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Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social Núcleo de Antropologia Visual - Banco de Imagens e Efeitos Visuais
Organização e Apresentação Camila Braz da Silva - Mestranda em Antropologia Social (PPGAS/UFRGS), Brasil Fabricio Barreto - Doutorando no Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas (PPGPP/UFRGS), Brasil Fotos da Capa e Contracapa Marielen Baldissera, Fabrício Barreto, Thais Gaia Schüler e Jeferson Carvalho da Silva Editoras Ana Luiza Carvalho da Rocha, UFRGS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Cornelia Eckert, UFRGS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Comissão Editorial Angela de Souza Torresan, University of Manchester, Inglaterra Carlos Masotta, UBA, Argentina Carmen Sílvia de Moraes Rial, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Christine Louveau de la Guigneraye, Centre Pierre Neville, Université d’Évry-Val-d’Essonne, Maître de conférences en communication, França Daniel Daza Prado, IDES, Argentina Daniel S Fernandes , UFPA, Universidade Federal do Pará — Campus Bragança Fabrício Barreto, UFRGS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Fernando de Tacca, Unicamp, Brasil Flávio Leonel da Silveira, Universidade Federal do Pará, Brasil Gisela Canepá Koch, Departamento de Ciencias Sociales de la Pontificia Universidad Católica del Perú, Perú Jesus Marmanillo, Universidade Federal do Maranhão, Brasil João Braga de Mendonça, Universidade Federal da Paraíba, Brasil Luciano Magnus de Araújo, Universidade Federal do Amapá, Brasil Luiz Eduardo Achutti, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Milton Guran Paula Guerra, Universidade do Porto, Portugal Renato Athias, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Rumi Kubo, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Sarah Pink Instituto Real de Tecnologia de Melbourne, Austrália Sylvaine Conord, Université Nanterre, França
Apoio Técnico Felipe da Silva Rodrigues, Pesquisador Voluntário BIEV, UFRGS, Brasil Marcelo Fraga, bolsista voluntário em BIEV, UFRGS Matheus Cervo, bolsista de iniciação científica em BIEV, UFRGS
www.ufrgs.br/biev/ medium.com/fotocronografias fotocronografia@gmail.com +55 (51) 3308 6647
Diagramação e Editoração Felipe da Silva Rodrigues - Pesquisador Voluntário Biev UFRGS, Brasil
foto crono Errâncias, der ivas e etnografia de rua: as imagens insurgentes de um cam inhar pela cidade
2019
Música, calle e intimidad
Flávio Henrique Silva e Sousa
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A errância e o etnógrafo de rua: uma experiência errática na região portuária de Pelotas/RS
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Fabricio Barreto
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Random City Letícia Lampert
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Os muros da cidade: domínios territoriais, alianças e segurança em Fortaleza, Ceará Clodomir Cordeiro de Matos Júnior João Pedro de Santiago Neto
Thais Gaia Schüler
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Das coisas que são amarelas Prof. Dr. Ricardo Luis Silva
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“Nós passamos por aqui”: notas de uma experiência etnográfica errante Jeferson Carvalho da Silva
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Retratos para Ruben
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Lucas Sargentelli Icó
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Paisagens, memória e transformação do território na cidade contemporânea na percepção errática Emanuela Di Felice Isabella Khauam Maricatto Matheus Gomes Barbosa
Débora Wobeto Karen Ambrozi Käercher
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“Bebedouro se ufana de ter-vos como padroeiro!”: Fotoetnografia da procissão de Santo Antônio, em Bebedouro, Maceió-AL
Arlindo da Silva Cardoso Fernanda Rechemberg
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Alteridades em deslocamento: notas visuais sobre o processo de construção de uma exposição fotográfica
Leonardo Palhano Cabreira José Luís Abalos Júnior Camila Braz da Silva
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Eloisa Lemos Pessoa
Uma caminhada com Denise
Sobre turismo e lugar: cenas da cidade do Cairo
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Camila Braz da Silva Fabrício Barreto
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Travessias
Joanna Munhoz Sevaio
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Cidade Baixa em foco: os usos noturnos e diurnos de um bairro a partir da rua
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Ana Claudia Camila Veiga de França
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Letras em latas, conversas de palavra solta nas ruas de Barcelona
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Apresentação
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sum ário
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Errâncias, der ivas e etnografia de rua: as imagens insurgentes de um cam inhar pela cidade
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Organização e Apresentação Camila Braz da Silva Fabrício Barreto
vol. 05 num. 10 Errâncias, der ivas e etnografia de rua: as imagens insurgentes de um cam inhar pela cidade Caminhar diz respeito a humanidade desde os tempos mais remotos. Faz parte do ser humano o deslocar-se, sobretudo, por meio da caminhada. Caminhar é produzir lugares (Careri, 2013), uma ação que se constitui como ato perceptivo e criativo. De Certeau (1998) nos apresenta sua função enunciativa: caminhar ao mesmo tempo é leitura e escrita do território. Para Paola Jacques (2012) a experiência errática afirma-se como uma possibilidade de resistência ou insurgência contra a ideia do empobrecimento da experiência urbana a partir da modernidade. Na etnografia de rua, como preconizado pelas antropólogas Cornelia Eckert e Ana Luiza Carvalho da Rocha (2013), o desafio é “experienciar” a ambiência da cidade, e o exercício da caminhada pode incluir a “câmera na mão”, se conformando não só como momento de reconhecimento do antropólogo em sua pesquisa, mas também como intervenção/interação com a investigação.
Caminhar na cidade é perceber seus cheiros, suas sonoridades, seu clima, suas imagens, suas temporalidades. O caminhante constrói sua percepção a partir do deslocamento, no movimento. Dentre as classificações associadas a caminhada, destacamos a errância, que pressupõe o perder-se na cidade. Esta é a proposta que apresenta Fabricio Barreto — ao narrar uma experiência errática em uma cidade que lhe é familiar — Pelotas, Rio Grande do Sul. Uma experiência que se intensifica à noite, aguçando os sentidos e a atenção. Perder-se na urbe é romper com as regras do jogo, ignorar direções predispostas à orientação de caminhos pré-estabelecidos. Quando as regras são outras, a cidade é outra. Na mesma direção, entre perder-se e localizar-se, Letícia Lampert interage com as cidades em escalas globais. A partir de colagens, a artista visual sobrepõe camadas e constrói paisagens possíveis de situar múltiplos lugares. Sua experiência, enquanto caminhante, conduz a derivas visuais por São Paulo, Xangai, Nova York, Paris, Montevidéu e Porto Alegre. As imagens nos provocam a procurar fragmentos do lugar conhecido e do desconhecido, que se misturam e se compõem. Ana Claudia França nos projeta para a efervescência cultural de Barcelona. A capital da Catalunha, uma cidade cosmopolita com suas ruas recheadas de turistas, transborda arte urbana. A autora traça o olhar sobre a intervenção artística “Me Lata”, em sua narrativa sensível e afetiva nos convida a uma errância pelas ruas dos bairros Born, Raval, Barceloneta e Gótico. De Barcelona, nos deslocamos para Madri. Lá, Flávio Henrique Silva e Sousa nos apresenta às sonoridades da música callejera madrilenha a partir de registros fotográficos do festival La Calle Suena en Primavera. Flávio sugere uma deriva, um deixar-se levar, através do belo, sutil, íntimo e emocional, em momentos de intercâmbio, sociabilidade e arte de rua.
Thais Schuler, na condição de tour leader, conduziu turistas pelas ruas do Cairo por diversas vezes. O turismo contemporâneo, que tem sua origem mais remota no nomadismo humano, exige agilidade e precisão em seus deslocamentos. Ainda que sua atividade lhe imponha um certo imaginário turístico, Thais rompe com as imagens produzidas dentro dessa perspectiva e atenta o olhar para o Cairo além do cartão postal, registrando outras dinâmicas do cotidiano da cidade. O cotidiano também é a abordagem de Ricardo Luis Silva. Seus registros estão voltados para o ordinário, o banal de nosso dia a dia. Faz disso coleções do que não se percebe, do que não tem sentido perceber. O pitoresco pressupõe um caminhante. No seu ensaio, a cidade se revela em uma coleção de coisas amarelas. Desvelar (ou revelar) a cidade é também explicitar dissensos e conflitos entre interesses divergentes. Eloisa Lemos nos traz o bairro Jaraguá, em Maceió/AL, uma região muito antiga tombada pelo patrimônio histórico do Estado. Em contradição a seu tombamento, abre-se margem para o abandono e a deterioração das construções urbanas. Suas fotografias apresentam intervenções artísticas que passam a ressignificar esta região. Algo semelhante é exposto no ensaio de Clodomir Cordeiro de Matos e João Pedro Santiago. O trabalho explicita a tensão entre o crime organizado e a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Ceará, na qual há uma tentativa de pacificação do espaço público através de apagamentos simbólicos das expressões de conflitos locais manifestados nos muros da periferia da capital cearense, Fortaleza. A tensão entre poder público e sociedade civil é a abordagem de Lucas Sargentelli. O autor retrata a traumática remoção da Vila Autódromo, localizada no Rio de Janeiro, ao nos apresentar Denise. O pesquisador e a antiga moradora da vila caminham juntos pelos percursos que ela realiza diariamente e nos propõe pensar esses espaços da cidade que são tomados da população e esvaziados de sentido. O trabalho de Isabella Maricatto, Emanuela Di Felice e Matheus Gomes Barbosa também evoca tensões do ambiente citadino. Na proposta metodológica destes urbanistas, a caminhada enquanto prática estética, conduz as pesquisadoras e os pesquisadores a zonas periféricas da cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul. Com isso, expõem espaços limiares de terras indecisas, ambíguas, instáveis e híbridas. Áreas de conflito onde é possível registrar a fugacidade do devir da cidade, as resistências locais a essas transformações infraestruturais da cidade e o lugar da memória nesse processo.
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Entendendo o viés interdisciplinar da abordagem, esta edição de Fotocronografias abriu espaço para uma reflexão sobre um escopo categórico que envolve a caminhada como procedimento de pesquisa. Em meio a derivas, errâncias, deambulações e nomadismos, reunimos trabalhos que se aderem a técnica da etnografia de rua, onde a câmera fotográfica é ferramenta de investigação. Assim, nos propomos a incentivar um diálogo entre diferentes áreas do conhecimento, evocando uma comunidade de intérpretes da cidade moderna, narradores urbanos provocados pelos deslocamentos não só de seus corpos, mas também, das alteridades citadinas.
Jeferson Carvalho da Silva, relata os encontros vividos na cidade de Viçosa, Minas Gerais, em um processo de mapeamento e registro do inesperado, o pesquisador direciona seu olhar para os movimentos cotidianos das ruas e as formas de apropriação dos espaços urbanos pelos citadinos. As autoras Débora Wobeto e Karen Ambrozi Kaercher nos apresentam um exercício fotográfico resultante de caminhada etnográfica pelo centro da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. A provocação está na contradição da pulsão intensa dos centros urbanos sob um olhar mais lento, proposto pelas pesquisadoras. Os retratos produzidos pelas autoras reúnem fragmentos das ruas, da arquitetura e das pessoas na cidade. Arlindo da Silva Cardoso e Fernanda Rechemberg nos apresentam uma experiência etnográfica por meio de fotografias realizadas na procissão de Santo Antônio de Pádua, padroeiro do bairro Bebedouro, Maceió, Alagoas. A cada procissão, ato de deslocamento em si, um universo de elementos e imagens aparecem no processo de significações e ressignificações das expressões de religiosidade. Por fim, apresentamos o trabalho de Leonardo Palhano Cabreira, José Luís Abalos Júnior e Camila Braz da Silva, um fragmento da exposição “Paisagens, Cotidiano e Sociabilidades no Litoral Norte Gaúcho: um mergulho etnográfica na memória ambiental”, realizada pelo Núcleo de Antropologia Visual (Navisual/PPGAS/UFRGS). A ideia de captar, registrar e compreender aspectos das paisagens no litoral gaúcho foi motivadora para pesquisadoras e pesquisadores construírem suas narrativas imagéticas acerca do desafio de se deslocar em diferentes ambiências. As imagens testemunham registros de situações da pesquisa etnográfica em processo, desde a interação com possíveis interlocutores e mesmo com colegas de pesquisa em sua postura de captação, o clique da foto, espelhando a prática do registro.
Referências CARERI, Francesco. Walkscapes. O caminhar como prática estética. São Paulo: ed. Gili, 2013. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Ed. Vozes. 3ªed. Petrópolis, 1998. ECKERT, Cornelia; ROCHA, Ana Luiza Carvalho. Etnografia de rua: estudos de antropologia urbana — Porto Alegre, Ed. UFRGS, 2013. JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos Errantes. Salvador: EDUFBA, 2012.
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A partir da breve apresentação dos trabalhos que compõem esse dossiê, agradecemos às autoras e aos autores pelas nobres contribuições que participam desta edição, enriquecendo o conteúdo visual e reflexivo para pensarmos os deslocamentos como prática metodológica em contextos urbanos.
A etnografia de rua é a base fundante dos trabalhos que seguem. É também ferramenta imprescindível de uma linha de pesquisadoras e pesquisadores, que providos da “câmera na mão”, lançam-se em caminhadas (sistematizadas ou não) pela urbe. Assim como no ensaio apresentado por Joanna Sevaio, no qual narra o cotidiano diurno e noturno da Cidade Baixa, um bairro boêmio de Porto Alegre/RS, investindo na cidade sob o viés de seus movimentos, fazendo deslocamentos por entre os lugares do bairro, atenta aos modos compartilhados de estar e viver neste lugar.
A errância e o etnógrafo de rua: uma experiência errática na região portuária de Pelotas/RS Resumo: Neste ensaio apresento a errância como desdobramento da etnografia de rua. Na figura do etnógrafo errante, narro uma experiência do perder-se na cidade. O local escolhido foi uma região que, mesmo já sendo parte do meu cotidiano, mostrou novos caminhos e olhares durante um passeio noturno. Proponho esta prática como procedimento de pesquisa, que valoriza o desconhecido, a criatividade, o modo de viver das pessoas que destituíram-se das regras do jogo, buscando a liberdade de se movimentar sem seguir padrões urbanísticos. Sentir a cidade sem regras, sem uma rota, apenas deixar-se guiar pelo percurso que ela vai apresentando no caminhar. Palavras chave: Errância, Etnografia de Rua, Alteridades Urbanas, Caminhar, Paisagem Urbana
Errance and the street ethnographer: An erratic experience in the port region of Pelotas/RS Abstract: In this essay I present the wandering based on street ethnography. In the figure of the wandering ethnographer, I narrate an experience of getting lost in the city. The place chosen was a region that, even being part of my daily life, showed new ways and looks during a night tour. I propose this practice as a research procedure, which values the unknown, the creativity, the way of life of people who have broken the rules of the game, seeking the freedom to move without following urban patterns. Feel the city without rules, without a route, just let yourself be guided by the route it presents in walking. Key words: Wander, Street Ethnography, Urban others, Walk, Urban landscape
1 - Doutorando no Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas (PPGPP) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). e-mail: fabriciobarreto@gmail.com CV lattes: http://lattes.cnpq.br/3082951793368318
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Fabricio Barreto ¹
Este ensaio é decorrente de minha dissertação de mestrado² em Antropologia, quando investiguei o processo de transformação urbana da região portuária de Pelotas/RS em interlocução com grafiteiros da cidade. No presente trabalho, fundamentado metodologicamente na observação participante (MALINOWSKI, 1978) e na etnografia de rua que inclui “a câmera na mão” (ECKERT & ROCHA, 2013), traço um certo olhar sobre a errância urbana, ou seja, a experiência de perder-se na cidade. O bairro Porto, como é con1hecido pela população, concentra boa parte das atividades da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Nesta região estão estabelecidas diversas unidades da universidade, portanto é uma área de grande circulação de estudantes que, consequentemente, desenvolveu atividades econômicas voltadas às necessidades estudantis, como habitações, restaurantes, serviços, lojas e bares. Durante o mestrado, estabeleci residência nesta região. Portanto, era um ambiente que fazia parte de meu cotidiano acadêmico entre universidade e demais afazeres do dia-a-dia. Neste período, meus deslocamentos se davam majoritariamente a pé, e o ensaio fotográfico que compõe este trabalho retrata um desses deslocamentos.
atividade atribuída a artistas, escritores e pensadores, que, ao destituíremse das regras do jogo, libertam a criatividade das constrições socioculturais, estabelecendo as próprias regras. A experiência errática vai ao encontro do diferente, do Outro, e, assim, aproxima-se das alteridades urbanas. A errância foi uma prática ligada ao surrealismo, movimento artístico do início do século XX. Os surrealistas utilizavam “o caminhar como meio através do qual indagar e desvelar as zonas inconscientes da cidade” (CARERI, 2013, p.83). Apoiados na psicanálise, lançavam-se aos territórios do inconsciente, espaços vazios, desabitados, em campos abertos da periferia de Paris, convictos de que a cidade poderia revelar-se em uma realidade não visível. Experiência que se intensifica quando realizada à noite, aguçando os sentidos e a atenção. Algo como deambular em meio a um sonho, em que seu desenrolar narrativo se organiza entre o nomeadamente simbólico e as aparências da própria locação. A errância é uma experiência sensível/afetiva que contrasta com outras atividades regradas do nosso cotidiano, quando a cidade é apreendida pelo tato, pelo contato, pelos pés. Errantes urbanos perambulam nas grandes metrópoles. Uma experiência significativa para o processo de subjetivação dos citadinos. O etnógrafo de rua, enquanto errante, busca perder-se para depois se reencontrar, e neste reencontro perceber outros significados e sentidos da experiência urbana.
A região portuária pelotense é eminentemente plana, suas ruas são largas e caracterizam-se pelo traçado viário reticulado. A paisagem urbana da região proporciona uma impressão de amplitude, de modo que em muitas áreas, o olhar pode estender-se a longas distâncias. Seu projeto urbanístico está ligado ao período de transformação acelerada das cidades movida pelo fenômeno modernista de industrialização. Os urbanistas modernos buscavam, regra geral, planificar cidades com propósitos de orientação de seus usuários. A orientação pressupõe traçar uma rota com propósitos de alcançar um destino. Na errância não há um destino a chegar senão uma tentativa de perder-se, mesmo na cidade que conhece. Paola Jacques (2012) afirma que “as errâncias são um tipo de experiência não planejada, desviatória dos espaços urbanos, são usos conflituosos e dissensuais que contrariam ou profanam os usos que foram planejados” (idem, p.23). A questão dos errantes está nos percursos. O errante faz dos percursos o seu território. Sem destinação precisa, não há preocupação em chegar a algum lugar. Enquanto prática associada ao caminhar, está ligada aos sujeitos lentos que se opõem, ou lhes foi negada, a rapidez da modernidade. “Andar depressa é esquecer rápido, reter apenas a informação útil no momento” (PEIXOTO, 2003). O andar lento é deixar espaço para que outra coisa possa se instalar. Jacques menciona que “as errâncias são práticas labirínticas da cidade, um jogo do desenrolar o fio de Ariadne” (2012, p.275). E, em alusão aos “paraísos artificiais” de Baudelaire, a autora nos diz que “o estado labiríntico se aproxima da experiência errática dos percursos e também da embriaguez, de diferentes formas de alteração dos sentidos” (idem, ibidem). Não é em vão ser esta uma
2 - Mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia (PPGAnt) da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Acesso http://guaiaca.ufpel.edu.br:8080/handle/prefix/4304
Referências BENJAMIN, Walter. Infância em Berlim. In. ______. Obras escolhidas II. TraduçãoRubens Rodrigues Torres Filho e José Carlos Martins Barbosa. Ed. Brasiliense. São Paulo — SP. 1987, p.71–142. CARERI, Francesco. Walkscapes. O caminhar como prática estética. São Paulo: ed. Gili, 2013. DEBORD, Guy-Ernest. Teoria da Deriva. In. JACQUES, Paola B. (org.). Apologia da Deriva: escritos situacionistas sobre a cidade. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2003. ECKERT, C.; ROCHA, A. L. C. da. Etnografia de e na rua: estudo de antropologia urbana. In: ______ (org.). Etnografia de rua: estudos de antropologia urbana. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2013, p.21–46. JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos Errantes. Salvador: EDUFBA, 2012. 331 p. MALINOWSKI, B. Introdução. In. ______. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores), 1978, p.17–34. PEIXOTO, N. B. Paisagens Urbanas. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2003.
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Saber orientar-se numa cidade não significa muito. No entanto, perder-se numa cidade, como alguém se perde numa floresta, requer instrução. (BENJAMIN, 1987)
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Letícia Lampert ¹
Random City Resumo: Este artigo é uma reflexão sobre o processo criativo por trás de Random City, um projeto fotográfico que venho desenvolvendo desde 2015. O trabalho se propõe como um ensaio sobre memória, identidade cultural e globalização a partir da paisagem urbana. Nele, o caminhar por diferentes cidades é o ato fundador de um jogo poético em constante expansão e, a fotografia, a principal forma de reflexão sobre as questões propostas. Palavras chave: Cidade, Fotografia, Caminhar, Globalização, Memória
Abstract: This article is a reflection on the creative process behind Random City, a photographic project I have been developing since 2015. The work proposes an essay on memory, cultural identity and globalisation through the urban landscape. In this project, walking is the founding act of a poetic game in constant expansion and photography, the medium to discuss it. Key words: City, Photography, Walking, Globalisation, Memory
1 - Artista visual, mestre em Poéticas Visuais pelo PPGAV-UFRGS e pesquisadora independente.
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Mas se falar de projeto como percurso pode parecer uma obviedade, uma redundância desnecessária, Random City quer levar esta redundância ao extremo da literalidade uma vez que é, ele mesmo, um processo aberto e em curso por definição. Embora trechos da série já tenham sido apresentados em diferentes escalas e suportes, de quadros a instalações, passando até por atividade coletiva em oficina, ele não tem um formato ou tamanho definido e vai se moldando conforme diferentes contextos. No fim, o perfil do Instagram,@city.random, talvez seja o suporte mais coerente para o projeto, uma vez que permite compartilhar este fluxo constante e interminável de paisagens que se interconectam em um trajeto imaginário que segue crescendo a cada dia que passa.
Se ao aterrissar em Trude eu não tivesse lido o nome da cidade num grande letreiro, pensaria ter chegado ao mesmo aeroporto de onde havia partido. (…) Pode partir quando quiser — disseram-me -, mas você chegará a uma outra Trude, igual ponto por ponto; o mundo é recoberto por uma única Trude que não tem começo nem fim, só muda o nome no aeroporto. Italo Calvino, As Cidades Invisíveis
É dificil definir o ponto de partida de um projeto, o marco zero de uma ideia. Já me surpreendi, muitas vezes, ao encontrar sinais claros do que pareciam ideias recentes em arquivos e anotações de vários anos atrás. Parece que as ideias vão e vem e se misturam e se transformam e ficam adormecidas em algum lugar, maturando, até serem reativadas como se fossem uma inesperada epifania. Mas esta epifania nunca surge do nada, ela é construída vagarosamente, passo a passo. Projeto é trajeto, é fluxo, é percurso.
Se as cidades estão sempre mudando, se reconstruindo, por que congelálas em imagens de um presente já passado? Melhor adicionar mais uma camada. E mais uma. E mais uma. E assim eu vou seguindo, nesta espécie de diário sem cronologia, que vai e volta ligando tempos, espaços e experiências. Minhas e de quem mais deixou suas marcas pelas cidades por onde eu passar. Juntos, seguimos. Só mais uma camada. Tão longe quanto os olhos puderem levar.
E assim é Random City, um projeto/percurso que não sei ao certo quando começou nem quando vai terminar. Um projeto que incorpora estas incertas camadas de tempo e de espaços que constituem as ideias. Uma pesquisa que existe num contínuo caminhar, num processo de percorrer cidades para fazer paisagens. Uma divagação visual que se faz a pé, numa deriva improvável que conecta Porto Alegre e Xangai, São Paulo e Nova York, Montevideo e Paris. Tantas cidades como se fossem uma só. E será que não são? Entre Starbucks e McDonalds, Ibis e Mercures, me vejo no mesmo lugar mesmo do outro lado do oceano. Belong anywhere, diz o slogan do AirBnb. Mas onde mesmo eu estou? Difícil dizer. Penso ter chegado à Trude, de Calvino, ou seria à Nova Babilônia, de Constant? A cidade nômade, situacionista, inspirada nos ciganos e proposta no final dos anos 50, quem diria, mais parece a tradução conceitual da vida possível para quem vive através de aplicativos de deslocamento e hospedagem nos dias atuais. E seguindo entre memórias entrecortadas, experiências e divagações, vou misturando fotografias dos mais variados lugares numa panorâmica que não quer nunca chegar ao fim. Ainda que a colagem seja evidente e assumida como estratégia de edição, é difícil definir fronteiras e nacionalidades de forma precisa. As combinações, às vezes cuidadosamente planejadas, às vezes aleatóreas, enfatizam as idiossincrasias de tantas cidades que passaram por crescimento acelerado e períodos de colonialismo que, mais tarde, tendem a reaparecer num auto-colonialismo tardio e voluntário, confirmado por pastiches arquitetônicos bastante inusitados. Referências
CALVINO, Italo. As Cidades Invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática poética. São Paulo: Editora G. Gili, 2013.
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Ana Claudia Camila Veiga de França ¹
Letras em latas, conversas de palavra solta nas ruas de Barcelona Resumo: Neste ensaio, a partir da ideia de jogo caminhatório e exploratório, percorro possíveis sentidos para as intervenções do projeto “Me Lata”, presente na cidade de Barcelona. Usando palavras em latas coloridas de metal, “Me Lata” espalha mensagens pela cidade, em bairros como Born, Raval, Barceloneta e Gótico. As frases e expressões circunscrevem uma multiplicidade de estéticas e temáticas, ampliando a polissemia de muros e paredes barcelonesas. Palavras chave: Arte urbana. Caminhada. Cidade.
Letters in cans, loose word conversations on the streets of Barcelona Abstract: In this essay, based on the idea of a walking and exploratory game, I discuss possible meanings for the interventions of the project “Me Lata”, present in the city of Barcelona. Using words in colorful metal cans, “Me Lata” spreads messages throughout the city, in neighborhoods like Born, Raval, Barceloneta and Gothic. The phrases and expressions circumscribe a multiplicity of aesthetics and themes, expanding the polysemy of Barcelona’s walls. Key words: Urban Art. Walking. City.
1 - Na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) é professora no Departamento Acadêmico de Desenho Industrial (DADIN) e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade (PPGTE). Atualmente, é pesquisadora visitante na Universidade de Barcelona (UB) e o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — Brasil (CAPES) — Código de Financiamento 001. e-mail: oianafranca@gmail.com lattes: http://lattes.cnpq.br/5511666385207029
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As letras, as latas As fotografias deste ensaio foram realizadas em Barcelona entre agosto e novembro de 2019, à medida em que eu encontrava pelas ruas latinhas do projeto “Me Lata”. Caminhar por estes territórios foi uma experiência nova para mim, que cheguei à cidade no final do verão para um período de estágio doutoral na Universidade de Barcelona. Em diálogo com Francesco Careri (2013), estabeleço estes encontros como parte de um jogo caminhatório e exploratório, errático e cotidiano, onde eu estive às vezes sozinha, às vezes acompanhada, sempre em percursos à pé. Em pouco tempo, como estudante, estrangeira e caminhante, passei a reconhecer à distância as intervenções enlatadas e me aproximar sempre que possível para registrálas.
Depois de se dar conta da existência das latinhas é difícil não repará-las. Se as circunstâncias permitirem e a mensagem afetar, é também possível fotografá-las para postar nas redes sociais ou enviar a foto para alguém, como quem encontrou na rua por acaso as palavras pra dizer o que se pensa ou o que se sente em uma manhã ensolarada de terça-feira. Assim eu me vi, particularmente entre os bairros Born e Raval, perdendo-me com alguma frequência, perseguindo latas e letras embaralhadas. Como se fora possível conectar textos, construir narrativas e porventura, decifrar algum mistério que orienta a distribuição das mensagens em determinados espaços, momentos, com particulares cores e temáticas e em três idiomas distintos; catalão, castelhano e inglês.
A materialidade do “Me Lata” propicia interações específicas. Latas deslocadas que uma vez embalaram bebidas, molhos, conservas, castanhas e grãos, agora ostentam palavras e ocupam paisagens públicas. A composição das intervenções permite que as letras expostas sejam amassadas, retiradas, reconfiguradas, pixadas, coloridas. Com o tempo, desbotam, caem ou talvez, sejam deliberadamente removidas. Podem ser recolocadas em outros espaços urbanos, descartadas nas ruas, nas lixeiras ou reapropriadas como souvenir. Inevitavelmente estão sujeitas à intempéries e transformações do espaço. Percorrem “trajetórias indeterminadas”, como propõe Michel de Certeau (1998, p. 97):
“É o poder das pessoas”, encontrei na entrada da Faculdade de Geografia e História, depois de uma semana intensa de manifestações populares e políticas na cidade. “Até o infinito e além” é a conhecida expressão do personagem sideral Buzz Lightyear do desenho animado “Toy Story”. Também um incentivo lúdico às lutas terrestres e corriqueiras. “Tantas coisas para fazer” lembra que dividimos este mesmo barco das tarefas inacabadas e intermináveis, caminhando contra o tempo e contra as listas de afazeres, por obrigação ou por prazer. “Deve haver outra maneira de viver”, desconfiamos, mas não sabemos como ou por onde começar². “Eu não sei como te agradecer pelo que você faz por mim” é a mensagem que encontro enevoada, enigmática. É que as latinhas ficaram encobertas por um pedaço de tecido opaco do edifício em manutenção. Há alguns passos dali, outro recado grato e afetivo, “Gracias corazon por cada _ _ _ _ do!”. Segundo os rastros de cola na parede faltam quatro letras e há muitas semanas que o encontro assim. “Addicted to love” remete à canção de Robert Palmer de 1985. “You’re gonna have to face it, you’re addicted to love” talvez seja o que não só eu, mas outras pessoas escutem mentalmente ao cruzar o café Escac, onde “addicted to love” divide espaço com o cardápio em quadros de giz, a placa da “Plaça de Bonsuccès” e uma profusão de interferências visuais. “Rebel Arte” é quase um manifesto corporificado em letras e latinhas de spray, sugere que ocupar a rua é também uma prática transgressora e que desafia a lógica dos espaços institucionalizados artísticos e urbanos. Como no caso anterior, “Rebel Arte” coexiste com outras expressões visuais, compondo um pequeno mural, à disposição na Carrer Comtal ou Carrer d’Estruc, dependendo de por onde se chega nesta aresta do Bairro Gótico.
São frases imprevisíveis num lugar ordenado pelas técnicas organizadoras de sistemas. Embora tenham como material os vocabulários das línguas recebidas (o vocabulário da TV, o do jornal, o do supermercado ou das disposições urbanísticas), embora fiquem enquadradas por sintaxes prescritas (modos temporais dos horários, organizações paradigmáticas dos lugares, etc), essas “trilhas” continuam heterogêneas aos sistemas onde se infiltram e onde esboçam as astúcias de interesses e de desejos diferentes.
Logo percebi que fotografava as latinhas como um modo de colecionar as mensagens, tanto pelo seu conteúdo plástico quanto linguístico, compondo um álbum de figurinhas fotográficas na memória do celular. Mais tarde, poderia revisitar as imagens e as palavras, como quem folheia um livro de páginas fragmentadas e frases soltas e encontra novos sentidos a cada vez. Um álbum também de memórias de momentos e percursos pela cidade.
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Caminhando a esmo, se houver espaço e atenção, dá pra ouvir as ruas de Barcelona palpitarem sobre assuntos e sentimentos do dia. Enquanto os jornais anunciavam fogo na Amazônia, cruzei triste pelo “Verd és el color” na Carrer del Vidre. Apaixonada, detive-me por algum tempo em “Que jodidamente increíble es quererte” na Plaça de Sant Agustí. Semanas depois, descobri “Atención! Amor solo apto para valientes”, um incentivo para seguir amando e seguir valente, apesar de tudo. Em diálogo com Careri (2013) e Certeau (1998), entendo que “Me lata” estabelece táticas e estéticas que acolhem e interpelam o ordinário e o cotidiano. Ainda, incorpora à estas táticas, caminhadas e diálogos que passantes podem estabelecer com as paredes de uma cidade, no escorrer dos dias e das ruas, narrando passos e percursos, afetivos e afetados.
2 - Mais tarde descobri, este é um trecho de uma música do artista catalão Joan Dausà.
Referências CARERI, Francesco. Walkscapes. O caminhar como prática estética. São Paulo: ed. Gili, 2013. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Ed. Vozes. 3ªed. Petrópolis, 1998.
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Flávio Henrique Silva e Sousa ¹
Música, calle e intimidad Resumen: Dentro del mar de humanidad que es la ciudad, a veces nos encontramos con refugios donde descansar y respirar. Uno de esos refugios es la música callejera presente de forma “aleatoria”, en las esquinas, plazas y calles de las ciudades. La música callejera nos transporta a otros lugares en momentos efímeros de disfrute. El ensayo fotográfico se ocupa de estos refugios y trae a la memoria un placer imprevisto en mitad de las derivas urbanas cotidianas. Palabras clave: Espacio Público, Antropología Urbana, Etnomusicología, Música Callejera
Music, Street and intimacy Abstract: Within the sea of humanity that is the city, sometimes we find shelters where to rest and breathe. One of these shelters is street music present in a “random” way, in the corners, squares and streets of the cities. Street music transports us to other places in ephemeral moments of enjoyment. The photo essay deals with these shelters and brings to mind an unexpected pleasure in the middle of everyday urban drifts.
Key words: Public Space, Urban Anthropology, Ethnomusicology, Street Music
1 - Dr. en Antropología Social por la Universidad Autónoma de Madrid fhenrique@hotmail.com
En su momento, para pensar la música callejera, tuve que mirarla desde una perspectiva compleja basada en Edgar Morin (Morin, 1994), entendiendo las relaciones como procesos que consideran distintos matices personales y sociales que se retroalimentan de forma continuada entre individuos y sociedad. Sin embargo, al tratarse la música de una expresión artística, tenemos que considerar las subjetividades y emociones a la hora de entender los intercambios entre la música callejera y sus públicos: “La emoción es a la vez interpretación, expresión, significación, relación, regulación de un intercambio (…)” (Le Breton, 2013). La emoción es un elemento clave cuando hablamos de sociabilidades e intercambios observados en la música callejera. Es esencial en los intercambios materiales y simbólicos entre músicos y audiencias. En ese sentido, basándome en la idea de gift de Marcel Mauss (Mauss, 2009), percibo la música como el elemento regalado, y la retribución monetaria o simbólica, como el contra-regalo ofrecido por los públicos a los músicos a cambio de momentos intangibles de arte callejero (Silva e Sousa, 2017). Además, entiendo que hablar de intercambios, sociabilidades y arte callejero, de hecho, es hablar de instrumentos y herramientas capaces de intervenir y transformar los espacios públicos de las ciudades a través de lo bello, sutil, íntimo y emocional. La música forma parte de los paisajes sonoros y visuales de las ciudades y nos ayuda a entender, interactuar, construir y madurar como y con las mismas. En los meses de abril, mayo y junio de 2019 tuvo lugar en las calles de la ciudad el Festival La Calle Suena en Primavera — iniciativa del colectivo La Calle Suena, apoyada y financiada por el ayuntamiento de Madrid –. He tenido el gran placer de poder hacer las fotografías para el festival disfrutando de todas las actuaciones del mismo. Algunos de los objetivos principales del evento fue poner en valor la música callejera — alejándola de idea de ruido — y promover una relación de respeto y convivencia entre músicos y vecindad. Junto a eso, ha estado muy presente la reivindicación del espacio público como lugar legítimo del arte en el que se comparten momentos de belleza entre desconocidos. Al final, el Festival La Calle Suena en primavera sistematizó — de forma momentánea — el encuentro de la música con la figura del flâneur de Baudelaire — público clásico de las actuaciones callejeras –. En palabras del cantante Zenet³ — tras finalizar su actuación musical callejera en el La Calle Suena en Primavera –, queda clara la relación íntima de encuentro/desencuentro, casi mágica, entre músicos y público a la deriva en las calles de la ciudad:
Yo entiendo el concepto de artista casi como el de chamán. Creo que hay un sitio donde hablamos del misterio, donde el artista hace de medium entre lo desconocido y lo material. Y eso ocurre en todas las artes. (…) En la calle es curioso porque el artista tiene que hacer doble trabajo para conseguir la concentración del público; para que ocurra el milagro; para que ocurra la magia. El artista tiene que desarrollar un sentido especial, porque no existe la intimidad donde tú controlas al público, lo sientas y le obligas, de alguna manera, a crear tu atmósfera; la atmósfera hay que crearla en la calle. Es muy interesante porque sin haber esa intimidad, en la calle, cuando consigues la magia, se crea esa intimidad; y en un espacio completamente abierto como este existe ese momento mágico donde la gente de pronto deja de pensar en el tiempo, y hay una burbuja, que es otra dimensión, en medio de un espacio tan grande como este. (…) Es otra relación temporal donde todo se ha parado. (Entrevista realizada el 08/06/2019)
Las palabras de Zenet sistematizan la relación de intercambio intangible que existe entre artista y audiencia en un espacio público resignificado en íntimo. Aquí, mi objetivo con las fotografías se acerca al del artista, pero me inclino a utilizar la visualidad fotográfica en lugar de las palabras. El ensayo aquí publicado trata de transmitir, desde lo visual, los momentos de intercambio e intimidad entre música, músicos y audiencia que tiene a la ciudad como escenario dinámico, “inesperado” y volátil.
2 - www.lacallesuena.es 3 - Músico/artista malagueño de trayectoria y reconocimiento nacional e internacional www.zenetoficial.com
Referências Le Breton, D. Por una antropología de las emociones. Revista Latinoamericana de Estudios sobre Cuerpos, Emociones y Sociedad, nº 10, pp. 69–79. 2013. Mauss, M. Ensayo sobre el don: forma y función del intercambio en las sociedades arcaicas. Madri: Katz, 2009. Morin, E. Introducción al pensamiento complejo. Barcelona: Gedisa, 1994. Silva e Sousa, F.H. Música callejera en Madrid: entre el arte y el ruido. 2017. 308 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) — Departamento de Antropologia Social, Universidad Autónoma de Madrid, Madri, 2017. Pellicer, I. et al. La observación participante y la deriva: dos técnicas móviles para el análisis de la ciudad contemporánea. El caso de Barcelona. Revista EURE, nº 116, pp. 119–139. 2013.
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Creo que mi relación con Madrid empieza a entrar en una cierta madurez: nos conocemos desde hace años y eso da sus frutos. Dicha madurez ha llegado tras el largo trabajo de investigación sobre la música callejera en la ciudad. Durante mucho tiempo he seguido la música callejera guiado por una deriva (Pellicer et al, 2013) — sistematizada — que me ha llevado por las calles de forma casi intuitiva, y que colaboró en mi proceso de maduración. En este espacio cuento en imágenes — a partir de mis subjetividades fotográficas pasadas por la disciplina antropológica –, un momento muy especial para la música callejera madrileña: el Festival La Calle Suena en Primavera² realizado en 2019.
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Thais Gaia Schüler ¹
Sobre turismo e lugar: cenas da cidade do Cairo Resumo: O ensaio foi desenvolvido a partir das reflexões propostas nas disciplinas de Tópicos Especiais de Práticas Etnográficas em Sociedades Complexas I e II e Cultura e Globalização, cursadas durante o mestrado acadêmico. Foi constituído a partir do acompanhamento de grupos de turistas à cidade do Cairo entre os anos de 2008 e 2019. Propõe um olhar etnográfico e a discussão sobre espaços turísticos da cidade para além do cartão-postal. Palavras chave: Turismo; Fotografia; Cairo.
About tourism and a place: scenes of Cairo City Abstract: The essay was developed from the reflections proposed in the disciplines of Special Topics of Ethnographic Practices in Complex Societies I and II and Culture and Globalization, taken during the academic masters. It was made during the accompaniment of groups of tourists to the Cairo City between 2008 and 2019. It proposes an ethnographic look and the discussion about tourist spaces of the city beyond the postcard. Key words: Tourism; Photography; Cairo.
1 - Bolsista CAPES/PROSUC no Mestrado do Programa de Pós-graduação em Processos e Manifestações Culturais da Universidade Feevale. Email: thaisschuler@yahoo.com.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7666314271487163.
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O corpus fotográfico apresentado neste ensaio foi constituído ao longo de uma série de viagens realizadas à cidade do Cairo na condição de tour leader entre os anos de 2008 e 2019. Muitas incluem a cidade vizinha de Gizé, politicamente apartada, mas localizada na região da Grande Cairo. Tem como lócus os itinerários turísticos que delineiam-se dentro da categoria que Magnani (1996, 2002, 2003, 2009) chama de circuito, caracterizada pela prática de determinado serviço por meio de estabelecimentos, equipamentos e espaços que não mantêm entre si uma relação de contiguidade espacial, mas que são reconhecidos em seu conjunto pelos usuários habituais. Se é verdade que o turismo, enquanto fenômeno social, tem sua origem mais remota no nomadismo humano, também é fato que o turismo contemporâneo imprime um novo ritmo ao ato de “andar”. Anda-se de avião, anda-se de ônibus, anda-se de trem. O “andar” turístico exige agilidade, exige precisão. Talvez, neste contexto, ande-se mais através das ruas que nas ruas. E nessas andanças os processos de fotografar impõem uma característica de apreensão de certos monumentos e espaços consagrados que compõem o imaginário “pré-viagem” do turista.
Mesmo que uma fotografia constitua-se a escolha de um momento, a extensão da capacidade humana de ver a partir de um determinado ponto de vista (GURAN, 2012), a opção de utilização do registro visual não tem por pretensão partilhar uma realidade, mas expor momentos-sínteses representativos de aspectos do universo vivenciado. Ainda que a matéria-prima da fotografia seja a face visível da realidade, esta se encontra permanentemente em movimento, cabendo no ato de fotografar, antes de tudo, atribuir valor a determinado aspecto de uma cena (GURAN, 2012). Procuro, neste ensaio, olhar além da cidade do Cairo do turismo. Busco perceber a dinâmica de suas ruas, captar a errância de seus visitantes e daqueles que trabalham diretamente com o turismo, utilizando a fotografia como um rastro, um indício (ACHUTTI, 1997).
Caminhar pelas ruas de uma cidade como o Cairo é sentir sua carga de alteridade, mas também exige desprender-se de um coletivo de influências historiográficas, midiáticas e literárias que compõe o imaginário das pessoas que por ali circulam. O Cairo é um dos destinos turísticos mais antigos da história. Após algumas vezes neste espaço, fui buscando a superação da experimentação mais turística para atentar o olhar para além do cartão-postal e “sentir” a cidade, ainda que em espaços turísticos. O espaço turístico, por sua vez, já foi discutido como “lugar” (SANTOS, 1996), como “não-lugar”(AUGÈ, 1994), mas é aqui concebido segundo a abordagem de Antônio Carlos Castrogiovanni (2007) enquanto espaço constituído entre os “Lugares” (BHABHA, 1998), como um ponto de intersecção de conjuntos de relações significativas para uma sociedade em determinado momento histórico, produzido da relação entre objetos e sujeitos com os turistas. Neste contexto, os turistas são sujeitos nômades que produzem ações sobre o território que visitam, intervindo sobre a cultura, os valores e as relações dos sujeitos locais.
Referências ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson. Fotoetnografia: um estudo de antropologia visual sobre cotidiano, lixo e trabalho. Porto Alegre: Tomo Editorial: Palmarinca, 1997. AUGÈ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. São Paulo: Papirus, 1994. BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998. CASTROGIOVANI, Antônio Carlos. Lugar, no-lugar y entre-lugar: Los ángulos del espacio turístico. In: Estudios y Perspectivas en Turismo, vol. 16, núm. 1, marzo, 2007, pp. 5–23. Centro de Investigaciones y Estudios Turísticos, Buenos Aires, Argentina. GURAN, Milton. Documentação fotográfica e pesquisa científica: notas e reflexões. Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia 2012. MAGNANI, José Guilherme Cantor. A antropologia urbana e os desafios da metrópole. In: Revista Tempo Social — USP. Abril/2003. MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol.17, nº49, junho/2002. MAGNANI, José Guilherme Cantor. Etnografia como prática e experiência. In: Horizontes Antropológicos. Porto Alegre: ano 15, n.32, p.129–156, jul./dez.2009. MAGNANI, José Guilherme Cantor. Quando o campo é a cidade: fazendo antropologia na metrópole. In: MAGNANI, José Guilherme Cantor. TORRES, Lilian de Lucca (Orgs.). Na Metrópole — Textos de Antropologia Urbana. São Paulo: EDUSP, 1996. SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: Hucitec, 1996.
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Prof. Dr. Ricardo Luis Silva ¹
Das coisas que são amarelas Resumo: Este ensaio é resultado de investigações teórico-impíricas do cotidiano urbano contemporâneo, realizado pelo autor há alguns anos. Tendo o caminhar como método e procedimento estético, buscar na “cidade genérica” possíveis maneiras de (sobre)viver perante a espetacularização e apaziguamento dos discensos urbanos. Como um Trapeiro, resgatar do “junkspace” restos abandonados pela racionalidade tecnológica. Rastros de algo que já não é, mas que poderia ser. Ressignificação da banalidade cotidiana. Palavras chave: Trapeiro; Coleção; Cotidiano
Of things that are yellow Abstract: This essay is the result of theoretical-empirical investigations of contemporary urban daily life, performed by the author some years ago. With walking as a method and aesthetic procedure, search in the “generic city” possible ways to live before the spectacularization and appeasement of urban discense. As a Ragman, rescuing from the “Junkspace” remains abandoned by technological rationality. Traces of something that is no longer, but could be. Reframing of everyday banality. Key words: Ragman; Collection; Everyday Life
1 - Centro Universitário Senac — SP | ricardo.lsilva@sp.senac.br http://lattes.cnpq.br/5996607827204401
Assumo a postura benjaminiana do Colecionador (BENJAMIN, 2012). Colecionar e catalogar o mundo das coisas cotidianas, ordinárias. Preciosas banalidades cotidianas sem a menor qualidade. Coisas que passam despercebidas pelos olhos que vêm ver o mundo, a Cidade. Num mundo que está bem adiantado em seu caminho para tornar-se um vasto garimpo a céu aberto, o colecionador se transforma em alguém engajado num consciencioso trabalho de salvamento. (SONTAG, 2004, p. 72)
Como conceito, colecionar é parte integrante de formulações humanas como a Memória, a transformação das palavras em linguagem, o desenvolvimento e aproximação da criança com o mundo. Colecionar é ato de rememoração, produção do conhecimento histórico, descontextualização de objetos no espaço e no tempo. Colecionar é reivindicar para si a possibilidade de possuir o mundo, mesmo apenas uma parte insignificante dele, ou até me relacionar com o Outro, no caso de coleções de objetos antigos ou encontrados e recolhidos. Colecionar é catalogar, inventariar, organizar, descontextualizar, resignificar, recriar, reexistir. Colecionar é “desinvestir” o objeto de seu sentido utilitário, é dar-lhe outro lugar no mundo dos objetos. Colecionar é ativar gavetas, arcas, baús, caixas. Colecionar é caminhar, frustrar-se, insatisfazerse, continuar. Colecionar é um gesto filosófico, um portar-se perante, um exercício de memória prenhe de porvir, um olhar para o passado e para o futuro simultaneamente. Por isso coleciono coisas e faço listas. Listas de coisas que encontro enquanto caminho/habito a Cidade. Aqui uma lista das coisas que são amarelas. Por quê? Porque amarelo era a cor dos trajes noturnos das prostitutas parisienses do século XIX. Cor que contrasta com o negro da noite, que dá destaque ao que não deve ser visto, ao que fica à margem. O amarelo sublinha. Dá status extraordinário ao ordinário, mesmo que momentâneo. Logo voltamos a ignorar sua presença, sua existência. Mesmo destacada, amarela, a coisa é novamente esquecida. #dascoisasquesãoamarelas Referências BENJAMIN, Walter. Eduard Fuchs: colecionador e historiador (1937). In: __________. O Anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012, p. 123–164. KOOLHAAS, Rem. Três textos sobre a Cidade: Grandeza, ou o problema do grande; A cidade genérica; Espaço-lixo. Barcelona: Gustavo Gili, 2010. PEREC, Georges. Especies de espacios. Barcelona: Montesinos, 1999. SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. PEIXOTO, N. B. Paisagens Urbanas. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2003.
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Um dia o escritor francês Georges Perec (1999) me falou: Faça listas. Catalogue o ordinário que está a sua volta. Dê razão existencial ao cotidiano que constitui nossas vidas. Anote o que não se percebe, o que não têm sentido perceber. Colecione.
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Eloisa Lemos Pessoa¹
Travessias Resumo: Este ensaio resulta de uma pequena, porém importante vertente da minha pesquisa sobre pixação, produzida ao longo do mestrado em Antropologia Social (ICS/UFAL). Ao longo da realização da pesquisa no bairro histórico de Jaraguá, em Maceió — AL, desperto para o modo como a imagem permeia a construção do bairro e o desenvolvimento do meu trabalho. A partir de uma reflexão acerca da inserção das intervenções no bairro, o ensaio a seguir busca demonstrar, de maneira crítica, a construção dessa paisagem urbana. Palavras chave: Pixação; Maceió; Jaraguá; Paisagem Urbana
Crossings Abstract: This essay is the result of a small but important part of my research on pixation, produced during my Master’s degree in Social Anthropology (ICS/UFAL). Throughout the research in the historical quarter of Jaraguá, in Maceió — AL, awake to the way the image permeates the construction of the neighborhood and the development of my work. From a reflection on the insertion of interventions in the neighborhood, the following essay seeks to demonstrate, critically, the construction of this urban landscape. Key words: Pixação; Maceió; Jaraguá; Landscape.
1 - Arquiteta e Urbanista formada pela Universidade Federal de Alagoas- Ufal; mestranda em Antropologia Social no Instituto de Ciências Sociais — Ufal; bolsista CAPES/FAPEAL. eloisa.lemos@hotmail.com. Currículo: http://lattes.cnpq.br/9624674999530083
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As intervenções urbanas de cunho artístico visual atravessam diversas fronteiras da cidade até transgredir a áurea intocável dos patrimônios, fornecendoos novas cores, usos e formas, brincando com a liminaridade dos espaços, perpassando entre a estagnação no tempo vivenciada pelos centros históricos e a efemeridade da vida contemporânea. O bairro de Jaraguá é um dos núcleos formadores da cidade de Maceió e um bem local patrimonializado. Historicamente voltado a atividades comerciais e residenciais, Jaraguá é composto por palacetes, antigos trapiches, igrejas e demais edificações do período neocolonial. Seguindo os modelos protecionistas nacionais, o bairro passa a ser tombado pelo Estado no início da década de oitenta e recebe uma série de diretrizes que regulamentam as intervenções físicas no espaço e proíbe a descaracterização de seus elementos históricos, envolvendo teoricamente Jaraguá da ação dos possíveis “riscos”. Entretanto, com o passar dos anos, o bairro passa por períodos de desvalorização, que resulta na desocupação de boa parte das edificações, criando um ambiente subutilizado e na descaracterização de alguns edifícios que passam a sofre com a ação das intempéries, de vândalos e com a falta de manutenção física, por parte dos proprietários. Diante desse ambiente ambíguo, desperto para as pixações presentes no bairro. A pixação não se intimida com esses rótulos e viola a áurea intocável do patrimônio, inserindo-se temporalmente naquela paisagem congelada no tempo e, paralelamente, inserindo indivíduos historicamente excluídos da construção das cidades. A pixação é um movimento reconhecido como tipicamente periférico, no qual os integrantes possuem uma grafia e legislações próprias, navegando por entre os espaços urbanos, criando redes entre diversos sujeitos. Ora a agressividade correlacionada a essas intervenções dialoga com a “estética do abandono” que a maioria dos prédios históricos apresentam, ora os autores/artistas se apropriam dos elementos arquitetônicos como portas e janelas, transformandoas em molduras para a arte que extrapolou as galerias, os quadros e as técnicas academicistas, chegando às ruas. Para além disso, as pixações surgem como uma forma de apropriação de um espaço tão segregador, elitista e burguês.
A dificuldade em decodificar e compreender manifestações tão espontâneas (e ao mesmo tempo articuladas) quanto arte urbana, em especial a pixação, faz com que essas ações possam ser interpretadas com o que Flusser (2014) denomina como gestos. Gestos se configuram como movimentos que se articulam com a liberdade a fim de se revelar ou desvelar para o outro, uma atividade autêntica pela qual uma liberdade se exprime (FLUSSER, 2014). Assim, articulando-se com a liberdade esses movimentos transgridem as leis e os ideais propostos para o bem edificado, apropriando-se do elemento comum à cidade, a fachada, e passando a fazer parte da paisagem e da história de Jaraguá. Cria-se, dessa maneira, fissuras no espaço pela qual se inserem elementos e indivíduos antes excluídos desse ambiente retomam seu direito a participar da criação dessa cidade (TIBURI, 2013). Somado a isso, elas proporcionam às edificações uma reformulação de seus usos e de sua estética, utilizando-os como suporte para a expressão e comunicação com os demais cidadãos por meio da grafia e da arte urbana. Em meio a essa legalidade e ilegalidade, aceitação e repulsa, beleza e feiura, construção e depredação, as intervenções se multiplicam pelas superfícies do bairro de Jaraguá gerando reações diversas àqueles dispostos a visualizá-las. Diante disso, resolvo tencionar a existência dessas intervenções e faço uso do poder metafórico que as imagens possuem para destacar aquilo que, para alguns é despercebido ou invisível (EDWARDS, 1996) e manipulo as imagens para evidenciar as intervenções como um punctum (BARTHES, 1984), visando causar uma inquietação nos espectadores e induzindo-os a perceber as pixações, fazendo-as arder (DIDI-HUBERMAN, 2012).
Referências BARTHES, R. Câmera Clara: Notas sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1984, 9ed. DIDI-HUBERMAN, G. Quando as imagens tocam o real. PÓS: Revista do Programa do Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da UFMG, vol.2, n.4, 2012, p. 204–219. EDWARDS, E. Antropologia e fotografia. Caderno de Antropologia e Imagem. Rio de Janeiro, v.2, 2996, p.11–28. FLUSSER, V. Gestos. São Paulo: Annablume, 2014. TIBURI, M. Direito visual à cidade: A estética da pichação e o caso de São Paulo. Redobra. Salvador. n.12, p.39–53, 2013.
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Os muros da cidade: domínios territoriais, alianças e segurança em Fortaleza, Ceará. Resumo: O presente ensaio fotográfico faz parte dos resultados de uma pesquisa, de cunho etnográfico, desenvolvida entre os anos de 2015 e 2019 em três bairros da periferia de Fortaleza, Ceará, Brasil. A partir da conformação de um arranjo criminal marcado pela atuação de redes criminais no estado os muros da cidade emergem como espaços de conflitos e disputas que demarcam domínios territoriais, pertencimentos e alianças que conformam uma nova cartografia do crime na capital cearense. Palavras chave: Crime; Muros; Conflitos; Espaços.
The city walls: territorial domains, alliances and security in Fortaleza, Ceará Abstract: This photographic essay is part of the results of an ethnographic research carried out between 2015 and 2019 in three suburbs of Fortaleza, Ceará, Brazil. From the conformation of a criminal arrangement marked by the performance of criminal networks in the state, the city walls emerge as spaces of conflicts and disputes that demarcate territorial domains, belongings and alliances that shape a new cartography of crime in the capital of Ceará. Key words: Crime; Walls; Conflicts; Spaces.
1 - Filiação Institucional: Curso de Licenciatura em Ciências Humanas/Sociologia (LCH) e Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS da Universidade Federal do Maranhão) Email: clodomir.cordeiro@gmail.com Link do lattes: http://lattes.cnpq.br/4555597556940476 Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5923-6980 2 -Filiação Institucional: Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Email: joao_santiago_33@yahoo.com.br Link do lattes: http://lattes.cnpq.br/8401133595281804 Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8052-2869
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Clodomir Cordeiro de Matos Júnior¹ João Pedro de Santiago Neto²
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Em meados de 2014 o termo “facção” ganhou expressividade nos discursos midiáticos, policialescos e nas falas do crime (Caldeira, 2000) que circulavam em Fortaleza, Ceará, apontando para inflexões significativas nas maneiras como se articulam os sujeitos associados ao crime e como são gestados os conflitos nas franjas da cidade. A partir desse novo arranjo criminal realizamos uma pesquisa de cunho etnográfico nos últimos quatro anos (2015–2019) em três bairros da periferia da capital cearense, valendo-se dos registros fotográficos na compreensão das atuações de redes criminais na gestão das práticas sociais e espaços públicos da cidade.
As imagens fotográficas, sob uma perspectiva etnográfica, emergem associadas a campos de significações que envolvem não apenas leituras semióticas, mas também circuitos de pensamentos que nos ajudam a compreender os contextos urbanos contemporâneos e suas dinâmicas (Semain, 2012). Em nossas experiências de pesquisa nas periferias de Fortaleza, as inscrições nos muros da cidade revelavam, inicialmente, domínios territoriais, alianças, conflitos e pertencimentos a uma nova cartografia do crime (Diógenes, 1998) que circunscrevia espaços permitidos e proibidos.
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Os muros das ruas e avenidas de intensa circulação de Fortaleza tornam-se espaços de conflitos e disputas entre redes criminais, que buscam demarcar seu domínio sobre determinados territórios da cidade, e o governo do Estado, que através da tentativa de silenciamento das demarcações territoriais agenciadas por esses coletivos, pretende afirmar sua força e capacidade de combate ao crime e a violência na cidade. Apagamentos seletivos das siglas de coletivos nacionais (Comando Vermelho (CV), Primeiro Comando da Capital (PCC), Família do Norte (FDN)) e locais (Guardiões do Estado (GDE)) revelam disputas simbólicas e materiais em torno dos espaços da cidade, colocando os muros e suas inscrições como elementos significativos na tessitura do cotidiano e suas práticas.
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Os muros da cidade, associados às disputas violentas em torno do controle dos territórios e áreas de tráfico de drogas em Fortaleza que se acentua a partir de 2014, pronunciam conflitos que envolvem não apenas as disputas entre os integrantes das chamadas “facções criminais” na cidade, metonímia para os problemas de segurança pública dentro e fora das prisões, mas também os agentes estatais e as múltiplas formas que eles encontram para afirmar sua capacidade de controle e gestão do crime no estado.
Referências CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime e segregação e cidadania. São Paulo: EDUSP, 2000. DIOGÉNES, Glória. Cartografias da cultura e da violência: gangues, galeras e o movimento Hip Hop. Fortaleza: Annablume, 1998. SEMAIN, Etienne. Como pensam as imagens. Campinas, SP: Unicamp, 2012.
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Lucas Sargentelli Icó ¹
Uma caminhada com Denise Resumo: Caminhar pode ser uma forma de produzir saúde mental e de ativar a imaginação. No atual contexto neoliberal e colonialista de ataque às minorias, como acontece na Vila Autódromo, caminhar pode ser a defesa de um modo de vida. É o que nos mostra Denise Costa dos Santos, moradora da Vila Autódromo, em uma caminhada que fizemos juntos seguindo o percurso que ela realiza diariamente. Palavras chave: Caminhar; Saúde Mental; Resistência; Vila Autódromo
A Walk with Denise Abstract: Walking can be a way of producing mental health and activating the imagination. In the present neoliberal and colonialist context we see a constant attack to minorities, such as in Vila Autódromo, where walking can be a defense of a mode of life. This is what Denise Costa dos Santos, a dweller of Vila Autódromo share with us in a walk we did together following the path she takes daily. Key words: Walking; Mental Health; Resistance; Vila Autódromo
1 - Artista e pesquisador, mestre em Linguagens Visuais pelo PPGAV-EBA-UFRJ. lucas.sargentelli@gmail.com / site: cargocollective.com/LucasZ Lattes: http://lattes.cnpq.br/7210719720344410 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7536-9799
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O vídeo² começa com Denise Costa dos Santos, moradora da Vila Autódromo, caminhando na rua Vila Autódromo, principal via da comunidade hoje em dia. A rua é uma conquista dos moradores. Criada ao fim do violento ciclo de remoções durante os preparativos para as Olimpíadas na cidade do Rio de Janeiro entre 2013 e 2016 essa rua consagra a resistência da Vila. É onde vivem as cerca de 20 famílias que hoje continuam habitando o local (das cerca de 800 famílias que viviam antes das remoções). Enquanto passamos por uma barricada feita pelos moradores que impede a entrada desavisada de carros na comunidade, Denise nos conta sobre as direções que tomaremos e o tempo da caminhada. Vamos para o Camorim, bairro próximo, e voltaremos em cerca de 1h30. Saindo da Vila passamos por uma ponte sobre um rio / canal, e lemos um dos escritos dos moradores nos muros: “aqui houve uma higienização social”. E depois: “reforma política já”, “nós estamos com os caminhoneiros”. Ali próximo foi escrito em um poste: “apartheid”. Denise comenta que havia muito mais árvores no território da Vila antes das remoções, assim como uma fauna riquíssima, como atesta a presença eventual das capivaras no canal. Mais adiante atravessamos, agora correndo, a enorme Avenida Salvador Allende pois não há faixas de pedestres ou semáforos no local. Denise faz esse percurso diariamente. Ela é uma moradora antiga da Vila Autódromo e faz parte do núcleo de moradores que resistiu bravamente até o final do período mais intenso de remoções. Por estar localizada em uma área entre uma enorme área verde da cidade e a beira lagoa de Jacarepaguá, a Vila foi um dos principais alvos da especulação imobiliária: uma parceria entre a prefeitura e grandes construtoras como a Carvalho Hosken no ciclo dos megaeventos entre 2009 e 2016 no Rio. Em contraste a essas realidades que se projetam no lugar, a caminhada de Denise é uma atividade para coletar latinhas e garrafas pet com um carrinho de compras. O material coletado reverte em fonte de renda extra para a moradora.
Segundo a moradora, durante esse período traumático as suas longas caminhadas para fora do território da Vila — pelos bairros de Jacarepaguá e Camorim — foram fundamentais para ela se manter sã. Denise explicitou a relação entre o caminhar e o cuidar de si. Ela disse na caminhada que fizemos juntos: — “O andar que eu ando, não me cansa, revigora. É um andar que eu boto minhas coisas para fora. Energia entra, energia vem. Eu preciso muito dessas coisas, e não ficar presa, amarrada, ter que morar em apartamentos.” Ela também nos contou que as caminhadas que ela fez durante as remoções vinham da “necessidade de trazer força interior e poder transmitir para os outros”³. Percebemos também a importância espiritual da caminhada; assim como o exercício de recordação de sua vida que a caminhada provoca, já que Denise habita a região desde seus 12 anos. A caminhada é “como se fosse uma terapia”. O “como se fosse” revela aquilo que aparece em seu caminhar, e que dá um caráter terapêutico — e estético — para sua prática: ela se lança no exercício da imaginação em livre associação com a paisagem durante o percurso, refletindo sobre aspectos de sua vida e, com isso, angariando forças. No contexto atual neoliberal e colonialista de ataque às minorias, como acontece na Vila Autódromo (Munch, 2017), a caminhada de Denise é a defesa de um modo de vida. Denise coloca a necessidade aguda do movimento, naquilo que podemos entender como uma terapia do movimento, diferente mas não totalmente do significado incutido em “movimento social”, que por sua vez remete à ideia do movimento da Vila Autódromo mesma. Denise é muito mais ativa nas atividades internas da Vila e não tanto na frente de representação política do movimento. Percebo que a caminhada de Denise faz parte das resistências cotidianas mais invisíveis fundadas na relação com o lugar e com a comunidade (De Certeau, 1990).
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Volto então para o percurso que fizemos juntos. Na caminhada passamos por grandes construções: o enorme centro de eventos municipal Riocentro; um grupo de condomínios de edifícios de classe média; uma enorme propriedade da indústria farmacêutica multinacional GSK. E por outro lado, o início de uma das maiores florestas urbanas do mundo, o Parque da Pedra Branca. Com Denise imaginamos outros usos e a ocupação prévia do território. Ela comenta dos bailes que ia na região nos anos 1960, e como gostava de dançar. Nas sombras das árvores conta como a paisagem mudou e como as memórias vão sendo apagadas com as grandes mudanças urbanísticas na área como os grandes condomínios e a implementação do BRT (Bus Rapid Transport). Os percursos diários de Denise nos localizaram naquele território (onde está a Vila, o bairro de Jacarepaguá, etc) elencando narrativas e histórias, e também percepções sensíveis. Caminhando no Camorim, numa conversa sobre a situação política atual, Denise lembra que os moradores ainda não receberam o título de propriedade de suas novas casas da prefeitura, mesmo após o traumático processo de remoção que passaram. Ao fim da caminhada voltamos à Vila. Denise nos mostra o local onde ficava a sua antiga casa, destruída durante as remoções. A goiabeira que ela plantou ainda cresce ali, ao lado de muita vegetação que vai brotando em velocidade impressionante. Uma placa em homenagem a sua casa feita pelos moradores diz: “o que faz a diferença é lutar no coletivo — ruínas da casa de Dona Denise”. A moradora observa a vegetação crescendo, sorri, e por fim pergunta: — Vamos voltar para casa?.
2 - A caminhada filmada é parte do projeto “Caminhar ao redor, Caminhar para longe”, que Cristina Ribas e eu realizamos com moradores da Vila desde 2017. Os diversos trabalhos desenvolvidos na Vila tem sido autorados por nós dois, esse artigo, contudo, é assinado por Lucas somente. O vídeo da caminhada, que chamamos de “Caminhar para longe”, tem 24 minutos e foi feito em parceria com o artista inglês Sol Archer. A câmera usada para filmar foi uma Sony a7iii com um estabilizador de movimento Ronin Gimbal. Gravamos o som com um microfone direcional, incluindo legendas no vídeo que funcionam também como comentários de rodapé, localizando por onde estamos passando, ou evidenciando a situação da filmagem, ou ainda destacando inscrições feitas nos muros no território da Vila por moradores, entre outros. O vídeo é exibido em uma instalação em espaço expositivo junto com outro vídeo que chamamos de “Caminhar ao redor”, um vídeo silencioso que foi filmado em uma caminhada ao redor do território da Vila. O projeto foi parcialmente comissionado pelo CRAC Montbeliard (França), no contexto da mostra (Con)vivências (2019), com curadoria de Adeline Lépine. Pensamos esse projeto como uma colaboração com a importante iniciativa levada a frente pelos moradores, o Museu das Remoções (https://museudasremocoes.com). 3 - Esse relato está registrado na publicação em forma de glossário “vocabulários em movimento /\ vidas em resistência” que Cristina e eu realizamos em 2017, e que também é parte do projeto “Caminhar ao redor, Caminhar para longe”. O glossário é uma cartografia parcial da resistência da Vila Autódromo contra a remoção durante os preparativos para os Jogos Olímpicos na cidade do Rio de Janeiro, entre os anos de 2014 e 2016. Foi produzido a partir de conversas com moradores da Vila, e aconteceu como parte do projeto Céu Aberto (https://www.goethe.de/ins/co/ es/kul/sup/mem/ciu/rio/21023857.html) Referências DE CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1990. MUNCH, Marcela. Direitos Humanos e a Colonização do Urbano: Vila Autódromo na Disputa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. RIBAS, Cristina; ICÓ, Lucas Sargentelli. vocabulários em movimento /\ vidas em resistência, 2017. Disponível em: <https://desarquivo.org/ node/31646>
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Paisagens, memória e transformação do território na cidade contemporânea na percepção errática Resumo: Este ensaio fotográfico é o resultado de caminhadas realizadas na disciplina de Explor-ações Urbanas (PROGRAU — UFPel), pela cidade de Pelotas-RS, a partir das narrativas fotográficas coletadas durante a experiência do caminhar nos lugares da liminaridade, considerados lugares de transformação social, econômica e urbana. Nesse percurso as paisagens
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Emanuela Di Felice¹ Isabella Khauam Maricatto² Matheus Gomes Barbosa³ A pesquisa desenvolvida em um grupo interdisciplinar entre urbanistas, arquitetos, antropólogos e artistas, provoca o encontro do corpo com a cidade. A proposta é a reflexão através da fotografia como registro útil a substituir a “consciência histórica por consciência mágica de segunda ordem” (FLUSSER, 1985, p.11). Dessa maneira, “ontologicamente, as imagens tradicionais imaginam o mundo; as imagens técnicas imaginam textos que concebem imagens que imaginam o mundo” (idem, ibidem). Por esse motivo, a composição das imagens técnicas é inevitável para o seu deciframento. A utilização do caminhar pode ser entendida como prática estética, e o termo paisagem como “a ação de transformação simbólica, para além de física, do espaço antrópico” (CARERI, 2012, p. 28), nos conduz a encontros que desencadeiam atravessamentos casuais (1), e a presença do encontro nos atenta ao sentir a potência em cada atravessamento. Nesses atravessamentos erráticos, periféricos e marginais, tem-se a intenção de registrar a fugacidade do devir da cidade, as resistências locais a essas transformações infraestruturais da cidade e o lugar da memória nesse processo.
do caminhar, que são apresentadas a partir de limites invisíveis, se constroem a partir do encontro do corpo com a cidade e o urbano Palavras chave: Paisagens; Limites invisíveis; Patrimônios intangíveis.
Landscape, identity and territories trasformation in the contemporany city as an erratic perception Abstract: This photographic essay is the result of a discipline of “Explor-ações Urbanas” (PROGRAU — UFPel), developed in the city of Pelotas-RS, from the photographic narratives collected during a walking experience in places of liminality, these places are considered by social, economic and urban transformation. In this way, walking landscapes are prevented from invisible boundaries, they are create from an encounter of the body with the city and the urban. Key words: Landscapes; Invisible Limits; Intangible Heritage.
1 - Professora adjunta da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPel emanueladifelice@gmail.com - CV: http://lattes.cnpq.br/8576013096415713 - ORCID: 0000–0002–2943–940X 2 -Aluna especial de Mestrado — PROGRAU isa.maricatto@gmail.com - CV: http://lattes.cnpq.br/1523111032869374 - ORCID: 0000–0002–8913–8334 3 -Aluno de Mestrado — PROGRAU matheusbarbosa.engenharia@gmail.com - CV: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K8001072T1 - ORCID:0000–0001–9969–3422
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Pelotas deve seu desenvolvimento ao comércio do Charque, e o percurso foi realizado pelas ruas históricas de Pelotas, onde entrava o gado oriundo dos Campos Neutrais e Maldonado, e do negro escravo africano, desembarcado dos navios negreiros na barra do Rio Grande. Tanto o gado como a escravaria cruzavam o canal no lugar de travessia (hoje Balsa) a vau , logo que estabelecidas as primeiras charqueadas, assim, penetrava a tropa, de criação riograndense e platina, pelo lugar do São Gonçalo “onde se abre a boca do seu tributário, o chamado arroio Pelotas” (AVILA, 2011). Palco de grandes acontecimentos históricos, o Passos dos Negros (1,2,3) hoje se encontra apertado nos fundos do condomínio fechado São Gonçalo, modelo de urbanismo importado para o Brasil no século XIX.
No Passos dos Negros a imagem do muro, da delimitação do espaço privado com o patrimônio público da persistência histórica da ponte, determinou o lugar do conflito, a sobreposição brutal do patrimônio humano na qual a sua imagem foi alterada através da pintura da cor verde com o fim de mitigar o conflito entre território, memória, contemporaneidade. O caminhar possibilita o encontro, ou seja, encontrar-se com diferentes paisagens que se apresentam como desafios e são soluções para o próprio percurso. Dessa maneira, “o caráter aparentemente não simbólico, objetivo, das imagens técnicas faz com que o seu observador as olhe como se fossem janelas e não imagens” (FLUSSER, 1985, p.10). No percurso simbólico que o Passos dos Negros assumiu ao longo dos anos, encontra-se uma figueira, árvore símbolo de conexão entre os homens e o espiritual, a natureza como encontro entre sacro e profano. Sobre sacro e profano Agamben diz: Sagradas ou religiosas eram as coisas que de algum modo pertenciam aos deuses. Como tais, elas eram subtraídas ao livre uso e ao comércio dos homens, não podiam ser vendidas nem dadas como fiança, nem cedidas ao usufruto ou gravadas de servidão. Sacrilégio era todo ato que violasse ou transgredisse esta sua especial indisponibilidade, que as reservava exclusivamente aos deuses celestes (nesse caso eram denominadas propriamente ‘sagradas’) ou infernais (nesse caso eram simplesmente chamadas ‘religiosas’). (AGAMBEN, 2007, p. 65).
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Durante o percurso, no cruzamento lento do território proporcionado pelo caminhar, tem-se a reapropriação do espaço e do tempo da cidade a partir de um ato performativo (4) que envolve a preparação física e mental, a hipersensibilidade a estímulos, na condição de contato direto com o ambiente físico e humano. Deixar morrer para poder transformar. A cidade sagrada e o espaço interditado. Tem-se a tentativa de resistência e imposição de outros ritmos experimentados pelos corpos que se transformam, e, simultaneamente, transformam os limites invisíveis da cidade.
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Os espaços de limite são aquelas terras limiares, indecisas, ambíguas, instáveis e híbridas, onde é possível repensar a relação entre as partes e, por outro lado, habitá-los com a prática. É a oportunidade de criar uma ligação entre os olhos, o corpo e o espaço. O espaço de fronteira entre dois mundos distintos não deve ser pensado como uma linha nítida e decidida, mas sim como uma espessura (ZANINI, 1997). Os limites entre dois condomínios fechados (5), os novos modelos de habitar (6) que se sobrepõem ao espontâneo (7), informal, comunitário, o paradoxo do urbanismo contemporâneo (8).
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As liminaridades das comunidades ribeirinhas (9,10) nos falam dessas espessuras nas quais as particularidades do território ainda refletem as diferenças do território frente ao processo de homologação, higienização e segregação social que ocorre nesta área.
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Nesse percurso, as formas de resistências aparecem dentro dos contextos de relação entre homens e natureza (11), memória e paisagem. Memória resgatada pelas iniciativas de resistência urbanas no qual o Katangas (12), local requalificado recentemente, representa a memória construtiva do território na reproposição tecnológica do telhado em palha Santa Fé e de madeira.
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Referências AGAMBEN, G. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007. AVILA, C. A Princesa Batuqueira: Etnografia sobre a interface entre o movimento negro e as religiões de matriz africana em Pelotas/RS, 2011.
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CARERI, F. Walkscapes: o caminhar como prática estética. I. ed. São Paulo: Editora G. Gili, 2013. FLUSSER, V. Filosofia da Caixa Preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Editora Hucitec. São Paulo, 1985, p. 92.
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Joanna Munhoz Sevaio¹
Cidade Baixa em foco: os usos noturnos e diurnos de um bairro a partir da rua Resumo: Os modos de praticar a cidade incidem sobre suas ruas e calçadas, onde os encontros de fluxos entre pessoas e carros dão o tom dos ritmos urbanos. Este ensaio combina os atos de caminhar e de fotografar algumas das ruas principais do bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre/RS, com o intuito de mirar sobre os usos desses lugares. A partir de recursos imagéticos e textuais exploro o cotidiano noturno e diurno do bairro em questão, de forma a contrapor os repertórios das práticas de seus habitués. Palavras chave: Cidade Baixa; Etnografia de rua; Sociabilidades.
Cidade Baixa in focus: night and day uses of a neighborhood from the street Abstract: The ways of practicing the city focus on its streets and sidewalks, where the encounters of flows between people and cars set the tone of urban rhythms. This essay combines the acts of walking and photographing some of the main streets of the Cidade Baixa neighborhood, in Porto Alegre/RS, with the aim of eying at the uses of these places. From imagetic and textual resources I explore the nightly and daytime daily life of the neighborhood in question, in order to contrast the repertoires of their habitués. Key words: Cidade Baixa; Street Etnography; Sociabilities.
1 - Mestranda em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul; bolsista CAPES; jmsevaio@gmail.com; CV: http://lattes.cnpq.br/7749722835528979
Meus deslocamentos por entre os lugares do bairro atentam para os modos compartilhados de estar e de viver na cidade. Na esteira da proposta de etnografia de rua (Eckert; Rocha, 2003, 2013), a câmera tem se tornado uma aliada no exercício de visualizar os contornos do que é vivido e sentido na Cidade Baixa. As fotografias selecionadas para este ensaio partem da identificação de distintas formas de sociabilidade inscritas na “CB” — noite e dia, frequentar e morar — e, portanto, miram para as nuances de uma cidade praticada (Certeau, 2014). Optei por não disparar o flash da câmera. Nas fotografias noturnas as luzes dos carros e dos postes são também protagonistas das composições. Já durante o dia, o sol cumpre seu papel iluminador.
No dia seguinte, percorro e fotografo as mesmas ruas e lugares pela manhã. Conforme aparece nas fotografias, os elementos acionados no cotidiano dos praticantes (Certeau, 2014) matutinos não são os mesmos. As bebidas também aparecem sob a luz do sol, mas na forma de garrafas e copos plásticos vazios pelo chão. Os moradores reclamam. De outras formas, a vivacidade da Cidade Baixa existe também durante o dia. O ir e vir de pedestres, ônibus, carros e bicicletas predominam no cotidiano diurno do bairro. A pluralidade geracional é mais evidente nas ruas, embora elas não estejam tão cheias quanto à noite. Em detrimento das aglomerações, o caminhar e a mobilidade, tanto de pessoas quanto de animais e de meios de transporte.
Começo pela noite, em uma sexta-feira. Faz calor, as ruas estão lotadas de gente, mas os carros também impõem sua presença nas dinâmicas do bairro. De tempos em tempos a polícia aparece e anuncia seu descontentamento pelas vias parcialmente obstruídas. Os limiares entre o público e o privado são extrapolados na cena noturna do bairro. Os corpos, os copos e as luzes da noite irrompem os domicílios do entorno. As calçadas dali não são uníssonas. Pelo contrário, durante a noite perdura aquilo que Arantes (2000) chamou de sociabilidades barulhentas. Os kits, corotes e cervejas circulam entre os grupos que ficam na rua. As bebidas alcoólicas são um eixo fundamental do cenário noturno da “CB” — a boemia típica do bairro se reinventa e alcança novas formas e lugares. A preferência pela calçada em detrimento das mesas dos bares denota a fluidez dos repertórios de ocupação e de uso dos lugares. Assim como os frequentadores do bairro, me desloco pelas ruas e intento captar esses movimentos pelas lentes de minha câmera.
Referências AGIER, Michel. Antropologia da cidade: lugares, cidades e movimentos. São Paulo, Ed. Terceiro Nome, 2011. ARANTES, Antônio Augusto. Paisagens paulistanas: transformações do espaço público. Campinas/SP: Editora da Unicamp; São Paulo: Imprensa Oficinal, 2000. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 22ª ed. Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 2014. CORBUSIER, Le. A carta de Atenas. São Paulo: Hucitec, 1989. ECKERT, Cornelia; ROCHA, Ana Luiza Carvalho da. (Orgs.) Etnografia de rua: estudos de antropologia urbana. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2013. ECKERT, Cornelia; ROCHA, Ana Luiza Carvalho da. “Etnografia de rua: Estudo de antropologia urbana”. Iluminuras. Porto Alegre, v. 4, n. 7, p. 1–22, 2003. JACOBS, Jane. Morte e vida nas grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
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O personagem baudelairiano, o flâneur, caminha na cidade: um percurso sem compromissos, sem destino fixo. O estado de alma deste personagem-tipo é de indiferença, mas seus passos traçam uma trajetória, um itinerário que concebe a cidade, o movimento urbano, a massa efêmera, o processo de civilização. Logo, esta não é uma caminhada inocente. A cidade é estrutura e relações sociais, economia e mercado; é política, estética e poesia. A cidade é igualmente tensão, anonimato, indiferença, desprezo, agonia, crise e violência. (Eckert; Rocha, 2003, p. 1)
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Jeferson Carvalho da Silva¹
“Nós passamos por aqui”: notas de uma experiência etnográfica errante Resumo: Um homem passa pelas inscrições de um muro, atravessa uma rua, senta no banco de uma praça, caminha pela calçada e corta os pelos de seu cachorro com uma tesoura. Este ensaio visual traz um conjunto de notas obtidas em uma experiência etnográfica errante realizada na cidade de Viçosa, Minas Gerais. É o registro do encontro com o inesperado e de movimentos cotidianos de suas ruas. Palavras chave: Espaço urbano; Cotidiano; Errância
“We’ve passed this way”: Notes from a Wandering Ethnographic Experience Abstract: A man walks by the inscriptions of a wall, he crosses a street, sits on a bench in a square, walks down on the sidewalk and cuts his dog’s hair with a scissor. This visual essay brings a set of notes of a wandering ethnographic experience conducted in the city of Viçosa, Minas Gerais. It is the record of the encounter with the unexpected and daily movements of its streets. Key words: Urban space; Everyday life; Wandering
1 - Graduando em Ciências Sociais, Universidade Federal de Viçosa (UFV). Trabalho realizado junto ao projeto “Narrar a cidade: a poética e a política do cotidiano, experimentações em antropologia urbana”, orientado por Douglas Mansur da Silva. E- mail: jefercarvsilva@gmail.com Lattes: http://lattes.cnpq.br/0211950272893852
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Caminhar pelas ruas de uma cidade nos leva ao encontro com o outro, a um experimento da alteridade. Esses outros, que habitam e percorrem os espaços urbanos, constroem a cidade em suas práticas cotidianas. Dessa maneira, como aponta Paola Berenstein Jacques, a experiência errática se constitui enquanto uma forma de apreender a cidade, “é um exercício de afastamento voluntário do lugar mais familiar e cotidiano” (JACQUES, 2012, p. 192). Aproximando-se de uma etnografia de rua, que “consiste na exploração dos espaços urbanos a serem investigados através de caminhadas «sem destino fixo» nos seus territórios” (ROCHA; ECKERT, 2003, p. 04), tais experiências se constituem como uma oportunidade do/a etnógrafo/a “interpretar o seu simesmo no contexto de relação com o Outro” (ROCHA; ECKERT, 2003, p. 08). Os encontros aqui narrados, vividos na cidade de Viçosa, Minas Gerais, partem de experimentos que seguem os apontamentos descritos acima. Além de se inscreverem em uma proposição do que Gabriel Schvarsberg (2012) chama de “narrativas cartográficas”. Estas se constituem em uma espécie de mapeamento dos movimentos e formas de apropriação dos espaços urbanos por esses outros que marcam sua presença no cotidiano da cidade. As experiências desses encontros são entendidas aqui “como uma ocasião única, fugidia” (ARANTES, 2000, p. 128).
“Nós passamos por aqui” Um homem passa pela calçada, sacola em mãos, boné na cabeça, camisa listrada. Ao seu lado, palavras inscrevem-se na parede do edifício em ruínas. “Nós passamos por aqui”. Elas marcam o registro de uma passagem. Entretanto, os passos do homem não deixam marcas, passam despercebidos pelo chão de concreto. Fazem parte de uma poesia de “passos perdidos” (CERTEAU, 2014). Sua passagem cria seu próprio mapa, constrói o seu entorno e é congelada momentaneamente no instante capturado pela fotografia. A “câmera na mão” faz parte dos empreendimentos da proposta de uma “etnografia de rua”, ela configura uma intervenção do/a antropólogo/a no contexto de pesquisa (ROCHA; ECKERT, 2003), e, nesse sentido, marca sua presença nos espaços da cidade.
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Registros de movimento A cidade pulsa nos fluxos e rotas cotidianas de seus habitantes. Está submersa em uma multiplicidade de movimentos, micro ações que despontam a cada passo de uma caminhada. Preenche-se pelo “comportamento corporal dos indivíduos e/ou grupos nas esquinas, suas formas de interação nos bares e bancos de praças, suas regras de evitações ou, ainda, as suas formas de cumprimentar ao cruzarem os olhares nas calçadas” (ROCHA; ECKERT, 2003, p. 06). A experiência da cidade inscreve-se no corpo. Aos poucos, esses movimentos criam sentidos na observação do/a etnógrafo/a e são gravados pela instantaneidade da câmera.
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Praça Mário Del Giudice
Encontro com o inesperado
Chego à praça, sento-me em um dos bancos e começo a observar o entorno. O movimento de carros é intenso nos dois sentidos da avenida. Do outro lado da rua, pessoas passam apressadas pelas calçadas e ocupam os bancos dos pontos de ônibus. Um senhor, camisa vermelha, short azul e pulseiras coloridas no braço, me cumprimenta, segue em direção a um dos bancos à minha frente, limpa a água acumulada com as mãos, e senta-se. Com um movimento rápido cruza as pernas e põe-se também a observar o entorno. Aqui percebo como uma etnografia de rua nos impele ao dilema de “experienciar a ambiência das cidades como a de uma «morada de ruas» cujos caminhos, ruídos, cheiros e cores a percorrer sugerem, sem cessar, direções e sentidos desenhados pelo próprio movimento dos pedestres e dos carros que nos conduzem a certos lugares” (ROCHA; ECKERT, 2003, p. 04).
Caminho pelas ruas e encontro uma casa em ruínas. As plantas tomam conta do que antes eram as estruturas de seu telhado, algumas paredes ainda mantêmse de pé. Sento-me à sua frente, no meio fio, retiro da bolsa um caderno e alguns lápis e inicio tentativas de desenhá-la, sem sucesso. Me perco e fico a observar seus detalhes. Um homem, cigarro na boca, boné na cabeça, camisa amarelo canário, calça jeans e chinelos, passa com um cachorro rodeando suas pernas. Pequeno e cinza, o animal cheira o poste e as paredes da casa. Vejo a cena sem muito interesse. No entanto, de súbito, o homem retira de um dos bolsos da calça uma tesoura grande. Ele se agacha em frente à casa e o cachorro se aproxima sem se importar. O homem, com a tesoura nas mãos, começa a cortar os pelos das orelhas e patas do animal. Passados alguns minutos, ele se levanta e sai em direção a rua Anita Chequer. O perco de vista.
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Referências ARANTES, Antonio Augusto. Paisagens paulistanas: transformações do espaço público. Campinas: Editora da Unicamp. São Paulo: Imprensa Oficial, 2000. CERTEAU, Michel de. “Terceira parte: práticas de espaço”. In: ______. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. 22. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2014, p. 157–198 JACQUES, Paola Berenstein. “Experiência Errática”. Redobra. Salvador: n. 10, ano 3, 2012, p. 192–204 ROCHA, Ana Luiza Carvalho da; ECKERT, Cornelia. “Etnografia de Rua: estudo de Antropologia Urbana”. Revista Iluminuras, vol. 4, n.7, 2003. Acesso em: 12/06/2019. DOI: https://doi.org/10.22456/1984-1191.9160 SCHVARSBERG, Gabriel. “Cartografar o movimento: narrativas da sarjeta”. Redobra. Salvador: n. 09, ano 3, 2012. pp. 160–178
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Débora Wobeto¹ Karen Ambrozi Käercher²
Retratos para Ruben Resumo: Este exercício fotográfico resulta da caminhada etnográfica realizada pela turma de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na disciplina de Seminário de Doutorado, ministrada pelo professor Ruben George Oliven no primeiro semestre de 2019. A narrativa aqui apresentada é uma síntese da caminhada realizada no centro de Porto Alegre, no dia invernoso de quatro de junho e tem como objetivo apresentar afetiva e imageticamente algumas das produções motivadas pela disciplina. Palavras chave: Antropologia Visual, Espaço Urbano, Etnografia de Rua, Fotografia
Portraits for Ruben Abstract: This photographic exercise is the result of the ethnographic walk conducted by the doctoral class of the Graduate Program in Social Anthropology of the Federal University of Rio Grande do Sul, in the discipline of Doctoral Seminar, taught by Professor Ruben George Oliven in the first semester of 2019. The narrative presented here is a synthesis of the walk that took place in the center of Porto Alegre, on the winter day of June 4th, and its objective is to present some of the productions motivated by the discipline. Key words: Visual Anthropology, Urban Space, Street Ethnography, Photography
1 - Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista CNPq. deborawobeto@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0233978906174711. 2 - Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista CAPES. kakaercher@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9185580354760995.
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Esta narrativa visual é composta por retratos afetivos das chamadas “caminhadas etnográficas”. Há algum tempo na história do PPGAS/UFRGS, as caminhadas são propostas pelo professor Ruben George Oliven na Disciplina de Seminário de Doutorado e, sobre elas, ouvem-se relatos saudosos de ex-alunos em diferentes programas de pós-graduação pelo Brasil. Cada ano, toda nova turma iniciada se prepara para realizar um percurso pela cidade. A turma, em diálogo com o professor, é também responsável pela escolha do trajeto a ser percorrido. A caminhada já foi realizada em 12 diferentes bairros de Porto Alegre e incontáveis vezes no centro da cidade. Não por acaso, este último tornou-se a especialidade do professor. Com a turma de ingresso neste ano, não restaram dúvidas a respeito do itinerário: optou-se pelo centro, seus personagens urbanos, prédios históricos, lendas urbanas e ambiências citadinas. A cidade vista do alto nos apresenta formas irregulares de crescimento urbano, camadas de tempo e janelas intransponíveis a olhares curiosos. Quando investimos em uma caminhada ao nível da rua, voltamos a prática dos espaços próprios, onde “a ordem é enganada por uma arte” (De Certeau, 1996). O tecido urbano, com seus cruzamentos e movimento incessante de um dia ordinário, nos apresenta trabalhadores apressados atravessando a Praça da Matriz, homens idosos jogando dama na Praça da Alfândega e adolescentes conversando em tom confessional junto ao Monumento a Júlio de Castilhos, para citar só alguns dos personagens da vida citadina poucas semanas antes da chegada do inverno em Porto Alegre. Ainda que o roteiro tenha sido pensado com antecedência, os imponderáveis da cidade não deixaram de surpreender nossa observação flutuante (Petonnet, 2008): alunas se perdem pelo caminho, quando não são deixadas para trás enquanto buscam o enquadramento fotográfico desejado; outros grupos aguardam a resolução das fofocas trocadas com transeuntes ou ouvem as histórias do jovem catador Arthur de Uruguaiana — citadinos cuja assiduidade é inquestionável apesar do frio que naquele mês chegava ao estado. É essa perspectiva, do tempo que faz e do tempo que passa, que atribui camadas de sentido a complexidade das regiões centrais das metrópoles. Os ritmos temporais (Eckert & Rocha, 2013) da cidade reordenam aquilo que já conhecemos, produzindo descontinuidades e rupturas constantes. Caminhar, sem que o olhar esteja de pronto determinado a observar um objeto fixo, mantém-nos disponíveis e permeáveis ao inesperado da cidade.
Os ritmos parecem, e provavelmente sejam, muito mais rápidos no primeiro andar de todos os prédios da cidade. Lojas abrem e fecham suas portas sem que consigamos lembrar quem ocupou aquele espaço antes. Também reordenamos as nossas rotas e alteramos a nossa percepção de segurança e conforto de acordo com esses movimentos. Onde havia um bar aberto até a meia noite, pode agora existir uma loja de calçados que funciona somente em horário comercial. O cinema de rua pode ter virado uma galeria que vende lâmpadas. Mais uma farmácia pode ter aparecido na mesma quadra onde já havia outras três. Ruben recomenda e convoca-nos para uma cidade com um tempo um pouco mais lento, um tempo da esfera doméstica, das unidades residenciais mínimas que se empilham no centro e cujos moradores só se tornam evidentes num domingo, quando todos os praticantes efêmeros do centro se retiram. Olhar para o segundo andar e, mais para cima, mostra-nos rachaduras e imperfeições nas medianeiras dos edifícios, plantas que crescem no concreto sem nenhum critério, homens pendurados limpando janelas, redes de proteção para que gatos não caiam do 4° andar, redes de proteção para que restos de obra não caiam em pedestres e carros. O centro, em sua pulsação, consegue congregar em poucos metros quadrados trajetórias sociais completamente distintas, do mesmo modo que tenta conciliar as diferenças arquitetônicas de seus prédios, conjugando fachadas antigas com pinturas novas. Nos enquadramentos cotidianos a seguir, retratamos um grupo atento aos saberes históricos e enciclopédicos de Ruben, reunindo fragmentos das ruas, da arquitetura e das pessoas da cidade de Porto Alegre.
Referências DE CERTEAU, M. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1996. ECKERT, C.; ROCHA, A. L. C. Etnografia da Duração: etnografia das memórias coletivas em coleções etnográficas. Porto Alegre: Marcavisual, 2013. PÉTONNET, C. A observação flutuante: exemplo de um cemitério parisiense. Traduzido por Soraya Silveira Simões. Antropolítica, n. 25, p. 99–111, 2008.
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Arlindo da Silva Cardoso¹ Fernanda Rechemberg²
“Bebedouro se ufana de ter-vos como padroeiro!”: Fotoetnografia da procissão de Santo Antônio, em Bebedouro, Maceió-AL. Resumo: Este texto trata-se de um ensaio resultado da disciplina Antropologia Audiovisual, do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Alagoas. Tem como objetivo principal uma discussão sobre a minha experiência etnográfica, por meio da fotografia, na procissão de Santo Antônio de Pádua, padroeiro do bairro Bebedouro, Maceió-AL. Possui como referências, os conceitos que envolvem a fotografia no processo etnográfico e as relações entre fotografia e religiosidade. Palavras
chave:
Fotoetnografia;
Antropologia
Visual;
Religiosidade;
Bebedouro.
“Bebedouro is proud to have you as a patron”: Photoethnography of St. Anthony of Padua’ procession, in Bebedouro, Maceió-AL. Abstract: This text is an essay of the discipline Audiovisual Anthropology, from the Graduate Program in Social Anthropology, Federal University of Alagoas. Its main objective is a discussion about my ethnographic experience, through photography, in the Santo Antonio de Padua’ procession, in Bebedouro, Maceió-AL. It has references and concepts that involve photography in the ethnographic process and relations between photography and religiosity. Key words: Photoethnography; Visual Anthropology; Religiosity; Bebedouro.
1 - Bacharel em Design pela Universidade Feral de Alagoas. E-mail: arlindocardosoiu@gmail.com http://lattes.cnpq.br/3717771706698863 2 - Professora Doutora do Instituto de Ciências Sociais, no Bacharelado em Ciências Sociais e no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Alagoas. E-mail: fernandarechenberg@gmail.com http://lattes.cnpq.br/2380525227078672
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1. A fotografia, a etnografia e a religiosidade.
2. Ensaio fotoetnográfico
A fotografia utiliza o acontecimento para explicar o seu registro, tornando o “olhar” sobre algo “consciente”. Não existe uma linguagem da fotografia e por isso ela utiliza da “linguagem dos acontecimentos”, nos quais elas foram geradas para servir de apoio à sua leitura, o que a caracteriza como um tipo de expressão onde suas referências são externas a si mesma (BERGER, 2017).
O título deste trabalho é um dos versos da letra do hino à Santo Antônio cantado em todas as festas, das quais, quem participa das comemorações, sabe boa parte de cor ou fragmentos da letra e melodia. A procissão é o ponto alto da festa, ocorrendo tradicionalmente em treze dias corridos, o que é conhecido na igreja católica como “trezena”. Todas as noites acontecem missas com o padre responsável da igreja ou com padres convidados. As quermesses são comuns após todas as celebrações, com jogos de bingo, barracas para a venda de bolos e salgados, além de outros comerciantes que se instalam pelas redondezas.
Para Achutti (2004) é possível uma “narração visual” — o que o autor chama de fotoetnografia -, tomando a fotografia como objeto de descrição e interpretação de dados obtidos, sendo ela então, o discurso e a materialização do olhar do antropólogo, onde ele treina o leitor na prática de associações para encontrar significações no que vê. A procissão pode ser entendida como uma festa. Cada prática festiva só continua existindo pelo momento presente, ou seja, cada procissão é uma nova edição, uma recriação. Não existe uma conservação de prática de procissão, mas sim, vivência dinâmica, modificando-se a cada instante, com seu caráter ambivalente e sincrético: “quem dá vida ao ritual, entretanto, não conhece bem a sua teologia e, mais do que isso, a interpreta à sua maneira” (PELEGRINI, 2013, pg. 88; SANTANA, 2009). Desta forma, a procissão pode mesclar signos do sagrado e profano em meio ao espaço público e privado. As expressões de religiosidade são múltiplas, sincréticas e se mostram intensamente visuais, nas mais simples ações do seu cotidiano, mesmo que pareça banal. É esse “banal” que o fotógrafo vai encontrar e se choca para gerar sua argumentação. Por meio dessa possibilidade fecunda, é criada uma espécie de “estética da fé” por meio do trabalho do fotógrafo. E ele mesmo, já é um personagem importante na cena religiosa, pois muitas vezes ganha um protagonismo. Sua intrusão é tolerada, reconfigurando conotações diferentes na sua ação, no lugar religioso. É através da fotografia que se pode imaginar o divino, e onde são registradas as ações de troca do sagrado com o profano (MARTINS, 2019, pg. 244).
As fotografias que selecionei foram posteriormente editadas e dada o tom próximo do roxo, cor essa escolhida porque remete à espiritualidade e ao exotérico. Somei a isso, um efeito escurecido no enquadramento, associando às imagens que tratam de lembranças e memórias Separei o ensaio em categorias: reconhecimento: A proposta do ensaio teve como motivação a minha memória enquanto adolescente no convívio da Igreja de Santo Antônio. Esta etapa se configurou num processo de me desvencilhar desse passado para construir um olhar sobre a procissão que estava para acontecer, na perspectiva de um aparente “leigo”. Os ângulos usados aqui são mais abertos e lidam com o todo, para compreender que universo religioso é este que procurei vivenciar. Por isso, consta da praça ainda vazia com as pessoas conversando, bem como a concentração para a caminhada de fé. O percurso: Apresenta os caminhos traçados, apresentando ruas decoradas com bandeirolas, as fachadas históricas do bairro Bebedouro — localização tradicional e nobre no início do século XX -, demonstrando tradição; apresenta também os homens e mulheres que se organizam para a direção da charola. Detalhes: O objetivo nessa sessão foi apresentar os detalhes da devoção do trabalho coletivo desse grupo de religiosos, suas cores, camisas e símbolos específicos, formados especialmente por meio da devoção individual.
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Devoção: Confira em retratos, que surgem pela devoção ao padroeiro e a outros santos, demonstrados através da penitência, expressando sua fé, independente de grupos. Trabalho: Refere-se às pessoas que observam a procissão não somente como um ato de devoção, mas de trabalho. É a equipe responsável por toda a produção do evento, formada por pessoas da comunidade. Corpo-Pão: apresenta Jesus crucificado e todo o seu sofrimento para morrer pelos seus, a mãe de Jesus e toda a sua provação de fé e o cesto com pães. O pão representa tanto a consagração de Jesus, onde no ritual da missa a hóstia se transforma no corpo, e o vinho no sangue de Cristo. O pão também aqui representa um dos símbolos de Santo Antônio, por isso que na decoração da igreja foram utilizados pães. Às terças-feiras acontece a tradicional missa de Santo Antônio, onde pães doados pela comunidade são levados para abrigos de caridade. É o pão do padroeiro que mata a fome dos necessitados. Diante disso, este trabalho serviu especialmente para compreender na prática fotográfica os processos de significações e ressignificações das expressões de religiosidade. Cada procissão se apresenta como um universo desses elementos, porque é através dela, que os fiéis tem mais uma chance de pedir, implorar perdão e misericórdia. Esta misericórdia é uma necessidade do homem, e o divino se expressa nele e através dele. (MESLIN, 2014).
Referências ACHUTTI, L. E. Fotoetnografia da Biblioteca Jardim. Porto Alegre: Editora da UFRGS: Tomo Editorial, 2004. BERGER, J. Para entender uma fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. MARTINS, J. S. Sociologia da fotografia e da imagem. São Paulo: Contexto, 2019. MESLIN, Michel. Fundamentos de antropologia religiosa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. PELEGRINI, Sandra. O que é patrimônio cultural imaterial. São Paulo: Brasiliense, 2013. SANTANA, Mariely. Alma e festa de uma cidade. Salvador: EDUFBA, 2009.
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Alteridades em deslocamento: notas visuais sobre o processo de construção de uma exposição fotográfica¹4 Resumo: Este trabalho apresenta um fragmento da exposição “Paisagens, Cotidiano e Sociabilidades no Litoral Norte Gaúcho: um mergulho etnográfico na memória ambiental”, realizada pelo Núcleo de Antropologia Visual (Navisual/PPGAS/UFRGS). Tendo como proposta a ideia de captar, registrar e compreender aspectos das paisagens no litoral gaúcho, pesquisadoras e pesquisadores constroem narrativas imagéticas acerca do desafio de se deslocar em diferentes ambiências com a câmera na mão. Palavras chave: Paisagens; Cotidiano; Sociabilidades; Deslocamento.
Alterities in displacement: visual notes about the process of building a photographic exhibition Abstract: This work presents a fragment of the exhibition “Landscapes, Daily Life and Sociabilities in the North Coast of Rio Grande do Sul: an ethnographic plunge in environmental memory” organized by the Visual Anthropology Core (Navisual/PPGAS/UFRGS). Having as its proposal the idea of capturing, recording and understanding aspects of the landscapes on the North Coast of Rio Grande do Sul, researchers build imagetic narratives about the challenge of moving in different ambiences with the camera in hand. Key words: Landscapes; Daily life; Sociabilities; Displacements.
1 - Mestrando em Antropologia Social (PPGAS/UFRGS) 2 - Doutorando em Antropologia Social (PPGAS/UFRGS) 3 - Mestranda em Antropologia Social (PPGAS/UFRGS) 4 - Exposição originalmente disposta na Sala Fahrion, Anexo I da Reitoria — UFRGS, entre os dias 11 de julho e 11 de agosto de 2019 e durante a XIII Reunião de Antropologia do Mercosul, em Porto Alegre/RS.
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Leonardo Palhano Cabreira¹ José Luís Abalos Júnior² Camila Braz da Silva³
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Deslocar-se pelas paisagens litorâneas gaúchas diz respeito a um ato de deslumbre e encantamento com o que o sentido da visão pode proporcionar. Nosso deslocamento se realizou de forma coletiva, enquanto grupo de pesquisa (Navisual/PPGAS/UFRGS) guiados pela ideia de captar, registrar, compreender aspectos das paisagens do litoral gaúcho. Estas paisagens, como aludem Flávio Leonel da Silveira e Olavo Ramalho Marques no texto de apresentação desta recente exposição fotográfica, são diversas em termos étnicos e ecológicos. Percebemos nela um esforço humano criador que (re)organiza seus espaços de pertencimento a partir de relações sócio-identitárias na busca de definição de territorialidades possíveis. Entre regiões de vegetação, antigas fábricas e casas de moradores locais entendemos um pouco da vida ali presente. A expografia que apresentamos aqui, num formato reduzido e baseado na proposta original, é fruto do esforço de síntese desse rico material como resultado do trabalho coletivo. Ao narrar o urbano litorâneo, com a câmera na mão, realizamos enquadramentos das paisagens significativas delineadas pelos olhares, escutas e sentidos acerca deste território. Este processo representa uma perspectiva fundamental para nós: a investigação sobre as paisagens configura um excelente mote para a compreensão dos processos de transformação ambiental, cultural, social e econômica do Litoral Norte Gaúcho, de suas dinâmicas territoriais e dos processos de construção de identidades. Incorporamos neste processo, também, a etnografia da etnografia: um registro dos procedimentos de pesquisa coletiva de alteridades em deslocamento. Trata-se de uma prática de etnografia de caminhada/movimento, nos contextos das paisagens litorâneas, desenvolvidas pela(o)s pesquisadora(e)s dos projetos Banco de Imagens e Efeitos Visuais e Núcleo de Antropologia Visual (PPGAS/IFCH) da UFRGS. Tal prática coletiva implica na intenção de construir um trajeto do processo de aprendizado da equipe, no sentido de encarar o empreendimento etnográfico com algo que produz memória. Tendo como perspectiva elaborar memória deste processo de aprendizado, a trajetória do projeto Banco de Imagens e Efeitos Visuais e a interpretação dos dispositivos técnicos e dramáticos que o ato de etnografar alude.
Como resultado temos as imagens que testemunham os registros de situações da pesquisa etnográfica em processo. Estes registros ocasionais em que uma pesquisadora ou um pesquisador fotografa outros pesquisadores na interação com possíveis interlocutores ou mesmo a (o) colega em sua postura de captação, espelha a prática do registro. Por fim, inclusos dentro da temática das errâncias, derivas e da etnografia de rua presente nesse dossiê, esse recorte expográfico apresenta um pouco das dinâmicas coletivas do que é pesquisar cidades com imagens. As imagens insurgentes de um caminhar pelo urbano aqui presentes dizem respeito a uma experiência de projeto no qual as paisagens, os cotidianos e sociabilidades emergem em cada registro fotográfico.
Ficha técnica da exposição Reitor - Rui Vicente Oppermann Coordenadora do Departamento Difusão Cultural UFRGS - Claudia Mara Escovar Boettcher Diretora do IFCH - Cláudia Wasserman Coordenador do PPGAS/UFRGS - Emerson Giumbelli Presidente da XIII RAM — Jean Segata Vice Presidente da XIII RAM - Ceres Victora Coordenação Geral do Navisual - Fabiene de Moraes Vasconcelos Gama, Cornelia Eckert, Olavo Ramalho Marques, Rumi Kubo Equipe Navisual - Ana Luisa Zanchetti, Camila Braz, Camila Kern, Cornelia Eckert, Débora Wobeto, Fabiene Gama, Fabrício Barreto, Felipe Rodrigues, Fernanda Zepka da Costa Moreira, Flávio Leonel da Silveira, Guillermo Stefano Rosa Gómez, Henrique Lahude, Jeniffer Cuty, Karen Kaercher, Leonardo Palhano Cabreira, Luísa Dantas, Marielen Baldissera, Marina Bordin Barbosa, Nicole Kunze Rigon, Olavo Ramalho Marques, Raquel Fonseca, Roberta Simon, Rumi Kubo, Thayanne Freitas Equipe Projeto Paisagens do Litoral Norte Gaúcho (Campus Litoral Norte, UFRGS) - Marlise Amália Reinehr Dal Forno, Olavo Ramalho Marques, Guilherme Castro de Ávila, Mônica Enir Pereira Feijó, Ricardo Dytz Fabrício Equipe de Pesquisa de Campo e Produção de Imagens - Ana Luisa Zanchetti, Camila Kern, Fabrício Barreto, Felipe Rodrigues, Flávio Leonel da Silveira, Guillermo Stefano Rosa Gómez, Guilherme Castro de Ávila, Henrique Lahude, Leonardo Palhano Cabreira, Luísa Dantas, Marielen Baldissera, Marina Bordin Barbosa, Mônica Enir Pereira Feijó, Nicole Kunze Rigon, Olavo Ramalho Marques, Ricardo Dytz Fabrício, Roberta Simon Interlocutores - Elisabete Colombo Rost (moradora da ilha), Fladimir Dias Rodrigues (morador da ilha), Guilherme dos Santos (dono da Joape Climatização Ltda.), Cleusa Regina Cardoso Coelho (Museu Abrilina Hoffmeister), Roberto Wallig Sperb (Museu Abrilina Hoffmeister), Luci Dorvalina Briz Jaques (Museu Abrilina Hoffmeister), Núbia Cunha Teixeira (pescadora na ponte) Tratamento das Imagens - Marielen Baldissera Equipe de Curadoria - Ana Luisa Zanchetti, Camila Braz, Camila Kern, Cornelia Eckert, Débora Wobeto, Fabrício Barreto, Flávio Leonel da Silveira, Felipe Rodrigues, Guillermo Stefano Rosa Gómez, Henrique Lahude, Jennifer Cuty, Karen Kaercher, Leonardo Palhano Cabreira, Marielen Baldissera, Marina Bordin Barbosa, Nicole Kunze Rigon, Olavo Ramalho Marques, Raquel Fonseca, Roberta Simon, Rumi Kubo, Thayanne Freitas
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