VER: DESAPARECER1 Rosana Kohl Bines
Ardoroso colecionador de brinquedos infantis, Walter Benjamin descreve em pequeno artigo seu fascínio com a publicação do livro Kinderspielzeug aus alter Zeit. Eine Geschichte des Spielzeugs (1928) de Karl Gröber. Diante do monumental acervo de reproduções liliputianas de cavalinhos de balanço, soldadinhos de chumbo e bonecas, reunido nesta história ilustrada dos brinquedos de antigamente, Benjamin pondera sobre o que está em jogo no ato de olhar para essas imagens: Mas quando um moderno poeta diz que para cada homem existe uma imagem em cuja contemplação o mundo inteiro desaparece, para quantas pessoas essa imagem não se levanta de uma velha caixa de brinquedos? (1994, p.75).
Em que consiste esse efeito devastador que Benjamin supõe emanar da contemplação de antigos brinquedos? Como encontros intempestivos com imagens do brincar podem abrir clarões no campo perceptivo de quem vê? Quais as conexões entre ver (formas ressurgidas do universo lúdico da infância) e desaparecer (o mundo inteiro de onde as contemplamos)? E será que algo mais aparece quando desaparece o mundo? Redireciono essas perguntas ao olhar uma coleção de imagens que parecem saídas de um velho baú de brinquedos. Trata-se da instalação artística “Parcours d´ombres” (Percurso de sombras), do artista francês contemporâneo Christian Boltanski, comissionado a criar na pequena cidade de Vitteaux, na região da Borgonha, uma obra que 1 Uma outra versão deste texto foi publicada sob o título de "Assombrações da infância com Boltanski e Benjamin" na Revista Alea [online]. 2015, v.17, n.2, p.227-245.