Ed. 01
ffff
EDITORIAL
Na web
www.unicap.br/galeria
A
história acadêmica da fotografia no Brasil é recente. Data de 1999 a criação do primeiro curso universitário e, em pouco mais de uma década, o cenário foi ampliado com o surgimento de pós-graduações e mestrados na área. Isso repercutiu diretamente na valorização profissional dos fotógrafos. Neste novo cenário, fotografar ganhou um novo significado.
/fotografiaunicap Além da técnica, a fotografia passou a exigir reflexões. Dentro desta nova era, a Universidade Católica de Pernambuco, já consolidada como formadora de bons fotógrafos através dos cursos de Jornalismo e Publicidade inaugurou, pioneiramente no estado, o Curso Superior de Tecnologia em Fotografia, em fevereiro de 2010. Este curso procura ensinar a olhar, compreender e traduzir a fotografia.
Expediente:
Coordenação: Renata Victor. Edição: Carolina Monteiro. Textos: Carolina Monteiro, Kety Marinho, Eleonora Saldanha-Marston, Germana Soares, Dario Brito, Renata Victor, Karina Moraes, Karina Galvão, Ricardo Marcelino e Leonardo Ariel . Ensaios: Danilo Galvão Renata Victor e alunos do Curso de Fotografia . Diagramação: Paulo Andrade
Nesta ótica, surge a UnicaPhoto, revista eletrônica dedicada ao pensamento, mercado, produção e à arte de fotografar. Seu objetivo é ampliar os horizontes entre os amantes da fotografia. Profissionais ou amadores estão convidados a participarem desta iniciativa junto com professores, alunos e ex-alunos da Unicap. Renata Victor é coordenadora do curso superior de Tecnologia em
Fotografia da Unicap
SUMÁRIO
Pág. 23 Ensaios
Pág. 4 Acervo Unicap
Pág. 53 Alcir Lacerda: “A fotografia é a minha vida. è o q eu eu sei fazer”
Pág. 6 Simples, mas nem tanto assim
Pág. 62 Fotografando a 120mm
Pág. 8 Fotografia Multimídia
Pág. 65 O primeiro book a gente nunca esquece
Pág. 12 Quando preferimos o celular
Pág. 68 Manipulação sem Photoshop E pode ?!
Pág. 16 Você deixaria de lado o seu equipamento fotográfico e usaria o Iphone para fotografar um evento ou pauta importante?
Pág. 70 Análise de imagem
acervo unicap Foto: Márcia Mendes/Divulgação
e o suspiro pelo adeus que são comportamentos que independem da idade quando temos que nos separar de alguém que gostamos. O menino nunca soube que foi fotografado, nem tampouco eu queria interrompê-lo naquele momento. Tive minha experiência, mesmo que tímida, de Cartier Bresson, da não-interferência, da captura do natural. Procurei contextualizar o elemento da despedida que hoje me parece bem mais frio: naquela época subíamos ao balcão do Aeroporto, sem divisória de vidro, e víamos a aeronave ali (essa da Transbrasil, que nem existe mais), pertinho da gente, com o barulho ensurdecedor
“Tão perto, tão longe” Fotógrafa: Márcia Mendes Câmera: Pentax K1000 Lente: 50mm fixa 2.8 Filme: Ilford PB - Iso 3200 Ano: 1995
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ra aluna de jornalismo da Católica e estava às voltas com meu projeto experimental de conclusão de curso, há quase 17 anos. Naquela época, tínhamos que compor três ensaios para submissão a uma banca de profissionais: dois em preto e branco e um em cores, sendo que este último, em slide. Claro que fazíamos tudo analógico, não tínhamos nenhuma das facilidades do digital. Lembro que num dos meus subtemas queria estabelecer
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e violento das turbinas. E mesmo assim, de alguma maneira, nos sentíamos próximos de quem partia. Hoje, acompanhamos as chegadas e partidas de uma forma apática, mediados por uma tela de LED que não traz pessoas e, sim, informações, números, horários. A modernidade alterou até nossa relação nesse ambiente, seja com a tristeza e a dor da despedida ou com a ansiedade e a espera, enfim, pelo reencontro. Sorte nossa que a fotografia eternizou momentos assim.” Márcia Mendes é fotógrafa e professora da Unicap. Em depoimento a Dario Brito, jornalista e também professor dos cursos de Fotografia e Jornalismo
uma comparação entre o ambiente do Aeroporto dos Guararapes e o Terminal Integrado de Passageiros, o TIP. Minha missão era tentar mostrar o que naquele período era evidente e hoje não é mais: o contraste em todos os aspectos. Havia diferenças perceptíveis em vários campos, desde o econômico até o comportamental. No meu planejamento, esse tema de comparação entre os dois terminais renderia apenas um dos ensaios, mas o material coletado superou as minhas expectativas e resolvi desmembrá-lo em dois: um do Aeroporto e o outro do TIP. Essa imagem do garoto segurando um cachorrinho me chamou logo a atenção. Vi de longe a tristeza em seu olhar, que é tão própria da despedida. A reflexão 5
SIMPLES, MAS NEM TANTO ASSIM
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O sonho de baratear os custos de uma produção em vídeo e, de quebra, obter o aspecto cinematográfico nas imagens passou a ser possível quando a Nikon lançou, em 2008, a DSLR D90 com capacidade de gravação em alta definição (1280X720, 24fps). No mesmo ano, a Canon colocou no mercado a 5D Mark II, sucessora da EOS 5D, full-frame e com capacidade de captura em vídeo HD numa resolução de 1920x1080 @30fps. Com a proposta de preço acessível com sensor CMOS, o lançamento provocou no mercado uma euforia imediata. Quatro anos depois, muita cena já rolou e muitos firmwares também, mas é claro que existem vantagens e desvantagens no uso das fotográficas como filmadoras. No entanto, se fossem colocados em uma balança, os aspectos positivos superariam e muito os problemas. Afinal, não é todo dia que se pode trocar lentes, ter um sensor full-frame - que permite um excelente efeito de profundidade de campo – além de obter uma relação custo/ benefício que compense o peso - considerado leve. Entre os aspectos negativos estão a dificuldade de controle de foco e um detalhe importante, que é a gravação do áudio. É bom lembrar também
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REC que as câmeras são máquinas fotográficas e não camcorders, ou câmeras de vídeo profissionais, o que de certa forma limita a utilização das mesmas. E não se assuste se a sua Nikon D90 esquentar no melhor da gravação. As primeiras câmeras trazem esta restrição de tempo de uso. Outra coisa que não pode causar pânico é o tempo limite de cada clip em, no máximo, 12 minutos. É importante, porém, ressaltar que as atualizações recentes de algumas fotográficas, a 5D Mark III, por exemplo, oferecem melhoras significativas no tempo de gravação, que chega até 29 minutos e 59 segundos sem problemas
proximando do tamanho, a máquina fotográfica corta a gravação e, se você não se lembrar desse detalhe durante a captura, pode perder depoimentos, gestos ou emoções importantes para o seu trabalho. A segunda questão é mais complicada e não pode ser resolvida com atualização de firmware. Existe uma lei na Europa que classifica as câmeras digitais a partir do tempo de gravação. Se elas conseguem gravar acima de 30 minutos, automaticamente entram na categoria de filmadoras e, por isso, a tarifação para importação sobe bastante, aumentando o custo final do produto, o que não interessa, nem um pouco, aos fabricantes.
Para fazer um bom trabalho em vídeo com fotográficas, é preciso entender de fotografia para usar a matemática entre iso, velocidade do obturador e abertura de diafragma, além de um certo conhecimento de lentes. Vale ressaltar que movimentos rápidos ou bruscos com a câmera podem exibir imagens tremidas, borradas ou até mesmo incompletas, já que a velocidade do obturador pode não acompanhar a velocidade do objeto, só para citar um dos pontos que precisam ser levados em conta de maneira que se tire das fotográficas o melhor resultado possível.
Foto: Canon/Divulgação
A limitação do tempo do clip existe basicamente por dois motivos. O primeiro é o sistema de arquivos FAT32 com sua terrível limitação de 4Gb. Ou seja, quando o arquivo de vídeo vai se
Foto: Nikon/Divulgação
O básico para se começar a trabalhar com DSLR como filmadora pode ser bem complicado, mas é primordial ter em mente alguns desses aspectos antes de colocar uma câmera na mão e tirar a ideia da cabeça. Kety Marinho é jornalista, cinegrafista, fotógrafa e louca nas horas de folga
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FOTOGRAFIA MULTIMÍDIA
D800 e a Cannon 5D Mark III são excelentes escolhas), mas outros “players” começam a surgir com força do mercado. Um exemplo é a RED, fabricante de câmeras de altíssima resolução que prometem superar a qualidade da película em 35 mm, a preços significativamente mais baixos do que as câmeras profissionais do cinema.
O que está acontecendo desde que a imagem virou uma combinação de “zeros e uns”.
A
chamada revolução digital provocou impactos profundos em praticamente todas a áreas do fazer humano. Os modos de produção, as formas de viver e o consumo de informação, só para citar alguns exemplos, são radicalmente diferentes desde que os computadores, smartphones e mais recentemente os tablets passaram a fazer parte do dia a dia da maioria das pessoas. A fotografia certamente foi uma das áreas mais impactadas por este processo, embora as possibilidades abertas desde que imagem deixou de ser fruto de um processo físico-químico e passou a ser composta pelos “zeros e uns” da linguagem binária dos sistemas digitais ainda não tenham sido completamente entendidas ou “abraçadas” por uma parcela dos profissionais. A mudança, radical diga-se de passagem, começou pelos equipamentos. A resistência inicial foi inevitável até que as câmeras digitais realmente superassem as analógicas, senão em qualidade (concessão feita aqui aos
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Fotos: Divulgação
saudosistas...) mas principalmente em praticidade, eliminando a necessidade de filmes, processos de revelação, limitação na quantidade de clicks etc. As primeiras mudanças, no entanto, ainda eram referentes ao modo de fazer fotografia, sem que houvesse necessariamente uma alteração no produto que saía das câmeras digitais: a fotografia estática. Com a chegada ao mercado das primeiras DSLRs que também eram filmadoras, como a Nikon D90 e a Canon 5D Mark II, por exemplo, o cenário começou a mudar. Criados inicialmente para dar aos fotojornalistas a chance de fazerem pequenos vídeos durante as coberturas esses modelos caíram nas mãos de profissionais da publicidade, da televisão e do cinema, abrindo outras possibilidades de uso e estabelecendo o vídeo e a multimídia como um dos
caminhos sem volta para a fotografia atual. Para se ter uma ideia do alcance e das potencialidades, o episódio final da sexta temporada do seriado americano House, um dos mais populares da televisão mundial, foi inteiramente filmado com uma Canon 5D Mark II, ainda em 2010, e usado como portfólio do equipamento. Entre as vantagens do uso das câmeras fotográficas como filmadoras estão a ótima latitude, a versatilidade no uso da ótica, o uso de uma estética baseada na pouca profundidade de campo e o pequeno volume de equipamento e de equipe necessários para captar as imagens. Diante da demanda, os fabricantes não têm poupado esforços em incrementar seus modelos para o uso como filmadoras (a Nikon
Assim como as fotográficas caíram no gosto dos cineastas e vídeomakers, com a RED está se percorrendo o caminho inverso e seus modelos vêm sendo usados para fazer fotografia estática. É que os equipamentos do fabricante são capazes de produzir imagens de 5K (ou seja, 5120 × 2540), a 98 frames por segundo, permitindo retirar frames individuais com alta qualidade para serem usados como fotografi em capas de revistas, cartazes de cinema etc. Basta dar uma olhada do portfólio do fabricante para perceber que as capas e os ensaios fotográficos das grandes revistas do mundo já estão sendo feitos com este tipo de máquina. Mas antes de começar a considerar a troca da sua “velha” Nikon ou Cannon por uma RED, é bom saber que o preço do modelo mais barato começa em US$ 21 mil, só o corpo! Assim, ainda vai demorar um pouco até que este tipo de híbrido entre câmera e filmadora esteja nas mãos de grande parte dos profissionais. Manipulação - Mas os efeitos da revolução digital na fotografia não se limitaram apenas aos equipamentos. As
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transformações foram de tal forma profundas que mudaram a até então quase inabalável relação entre fotografia e realidade. É verdade que a manipulação não surgiu com a era digital e que técnicas de alteração de fotografias analógicas foram usadas com sucesso para divulgar ideologias e regimes políticos, mas a facilidade de alteração da imagem digital faz com que o “aconteceu assim” e a “reprodução em perfeita analogia de um objeto necessariamente real”, argumentos que Roland Barthes usava para descrever a natureza semiótica da fotografia, possam ser facilmente substituídos pelo “será que aconteceu assim?”. Hoje, antes de analisar uma imagem fotográfica – pelo menos ponto de vista técnico – é necessário conhecer as suas condições de produção ou pelos menos considerar as possibilidades de “correção” ou manipulação no Lightroom ou Photoshop. O tratamento passou a fazer parte do processo de produção da imagem fotográfica, que não se encerra depois do click. Muito pelo contrário. Em alguns casos, o registro é apenas o ponto de partida para este novo fazer fotográfico expresso no trabalho de profissionais como o sueco Erik Johansson ou o russo Oleg Dou, por exemplo. Ambos usam a fotografia como um meio para criar imagens que só estão plenamente realizadas depois de manipuladas, retocadas, coladas. Johansson chama seu trabalho de “fotografias impossíveis” e quer criar imagens que obviamente não são reais, mas que mantém o nível de realismo 10
Fotos: Erik Johansson/Divulgação
fotográfico das imagens tradicionais, como se tivessem sido capturadas por alguém com uma câmera. “Fotos que as pessoas levem um breve momento para pensar e tentar descobrir qual é o ´truque´. É mais como capturar uma ideia do que capturar um momento propriamente”, tenta explicar. O trabalho de Johansson é totalmente baseado na manipulação, sem que isso seja um demérito ou um problema ético. Os limites são diferentes no caso da publicidade e do fotojornalismo, claro, mas o tratamento certamente faz parte do fazer fotográfico contemporâneo também de maneira irreversível. A multimídia abre um leque de possibilidades nunca antes disponíveis na
breve história da fotografia. A mistura entre foto e vídeo é a mais óbvia delas. E os resultados são impressionantes. A prática está de tal forma disseminada que agências tradicionais como a lendária Magnum, por exemplo, criou desde 2004 a Magnum In Motion, um “braço multimídia” para fazer não apenas fotografia, mas narrativas visuais para plataformas on-line e off-line. Outro exemplo é a MediaStorm, empresa especializada na criação de produtos multimídia de base fotográfica, que misturam fotografia, imagens em movimento e design interativo para criar produtos sob encomenda para empresas de comunicação, governos, museus e ONGs. A penetração da mistura entra fotografia e outras linguagues é tão grande que o prestigiado concurso WordPress Photo criou desde 2011 a categoria fotografia multimídia para premiar os melhores trabalhos. A interatividade é outro elemento que faz parte deste novo cenário da fotografia multimídia, acrescentando ao observador a possibilidade de interagir com as imagens. É o caso das fotografias chamadas de Giga Pans - formato que reúne centenas e até milhares de imagens para criar uma só imagem panorâmica gigantesca que permite ao usuário “navegar” dentro dela, escolher seus próprios ângulos de observação e das fotografias em 360 graus, entre outros produtos que se utilizam de um aparato tecnológico e conceitual que parecem sinalizar para uma vertente de trabalho mais próxima do conceito de “transmídia”, onde a imagem é a maté-
Foto: MediaStorm/Reprodução
Foto: iMotion/Reprodução
ria-prima de uma série de obras potenciais, prontas para serem descobertas e exploradas. Saiba mais: Câmeras RED – www.red.com Erik Johansson – erikjohanssonphoto. com Oleg Dou - olegdou.com Magnun In Motion - inmotion.magnumphotos.com MediaStorm - mediastorm.com GigaPan - gigapan.com Fotografia em 360 graus - ayrton. com/360 Carolina Monteiro é Jornalista, Mestre em Design da Informação e professora do Curso de Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco
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Fotos: Gibran Chequer/Divulgação
QUANDO PREFERIMOS o celular Foto: Leonardo Ariel/Divulgação
barriga chega antes da mulher, o fotógrafo sente imensa dificuldade em esconder sua presença nos diversos ambientes pelos quais circula. O padrão do equipamento fotográfico da virada do século XX para o XXI, é o DSLR (Digital Single-lens Reflex). Corpo enorme, lente na baioneta, para-sol, lentes extras na bolsa, flash externo, baterias e cartões. É formidável de se trabalhar, mas dificílimo de esconder. Quem tem um desses se orgulha de poder ostentar no pescoço.
nhada fotográfica é algo recorrente no ensino e prática da foto: aguça o olhar, o companheirismo e a competitividade. Já participei de várias, mas daquela vez foi algo realmente inédito.
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otografar sempre foi uma tarefa que chamou a atenção por causa do equipamento fotográfico. Ao logo de quase dois séculos, as câmeras mudaram de tamanho ampliando ou diminuindo a visibilidade do profissional, de acordo com suas proporções. Assim como os equipamentos de grande formato tiveram seu tempo, as câmeras espiãs também tiveram o seu. Hoje
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vivemos a época da câmera de celular e nos perguntamos como podem estar em todos os lugares e serem tão sedutoras? E quanto profissionais da fotografia, nos cabe, também, outro questionamento: preferimos o equipamento tradicional ou o celular? Todo fotógrafo é reconhecido por sua câmera. Como uma grávida, cuja
Entretanto, a fotografia muitas vezes necessita de discrição, ou simplesmente o profissional não deseja tirar seu equipamento caríssimo de casa para o passeio do final de semana. É aí que entra o minimalismo da revolução do celular, na época da conectividade digital. A foto de celular - Recentemente vivi uma experiência nova na fotografia. Uma caminhada fotográfica! Cami-
Reencontrei um amigo capixaba, o fotógrafo Gibran Chequer, na cidade de Londrina, no Paraná. Após seis anos sem nos vermos decidimos caminhar até o Lago Igapó, região central da cidade, para experimentar nosso olhar fotográfico e colocar o papo em dia. Como meu colega não havia levado sua DSLR, resolvemos experimentar os celulares. Smartphones são realmente incríveis e promovem uma experiência perturbadora. A cada imagem capturada o Instagram era acessado e embelezava nossos cliques. Pouco importava as fotos perdidas quando caminhávamos com olhos vidrados na tela do celular. Valia mais escolher a melhor combinação recortefiltro-foco-moldura, em busca de novos 13
momentos inesperados. Vivíamos o novo. Se não fosse período de férias e o fato de Londrina estar mais calma que o habitual, jamais teríamos confiança de atravessar as ruas de maneira tão displicente! Sentados à beira do Igapó debatíamos as possibilidades infinitas do equipamento que naquela cena superava nossas câmeras tradicionais. Quando fui questionado se não temia a perda do smartphone, a resposta estava na ponta da língua: “Esse celular me deixa extremamente confortável, pois não custa mil reais. Se estivesse com minha DSLR não poderia estar tão despreocupado assim!”. Os modelos mais modernos, mesmo os de grandes formatos, são bastante discretos e possuem câmeras com excelente resolução. Sua memória é praticamente infinita, assim como os aplicativos.
Foto: Leonardo Ariel/Divulgação
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Obviamente têm seus defeitos: lentidão, necessidade de adaptação do fotógrafo aos controles limitados e ao tempo de captura, além carecerem de jogo ótico. Meu humilde conselho é: todos deveríamos experimentar os smartphones! Aficionados pelo analógico, resistentes ao equipamento compacto de celular e anacrônicos geralmente não recebem bem as novas experiências, mas conhecer o novo é sempre válido e amplia os horizontes. Para conhecer a fotografia do novo século é preciso se render à tecnologia e ao conforto oferecido por ela. É por isso que muitas vezes o fotógrafo de hoje prefere a câmera do celular! Leonardo Ariel é jornalista e fotógrafo. Especialista em fotografia pela Universidade Estadual de Londrina e Mestrando em ciências da linguagem pela Unicap
Foto: Gibran Chequer/Divulgação
iPhone 2G Você deixaria de lado o seu equipameto fotográfico e usaria o iPhone para fotografar algum evento ou pauta importante?
A
revolução da Apple começou em 2007, quando Steve Jobs pronunciou a frase: “Hoje a Apple vai reinventar o telefone”. Poucos dias depois, exatamente em 29 de junho de 2007, o iPhone foi lançado revolucionando o mercado de smartphones com tecnologias nunca vista, onde coisas aparentemente naturais (caso vistas nos dias atuais) pareciam “mágicas”
O primeiro aparelho lançado contava com uma câmera de 2.0 megapixels, tela touchscreen de 3,5 polegadas com resoFotos: Apple/Divulgação
lução de 320 x 480 pixels, conectividade a redes Wi-Fi, telefonia GSM, além dos
alguns anos atrás. Com isso, rapidamente o equipamento se tornou um dos aparelhos mais desejados e vendidos do mundo. Hoje, o smartphone da Apple está muito diferente de sua primeira versão. Novos recursos foram adicionados, assim como mudanças de visual e de hardware. Confira a evolução do maior trunfo da Apple, que reinventou o uso do celular.
recursos existentes nos iPods, como a reprodução de vídeo e músicas. Porém, os recursos mais interessantes foram a tela sensível ao toque e o sensor de gravidade que reposicionava a tela caso o telefone fosse usado na vertical ou na horizontal. A capacidade de armazenamento era de 4, 8 ou 16 GB em memória flash e RAM de 128 MB. De botões físicos possuía apenas o de ligar e desligar, além dos botões laterais de controle de volume, além de um adicional para colocá-lo no silencioso.
iPhone 3G Em 11 de julho de 2008, chegou ao mercado o iPhone 3G. O aparelho apresentou mudanças de visual e de hardware. Foi adicionada a capacidade de conectividade com redes de telefonia 3G, o que garantia um grande aumento nas transmissão de dados. Além disso, o GPS foi acrescentado. O design também mudou, com uma uma versão preta e uma branca. Porém, a maior revolução não surgiu no aparelho, e sim nos desktops, dentro do iTunes - A App Store. Com ela, foi possível instalar aplicações de empresas terceirizadas no aparelho, o que fez com que o número de recursos aumentasse significativamente.
Fotos: Karina Morais/Divulgação
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iPhone 4s
iPhone 3Gs
Trata-se de uma atualização do modelo
Lançado um ano depois do modelo ante-
anterior. O processador Dual-Core A5 ficou
rior, o iPhone 3GS trazia mudanças inter-
duas vezes mais rápida e gráficos sete
nas, mas mantinha o visual do 3G, com
vezes mais velozes. A câmera iSight de 8
uma diferença mínima: o texto nas costas
megapixels veio com lente especial que
do aparelho passava ser na cor prata, ao
utiliza cinco elementos de precisão para
invés de preta da versão anterior. O pro-
moldar a luz que entra, deixando toda a
cessador foi trocado por um Samsung
imagem ainda mais nítida. Gravação de
S5L8920 ARM Cortex-A8833 MHz Under-
videos em HD com resolução de 1080p e
clocked a 600MHz e a memória RAM saltou
até 30 quadros por segundo. O iPhone 4S
de 128 para 256MB, o que garantiu uma
Inaugurou o IOS 5, novo sistema opera-
velocidade nunca vista. A câmera também
cional para plataformas móveis da Apple
ganhou um upgrade, passou de 2.0 para
que trouxe uma maior foco aos serviços do
3.0 megapixels e também tinha a possibili-
iCloud. E a grande novidade e destaque foi
dade de gravar vídeo em qualidade SD.
o assistente pessoal Siri.
iPhone 4 Em 24 de junho de 2010 foi lançado o iPhone 4, que apresentou mudanças estéticas, de hardware e de recursos. O desenho do aparelho foi totalmente renovado, trazendo partes em aço inox e uma forma bastante diferente das versões anteriores. O processador foi trocado por um superior, o Apple A4 (ARM Cortex-A8), e a memória RAM subiu para 512 MB, fazendo desse o iPhone mais potente de todos. A memória de armazenamento passou a só estar disponível em versões de 16 ou 32 GB. O visor possuia o mesmo tamanho das anteriores, porém uma impressionante resolução de 960 x 640 pixels. A câmera também ganhou melhorias, como a possibilidade de filmar em HD 720p, e a adição de um flash de led. A câmera passou de 3.0 para 5.0 megapixels.
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iPhone 5 iPhone 5, lançado em setembro de 2012, tem apenas 7,6 milímetros de espessura e 112 gramas (20% mais leve que o iPhone 4S). A sua tela é mais alongada com 4 polegadas e resolução de 1136×640. “Por dentro” o iPhone 5 é mais veloz, contanto com o processador A6 (2x mais rápido que o antecessor). Em termos de internet, agora ele suporta a conexão LTE (4G) de vários países. A câmera iSight é a mesma do 4S, com algumas melhorias. Agora, é possível tirar fotos panorâmicas, tem filtros inteligentes que melhora a qualidade da cor, redução de ruídos, possibilidade de tirar foto enquanto filme e a captura está 40% mais rápida. O FaceTime com câmera fontal em HD. A qualidade do áudio também ficou melhor no iPhone 5. Ele conta com três microfones: um na parte da frente, um na parte de trás e outro na parte inferior.
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Acessórios para iPhone
os aplicativos mais usados no iphone
Fisheye, Macro e Wide
Snapseed
São duas lentes: uma Fisheye com ângulo
É um dos mais importantes aplicativos
de 180 e uma super lente-combo Wide/ Macro 10-23mm. Elas são fixadas no celular através de um anel magnético e dá pra tirar a qualquer momento. O efeito que essas lentes proporcionam vai muito além do que seu celular pode fazer.
de edição de imagem na plataforma IOS e também o mais utilizado atualmente. Nele podemos fazer correção de contraste, ajustes seletivos (brilho contraste e saturação), sintonização da imagem (brilho, ambiente, contraste saturação e balance de branco), mudar o ângulo da imagem, girar e cortar a imagem, alterar a nitidez e a estrutura etc. Além disso, possui vários tipos de preto e branco, efeitos de filmes vintage, grunge e drama que permite
Teleobjetiva Aproxima o objeto fotografado em até oito vezes.
ajustar a intensidade do filtro e a saturação além, é claro, das molduras.
Câmera+ Também é um dos mais usados, permitindo utilizer vários tipos de filtros,
The Glift: suporte para iPhone
condições de luz, corte da imagem, molduras, assinatura do fotógrafo etc.
Instagram Com esse adaptador seu iPhone se encaixa perfeitamente no tripé de qualquer câmera
Programa que permite utilização de
DSLR de verdade. Assim na hora da fo-
filtros (18 no total, com váiros efei-
tografia pode-se fixar o celular no tripé e
tos de cor, cena e luz) e ajuste de foco
tirar fotos, fazer e ver vídeos sem ter que
para que, posteriormente, a fotografia
ficar segurando o aparelho.
seja compartilhada na web (twitter,
facebook, foursquare, flickr, tumblr e email). Em outras palavras é um twitter só que de imagens. Disponivel para
Hipstamatic Programa que funciona como uma câmera analogica. Possibilita escolher entre vários tipos de câmeras, filmes, lentes e flash, permitindo um efeito personalizado em cada fotografia.
Lemecam Para quem gosta de lomografia (fotografia feita com câmera lomo, máquina analógica fabricada na Rússia nos anos 80, com alta sensibilidade e cores vibrantes e saturadas), este programinha tem várias câmeras, lentes e bordas. É só usar a imaginação e fotografar. Com toda essa leva de equipamentos e aplicativos disponíveis, alguns fotógrafos têm deixado de lado suas câmeras profissionais e optado pelo iPhone, inclusive profissionalmente. Depois disso tudo, faço apenas uma pergunta: “Agora, você deixaria de usar o seu equipamento fotográfico e usaria a câmera do seu iPhone para fotografar algum evento ou pauta importante?
Karina Morais é fotógrafa, editora de imagens e estudante de jornalismo
a platafoma IOS e Android.
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ENSAIOS
Danilo Galvão
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nUS
EDLA mendes
CRISTIANE SILVA 28
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PATRÍCIA LANE
ana teresa quesado Gabriele Queiroz 30
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Karina Galvão 32
Luci Matias 33
MARINA FELDHUES
TONI Santana
NILDO Fereira Vanessa Dias 34
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Rafaelly lemos
MIRAndolina araújo
MIRAndolina araújo
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Pinturas
CAMINHO - Patrícia Lane (Acrílica)
GALHOS - Elisa Berenguer (Acrílica)
O PRETO VELHO - Ernesto Rodrigues (Giz de Cera e Hidrocor) 38
ONDE MORAM OS MONSTROS Cristiane Silva (Acrílica Diluída)
LIBERDADE DO ANO NOVO CHINÊS Mariana Gallindo (Guache e Hidrocor) 39
A
GRANDE PESCARIA - Luci (Aquarela e Giz de Cera)
CASEBRE - Luana Alencar (Acrílica e Giz de Cera) 40
Matias
NATUREZA URBANA - Roberto Amado (Acrílica e Caneta Permanente)
OLHAR DE MARAS - Gilberto Vieira (Acrílica) 41
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A PASSAGEM - Lucas Melo (Acrílica)
LEVEZA - Karina Galvão (Aquarela, Bico-de-Pena e Nanquim)
ENERGIA VITAL - Mirandolina (Acrílica)
OLINDA LINDA - Edla Mendes (Acrílica) 43
Renata victor “Valparaíso é uma cidade portuária que fica a 120 km de Santiago, Chile. possui ruas estreitas, arquitetura antiga e espírito boêmio, esbanja nas cores e no charme. E desta forma, se torna irresistível às lentes fotográficas”
CAIS ANTIGO - Vanessa Dias (Acrílica e Giz de Cera)
DISRITMIA - Marília Correia (Aquarela)
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“A fotografia é a minha vida. é o que eu sei fazer.”
A
lcir Lacerda nasceu em 20 de se-
amigos que faziam com que ele tivesse a
tembro de 1927, em São Lourenço
certeza de que cumpriu sua missão.
da Mata, Pernambuco. Em mais de
60 anos de atuação profissional, foi um
Continuou até os últimos dias sua rotina diária na Acê Filmes e no seu labo-
geração, pioneiro tanto em áreas como
ratório de revelação preto e branco, mes-
a foto científica, a de publicidade, a foto
mo sem fotografar profissionalmente. Re-
social e o fotojornalismo quanto em fotos
cebia amigos e colegas para um bate papo
artísticas autorais, sobretudo de paisagens
sobre os velhos tempos. E, vez ou outra,
do interior e do litoral pernambucanos. Re-
ainda o encontrávamos cercado de jovens
cebeu inúmeros prêmios ao longo da sua
que queriam conhecer um laboratório de
trajetória, mas era o reconhecimento dos
fotografia em preto e branco, um dos pou-
seus pares, das gerações de fotógrafos que
cos que ainda funcionam no Recife. Lem-
ajudou a formar e, sobretudo, dos diversos
bro-me de uma conversa que ele teve
Fotos: Alcir Lacerda
dos principais fotógrafos brasileiros de sua
Vista aérea do Recife, década de 1960
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com dois jovens estudantes de Jornalismo,
da Faculdade de Medicina, Alcir criou, jun-
comando, realizou o registro de eventos
que bem resume sua dedicação e amor
tamente com o colega Clodomir Bezerra,
sociais, particularmente de cerimônias de
pela fotografia: “[...] é o seguinte, toda
a Acê Filmes, empresa que rapidamente
casamento que, em muitos casos, se des-
profissão, quando você faz com carinho,
se destacou pelos serviços prestados a
dobraram em novas uniões nas gerações
com amor, você consegue o que quer.
clientes como Italo Bianchi Publicidade,
seguintes. A empresa mantém em arquivo
Isso em todas as profissões. E fotografia
Alcântara Publicidade, Abaeté Propaganda,
grande parte dessas imagens que guardam
é o que eu sei fazer. Então, tudo que eu
MPM, Denison, Star Publicidade, Aliança
bastante da história de Pernambuco.
tenho foi da fotografia, principalmente as
Publicitária e a jornais e revistas como Dia-
amizades que eu fiz. Mas, sustentar uma
rio de Pernambuco, Jornal do Commercio,
família só com fotografia foi preciso muito
o Estado de São Paulo, Manchete, Fatos
cido. Em 1973, recebeu o Prêmio Revista
trabalho, muito trabalho mesmo. Hoje um
e Fotos, O Cruzeiro, Veja e Placar. Todos
Realidade da Editora Abril. Em 1976, o
profissional pra fazer o que eu fiz e ter um
mereceram da Acê Filmes o mesmo
do 1º Salão de Fotografias de Pernam-
patrimônio, é muito difícil. Eu trabalhava
atendimento que os monoqueiros, dou-
buco. Em 2004, por iniciativa do Governo
dia e noite, quando chegava o fim do ano,
tores e políticos que procuravam a empre-
do Estado, a exposição retrospectiva Alcir
às vezes eu passava quatro dias sem ir
sa em busca de serviços fotográficos ou os
Lacerda – fotografias inaugurou, na Torre
pra casa, dormia no laboratório. Fotogra-
estudantes de fotografia que procuravam
Malakoff, sala destinada a exposições fo-
fando as formaturas à noite e o dia todo no
Alcir para trocar opiniões. Um atendimento
tográficas com seu nome. Ainda naquele
laboratório com meus fotógrafos. Mas tudo
sempre pautado pelo profissionalismo, pela
ano, a Prefeitura do Recife outorgou-lhe
tem que ter muito trabalho na vida. E eu
franqueza e cordialidade.
o Troféu Cultural da Cidade do Recife. No
fazia o que eu gostava de fazer, isso é que
O talento do fotógrafo foi reconhe-
ano seguinte, novamente o meio artís-
é importante”, disse.
Além da vertente publicitária e jorMissa do Vaqueiro, Serrita-PE, 1987
Desde adolescente Alcir Lacerda fotografava amigos nas festas e nas peladas
tico tornou público esse reconhecimento
nalística, nos seus mais de 50 anos de
através da inclusão de suas fotos na pres-
existência, a Acê Filmes, através das lentes
tigiosa Coleção Pirelli do Museu de Arte de
de Alcir e de outros 25 fotógrafos sob seu
São Paulo.
das várzeas do Capibaribe com uma Rolleiflex emprestada. A venda das fotos garantia a compra de mais filmes, permitindo que novas fotos fossem feitas. Alcir não demorou a perceber que aquela brincadeira era o que ele queria fazer pelo resto de sua vida. Assim tem início a trajetória profissional desse autodidata que dominou como poucos o ofício de fotografar em suas múltiplas vertentes, aliando, através da persistência, da seriedade e do talento, qualidade técnica e sensibilidade. No final da década de 1950, já um profissional conhecido por suas atividades no fotojornalismo e nos laboratórios
Casebre no sertão de Pernambuco, 1960
Juazeiro, Bahia, 1970. Coleção Pirelli/Masp
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Alcir e a história - Suas fotografias ilus-
pois da Revolução. Eu vi crianças de cinco
traram livros, pesquisas científicas, cam-
anos se arrastando no chão, sem ficarem
panhas publicitárias e artigos de jornais e
de pé, de tanta fome e com uma barriga
revistas por esse Brasil afora como a foto
imensa... Quando eu cheguei naquele
E o amanhã?, que trazia uma menina em
caminho, no canavial, tinha um casebre...
frente a um casebre, sua imagem mais
aí uma menina correu e ficou na porta,
publicada e a que mais lhe marcou: “[...]
toda esmulambadinha, ficou assim encos-
foi um trabalho que fiz ainda como servi-
tada na porta e olhando pra mim com uma
dor da Faculdade de Medicina, com o pro-
expressão... Fiz a foto. Ficou espetacular.
fessor Nelson Chaves, sobre a desnutrição
Trabalhava também na Manchete e mandei
na Zona da Mata. Acho que foi durante o
a foto, com a autorização do Dr. Nelson
primeiro governo do Dr. Arraes ou logo de-
Chaves, foi publicada até na Time”.
Teatro de Santa Isabel, Recife, década de 1970
Alcir também não deixou que fatos
uns três filmes meus... Eu e outros fotó-
marcantes da nossa história fossem varri-
grafos ficamos, um tempo, sentados na
dos da memória. Ele conta, com detalhes,
frente do Teatro, sendo vigiados. Fiz mais
como foi a deposição do governador Miguel
fotos e guardei um filme dentro do sapato
Arraes, na madrugada do dia 1° de abril de
e depois mandei pra [Fernando] Cascudo,
1964: “[...] o negócio é que queriam que
da revista Manchete, que estava esperando
ele renunciasse, mas ele não renunciou e
no Jornal do Commercio o resultado. Nós
foi preso. Quando deu meia-noite ou duas
nos preparamos para trabalhar naquele
horas da manhã ele saiu escoltado pelos
dia. A ordem da Manchete era registrar
militares. Colocaram ele num volks. Eu e
qualquer movimento que houvesse e eu
Sandoval Loureiro, que era fotógrafo do
tinha que fotografar”
Palácio do Governo, fizemos algumas fotos. A gente tinha se escondido embaixo da
Engenho Covas, Ribeirão, 1963
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Quantas histórias povoam o nosso
escadaria. Eu tinha passado o dia na Praça
imaginário, quantas imagens ilustram, ou
da República fotografando o movimento, a
melhor, conduzem nossas lembranças. São
cavalaria... Os soldados já tinham tomado
como filmes nos quais ele foi personagem 57
“[...] eu tenho uma ligação muito forte
trazíamos os filhos dos pescadores pro mé-
com aquela praia e com os pescadores,
dico no Recife. Toda semana tinha sempre
porque eu gostava de pescar desde meni-
dois garotos pra levar e a gente ajudava
no! E era um povo muito prestativo. Eles
muito aquela turma, sem interesse nen-
saíam pra pescar comigo, sem interesse
hum, porque achava que eles eram ótimos,
nenhum. E até hoje eu continuo com ami-
muito prestativos. Tinha amizade mesmo...
zade com eles. No princípio, eu e Nilo Gou-
E até hoje continuo lá. Eu adoro Taman-
veia (amigo que me levou pra Tamandaré)
daré, pra mim só existe ela.”
Igrejas do Recife, década de 1960
Olinda, 1985. Coleção Pirelli/Masp
e ao mesmo tempo narrador. Ele se or-
dinho e consegui fazer uma parte dela em
gulhava de ter vivido, testemunhado e
pé ainda, a frente, os lados e as costas. No
principalmente ter tido a oportunidade de
entanto, na calada da noite, derrubaram
registrar fatos significativos da história
Martírios.”
de Pernambuco e do país. Sobre a de-
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molição da Igreja dos Martírios, na década
Alcir e o litoral - Ao olharmos o conjunto
de 1970, e do casario do bairro de São
de imagens de Alcir Lacerda sobre o lito-
José, ele contou: “[...] comecei acompa-
ral pernambucano fica evidente sua maior
nhando a abertura da Av. Dantas Barreto,
paixão, a praia de Tamandaré, município
fazendo umas fotos aéreas. Aí eu pen-
do Litoral Sul do Estado, onde construiu a
sei, a igrejinha deve ficar no meio da rua
sua casa de veraneio, o seu refúgio par-
igual à Candelária, lá no Rio de Janeiro...
ticular. É lá que até hoje estão seus amigos
Foi então que me avisaram que estavam
pescadores e os seus queridos barcos de
botando abaixo a igreja, cheguei bem ce-
pesca.
Tamandaré, década de 1970
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Corrida de jangadas, Fortaleza-CE, 1960. Coleção Pirelli/Masp Tamandaré, década de 1970
Alcir e a família - Para mim e meus
parte do seu corpo, lhe dava equilíbrio, lhe
irmãos, Tamandaré também é um paraíso,
completava. Mesmo quando não a carre-
onde passávamos, religiosamente, os dois
gava, ela estava ali pendente no seu peito,
meses das férias do final do ano. Foram
juntinho do coração. E não podia ser difer-
dias preciosos para todos nós. As suas
ente, pois era através da sua fotografia
histórias de pescarias e as caçadas são
que ele se revelava, transmitia o seu im-
inesquecíveis. Ele deitado na rede do ter-
enso amor para com a família e ampliava
raço e a meninada ao redor. Essas mesmas
sua inesgotável generosidade para todos
histórias foram contadas, por ele, para os
que o cercava.
netos e depois para os bisnetos. Como então separar o pai do fotógrafo? Impossível.
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É o reconhecimento pelas novas ge-
Da mesma forma, a máquina fotográfica,
rações de fotógrafos que ajudou a formar
mais do que extensão do seu olhar, era
nos jornais, nos cursos e atividades da Acê
Filmes ou nos longos e pacientes momen-
era o meu pai, o irmão manhoso de Dinha,
tos de conversas, de troca de experiências
o tio Ti, o voinho dos netos e bisnetos. O
com novos e velhos parceiros de ofício, na
Seu Alcir de tantos alunos e o simples-
rua, nos campos, nos palcos ou nos recin-
mente Alcir dos incontáveis amigos. Alcir
tos fechados dos laboratórios fotográficos,
faleceu na madrugada do dia 10 de setem-
que fez de Alcir personagem singular e que
bro de 2012, manso e sereno, como era
lhe deu a certeza de que cumpriu a mis-
seu jeito.
são que o destino traçou, 60 anos atrás, nos campinhos de várzea do Capibaribe
Betty Lacerda é historiadora, mestre em
Fotografia é síntese, é escolha e é múltipla
Ciência da Informação pela UFPE, Ana-
também, afirmam os estudiosos. Assim era
lista em Ciência e Tecnologia da Fundação
o “Alcir de Ceça”, singular e plural. Assim
Joaquim Nabuco e filha de Alcir Lacerda.
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Fotografando a 120mm
M
tal de 24 fotos! Todos cromos coloridos ISO 50. Um colorido belíssimo! Perdi alguns “frames” pela falta de prática com a
áquina fotográfica digital Sony A77
grafia analógica. Continuei a fotografar em
máquina e utilizei sempre a lei da compen-
chega a fazer 12 frames por se-
médio formato, negativos 4x5 polegadas
sação, já que ela não possui fotômetro.
gundo em disparo contínuo”, anun-
(cerca de 10,2x12,7cm), e também com a
cia alguém em um fórum sobre fotografia
minha Nikon FM2, filmes 35mm, negativos
na Internet. Um segundo ... 12 fotos ...
preto e branco e cromos. No ano de 2009,
da composição e a harmonia quadrado na
trata-se de um rolo completo de um filme
em uma curta temporada no Recife, re-
fotografia de médio formato. Já vinha uti-
120mm! A fotografia digital está consoli-
mexendo meus armários, deparei-me com
lizando a minha Nikon FM2 35mm para fo-
dada no meio profissional. Casamentos,
a máquina fotográfica de meu pai. Ele,
tografar nos fins de semana, fora da minha
eventos, publicidade, culinária - basica-
médico recém-formado no início dos anos
rotina “digital” de trabalho. Quando com-
mente todos, nas diversas áreas, utilizam
50, comprou uma Rolleicord, versão semi-
ecei a fotografar novamente com a Rollei-
equipamento digital. Mas quando se trata
profissional da Rolleiflex que utiliza filme
cord, me dei conta de como é importante o
de trabalhos autorais, de fine art, muitos
120mm. Nos anos 50 e nos anos 60, papai
“pensar”, o “refletir” na imagem que se en-
fotógrafos continuam a utilizar filme.
fotografou bastante com esta máquina,
contra a nossa frente. Pensar no enquad-
inclusive chegando a revelar os filmes e
ramento, na composição; refletir sobre a
ampliar algumas de suas próprias foto-
luz, a sombra, o que devemos incluir na
fotografia digital no ano de 2003. A par-
grafias dentro de um laboratório P&B. De
foto, o que deixar de fora. A rotina diária,
tir deste ano, também descobri que teria
volta a 2009, resolvi levar a Rolleicord para
fotografando num ritmo acelerado com
que aprender a utilizar as ferramentas de
a Califórnia, onde morava. Um especialista
equipamento digital, dentro do estúdio, ou
edição, os diversos softwares, além de
em máquinas antigas na cidade de San
em eventos, me fez perceber que estava
entender de computadores, impressoras
Diego fez uma revisão geral nela, limpou
tudo muito automático. Ou por assim dizer
etc. E, apesar de toda esta tecnologia que
as lentes, os mecanismos etc.
- quantidade e rapidez, para depois sele-
Eu fiz minha lenta transição para
vem se desenvolvendo em um ritmo muito mais veloz do que realmente podemos acompanhar, nunca deixei de lado a foto-
Vale salientar a elegância estética
Eleonora Saldanha-Marston é fotógrafa, formada em Artes com especialidade em Fotografia no Grossmont College no sul da Califórnia (EUA)
cionar e editar no computador. A Rolleicord No início de 2010 ainda cheguei a fotografar dois filmes 120mm - um to-
trouxe de volta o ritmo poético dos meus pensamentos na hora de fotografar.
Fotos: Eleonora Saldanha-Marston/Divulgação
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O primeiro book a gente nunca esquece
C
aptar um sorriso, perceber um olhar curioso, clicar aquela careta. Não há quem resista às caras e bocas que os pequenos fazem. Um mercado em ascensão no Brasil é o de fotografia de recém-nascidos ou newborns: sessões fotográficas de bebês com até 20 dias de vida. Cada vez mais os pais investem e procuram esse tipo de serviços que buscam eternizar a fase inicial da vida de seus filhos em poses e momentos únicos. O trabalho é encantador, mas também requer grande atenção por parte do fotógrafo. Para o registro de uma sessão newborn, alguns requisitos devem ser levados em conta para que
a produção das fotos não seja comprometida. Vamos listar seis pontos primordiais.
1) Antes de qualquer coisa vem a higiene: lembre-se que você estará em contato com uma pessoinha que não tem muito tempo no mundo. Então, o profissional deve estar atento para a higiene do cenário e dos acessórios. Nunca esquecer de lavar as mãos antes de manipular o bebê. Um companheiro indispensável é o álcool em gel bactericida. Tente não falar muito próximo ao bebê. Se estiver com sinais de gripe ou outra doença, melhor remarcar o dia da sessão.
Fotos: Germana Soares/Divulgação
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2) Horário para as fotos: tratando-se de sessões de recém-nascidos, o horário mais indicado para a produção das imagens é depois da mamada, quando o bebê entra em sono profundo. Assim, será possível variar as posições sem incomodar.
3) Iluminação: para a fotografia ter um efeito mágico, a iluminação é um quesito importante. Porém, quando estamos fotografando bebês muito pequenos temos que utilizar a luz natural. Além de não ser indicada, a iluminação com flash pode assustar e causar reações que não favoreçam a fotografia.
4) Equipamento: sabemos que o responsável por uma boa foto não é o equipamento, e sim o profissional. Mas, para a fotografia infantil, alguns
são mais indicados. Procure lentes com grandes aberturas de diafragma, assim você poderá fazer uso da perda de profundidade para dar destaque em alguns detalhes do rostinho ou do corpinho do bebê. Use teleobjetivas para conseguir capturar reações espontâneas sem que a criança se sinta intimidada pela câmera.
5) Local da sessão: já que nossos “modelos” são pequeninos, o indicado é que a sessão de fotos seja realizada na própria residência do cliente. Lembre-se que o ambiente irá influenciar no resultado do seu trabalho, portanto procure conversar com os pais para se certificar que não haverá barulhos ou agitação que interfira na tranquilidade da criança. Caso a sessão seja externa, certifique-se de que o bebê esteja totalmente seguro e protegido .
6) Roupas e acessórios: toda mamãe gosta de produzir seus filhotes e deixar eles bem bonitos para as fotos, mas lembre-se que o troca-troca de roupas pode irritar o bebê ou deixá-lo desconfortável. Converse com os pais para que as roupinhas e acessórios sejam escolhidos com antecedência. Priorize o registro das feições e detalhes do rostinho, mãozinha, pezinho. O excesso de informação no cenário e figurino 66
pode prejudicar na composição da foto. Bem, essas foram algumas dicas para quem gosta ou pretender fotografar os pequenos. Um trabalho que demanda bastante cuidado e atenção, mas que sem dúvidas, é bem recompensador. Germana Soares é publicitária e fotógrafa. Professora das disciplinas de Gerenciamento de cor e impressão e Montagem de portfólio e curadoria. 67
mos nos dias atuais. O uso de texto e imagem de forma desarmônica foi usada por Heartfield como uma arma poderosa de propaganda e protesto. Em uma Alemanha arrasada pela primeira guerra mundial, os integrantes do movimento dadá se aliaram à esquerda e publicavam revistas, folhetos e outros materiais que tinham como característica estética o uso da fotomontagem como indicação de suas posições políticas no combate a república burguesa de Weimar.
Manipulação de imagens sem photoshop. E pode?!! Hoje, muito da fotografia passa pelo Photoshop! Desde a imagem produzida com o equipamento fotográfico mais moderno até aquela fotografia em negativo de 30 anos atrás. Se quisermos vê-la impressa novamente temos uma grande chance de precisar escanea-la para que ela seja impressa por um minilab. O referido programa de tratamento de imagens está incorporado de forma tal ao nosso cotidiano que teremos certa dificuldade de achar uma pessoa, que nunca tenha ouvido falar que a modelo levou uma “photoshopada”. E realmente também vai ser difícil encontrar uma modelo sem o tal tratamento, pra ficar “mais bonitinha”. Foto: Jerry Uelsman/Divulgação
O uso de ferramentas de manipulação e tratamento de imagens e a percepção deste uso por parte da sociedade têm como reflexo a adoção de uma premissa sobre a alterações de imagens fotográficas. A afirmação de que a manipulação de imagem com um nível de requinte e qualidade que os faz serem transparentes ao observador é resultado da era da imagem digital em que vivemos. Vejo quase sempre a já velha afirmação: isso só pode ser Photoshop! Corroborando com o pensamento de que a manipulação realista e imperceptível é um advento dos softwares de manipulação de imagem. A fotomontagem , definida pela enciclopédia de artes visuais Itaú Cultural 68
como o “termo genericamente empregado para designar a associação de duas ou mais imagens, ou fragmentos de imagens com o propósito de gerar uma nova imagem”, é possiível desde o início do século XIX nos laboratórios onde já se fazia correções de exposição e contraste nas ampliações. A autoria é reinvindicada por dois grupos, um formado por Raoul Hausmann e Hannah Hock e outro por George Groz e John Heartfield. A sobreposição de imagens e texto das fotomontagens dos artistas dadá pode ser considerada o embrião das manipulações fotográficas que observa-
Na união soviética de Alexander Rodchenco e Lissitzki a fotomontagem é utilizada como forma de expressão artística e também como divulgação. Os artístas utilizavam as imagens manipuladas para atingir um maior nível de impacto. Com Rodchencko, vemos o tratamento dado a fotografia como uma matéria prima que pode ser recortada, rearrumada e refotografada para a criação de peças de grande impacto visual. Os processos de manipulação de imagens feitos em laboratório podem chegar a um nível superior e quando comparados às fotomontagens realizadas através de colagens e podem ser facilmente confundidos como uma obra criada no Photoshop. Jerry N. Uelsman, fotógrafo americano nascido em 1934, utilizava negativos produzidos por ele e realizava suas montagens durante o processo de ampliação, desenvolvendo um trabalho com um nível de perfeição que fica difícil perceber que o resultado é artesanal. O trabalho de Uelsman tem destaque na criação de imagens de fantasia, porém com uma coerência de
Foto: Jerry Uelsman/Divulgaçao
luz, sombra e fusão dos detalhes que faz o espectador ter dúvidas quanto à natureza irreal de sua obra. A imagem fotográfica é colocada em xeque quanto à sua natureza de fiel expressão da luz que atingiu a superfície sensível do filme, sem interferência do fotógrafo. A manipulação das imagens se faz presente desde muito tempo no mundo da fotografia. Esta constatação deveria gerar um distanciamento no nosso relacionamento com a técnica atual no trabalho do fotográfo que trata e manipula suas imagens. O que estamos fazendo é apenas uma aplicação em outra plataforma para alcançarmos os resultados que queremos. Ricardo “Bicudo” Marcelino é designer, fotógrafo, mestre em Design e leciona as disciplinas de Edição e tratamento de imagem na Unicap
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Análise de imagem
no ambiente. As escolhas do ângulo e da composição fazem com que a imagem carregue certo poder de confusão, podendo ser lida, inicialmente, de baixo para cima, como se o reflexo fosse, na verdade, o real e o homem imaginário. McCurry procurou não colocar outros elementos principais em sua composição, de forma que os dois únicos elementos de destaque, bastante harmônicos entre si, são o homem e a água refletindo o Taj Mahal. Estes são, também, fortes elementos de significação, compostos pelo homem em si e suas roupas características daquela região, concretizadas pela presença do monumento único do Taj Mahal que evidencia a localização do sujeito.
Foto: Steve McMurry/Reprodução
N
a busca por desenvolver o olhar fotográfico, apurando o senso estético e crítico dos jovens fotógrafos, a disciplina Linguagem Fotográfica I, ministrada no curso de Fotografia da Unicap pelo Professor Leonardo Ariel, desenvolveu a atividade de análise de imagens. Estudando imagens de grandes fotógrafos e os elementos que constituem a linguagem fotográfica como planos, foto, textura, composição, cor etc, os alunos do 2º módulo criaram suas análises e aqui são representados pela colega Karina Galvão. O fato de ter selecionado a produção de um aluno não desmerece o trabalho dos
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demais. Nas próximas edições esperamos ter a oportunidade de contemplar a produção de outros discentes.
“Quando você cobre uma história na Índia, você precisa incluir o Taj Mahal, mas isso tem que ser feito de uma maneira diferente”
(Steve McCurry, 2000)
A fotografia em plano geral, com foco no homem e no reflexo da água, dá o contexto e localização do espaço da ação, situando também a relação do homem
A imagem mostra o homem simples abaixado molhando sua mão na água, em movimento congelado, e, mesmo com essa ação, a passividade da água é preservada. O reflexo quase completamente nítido do monumento sobre a água passa ideia de tranquilidade, silêncio e quietude, como se o único som existente na fotografia fosse o da água escorrendo pela mão do sujeito. A escolha da foto colorida intensifica o alto contraste entre quente e frio, evidenciados pela luz alaranjada do por do sol, que ilumina lateralmente todo o Taj Mahal e o homem; e o azul frio da água, reflexo de um céu limpo e sem nuvens. O jogo de claro/escuro faz com que a imagem refletida ganhe destaque e força, como se estivesse lutando contra a barreira da água para emergir ao mundo real.
O ângulo, de cima para baixo (em mergulho) e o recorte escolhidos, cortando a figura real de todo o Taj Mahal para que apenas o seu reflexo fosse mostrado na fotografia, transmite uma ideia ilusória de sonho. Visto que na Índia há grandes contrastes sociais, o Taj Mahal é mostrado ao alcance do homem que, pelas roupas e situação quase desnutrida, aparenta ser um cidadão indiano simples de classe desfavorecida. O conjunto da fotografia gera, também, um sentimento de solidão devido ao corte da imagem, levando à outra realidade que é vista através da água. Apesar de conseguir tocá-la, o sujeito não consegue fazer parte dela de maneira concreta, apenas ilusória, como se o reflexo fosse uma sombra que não consegue alcançar a proporcionalidade no mundo ali formado. Kari Galvão é bióloga e atualmente estudante no Curso Superior Tecnológico de Fotografia da Unicap
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