OLHO DE PEIXE PENSAR FOTOGRAFIA
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Revista Olho de Peixe, foi editada nos meses de junho/julho de 2012, resultado do curso Pensar Fotografia – uma experiência do ensaio e da edição – realizado em parceria com o Ifoto - Instituto da Fotografia –com monitoria de Celso Oliveira e Assaoka, com participação especial de Fernando Jorge. A direção de Arte é de Assaoka, tratamento de imagens de Elton Gomes com a participação de todos os fotógrafos. Fortaleza, 16/07/2012
“Há um olhar individual? Há olhares característicos de um povo, de um tempo, de uma época? Quanto do nosso modo de ver é dado de forma subjetiva? Tais questões são assunto nos presentes debates nas áreas de cultura visual, modos de representação e fotografia contemporânea.
O exercício proposto por Ademar Assaoka e Celso Oliveira, ao longo do curso Pensar Fotografia, era simples e direto: fotografar a área da av. Beira Mar de Fortaleza, de seu cruzamento com a av. Barão de Studart até o Mucuripe. Cada participante deveria reunir material fotográfico sobre o tema de sua escolha, para posterior edição junto com os mestres, a fim de criar-se um ensaio fotográfico.
E foi ao longo deste processo que surgiu a Olho de Peixe, revista que reúne os ensaios dos fotógrafos participantes do curso. Em grupo, fotografaram a mesma área, simultaneamente. Pode-se dizer, portanto, que a probabilidade de o resultado ser uma grande quantidade de fotos idênticas era imensa. Mesmo espaço, mesmo tempo, mesmos referentes, equipamentos fotográficos bem semelhantes. Como diferir?
Ao final do processo, entretanto, o que se viu foi que cada um produziu não de acordo com a ordem geral, não segundo a ordem exterior que se apresentava igual. O que surgiu foi o estado interno, pessoal e subjetivo, as entranhas e o coração de cada um, postos em fotografia. Os participantes parecem afirmar que de imagens ordinárias e comuns, impostas a nossos olhos, já basta. Dizem: esta é nossa visão interior – saiam da frente de nossa luz.
As questões colocadas no início do texto devem permanecer sem resposta. O que verdadeiramente importa, já disse o poeta, são as perguntas.
Fernando Jorge Ifoto - Instituto da FotografiaNum emaranhado de caminhos, onde está o fio do novelo que pode nos guiar. Por onde começar? Temos, não um mas vários fios condutores que nos levam a distintas leituras, caminhos, subjetividades. Nossas escolhas estão ancoradas apenas na sensibilidade e na capacidade de sonhar a viagem alheia. De olhar pelo olho do inconsciente e fazê-lo consciente. De amarrar com nós invisíveis o imponderável, e fazê-los visíveis como um conto ou canto aos olhos, ouvidos e boca. Deixar-se perder em emoções e sentimentos escondidos na memória do tempo.
Penso que sei o que não sei. Como desvendar os instantes captados e eternizados que não mais se repetirão. Ali estão gravados não apenas o personagem, mas as lembranças e os afetos que constituem os olhares de quem os viu. Este é o desafio. Caminhar pelas subjetividades do outro, e das suas, também.
Um olho é seu, o outro é do outro? Não! O olhar é seu, os olhos que olham e tentam desvendar, conversar e decifrar imagens e signos são somente os seus.
São escolhas.
Assaoka A.O saber é fatal.
Na incerteza é que está o encanto.
O nevoeiro dá, às coisas, aspectos maravilhosos e tudo aquilo de que temos certeza absoluta jamais são reais.
Oscar Wilde
Pai de Iori e João
Planeta: Terra
Espécie: Mamífero
Raça: Humana
Gênero: Masculino
Profissão: Equilibrista
Jeito: Luz acesa
Movimento: Circulatório
Nação: Zumbi dos Palmares
Sentido: Olhos
Gosta: De Peixes
Mais perto da essência
O Sentido respira
Mas nem sempre o ar mais puro se tem
Mais perto da essência
O sentido respira
Consumido no perfume que vem
Eu vou lhe dar um prato de flores
E no seu ventre vou fazer o meu jardim
Que vai florir
Quando os espinhos lançarem as dores
Do cheiro forte do jardim que não tem fim
Que não tem fim
E o seu umbigo ainda em flor
Vai mexer com o tempo vai matar a dor denovo
E o seu umbigo ainda em flor
Vai mexer com o tempo vai matar a dor denovo
E os espinhos são pra quem pensa em enganar a flor
A beleza rédia prosa da dor
E os espinhos são pra quem pensa em enganar a flor
A beleza rédia prosa da dor
E o seu umbigo ainda em flor
Vai mexer com o tempo vai matar a dor denovo
Eu vou lhe dar um prato de flores
E no seu ventre vou fazer o meu jardim
Para a maioria das pessoas, a máquina de retrato é perturbadora. Perturbadora porque determina dois territórios, da caça e do caçador; porque, sem a privacidade dos espelhos, nos coloca diante da nossa própria imagem.
O mundo imagético está sempre em evolução, onde a fotografia faz o registro do real, do belo e esteticamente perfeito, e também das transgressões no ato de fotografar. Marcados pelo “ser arte” e pelo “não-ser arte” a possibilidade que a fotografia tem de traduzir em imagens o ininteligível em cores fortes ou leves, e a dizer algo sobre a vida neste mundo, é que faz da fotografia algo mágico.
Para quem quer se soltar invento o cais Invento mais que a solidão me dá Invento lua nova a clarear
Invento o amor e sei a dor de me lançar
Eu queria ser feliz Invento o mar
Invento em mim o sonhador
Para quem quer me seguir eu quero mais
Tenho o caminho do que sempre quis
E um saveiro pronto pra partir Invento o cais
E sei a vez de me lançar
Milton Nascimento/Ronaldo Bastos“… quase todas as enfermidades físicas e psíquicas do indivíduo decorrem dessa falta: de não saber o que nos é benéfico, o que nos é prejudicial, na divisão do dia, no tempo e escolha dos relacionamentos, no trabalho e no ócio, no comandar e obedecer, no sentimento pela natureza e pela arte, no comer, dormir e refletir; ser insciente e não ter olhos agudos para as coisas mínimas e mais cotidianas – eis o que torna a Terra um “campo do infortúnio” para tantos.
Não se diga que aí, como em tudo, a causa é a desrazão humana – há razão bastante e mais que bastante, isso sim, mas ela é mal direcionada e artificialmente afastada dessas coisas pequenas e mais próximas.”
(Nietzsche, O Andarilho e sua sombra, §6, 166).
Olha, descobre este segredo: uma coisa são duas – ela mesma e sua imagem.
Carlos Drummond de Andrade
O branco
Transpassa o vidro
O preto
Fica cinza
Fica branco
Volta ao preto
Os olhos dançam
De janela em janela
Nos vidros
Ficam os restos
Do que não é branco
Do que não é preto
Do que não é cinza
“Do beato que dizia que o sertão ia alagar
O sertão vai virar mar
Dá no coração
O medo que algum dia
O mar também vire sertão
Vai virar mar
Dá no coração
O medo que algum dia
O mar também vire sertão”
Sá e Guarabyra
Ideias passam a ideais e o gosto pelo belo lembra a mente que o olhar não tem freio, que o coração ama e não perdoa, acalma e afrouxa, o que vier será após um bom gole da saudade, a fé se aquece e não se atreve, o olho solta o tempo que a matéria vai buscar
Quando entramos em acordo com o tempo
Ele aceita melhor nossas decisões
E a viagem procura um espaço
Em que tudo entra em um quadro de harmonia
Onde o querer e o poder se fundem
Em um só argumento
Transformando ansiedade em alegria
As escolhas se tornam uma elegância vontade de fazer um pensamento
Se materializam em corpos que não conhecemos
Encontrando novas formas de expressão no fim do dia
A câmera é meu instrumento. Através dela eu dou uma razão a tudo que me rodeia.
Andre Kertész
Gabriela Mistral disse que a fragilidade é um dos nossos maiores dons. É através dela que nos tornamos conscientes de nossa finitude e da transitoriedade da vida. Contudo, temos um outro dom: o dom do amor ao próximo e este amor pode ser definido em duas palavras: solidariedade e compaixão.
Estes dois sentimentos nos devolvem nossa humanidade perdida (ou não) num mundo dito exclusivo de interesses terrenos e alheio à dor do outro. Acima de tudo, a solidariedade e a compaixão nos colocam perto desta força, que nos interliga e nos aproxima à medida que podemos ver que a dor do outro não é menor que a nossa, à medida que nos identificamos com o sofrimento do próximo e de alguma forma, desejamos minimizá-lo. Isto chama-se amor consciente e desinteressado, isto é vontade de fazer o bem.
Quando somos solidários e compassivos, a dor do outro é a nossa. Nos indignamos se o próximo se indignar, sofremos se ele sofrer, tentamos ser alento e damos a mão, o ombro amigo, palavras consoladoras e até choramos juntos.
São nos momentos difíceis que encontramos estas almas e elas nos aparecem sob diversas formas: pode ser aquele olhar que se condói por ti, podem ser pessoas que se indignam contigo, ou mesmo que dizem “vou orar por ti” e ainda há aquelas que abrem as bolsas e te dão fotos de santos para te ajudar e proteger.
Sim, estes anjos sem asas estão por ai, existem de verdade e eu os encontrei nesta semana de desafios e luta.
Nunca acreditei na total desumanização do ser humano que, grotescamente, massacra e é massacrado pelo sistema vigente. Nunca acreditei num mundo esmagado pela estupidez e pela hipocrisia. Nunca pensei como Camus que disse ser a existência humana algo ininteligível, que via o homem como um ser que se afundava em uma rotina confortável que lhe dava a ilusão de ter algum valor e, se enganava de que não estava só. E, agora, acredito menos ainda. A solidariedade e a compaixão são as pontes que nos libertam da solidão.
Tenho esperança na força renovadora do bem, tenho esperanças no amor, tenho esperanças no ser humano e na sua incrível capacidade de atos grandiosos e sentimentos nobres.
Gabriela Mistral está tão certa. Sim, somos seres frágeis, mas somos fortes ainda em nosso poder de compartilhar os nossos corações e de amar o próximo como a nós mesmos.
Eu fotografo para descobrir como as coisas parecem quando fotografadas.
Garry Winogrand
apaixonado por fotos de crianças, paisagens e sobre a condição humana. Suas fotos são impactantes e comoventes.
Revista Olho de Peixe, editada nos meses de junho/julho de 2012, resultado do curso Pensar Fotografia – uma experiência do ensaio e da edição fotográfica – realizado pelo IfotoInstituto da Fotografia – com monitoria de Celso Oliveira e A. Assaoka, com a participação especial de Fernando Jorge, tratamento de imagens de Elton Gomes e a colaboração de todos os participantes. Fortaleza, 16/07/2012
II edição em 10/2012