VER PARA LER: CÍCERO DIAS E MÁRIO DE ANDRADE Eneida Leal Cunha
Em vez de alcançar algo cientificamente ou criar artisticamente alguma coisa, seus esforços ainda espelham a disponibilidade de quem, como uma criança, não tem vergonha de se entusiasmar com o que os outros já fizeram. O ensaio reflete o que é amado e odiado, em vez de conceber o espírito como uma criação a partir do nada, segundo modelo de uma irrestrita moral do trabalho. Felicidade e jogo lhe são essenciais. Ele não começa com Adão e Eva, mas com aquilo sobre o que deseja falar; diz o que a respeito lhe ocorre e termina onde sente ter chegado ao fim, não onde nada mais resta a dizer: ocupa desse modo, um lugar entre os despropósitos. Theodor Adorno. Notas de literatura I, 2003.
A retrospectiva Cícero Dias; um percurso poético (1907-2003), patrocinada pelo Banco do Brasil com o aval do Ministério da Cultura e curadoria de Denise Mattar e Sylvia Dias, filha do pintor, expõe de forma didática e fartamente contextualizada 125 obras, um panorama de toda a produção do pintor montado para evidenciar tanto a sua proximidade com paisagens, intelectuais e artistas brasileiros quanto seu trânsito no circuito de arte europeu, inclusive durante a ocupação de Paris em 1940, daí a abundância na mostra de cartas, fotografias, recortes de jornais. As imagens e minhas anotações aqui poderiam constituir mais uma das intermináveis (e necessárias) revisões ou advertências ao pé da página da história instituída do Modernismo Brasileiro, pelo o seu centramento em um pequeno grupo de artistas de São Paulo em diálogo com o mundo, o Rio de Janeiro e às vezes com o Brasil a fora, nas suas viagens de aventuras e descobrimentos. Mas não é. A melhor historiografia e a crítica consolidada do modernismo não 161