Revista OLD [n. 33]

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Edição Especial de Aniversário Nº 33 Maio de 2014

Edição Especial de Aniversário - Maio de 2014

Equipe Editorial

Direção de Arte

Texto e Entrevista

Felipe Abreu e Paula Hayasaki

Felipe Abreu

Angelo José da Silva, Camila Martins, Felipe Abreu, Juliana Biscalquin, Luciana

Dal Ri e Nathan M. Schäfer

Julieta Benoit

Aline Lata, Ana Beatriz Elorza, Fernanda

Frazão, Julieta Benoit e Suelem Lobão

Mídia NINJA revista.old@gmail.com

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OLD Número
Revista
33
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Capa Fotografias Entrevista
Livros 06 Maio Fotografia no MIS Exposição 08 Julieta Benoit Portfolio 14 Aline Lata Portfolio 28 Mídia NINJA Entrevista 52 Fernanda Frazão Portfolio 64 Suelem Lobão Portfolio 76 14 52 38 64 28 76 Ana Beatriz Elorza Portfolio 38 Fissuras Colunas 90 Reflexões Coluna 92 O Poder Evocador da Fotografia 10

Mais um ano que passa, mais doze edições produzidas e a certeza de que, aos trancos e barrancos, seguimos no caminho certo. Assim chegamos ao nosso terceiro aniversário, com 35 edições produzidas e mais de uma centena de fotógrafos publicados. Esses números só nos dão mais força e mais vontade para seguir fazendo o que tanto amamos: discutir e apresentar fotografia da melhor qualidade possível.

Provavelmente você já está fazendo uso da nossa principal novidade para este aniversário: estamos de casa nova! Junto com esta edição chega nosso primeiro site! Sim, agora somos .com! Você já deve ter percebido, mas não custa comentar: aqui estão todas as nossas revistas, vídeos e produtos, além de um novo blog, que vai contar com conteúdos especiais, além do que vem para as nossas páginas. Espero que você goste da nossa nova morada e explore todos os cantos possíveis. Venha sempre que quiser!

Agora que já apresentamos a casa nova, vamos ao conteúdo dessa nova terceira edição especial de aniversário. Temos novamente cinco portfolios apresentados nesta edição e algo muito especial acontece neste número 33 da OLD: todos os ensaios foram feitos por fotógrafas brasileiras.

Julieta, Aline, Ana Be, Fernanda e Suelem estão em nossas páginas, mas dedicamos esta edição especial a todas as fotógrafas e críticas do Brasil. Que o trabalho de vocês seja cada vez mais merecidamente reconhecido.

Nesta edição temos o retorno de nossas queridas colunistas do Ágata, que fazem um balanço da intensa experiência vivida nos últimos meses na residência de fotografia do MIS.

Se em nossa última edição nos despedimos do Tito e de sua

Ultrapassagem, nesta edição recebemos um novo membro no time de colunistas da OLD. O professor e fotógrafo Angelo Silva da início às atividades da coluna Reflexões, falando sobre autoimagem, autorretrato e selfies.

Já faz algum tempo que a OLD planejava a entrevista deste mês, mas guardamos ela para Maio, para deixar esta edição ainda mais especial. Na véspera de seu primeiro aniversário a Midia NINJA fala com a OLD sobre sua trajetória, as metas alcançadas e sobre o momento de profunda transformação que vivem jornalismo e fotografia de rua. Rafael Vilela, um dos fundadores e fotógrafos do grupo, nos fala sobre o insano ano da Mídia NINJA.

Vou parando por aqui para deixar você aproveitar essa especialíssima edição. Espero que você se divirta em nossas páginas e nossa nova casa! Nos vemos mês que vem!

Belgian women in oyster beds (LOC)

AN ATLAS OF WAR AND TOURISM IN THE CAUCASUS DE ARNOLD VAN BRUGGEN E ROB HORNSTRA

Há poucos meses atrás a Rússia realizou as Olimpíadas de inverno na cidade de Sochi. Após mascarar muitas polêmicas e ver outras aparecerem durante o evento, o país de Vladmir Putin encerrou o evento e viu os olhos do mundo se voltarem para outros eventos e problemas espalhados pelo globo.

O que não foi mostrado durante o evento em questão foi pesquisado a fundo pela dupla Rob Hornstra e Arnold van Bruggen. O duo tem viajado à uma série de cidades no Cáucaso, especialmente na região de Sochi, e mostrado as desigualdades, os problemas sociais e a cultura da região, todos oprimidos e escondidos por uma melhor organização para as Olimpíadas. A tentativa de suprimir esses dados chegou ao ponto de Hornstra, fotógrafo da dupla, ser barrado na fronteira russa, para que ele não pudesse registrar a situação de Sochi poucos meses antes do massivo evento.

Apesar dos esforços de censura russa, o projeto veio à tona no livro An Atlas of War and Tourism in the Caucasus. Publicado pela Aperture no final de 2013, o projeto reúne fotografia e texto sobre a região, em uma exploração maciça do Cáucaso, um região de grande tensão geopolítica, pouca explorada pela mídia tradicional. Foram mais de cinco anos de profunda pesquisa, construindo uma narrativa densa, que nenhuma censura pode parar.

Disponível no site da Aperture

Valor Médio: R$ 160,00

408 páginas

LIVROS OLD 06

TOUCHING STRANGERS DE RICHARD RENALDI

Para muitas pessoas o mundo fora de suas telas - de celular, de computador, do que seja - parece assustador e desconfortável. Estamos cada vez mais vivendo em um mundo de interações virtuais, em que o contato físico é algo raro, às vezes é o prêmio, às vezes o castigo. Richard Renaldi decidiu tirar seus personagens de sua zona de conforto. Por seis anos ele abordou estranhos na rua e pediu que eles se tocassem, se abraçassem, que criassem um laço íntimo e momentâneo, que acaba com a fotografia realizada. Dessa série de encontros pouco usuais nasceu o livro Touching Strangers.

Publicado pela Aperture em Abril deste ano, o livro é uma provocação aos nossos tempos, à nossa individualidade, à maneira que vivemos nossas vidas. Em muitos dos retratos se percebe a dúvida no rostos dos personagens. Estar ali, tão próximo de alguém completamente desconhecido é uma situação ao mesmo tempo assustadora e liberadora. As imagens de Renaldi com certeza transformaram a vida de seus personagens, mesmo que por poucos segundos. Agora nos resta transformar as nossas ao ver suas fotografias

LIVROS
no site da Aperture
Médio:
128 páginas
Disponível
Valor
R$ 90,00
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Em 2014 o museu presta homenagem à fotografia com setes exposições simultâneas entre os meses de Maio e Junho. Os destaques são Josef Koudelka e Gregory Crewdson.

Coincidentemente ou não, Maio é o mês da fotografia no MIS e aniversário da OLD. O destino conspira para fazer desse um mês sempre especial para a fotografia brasileira. Mas, coincidências temporais à parte, vamos falar do que interessa: as sete exposições que estão no MIS até o dia 22 de Junho deste ano. O mês comemorativo tem como carro chefe dois grandes fotógrafos de duas escolas completamente diferentes: Josef Koudelka e Gregory Crewdson. O veterano fotógrafo tcheco apresenta sua seminal cobertura sobre a invasão de Praga em 1968. O trabalho já rodou o mundo, é livro e provavelmente um dos ensaios mais populares de Koudelka. A série de fotografias em PB acompanha os mais diversos momentos da ocupação, da antecipação da chegada das forças invasoras, a tensão durante os poucos dias que transformaram radicalmente a vida da então Tchecoslováquia. O MIS traz setenta e cinco fotos de Koudelka, criando um panorama bastante completo deste ensaio tão marcante. Gregory Crewdson tem uma abordagem aposta à de Koudelka em relação ao registro fotográfico. Enquanto o tcheco vem de uma escola tradicional de fotojornalismo documental, que busca na realidade crua a matéria prima para suas obras, o fotógrafo americano é praticamente um diretor de teatro.As imagens de Crewdson são preparadas e construídas nos mínimos detalhes, criando cenas que parecem registros de momentos reais, mas tem um estranhamento e uma perfeição que as transportam para um outro patamar. As imagens em grandes dimensões tem uma

perfeição impressionante em sua composição, em sua técnica, em sua abordagem. No MIS os visitantes poderão ver dez imagens da série Por Baixo das Rosas que explora os dramas perturbadores que se dão em ambientes cotidianos. Além da grande dupla já discutida ainda temos mais cinco exposições em cartaz no museu paulistano. Robério Braga apresenta sua série Luz Negra, que trabalha com uma série de retratos produzidos no Quênia. Fugindo do exotismo tradicional a este tipo de abordagem, Braga traz uma série de imagens originais e tocantes às paredes do museu. Valdir Cruz apresenta uma série muito especial em sua produção, que mergulha em sua cidade natal, Guarapuava, no Paraná. O fotógrafo produziu mais de 4.500 negativos feitos na cidade. O MIS reservou três exposições para apresentar o que é produzido ou arquirido pelo museu. O já prestigioso programa Nova Fotografia apresenta a exposição Happy Mountain, de Fábio Astolpho. O acervo do museu ganha destaque na exposição Fotografia: Um Longo Processo, que apresenta imagens do início do século XX. Fechando a série de exposições comemorativas da fotografia está a mostra Sobre Lugares e Gestos, que exibe os trabalhos produzidos durantes a primeira residência de fotografia do MIS. Você fica sabendo mais sobre esta mostra na coluna Fissuras, no final desta edição.

O MIS fica na Av. Europa, 158, em São Paulo. Todas as exposições ficam em cartaz até o dia 22 de Junho.

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MAIO FOTOGRAFIA NO MIS
EXPOSIÇÃO
Gregory Crewdson

O PODER EVOCADOR DA FOTOGRAFIA

Há uns bons meses eu estava em meu quarto, procurando fotos antigas. Queria que minha namorada, em vésperas de viagem para a França, levasse ao velho mundo algumas daquelas recordações. As fotos, separadas e esquecidas em cima da escrivaninha de mogno, permaneceram no Brasil, servindo a outro propósito: reavivar uma lembrança gasta, daquelas que permanecem em alguma caixa empoeirada dentro de nossa mente sem que demos por conta. Mas, basta uma chave, uma faísca, para que a ignição aconteça. A chave, para mim, foi foto do tempo em que o futebol era o centro do meu universo. Nela, estamos agachados eu e meu primo André. Em pé, Icaro, Dionísio e Gleison. O registro é de novembro de 1999, quando eu e André ainda não tínhamos uma década; Icaro doze; Dionísio e Gleison, dezesseis. Falta apenas Tiago, que sempre jogou conosco, mas que, por qualquer razão, não está ali.

Motivado pela nostalgia, segui para o quarto de minha mãe, fortaleza de nossos documentos e registros mais antigos. Desci do armário os arquivos de papelão, separados por período. Arquivo aberto, deparei com meu eu de três anos, encostado na geladeira vermelha de meu

avô, máscara e fantasia de Batman, sorriso sem dentes e cara de insônia. De imediato, ouvi sua respiração arfante e a voz arrastada que reclamava: isso não é traje para manhãs de sábado. A ignição, outra vez, fora dada. Agora, escrevendo sobre o incidente, atentei para as inúmeras vezes em que a fotografia cumpre esse papel. Quem nunca se viu na mesmíssima situação, diante de registro da primeira infância, racionalmente imemorável, tendo a nítida impressão de reviver a cena que um pedaço de papel laminado eternizou?

Não posso deixar de concordar com Walter Benjamin. Dizia o filósofo judeu que o acontecimento vivido é finito, mas que o acontecimento lembrado não tem limites, porque é apenas chave para tudo que veio antes e depois. Para ele, a memória é um dos pilares da civilização. Seria ela que, acrescida da experiência individual, nos faz narradores. Exemplos, não faltam. Dos mais óbvios, se pode citar o consagrado memorialista mineiro Pedro Nava, autor de sete volumes que pretenderam recriar oitenta anos de vida. Ainda na literatura, destaca-se o francês Marcel Proust e seu projeto literário baseado

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A estudante de Engenharia

Ambiental Iáscara Mattes, 22 anos, vive em Liverpool. As fotos, durante sua estada na Inglaterra, tem sido a maneira mais fácil de amenizar a saudade.

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“A foto demonstra muito como a gente sempre foi. Meu pai com aquele jeito dele, brincando o tempo todo e eu no colo, protegida. Desde que me lembro, fomos sempre muito unidos”

O dentista Lucas Gemelli, 23 anos e morador de Brasília, guarda com zelo as fotos da família. Para ele, as imagens são a maneira mais fácil de conectar-se a um passado que sabe seu, mas que não pode presenciar.

“Esse casal são meus tataravós, Angelo Scandolara e Adele Neve, e a família inteira são meus bisavós e seus filhos. Gosto delas pelo apelo visual, parecem me transportar pra outro tempo. É uma sensação de nostalgia, de dúvida e certeza ao mesmo tempo.”

em bifurcação da memória: a nostalgia. No cinema, Fellini recriou o mundo mítico da própria infância na pequena

Rimini em Amarcord — o título, inclusive, é a tradução fonética de io me ricordo (eu me lembro), tal qual é falado na região da Emilia-Romanha.

Para que evoquemos lembranças e iluminemos nossas histórias, sendo as duas traiçoeiras, utilizamos inúmeros truques. Desde a primeira exposição fixada de maneira permanente em 1826 pelo francês Joseph Nicéphore Niépce, a fotografia é o mais acessível deles: conciso, exato, objetivo.

É na capacidade de evocação quase sobrenatural que ela ganha força. Relativiza o tempo, ao proporcionar passado e presente num só. Ferramenta de documentação e memória, ela difere das outras representações por, num simples passar de olhos, resgatar recordações velhas, novas e até inexistentes.

Aperta-se um botão e, click, esperamos prolongar nosso contato com o intervalo de tempo que a composição buscou aprisionar. Fotografamos também por mesquinhez, para burlar a morte. Para manter ou refazer vínculos afetivos, mimetizando a presença de quem não está. Há, inclusive, os que crêem nesse prolongamento vital por meio de

retratos: nos vamos, mas nossa imagem permanece. Poucos, no entanto, são os místicos, feito Tranquilina Márquez, avó do escritor Gabriel García Márquez. Ela raramente permitia que a retratassem, temerosa de que a máquina lhe roubasse a alma.

Sendo a arte da nostalgia, ao capturar o tempo que não é mais, ela também se faz escudo contra a afirmação de Heráclito: queremos sim, percorrer duas vezes o mesmo rio; tocar pela segunda vez substâncias mortais no mesmo estado.

Fotografamos, afinal, na intenção de viver repetidas vezes.

Gosto da foto porque dizem que ele era a pessoa mais parecida comigo em toda a família e não me lembro dele. Também porque a frase mais famosa dele, ‘o cargueiro a gente arruma na estrada’, é meio que um lema pra minha vida.”
“Esse é meu avô, Juca Scandolara.
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Julieta Benoit

Rio Tietê um dia vou beber você

Julieta Benoit apresenta na OLD uma fábula urbana. Um passeio pelas margens do Rio Tietê, que corta São Paulo com sua água escura. Seu realismo fantástico dá um novo ar à cidade, mais livre, leve e irônico.

Julieta, conte pra gente como começou sua relação com a fotografia.

A fotografia surgiu na minha vida como uma busca de transformação da linguagem escrita para a imagem. O meu caminho começou pela filosofia e muita leitura. Foi por uma necessidade de viver o imaginário prático que a fotografia surgiu na minha vida.

Como surgiu o ensaio Rio Tietê um dia vou beber você?

O ensaio surgiu por caminhos criativos da relação entre a performance e a cidade. A busca de uma viagem ao impossível através do caminho do possível e real. O Tietê poluído que carrega a contradição da natureza destruída dentro do signo rio. Uma cidade que cerceia a natureza. O rio carrega essa vida que nunca morre dentro da sua própria possibilidade de renovação e limpeza.

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Qual a sua relação com São Paulo? Como você vê a natureza dentro deste contexto urbano?

Nasci em São Paulo, amo essa cidade cinzenta e feia. Uma bela cidade pela sua cultura e história, mas que ao mesmo tempo nega a natureza. Apesar de termos alguns parques que salvam a nossa urbe cinzenta, São Paulo é uma cidade pouco democrática e isso tem total relação ao meu ver com a sua falta de horizonte e a sua falta de espaços públicos e áreas verdes. Para não falar dos rios mortos e soterrados pela cidade. Uma paisagem verde que já não mora mais aqui entre nós.

Há um jogo entre vida e morte presente no seu ensaio na relação entre urbano e natureza. Qual o papel dessa dualidade no desenvolvimento da sua narrativa?

O ensaio justamente coloca essa dualidade como ponto central da narrativa, a relação de uma São Paulo que criou uma forte dualidade entre a natureza e o concreto armado. A cidade cinza que não tem rios e espaço extensos de áreas verdes.

Aos poucos o corpo vai assumindo um papel primordial dentro do ensaio. Porque trazer o corpo nu para um ambiente tão hostil?

O nu é visto aqui como um delírio e um sonho de um homem idealmente natural porque o corpo também é natureza. O homem que vai se despir de uma cultura e cidade que matou o rio. Um homem que vai ao encontro de si mesmo, ao encontro do rio límpido e vivo. O nu é justamente o choque da seca vida paulistana.

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Ana Beatriz Elorza

s/h

Ana Beatriz está e não está em suas fotografias. Sua imagem foi removida de suas lembranças de família, substituída por paisagens de locais distintos. Com essa intervenção a imagem e a memória são alteradas, criando um novo significado para cada uma dessas imagens.

Ana, como começou a sua relação com a fotografia?

na verdade não sei dizer ao certo, mas por ser filha única meus pais sempre fizeram muitas fotos de mim, minha mãe diz que até mais ou menos os meus 3 anos de idade todo dia era tirada no mínimo uma foto de mim. exagero. mas cresci re-vendo essas imagens, e desde pequena com uma noção de distanciamento entre eu - criança que observa o próprio álbum - e aquela outra criança fotografada a exaustão. depois aos 11 anos ganhei minha primeira câmera, uma polaroid, e comecei a fotografar.

Como surgiu o projeto s/h?

ele é fruto dessas centenas de fotografias da minha primeira infância. mas diferente de quando era criança, passei muitos anos sem voltar a estas imagens, até que um dia, recém formada em fotografia e com um tcc - que era uma instalação que tratava de fotografia e memória - achei que era tempo de voltar.

e s/h. é uma apropriação do meu próprio álbum, tornando-o de outros, tornando-o trabalho, transformando meu próprio álbum em um álbum plural.

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A memória tem um papel importante dentro da sua produção? Como foi trabalhar com este tema no ensaio?

tem sim, sou do time que acredita que não há como tratar de fotografia sem tratar de memória e minha produção - sendo o suporte final fotografia ou não - não foge disso.

Como foi o processo de busca dessas imagens? Como você buscou ressignificar cada uma dessas fotografias?

s/h. sugere uma retomada/intervenção ao arquivo de fotos de família, no caso o álbum específico do bebe/criança, que na maioria das vezes se serve de um conjunto de imagens chaves, como a primeira bicicleta, a mesa do natal, retratos com os pais, passeios… e dentro dessa pesquisa iniciei o processo de recortar a personagem das imagens, mas não com intuito de negação, mas a preenchendo com outras imagens, de plantas, árvores e céus, a contemplando com um caráter mais orgânico, onde ela vira não mais sujeito e sim signo.

Para você há algum limite na fotografia? É importante para o fotógrafo estar sempre tentando romper esses possíveis limites?

não, não enxergo limites na fotografia, pois fotografia nada mais é que imagem. mas de certa forma podemos observar que há limites tecnológicos, onde - particularmente - acredito que mora a graça de se trabalhar com imagem, que é caminhar por esses limites/ fronteiras.

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Aline Lata Suspensão

Neste ensaio Aline Lata busca um momento de suspensão em suas imagens. O parar do tempo, a contemplação. Suas imagens encontram essa tema nos mais variados locais e momentos, criando uma coleção de fotografias sublimes.

Aline, nos conte sobre a sua história com a fotografia.

Desde que me lembro, sempre gostei de histórias e o jeito que encontrei para contar as minhas foi através da fotografia. Estudei a imagem através de alguns cursos relacionados a cinema e cursei o Bacharelado em Fotografia pelo Senac SP, também trabalhei como assistente de alguns fotógrafos e hoje trabalho com vídeo e fotografia.

Como surgiu o ensaio Suspensão?

Suspensão é o primeiro resultado da edição do meu percurso pela fotografia e conta um pouco sobre as coisas que estão a minha volta, de uma forma mais extensa e reflexiva.

Este ensaio é o meu respiro mais profundo entre acontecimentos, uma busca pelo sentimento do que seria estar suspenso no ar aguardando o que virá a seguir.

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Como você buscou construir relações narrativas entre os espaços e as pessoas apresentadas?

Cada retrato colorido possui uma paisagem que o complementa e busca transmitir ora uma reflexão, ora uma sublimação. Os retratos em preto e branco funcionam separadamente, como uma pausa.

O tempo é um elemento muito importante neste ensaio. Como você buscou trabalhá-lo em cada imagem?

O tempo é importante para a fotografia, neste ensaio que seja pela maneira de eternizar um momento.

A edição de Suspensão é a figuração de um clima, a partir de momentos não palpáveis, mas que com a fotografia tentei pegá-los no ar. As fotografias desse ensaio são de épocas diferentes dentro da minha trajetória, são situações que não necessariamente foram captadas para esse fim reflexivo, mas que fizeram parte das coisas que eu vejo e assumiram significados dentro deste ensaio, agora transmitindo uma sensação e um novo tempo, um tempo denso.

A fotografia tem perdido seu tempo de contemplação, ficando cada vez mais frenética. Você vê em Suspensão uma busca por esse tempo mais lento e tranquilo na fotografia?

Acredito que a fotografia assume novos papéis conforme as ferramentas vão se desenvolvendo. Existem várias formas de fotografar, editar imagens e de ser fotógrafo. Vemos mais rápido, passamos os olhos e fazemos mais cliques. O tempo tornou-se mais ativo, fazemos mais coisas em menos tempo, porque temos mais tecnologia.

O ensaio fotográfico é uma seleção, a escolha que transmite uma idéia, isso já faz o espectador parar para olhar naturalmente se é algo que lhe interessa.

A intenção de “Suspensão” é transmitir um momento lento entre os acontecimentos, portanto existe a busca natural pela contemplação, são imagens que percorrem esse caminho. A edição também trabalha neste sentido, exigindo do espectador a pausa para entender a relação entre as imagens, principalmente entre o retrato e a paisagem.

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OLD ENTREVISTA MÍDIA

ENTREVISTA NINJA

A Mídia NINJA é provavalvemente o principal fenômeno a atingir jornalismo, fotografia, vídeo e ativismo neste último ano. Manifestações nacionais e internacionais foram registradas pela NINJA, divulgadas de uma maneira ampla e irrestrita, incomodando muita gente e dando voz a muitos e muitos outros. Agora, a Mídia NINJA se aproxima de seu primeiro aniversário e nós conversamos com Rafael Vilela, editor, fotógrafo e fundador da NINJA para rever os principais pontos dessa história e entender seus próximos passos.

A Mídia NINJA surgiu dentro do Fora do Eixo, certo? Como foi a organização inicial desse processo?

Exato. O processo todo da Mídia NINJA só pode ser entendido a partir de uma estrutura que já estava se organizando há 10 anos no Brasil, fazendo festivais, montando casas coletivas, moedas complementares, blogs, portais. O Fora do Eixo é um laboratório de novas tecnologias sociais para uma vida em rede: hoje são mais de 200 coletivos conectados em muita sintonia, que começaram como um circuito cultural e hoje formam uma rede ativista. No começo a gente fotografava, transmitia e botava pra cima nas redes sociais tudo o que era conteúdo ligado ao nosso circuito, à musica, artistas, etc, porque sabiamos que a grande mídia não faria isso, que não tinha interesse em mostrar o artista do Pará, o novo cd que tinha estourado em Santa Maria. Essa crise da indústria fonográfica teve muito com a ascensão do Fora do Eixo, que propos uma outra forma de organizar a música no país.

Quando vimos tinhamos uma rede enorme de comunicadores vivendo de um outro jeito, sem precisar de chefe nem patrão pra se sustentar, em casas coletivas com até 30 pessoas, uma verdadeira comunidade. Aí, no Congresso Fora do Eixo de 2011 a gente resolveu virar essa potência de mídia que haviamos desenvolvido pra outros alvos: passamos a cobrir todos os protestos, marchas, a crise Guarani Kaiowa, o churrascão da gente diferenciada, Pinheirinho,

direto para as redes sociais; paralelo a isso, uma outra crise rondava as redações, assim como na música, o jornalismo comercial começava a entrar em parafuso com a livre distribuição de informação na internet, os jornais não se pagavam mais, as pessoas estavam produzindo seus próprios conteúdos, visualizamos uma grande oportunidade aí.

Nessa época a gente era a Mídia Fora do Eixo, não tinha Ninja ainda.

Como foi o processo de construção da estrutura da Mídia NINJA? Como vocês alcançaram a capilaridade que têm hoje?

O avanço da qualidade e da experiência das coberturas feitas de forma laboratorial pela Mídia Fora do Eixo, somado a uma conexão com diversos jornalistas que já visualizavam a crise da imprensa nos possibilitou trabalhar em duas frente principais: cobrir, circular e praticar intensamente essa modalidade de jornalismo de guerrilha por todo território nacional e ao mesmo tempo realizávamos centenas de conversas, articulações, oficinas e formações livres, que conectou de forma definitiva toda uma nova geração de comunicadores pelo país, hoje isso é a essência do ninja, que é a capacidade de ir lá dentro do Brasil profundo, mostrar a periferia da nação, o que ninguém vê e ao mesmo tempo difundir isso numa rede muito sólida.

Com a quantidade de material que vocês produzem deve ser difícil organizar a veiculação dessa produção. Como é feito esse processo?

É um desafio enorme, cotidiano, mas levamos relativamente bem.

Temos diversas plataformas, cada uma com uma função. Pra falar da fotografia especificamente: distribuímos imagens pelo facebook, instagram, twitpic, tumblr, medium e armazenamos nossos arquivos todos no flickr pro, tudo em alta, em creative commons, pra quem quiser baixar e utilizar. Esse sistema todo, uma soma de veículos com um banco de dados, faz nossas fotos chegarem a muita gente

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dentro e fora do país, que usualmente nos abre muitas portas para publicações, exposições, prêmios, festivais, museus, etc. Hoje estamos prestes a lançar nosso novo portal, que será uma forma de organizar um pouco essa distribuição em forma de constelação, tão característica dos nossos tempos. Lá vamos ter espaço pra mais gente, diversificar mais as editorias e possibilitar o acesso para o público internacional, já que vamos contar sempre com 7 idiomas de tradução do que for publicado. Tudo isso sem nenhuma propaganda, marcas, vendas, anúncios, nada, estamos radicalizando nesse ponto.

O surgimento da NINJA criou um desconforto nos grandes portais de jornalismo. Como vocês encaram esse embate?

O que a NINJA criou que pode ser adaptado para os grandes veículos?

Não vemos como um embate. É uma busca muito forte do nosso lado de construir um sistema alternativo de comunicação, que seja uma alternativa de fato, que fale com muita gente e que inspire mais um tanto. Que seja constituído da soma de inúmeras pequenas iniciativas. Migramos de um modelo de mídia de massa, onde um fala pra um milhão, e caminhamos rumo à massa de mídias, onde cada ponto se relaciona com outros milhares e isso se replica infinitamente.

No lado da imprensa tradicional um erro estratégico, um engessamento muito forte que não conseguiu ressignificar ainda seu modelo de negócio na era da informação, e por isso vive uma grave crise financeira. A lógica do jornalismo associado ao branding foi também definitivo no que se pode entender como uma crise de credibilidade desses veículos: anos e anos distorcendo fatos e moldando a história de acordo com seus interesses fez com que a sociedade passasse a ser cética quanto ao que lê ou escuta dessas organizações. Claro que existem milhares de excelentes comunicadores, jornalistas e pessoas nesses espaços, mas pouco

Migramos de um modelo de mídia de massa, onde um fala pra um milhão, e caminhamos rumo à massa de mídias, onde cada ponto se relaciona com outros milhares e isso se replica infinitamente.

O futuro é uma ideia velha. O novo fotojornalismo está

acontecendo agora, com milhares de pessoas indo pras ruas, documentando, distribuindo suas imagens de forma independente e se capacitando à medida que podem

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podem fazer perante essa estrutura. Acredito que puxamos eles pra se agitar mais, ficarem mais atentos, não cair nas zonas de conforto desse jornalismo fácil, feito de cima do helicóptero, que acredita que fazer bom jornalismo é o padrão globo de qualidade. Baixa resolução e alta fidelidade, bradam os streamers! Na fotografia a gente adapta isso de uma maneira interessante, com os uploads feitos em tempo real, da rua, transmissor da câmera pro celular e postado direto pra milhares de pessoas nas redes sociais, um diálogo direto com a rua. A adrenalina é incomparável, e acho que falta um bocado disso nas redações tradicionais também, falta tesão, falta acreditar que o jornalismo é uma ferramenta importante demais pra estar só na mão das grandes corporações.

A gente não separa ativismo de jornalismo, acreditamos que é tudo a mesma coisa. Não dá mais pra ter a imparcialidade como um valor, isso não existe, e quem vem do campo criativo, artístico, lida muito melhor com esse fato. As pessoas são formadas pelo seu acúmulo de experiências e crenças, isso inevitavelmente vai ta impresso em seu trabalho.

A gente prefere assumir essa parcialidade, deixar ela bem evidente, pra que as pessoas saibam de onde falamos e com quem estamos. É mais honesto desse jeito.

Estamos em um momento de transformação na fotografia jornalística, com vídeo, transmissão rápida de informação. Quais caminhos vocês acreditam que o fotojornalismo irá seguir?

O futuro é uma idéia velha. O novo fotojornalismo está acontecendo agora, com milhares de pessoas indo pras ruas, documentando, distribuindo suas imagens de forma independente e se capacitando à medida que podem, com os recursos que têm, isso é lindo. Tem excelentes coletivos aí fazendo trabalhos de muita qualidade: Coletivo Rua, SelvaSP, coletivo Nigéria, 12PM, Garapa, 99Erro, Mariachi, Carranca, o Máfia e o SUB da argentina..

O jornalismo profissional morre de medo dessa massa de mídia, mas não consegue ver que isso só vai melhorar o jornalismo! Agora temos sempre dezenas de fontes pra tudo que acontece, vídeos pipocam na timeline, as contra-narrativas dominam as redes sociais, ficou mais difícil manipular, omitir. Nunca vivemos em uma época tão boa para o fotojornalismo. As pessoas estão fissuradas por novas histórias, personagens, tramas e dramas da vida real. Os bons trabalhos vão sempre estar à vista, agora de uma maneira muito mais democrática. Vivemos algo parecido, acredito, quando do surgimento da Kodak e aquela parafernalha toda que fazia qualquer um virar fotógrafo. Tinha gente falando que a fotografia morria ali, tem gente falando isso até hoje..

Há uma busca por um padrão visual dentro da Mídia NINJA? Como vocês mantém a qualidade do que é apresentado?

Não existe uma busca consciente ou negociada de qualquer padrão visual. As referências se somam, são muitas pessoas juntas nesse processo, morando juntas, convivendo, absorvendo uns dos outros. A estética é de rede, de muita gente fazendo, de muita gente se capacitando, botando seu trabalho pra fora. A qualidade não está nos produtos, mas no processo: significa termos perto de nós, produzindo, colaborando, propondo, quem vive e respira a fotografia nos dias de hoje.

A entrevista no Roda Viva foi um marco dentro deste processo. O que vocês guardam daquele momento? O que poderia ter sido feito diferente?

Aquilo foi o olho do furacão, a explosão. Eles esperavam uns moleques que saíram filmando protesto com iPhone na mão e encontraram com um processo de 10 anos de acúmulo. Foi o que foi, mergulhamos fundo naquilo que nos propusemos e o programa foi um ótimo momento pra explicitar nossos valores e metodologias

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A entrevistadores da mídia de massa estavam muito mais interessados em questionar nosso modelo de negócio do que entender as mudanças em curso, um panorama mais amplo para refletirem sobre sua própria atuação. A reação posterior de quase toda imprensa brasileira de criminalizar e desmoralizar o Fora do Eixo e a Mídia NINJA foi patética. Investiram pesado contra nós ao verem o perigo que nossa estrutura começava a representar de fato aos estabelecidos, fomos taggeados como “muito perigosos”. Perceberam pela primeira vez talvez, que era possível um movimento vindo da periferia do Brasil pautar uma nova perspectiva de sociedade e de jornalismo, sem grana nenhuma no bolso.

Quais são os planos para manter a Mídia NINJA ativa e crescente? Vocês já encontraram um modelo viável de financiamento? Ou isso não é mais uma preocupação?

Estamos atuando com muita força na formação de novos comunicadores com o LabNINJA, um laboratório de novas linguagens e mídia ativismo que está estabelecendo redações por todo o Brasil e fazendo uma ponte muito legal entre pessoas distintas que se encontram na missão de criar contra-narrativas, em seus coletivos e mídias independentes. Esse ano temos cerca de 9 documentários na linha de produção, todos demandas dos próprios movimentos sociais, que nos acessam querendo produzir conteúdo qualificado sobre suas realidades, dos garimpeiros no Acre aos Guarani Kaiowa no Mato Grosso do Sul, a editoria ambiental tende a ser cada vez mais forte. Vamos lançar nosso portal em mais de 10 cidades espalhadas pelo mundo nas próximas semanas, e estamos em contato com muitos fundos internacionais interessados em ajudar a financiar esse processo, por reconhecer a importância que ele ta tendo. A conexão com redes e coletivos espalhados pelo mundo nunca foi tão concreta, da América Latina toda ao Cairo, no Egito.

A NINJA está um momento de crescimento na esfera cultural também, com exposições no MAM e em no Pompidou, em Paris. Como vocês lidam com essa outra face do trabalho? Isso estava nos planos, essa transição para outros meios?

É a mesma face, a gente está preocupado em ocupar e ajudar a democratizar o maior número de espaços possíveis, somos sensíveis às demandas dos movimentos, produzimos e distribuímos essas informações de forma ativa, isso tem nos levado cada vez mais a lugares diferentes e inusitados. Em relação aos museus, acho que temos que deixar de lado essa concepção de que são espaços mortos, que não dialogam com os temas e desejos contemporâneos, isso é algo que o Eder Chiodetto fala muito, e inspirou a gente a não ficar se regrando muito em relação a essa distribuição, são muitos públicos diferentes, não competem nem substituem nossa ação nas redes, que é nossa maior força. Todo nosso conteúdo é distribuído em Creative Commons, em alta resolução, pra quem quiser usar: do jornal da esquina ao museu em Paris.

No mês passado comentamos na OLD a exposição no MAM e mencionamos o grafitti, que mudou de meio e sofreu muito com isso. Vocês se preocupam em manter a essência da cobertura de rua? A Mídia NINJA pode migrar de campo de atuação?

Nós nascemos como uma rede de comunicação distribuída e atenta as demandas das ruas, do Brasil profundo e dos movimentos sociais, seguiremos assim. É a nossa base, de onde viemos, nossa fonte de produção e nossa razão de ser.

Somos ativistas tentando contar histórias que talvez não seriam contadas, como milhares de coletivos e redes espalhadas pelo país. Exposições e visibilidade são uma consequência disso e não podem nunca ser confundidos com nossas pautas principais: a democratização da mídia brasileira, que hoje é toda concentrada na mão de 7 famílias, a desmilitarização da polícia, que causa

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um genocídio da população negra e pobre nas periferias e de grupos originários pelos rincões do interior, a luta pela liberdade e neutralidade da internet, que hoje está muito próxima de uma vitória com a consolidação do marco civil, planejamento e mobilidade nos grandes centros urbanos, entre outras tantas!

A fotografia de rua está vivendo uma espécie de renascimento nos últimos anos. Quais são as impressões de vocês sobre esse novo momento? O que ainda pode ser conquistado em termos estéticos e de relevância dentro do cenário fotográfico?

Uma virada se consolidou definitivamente com as manifestações de 2013 no Brasil. A fotografia de rua, o fotojornalismo, o fotodocumentarismo, como quisermos chamar, ganhou força com a politização da sociedade, o crescente interesse pelas questões sociais e de interesse público. O graffite e as artes visuais falaram muito pouco sobre a sociedade no auge das ruas de junho, perderam um espaço importante de debate, que tem total legitimidade para pautar. O fotojornalismo vive uma era de ouro, uma abundância de narrativas e um público enorme, que espera ansioso por conhecer novas realidades e complexidades. Particularmente nos agrada esse re-equilíbrio, nossa produção imagética é muito rica em todas suas vertentes e com certeza há espaço para tudo.

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Fernanda Frazão Mulher Esqueleto

Mulher Esqueleto discute o corpo, a natureza e a relação entre os dois. Cada imagem é um embate constante entre os aspectos racionais e emocionais de nossas ações. Um mergulho visual nas relações entre nossos corpos e os espaços que eles ocupam.

Fernanda, nos conte sobre o seu começo na fotografia.

A imagem é parte muito importante na elaboração dos meus processos interiores. Através dela consigo dar lugar para as coisas mais subjetivas e então, comunicá-las. A fotografia e o vídeo são superfícies de comunicação, e apesar dessa consciência não existir num primeiro momento, acredito que comecei por isso. Acabei fazendo faculdade de Comunicação Social - Rádio e Tv no interior, estudei Comunicação Audiovisual na Espanha e me mudei para São Paulo em 2011 para fazer o Curso Abril em Fotografia. Hoje, trabalho como freelancer.

Como surgiu o ensaio Mulher Esqueleto?

Gosto muito de um livro chamado Mulheres que correm com os lobos, da psicanalista junguiana Clarissa Pinkola Estés. O livro reúne interpretações de lendas e histórias antigas que falam sobre o arquétipo da mulher selvagem, que é a essência da alma feminina, natural, animal. Num termo mais cabeçudo, é a psique instintiva mais profunda. Me interessa discutir sobre o embate que nós, indivíduos sociais, vivemos entre racional e emocional. E como o trunfo da razão afasta o homem da sua própria natureza. Tem uma ideia no livro que se assemelha à construção deste projeto. Diz que os contos de fadas batem à porta da psique profunda da mulher através de palavras. E que quando as mulheres as ouvem, uma lembrança muito antiga é acionada, essa é a lembrança do feminino selvagem (um estado natural, animal, pulsante). Vejo este ensaio assim, como imagens que podem despertar a lembrança desta natureza fundamental, instintiva e subjetiva, que ao longo do tempo foi tão desvalorizada.

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Suas imagens parecem construir uma narrativa para a personagem presente nelas. Você vê uma influência do cinema na sua criação visual e narrativa?

Acho curiosa sua pergunta justamente por este ensaio ter sido inspirado por um livro. Com certeza o cinema faz parte do meu repertório estético e narrativo. Só o texto não me bastava, surgiu a necessidade visualizar alguma ideias. Ainda que a narrativa não tenha sido o que me impulsionou a produzir este ensaio, concordo que há um fio condutor. O cinema e o vídeo me aproximam muito da ideia de criar uma ação. Gosto de ver que há algo acontecendo em cada imagem, mas não estava intencionada em narrar algo linear.

O ensaio tem um clima bem marcante. Quais os recursos que você acredita que contribuem para essa construção?

Por ser fotografia encenada, foi possível ter controle de algumas

situações como fogo, fumaça e projeção. Também optei por fotos bem contrastadas. Mas, acima de tudo, acho que o clima surge pela temática, que traz uma natureza mítica, mais distante do mundo contemporâneo.

A personagem de Mulher Esqueleto passa por uma jornada dentro do ensaio. Como foi o processo de construção dessas mudanças na produção e edição do ensaio?

Essa jornada reflete o embate entre norma e desejo, razão e emoção, e tantas outras dicotomias. Me mantive atenta ao que queria comunicar e optei pelas questões mais subjetivas, podendo deixar as imagens serem reinterpretadas e tocar cada um do jeito que for preciso e possível. Acho que é por isso que não vejo aqui uma estória única a ser contada, nem a estória dessa personagem. Ela para mim é um instrumento, um canal para falar sobre o arquétipo da mulher selvagem.

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Suelem Lobão Flash Não

Queima

Em Flash Não Queima, Suelem Lobão se esconde atrás da luz de sua câmera, criando uma série de cenas que revelam espaço, fotógrafa e flash, como seu personagem principal.

Suelem, nos conte sobre o seu começo na fotografia.

Desde que comecei a estudar comunicação social há anos atrás, comecei a me interessar por fotografia, mas nunca de forma artística ou profissional. Até hoje não tenho interesse nisso. Faço porque me diverte, basicamente. E comecei a me interessar mais por fotografia analógica já fazendo meu mestrado aqui em Buenos Aires. Redescobri as câmeras descartaveis que ainda encontro muito por aqui e amo o resultado das fotos, das cores delas e com um manejo simples de um click.

Como surgiu o projeto Flash Não Queima?

Foi sem querer. Numa viagem a São Paulo, tinha comprado uma câmera descartavel lá mesmo porque tinha esquecido a minha digital e lomo em casa. Num dos passeios com amigos bati uma foto com eles na frente de um espelhão e quando vi o resultado do flash queimado, espalhado no meu rosto, amei e me pareceu um “erro fotográfico” muito lindo. Depois de mais umas três fotos assim, vi que tinha encontrado um padrão. Conversando sobre isso com uma amiga, surgiu o nome Flash Não Queima.

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Você vê a presença de uma estética amadora no ensaio?

Você acredita que este tipo de visualidade poderia ser mais valorizada?

O Flash Não Queima surgiu de forma amadora. Ia batendo foto por onde passava mesmo, sem pensar muito, apenas um pouco no enquadramento. Hoje em dia, ja penso no Flash Não Queima de forma mais crítica, até estou obrigada a isso porque estou desenvolvendo minha tese de mestrado sobre ele. Então já não bato foto à esmo. O projeto agora é uma tentativa artistica de trabalhar e relacionar metaforicamente a supexposição do flash com a superxposição pessoal nas redes sociais. E para desenvolver isso de forma acadêmica estou lendo muito sobre fotografia, mas nem chega a ser sobre aspectos técnicos, e sim mais crítico como Roland Barthes, Umberto Eco, Susan Sontag.

O ensaio tem uma série de cores dominantes em suas fotografias. Como elas são decididas? Como você constrói um fio narrativo entre elas?

O que une as minhas fotos é o flash e não as cores. No início eu somente brincava com as cores para ver os resultados dos filtros da lomo nos flashes das minhas outras câmeras e ir achando o meu estilo, a minha preferência. Mas é o flash o protagonista de tudo. Ele representa uma dualidade na crítica que quero fazer. Primeiramente,

hoje todos estão as 24 horas postando (se superexpondo) mil fotos em busca de likes, mas o padrão dessas fotos é sempre o mesmo: de praia, de comida, de festa, atrações turísticas famosas, de pés, subjetivas de bicicletas, etc. Tal qual é o vídeo An Istagram Short Film, do Thomas Jullien. Ou seja, não nos diferenciamos em nada, essa superexposição (representada pelo o flash nas minhas fotos) no final das contas não dá em nada, nós somos só mais um no meio de uma massa. O que me leva para o segundo ponto do flash: fisicamente o que te faz ver é a luz, mas o seu próprio excesso pode te cegar. Então o flash representa também essa cegueira. Quanto mais te superexpões, menos te veem. Pode parecer uma viagem, mas na minha cabeça faz todo o sentido hahahaha.

Flash Não Queima esconde sua personagem guia. Esse anonimato é essencial para a série, tornando o flash o personagem principal?

Exato. Muitas vezes nos representamos nas fotos que postamos em algo que não somos, que não estamos sentindo. Na frente de um objetivo nos projetamos a outra coisa, aquela coisa que nas redes sociais todos nós somos sempre muito lindos, felizes e realizados. Sabemos que não é assim. Então, o flash deixa essa representação pessoal de lado e quem vê se atenta a outros aspectos da foto, já que não tem o rosto do sujeito para ser analisado e julgado se está belo ou feio, feliz ou triste.

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fissuras

A postura passiva é deixada de lado para tornar-se um sujeito ativo dentro do processo criativo, juntando peças, perseguindo rastros e provocando questões.

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Luciana Dal Ri

Quando perguntas são muito mais que respostas

Logo no primeiro texto que escrevemos para a residência LABMIS, pontuamos uma frase: contaminar para contaminar-se. Com ela, a nossa intenção era deixar evidente o desejo de troca com os outros residentes, a vontade de permear trabalhos e fazer com que os outros se envolvessem na nossa pesquisa.

Dividir o ateliê com os artistas muda radicalmente o papel do crítico de arte. Ao fazer parte do cotidiano e acompanhar a criação se desenvolvendo como um trabalho diário é impossível manter-se neutro, como um observador em busca de respostas. A postura passiva é deixada de lado para tornar-se um sujeito ativo dentro do processo criativo, juntando peças, perseguindo rastros e provocando questões.

Foi esse papel que tentamos cumprir ao propor dinâmicas e reflexões com a turma. Com consciência de que o exercício reverberou de maneira diferente entre os artistas, a nossa intenção foi trazer à tona a tensão que envolve o desenvolvimento de um projeto artístico. Ao sugerir que os artistas olhassem para seus documentos de processo e os colocassem em diálogos, queríamos mostrar, em algum grau, a racionalidade que direciona a criação. Como residentes, também colocamos à prova metodologias e questões acerca do nosso trabalho. Qual o papel de um crítico de arte em uma residência artística? Criação crítica e artística se confundem ou se fundem, neste caso? Qual o produto dessa contaminação? Foram algumas das perguntas que apareceram ao longo dos meses.

Embora pareçam completamente distintas, as atividades de artistas e críticos se entrecruzam. Temas que são ricos ao crítico também circunscrevem a criação artística, essencialmente em tempos em que se cobra que o artista justifique a razão de ser de sua obra. Ao mesmo tempo, quando elabora textos e análises, o crítico vive um processo de criação que pode ser tão labiríntico quanto o trabalho

de criação artística. Estão em jogo as subjetividades, os acasos, os encontros, as motivações pessoais, enfim, elementos comuns da atividade artística.

Encarar e cruzar essa fronteira foram uma provocação proposta por nossos orientadores. Defender outro lugar para a prática crítica se mostrou um desafio grande, que extrapolou o tempo e o espaço da residência e que agora começa a habitar nossa pesquisa. Um processo de residência não implica em, necessariamente, chegar a respostas. No nosso caso, chegar às perguntas certas foi o que extraímos dessas experiências. E isso, definitivamente, não é pouco.

Ágata é um coletivo multidisciplinar, um encontro de afinidades que tem na fotografia um campo fértil para a investigação do processo criativo e da expressão artística.

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reflexões

Muito antes dos programas de manipulação de imagens o fotógrafo em questão lançava mão desse recurso próprio das representações humanas, a invenção de uma história para transmitir uma mensagem

Hippolyte Bayard, Self-portrait as a Drowned Man, 1840, direct positive print, Societé
Photographie,
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Française de
Paris.

Contar uma história pelo começo... Uma alternativa interessante. Pensando sobre a fotografia que nos inunda acabei por me lembrar de uma frase de um fotógrafo que aponta mais ou menos nessa direção: vivemos em uma época que produz mais fotos do que qualquer outra e que talvez seja a que menos analisa essa produção. Vamos, pois, tratar aqui um pouco dessa história de fazer fotos e refletir tendo como pretexto o autorretrato. O primeiro autorretrato que tenho notícia é o de Hyppolyte Bayard que trazemos neste texto. Ele é de outubro de 1840, ou seja, foi feito pouco mais de um ano após o daguerreótipo ter sido tornado de domínio público pelo Estado francês que comprou os direitos de Louis Daguerre. Bayard se mostra na foto enforcado para “protestar” pelo fato de ter criado um tipo de fotografia que não recebeu nem os méritos nem o pagamento recebidos por Daguerre. Nessa imagem temos dois aspectos muito recorrentes na atualidade. Primeiro o engano e segundo o autorretrato, não necessariamente nessa ordem.

Muito antes dos programas de manipulação de imagens o fotógrafo em questão lançava mão desse recurso próprio das representações humanas, a invenção de uma história para transmitir uma mensagem. Bayard seguia vivo embora se representasse morto. Naquele momento da história da fotografia ainda não se consolidara essa ilusão de que a imagem fotográfica era um recorte da realidade preciso, científico, verdadeiro porque prescindia da mão humana e era produto da mais avançada Ciência.

No século passado a visão dessa imagem levaria o observador a pensar que o retratado de fato estava morto. Na atualidade talvez interrogássemos mais seriamente essa fotografia porque a imagem digital tem essa característica de nos familiarizar com o fato de que a foto não é um pedacinho do real mas uma representação dele.

Cabe dizer ainda que a familiaridade com o engano com a ilusão não significa ampliação da consciência...

O segundo aspecto nos faz pensar por que tantas fotos de nós mesmos inundam nossos olhos... O que estamos querendo dizer

com tantas autoimagens?

Alice ainda alucina nossas mentes. O espelho o papel o portal a tela o monitor remagicizam nosso universo e nos conduzem para outros mundos imaginários. Seguimos o coelho branco como em Matrix buscando a verdade, respostas, conhecimento como Adão e Eva fizeram ao comer o fruto da árvore do conhecimento. Qual é a motivação para trocarmos o paraíso pelo conhecimento? O que tanto nos atrai?

Com o crescimento exponencial das imagens torna-se cada vez mais difícil mergulhar em outros mundos como mostra a história de Carroll. Os portais se enrigessem e não mais permitem a passagem. Portas trancadas é o que temos diante de nós. Buscamos ainda mais profundamente conhecer a nós mesmos olhando fundo em nossos próprios olhos refletidos em um espelho ou brilhando na tela significativamente chamada de retina. Não acessamos as respostas que desejamos. Seguimos produzindo imagens para obter respostas e cada vez mais nos afastamos delas.

Quando nos fotografamos dirigimos para nós a eterna série de perguntas: quem somos de onde viemos para onde vamos ??? Em busca das respostas sobre nós acabamos por dizer aos outros quem queremos ser, como queremos ser vistos, quem somos. Falamos mais de nós para os outros quando nos autorretratamos do que para nós mesmos. Ao nos distanciarmos quase dois séculos do primeiro autorretrato chegamos quase no mesmo lugar, fazendo as mesmas perguntas e encontrando dificuldades muito próximas daquelas que nos dificultam dintinguir o real do imaginado feito imagem imaginação.

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Angelo José da Silva é professor na Universidade Federal do Paraná, fotógrafo e cientista político. Suas pesquisas mais recentes focam o espaço urbano e o grafite

INSTITUTO INTERNACIONAL DE FOTOGRAFIA

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Marcus Laranjeira photograph taken on the day of the 1921 Leinster Hurling Final

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