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PREFÁCIO

Patrimônio Cultural e Fotografia: Um Olhar de Nós nas Lentes de Alfredo Mazzei

Por André Malverdes Arquivista, Historiador e Professor da Universidade Federal do Espírito Santo

A imagem fotográfica desempenha um importante papel na transmissão, conservação e visualização das atividades políticas, sociais, científicas ou culturais da humanidade. Além disso, reduz a tridimensionalidade característica do mundo real à bidimensionalidade própria do plano, marcada por um quadro, escolhido pelo fotógrafo, como limite infranqueável e com uma destacável alteração da escala de representação. As fotografias estão em nossas casas em álbuns, emolduradas em paredes, nas estantes, ou em nossas carteiras. Embora sendo importante documento de memória pessoal desde os primórdios da fotografia, essa não é a única função de uma coleção ou de conjuntos específicos de fotografias. Desta maneira, no mundo inteiro, se fotografa, seja por profissionais ou por amadores, e se publica em periódicos, revistas, livros, cartazes e essas fotografias também entram em fototecas, arquivos, bancos de imagens, coleções ou álbuns. Cumprindo diferentes funções e atendendo a critérios distintos, as fotografias se encontram custodiadas em arquivos, museus, bibliotecas e outras instituições públicas de caráter cultural, bem como também são conservadas em fundos e coleções em âmbito privado. Conhecer e estudar essa importante fonte documental e artística pode resultar, com frequência, uma atividade larga e penosa. Facilitar a difusão dos principais arquivos e coleções fotográficas ajudará a iniciar, ou continuar, frutíferas investigações que têm como objetivo a preservação e difusão do patrimônio fotográfico.

Além disso, o patrimônio fotográfico forma parte do patrimônio cultural e falar dele é obrigatoriamente pesquisar o que compreende o tangível e o intangível, o material e o imaterial, os objetos, incluindo materiais relacionados às indústrias fotográficas, tais como publicações, fotografias, cartazes, materiais publicitários, manuscritos e várias criações. Entre as quais estão equipamentos e conceitos como a perpetuação de técnicas e ambientes caídos em desuso associado à reprodução e apresentação desses meios de registros da imagem.

Nesse contexto os acervos pessoais são o grande desafio ao entendermos sua importância onde pessoas cuja maneira de atuar, agir, pensar e viver possa ter algum interesse para as pesquisas nas respectivas áreas onde desenvolveram suas atividades; ou ainda detentoras de informações inéditas em seus documentos que, se divulgadas na comunidade científica e na sociedade civil, trarão fatos novos para as ciências, a arte e a sociedade.

A organização do acervo pessoal de Alfredo Mazzei é de vital importância para a sua preservação, reprodução, divulgação e acesso ao público. Com a publicação deste catálogo, os interessados terão em mãos um importantíssimo instrumento de pesquisa que permite avaliar previamente os itens documentais a serem consultados, ao mesmo tempo em que a sua reprodução em formato digital atende à prerrogativa de facilitar o acesso às fontes custodiadas pelo arquivo privado da família custodiadora.

Alfredo Mazzei foi durante 40 anos, um dos fotógrafos mais atuantes do estado. Trabalhou para diversos governos e também tinha estúdio de fotografia no Centro de Vitória, onde produzia imagens de estúdio, além de cobrir eventos sociais como casamentos, formaturas, aniversários, concursos de miss e a vida pública de políticos. Foi precursor de diversas técnicas fotográficas, não somente no Espírito Santo, como também no Brasil.

O advento dos filmes coloridos, que passam a ser revelados por laboratórios industriais e as câmaras fotográficas cada vez mais baratas e fáceis de manipular, fazem desaparecer a fotopintura, restringindo a atividade dos fotógrafos aos retratos para documentos e às reportagens especiais, geralmente casamentos e eventos de natureza política, como visitas de autoridades e inaugurações. Porém, isso não impediu que Mazzei continuasse a produzir muitos retratos artísticos dos familiares, vistas e paisagens em branco e preto, quase até o fim da vida.

A atual situação do patrimônio fotográfico, a nível nacional e regional, requer com urgência um programa de intervenção para localizar, recuperar, descrever e dar a conhecer esses arquivos, antes que desapareçam de forma irremediável. A conhecida frase “uma imagem vale mais do que mil palavras” nos leva à seguinte questão: em quantas palavras deve ser descrita uma fotografia? Não existe uma resposta pronta para essa questão além das considerações aqui apresentadas, a única regra de ouro é que a descrição deve primar pela claridade, simplicidade e o controle de esforços.

O trabalho de descrição e organização de um acervo de bens culturais promove duas funções essenciais ao patrimônio como um todo: ao mesmo tempo em que está documentando os referidos acervos também prepara sua organização visando disponibilizá-los para pesquisa, publicação e acesso para um público mais amplo. Conhecer e identificar essa importante fonte documental e artística pode resultar, na maioria das vezes, numa atividade complexa e de difícil desenvolvimento. Porém, identificar e proporcionar a difusão dos principais arquivos e coleções fotográficas, em nível local e nacional, propiciará, a médio e longo prazo, subsídios para importantes investigações que tenham como objeto o patrimônio fotográfico.

A descrição arquivística, em especial, garante a compreensão ampla do conteúdo de um acervo, possibilitando tanto o conhecimento quanto a localização dos documentos que o integram. Sem a descrição, corre-se o risco de criar uma situação análoga à do analfabeto diante de um livro, na qual ele pode pegar e folhear, mas sem ter acesso completo ao seu conteúdo por não possuir meios simbólicos que lhe permitam compreendê-lo. O trabalho visa a elaboração de uma acurada representação de um conjunto documental e de suas partes, por meio da extração, análise, organização e registro de informação visando identificar, gerir, localizar e explicar os documentos de arquivo e o contexto, bem como o sistema de arquivo que os produziram.

O projeto realizado pela equipe tem por finalidade dar maior visibilidade ao acervo de Alfredo Mazzei, com vistas a oferecer aos pesquisadores e à população em geral com interesse na história cultural do Espírito Santo, o acesso às imagens, obras e outros documentos do renomado fotógrafo, visando uma gama maior de registros documentais que propiciarão mais pesquisa, investigações e produtos culturais.

A relevância deste projeto justifica-se pela importância de uma política de descrição no país a respeito de arquivos históricos, pois a produção de instrumentos de pesquisa bem planejados e elaborados oferece condições aos pesquisadores de melhor orientar sua análise, ampliando as possibilidades de documentos a serem consultados. Igualmente, possibilita às famílias e instituições custodiadoras divulgarem a documentação e preservá-la, uma vez que, em muitos casos, reduz seu manuseio.

Nessa perspectiva, os arquivos pessoais e familiares das personalidades e dos fotógrafos de grande relevância são de importante valor para o patrimônio documental, devido às possibilidades da reconstituição da história e da memória fotográfica do Espírito Santo. São, assim, de grande valor para o patrimônio cultural brasileiro, pois resgatam as transformações e permanências que caracterizam a evolução do estado e da sociedade capixaba no tempo e no espaço.

Sum Rio

TRATAMENTO ARQUIVÍSTICO DO ACERVO DE ALFREDO MAZZEI ……….....13

CONSERVAÇÃO PREVENTIVA E ACONDICIONAMENTO DO ACERVO DE ALFREDO MAZZEI…....…….....................................................……...............................17

CATÁLOGO DO ACERVO PESSOAL DE ALFREDO MAZZEI ……………...………..20

FICHA TÉCNICA…………………………………………………….……....................…...…..21

FOTOGRAFIAS EM PAPEL

Série Política………………….........................................…….…..………..………………23

Série Social…………………............................................………………..….…..…………35

Série Família……………......................................……...……….…….…....………………45

Série Urbanismo……….........................................…………………….…..…..…………52

NEGATIVOS EM POLIPROPILENO

Série Política………………………..............................…..…………….……………………58

Série Social…………………..…….............................….………………..…..………………58

Série Família…..……………….…..…......................................………….…………………59

NEGATIVOS EM VIDRO

Série Social………………………………...............................…………….…………………61

Série Família…………………………….................................………….……………………61

Série Urbanismo…………………….................................…………………………………61

ROLOS DE FILMES 16MM……………..........…………….............…….……………..….64

DOCUMENTOS TEXTUAIS EM PAPEL ……........……….…......……….……………….66

Tratamento Arquiv Stico Do Acervo De Alfredo Mazzei

Por Marcello França Furtado

Arquivista e Mestre em História pela Universidade Federal do Espírito Santo

Alfredo Mazzei foi um dos mais importantes fotógrafos de sua geração. Nasceu em Ubá-MG em 1904, e transferiu-se para o Cachoeiro de ItapemirimES no final da década de 1920, onde iniciou sua atividade fotográfica. Em 1931 transferiu-se para a capital do estado e logo firmou-se como um profissional que prezava pela qualidade e originalidade.

Seus registros fotográficos compõem um panorama social, paisagístico e político de suma importância para a sociedade capixaba de hoje. Como a maioria dos acervos pessoais particulares, sua obra se encontrava acondicionada de forma pouco adequada, na casa de sua filha de 94 anos, exigindo uma ação enérgica e emergencial para que não desaparecesse. São fotografias em papel, negativos fotográficos em plástico e em vidro, rolos de filmes 16 mm e documentos e jornais sobre a atividade profissional ou familiar de Alfredo Mazzei.

Através dos recursos do Fundo Estadual de Cultura do Espírito Santo –FUNCULTURA pelo Edital 017/2020 – Acervos, foi possível inventariar 400 fotografias em papel, 50 rolos de negativo em polipropileno, 18 placas de negativo em vidro, 29 documentos em papel e jornais e 18 rolos de filme 16mm. Esse material arquivístico recebeu higienização e foi acondicionado de forma adequada, visando principalmente sua salvaguarda e a interrupção do processo de deterioração que vinha ocorrendo de maneira acelerada.

O trabalho de inventário está atrelado à descrição em acervos, uma atividade intelectual (de leitura, reflexão e escrita) que está referenciada à elaboração de instrumentos de pesquisa (catálogos, guias, inventários, sumários, etc.), tendo o objetivo de orientar a consulta e determinar com exatidão quais são os documentos ou objetos e onde estão dispostos (LOPEZ, 2002) 1 .

Além da função de orientar pesquisador ou usuário, a descrição cumpre o papel de salvaguarda de um determinado material histórico, ou seja, proporciona a garantia de sua existência em si e o coloca em um radar de necessidade de manutenção perante a sociedade, as autoridades e instituições.

Para este trabalho, utilizamos as normativas apontadas na NOBRADE – Norma Brasileira de Descrição Arquivística, propostas pelo Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ, criadas com a Lei Federal nº 8.159 de 1991. A metodologia da NOBRADE se adequa muito bem à documentação arquivística, ou seja, aquela que possui uma mesma proveniência e relação orgânica entre seus múltiplos itens, como as fotografias e os documentos textuais gerados a partir de atividades naturais do cotidiano, de trabalho e até mesmo artístico de Alfredo Mazzei.

A NOBRADE foi publicada em 2006 e fornece diretrizes para a descrição arquivística no Brasil, compatíveis tanto com a ISAD(G), quanto com a ISAAR(CPF) (recomendações internacionais para arquivos), no intuito de facilitar o acesso e o intercâmbio de informações em âmbito nacional e internacional, tendo como pressupostos básicos o respeito aos fundos e à descrição multinível (CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS, 2006, p. 10).

Para a definição do multinível, como citado, é realizado um estudo prévio de “arranjo arquivístico” que delimita essa estrutura. Nesse estudo foram levantadas as séries (Nível 3), que alocamos dentro de dossiês (Nível 4). Nestes dossiês estão as unidades de fotografia, descritas uma a uma.

Esse estudo demanda tempo e conhecimento da totalidade do material. Desta forma, a partir de uma ampla identificação, modelamos a estrutura de séries que apresentamos a seguir. Esse estudo foi realizado após uma imersão no acervo, proporcionada pela aprovação do projeto no edital da Secult-ES, além do reconhecimento das tipologias arquivísticas e o desenho de diversos esboços, de forma que houvesse a construção ideal e lógica do inventário, permitindo no futuro a inclusão de novos itens no acervo, caso venham a surgir.

O caminho para essa estruturação deu-se a partir de temas que identificamos como recorrentes na obra de Alfredo Mazzei:

Na série sobre POLÍTICA procuramos reunir a participação de Alfredo Mazzei nos bastidores do poder capixaba. Muitas vezes responsável por registrar cerimônias, inaugurações, jantares, discursos, visitas, dentre outros, Mazzei figurava nesses ambientes com prestígio e reconhecimento. A série está dividida entre os dossiês de Christiano Dias Lopes , Artur Gerhardt , dois exgovernadores do Estado. Também há o dossiê Doutor Zerbini , médico que foi homenageado em Vitória. E por último o dossiê Políticos Identificados , que é composto por diversas fotografias em eventos institucionais dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Neste dossiê incluímos toda fotografia onde foi possível identificar algum membro desse corpo de personagens.

Já na série SOCIAL ocupamos principalmente com as fotografias de eventos que evidenciam algum tipo de protocolo social ou liturgia. Alfredo Mazzei possuía também como atividade o atendimento de clientes da alta sociedade capixaba em momentos privados e de lazer. Para esses casos, formamos os dossiês Casamentos , Aniversários e Formaturas.

Outro tipo de eventos que podemos nomear de social e que Mazzei tinha como interesse para registro eram os Desfiles Cívicos , que apesar de ter participação de autoridades políticas, o fotógrafo inclinava de forma majoritária o seu olhar à participação de alunos, crianças, professores, e também para decorações, estandartes e alegorias.

Outro nicho de imagens ocorre em eventos de clubes e agremiações sociais capixabas, responsáveis por organizar jantares, desfiles de moda ou de misses, apresentações musicais, dentre outros. Para este, formatamos o dossiê Apresentações e outros eventos.

O último dossiê proposto para essa série, Mulheres não identificadas, foi criado para alocar fotografias que, em sua maioria, estão em tipologia arquivística de retrato e que não obtiveram outro encaixe dentro da temática social.

FAMÍLIA , é o nome da terceira série. Buscamos alocar fotografias de momentos íntimos familiares e que muitas vezes não cabem dentro de eventos sociais ou ultrapassam sua perspectiva. Aqui dividimos em duas partes: a primeira, Família Mazzei, que traz fotografias do próprio fotógrafo em momentos de lazer e também de seu olhar sobre seus filhos e filhas, netos e amigos que conviviam em seu seio familiar. E a segunda parte: o dossiê Famílias Diversas para aquelas fotografias que possuem a mesma natureza, mas que não há pessoas identificadas pela Família Mazzei. Na última grande série, nos dedicamos ao assunto URBANISMO . Neste grupo encontramos em sua maioria fotografias da tipologia arquivística paisagem, mas ao criá-lo, nos atemos ao interesse de registro de Alfredo Mazzei sobre essas imagens. Capturar as transformações urbanas de Vitória nas décadas de 1930 a 1960 foi uma área de interesse pessoal do fotógrafo, como também fruto de encomendas de governos, Desta forma é possível encontrar imagens de construções, demolições, asfaltamentos, implementação de energia elétrica, tratamento de esgoto e pontos de vista do alto da capital do ES, principalmente.

Como observado na tabela, aplicamos esse sistema de séries em três gêneros de documentos diferentes: as FOTOGRAFIAS EM PAPEL , os NEGATIVOS EM POLIPROPILENO e os NEGATIVOS EM VIDRO.

Para os gêneros de ROLOS DE FILMES (18 unidades) e DOCUMENTOS TEXTUAIS EM PAPEL (29 unidades) adotamos uma simples ordenação cronológica, até mesmo por suas quantidades não serem de tamanha ocupação dentro do conjunto total do acervo. É importante também destacar que, para o sistema de arranjo como forma de compreensão acadêmica, optamos por tratar os gêneros como Nível de Seção (Nível 2) da NOBRADE.

Para a apresentação de informações neste Catálogo, nas próximas páginas, os documentos estarão listados da mesma forma que estão organizados fisicamente. É importante orientar que as informações extraídas das fotografias estão dispostas na seguinte ordem:

Código: Sua estrutura é orientada pela NOBRADE a fim de padronizar arquivos no Brasil de acordo com normas internacionais. Ele é composto por: identificação do país, estado e entidade custodiadora do acervo.

Logo após, foi aplicada uma sigla de três letras para cada Série e Dossiê (quando há). E por último, um número que permite encontrar sua localização física.

Título: Há um pequeno texto com informações extrínsecas sobre a imagem. Quando obtidas informações intrínsecas confiáveis também incluímos com o uso de [ ].

Local: Quando identificado.

Data: Quando identificado ou Sem Data.

Quantidade: É informado se há uma ou mais cópias com um exato ângulo de uma mesma imagem.

Cromia: É informado quando a imagem é P/B ou Colorida.

Tamanho: É informado Altura x Largura de cada fotografia.

Outros: No caso dos rolos de filmes, também estamos disponibilizando a informação da minutagem (quando identificada) e o áudio (Sonoro ou Mudo).

Espera-se que com o tratamento deste material arquivístico, somemos um importante e valioso conjunto ao patrimônio documental capixaba e à memória visual do Espírito Santo e de Vitória.

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