feitas em seu ateliê: RETRATOS O eximio artista allemão sr. Henrique Jannsen, continua a trazer expostas em o nosso salão principal, duas bellissimas telas representando uma adorável creança e uma gentil patrícia nossa, copias de duas incomparáveis photografias do atelier Quineau. São dous trabalhos que honram o pincel do sr. Henrique Jannsen, depois de terem affirmado a primasia artística no gênero, em todo norte, do distincto photographo cearense, os quaes, por certo, não deixarão de merecer o justo conceito e os encômios dos entendidos. (594) Henrique Jannsen, falecido a 18 de dezembro de 1916, deixou descendência no Ceará e um acervo de obras de valor artístico. LUIZ SÁ - No dia 23 de dezembro de 1898, Fortaleza perde um dos seus notáveis desenhistas e excelente cenógrafo, Luiz Felix de Sá. Nascido em Fortaleza, a 9 de janeiro de 1845, professor de desenho da Escola Normal do Ceará, foram seus seguidores Antonio Rodrigues e Raimundo Ramos, dentre inúmeros artistas que marcaram época. Uma de suas últimas criações de repercussão foi a cenografia do palco do Club Iracema, na nova sede da rua Formosa, em 1894, acolhida com aplausos:
O theatrinho do “Iracema” Tivemos occasião de ver os trabalhos que se estão praticando no sympathico “Club Iracema”: A digna directoria, no sentido de nada poupar aos consócios do club, muito tem feito, preparando verdadeiros deslumbramentos. Agora mesmo examinamos todos os serviços do theatrinho. As obras sob a direcção do hábil sr. Antonio Meirelles vão em bom adiantamento. Muito admiramos o trabalho de scenographia caprichosamente dirigido e executado pelo sr. Luiz Sá e Ramos Filho, que se têm mostrado verdadeiros artistas. O panno de boca, que representa os soberbos collosos de Memnon em Thebas, é uma cousa perfeitamente trabalhada,deslumbrantemente artística. A coloração, os tons, a soberbia da pintura trahem a aptidão do artista, fasendo ver ao observador a magestade do quadro que a tela representa. Damos parabéns ao sympathico club, felicitando o sr. Sá e seu ajudante pela magnificência do seu precioso trabalho. (595) O espetáculo inaugural do teatro do Clube Iracema, na noite de 4 de novembro, reafirmou o talento artístico de Luiz Sá, recebendo uma consagração da crítica: CLUB IRACEMA Lamentamos não dispor da palheta e do gênio artístico do eminente desenhista e pintor cearense, o sr. Luiz Sá, para em pincelladas, seguras, de um colorido bello e nítido, dessa belleza encantadora que ás suas creações sabe dar aquelle emérito professor, pintarmos, tal qual foi, a deliciosa festa inaugural do Theatrinho Iracema. Eram quase nove horas, quando o magnífico panno– reclame, onde se vêem annunciadas, em interessantes allegorias, atravez das quaes transparece a mestria do Sr. Luiz Sá, uma surprehendente “mise-en-scene”, feriu a nossa retina. [...] (596) No Dicionário Bio-Bibliográfico Cearense, o Barão de Studart reconhece os méritos artísticos de Luiz Felix de Sá:
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Nunca frequentou escola ou curso de artes e não obstante foi aquelle artista, que todos nós admiramos e tivemos como o mais genuíno representante das artes Cearenses do seu tempo. O trabalho de scenographia do theatro do Club Iracema, á Rua Formosa, inclusive o Panno de Bocca, que é de grande efeito e que representa as Estatuas de Memnon em Thebas, foi todo de Sá. (597) retratista, autor de obras artísticas de reconhecido valor, deve-se a ele as cópias de antigos Mapas Cearenses, que integram o acervo do instituto do Ceará. JoAQuIM DA coSTA NoGuEIRA - nos preparativos para a exposição de Chicago, em 1892, fomos descobrir talentos desconhecidos de duas personalidades da história cearense. a vocação fotográfica do escritor antonio Bezerra, e a habilidade no desenho de Joaquim da Costa nogueira, sempre lembrado como notável educador. os organizadores da mostra do Ceará ao selecionar as vistas fotográficas de antonio Bezerra optaram por apresenta-las em desenhos ampliados. fugindo à opção de recorrer a desenhistas já conhecidos, elegeram um jovem desenhista da Comissão de açudes de Quixadá, Joaquim nogueira que teve seu nome erroneamente grafado na noticia de A República: Rico em talentos de todos os gêneros o Ceará produz cada dia um artista novo, que começa anonymo, não se sabia onde estava, nem se sabe com que se fez. A commissão da Exposição ainda não procurou inutilmente uma pessoa para algum dos muitos misteres d’arte e officios, que precise attender. Sempre encontra, com quem tratar á vontade, e muitas veses com sorpresa. Agora, precisava-se faser copiar em ponto grande muitas paizagens, que o Sr. Antonio Beserra, em sua paciente excursão pelos sertões do Ceará, tinha photographado. Era de mister passar para o papel, em maiores proporções, o que na sua extrema delicadeza tinha apanhado a machina, que faz do sol pintor. Guardando as devidas proporções, e reproduzir as sombras mysteriosamente emitadas da natureza, tudo demandava talento e pericia.
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Indicaram para este trabalho um moço da nossa bôa sociedade, o Sr, Nogueira de Freitas, que mal suspeitava a cidade ser tamanho artista, e eil-o que em poucos dias, produz uma collecção numerosa de vistas as mais difíceis de figurar, executadas com mão de mestre! É um trabalho a cobro de qual quer censura, e cuja critica demandaria alta pericia dos homens da arte. [...] Nada mais fiel e bem acabado. As sombras apanhadas com subtileza admirável produzem no espirito a illusão de se estar na presença do original. (598) o nome de Joaquim da Costa nogueira é corrigido em edição posterior, como o habilíssimo artista que reproduziu a coleção fotográfica de antonio Bezerra. Biografado pelo Barão de studart, no Dicionário Bio-Bibliográfico Cearense, consta que ocupou o emprego de desenhista da Comissão de açudes de Quixadá entre agosto de 1890 a outubro de 1898. Consagra-se depois como educador, ao fundar o colégio s. Luiz de gonzaga (Quixadá, 1897), dirigir o ginásio Baturiteense (1898) e criar o instituto de Humanidades (fortaleza, 1904). nascido em aquiraz a 28 de dezembro de 1866 veio a falecer em fortaleza, em 21 de julho de 1935. seu filho único, José de Mendonça nogueira (1892-1914), vítima de brutal assassinato, foi um destacado fotógrafo amador com inúmeras fotos publicadas em revistas de circulação nacional. RAIMuNDo RAMoS (RAMoS coToco) Poeta boêmio e pintor profissional são as marcas predominantes de raimundo ramos, companheiro de antonio rodrigues e José de Paula Barros, que se torna popular após a virada do século, quando publica seu livro “Cantares Bohemios” (1906) e faz as alegorias que ornam o foyer do theatro José de alencar, inaugurado em 1910. nascido em fortaleza em 1871 e falecido a 20 de outubro de 1916, foi também retratista, lembrado na valiosa obra de otacílio azevedo, “fortaleza descalça”: Ramos Cotoco – como era largamente conhecido, por lhe faltar o braço direito, foi um dos mais populares artistas que o Ceará produziu. Pintor, musico e poeta lírico,
mergulhado numa fatiota de estopa – talhada, porém, pela melhor tesoura da Capital, a Alfaiataria Amâncio – e de cuja lapela pendia o topázio de um girassol, sempre ao lado de A. Roiz e José de Paula Barros, teve os melhores dias vividos na mais espiritual boêmia em que pode ingressar um espírito despreocupado e sonhador. [...] Colorista inigualável, ninguém melhor do que Ramos Cotoco soube desvendar os segredos da paleta, da exata combinação de tonalidades, da perspectiva aérea. Como paisagista, foi superior a muitos que, cursando academias, aqui aportaram vindos do Sul do país ou mesmo do estrangeiro. Suas paisagens eram apreciadas devido à poesia que delas se evolava um como milagre. Suas árvores, lavadas de sol e batidas pelo vento, vestidas de exuberante clorofila, pareciam mover-se; suas cachoeiras, caindo sobre as sáxeas arestas dos rochedos limosos, delineadas as mais das vezes em bruno Van Dyck, eram de uma leveza tal que nos davam a impressão de minúsculos lençóis de água sob finíssimos bordados de espumas. Era o mágico do pincel, o soberano das cores. (599)
especializados e dificílimos motivos, dentro da própria natureza, para engrandecimento e originalidade de suas telas. (600) no novo século, José de Paula Barros produz diversas obras significativas como os retratos de José de alencar e Carlos gomes, no foyer do theatro José de alencar (1910). nesse período dedica-se intensamente à arte fotográfica, com a Photographia americana, na rua Major facundo, 1424, arrendada por ele em agosto de 1911. os últimos anos de sua vida transcorrem no Maranhão, onde exerce novamente a pintura, produz obras de relevo como o retrato a óleo de Carlos gomes, no theatro são Luiz, e instala na Photographia Popular, uma escola de desenho e pintura. integrado à vida maranhense, ele aparece como sócio fundador do sport Club Luso Brasileiro e de uma sociedade beneficente para acolher a colônia cearense.
JoSé DE PAulA BARRoSo - grupo de artistas cearenses que impulsionava o movimento das artes plásticas no final de século pode ser coroado com o nome de José de Paula Barros, que exerceu sua arte no Ceará e Maranhão, dividindo depois seu talento com a fotografia. em artigo de jornal otacílio de azevedo, pintor e fotógrafo como ele, descreve sua importância no cenário artístico cearense: José de Paula Barros foi e continua sendo, com excepção, apenas, do consagrado artista que é Raimundo Céla, o maior pintor figurista do Ceará, não só pela técnica segura de seus trabalhos, como, também pela absoluta impecabilidade de seu desenho. Retratista a óleo, decorador dos melhores, só comparável a Jacinto Matos, de invejável méritos artísticos, arquiteto consciencioso, aliava, devotada á sua arte pictorica, acima de tudo, num devotamento exemplar, a mais alta nobreza de caráter e consistente formação moral. Espírito equilibrado, e de largos surtos de imaginação, ao contrário de A. Roiz, que se fiséra especializar tão somente no retrato a carvão, procurava os seus mais
587. A República, Fortaleza, ano VII, nº 203, 5ª feira, 9 Set. 1897, p. 1. 588. O Povo, Fortaleza, ano XII, nº 2822, 6ª feira, 16 Jun. 1939, p. 7. 589. A República, Fortaleza, ano VII, nº 246, 6ª feira, 29 Out. 1897, p. 1. 590. Otacílio de Azevedo, Fortaleza Descalça, (Fortaleza, UFC / Casa de José de Alencar, 1992, 2ª edição; 376 p) - pp. 282-283. 591. A República, Fortaleza, ano VI, nº 29, Sábado, 6 Fev. 1897; p.1. 592. Studart, G. “Estrangeiros e Ceará”. Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, tomo XXXII, ano XXXII, 1918, Tip. Minerva, p. 70. 593. A República, Fortaleza, ano IX, nº 95, 5ª feira, 26 Abr. 1900, p. 1. 594. A República, Fortaleza, ano IX, nº 267, 4ª feira, 21 Nov. 1900, p. 1. 595. A República, Fortaleza, ano III, nº 214, 5ª feira, 20 Set. 1894, p. 2. 596. A República, Fortaleza, ano III, nº 252, 2ª feira, 5 Nov. 1894, p. 1. 597. Studart, G. Diccionario Bio-Bibliographico Cearense (Volume II). Fortaleza: Typo-Litographia a Vapor, 1913, p. 283. 598. A República, Fortaleza, ano I, nº 134, 3ª feira, 27 Set. 1892, p. 1. 599. Azevedo, O. Fortaleza Descalça. Fortaleza: UFC / Casa de José de Alencar, 1992, p. 287. 600. O Povo, Fortaleza, ano XII, nº 2836, 6ª feira, 30 Jun. 1939, p. 7.
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1898
fernando franZ PiereCK e o franCÊs aLfredo dUCasBLe
Retratos a óleo e fotopinturas por artistas de Recife
ilustração Jornal do recife. 1 de junho de 1887.
a cidade segue caminhos de desenvolvimento. a vida cultural e recreativa está em pleno aquecimento. são indicativos as ativas instituições, como a academia Cearense, o Centro Literário, a Padaria espiritual e o instituto do Ceará, no setor literário. os palcos do theatrinho iracema e do theatro de Variedades recebem empresas visitantes dramáticas, de operetas e ilusionistas, e o grupo amador Bohemios faz sucesso com uma revista de costumes cearenses, em 1 prólogo e 2 atos, intitulado de passagem, ou da capital ao Mucuripe, de autoria de Crisólido gomes e cenografia de raimundo ramos, o popular ramos Cotoco. fazem temporadas os circos skinner, estrela e americano. e o cinema – a grande sensação do fim de século – afirma-se com o Kinetoscope Projetor, do Comendador acton, o Chronophotographo demény importado pelo fotógrafo
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Moura Quineau, e o Pantoscopio authomatico, no Passeio Público. os negócios se expandem, surgindo o atelier gráfico de Louis Cholowiecki, o moderno restaurante globo, na Praça do ferreira, a Padaria Palhabote e o elegante salão de bilhares Bois de Boulogne. fortaleza merece elogios de visitantes como os do escritor maranhense rego filho, que assim a descreve: A topographia da cidade é curiosa; de um aspecto bello e mesmo sumptuoso, rivalisando em apuros de limpeza e respeito a hygiene, com a renascente “Maceió”, tendo, apenas “Fortaleza”, a palma da Victoria. A “Fortaleza”, é incontestavelmente uma das cidades do Estado da União, em que a Intendencia Municipal, melhor reconhece, qual a importância, qual o papel, que representa como nota da civilisação. A do Rio de Janeiro,
pedir-lhe conselhos, sem vexar-se da sua humilhação a estes casos, seria, ao contrario, um documento de patriotismo e bom senso. Estudemo-la; imaginando-nos agora no Centro da cidade, e seguindo a linha de bonds “Ferro Carril Ceará”, tomada em frente ao edifício da Alfandega. O primeiro que se vê, é o “Thesouro Estadual”, bom estabelecimento, que fica quase junto ao quartel de que fallamos. Em frente está a Sé, que é uma igreja importante, e, desde que se volta a Rua da Boa Vista, hoje Floriano Peixoto, vê se no fim d’esta o edificio do “Correio”, que não é máo e fica em frente ao Passeio Publico, com grande movimento, porém menor que o de Pernambuco e Bahia. Está bem organisado. Passando a “Praça José de Alencar”, tem-se ao lado esquerdo o “Mercado Publico”, e ao direito o “Banco do Ceará”, que acha-se em um bom edifício; e que, no tocante ao seu movimento, pode dizer-se notável, sendo de assignalar-se a “Caixa Filial do Banco de Pernambuco”, que occupa o pavimento inferior do palacete do Barão de Ibiapaba. O “Mercado Publico” do Ceará, que na “Praça José de Alencar”, é elevado, espaçoso, todo de ferro, é inquestionavelmente o melhor de todo o Brasil. Em forma de uma mesquita, em três corpos, tem muito asseio e muita ordem. Ahi só se vende carne e peixe; para o commercio de verduras e fructas, existe em barracão coberto de zinco, destinando-se o mercado velho, que ainda se reconstrue ao de cereaes. A água que suppre ao mercado e serve para sua lavagem, que é feita cuidadosamente, é retirada por um moinho de vento, de uma grande cisterna existente na mesma “Praça José de Alencar”. Este mercado é um attestado, de que o Brasil pode ter cousas boas e dignas de applausos [...] (601) a capital cearense vive então em interesse crescente pela fotografia, como demonstra o surgimento das associações em apoio dos amadores da nova arte. Convivem então os artistas plásticos em intercâmbio com os cultores da fotografia, muitos deles provenientes de outros estados. Vários desses artistas vêm do recife, como o artista francês alfredo ducasble, em viagem de despedida do Brasil, em retorno ao
seu país. em mais de 20 anos notabilizou-se com a sua Photographie Parisienne, exemplar ateliê pernambucano. após constituir família em recife, conquistando o reconhecimento por serviços prestados à comunidade, repassou seu famoso ateliê a Ludgero Jardim da Costa, e regressou a Paris onde fixa residência e inicia uma nova profissão produzindo e comercializando medicamentos. a respeito de a. ducasble, o periódico a Província, de recife, divulga suas novidades parisienses: O sr. A. Ducasble, antigo proprietário da photographia Franceza á rua do Barão da Victoria, hoje pertencente ao sr. Ludgero Jardim, acaba de dar-nos noticias suas, escrevendo-nos de Paris, onde reside actualmene. Domiciliado durante muitos annos no Recife, onde constituio família e conquistou largas sympathias o ilustre cidadão francez prestou relevantes serviços á instrucção pública d’aqui, dispensando o seu concurso desinteressado, como professor de desenho e caligraphia, ao Lyceu de Artes e Officios e á Escola Propagadora. Tendo-se depois dedicado profundamente ao estudo da flora brasileira e conseguindo, a custo de pacientes investigações e meticulosas experiências, o conhecimento perfeito das propriedades medicinaes de muitas plantas, submeteu-as a processos scientificos, manipulando assim os medicamentos que hoje constituem a pharmacia Ducasbline, popularíssima em Paris, para onde se retirou desde 1889 o sr. Ducasble. O uso destes específicos é aconselhado pelo Instituto Medico d’aquella capital, conforme nos afirma em sua carta o sr. Ducasble, e o seu emprego tem obtido resultados maravilhosos nos casos de anemia, bronchites, moléstias do estomago e febres. (602) outro artista proveniente de recife chega a fortaleza, em fevereiro de 1898, o vienense fernando Piereck, destacado pintor e exímio artista em fotopintura: Está nesta e demorar-se-á algum tempo em trabalhos de sua profissão, o conhecido pintor sr. Fernando Piereck, o qual ultimamente concorrerá com seis quadros de sua producção para exposição artística do Recife.
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O sr. Piereck reside nesta ultima cidade onde tem atelier de pintura à rua do Barão da Victoria n. 30. Sua especialidade consiste em retratos à óleo, e photopinturas. Somos gratos ao obsequio da visita que nos fez e esperamos, por seus precedentes, tenha na terra cearense, benévolo acolhimento. (603) a presença na capital cearense de fernando Piereck é saudosamente lembrada por gustavo Barroso no segundo volume de suas memórias:
antonio Marques de amorim. acervo Joaquim nabuco.
Vitorino de Paula ramos. acervo Joaquim nabuco.
Durante o ano fiz amizade com um pintor austríaco, Piereck, cujos filhos tinham uma fotografia em Recife e que viera ao Ceará pintar o retrato, em tamanho natural, do Presidente Acioli, ainda hoje existente na galeria do Palácio do Governo. [...] O austríaco era um homem simples, instruído e simpático, de chapéu cinzento desabado, gravata à La Valière e pera branca, o que lhe dava um aspecto de mosqueteiro ou de lansquenete. À tarde, íamos refrescar no Passeio Público, olhando o mar e conversando sobre os grandes pintores do mundo. Depois, jantávamos muitas vezes junto na Rotisserie Sportsman do Júlio Pinto, que se acabava de abrir à Praça do Ferreira e cujo gerente era o Genésio, antigo bedel do colégio do professor Lino da Encarnação, de volta do Amazonas. Freqüentávamos mais amiudamente o Petit Restaurant do Tristão Faria, onde um prato de camarões ensopados, com acompanhamento de arroz, compota de caju e café custava 600 réis. Die alten guten Zeit! O bom velho tempo, como dizem os alemães. O convívio com o pintor Piereck ainda hoje me dá saudades. (604) em fortaleza, Piereck estabeleceu-se no ateliê de niels olsen, trabalhando com pintura e fotopintura:
stela da silva Caldas. acervo Joaquim nabuco.
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Walter geoffry Von sohsten. acervo Joaquim nabuco.
601. A República, Fortaleza, ano VII, nº 268, 4ª feira, 23 Nov. 1898, p. 1. 602. A Provincia, Recife, ano XXIII, nº 287, 5ª feira, 20 Dez. 1900, p. 1. 603. A República, Fortaleza, ano VII, nº 30, 2ª feira, 7 Fev. 1898, p. 1. 604. Barroso, G. Memórias de Gustavo Barroso. Edição em conjunto das
Retratos a oleo e photo-pinturas Fernando Piereck recentemente chegado n’esta cidade communica ao respeitável publico, que se acha estabelecido na Photographia N. Olsen à rua Formosa nº 84, aonde trabalha das 11 às 3 da tarde. Segunda feira 14 do corrente exhibirá um de seus trabalhos já feitos n’esta capital. (605) o visitante ilustre, fernando franz Piereck, austríaco nascido em 1825, faleceu em recife aos 81 anos, em 11 de novembro de 1915. titulado pela academia de artes de Viena dedica sua vida à pintura. naturalizara-se brasileiro em julho de 1901. Uma extensa história artística em território brasileiro onde constitui família, tendo três filhos, elizabeth, fernando e Louis Piereck, este último um dos hábeis fotógrafos na capital pernambucana. seus primeiros trabalhos em fotopinturas teriam ocorridos, por volta de 1877, em recife, com alberto Henschel, e posteriormente em são Paulo, onde exerceu a profissão na capital, no estúdio de Carlos Hoenen, e em Campinas, no ateliê do sueco Henrique rosén. retorna ao recife, em 1886, recontratado pela Photographia Allemã, de Henschel, onde expande seu talento como pintor e retratista em tamanho natural. divide com daniel Bérard, que esteve no Ceará em 1891, o reconhecimento por participação na exposição de Belas artes, em 1989, dentre os inúmeros prêmios por suas obras mais notáveis. aos artistas da fotopintura, denominada em inglês photography on canvas, reconhece-se um importante capítulo de integração entre pintura e fotografia, graças à técnica de originais fotográficos de baixo contraste produzidos sobre papel ou tela e colorizadas a guache ou à óleo, compondo retratos de grande valor artístico. Uma das alternativas no competitivo mercado da arte fotográfica.
obras: Coração de Menino, Liceu do Ceará e Consulado da China. Fortaleza: Governo do Estado do Ceará, 1989, p. 242. 605. A República, Fortaleza, ano VII, nº 33, 4ª feira, 9 Fev. 1898, p. 3.
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1899
PHOTO CLUB CEARENSE
Fotógrafos amadores, suas associações e a presença feminina
Judith Rossas.
A capital cearense nos anos finais do século tem um programa obrigatório para os visitantes. O ramal ferroviário de Maranguape, inaugurado em janeiro de 1875, colocou a bela cidade serrana como visita imperdível a que nenhuma personalidade poderia se furtar. Assim foi com o Comandante Francis Keary e oficialidade do cruzador britânico Swallow que na passagem por Fortaleza recepcionaram a bordo com lauto almoço o presidente do Estado, dr. Nogueira Accioly. A cidade de Maranguape, mais uma vez, servia de cenário para a demonstração do desenvolvimento e prosperidade da terra cearense. No campo social, como vimos, há muito entusiasmo e invulgar interesse pela arte fotográfica, exemplificado pelas sucessivas criações de entidades de amadores para aprendizagem das novas técnicas
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do admirável invento de Daguerre. Assim, nos sete anos finais do século XIX, aparecem o Photo Club do Ceará, o Grêmio de Propaganda Photographica e a Sociedade Cearense de Amadores Photographos. A última dessas entidades, formalizada a 4 de julho de 1899, é o Photo Club Cearense, cuja presidência é entregue a uma mulher. Compunham a diretoria os seguintes amadores: Presidente – D. Maria da Glória Rabello Barroso; Vice-Presidente – João de Mello Rabello; Secretário – Capitão Raymundo Guilherme; Tesoureiro – Tenente Antonio Barroso de Souza Sobrinho; Bibliotecário – Alferes Luiz Irineo Ferreira Mendonça. Os amadores se organizam, mobilizam personalidades em todos os setores da sociedade, abrindo espaço para representantes femininos que ocupam, inclusive, a Presidência e outros cargos na
composição das diretorias. Um fato excepcional que acompanhava as mudanças ocorridas nos similares câmera clubs americanos que passaram a admitir mulheres como associadas, reconhecendo o papel relevante delas e visando tornar seus encontros mais sociais e festivos. Apesar de excluídas, até então, de associações amadoras, as mulheres aparecem como ativas empreendedoras desde o início da daguerreotipia. Geralmente, essas admiráveis pioneiras ingressavam na fotografia comercial por influência de pai ou esposo que trabalhavam nessa recente profissão. São exemplos, já anteriormente referidos, Madame Lavenue (1842), no Rio de Janeiro, casada com o daguerreotipista Hyppolyte Lavenue, e Madame Reeckell (1875), com ateliê próprio em Porto Alegre, após enfermar-se o esposo Carl Frederick Johann Reeckell, veterano retratista que visitou Fortaleza anos antes. Nem sempre realizavam um projeto pessoal, como no caso da visitante americana Janet Fletcher (1865), mas aparecem elas com a responsabilidade de papéis auxiliares. Helen Furman era colorizadora dos retratos produzidos pelo esposo, Robert H. Furman, na sua temporada cearense (1875). A francesa Emile Cosmopolitem tinha seu nome ao lado do marido, Eugène Benoit Baubrier, nos anúncios da Photographia Brazileira-Paris (1881), o que sugere exercer também as funções de retratista. São alguns bons exemplos da atuação de mulheres nos primórdios da fotografia comercial em nossa terra. A presença feminina nas associações de amadores-fotógrafos cearenses justificam o maior destaque e por essa razão a breve galeria dos personagens que contribuíram para a valorização da fotografia cearense, no século XIX, é aberta por seis mulheres que merecem o reconhecimento histórico. Muitos desses amadores ilustres não são lembrados por essa vocação, ou foram simplesmente esquecidos na memória cearense e, a todos, recolocamos nas páginas da história da fotografia, compondo um conjunto de homens e mulheres que se voltaram para o recente invento. A apresentação de seus nomes abre um extenso e rico filão para investigadores e historiadores da vida cearense.
Homenageando as mulheres cearenses, pioneiras da fotografia amadora, ressaltamos a jovem Judith Rossas com um perfil gentilmente composto pela escritora Angela Gutièrrez (Profa. Dra. Angela Maria Rossas Mota de Gutièrrez), que redigiu, a nosso pedido, o belo texto a seguir transcrito:
Traços e instantâneos de Judith Rossas Não ouso pintar seu retrato, Tia Judith, pois a conheci no ocaso de sua vida, quando era tênue sombra da bela demoiselle de naturais cabelos ruivos e olhos azuis, espigada, de corpo delgado e cintura fina, cabeça erguida para enfrentar e vencer desafios que seu tempo e seu espaço de vida lhe impunham e a que seu espírito independente e seus sonhos a impeliam. Tendo-a visto com olhos infantis que mal perceberam, na penumbra que a envolvia no momento de minha curta visita, os cabelos brancos e o robe de renda que cobria seu corpo frágil, imagino-a com os traços e os instantâneos que a memória da família guardou. Todos os dias da semana, Judith Rossas passava pelo centro da pequena Fortaleza. Usava chapeuzinho sobre os cabelos sempre bem penteados, em coque, com risca rigorosamente no meio da cabeça, e sombrinha para proteger a pele tão alva dos rigores de nosso sol. Professora de língua estrangeira, levava livro e colecionador à mão ao encaminhar-se à Escola Normal para ministrar suas aulas. Ao longo da vida, ouvi muitas vezes a guardiã da memória familiar, minha mãe, Angela Laís Pompeu Rossas Mota, sobrinha de Judith Rossas, pois filha do médico Dr. César Rossas, irmão da professora, contar que Tia Judith era mestra severa, consigo mesma e com as alunas, exigindo atenção às suas bem preparadas aulas e bons resultados nos estudos das mocinhas normalistas. Judith falava com desembaraço em inglês e francês. Conversava com Miss Saunders, a inglesa de quase dois metros de altura que viera para Fortaleza com o irmão contratado para trabalhar na construção do Porto do Mucuripe. Muitas vezes, minha mãe, ainda criança, era repreendida por imitar o sotaque britânico de sua tia e
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GALERIA DE AMADORES FOTÓGRAFOS DO CEARÁ NO SÉCULO XIX 1. A Presença Feminina da inglesa. Na conversa, entrava também a tia materna de minha mãe, Alba Pompeu, educada na Inglaterra e, mesmo, a mãe de Alba, Dona Angela Rossas Teixeira Pompeu, casada com Dr. Thomaz Pompeu de Souza Brasil, respeitadíssimo intelectual da cidade, filho do cearense que, durante o Império, fora conhecido e reverenciado nacionalmente - o Senador Pompeu. Dona Angela era parente próxima de Francisco Fernandes Rossas, pai de Judith, e sogra de Dr. César Rossas, que se casara com sua filha caçula, Laís Pompeu Rossas. Minha mãe contava também um detalhe curioso: Tia Judith, já idosa, mantinha em sua casa, na sala de almoço que dava para pequeno terraço, em preciosa gaiola com formato de castelo, uma talentosa graúna de estimação, a quem ensinara os acordes iniciais do hino da França, La Marseillaise, com que o pássaro brindava pequeno e apreciado espetáculo às visitas de sua dona. Tendo estudado em colégio dirigido pela Educadora Rufina Rossas, parente de seu pai, Judith aí aprendera canto e piano. E pela música, a arte foi entrando em sua vida. Gostava de artes visuais e chegou a expor, com sucesso, alguns desenhos de sua autoria. Na casa do Dr. Thomaz Pompeu e em outros salões frequentados pela sociedade fortalezense, Judith convivia com suas primas Alba e Laís e com outras jovens da família Pompeu, entre elas, Alice Pompeu Acioly, filha de Maria Tereza Pompeu Acioly (Marocas, casada com Antônio Pinto Nogueira Acioly e irmã de Dr. Pompeu), e com Julieta Pompeu, filha de Hildebrando Pompeu (casado com Lídia de Menezes Alves e irmão de Thomaz Pompeu). Não causa, pois, estranheza que, com essa proximidade em família, as três jovens – Alice, Judith e Julieta – tenham encontrado afinidades que as levaram a criar, com outros interessados, a primeira associação de fotógrafos amadores de Fortaleza, a Sociedade Cearense de Amadores Photographos, em 1899. Judith apreciava também outra arte imagética, o nascente cinematógrafo. Anos mais tarde com a inauguração, em Fortaleza, do Cine Theatro Majestic Palace,
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em 1917, seguido do Cine Moderno, em 1921, e do Cine Diogo, em 1940, tornou-se frequentadora assídua de sessões de cinema. Em cadernetinha pertencente a minha tia Maria Pompeu Rossas Freire, irmã de minha mãe e também guardiã da memória familiar, encontra-se anotado o dia de aniversário de Judith Rossas: 19 de agosto. Infelizmente, não foi possível encontrar até o momento as datas exatas de seu nascimento e falecimento. A partir de vários dados, como 1. A data de casamento de seus pais, Francisco Fernandes Rossas e Amélia Carolina Borges Rossas, em 23 de maio de 1874; 2. A data do nascimento de seu irmão César, em 3 de maio de 1883; 3. E considerando que Judith tocara piano e fizera saudação às professoras, em festa de seu colégio, em 1888 (ver Cearense, 01.12.1888), é plausível supor que Judith Rossas tenha nascido entre 1875 e 78. Quanto ao ano de seu falecimento, tendo em conta que o de seu irmão César aconteceu em agosto de 1959, e vários membros da família afiançam que o de Judith se dera alguns anos antes, suponho que ela tenha falecido entre 1954 e 57, possivelmente aos 80 anos. Alguns traços da personalidade de Judith e instantâneos de suas atividades revelam uma mulher à frente de seu tempo pois, ainda no final do século XIX, toma as rédeas sua vida austera e independente. Nossa mais justa homenagem aos admiráveis amadores e cultores da arte fotográfica no Ceará, que animaram essas entidades de fim do século. No mesmo nível de importância dos famosos fotógrafos comerciais da época, com destaque para Olsen e Quineau, eles bem merecem a honra de figurar nesta inédita
ALICE ACCIOLY – Diretora da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1899). Alice Pompeu Pinto Accioly, filha do Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly, Presidente do Estado, e de Maria Teresa Pompeu Accioly. Ao ser fundado o Grêmio de Propaganda Photographica (1897), foi produzido um artístico retrato da jovem e ofertado no seu aniversário em 13 de março. Casada, em 1905, com o Dr. José Francisco Jorge de Souza (Filho), nascido em 11 de dezembro de 1877 e falecido em 18 de abril de 1937. Médico, em 1902, pela Faculdade da Bahia, professor do Liceu do Ceará e da Faculdade de Direito, da qual foi Diretor. Deputado Estadual por três legislaturas entre 1905 e 1928. GEORGINA CABRAL – Diretora da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1899). A pesquisa que realizei tende a indicar que a fotógrafa amadora seja Georgina Cabral da Silveira esposa do então Coronel do Exército Francisco Cabral da Silveira, no exercício do comando militar no Estado. Seu nome é salientado em 1895, quando a banda de música do Batalhão de Segurança apresenta no Passeio Público, pela primeira vez, uma valsa à ela dedicada com o título “Linda Georgina”, de autoria do músico, do 2º Batalhão de Engenharia, Amaro Ferreira da Silva. O casal teve seis filhos, Othon, Ivan, Ubirajara, Augusto, Nair e Jacyra. Os três primeiros seguiram a carreira militar e a penúltima foi funcionária da Contadoria Geral da República. Aposentado com a patente de General, Cabral da Silveira faleceu no Rio de Janeiro em 27 de novembro de 1935. IZABEL REMIGIO SILVA E MELLO (Educadora, Compositora, Pintora) – Primeira das mulheres a integrar uma sociedade fotográfica no Ceará. Admitida como sócia, em 1897, na Sociedade Cearense de Amadores Photographos. Seu nome aparece, em
várias ocasiões, também como Izabel R. Silva ou Izabel Remigio da Silva. Desde o começo dos anos 80, evidencia-se em viagem ao sul e como professora de português, francês, música e piano, na rua Senador Pompeu, n. 60, e depois, ofertando aulas noturnas de música e piano, à rua Major Facundo, nº 148. Mantenedora de um colégio, entre 1887 e pelo menos até 1902, localizado sucessivamente na Rua Major Facundo, 158, e rua Senador Pompeu. Cultora da música e participante da sociedade Libertadoras Cearenses, acolhe elogios da imprensa pela composição da polka intitulada “Liberdade”, em honra do movimento abolicionista, apresentada por coral na alvorada festiva de 25 de março de 1884, dia em que se proclamava a eliminação da escravatura na Província do Ceará. Retirando-se para a Europa, em abril de 1904, Izabel R. da Silva, põe todos os pertences de sua casa em leilão, incluindo piano, móveis de luxo, espelhos de cristal, belas pinturas de sua autoria, e um grande numero de aparelhos incandescentes completamente novos, máquina fotográfica, etc. A publicação desse perfil é feita ainda com ressalvas, mas, no conjunto de itens em leilão há elementos que fortalecem sua identidade. JUDITH ROSSAS – Diretora da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1899). Filha do comerciante Francisco Fernandes Rossas e de Amélia Borges Rossas. Irmã do médico César Rossas. Educada no Colégio Santa Thereza de Jesus, estabelecimento particular da sra. Rufina Rossas, onde participava de atividades musicais e artísticas. Dedicou-se à pintura e o desenho. Foi professora de Inglês e falava essa língua fluentemente. Não se casou. Num chalé por ela vendido ao Estado em 5 de setembro de 1906, localizado na rua Formosa, nº 142, foi instalado dois anos depois o primeiro Grupo Escolar obedecendo a diretriz de construir ou adaptar prédios para os estabelecimentos públicos de ensino.
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JULIETA POMPEU – Presença viva nos eventos sociais na capital cearense. Foi diretora da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1899). Julieta Pompeu de Souza Brasil nasceu em 22 de setembro de 1873, e faleceu solteira. De ilustre família era neta de Thomaz Pompeu de Souza Brasil, o Senador Pompeu (1818-1877), bacharel em Direito, escritor, 1º diretor do Lyceu, Deputado e Senador. Seu pai o Engenheiro Hildebrando Pompeu (1853-1907), que foi Diretor de Obras Públicas do Estado e Fiscal da Estrada de Ferro de Baturité, era cunhado do líder político Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly, e irmão dos Drs. Antonio Pompeu (1851-1886), médico e industrial, e Thomaz Pompeu de Souza Brasil (1852-1929), Presidente da Associação Comercial do Ceará e da Academia Cearense e Vice-Presidente do Instituto do Ceará. MARIA DA GLÓRIA RABELLO BARROSO – Primeira mulher a presidir uma entidade de amadores fotógrafos no Ceará, foi eleita, em 1899. Presidente do Photo Club Cearense; tendo como Vice-Presidente, JOÃO DE MELLO RABELLO. O comando da entidade de fotógrafos amadores é entregue a dois nomes que estão exigir uma pesquisa aprofundada. A conclusão que apresento é que sejam irmãos e filhos de Captain Francisco Ferreira (1843 - ?) e Ana Torres de Mello (1841-1895). O casal teve oito filhos, entre os quais Maria da Glória de Mello Rabello e João Batista de Mello Rabello, nascido em 1877. Seriam então irmãos de Dustana Rabello de Mello, esposa do Engenheiro Militar Bernardo José de Mello, notabilizado depois pela autoria do projeto arquitetônico e construção do Theatro José de Alencar, inaugurado em 1910.
2. Os Amadores Fotógrafos ALFREDO DUTRA, Coronel (Comerciante, Agricultor, Deputado) – Coronel da Guada Nacional, Alfredo Dutra de Souza, foi nomeado Comandante Superior em Baturité (1892); Membro do Conselho de Intendência de Baturité (1897), exerceu a Intendência do município nos períodos 1900-1905,
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1910-12, 1914-19 e 1930-32. Deputado, várias vezes, presidente da Assembléia Legislativa e vice-Presidente do Estado. Expositor premiado com prata e bronze na Exposição de Paris (188) e representante por Guaramiranga na comissão organizadora para a Exposição de Chicago (1892). Um dos fundadores da Sociedade Cearense de Agricultura (1899) e sócio correspondente em Baturité da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1897), quando foi eleito Deputado estadual para o triênio 1897-1899. ALFREDO POMPEU DE SOUZA MAGALHÃES (Fiscal de Consumo) – Tesoureiro da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1899). Nascido em Santa Quitéria, Ceará, e 1º de abril de 1863 e falecido em Fortaleza a 12 de janeiro de 1937. Era filho de Thomaz Pompeu de Souza Magalhães e Maria Cesarina Ferreira da Costa (Maria Cesarina Pompeu de Souza Magalhães. Casou-se com Maria Cecilia Fiuza Pequeno (Maria Cecília Pompeu Magalhães). ANTONIO BARROSO DE SOUZA, Tenente (Militar) – Tesoureiro do Photo Club Cearense (1899). Trata-se provavelmente de Antonio Barroso de Souza Sobrinho, que iniciou sua carreira militar na Escola de Tiro de Campo Grande, Rio de Janeiro (1885). Era Alferes no 1º Batalhão de Infantaria, em 1892, quando o Comandante da Escola Militar o requisitou e concedeu-lhe matrícula nessa escola. Transferido para o 15º Batalhão de Infantaria. (1894). Tenente no 2º Batalhão de Infantaria (1897), concluiu o Curso Geral da Escola Militar em 1899. Foi promovido por estudos a Capitão, em 1902, quando pediu reforma. ANTONIO BEZERRA DE MENEZES (Escritor, Jornalista) – Nasceu em Quixeramobim em 21 de fevereiro de 1841, filho do Dr. Manoel Soares da Silva Bezerra e Sra. Maria Thereza de Albuquerque. Foi fundador e diretor do Photo Club do Ceará (1893). Sua coleção de 30 vistas do Ceará, fotografado como amador, foram ampliadas em reproduções em crayon pelo desenhista Joaquim da Costa Nogueira e exibidas
na Exposição de Chicago, além de outros 384 objetos de seu acervo sobre o Ceará. Fundador e redator dos periódicos O Libertador e O Ceará, membro de instituições culturais como a Academia Cearense, o Centro Literário de Fortaleza, a Padaria Espiritual, a Sociedade de Ciências Práticas e o Instituto do Ceará, do qual foi um dos fundadores. Grande batalhador pela extinção da escravidão no Ceará. Transferindo-se para a Amazônia, foi diretor do Museu Amazonense e redator-chefe do jornal Pátria. Designado representante em Manaus da Sociedade Cearense de Amadores Fotógrafos (1898). Faleceu em Fortaleza, a 25 de julho de 1899, em sua residência no Barro Vermelho, bairro que hoje tem o seu nome – Antonio Bezerra.
falecido a 24 de junho de 1932. Fornecedor da Capitania do Porto (1894) e comerciante estabelecido na rua da Glória. Iniciou-se como marchante e depois gerente encarregado do Mercado Público. Como empresário foi sócio das firmas Souza Martins & Cia. e Siqueira, Martins, Barros & Cia., e titular da casa comercial Antonio Diogo da Siqueira (1904), proprietária da fábrica Santa Elisa. Constituiu a Usina Ceará (1924) com a firma Siqueira, Gurgel, Gomes & Cia. Participou da fundação e exerceu a vice-presidência do Centro Industrial do Ceará. Tornou-se um nome prestigiado na vida comercial, industrial e social de Fortaleza. Integrou a Sociedade Cearense de Amadores Photographos, a partir de 1897.
Antonio Bezerra de Menezes
Antonio Diogo da Siqueira
ANTONIO DA JUSTA MENESCAL (Comerciante, Livreiro) – Cearense, filho do negociante José Bruno Menescal e sra. Antonia da Justa Menescal, e irmão de Bruno da Justa Menescal (médico) e José da Justa Menescal. Casado com Aurélia Severiano Ribeiro Menescal, irmã do empresário e investidor no setor cinematográfico Luiz Severiano Ribeiro. Foi sócio da firma Conrado Cabral & Cia., e proprietário da Casa Menescal, fundada em 1902. Na conceituada Livraria Menescal, teve Ribeiro como sócio de 1912 a 1915, quando este assumiu sua própria livraria e rede de cinemas. Antonio da Justa Menescal participa da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1898).
ANTONIO EUGÊNIO GADELHA, DR. (Engenheiro Militar) – Sócio da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1898). Nasceu em 1872, em Pacatuba, Ceará, filho de Bernardino Senna Gadelha e Sra. Maria Amora Gadelha. Aluno do Liceu e Escola Militar do Ceará cursou, posteriormente, a Escola Militar do Rio de Janeiro (18911894). 2º tenente de Artilharia (1894), concluiu o curso de Engenharia Militar e de Estado Maior (1899). Designado Capitão do 5º Batalhão de Engenharia. No Ceará, foi ainda agregado como Engenheiro Militar na Guarnição Federal, eleito vereador em Messejana e Fortaleza e Deputado estadual (1905), exercendo diversos cargos como o de Secretário da Intendência de Fortaleza. Proprietário do periódico Jornal do Comércio e revista O Perfil (1916-17), publicados em Fortaleza.
ANTONIO DIOGO DA SIQUEIRA (Comerciante, Industrial) – Nascido em São Francisco de Uruburetama (atual Itapagé) em 1º de setembro de 1864, e
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ANTONIO MONT’ALVERNE, Coronel (Comerciante) – Filho de Gabriel Arcanjo de Aguiar e Constância Lira de Aguiar, nasceu em Sobral, Ceará, onde foi comerciante de grande prestígio e militou nas fileiras do Partido Republicano Conservador. Titular da firma A. Mont’Alverne, com sede em Sobral e filial em Camocim. Casou-se em 1880 com Maria Elsa Bessa Guimarães, com sete filhos do consórcio. Designado sócio correspondente em Sobral da Sociedade Cearense de Amadores Photographos em 1897.
Accioly. Engenheiro pela Escola de Ouro Preto, Minas Gerais. Professor do Liceu do Ceará. Engenheiro das Obras Públicas do Estado. Dirigiu a fábrica de tecidos de propriedade do pai, incendiada em 1912. Casado em 1901 com Aline Pinto de Albuquerque, filha de José Pinto Coelho de Albuquerque, que foi Deputado estadual e Administrador dos Correios do Ceará, de Josefa Osório. Do casal não houve filhos. Sócio da Sociedade Cearense de Amadores Photographos, desde 1897, assumiu a vice-presidência em 1899.
FRANCISCO BARBOSA CORDEIRO, Dr. (Juiz de Direito) – Filho do Major Simão Barbosa Cordeiro, cursou Ciências Jurídicas e foi diplomado habilitado ao cargo de juiz de Direito, em 1872. Era Juiz de Direito da Comarca de Itapipoca (1897), quando foi designado sócio correspondente da Sociedade Cearense de Amadores Photographos. Entre outras funções ocupadas, consta a de Juiz de Direito na Comarca de Canindé, Ceará, a partir de 1901, e Vice-Presidente da Intendência de Canindé (1910-1911).
ANTONIO NUNES VALENTE (Contador) – Exerceu em 1897 a 1ª secretaria da Sociedade Cearense de Amadores Photographos. Guarda-livros e competente profissional na área de Ciências Contábeis.
BENJAMIN ANTANAHYDO – Sócio correspondente no Rio de Janeiro, da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1897).
FRANCISCO BENÉVOLO DE PINHO, Capitão (Militar) – Membro da Sociedade Cearense de Amadores Potographos (1897). Filho do Tenente-Coronel Reginaldo Benévolo Ferreira do Pinho, e da sra. Eugenia Correia de Pinho, de nacionalidade portuguesa, seguiu o mesmo caminho dos seus irmãos Odilon e Jaime Benévolo, de brilhante carreira militar, chegando ao posto de General de Brigada (1911). Músico amador, fez o hino, com letra de Virgílio Brígido, para a inauguração do monumento ao General Tibúrcio (1894). Deputado pelo Ceará ao Congresso Nacional (1895). Era também membro do Clube Cearense (1897). Natural de Maranguape, onde nasceu a 13 de dezembro de 1856. Faleceu em Fortaleza a 23 de junho de 1918.
ANTONIO RIBEIRO DO NASCIMENTO E SILVA (Industrial) – Proprietário de casa comercial, agrícola e industrial, em Maranguape. Titular da firma Ribeiro e Silva, fabricante de doces, comercializado por Ribeiro Filho & Cia. Como membro da Sociedade Cearense de Amadores Photographos, recepcionou os fotógrafos na visita programada em 1897. ARTHUR GURGULINO DE SOUZA – Residente no Rio de Janeiro, foi um dos fundadores a 1º de maio de 1898, do Centro Cearense. Nomeado membro do Conselho Deliberativo dessa associação representativa da colônia cearense. Credenciado como sócio correspondente na capital federal da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1897). AUGUSTO LOPES (Comerciante) – Admitido em 1897 como sócio da Sociedade Cearense de Amadores Photographos. Manteve estabelecimentos comerciais como as Casas Retalhadoras, à rua Sena Madureira, 56. Era também membro da Phenix Caixeiral e do Clube Iracema (1896). BENJAMIN ACCIOLY (Engenheiro) – Benjamin Pompeu Pinto Accioly, nascido em 1874,e falecido em 1946, no Rio de Janeiro. Quarto filho do Dr. Antonio Pinto Nogueira Accioly, senador federal e presidente da província do Ceará, e Sra. Maria Theresa Pompeu
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DOMINGOS BESSA GUIMARÃES, Major (Comerciante) - Cidadão português, nascido na freguesia de Meixomil, no Conselho de Passos do Ferreira, que constituiu família em Sobral, casando-se com Guilhermina Rodrigues Pimentel, em 14 de abril de 1858, com oito filhos nascidos desse matrimônio. Nomeado Major Fiscal do 44º Batalhão de Infantaria da Guarda Nacional em Sobral (1892). Assumiu a gerência da casa filial em Camocim da firma A. Mont’Alverne (1899). Sócio correspondente em Sobral da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1897). FELIX CANDIDO DE SOUZA CARVALHO, Dr. (Desembargador) – Formado pela Faculdade de Direito do Recife, foi Desembargador do Superior Tribunal da Relação do Estado (1909), exercendo o cargo de promotor nas comarcas de Inhamuns, Ipu, Fortaleza e Baturité, e o de Juiz nos termos de Tamboril, Sant’Anna do Acaraú, Jardim, Ipu, Pacatuba. Juiz substituto em Tamboril (1891-1895) e Jardim (18971898), período em que foi credenciado sócio correspondente em Tamboril da Sociedade Cearense de Amadores Photographos. Era filho de Candido José de Carvalho e sra. Francisca Izabel de Souza Carvalho. FIRMINO FERREIRA DA COSTA LIMA, Dr. (Engenheiro)- Membro da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1898). Exercia a chefia da 4ª divisão, via-permanente, da Estrada de Ferro de Baturité.
FRANCISCO DA ROCHA SALGADO – Sócio em 1898 da Sociedade Cearense de Amadores Photographos. Filho de Francisco Luis Salgado e de Virginia da Rocha, e irmão de Alfredo da Rocha Salgado e do médico Eduardo da Rocha Salgado. Bacharel em Direito foi também agente da Companhia Equitativa de Seguros de Vida, em Fortaleza. Casou-se com Laura Rocha, filha do Cel. Guilherme César da Rocha, político e Intendente Municipal de Fortaleza. Era diretor do Clube Cearense. Faleceu em Fortaleza em 4 de julho de 1928. FRANCISCO MARCONDES PEREIRA, Dr. (Engenheiro Civil) – Nascido em Fortaleza a 7 de outubro de 1866, fez o curso preparatório na Escola Militar, no Rio de Janeiro, e formou-se pela Escola Politécnica (1886-1890). Professor de Aritmética e Álgebra
no Liceu do Ceará e autor de vários livros como Apontamentos de Aritmética (1901), Noções de Aritmética (1904), Noções de Química Geral (1905) e Álgebra Elementar (1905). Foi Engenheiro nas Estradas de Ferro de Sobral e de Baturité (1894) e chefiou a Inspetoria de portos marítimos. Membro da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1898). GUILHERME ROCHA FILHO, Dr. – Diretor da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1899). Nasceu em Fortaleza, em 1878, filho de Guilherme César da Rocha e Angélica Pacheco Mendes da Rocha. Formou-se em Medicina, no Rio de Janeiro, em 1906, ali fixando residência e passando a clinicar.
Cel. Guilherme César da Rocha
GUSTAVE JOB – De descendência francesa, aparece como Presidente da primeira sociedade de amadores fotógrafos de Fortaleza, o Photo Club do Ceará, em maio de 1893. Vinculado aos setores franceses, fez parte da firma Boris Frères, representando seus titulares em suas ausências, e foi secretário do Vice-Consulado da França no Ceará. Associou-se em 1894 a José Theodorico de Castro em projeto de uma companhia costeira de navegação a vapor, e foi agente no Ceará da Companhia de Navegação a Vapor do Maranhão. Viajou em maio de 1895 para a França, por chamado de seus familiares em Cholon-sur-Sâone, na Bourgogne, em razão do agravamento de saúde de seu genitor. Registram-se no final do século viagens da capital federal a Fortaleza e uma provável visita a New York.
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HERÁCLITO DOMINGUES – Cearense radicado no Rio de Janeiro foi fundador, em 1º de maio de 1898, do Centro Cearense, e integrante da comissão que elaborou os estatutos dessa entidade. Afiliado membro da Phenix Caixeiral de Fortaleza e da Associação dos Empregados do Comércio do Rio de Janeiro. Sócio correspondente da Sociedade Cearense de Amadores Photographos.
(1841-1895). Entre seus outros seis irmãos consta Dustana Rabello de Mello, esposa de Bernardo José de Mello, Engenheiro militar que foi responsável pelo projeto arquitetônico e construção do Theatro José de Alencar, teatro oficial inaugurado em 1910 na capital cearense. JOÃO MONTEZUMA DE CARVALHO, Major – Designado sócio correspondente em Granja da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1897). Cearense, nascido em 1864 em Granja (Ceará), fez carreira militar. 1º cadete na Escola Militar do Rio de Janeiro, no 2º Regimento de Artilharia (1884), e nomeado como Major Fiscal do 31º Batalhão de Infantaria, em Granja (1892). Sobrinho do Coronel Salustiano Moreira da Costa Marinho, chefe político local, ocupou cargos políticos como Intendente de Granja, por nomeação do presidente do Estado, e elegeu-se deputado estadual (período 1897-1899). Seu nome aparece ainda como Servidor da Secretaria da Fazenda e Coletor Estadual em cidades como Crato (1922-26) e Camocim (1928-31).
JOSÉ IRINEU DE SOUZA – Professor, Artista Plástico. Nascido em Fortaleza, a 25 de março de 1850, teve sua formação na capital cearense com mestres como Victor Saillard, Padre Vieira e Johann Brindseil. Após empregos no comércio local segue para o Rio de Janeiro (1872), onde permanece por dez anos e faz curso no Imperial Liceu de Artes e Ofícios, sendo aluno dos renomados Victor Meirelles e Angelo Agostine. Trabalhou então na Photographia do Lopes, conhecido estabelecimento carioca. Autor do célebre quadro histórico Fortaleza Liberta (1883), comemorativo da libertação total dos escravos em território cearense. Viveu posteriormente em Belém e Manaus, com atelier, professor de desenho, Foi vereador em Manaus. Artista plástico, pintor e retratista, foi um entusiasta da Fotografia e ao lado do cearense Joaquim Moura Quineau, fundou o Grêmio de Propaganda Photographica (1897). Faleceu em Fortaleza, a 26 de agosto de 1924.
na Faculdade de Direito do Recife, formando-se com 19 anos de idade. Fundador do Centro Agrícola e Desembargador da Relação de Fortaleza. JOSÉ RAMOS DA FONSECA (Capitão de Fragata) – Conceituado militar. Como Capitão-Tenente, foi ajudante de ordem do Contra-Almirante chefe do Estado Maior da Armada (1891-1892, 1894). Integrou-se a 70 oficiais da Armada na manifestação no Clube Naval em defesa da ordem (1891). Foi promovido a Capitão de Fragata por atos no episódio da Revolta da Armada (1894), registrando-se o seu desembarque com alguns praças do Exército na ilha das Enxadas. Ao ser recebido com vivas da marinhagem à esquadra legal e a República, respondeu às saudações com exaltações ao Marechal Floriano. Foi comandante da canhoneira Carioca (1891), do cruzador Primeiro de Março (1895), do cruzador Parahyba (1896), do transporte de guerra Carlos Gomes (1897) e designado comandante da flotilha do Amazonas (1899). Ingressa como sócio, em 1898, na Sociedade Cearense de Amadores Photographos.
Honório Correa Lima
HONÓRIO CORREIA LIMA, Coronel (Agricultor, Político) – Nascido na vila de São Vicente de Lavras, Ceará, em 23 de julho de 1855 e falecido a 3 de de dezembro de 1938. Filho do Major Ildefonso Correia Lima e Fideralina Augusto Lima. Casado com Petrolina Augusto Lima. Exerceu vários cargos públicos, foi vereador municipal e prefeito em Lavras da Mangabeira, deposto em ação armada por sua mãe e seu irmão Gustavo Augusto Lima. Eleito deputado estadual sucessivamente em 1893, 1897 e 1901. Aceito como sócio correspondente em Lavras da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1897). JOÃO DE MELLO RABELLO – Vice-Presidente do Photo Club Cearense (1899), quando sua irmã Maria da Glória Rabello Barroso exerceu a Presidência. Nossas pesquisas, ainda não concluídas plenamente, conduzem a João Batista de Mello Rabello, filho de Captain Francisco Ferreira e Ana Torres de Mello
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JOÃO SEDRIM – Filho de Manoel do Nascimento Costa e sra. Maria Sedrim Costa, nasceu em Maranguape a 9 de dezembro de 1865. Fotógrafo amador, João Leocádio da Costa Sedrim, foi secretário do Photo Club do Ceará, fundado em 1893. Fez seus estudos no Instituto de Humanidades e Liceu do Ceará, tendo sido servidor dos Correios em Fortaleza (1882-1895). Transferindo-se para Salvador, Bahia, lá participou ativamente de organizações como o Centro Catholico Bahiano e exerceu cargo na Alfândega. Faleceu na capital baiana a 15 de agosto de 1910. JOSÉ FIRMIANO (Contador) – Sócio atuante da Phenix Caixeiral, onde fez curso. Exercia atividades de escrituração mercantil. Integra a Sociedade Cearense de Amadores Photographos a partir de 1897. Ator amador no Gremio Thaliense de Amadores, contracenanou com Carlos Câmara e Antonio Capibaribe, no drama O galé, ou O filho do marinheiro (1899).
JOSÉ SALGADO – Filho do capitalista e abolicionista Alfredo da Rocha Salgado e sra. Alexandrina Smith Ribeiro. Nasceu a 22 de setembro de 1876 e faleceu a 6 de fevereiro de 1929. Casado com Laura Vieira. Exerceu o cargo de 1º secretário da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1899).
José Moreira da Rocha (Desembargador Moreira)
JOSÉ MOREIRA DA ROCHA, Dr. (Desembargador) – Membro da Sociedade Cearense de Amadores Photographos, em 1898, era então Juiz de Direito em Maranguape, aos 22 anos de idade. Nascido em Sobral a 24 de maio de 1869 (por erro gráfico indicado como 1889, no citado Dicionario Bio-Bibliographico Cearense). Filho do Comendador José Antonio Moreira da Rocha e sra. Ermelina C. da Silva. Precoce, terminou os estudos preparatórios no Ginásio Bahiano aos 14 anos, e aos 15 matriculou-se
José Salgado
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JÚLIO BRAGA (Arquiteto, Professor) – Júlio Henrique Braga, Foi aluno do Liceu do Ceará e no Rio de Janeiro cursou dois anos de engenharia (1886-1887). Professor de desenho no Liceu do Ceará (1897) e arquiteto da Câmara Municipal de Fortaleza. Atuou no prolongamento da Estrada de Ferro de Baturité (1889-1901) Teve atividades intensas, com viagens ao Rio de Janeiro, Recife e Belém, e esteve em New York em julho de 1899. Faleceu na Vila do Castanhal, Pará, em 5 de setembro de 1901. Diretor no pioneiro Photo Club do Ceará (1893) e sócio representante em Porangaba da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1897).
Júlio César Fonseca
JÚLIO CÉZAR DA FONSECA, Filho (Jornalista) – Intelectual cearense, “o homem do Ceará de maior erudição e que mais lê”, “ávido de conhecimentos e a acompanhar paripassu e sem trégua o movimento das letras e das artes”, na avaliação do Barão de Studart, que lhe dedicou dez páginas no seu Dicionário Bio-Bibliographico Cearense (Volume II, 1913). Nascido em Aracati a 10 de outubro de 1850, filho do Major Júlio César da Fonseca e sra. Joanna Ramos da Fonseca. Prosador, orador, abolicionista, advogado e jornalista, colaborador de A República, autor de panfletos políticos, Secretário da Câmara Municipal (1892). Sócio e um dos fundadores do Instituto do Ceará. Membro da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1898).
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JÚLIO DE FREITAS JÚNIOR – Sócio correspondente no Rio de Janeiro da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1897). Aparece nesse período na Capital Federal em diferentes áreas de arte e cultura, sendo exemplo, a autoria de cançoneta burlesca “Uma noiva fim de século” (1895) e de um livro de poesias, Embrionários (1897), editados na capital federal. LUDGERO BENTO DA CUNHA MOTTA, Capitão-Tenente (Militar) – Nascido em 1860, entrou na Escola Naval como aspirante em 1876. Em 30 de novembro de 1896, foi promovido a Capitão-Tenente da Armada. Sócio eleito Presidente da Sociedade Cearense de Amadores Photographos em 1899. Recebeu elogios pelo desempenho como Comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros, em Fortaleza. Participou da elaboração dos Estatutos do Club Naval (1902), na área de Legislação Marítima e Direito Internacional. Era 2º Comandante do Cruzador-Escola Benjamin quando faleceu, em Niterói, a 13 de junho de 1903. Sobre ele diz a Revista Marítima: O Comandante Ludgero Motta era um oficial dedicado da Marinha, sendo ativo e trabalhador. A Escola de Aprendizes Marinheiros do Ceará atesta até hoje a disciplina que o seu ex-comandante soube inspirar, tendo sido por varias autoridades elogiado pelo muito que fez nessa escola. LUIZ IRINEO FERREIRA MENDONÇA, Alferes (Militar) – Aprovado no curso preparatório na Escola Militar do Ceará (1895), conclui sua formação militar no Rio de Janeiro, Comissionado no posto de Alferes do Exército, em 1894, ainda cadete-aluno. Em Fortaleza, participou do Photo Club Cearense (1899), ocupando o cargo de Bibliotecário. MANOEL EGYDIO DA COSTA NOGUEIRA – Membro da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1897). Apesar da aparecer como Manoel Emygdio em notícia na imprensa identificamos esse fotógrafo amador como Manoel Egydio da Costa Nogueira, sócio e diretor da Phenix Caixeiral, participante frequente nos eventos sociais. Em maio de
1896, casou-se com Anna Halliday Gárcia. No mês de agosto, faz parte da comissão organizadora do Festival em benefício da Sociedade N. S. dos Remédios, do Benfica. MANOEL THEOPHILO MARÇAL (Comerciante) – 2º Secretário da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1899). Filho do Tenente-Coronel José Marçal, vice-cônsul dos Países Baixos no Ceará, viajou à Europa para aperfeiçoar suas aptidões comerciais (1894). MANUEL DUARTE PIMENTEL, Dr. (Médico) – Associado em 1897 à Sociedade Cearense de Amadores Photographos e seu diretor em 1899. Formado em Ciências Médicas e Cirúrgicas pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1887. Veio da Europa (1891), esteve em São Paulo, no Pará e Amazonas, e fixou-se em Fortaleza. Foi conceituado especialista em moléstias dos olhos e das vias urinárias, com consultório à rua Floriano Peixoto, 88, e na Farmácia de Artur Borges, na Praça do Ferreira, 24. Idealizador e um dos fundadores da Associação Médica e Farmacêutica (1913), entidade transformada logo a seguir em Centro Médico Cearense. Era natural de Fortaleza, onde nasceu em 1857 e faleceu em 1917. OCTAVIO AUGUSTO DE SOUZA ANDRADE (Telegrafista) – Profissional em área de elevado conceito social. Foi encarregado da Estação de Icó da Linha Telegráfica da União, e Telegrafista-chefe da Estação de Fortaleza, da Repartição Geral dos Telégrafos (1890). Ingressou em 1898 na Sociedade Cearense de Amadores Photographos. RAYMUNDO AFFONSO DE CARVALHO, Coronel (Militar, Político) – Sócio correspondente em Manaus da Sociedade Cearense de Amadores Photographos. Tenente-Coronel Comandante do Batalhão Militar de Segurança do Estado do Amazonas (1894). Nomeado Superintendente da Intendência Municipal de Manaus (1895-1986), cumulativamente com as funções de comandante geral das forças estaduais
e da Guarda Nacional. Militar reformado em 1899, e fundador e Presidente da sociedade Beneficente Cearense. Mordomo da Santa Casa de Misericórdia de Manaus, desde 1892, e seu Presidente (19101914). Deputado estadual do Estado do Amazonas (1910-12). RAYMUNDO GUILHERME DA SILVA, Capitão (Militar) – Oficial da Guarda Nacional, nomeado Capitão no 1º Batalhão de Infantaria, em fortaleza (1893). Ocupou o cargo de Ajudante de Ordem do Presidente do Estado, Dr. Pedro Augusto Borges (1900-1904) e, depois, com a patente de Major, o mesmo cargo na Presidência do Dr. Antônio Pinto Nogueira Accioly (1908-1912). Em 1896, solicitou e teve permissão de assinar-se apenas Raymundo Guilherme. Eleito Secretário do Photo Club Cearense (1899). SALUSTIANO MOREIRA DA COSTA MARINHO, Coronel (Juiz de Direito, Capitalista) – Nomeado em 1898 Comandante Superior da Guarda Nacional em Granja, Ceará, onde projetou-se como criador, capitalista e político. Ocupou os cargos de delegado de polícia e juiz substituto em Granja. Titular da firma Salustiano Moreira & Cia. Membro do Congresso Constituinte (1892), chefe republicano, deputado da Assembleia Legislativa do Estado (1896) e 2º vice-presidente do Estado. Sócio correspondente em Granja da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1897). Faleceu em 1910. TORQUATO RUFINO JORGE DE SOUZA, Dr. (Professor, Juiz de Direito) – Nascido em Campo Maior (Piauí) ou Crateús, em 1869, e falecido em Fortaleza, em 1901. Filho de Manoel Rufino Jorge de Souza e Francisca da Silva Magalhães. Formou-se na Faculdade de Direito do Recife (1891). Juiz substituto no termo de Maranguape, removido para Pacatuba em setembro de 1896. Foi também Juiz de Direito em Fortaleza e Professor da Cadeira de Lógica no Liceu do Ceará. Sócio correspondente em Pacatuba da Sociedade Cearense de Amadores Photographos (1897).
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1899
CHarLes KLarY, PoULenC frÈres e HUBert MaCKenstein
Representantes em Paris dos fotógrafos amadores cearenses
Charles Klary. fotógrafo, escritor e editor.
a influência europeia na capital cearense é mostrada em áreas vitais por ingleses e franceses. enquanto os primeiros ocupam o espaço de investimentos em obras e serviços públicos, como energia, água, transporte e porto marítimo, a presença forte dos segundos ocorre no setor de exportação e importação. essa divisão entre as duas nações do velho continente podem ser simbolizadas pela instalação da Ceará Harbour Corporation Limited (1886) e a fundação da Casa Boris (1869). os franceses prevalecem em setores culturais e inspiram também os movimentos de fotógrafos amadores. as organizações fotográficas criadas para congregar adeptos cearenses foram moldadas a partir do Photo Club de Paris (1888) e quando procuram apoio estrangeiro para fortalecer essas entidades se voltam para
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Paris. fabricantes e negociantes franceses de produtos fotográficos, assim como autores e fotógrafos parisienses, já tinham alcançado um elevado nível de credibilidade entre os profissionais e amadores brasileiros. Como vimos em capítulo sobre a Missão Científica de exploração o dr. schüch de Capanema orientava o poeta gonçalves dias onde comprar câmeras e produtos fotográficos, revistas especializadas e outros contatos. em carta datada de 24 de fevereiro de 1857, Capanema recomendava comprar o equipamento fotográfico com Mr. Jamin, que identificamos como laureado artista com medalhas em Londres (1851 e 1862), Paris (1855), Bruxelas (1856 e 1857) e nice (1884). Jean théodore Jamin iniciara suas atividades em 1851, com a firma Jamin et Cie., em Paris, que se manteve ativa até
1867, ano de seu falecimento. Mais do que natural que os amadores fotógrafos cearenses credenciassem como correspondentes de suas associações na capital francesa personalidades respeitadas. identificamos três desses correspondentes na Cidade Luz, refinado centro mundial de artes e sonho dos artistas brasileiros. Corrigindo os nomes, grafados erroneamente em notícias da época, aparecem então o famoso fotógrafo e autor Charles Klary, o estabelecimento dos irmãos gaston, emile e Camille Poulenc e a empresa do alemão Hubert Mackenstein, fabricante de câmeras de qualidade. o breve perfil desses correspondentes, apresentados a seguir, contribuem para uma avaliação dos planos traçados pelos fundadores das associações de vanguarda na cidade de fortaleza, antecipando-se até mesmo a outros centros desenvolvidos do país. c. KlARY nascido em nancy, frança, em 1837, Charles Klary iniciou aprendizado de fotografia em Londres e Paris, orientado pelo célebre artista nadar. fotógrafo, escritor e editor, alcançou repercussão internacional com um manual de fotografia originalmente publicado em francês, em 1874, e traduzido para diversas línguas. tornou-se obra indispensável para os amadores brasileiros, após a versão em português, em 1896, o manual de Photographia, publicada pela editora Laemmert & Cia., em volume de 215 páginas com 30 gravuras da edição francesa. este teria sido o primeiro manual de fotografia em português a circular no Brasil. Pesquisador da arte fotográfica, ele próprio excelente profissional, Clary transformou sua experiência em textos práticos editados por gráfica de sua propriedade. Localizamos algumas dessas obras, que tiveram inúmeras edições e versões para outros idiomas, que aparecem a seguir em títulos traduzidos dos originais e datas de primeira edição: a iluminação dos retratos fotográficos (1887) guia do fotógrafo amador (1888) tratado pratico de pintura em provas fotográficas com cores à aquarela e à óleo, seguido de diferentes processos de pintura aplicados nas fotografias (1888)
título: Le Vieux Modèle. autor: C. Klary fonte: L’art Photographique, Première anneé, Juillet 1899 – Juin 1900.
Tratado prático de impressão fotográfica sobre papel albuminado (1888) A arte de retocar os negativos fotográficos (1888) A arte de retocar em negro as provas positivas sobre papel (1888) Os retratos em crayon, em fusão e em pastel obtidos por meio de ampliações fotográficas (1888) A fotografia retratista (1892) A fotografia noturna: aplicação de relâmpagos-luminosos obtidos pela combustão do magnésio (1892) A fotografia de Arte na Exposição Universal de 1900 (1900) A fotografia do nu, com a colaboração de escritores franceses e estrangeiros (1902) a pose e a iluminação em fotografia nos ateliers e apartamentos (1903) Método novo e simples de Iluminação em Fotografia (1909).
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LAEMMERT & C. Editores RIO DE JANEIRO – S. PAULO – RECIFEBibliotheca Industrial: MANUAL DE PHOTOGRAPHIA para os amadores, por C. Klary. Traduzido do francez e adaptado ás condições do paiz, por um amador. 1 nítido volume de 215 paginas, com 30 gravuras. Preço 4$000. Este livro encerra explicações claras e seguras sobre a arte photographica, servindo mesmo para as pessoas que não tenham noção alguma desta arte.É um guia seguro e livre de todas as teorias scientificas, ensinando com simplicidade, os meios de empregar com successo os instrumentos e os productos chimicos. Na segunda parte do livro se trata especialmente do novo processo gelatino bromureto de prata e do estudo e emprego das differentes manipulações para a creação do negativo e da impressão. (606) anúncio. almanak Laemmert, 1897. rio de Janeiro,nº 50, p. 1199
retrato de mulher. autor: C. Klary Boletim fotográfico. Lisboa. dezembro de 1900. ano i, vol. 1, nº 12.
Charles Klary continua em evidência no começo do século seguinte. Um destaque para o lançamento de La Photographie du nu (Paris, C. Klary editeur, 1902), uma coletânea de 95 nus fotográficos de autores internacionais, acompanhada de textos de escritores franceses e estrangeiros. seguia o exemplo de armand silvestre, autor de dezenas de catálogos de nus exibidos em salões de arte de Paris, e a ele recorre para transcrever uma justificativa na capa do seu livro: “o mais nobre estudo é aquele dos corpos humanos, no esplendor eterno de suas formas nuas, é o estudo mais elevado que um artista pode tentar” (armand silvestre). Klary fundou ainda a primeira escola de ensino especializado em Paris, a ecole Pratique de Photographie, e criou, em 1897, a revista mensal Le Photogramme. É ignorada a data de seu falecimento.Klary era bem conhecido entre os aficionados brasileiros graças ao seu Manual de fotografia, publicado e vendido no Brasil pela conceituada firma Laemmert & C., que popularizou o livro em anúncios como o que se segue:
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Capa da edição espanhola do Manual de fotografia, de C. Klary, publicado originalmente em 1874, em Paris.
Capa da obra de C. Klary, edição brasileira de 1896.
C. Klary, La Photographie du nu, capa. 1902.
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PoulENc FRÈRESA importância dos etablissements Poulenc frères, de Paris, justifica sua inclusão entre os correspondentes da Sociedade Cearense de Amadores Fotógrafos. empresa criada em 1858 por etienne Poulenc (1828-1878), como sucessora de antiga fábrica de produtos químicos, aparece na lista de organizações farmacêuticas francesas que se voltaram para o próspero ramo da fotografia na segunda metade do século XiX. sob a direção dos herdeiros, os irmãos emile (1855-1917), gaston (1852-1942) e Camille Poulenc (1864-1942), firmou-se em seu mercado expandido para o segmento fotográfico. a organização que os irmãos Poulenc tinham herdado do pai etienne, farmacêutico e químico, já se tornara conhecida por seus manufaturados para uso fotográfico. a credibilidade do nome da família, nesse segmento, contou com a competência de Léon Whittman, cunhado de etienne. o prestígio da empresa acompanha a evolução dos processos prevalecentes desde o colódio aos insumos químicos para o sistema gelatino-brometo de prata. a alta qualidade desses produtos concede aos Établissements Poulenc frères uma posição competitiva frente aos concorrentes alemães e ingleses. no final do século a firma tem um respeitado serviço de fotografia e colhe bons resultados na fabricação de câmeras. especializa então uma de suas lojas em Paris, localizada na rua Quatre-septembre, nº 19, para os profissionais e amadores da fotografia, onde comercializa equipamentos e filmes. os irmãos Poulenc disputavam o mercado com a elegante câmera de mão denominada Poulenc détective, com lentes de qualidade Zeiss. encerrava o período com a mostra de seus produtos na exposição Universal de Paris de 1900.
detéctive stand-camera. Poulenc frères.
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H. MAcKENSTEIN a marca Mackenstein está ligada à história da fotografia. o alemão Hermann Josef Hubert Mackenstein (1848-1924), nascido em doveren, fundou em Paris, em 1872, uma empresa para produzir partes mecânicas de câmeras fotográficas, evoluindo para a fabricação dos equipamentos que traziam seu próprio nome. em 1888, chegou a produzir também uma câmera cinematográfica baseada nas pesquisas de Louis-aimé-augustin Le Prince (1842-1890), personagem que ocupa lugar na galeria dos inventores da cinematografia. Le Prince tinha patenteado na inglaterra um aparelho projetor, cujos avanços eram mantidos em segredo, programara sua viajem para os estados Unidos da américa e misteriosamente desapareceu no dia 16 de setembro de 1890 após tomar um trem de dijon para Paris, jamais sendo visto em episódio que desafiou todas as investigações policiais. as máquinas
fotográficas Mackenstein acompanharam a evolução no mercado. são os mais variados modelos, dos pesados equipamentos de ateliê às práticas câmeras de mão. Produzidas até 1914, início da grande guerra europeia, alcançaram o reconhecimento de qualidade. elas formam uma grande lista de criações comercializadas por H. Mackenstein, classificáveis como câmeras de estúdio, câmeras portáteis ou de mão ou tripé, caixão ou de fole, turistas, detetive, estereocópicas de campo binocular, stereo panorâmicas, e outros produtos como lanternas de projeção. a casa Mackenstein deu também uma contribuição à difusão da fotografia com a editoria de uma revista, L’arc en ciel, de circulação mensal.
606. Almanak Laemmert do Rio de Janeiro para 1897, Rio de Janeiro, Laemmert & C., Editores, 1897, ano 54, p. 1199.
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tourist camera 1895. H. Mackenstein.
tourist camera 1900. H. Mackenstein.
Chambre de studio 1890. H. Mackenstein.
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stereo field camera 1890. H. Mackenstein.
stereo jumelle 1893. H. Mackenstein.
Chambre coffre acajou 1895. H. Mackenstein.
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antonio de PaULa Barros Sucesso e ocaso de versátil artista cearense
ilustração século XiX. domínio público.
os anos finais do século XiX descortinam uma nova época em que se afirmavam a renovadora arte da fotografia e dava os primeiros passos a promissora cinematografia. esses dois grandes inventos em um lustro ocupariam irreversivelmente seus espaços no cotidiano do mundo moderno. após 50 anos de evolução a fotografia já era visível na cidade com os gabinetes fixos dirigidos por talentosos artistas. fortaleza, desde então, disporia de
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pelos menos dois grandes fotógrafos em ação continuada e permanente à frente de suas prestigiadas oficinas. na última década do século esses papéis eram desempenhados brilhantemente por niels olsen e Moura Quineau, dominando o mercado e desfrutando o reconhecimento nacional. no final do século, com rápida repercussão mundial, a Cinematografia, que dava vida às imagens fotográficas, se impõe em fortaleza. no ano de sua chegada,
1897, a população local conheceu as criações dos dois maiores concorrentes mundiais, o americano Kinetoscope, de thomas alva edison, lançado pelo Comendador ernesto de sá acton, e o Cinematographo francês, dos irmãos auguste e Louis Lumière, trazidos simultaneamente pelos itinerantes dionísio Costa e nicola Maria Parente. no ano seguinte, por iniciativa do fotógrafo cearense Joaquim Moura Quineau, o público conhece outra dessas máquinas admiráveis de projeção de fotografias em movimento, o Chronophotographo demèny, inventado por georges démeny e produzido por Léon gaumont. e logo após ocorrem as exibições no Pavilhão Caio Prado, no Passeio Público, de um não identificável Pantoscópio automático, com atrações variadas, conquistando definitivamente o público. no decorrer de dez anos posteriores, o fortalezense se acostumou com os projetistas itinerantes de cinema, até o surgimento das salas fixas. a cidade passa a ter pelo menos dois Cinemas permanentes para o entretenimento do público. são anos de forte impacto e mudanças rápidas, determinando a consagração da fotografia e do cinema, com visíveis perdas para os artistas do retrato a pincel e crayon, e mais ainda, a extinção dos expositores da lanterna mágica. os cosmoramas, silforamas, diaforamas, megascopes, polioramas, e afins, perdiam o fascínio e desapareciam do mercado, embora os itinerantes do cinema realizassem programas mistos com vistas fixas, da era da lanterna mágica, e vistas animadas, o novo fascinante produto da cinematografia. Para exemplificar essa mutação e suas consequências, em fortaleza, destacamos um dos seus artistas populares de fin de siècle, o velho antonio de Paula Barros, que promovia espetáculos para a alegria provinciana, com atrações de seu gênio e arte, mas que não resistiria a força esmagadora das novidades tecnológicas. seu nome e talento, porém, não foram esquecidos nas narrativas dos mais representativos escritores cearenses, gustavo Barroso que lembra o Cosmorama do Paula Barros, companheiro da minha primeira meninice, e raimundo de Menezes, que na sua obra Coisas que o tempo levou (1939) rememora o criativo cearense:
Qual a criança de há sessenta ou setenta anos passados que não se lembrará, com que emotiva saudade, do maravilhoso diorama do Paulo Barros, durante a época encantadora do Natal? Aquele presépio mecânico que constituía o supremo enlevo da menina endiabrada da Fortaleza de então... (607) artista espontâneo, sem qualquer formação acadêmica, torna-se uma figura conhecida e respeitável pela variedade de suas iniciativas, das pinturas aos cosmoramas com uso de desenhos ou vistas fotográficas, aos panoramas com pintura a óleo e outros equipamentos inusitados como a famosa lapinha mecânica. seu valor é reconhecido pela imprensa da capital: Tivemos occasião de apreciar um trabalho de pintura feito pelo hábil e intelligente artista A. de Paula Barros, em o salão de jantar da casa de residência do sr. Marques Dias. É uma obra primorosa, e em materia scenographica não admitimos melhor, principalmente sabendo que Paula Barros não tem curso de bellas-artes. De um lado vê-se diversas paizagens d’Azia com sua flora e fauna, do outro – a Suissa com suas montanhas, lago, etc. E tudo tão expressivo, tão ao vivo que enche de enthusiasmo aos que sabem apreciar a sublime arte de Zeuxis. Damos nossos parabéns ao sr. Paula Barros – pelo seu bonito trabalho e aconselhamos-lhe que continue sempre assim porque só terá louro a colher. (608) Versátil, manipulando bem o potencial da pintura e das vistas fotográficas, Paulo Barros tornou-se celebrado com o seu grande Cosmorama, grande atração na cidade a partir de 1895, como destaco em Fortaleza e a Era do Cinema: Como opção cearense, no mundo das diversões visuais, permanecia em funcionamento o “Salão Universal”, do criativo Paula Barros. No dia 31 de outubro, o salão lançava o seu Grande Cosmorama, com exposição de quadros da Coréia, guerra da China, Japão e revolução dos anarquistas de Paris. Completava o programa uma
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festa de de casamento na roça, atacada por inesperados coiós. Na sexta-feira, 1º de novembro, dia de Todos os Santos, Paula Barros proporcionava uma visão do purgatório e do inferno, com os seguintes quadros: dia de finados, efeito da missa, apagando o fogo que devora as almas e grande dia de juízo. (609) O respeitado Paulo Barros seguiu explorando o Cosmorama com sucesso comercial pelo menos até a chegada avassaladora do Cinematógrafo e similares, dentre eles o Pantoscopio. Assim a forte imagem criada por Gustavo Barroso que ocorrera um crime de morte, o assassinato do Cosmorama de Paulo Barros, é parcialmente válida. O artista sobreviveu ao ato de violência por mais algum tempo mais investindo no diorama ou lapinha mecânica: O antigo Cosmorama do Paula Barros, companheiro de minha meninice, morreu em 1900. Assassinou-o o primeiro arremedo de cinema aparecido em Fortaleza, o Fantascópio, a 500 réis a entrada. Anunciava três sessões contínuas, às 7, 8 e 9 horas da noite, à rua Formosa nº 27, em grandes cartazes colocados às esquinas da praça do Ferreira, com estes dizeres pernósticos: DESLUMBRANTE APOTEOSE! A LUZ ATRAVÉS DO UNIVERSO: Vistas das principais c idades do mundo. A LUZ ATRAVÉS DA ARTE: Alegorias, vultos e estátuas célebres; A LUZ ATRAVÉS DA RELIGIÃO. Quadros da vida de Jesus. Diante dessa lanterna mágica de última invenção, o Cosmorama foi ficando às moscas, mas o velho Paula Barros tentou lutar contra o progresso, armando uma lapinha mecânica, em que personagens e bichos se moviam. Ao fundo, passava lentamente a caravana dos Reis Magos. A frequência foi diminuta e em breve fechava as portas. O seu animador desapareceu, talvez que hoje somente eu me lembro dele. (610) Os mortais golpes desfechados pela novidade da fotografia em movimento, ocorrida em Fortaleza, nos anos de 1897 e 1898, através dos surpreendentes Kinetoscope, Cinematógrafo, Cronofotógrafo
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e Pantoscópio Automático, não foram suficientes para retirar de cena o empreendedor Paulo Barros. No ano seguinte, ele aparece com a lanterna mágica alternando o nome entre Phantascopio (Fantascópio), que apresenta na cidade e em Parangaba, e Grande Cosmorama, mantendo-se em atividade como lanternista por mais um lustro: Phantascopio Assistimos hontem a exhibição do elegante Phantascopio que, sob a hábil direcção do nosso conterrâneo Paula Barros, está funccionando á rua Formosa. O trabalho, pelo lado artístico, nada deixa a desejar, e é digno de toda a attenção. O sr. Paula Barros, divide as funcções, em duas partes: 1o quadros allegoricos, históricos, etc. 2o quadros cômicos, jocozos e burlescos. Assistimos hontem as diversas phases da Paixão de Christo, que muito nos agradaram. As lanternas são vivas e luminosas, offerecendo aos olhos dos espectadores a perfeita nitidez da ficção. Recommendamos, pois, aos amadores das bellas artes, o trabalho do sr. Paula Barros, e desejamos, que com o seu Phantascopio alcance resultados que compensem o seu mais infatigavel labor. (611) Nas memórias de Gustavo Barroso, o escritor cearense narra a passagem por Fortaleza do exibidor ambulante de cinema José Filippi atribuindolhe como a causa definitiva do desaparecimento da lapinha mecânica e o mergulho no esquecimento do artista Paula Barros: À noite, íamos ao circo da Companhia Peri Coelho, onde o palhaço Laplace nos matava de riso e a Estela Follet nos deslumbrava com a Dança da Serpentina, ou às sessões da Companhia de Arte e Bioscope Inglês do José Filippi, que exibia as primeiras fitas animadas: “O criado espiando pelo buraco da fechadura” e a “Luta extravagante”, e as vistas da “Catástrofe da Martinica” com o monte Pelé fumegando e escombros cobertos de cinza. Esse avô do cinema obrigou o pobre Paula Barros a fechar as portas de sua lapinha mecânica, desaparecendo para sempre no esquecimento. (612)
Não existe dúvida sobre a relação entre o impacto do cinema e o fechamento dos entretenimentos promovidos pelo empreendedor cearense, mas, com alguma defasagem nessa cronologia. O exibidor visitante, cujo nome verdadeiro é Giuseppe Filippi, pioneiro do cinema italiano e cineasta nos estúdios Lumière, esteve em Fortaleza em setembro de 1902, quando documentou fotograficamente a inauguração do Jardim 7 de setembro, na Praça do Ferreira. Três anos depois, Paula Barros procura outros meios e põe a venda o superado projetor Cosmorama com que atraíra grande público: Bom Emprego de Capital Antonio Paula Barros, tendo de retirar-se para fora do estado, vende o seu “Cosmorama” com completo sortimento de vistas de todos os assumptos, e da guerra da Rússia com Japão. Tudo novo. Faz todo negocio a dinheiro. A tratar na rua S. Alencar nº 14. Ceará, 27 de Junho de 1905. (613)
sempre, a Rua General Sampaio, nas proximidades da Inspetoria de obras Contra as Secas. As entradas, pagas no portão do muro, custavam a importância de $200, e a afluência da criançada era fora do comum. E aquilo se prolongava dezembro afora, e alcançava janeiro, estendendo-se até o Dia dos Reis. (614) Uma época de transformações, conquistando o interesse e a admiração da intelectualidade local. Gustavo Barroso revela em suas memórias que acompanhou as sucessivas temporadas dos admiráveis pioneiros da exibição itinerante. O escritor cearense declara também que era admirador do velho Paula Barros e não perdoa os efeitos colaterais do cinematografo que matou impiedosamente seu tradicional espetáculo de projeções luminosas. Relembra os espetáculos em 1903 do italiano Cesare Menazzine:
O artista investe então no Presépio ou Lapinha Mecânica, também denominada como Diorama, um empreendimento criativo que lhe renderia mais cinco anos dedicados ao entretenimento na capital cearense. Sobre essa nova etapa, Raimundo Menezes, na obra citada, dedica um capítulo com o título O Diorama do Paula Barros, que no trecho a seguir o autor denomina equivocadamente Cosmorama:
O cinema apesar de ter assassinado o Cosmorama do Paula Barros, ainda engatinhava. Apareceu sob o nome de Bioscope Ítalo-Francês, dirigido por um italiano Cesare Genazzine. Um motor a álcool gerava a luz elétrica de que precisava. Aboletou-se no teatrinho Iracema e iluminou a fachada com uma lâmpada Ampére a carvão de 300 velas. Deslumbramento para a época. Veio gente de longe para ver a nova luz. O programa, muito longo, dividia-se em duas partes: vistas fixas e de movimento. O cinema ainda não se desprendera da lanterna mágica inicial. [...] (615)
O Cosmorama do Antônio de Paula Barros era armado com uma perícia extraordinária pela arte exímia de um pintor modesto, que, nos vagares do trabalho diário, dedicava algumas horas de folga à construção daquela cidade em miniatura, toda mecanizada, com minúcias espantosas e verdadeiramente incríveis. Logo no começo do dezembro das festas, Paula Barros, o artista mágico, que se escondia nos bastidores da sua modéstia proletária, anunciava a exibição do seu grand-guignol, instalado em algum terreno amurado, ora nas imediações do Passeio Público, outras vezes na Praça Marquês do Herval, hoje José de Alencar, e, quase
O mercado estava assegurado para o cinema, consolidando-se em 1908, quando Fortaleza ingressa no ciclo das salas permanentes de exibição. Restava ao velho artista Paula Barros sua lapinha mecânica, lapinha volante ou lapinha com movimento, como denominava esse quadro dinâmico do presépio natalino que lhe rendia alguns recursos para a sobrevivência. Finalmente, em 1911, ano em que o cinema ganhava maturidade e dava início a produção de filmes longos, resolve fechar a fase de sua vida como promotor de espetáculos. Anuncia então a venda de sua mais popular criação:
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66 Attenção Vae ser vendida em leilão, pelo Agente Motta, a Lapinha mecânica do artista Paula Barros. Está armada nos baixos do sobrado onde funcionava o Telegrapho Nacional, á rua Barão do Rio Branco, no dia 9 do corrente. Não falta nada ao Diorama, bem perfeito e com muitas peças novas, que se vende por motivo de moléstia do velho artista! O ponto não pode ser melhor, pode ser visitado ali a qualquer hora do dia. QUARTA dia do leilão! (616) antônio de Paula Barros é um dos personagens do final de século que se faz fortemente presente por sua persistência e criatividade. as realizações dos espetáculos deixam em segundo plano seus méritos no uso da pintura e das imagens fotográficas com que granjeou prestígio e respeito. a sua real importância na movimentada história entrecruzada de fotógrafos, pintores e operadores de projeções luminosas, é que ele assume isoladamente o mérito de ter sido o único cearense a manter um espaço permanente para apresentações da lanterna mágica, e a
persistir como exibidor isolado desse recurso ótico através dos seus aparelhos Cosmorama e fantascópio. seu perfil, com ênfase em suas qualidades humanas, foi traçado por raimundo de Menezes, em saudosa evocação da fortaleza de seu tempo:
1900
tHoMaZ PorPHirio Carneiro Discípulo e parceiro de Moura Quineau
Atrás dos bastidores, Antonio de Paula Barros, gordo, baixo, entroncado, moreno, enfiado na sua roupa simples de operário, suando por todos os poros, guiava tudo aquilo, observando os menores movimentos do teatrinho infantil, desenguiçando algum boneco que encrencava, desemperrando a locomotiva do trenzinho que às vezes descarrilava no interior do túnel, concertando os fios débeis que se emaranhavam caprichosos... Dentro da sua alma de artista, que hoje, lá do Céu, assiste ao Natal na terra, sentia-se vibrante de alegria doce àquele barulhar ruidoso da criançada, na festa barulhenta da noite cálida... E quanta vez, ao descobrir junto ao portão do muro, algum menino pobre, de olhar comprido, a brilhar mais forte, e que não possuía os $200 da entrada, Paula Barros, sorrateiramente, empurrava-o para dentro, transformando assim aquela tristeza torturante numa alegria consoladora... (617)
thomaz Porphirio Carneiro. autor n. i. acervo Marília Coelho.
607. Menezes, R. Coisas que o tempo levou... (Crônicas Históricas da Fortaleza Antiga). São Paulo: Hucitec, 1977, p. 96. 608. A República, Fortaleza, ano III, nº 238, 5ª feira, 18 Out. 1894, p. 1. 609. Leite, A. B. Fortalezza e a Era do Cinema (Pesquisa Histórica – Volume I 1891-1931). Fortaleza: Secretaria da Cultura, 1995, p. 935. 610. Barroso, G. Memórias de Gustavo Barroso. Edição em conjunto das obras: Coração de Menino, Liceu do Ceará e Consulado da China. Fortaleza: Governo do Estado do Ceará, 1989, p. 190-191.
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611. A República, Fortaleza, ano VIII, nº 179, 2ª feira, 7 Ago. 1899, p. 1. 612. Barroso, G. Op. cit., p. 210. 613. Jornal do Ceará, Fortaleza, ano II, nº 213, 2ª feira, 26 Jun. 1905, p. 2. 614. Menezes, R. Op. cit., p. 97. 615. Barroso, G. Op. cit., p. 221. 616. Jornal do Ceará, Fortaleza, ano VIII, nº 1433, 2ª feira, 11 Dez. 1911, p. 3. 617. Menezes, R. Op. cit., p. 98.
a história da fotografia oitocentista no Ceará demonstra em muitos episódios a estreita ligação entre as capitais nordestinas, principalmente recife e são Luís, e as do norte, cujo fascínio amazônico não apenas atraiu milhares de cearense mas se refletiu nos projetos de nossos fotógrafos. Personagens renomados da vida cearense fizeram a sonhada viagem para o extremo norte. Limitando o nosso foco ao campo dos que fizeram fotografia no Ceará, temos o intelectual cearense antonio Bezerra de Menezes que, após criar o Photo-Clube do Ceará.
em 1893, escolhe o norte para viver novos desafios como homem de imprensa, político e ocupante de funções públicas a exemplo de diretor do Museu amazonense. os dois mais notáveis fotógrafos, com ateliês permanentes na fortaleza do fim de século, também buscaram o sucesso e o ouro nas capitais do norte. niels olsen, acompanhado do seu associado Constantino Barza, estabeleceu-se em Belém, em 1881, ocupando o espaço aberto com o falecimento do artista local José thomaz sabino. Joaquim Moura Quineau, após ter trabalhado em teresina e são Luis,
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em capitais nortistas. Uma das fotos por nós recolhidas tem na borda inferior a gravação – Photographica amazonas, a sugerir ser esta a localização de sua base operativa. a identificação do fotógrafo thomaz Porfirio Carneiro como sendo o terceiro nome da empresa Photographica nos permite situar a constituição da sociedade entre 1897 e início de 1900, porque esse profissional regressou do amazonas em março de 1901, instalando-se em sobral com atuação também em Camocim e granja. só então sai do anonimato e projeta seu nome como um artista de bom conceito. o registro mais antigo, que dele temos, mostra uma viagem entre o Maranhão e o Pará. no dia 23 de janeiro de 1897, thomaz Porfirio Carneiro, chegava a Belém, vindo de são Luís, no navio Cabral. Podemos localizá-lo depois
e criado em fortaleza seu respeitado atelier Photographia norte do Brasil, também optou pelas visitas e exposições nos estados amazônicos, tornando-se bem conhecido em Manaus através das páginas dos periódicos a federação, diário de notícias e Comércio do amazonas. na se pode precisar, até agora, quando Moura Quineau constituiu, ainda no século XiX, uma sociedade sob a denominação M. Q., alcantara & Carneiro, que se apresentava como empresa Photographica Cearense em exploração ao norte do Brasil, dizendo ter a Casa Principal à rua formosa nº 134, na capital cearense. o fato de Moura Quineau aparecer na denominação da sociedade apenas como M. Q. induziu ao equivocado verbete no Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro, de Boris Kossoy, referindo-se a alcantara M. Q., quando alcantara e Carneiro são nomes dos sócios do empreendimento. Lamentavelmente a composição e as atividades da firma não tiveram a divulgação pública. os dados que permitiram tirar conclusões aparecem no verso de retratos por ela produzidos, com o seguinte texto:
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EMPRESA PHOTOGRAPHICA CEARENSE EM Exploração ao Norte do Brazil M. Q., Alcantara & Carneiro CASA PRINCIPAL – RUA FORMOSA Nº 134 – CEARÁ Retratos em todos os gostos e perfeição Retratos a Óleo sobre tela de linho Retratos a Aquarella sobre platino Retratos a Carvão sobre papel especial Retratos a Pastéis sobre platino Retratos em Photo-miniatura sobre bombe Retratos Positivos sobre vidro. o objetivo da empresa Photographica Cearense era definido ao dizer-se em exploração ao norte do Brazil. a área de atuação era unicamente a região amazônica. após o texto aparece o endereço à rua formosa nº 134, o mesmo do tradicional ateliê de Moura Quineau em fortaleza, onde estava instalada a Casa Principal, denominação a indicar que os sócios alcantara e Carneiro deveriam ser fotógrafos itinerantes ou responsáveis por possíveis sucursais
M. Q., alcantara & Carneiro. Photographica amazonas. Mulher, n. i. acervo Marília Coelho.
no amazonas com citações esparsas de sua presença eventual em território cearense. no início do novo século ele se fixa em sobral, atuando também em Camocim, granja e ipu, cidades cearenses que lhe ofereciam um ambiente favorável à prática da fotografia comercial. a primeira notícia do seu retorno ao Ceará é publicada no periódico sobralense a Cidade: Regressou há poucos dias do Estado do Amazonas o nosso sympathico amigo Sr. Thomaz Porphirio Carneiro hábil photographo. O estimável patrício pretende abrir brevemente o seu atelier na cidade de Camocim. Agradecidos por sua amistosa visita. (618) após os primeiros contatos, mudando seu projeto da cidade portuária de Camocim para sobral, onde instalou seu ateliê no dia 20 de abril de 1901, assim noticiado:
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PHOTOGRAPHIA Acha-se com seu atelier exposto à Rua do Senador o estimável e hábil photographo Snr. Thomaz Porphirio Carneiro chegado ultimamente do Amazonas. (619) no ano seguinte encontrava-se radicado em granja, comprovado por nota na imprensa, que o qualifica repetidamente de hábil fotógrafo: Com sua exma. Família veio hoje da cidade de Granja o nosso distincto amigo Thomaz Porphirio Carneiro, hábil photographo. (620) Pelo menos em 1904, aparece associado a outro fotógrafo cearense, que fora empregado de Joaquim Moura Quineau em fortaleza, João de senna, em
Mulher, n. i. acervo Marília Coelho.
noiva, n. i. acervo Marília Coelho.
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firma denominada Carneiro & senna. enquanto Porfírio Carneiro figura na história fotográfica apenas no início do século XX, senna continua presente e atuante em sobral até os anos 20. thomaz Porphirio Carneiro, apesar de sua relativamente curta permanência em sobral, alcançou vasta produção artística a julgar pelos retratos ainda preservados em álbuns de famílias da região. são desconhecidos, entretanto, outros acontecimentos de sua vida. o certo é que retornou ao amazonas onde prosseguiu no exercício da fotografia comercial. Um dos seus descendentes lembra que viveu em Manaus até 1910, ano em que faleceu, em plena atividade, vitimado por um enfarte fulminante ao sair da câmara escura do seu ateliê. o artista tombou no exercício da profissão a que dedicara a vida.
Homem, n. i. acervo Marília Coelho.
Mulher, n. i. acervo Marília Coelho.
antonio irapuan Mendes. acervo ary Bezerra Leite.
618. A Cidade, Sobral, ano III, nº 12, 4ª feira, 20 Mar. 1901, p. 3. 619. A Cidade, Sobral, ano III, nº 20, sábado, 20 Abr. 1901, p. 3. 620. A Cidade, Sobral, ano IV, nº 13, 4ª feira, 24 Mar. 1902, p. 3.
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1900
fotografia aUtoMátiCa eM 3 MinUtos
Novos processos ampliam o interesse pela fotografia
no início da fotografia o ato de se deixar retratar era exageradamente incomodo. o retratado deveria permanecer imóvel e de olhos abertos. o tempo de exposição necessário dependia da luminosidade ambiente. antiga tabela de daguerreotipia indica que mesmo no melhor horário, entre 11 e 13 horas, precisava-se de 5 minutos para perfeita captação da imagem em estúdio. a variação chega a extremos entre 15 minutos nas primeiras horas da manhã ao tempo inconcebível de 30 minutos no período da tarde. ao profissional era exigido observar além do horário de realização do trabalho, todas as variáveis ambientais e a preparação das placas fotográficas. os pioneiros daguerreotipistas enfrentavam essa limitação técnica, que servia a bem humorada comparação do estúdio fotográfico a uma sala de tortura. Com o surgimento de novas tecnologias e novos
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sistemas de preparação e sensibilização de chapas, o mercado foi ampliado pela possibilidade de fotografias instantâneas, reduzindo o tempo de desconforto na exposição de minutos para uma escala de segundos. É comum, então, apregoar-se a rapidez na tomada das fotos, embora a ele se seguisse um demorado processo de revelação, retoque e finalização. no final do século XiX surgiu então uma novidade com o equipamento fotográfico que dispensava a intervenção do operador e, por processo automático. as fotos eram tomadas, reveladas e entregues, em apenas três minutos. selecionamos essa inovação de fim de século, que deu origem à cabine de fotografia automática (photobooth), como exemplo dos novos tempos que afloram do século XX aos nossos dias. invento dos anos 1880, exposto na feira Mundial de Paris, em 1889, ganhou o mercado
mundial, com breve aparição no nordeste brasileiro. deve-se a invenção e aperfeiçoamento da máquina de fotografia automática aos americanos William Pope e edward Poole, de Baltimore, que obtiveram a primeira patente em 1888. segue-se a demonstração do produto pelo inventor francês t. e. enjalbert, na feira de Paris de 1889. o passo seguinte, decisivo para a consagração da cabine fotográfica automática, foi dado pelo inventor alemão Conrad Bernitt, de Hamburgo, que patenteou em 1890, seu aparelho de fotografia automática a que deu o nome de fantasia “Bosco”, o primeiro sucesso comercial no gênero. esses aparelhos iniciais produziam fotos em ferrotipia, mas, a partir de 1896, o alemão Carl sasse adaptou a fotografia automática para o processo negativo e positivo. a praticidade da cabine fotográfica automática Bosco permitia a sua instalação em feiras e outros lugares públicos, sem as exigências dos dispendiosos estúdios. seus proprietários, não assumem o destaque do fotógrafo tradicional, razão da ausência de informações sobre a presença desses itinerantes em nosso país. Minhas pesquisas identificaram o cidadão ignacio feinkind, em são Paulo, em 1898, com um desses aparelhos denominados automato Bosco, único registro brasileiro no século XiX:
Continua a funcionar no Polytheama, todas as noites, o autômato Bosco, propriedade de Ignacio Feinkind. Não se pode desejar nada mais commodo nem mais barato: um retrato em três minutos e por 2$ á noute. (621) Como não dependia da utilização de um ateliê o prático equipamento de fotografia automática era instalado em qualquer lugar de fácil acesso público e oferecia total mobilidade para ser transferido a áreas diversas de uma cidade. esse é o caso de ignacio feinkind que antes de utilizar o jardim do Polytheama fizera uso de espaço no Café Brandão: A photographia instantânea “Bosco” mudou-se do Café Brandão para o jardim do Polytheama, onde continuará a funccionar. (622) o aparecimento da Photographia automática, em fortaleza, trazida pelo fotógrafo Jorge Joseph, ofereceu-nos a linha de pesquisa que nos permitiu confirmar que esse equipamento era o original Bosco alemão e também rastrear o seu roteiro, no final do século, pelos estados nordestinos. não identificamos sua nacionalidade, mas, nesse mesmo período localizamos um seu homônimo, nacif Jorge Joseph, de origem síria, como residente no rio de Janeiro. sem identificação do endereço em que se instalara, a Photographia automática é assim apresentada na capital cearense: PHOTOGRAPHIA AUTOMATICA O distincto artista sr. Jorge Joseph, de passagem nesta capital, convidou-nos para assistir a inauguração de um Autômato-Photographico. Trabalha dia e noite e em menos de 3 minutos obtem se um retrato. O aparelho é acionado à electricidade. Agradecemos o amável convite. (623) aceitamos que a chegada do lançador do automato fotográfico Bosco no nordeste pode ser fixada em 1899, entrando pelo porto de recife. entre esse ano e 1902, Joseph visitou várias outras capitais nordestinas como salvador, natal, fortaleza e são Luís. embora não haja dúvida sobre o início de sua
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retoque em laboratório, evidentemente não poderia ser comparável ao produzido sob o olhar e as mãos hábeis do artista profissional. isto explica porque o cronista olímpio galvão, no Jornal do recife, ao avaliar as distrações da cidade, descreve os retratos automáticos de forma depreciativa: Em primeiro lugar ahi está o Carroussel da praça do palácio com o seu admiravel orchestrophone, as suas barraquinhas lateraes, a sua photographia instantânea entregando aos papalvos a 2$000 e em quanto o diabo esfrega um olho, retratos detestáveis, etc. etc. (626) Chapa em equipamento de fotografia Bosco em 3 minutos.
atividade ambulante na região ao findar do século, seu nome desponta apenas a partir de janeiro de 1900, na capital pernambucana, com a surpreendente fotografia instantânea em 3 minutos pelo sistema Bosco: No Carrousel da praça da Republica o hábil photographo sr. Jorge Joseph instalou um esplendido autômato photographico Bosco, o qual, em menos de 3 minutos, tira e emmoldura um retrato com perfeição. O precioso aparelho trabalha tanto de dia como á noute, custando apenas 2$000 cada retrato com o quadro competente. (624) Automato photographico. – No Caroussel Pernambucano, hoje ponto de grandes diversões, e onde o Fritz tem armada a sua valente barraca de bebidas, inaugurou hontem o hábil photographo Sr. Jorge Joseph, o maravilhoso invento Automato photographico de Bosco. Em 2 minutos e 43 segundos, o engenhoso aparelho fornece, por dous mil réis, um bem trabalhado retrato devidamente emoldurado, sem nenhum auxilio manual do artista, a quem se sentar diante dele durante 1 segundo. Esse aparelho que vai ser apresentado na exposição de Paris, está a disposição do publico todos os dias e noites, até a semana próxima. (625) a qualidade do retrato instantâneo automático, que não exigia o tratamento de acabamento e
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não é visível o roteiro de Joseph felipe, a seguir, mas em março de 1901 embarca em salvador de retorno a recife, o que sugere tenha visitado outras capitais e cidades importantes da região. em março de 1902, vamos reencontrá-lo, rumo a fortaleza, em natal, quando um redator do periódico A República narrou sua experiência no surpreendente autômato Bosco: Automato photographico Acha-se nesta capital, trabalhando no sobrado á praça 29 de Novembro, o hábil artista Jorge Joseph, que hontem expoz um sistema photographico autômato, que é uma maravilha. Todo o processo é feito automaticamente com uma rapidez incrível, por meio de uma machina aperfeiçoada. Um dos nossos redactores posou no aparelho photographico e, tres minutos depois, a machina entregava-lhe um retrato perfeito, devidamente acabado. É digna de ser visitada a exposição do sr. Jorge Joseph, custando cada retrato somente 2$000. (627) Jorge Joseph vem em seguida para fortaleza demonstrando o revolucionário processo de fotografia instantânea, que permitia a produção de fotos dia e noite, em apenas 3 minutos, produzindo um exemplar em moldura cartonada simples. sua acolhida em são Luís, a cidade seguinte do seu roteiro, foi a reedição de sucesso tanto que o jornal Pacotilha diz esperar que todo o Maranhão desfile em frente ao autômato “Bosco”:
Verso de cartão alemão de foto do automato Bosco. fonte: Wikimedia Commons.
Como inúmeros outros artistas fotógrafos que viveram os episódios iniciais da história da fotografia em nossa terra, Jorge Joseph desaparece
repentinamente, perdendo-se os seus caminhos. somente cinco anos depois, agora em Manaus, repercute sua arte, com o belíssimo quadro das pastorinhas de são sebastião. estava então estabelecido com a firma Jorge Joseph & garcia, proprietária da Photographia Moderna, seguindo o padrão usual dos fotógrafos comerciais. o sistema Bosco, entretanto, percorre os tempos e aperfeiçoa-se com as modernas cabines fotográficas automáticas, introduzidas em 1925 nos estados Unidos da america, pelo russo anatol Josepho, e que ainda são utilizadas em todo mundo, geralmente em shoppings e próximos a postos de expedição de documentos que exijam foto pessoal. o princípio radical da câmera que processa a revelação de fotos instantâneas, do final do século XiX, sobrevive também nas modernas câmeras Polaroid e afins.
621. Commercio de São Paulo, São Paulo, ano VI, nº 1612, 4ª feira, 31 Ago. 1898, p. 2. 622. Correio Paulistano, São Paulo, ano XLV, nº 12563, sábado, 16 Jul. 1898, p. 1. 623. A República, Fortaleza, ano XI, nº 35, 4ª feira, 12 Fev. 1902, p. 1.
624. A Provincia, Recife, ano XXIII, nº 13, 6ª feira, 19 Jan. 1900, p. 1. 625. Pequeno Jornal, Recife, ano II, nº 14, 6ª feira, 19 Jan. 1900, p. 2. 626. Jornal do Recife, Recife, ano XLIII, nº 27, domingo, 4 Fev. 1900, p. 1. 627. A República, Natal, ano XIV, nº 14, sábado, 18 Jan. 1902, p. 1. 628. Pacotilha, São Luís, ano XXII, nº 50, 5ª feira, 27 Fev. 1902, p. 2.
Automato Bosco Já está funcionando no Café do Ponto, á praça João Lisboa, o autômato ‘“Bosco” de propriedade do sr. Jorge Joseph e de cuja exposição há dias demos noticia. O autômato “Bosco” é um novo systema de photographia instantânea, inventado há pouco tempo e que trabalha tanto de dia como à noite. Em 2 minutos e 43 segundos, como tivemos ocasião de assistir, obtem-se um durativo retrato, contido numa simples mas elegante moldura, e isto pela diminuta quantia de 2$000. Fazemos votos para que todo o Maranhão desfile em frente ao autômato “Bosco”. (628)
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o ateLiÊ fotográfiCo
Ateliê, estúdio ou galeria, um elevado investimento
Um comentário no jornal cearense A República expõe esse novo hábito e a desagradável invenção das listas de adesões para cobrir o valor de aquisição de retrato em homenagem a pessoas ilustres. o autor protesta então sobre o movimento de oferecer um retrato à beata Maria de araújo, de Juazeiro do norte, notabilizada pelos milagres de transformação da hóstia em sangue, e que programara visita a fortaleza:
offertado, musica, bonds expressos, foguetes, obrigandose a victima, sem merecimento, a despender ao custo do retrato com o tal obrigatório copo d’agua. No dia seguinte, o “órgão” noticia o grande acontecimento, realçando o mérito do grande homem, quando a população sabe que elle só se distinguio pela traição, ingratidão, enredos mesquinhos, planos de assassinato, attestados sobre milagres, etc. (629)
De tempos em tempos apparecem certas cousas nesta terra, que só indicam que vamos rolando para um mundo inteiramente desconhecido, onde devemos encontrar um meio de salvação dos males que nos perseguem. Antigamente, quando não havia as taes photographias instantâneas, era custoso encontrar um retrato que attestasse o merecimento de qualquer individuo, hoje não, mal o diabo esfrega o olho, qualquer “dandy” encommenda a sua photographia, põe em exposição para as folhas realçarem os méritos do photographo e o publico conhecer a effigie desenhada por um seu semblante. Por causa disto é que antecedeu à bubônica a mania dos retratos. Por qualquer cousa má idealisa-se um retrato e zas; encommenda ao photographo, aviso prévio ao
o capítulo inicial da fotografia, escrito pelos pioneiros daguerreotipistas e ambrotipistas, é uma história de superação vivida por ambos profissionais e clientes. os primitivos sistemas ofereciam muitas restrições, desde o sacrifício de pousar estático por minutos até o resultado limitado em apenas um original, sem possibilidade de reprodução. os retratos assim produzidos eram igualmente pobres na qualidade e precisavam ser conservados em estojos. rapidamente, entretanto, os avanços tecnológicos alcançariam um bom nível de perfeição, com recursos de reprodução em papel, gerando novos
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costumes como a preservação em luxuosos álbuns de memórias e a prática do oferecimento de retratos a familiares e amigos. a evolução dos processos de geração de imagens é acompanhada pela crescente procura pelo retrato fotográfico que, após os retoques da finalização e devidamente emoldurado, competia com o tradicional retrato pintado a óleo que era ostentado em lugar de destaque nas residências e prédios públicos. a simplificação do processo na tomada de fotos e o relativo barateamento de custos, no final do período oitocentista, assegurara a consagração do artístico retrato fotográfico.
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o retrato até chegar ao nível de objeto dos sonhos da sociedade cearense, segue uma linha evolutiva passando pelo profissional itinerante, que pouco despendia para montar uma efêmera galeria fotográfica, até o surgimento do artista que se estabelece na cidade com pretensões duradouras, a exigir altos investimentos no que se denominava oficialmente oficina de fotografia. surgem então os ateliês, gabinetes ou estúdios, geralmente montados com requintes compatíveis com o status social dos seus seletos e abastados fregueses. a denominação mais utilizada é mesmo o vocábulo francês ateliê, usado por niels olsen em 1884, para a sua Photographia Viennense, anunciando que acaba de montar o seu atelier photographico na rua rua Conde D’Eu, nº 113. seu grande concorrente, Moura Quineau, apresenta-se ao público cearense, em 1896, como atelier Photographico de Moura Quineau, estabelecimento montado a capricho dispondo de
aparelhos modernos para satisfazer todas as exigências do público. o termo atelier, que já era adotado por pintores e outros profissionais, teria sido banido se prevalecessem os argumentos do dr. antonio de Castro Lopes (1827-1901), grande latinista, médico, teatrólogo, poeta, um dos introdutores da homeopatia e do espiritismo no Brasil, consagrado pelas versões em latim de textos clássicos portugueses. em 1889 repercutia na imprensa cearense sua batalha condenando os barbarismos introduzidos na língua portuguesa e propondo neologismos para substituí-los. Para ele deveriam ser proscritos anglicismos e galicismos, e propunha novas locuções e vocábulos, devendo-se substituir, por exemplo, reporter por alviçareiro, Hotel por Hospedaria, envelope por sobrecarta, festival por festa, fazer greve por fazer parede, e, no que nos interessa ateliê por oficina, vocábulo adotado em editais e publicações oficiais. se Castro Lopes tivesse vencido a sua batalha pela
ohio Photographic studio 1800s. C. J. Pascoe’s sandusky.
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purificação da língua portuguesa o football bretão conhecido como futebol seria, até os nossos dias, chamado Ludopédio. Verdade é que tivemos requintados ateliers photographicos. destacam-se, então, na fortaleza oitocentista, alguns artistas empreendedores abordados em capítulos anteriores. Lembramos o poeta Pinto sampaio, que em 1868, foi o responsável pela primeira galeria de fotografia de longo sucesso, instalando-se seguidamente na rua formosa, 42 e rua amélia (atual senador Pompeu), 49. no mesmo ano, foi notável o esforço do português João José Leal em tornar conceituada a denominada galeria photographica de Leal & Cia. outro profissional com ateliê montado para serviços continuados foi Joaquim antonio Correia, que transformou as tristes vítimas da seca dos anos 1877 e 1878 em retratos que se tornaram forte libelo contra o descaso oficial frente ao grave drama social. surge então o dinamarquês niels olsen, em 1879, com
sucessivas bem instaladas oficinas fotográficas de grande repercussão regional, e em quem se pode inegavelmente, reconhecer como o mais famoso dos artistas da câmera no Ceará do final do século. seu grande competidor somente aparecerá em 1895, o cearense Joaquim Moura Quineau, animador cultural e investidor do récem-nascido espetáculo cinematográfico, cujo talento levou sua arte do extremo
Museum of History of Photography, st. Petersburg russia.
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norte à capital federal e consagrou seu bem estruturado ateliê Photographia norte do Brasil.. esses retratistas comerciais que se dedicam ao novo ramo de negócios, inserem na paisagem urbana atrativos salões onde exercem a profissão. distinguidos por requintes que as posses financeiras de cada artista viabilizavam, os ateliês fotográficos eram montados obedecendo a uma estrutura padrão. são pelo menos três espaços distintos, sendo o primeiro a sala de recepção e de espera, adequadamente mobiliado, onde geralmente eram também expostos reproduções do que melhor representasse a habilidade do artista. a seguir, a sala de tomada de fotos, sempre a mais atraente possível, com um recanto adredemente preparado para agradar o visitante a ser retratado, onde se dispunha da tradicional cadeira, tendo ao fundo um dos vários painéis pintados com motivos alternativos para atender a qualquer preferência. além do equipamento de fotografia e iluminação, ressalvado que o primitivo ateliê buscava aproveitar sempre a luz natural, dispunham-se em todos os demais recantos da sala o acervo de apetrechos decorativos e de composição
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de cena: móveis variados, colunas, balaústres, espelhos, cortinados, tapetes, esculturas, jarros com plantas, animais empalhados, enfim tudo que pudesse ser opção para valorizar um cenário e dar expressão artística à obra fotográfica. É nesse espaço que o fotógrafo revela sua mestria adequando cenário e luz, e decidindo sobre a postura do retratado e os ângulos de tomada. finalmente, pelo menos mais um terceiro espaço era destinado para estocagem de materiais e ao laboratório onde ocorriam a sensibilização e revelação das chapas, os serviços de retoque e opcional colorização. a instalação do ateliê fotográfico com luxo e refinamento é uma das características dessa atividade artística no final do século XiX, nos limites naturalmente dos recursos financeiros do profissional e o potencial econômico do mercado em que atuavam. dos imóveis adaptados aos prédios construídos para essa finalidade por consagrados fotógrafos nas grandes metrópoles mundiais, os salões fotográficos eram o ambiente dos sonhos de pessoas ansiosas de obter um retrato para a posteridade. Lamentavelmente esses templos de arte fotográfica, que existiram na capital cearense, não preservaram imagens. Quando o competente Joaquim de Moura Quineau decidiu partir definitivamente de sua terra, em 1906, fez um empréstimo a Joaquim emygdio de Castro, dando-lhe como garantia suas máquinas e mais utensílios de seu ateliê. não tendo deixado sequer seu retrato, essa operação
financeira oferece-nos pelo menos um inventário de todos os seus equipamentos e outros bens materiais. registrado no Livro de escrituras do Cartório feijó, a 6 de abril desse ano, o contrato foi encontrado durante nossa pesquisa, e dá uma idéia do arranjo interno do estúdio. a leitura dessa lista pode motivar um raro exercício para distribuição de todos os seus itens em três ambientes distintos, numa criação mental da planta-baixa de um ateliê imaginário. a escritura de penhor relaciona as máquinas e utensílios da Photographia norte do Brasil, a saber: Uma machina fotografia de 50 sobre 60 centimetos para trabalhos de tamanho natural (completo); uma dita de 18 sobre 24 centimetros com todos os seus acessórios; uma dita de 13 sobre 18 centimetros com todos os seus acessórios para atelier e campo; uma dita de 24 sobre 30 com todos os seus acessórios exclusivamente para campo; uma dita de 13 sobre 18; e outra de 18 sobre 24 com os seus acessórios, somente para campo; um aparelho de ampliação até o natural; um aparelho porta-fundo com trez pannos pintados a óleo; um fundo sem fim para bustos; um fundo engradado para trez quartos; uma cadeira metálica para bustos; uma dita para trez quartos; duas ditas de cipó; uma banquinha de cipó; duas columnas; um carrinho de cipó; uma coluna grande para retractos inteiros; um Ecreu de ferro com seus pertences; um rochedo de cortiço; um espelho grande para atelier; um tronco de cortiço; dois cylindros metálicos para esmaltagem de
retractos de mignon ao natural; quatro bancos de cedro; trez mesas de pinho; uma banca com pedra mármore; uma dita e armário; um armário envidraçado; um dito para deposito de drogas; uma lanterna americana; um arquivo de chapas (Clichés); uma mobília completa; quatro cadeiras de florões; um cavalete para desenho; dois retocadores de 18 sobre 24; quinze prensas para copiar de 13 sobre 18; duas ditas de 24 sobre 30; dezessete curvetas de todos os tamanhos; quatro barris de vidro grandes; seis frascos grandes; duas caixas photopintura e quarella; uma groza de pinças americanas; trez porta chapas; um rollo para collagem de retractos; dois vidros para collagem grossa; vinte e dois quadros para exposição de retractos; nove ditos de 40 sobre 60; um candeeiro com holofote; duas bacias grandes e um tapete grande. (630)
629. A República, Fortaleza, ano VIII, nº 263, sábado, 18 Nov. 1899, p. 1. 630. Arquivo Público do Estado do Ceará, Livro de Escrituras do Cartório Feijó, Livro nº 28, Fls. 103v a 104.
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Últimas Imagens ao finalizar nosso trabalho de pesquisa, selecionamos algumas imagens que poderiam complementar este panorama da história do Ceará oitocentista. Merece destaque o conjunto de fotos realizadas em um encontro na chácara Villa izabel, ocorrido provavelmente no dia 6 de maio de 1888. retrata uma reunião de amigos, personalidades das áreas política, comercial e artística, recepcionados pelo livreiro gualter da silva e sua família, em homenagem ao Presidente da Província, antônio Caio da silva Prado (18531889). o historiador José Liberal de Castro, em valioso trabalho publicado na Revista do Instituto do Ceará (tomo CXViii, 2004), revela que o autor das famosas fotos foi o empresário alfredo salgado e exalta a preciosidade das imagens por registrar “momentos alegres e fugidios, vividos pelos circunstantes com despreocupação e sem formalidades sociais”. Quando supunha ter finalizado a busca de imagens, fui avisado pelo historiador raimundo gomes que entre as fotos antigas à venda pela web haveria a de um homem que ele identifica como sendo antônio rodrigues ferreira de Macedo (1804-1859), farmacêutico e político, figura histórica que dá nome à principal praça de fortaleza. o vendedor da foto, coincidentemente, era o mesmo que me vendera os retratos que aparecem no capítulo 43 e disse-me que a foto fazia parte do mesmo álbum, oferecida a ele por uma senhora que confessava não conhecer nenhuma das pessoas retratadas. o velho álbum estivera com sua família e ela doava na esperança que as fotos tivessem um bom destino. ao receber a foto constatei que o homem não identificado era mesmo o boticário ferreira, cuja imagem no leito de morte, em 1859, aparece no capítulo 9. a fotografia original é provavelmente do período em que exerceu a intendência de fortaleza (1843-1859) e foi reproduzida em pintura a óleo que faz parte do acervo do Museu do Ceará. o exemplar descoberto no rio de Janeiro é uma reprodução contratada em Paris, na Photographie Universelle Truchelut, ateliê instalado na rue de grammont, 17, a partir de 1878. Uma foto do início da fotografia no Ceará, em memória de um digno personagem da história política da capital cearense.
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Passeio Público e rua Major facundo, c. 1890. autor niels olsen. acervo nirez.
forte nossa senhora de assunção.
Passeio Público, c. 1890. autor niels olsen. acervo nirez.
Praça Castro Carreira. Monumento ao general sampaio. inauguração 24 de maio de 1900. acervo raimundo gomes.
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a soCiedade eM festa
a faMÍLia Cearense
João evangelista da frota e família. 1885. autor n. i. acervo instituto do Ceará.
recepção ao Presidente Caio Prado na Chácara do Livreiro guálter silva. 6 de maio de 1888. acervo nirez
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grupo familiar: Palmira, ester, João frota e outros. autor n. i. acervo instituto do Ceará.
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a Vida CULtUraL
o fLageLo das seCas
Padaria espiritual. fundada em 30 de maio de 1892. acervo nirez.
família de retirantes flagelados pela seca. Baturité, c. 1880. autor n. i.
Centro Literário. fundado a 27 de setembro de 1894. acervo ary Bezerra Leite.
Vítimas do flagelo das secas, c. 1878. autor n. i. fonte on-line: objkdigital.bn.br.
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A foto histórica mais antiga ANTONIO RODRIGUES FERREIRA DE MACEDO (Boticário Ferreira) Foto no Exercício da Intendência de Fortaleza (1843-1859)
Autor desconhecido. Reprodução da Photographie Universelle Truchelut, Paris – 1878 Acervo Ary Bezerra Leite.
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Verso do cartão. Acervo Ary Bezerra Leite.
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Diario de Pernambuco, Recife, Pernambuco Diario de Piauhy, Teresina, Piauí Diário de São Paulo, São Paulo Diário do Maranhão, São Luís, Maranhão Diario do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro Echo Sergipano, Aracaju, Sergipe Estado do Piauhy, Teresina, Piauí Folha de Sergipe, Aracaju, Sergipe Folha do Norte, Belém, Pará Folha Nova, Salvador, Bahia Gazeta de Baturité, Baturité, Ceará Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro. Gazeta do Natal, Natal, Rio Grande do Norte. Gazeta do Norte, Fortaleza, Ceará Gazeta do Sobral, Sobral, Ceará Illustração Braziliense, Rio de Janeiro Jornal da Bahia, Salvador, Bahia Jornal de Fortaleza, Fortaleza, Ceará Jornal do Brasil, Rio de Janeiro Jornal do Ceará, Fortaleza, Ceará Jornal do Commercio, Manaus, Amazonas. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro Jornal do Recife, Recife, Pernambuco. Jornal Pequeno, Recife, Pernambuco Libertador, Fortaleza, Ceará O Arauto de Minas, São João d’El Rei, Minas Gerais O Argos de Santa Catharina, Desterro, Santa Catarina O Baependyano, Baependi, Minas Gerais O Besouro, Rio de Janeiro O Cearense, Fortaleza, Ceará O Commercial, Fortaleza, Ceará O Espírito-Santense, Vitória, Espírito Santo O Estado do Ceará, Fortaleza, Ceará O Figarino, Fortaleza, Ceará O Globo, Rio de Janeiro
O Jornal, Rio de Janeiro O Juiz do Povo, Fortaleza, Ceará O Liberal do Pará, Belém, Pará O Oitenta e Nove, Baturité, Ceará O Paiz, São Luís, Maranhão O Piauhy, Teresina, Ceará O Povo, Fortaleza, Ceará O Publicador Maranhense, São Luís, Maranhão O Sobralense, Sobral, Ceará O Século, Rio de Janeiro O Sol, Fortaleza, Ceará O Tagarella, Fortaleza, Ceará. Pacotilha, São Luís, Maranhão Pedro II, Fortaleza, Ceará Publicador, Paraíba Publicador Maranhense, São Luís, Maranhão Revista da Semana, Rio de Janeiro Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, Ceará The Philadelphia Photographer, Philadelphia, Pennsylvania. Unitário, Fortaleza, Ceará Vanguarda, Crato, Ceará
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COORDENAÇÃO EDITORIAL
HIsTóRIA DA fOTOGRAfIA NO CEARá DO séCuLO xIx
Ana Soter
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Ficha elaborada segundo a AACR2r
PEsquIsA E TExTOs
Ary Bezerra Leite TExTOs DE APREsENTAÇÃO
Silas de Paula Pedro Karp Vasquez PROjETO GRáfICO
Soter Design - Ana Soter DEsIGNERs AssIsTENTEs
Guilherme Kato Jaqueline Torterolli
L533h
Leite, Ary Bezerra. História da Fotografia no Ceará do Século XIX / Ary Bezerra Leite ; textos Silas de Paula e Pedro Karp Vasquez — Fortaleza : Ed. do autor, 2019. 416 p. : il. fot. ; 25 cm. ISBN 978-65-901227-0-4 Inclui bibliografia. A publicação é resultado de uma parceria com o Museu da Imagem e do Som (MIS) do Ceará e a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará. 1. Fotografia. 2. História da fotografia. 3. Fortaleza 4. Século 19 I. Paula, Silas de. II. Vasquez, Pedro Karp. III. Título CDD 770.9 CDU 77
REVIsÃO DE TExTO
Sofia Soter Henriques
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Renata Baralle — CRB-8/10366
TRATAMENTO DE IMAGEM
Cesar Barreto IMPREssÃO
Gráfica Santa Marta
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Esta obra é parte integrante da política para Fotografia da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, através do Museu de Imagem e Som do Ceará em parceria com o Fotofestival Solar. www.solarfotofestival.com
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Transformando a incompletude em caminhos possíveis. “O Ceará, que nos idos de 1840, já contava com um estúdio de daguerreotipia, começa ter essa lacuna preenchida com o trabalho de Ary Leite. Ele mergulha na incompletude do processo histórico criando uma peça impregnada de memórias e significações e, em uma contínua sucessão de fases ultrapassa os limites das fronteiras temporais mergulhando em arquivos – incompletos fragmentos de vida que descansam – e, no seu inconformismo com os olhares guardados, transforma os vazios da incompletude numa diversidade de caminhos possíveis. No fundo está em questão, mais uma vez, a identidade do espaço e o sentido de lugar com o qual criamos laços emotivos e vivenciais. A pesquisa nos apresenta aquele tipo de produção de imagens que se insere no domínio da atividade humana e pode ser tratado como a construção de um mundo simbólico. O resultado é algo produzido de forma dinâmica, como uma região de probabilidades que se enrolam e se interpenetram e sujeito à rede de sentidos imposta pela cultura, linguagem e história.”
Silas de Paula