UnicaPhoto [n.5]

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UNICAPHOTO Revista do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da Unicap - #5, ago 2015 www.unicap.br/unicaphoto

Fotos feitas por Alexandre Severo


Editorial Na web

www.unicap.br/unicaphoto /fotografiaunicap

Expediente Coordenação: Renata Victor. Edição: Gisela Didier. Diagramação: Arline Lins. Textos: Amanda Melo, Dario Brito, Duellen Melo de Souza, Germana Soares, Juliana Nascimento Torezani, Maria do Carmo Nino, Niedja Dias, Quintino Robson e Renato Menezes. Ensaios: Alexandre Severo (in memoriam), Luara Olívia, Kesya Souza, Roberta Moura e Renata Victor. A UnicaPhoto é uma publicação semestral do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco (ISSN 2357-8793). Fotos da capa: Alexandre Severo (in memoriam) Foto da contra-capa: Laboratório de Fotografia da Unicap

É com muito orgulho que apresento a quinta edição da Unicaphoto. O lançamento é trabalhoso, mas ver alunos e professores do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da Unicap pensando juntos a fotografia é tão gratificante que compensa todo o esforço dessa jornada. Neste número vamos conferir entrevistas com as duas agraciadas do Prêmio Alcir Lacerda 2015, as fotógrafas Roberta Guimarães e Teresa Maia. Aqui vale o registro de que a entrega do Alcir Lacerda, conferido em evento colaborativo pelo quarto ano consecutivo, aconteceu numa quarta-feira de agosto, 19, Dia Mundial da Fotografia, no auditório da Livraria Cultura, no Paço Alfândega. O prêmio foi criado para homenagear os profissionais que contribuem para o fortalecimento da fotografia pernambucana. Ainda temos uma entrevista lúdica: a professora Julianna Torezani, a partir de fatos reais, criou um bate-papo imaginário com o fotógrafo Robert Capa. Trazemos também os trabalhos dos alunos do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia selecionados para a Expocom (Exposição de Pesquisa Experimental em Comunicação do Intercom) Nordeste, com apresentação da aluna Amanda Melo. O aluno Renato Menezes, durante intercâmbio em Portugal, iniciou um estágio no Arquivo Municipal de Lisboa e nos brinda com uma bela matéria sobre o arquivo fotográfico da capital portuguesa. Nesta edição, também vamos nos encantar com a “Beleza Misteriosa” dos Lençóis Maranhenses, através do ensaio fotográfico da aluna Kezya Souza e a diversidade das “Faces de Nova York”, um ensaio de minha autoria. Já a aluna Luara Oliveira trabalhou nuances psicológicas com o ensaio “Solidão Acompanhada”. Para arrematar, trazemos um ensaio inédito do nosso querido fotógrafo Alexandre Severo. As fotos que compõem este ensaio foram colhidas de negativos revelados em meados do mês de julho. Podemos conferir todo o processo de revelação no relato da laboratorista Niedja Dias que acompanha o ensaio. Alexandre Severo era apaixonante e apaixonado. Entre essas paixões estava a fotografia. E fotografar o Sertão para ele era quase sagrado. E foram em imagens do Sertão que reencontramos o diferenciado olhar de Alexandre Severo. Você está convidado a desfrutar dessa edição. Ela foi carinhosamente construída pelos alunos, professores e colaboradores do Curso Superior de Tecnologia de Fotografia da Unicap. Vida longa à Unicaphoto! Renata Victor Coordenadora do Curso Superior de Tecnologia de Fotografia da Unicap


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Entrevista

E n t r e v i s ta A Entrevista da 5ª edição da UnicaPhoto traz os perfis de duas grandes fotógrafas do cenário brasileiro. Roberta Guimarães e Teresa Maia, que este ano são as homenageadas do 4º Prêmio Alcir Lacerda, nos contam um pouco de suas histórias, fatos inusitados que aconteceram durante a carreira, os motivos pelos quais escolheram a fotografia e quais são os projetos para o futuro. São anos de experiência pincelados em algumas palavras, que, apesar de poucas, são extremamente valiosas. Quem conversou com as duas foi a aluna do Curso de Fotografia Amanda Melo. É pra se inspirar!

Foto: Adelson Alves

Rober ta Guimar ães 8

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Entrevista Unicaphoto - Quem é você? Roberta - Sou Roberta Guimarães, fotógrafa. Fiz jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco, Administração na Fesp (atual Universidade de Pernambuco, UPE). Depois de formada, voltei para a Católica para ensinar. Também ensinei na Aeso, no curso de fotografia. Meu contato com a fotografia foi através do jornalismo. Comecei minha carreira como fotógrafa na Folha de Pernambuco depois entrei no Jornal do Commercio. Lá, formei um grupo de fotógrafos e fundei a agência Imago fotografia, a qual tenho até hoje. Minha trajetória foi muito em cima do fotojornalismo, já que, no final da década de 1980, no Recife, só existiam duas possibilidades: ou se fotografava dentro do fotojornalismo ou em estúdios de fotografia. Não existia a gama de ramos que se tem hoje. Por isso, passei um período de três anos trabalhando no jornal, depois me ausentei do Recife, morando durante três anos e meio na Itália, onde também estudei fotografia. Quando voltei, continuei na Imago Fotografia, trabalhando, na maioria das vezes, com publicidade e projetos culturais. Unicaphoto – Por que Fotografia? Roberta - Para mim, fotografia é a forma de conhecer o mundo. Minha relação com o jornalismo dá essa ideia e essa possibilidade. É uma profissão muito prazerosa porque é muito dinâmica: você vai a vários

Entrevista lugares, conhece pessoas e diferentes realidades. É isso que me atraiu na fotografia. Unicaphoto - Como foi o início? Roberta - No meu último ano de Administração, em 1986, eu comecei jornalismo. Na realidade, fiz um novo vestibular e, quando fui aprovada, vibrei mais que a primeira vez - talvez, por nunca querer Administração, apesar de ter finalizado o curso. Quando comecei jornalismo ia para lugares em que estavam acontecendo conflitos sociais e realizava fotografias independentes. Surgiu, então, a oportunidade de começar a trabalhar no suplemento cultural da Cepe (Companhia Editora de Pernambuco). Depois, fui chamada para a Folha de Pernambuco e, em seguida, para o Jornal do Commercio. Ronildo Maia Leite (jornalista) desenvolvia um caderno, nas segundas-feiras, com matérias especiais e fui chamada para fotografar para esse caderno. Eu entrei no departamento como única mulher no momento e não tive dificuldade nenhuma. Quando eu saía nas pautas, algumas pessoas estranhavam e perguntavam “cadê o fotógrafo?”, aí eu dizia, “o fotógrafo sou eu”. Era um preconceito muito mais fora do que dentro do jornal. Unicaphoto - Você sofreu influência de algum fotógrafo?

Fotos: Roberta Guimarães

“O convívio com as pessoas que encontramos na fotografia é forte. […] Os encontros, de uma forma geral, nos trazem emoções, quando descobrimos mais sobre a vida das pessoas com as quais nos deparamos.” - Roberta Guimarães -

Roberta - Pelo contexto do fotojornalismo, no qual comecei minha carreira, a grande influência vinha da Agência Magnum, onde todos os fotógrafos gostariam de trabalhar. Os fotógrafos que trabalhavam na agência, além de serem maravilhosos, viajavam o mundo fazendo reportagens. Lá estavam os fotógrafos que influenciaram toda a minha geração. Unicaphoto -Projetos futuros? Roberta - No momento, estou montando uma exposição que vai trazer um pouco do que desenvolvi no meu livro “O sagrado, a pessoa, o orixá”. A exposição é intitulada de “Ago” (que significa “licença”) que será realizada em João Pessoa, no mês de novembro. Para mim, a exposição está sendo interessante sobretudo pela introdução dos vídeos, capturados durante visitas nos terreiros. Unicaphoto - Uma emoção? Roberta - O convívio com as pessoas que encontramos na fotografia é forte. Um exemplo foi a relação que desenvolvi com Martelo, um personagem que está no meu livro,”Brincantes da Mata”. Ele é uma personagem da manifestação cultural CavaloMarinho, tem mais de 74 anos, e eu o acompanhei por quase um ano, no seu cotidiano e manifestações. Eu tenho uma relação muito forte com ele, algumas

vezes vou visitá-lo e me emocionei quando ele foi ao lançamento do livro e se viu na obra. Além desse, os encontros, de uma forma geral, nos trazem emoções, quando descobrimos mais sobre a vida das pessoas com as quais nos deparamos. Unicaphoto - Você vê diferenças entre a fotografia dos outros estados em relação com a produzida em Pernambuco? Roberta - Temos grandes fotógrafos no estado. Talvez não estejamos no eixo do grande mercado mas, em termos de desenvolvimento da fotografia, acredito que não exista diferença. Unicaphoto - Fale um pouco sobre seu livros Roberta - Minha grande paixão são os projetos culturais, os livros. Tenho mais de dez livros, não todos de autoria única. Tenho três livros de produção minha. “Brincantes da Mata” foi um projeto que pensei em submetê-lo ao Funcultura e contei com a colaboração das fotógrafas Rose Gondim e Tuca Siqueira. O livro buscava retratar quatro personagens em quatro manifestações culturais de Pernambuco, dentre elas caboclinho, maracatu de baque solto, maracatu de baque virado e cavalomarinho. Nós acompanhávamos um personagem em cada manifestação, desde o seu cotidiano, até a manifestação. Esse foi o primeiro livro que fiz a produção executiva. “O sagrado, a pessoa e orixá”, um livro sobre o candomblé, fotografei 12 terreiros no estado, e nele, também fiquei produção executiva. Unicaphoto - Preto e branco ou cor? Roberta - Quando eu fotografava com analógico, era bastante preto e branco. Agora, é cor. Tenho alguns trabalhos em preto e branco, mas hoje, eu entrei fundo no digital. A praticidade do digital realmente conquista. Unicaphoto - O que significa para você receber um prêmio Alcir Lacerda? Roberta - É muito importante. Alcir foi um pai para todos na fotografia. Enquanto ele teve o seu laboratório, muito frequentado por nós, não só para revelar, mas também para ouvir as histórias. Ele sabia ouvir, uma pessoa muito doce um grande fotógrafo. Eu até lembro uma imagem que ele fez, em uma das últimas exposições, que eu disse a ele: “essa eu vou querer comprar” (risos). Unicaphoto - Qual mensagem você deixa para aqueles que estão começando na fotografia? Roberta - É importante que hoje, com todas essas facilidades tecnológicas que temos, consigamos abrir os nossos horizontes. Trabalhar com câmera de vídeo, trabalhar com cinema, trabalhar com fotografia estática, mas também em movimento. E ainda mais, pensar que você pode desenvolver projetos autorais, suas ideias, aquilo que você gosta de trabalhar. Perseverança, estudo e tentar ocupar os espaços destinados aos fotógrafos.

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Entrevista

Entrevista Unicaphoto - Quem é você? Teresa - Sou Teresa Maia. Tenho 25 anos de profissão. Trabalhei durante algum tempo como fotógrafa freelancer até que, em 1996, comecei a trabalhar no Diario de Pernambuco. Foi a partir da minha entrada no jornal que dei início às minhas produções mais consistentes em fotografia. Pode não parecer, mas sou extremamente tímida (risos). Falar é sempre difícil para mim, prefiro mesmo fotografar. Unicaphoto – Por que fotografia? Teresa - A fotografia foi a forma que eu encontrei para expressar as minhas inquietações. Devido minha dificuldade com as palavras, preferi escolher a fotografia como linguagem. Unicaphoto - Como foi o início? Teresa - Eu iniciei minha carreira numa agência de publicidade de um primo e, a partir daí, começaram a surgir alguns trabalhos para o Suplemento Cultural do Diário Oficial. Algum tempo depois, fui convidada a tirar as férias de um fotógrafo no Diario de Pernambuco e, durante esse mesmo período, surgiu outro convite para acompanhar o então governador Carlos Wilson em uma viagem de navio até Fernando de Noronha. Na volta de viagem, me convidaram para trabalhar no Palácio. Fiquei lá durante sete anos, até o governo de Miguel Arraes. O terceiro governo, claro (risos). Após esse período, fui convidada a trabalhar no Diario. Unicaphoto - Algum caso interessante durante o governo de Arraes? Teresa - Vários (risos). Muitas histórias, muitas viagens, muitos relatos dele. Eu tinha uma relação muito próxima com ele e a família. Era alguém com quem eu tinha muito carinho. Preparava muito whisky com pistache para ele no avião, gostava de ouvir todas suas histórias, as de quando ele estava fora do país, com a família. Era bem interessante, ele falava muito.

Foto: Renata Victor

Teresa Maia 12

Unicaphoto - Você sofreu influência de algum fotógrafo? Teresa - Acredito que todo mundo precisa de um guia e comigo não foi diferente. Em diversos momentos da minha vida, passei a observar mais o trabalho de alguns fotógrafos: Bresson, Sebastião Salgado, Daiane Arbus (gosto muito do trabalho dela), Walter Firmo, Alcione Ferreira, Hélia Scheppa. Hoje, Alcione e Hélia são as que, para mim, têm os trabalhos mais marcantes. Unicaphoto - Qual a sua relação com a fotografia? Teresa - Minha relação com a fotografia teve início em 1975, durante uma enchente aqui no Recife. Eu

era pequena, mas lembro que minha família perdeu muitas fotos e eu senti muito com isso. A partir desse episódio, eu senti a necessidade de querer criar uma espécie de inventário da minha família e, por isso, fotografei bastante. Na verdade, acho que já estava contaminada por esse “vírus” da fotografia, já estava no meu sangue (risos). Mas eu despertei mesmo a partir dessa situação. Unicaphoto - Uma emoção? Teresa - É muito difícil conseguir falar de uma emoção. Eu, enquanto fotojornalista estou sempre me busca de uma emoção, um sentimento. Mas algumas situações já me fizeram abaixar a câmera. Um dos momentos mais tristes que presenciei foi quando vi o corpo do Dr. Arraes sair do Palácio para o sepultamento. Ver todos os que trabalhavam com ele chorando, foi muito triste. Outra situação foi o enterro de uma mãe, que havia sido morta pelo ex-marido a caminho da maternidade, quando ia ter o segundo filho. Quando cheguei no cemitério, o filho dela estava encostado no caixão, chorando pela mãe. Isso também mexeu muito comigo. As pessoas, às vezes, pensam que, pelo fato de fotografarmos todos os dias vendo situações absurdas, nós não sentimos. É como se estivéssemos acostumados com o sofrimento. Mas, sentimos. É difícil. Unicaphoto - Uma saudade? Teresa - Tenho muito saudade do antigo prédio do Diario. Muita saudade. Foi lá que eu conheci muita gente, que aprendi muita coisa. Morro de saudade da máquina de revelar. Eu vinha da rua, ficava encostada lá e esperava filme passar ali devagar. Era como se fosse um filho nascendo. Nunca pari, mas vários filmes (risos). Unicaphoto - Você vê diferenças entre a fotografia dos outros estados em relação à produzida em Pernambuco? Teresa - Eu gosto muito de fotografar o Sertão. Eu me identifico com as pessoas daquele lugar. As expressões são fortes, os olhares são fortes e a luz também. Quando penso em fotografar, em fazer algo mais trabalhado, é pra lá que eu gosto de ir. Unicaphoto - Preto e branco ou colorido? Teresa - A fotografia preto e branco é e atemporal. Mas a maior parte do meu trabalho é em cor. Unicaphoto - Analógico ou digital? Teresa - O tempo hoje é outro. Eu prefiro o digital, pelo custo e velocidade. Não dá para se pensar em trabalhar em um jornal, por exemplo, com analógica, seria um retrocesso. Pelo tempo que eu tenho no

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Entrevista jornal, eu vivi toda essa mudança do analógico para o digital. E foi difícil. O equipamento era caro, a quantidade não era suficiente para toda a equipe. Parte da equipe trabalhava com câmera analógica e parte dividia uma câmera digital, entre uma pauta e outra. Eu acho que eu tinha mais segurança quando eu trabalhava com o analógico, em que não era possível ver o resultado, você não perdia esse tempo. Com a fotografia digital, você olha, quer saber como é que está e, por isso, você perde uma imagem, um segundo e acabou. A mudança do analógico para o digital foi um processo que não tem mais volta, principalmente para quem trabalha em jornal - pelo custo, pela praticidade. Unicaphoto - Fale dos seus prêmios! Teresa - Ao longo desses anos no jornal, eu ganhei alguns. Os principais foram o Ayrton Senna, o Vladmir Herzog (para mim, o maior prêmio na área de Direitos Humanos), o Cristina Tavares, o Rei da Espanha (ganhei uma menção honrosa). Todos são importantes, mas o que mais me emocionou foi o Vladmir Herzog, pelo peso do que é o prêmio. A maioria dos prêmios que eu recebi, tinham um valor, mas o Vladmir Herzog não, não tem nenhum prêmio em dinheiro. Mas, certamente foi o que mais me emocionou. Eu ganhei em um ano e recebi uma menção honrosa em outro. Unicaphoto - Histórias? Teresa - Durante todo esse tempo em jornal, é difícil resumir meu trabalho em uma história. Eu vivi muita coisa e quero viver mais. Não quero ficar trancada em um jornal, apesar de ter mudado de função. Muita coisa me marcou durante esse tempo: rebeliões, enterros, protestos, cenas de violência (que, algumas vezes, eu fui ameaçada e agredida). Uma situação que me marcou muito foi um trabalho que fiz com Marcionila (Teixeira, repórter do DP), sobre trabalho infantil em lixões. As cenas que presenciamos foram muito chocantes. Era noite e não podíamos usar flash, já que, se usássemos, iam descobrir que estávamos lá. Entramos com um líder comunitário, depois ele sumiu. Olhar aquelas crianças no meio do lixo, comendo lixo, foi bem chocante. Unicaphoto - Conselhos para os que estão iniciando na fotografia? Teresa - Fotografe. Não tem outro caminho para você aprimorar o seu trabalho, tem que fotografar. Quem pensa em trabalhar em jornal, deve ter muita disposição, se manter informado e conectado. jornal é isso.

Fotos: Teresa Maia

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O SONO DOS JUSTOS

Acervo Unicap Fotógrafa: Germana Soares Câmera: Nikon D70s Lente: 18-70mm | f/3.5 Velocidade de obturação: 1/4s Ano: 2008 16

“O que mais me chamou a atenção nessa cena foi o quanto a presença de um fotógrafo num lugar às vezes tem a grata felicidade de não alterar o ambiente para captá-lo exatamente como ele é. Na época dessa foto, eu estava morando em São Paulo, cursando a minha Especialização em Fotografia pelo Senac-SP. Saímos, numa atividade do curso, com um grupo de mais ou menos 30 alunos para fazer um tour noturno pelo centro da cidade, clicando os personagens mais diversas que compunham aquele habitat. A turma era bem heterogênea, gente de todos os estados do Brasil, com as formações mais diferentes, desde a parte artística até o fotojornalismo, e, nessa

saída que durou cerca de quatro horas, vimos muitas cenas inusitadas. Havia prostitutas que posaram para alguns colegas e até uma senhora que correu atrás de um aluno porque ele fez uma foto dela. No meio disso tudo estava esse senhor, completamente entregue, dormindo num ponto de ônibus, perto da Estação São Bento. Por mais que houvesse gente, movimento, barulho...Ele estava lá, impassível. Foi quando eu parei para pensar que a grande maioria dos personagens, salvo essas exceções que citei, continuavam suas vidas como se nada estivesse acontecendo: pessoas esperando algo, garis varrendo as ruas, gente indo e vindo. Éramos, ainda bem, invisíveis. E assim, somente graças a isso, pudemos captar essas cenas, registrar esses momentos sem nenhuma interferência na realidade.” 17


Arquivo Municipal de Lisboa Núcleo fotográfico Texto e fotos de Renato Menezes 18

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A iniciativa de organizar e preservar registros históricos em Lisboa surgiu no século XIV, com a preocupação de resguardar documentos da cidade e de seus habitantes. É desta época a criação do cargo Escrivão do Concelho, responsável pela guarda e organização de documentos públicos. Somente em 1942 foi criado o Arquivo Público Municipal de Lisboa, que hoje divide-se em quatro partes, sendo uma delas destinada exclusivamente a fotografia: é o Arquivo Municipal de Lisboa – Fotográfico. Em 1994 o Arquivo Municipal de Lisboa Fotográfico mudou-se para a sua primeira sede

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própria, independente da Câmara Municipal, onde permanece até hoje. Ao longo destas sete décadas de existência tornou-se uma referência internacional em restauração e preservação de acervos fotográficos. Localiza-se na Rua da Palma 246, em Lisboa, contando com uma equipe de 24 profissionais envolvidos com todo o processo, que vai da triagem até a limpeza, restauração, guarda e exposição das imagens. Todo o trabalho é desenvolvido artesanalmente dentro do Arquivo, que possui algumas oficinas, dispensando a terceirização de serviços. O acervo do Arquivo Municipal de Lisboa – Fotográfico conta hoje com mais de 600.000

imagens, das quais mais de 100.000 digitalizadas e disponibilizadas à população para consulta em meio digital. A princípio não havia uma triagem das imagens recebidas pelo Arquivo, mas por limitações de espaço para armazenamento e de estrutura para restauro, alguns critérios foram estabelecidos: atualmente o Arquivo recebe apenas imagens que sejam de Lisboa, ou que retratem algum episódio de importância para a cultura portuguesa, e apenas imagens de boa qualidade (bom enquadramento e fotometria, e boa nitidez). As coleções são recebidas, geralmente, por

meio de doação de fotógrafos ou instituições e percorrem um caminho, desde sua chegada até o momento em que são definitivamente armazenadas. 1. SELEÇÃO e TRIAGEM – representantes do Arquivo Municipal de Lisboa – Fotográfico são enviados até a coleção disponível para doação a fim de analisar cada uma das imagens e decidir pela aceitação do material; 2. ARQUIVO SUJO – é a porta de entrada das imagens e coleções ao Arquivo, e ali são armazenadas em caráter provisório, com umidade controlada (entre 45 e 50%) até a sua limpeza, restauro, digitalização, lançamento no banco de

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dados e por fim o armazenamento definitivo; 3. SALA DE CONSERVAÇÃO – onde as imagens são limpas, uma a uma, e identifica-se os procedimentos que serão adotados a seguir, como restauro ou armazenamento. Nesta sala são confeccionados os passe-partout para separação das provas de papel, os envelopes para separação dos negativos, e também a recuperação dos estojos e álbuns. 4. SALA DE DIGITALIZAÇÃO – é por onde passam as imagens, depois de limpas, a fim de serem digitalizadas. Para isso utilizam-se dois diferentes tipos de scanner de mesa – um para substratos flexíveis e outro para substratos

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rígidos, e também um processo de digitalização através da re-fotografia, ou seja, a imagem é novamente fotografada, com uma câmera digital, para que seja então disponibilizada a nova versão digital, e o original destinado à guarda. 5. SALA DE DADOS TÉCNICOS – para onde vão apenas os arquivos digitais, que são associados a uma base de dados contendo todas as informações relacionadas a cada uma das imagens. No caso de coleções ou lotes de imagens, elas são catalogadas duas vezes: primeiro se faz o registro das imagens uma a uma, e em seguida são registrados os dados do lote ou coleção.

6. ARQUIVO LIMPO – é o destino final das imagens, onde são corretamente armazenadas e mantidas a temperatura constante (entre 18 e 20ᵒC) e umidade controlada (entre 45 e 50%), dentro de armários metálicos e caixas de papelão. Todo o acervo do Arquivo Público Municipal de Lisboa encontra-se disponível para consultas em meio digital, na sala de leitura da sua sede, ou para consulta de originais, reprodução e certidão de autenticidade, desde que solicite-se previamente por e-mail (arquivomunicipal. salaleitura@cm-lisboa.pt) ou por fone (+351

218 844 066). Na sala de leitura podem ser consultados também parte do acervo analógico e uma numerosa coleção de revistas de fotografia do mundo inteiro. O horário do Arquivo é de segunda a sábado, das 10:00h às 19:00h. O Arquivo Municipal de Lisboa – Fotográfico organiza uma agenda de eventos, em sua sede ou em instituições parceiras, de modo que suas coleções sejam expostas sucessivamente, mantendo exposições durante todo o ano. São realizadas oficinas e workshops e visitas guiadas a grupos de estudantes e pesquisadores, mediante agendamento prévio.

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O ano de 2015 foi bastante significativo para o Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco. O curso completa cinco anos, já formou sua quarta turma e passou por uma reforma curricular significativa. Somado a tudo isso, 2015 foi o primeiro ano em que os cursos tecnológicos passaram a integrar o grupo de graduações que podem enviar trabalhos para os Congressos Regionais e Nacionais de Ciências da Comunicação da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares). Os interessados em participar do Congresso, em sua etapa regional, tinham duas opções: inscrever trabalhos práticos na Exposição de Pesquisa Experimental em Comunicação (Expocom), ou inscrever trabalho teórico no Intercom Jr. Os alunos que fossem selecionados para a etapa regional do Expocom e contemplados, estariam automaticamente inscritos na etapa nacional do prêmio. A informação, passada durante reunião com todos os alunos, logo gerou empolgação entre os estudantes. Era dada a largada à busca e seleção dos melhores trabalhos para serem enviados, uma vez que cada instituição só poderia indicar um único trabalho em cada modalidade

Relatos do Intercom Nordeste 2015 A experiência dos estudantes e graduados do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia em no Congresso de Comunicação

Trabalhos

Filme de ficção (avulso) Filme de não ficção/ documentário/ docudrama (avulso) Filme de animação (avulso) Videoclipe (avulso) Fotografia em movimento (avulso) Fotografia artística (avulso) Produção multimídia (avulso)

Fotos: Selftime e Renata Victor

Projeto de comunicação integrada (avulso) e Intercom Jr. Website (avulso)

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aprovados no intercom

Texto de Amanda Melo

Aluna do curso de fotografia da unicap

do Prêmio Expocom. O processo começou com três reuniões, nas quais estavam presentes alunos e professores. Os encontros tinham o objetivo de selecionar os melhores trabalhos para as categorias (Comunicação Organizacional, Cinema e Audiovisual, Produção Transdisciplinar e Rádio, TV e Internet), entre cerca sessenta modalidades. Uma vez selecionados os trabalhos, era a hora dos alunos colocarem a mão na massa. Auxiliados pelos professores-orientadores dos seus respectivos projetos, os estudantes e os graduados tinham que escrever pequenos artigos, os quais funcionavam com uma espécie de defesa do projeto, e uma breve descrição do seu processo de criação e elaboração. O texto tinha que conter introdução, objetivos, justificativa, métodos e técnicas utilizados, descrição do produto ou processo realizado, considerações e referências. Apesar do curto prazo, o Curso Superior de Tecnologia em Fotografia, em nome da Universidade Católica de Pernambuco, conseguiu enviar 15 trabalhos para o Expocom e um pra o Intercom Jr. . Até o dia 6 de junho, veio a confirmação: do total de trabalhos inscritos, dez foram aprovados.

NE 2015

“Amentas” - Juliana Gouveia Galvão

“Brasília, a teimosa” - Inês Cristina Couto Campelo

“Macario pelo mundo” - Gabriela Lucena

“Muitos chocolates” - Luara Olivia, Maria Fernanda Leal, Pablo Oliveira, Paloma Barros, Ítalo de Lima, Raquel Melo “Rui e Mafalda: uma história de amor pela fotografia” - Amanda Melo e Rebeca Patrício

“Nature” - Mirandolina Araújo e Gilberto Vieira

“Desenhando com Kari Galvão” - Paulo Souza “Isso Não É…” - Elysangela de Freitas e Marina Feldhues “Filhos da Usina” - Amanda Melo e Márcio Novellino

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“A experiência de fazer um videoclipe e conseguir que as pessoas admirem, curtam e elogiem é muito boa, ainda mais quando você tem a oportunidade de fazer com que ele tenha bastante reconhecimento através da Expocom. Ficamos muito felizes quando vimos que tivemos nosso trabalho aprovado e por mais que não tenhamos ganhado, valeu muito a pena pela experiência e pelo fato de que nós estávamos entre os melhores selecionados”, disse Ítalo Santana, um dos integrantes da equipe selecionada para concorrer à modalidade videoclipe. De malas prontas, fomos até Natal, onde o evento seria realizado. Saldo mais que positivo. Entre todos os projetos apresentados, “Macário pelo Mundo”, da graduada Gabriella Lucena e “Desenhando com Kari Galvão”, do aluno Paulo Souza, receberam o prêmio máximo nas suas respectivas categorias o e o projeto “Isso não é...”, das alu-

nas Elysangela de Freitas e Marina Feldhues, foi aprovado para a etapa nacional do Intercom Jr. Para Renata Victor, coordenadora do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da Unicap, a experiência foi excelente. “Na primeira vez que o Intercom decide liberar a participação dos cursos tecnológicos, um curso tão novo quanto o nosso, com apenas cinco anos, conseguiu ter 16 trabalhos enviados, dez selecionados e três aprovados para a etapa nacional. Acredito que isso é um reflexo da qualidade do curso”. Renata ainda ressalta a importância dessa experiência para o envolvimento dos alunos nas próximas turmas. “Devemos sempre participar, não só do Intercom, mas de outros eventos acadêmicos, além de estimular os alunos a participarem de mostras e concurso. É a melhor forma de apresentarmos o nosso trabalho e demonstrar que produzimos projetos de alta qualidade”, concluiu a coordenadora.

Relatos

dos alunos participantes no

Amanda Melo Acredito que carreira profissional tem relação direta com as experiências vividas no âmbito acadêmico. Todo o processo foi extremamente proveitoso: a seleção dos trabalhos, a redação do paper, a aprovação e defesa dos projetos nos fizeram crescer academicamente e mostraram a importância de “ocuparmos” os espaços destinados à apreciação da fotografia. Gabriella Lucena Nunca imaginei que teria um trabalho selecionado para participar de um evento tão grande quanto o Intercom. Foi uma alegria danada, seguida de um leve pânico, do que significava tudo aquilo. A verdade é que foi um par de semanas tensas e agoniadas, onde passei preparando a apresentação, e praticando tudo o que iria falar, no tempo determinado. Mas aí eu cheguei lá. E encontrei pessoas tão queridas, do meu lado, uma dando suporte à outra. Apresentei, consegui. A tensão acabou, e deu lugar à ansiedade. E foi aí que chamaram lá do palco ‘Macario pelo Mundo’. Lembro de gritar e de correr, e mais nada. Só sei o que senti lá na hora. E senti todo mundo que me quer bem, ali do meu lado, recebendo aquele prêmio comigo. Agora vamos para a próxima etapa. Eu e Macario vamos pro Rio, e independentemente de qualquer resultado, todas as experiências que vivi durante esse processo valeram a agonia, o medo, e -muitas- horas sem dormir. Juliana Galvão Foi muito enriquecedor participar da EXPOCOM, uma vez que temos oportunidade de conhecer o que os colegas da nossa região vêm produzindo, principalmente no campo das artes visuais, que é a minha área de interesse. Foi uma grata surpresa ver o excelente nível dos trabalhos e só lamento porque o tempo é curto e várias apresentações ocorrem ao mesmo tempo. Mas a boa notícia é que podemos conferir todos nos anais do Congresso. Luara Olívia O Expocom 2015 foi o meu primeiro congresso e participar com um trabalho produzido com os meus amigos, apresentá-lo e ser avaliado por isso foi uma experiência muito enriquecedora. Apesar

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Veja

os trabalhos que venceram o

Desenhando com Kari Galvão

Intercom Jr

e

Expocom

Macário pelo mundo

Expocom 2015

da tristeza de não termos ganhado o prêmio, ver tantos trabalhos bons e conhecer pessoas de outras instituições, inspira muito. Claro que nada teria sido tão bom sem o apoio e carinho dos nossos professores. Por fim, voltamos para casa com a cabeça cheia de ideias e ansiosos para a próxima edição do Expocom que será em Caruaru. Marina Feldhues Foi uma ótima experiência. Um pouco tenso por causa do viés de competição. Mas, muito válida. Ajudou a pensar mais sobre os próprios trabalhos que desenvolvemos durante o curso e a importância deles para o nosso desenvolvimento acadêmico e pessoal. Mirandolina Araújo A experiência foi uma forma que tivemos de valorizar nossa profissão. Mesmo sem ter sido aprovada para a etapa nacional, a experiência valeu a pena. A união dos professores, alunos e colegas do Norte-Nordeste mostrou a força que um “clique” pode trazer na vida de cada um. Paulo Souza A participação no Expocom foi uma oportunidade de apresentar a produção de nosso cotidiano na Universidade. No meu projeto, busquei criar uma aplicação prática dos conceitos desenvolvidos na disciplina de Mídias Digitais. A produção de um paper, submissão ao julgamento de uma banca e a experiência de apresentação pública do projeto foram vivências enriquecedoras e que agregam, tanto no âmbito pessoal do aluno, quanto no acadêmico. Rebeca Patrício Considero a participação no Expocom 2015 uma experiência de grande crescimento profissional para todos os alunos. Além de refletir a qualidade do curso, por termos apresentado trabalhos de qualidade, todo o processo (desde a seleção dos trabalhos até aprovação no Expocom) só demonstrou o apoio dos professores, que foram de fundamental importância durante essa trajetória.

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d e o r k

Nova Iorque é uma das cidades mais icônicas do planeta. Faz parte do imaginário de milhões de pessoas, mesmo as que nunca pisaram em solo americano. Famosa por ceder cenários para inúmeros filmes, apresentando os shows da Broadway, a Times Square, o Central Park, o Empire State Building, a Quinta Avenida, a Estátua da Liberdade e o Touro de Wall Street a plateias dos quatro cantos do mundo... Só isso já torna a Ilha de Manhattan um lugar apaixonante. Mas o que realmente me fascina é andar pelas suas ruas. Sinto-me uma cidadã do mundo. Mesmo com seu ritmo frenético e trânsito intenso, é possível observar a diversidade: pessoas de raças, religiões, culturas, ambições e visões diferentes. De repente, você se sente no Japão. Na próxima esquina, está na Índia. No mês passado voltei a Nova Iorque. Nos primeiros dias, transitando pelos longos quarteirões, comecei a fotografar os transeuntes. No fim da semana tinha coletado cerca de 700 imagens. Confesso que foi muito difícil chegar a esse ensaio com 27 delas.

Texto e Fotos de Renata Victor 28

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A fotografia de Robert Capa Texto de Duellen Melo de Souza Aluna do 1º módulo do Curso Superior Tecnológico em Fotografia. E-mail: duellenmelodesouza@gmail.com

Este texto visa expor os fatos marcantes da vida profissional do húngaro Robert Capa, buscando informações que retratem seu talento e o perigo ao se tornar um correspondente de guerra. As fotos referentes ao Dia D devem ser observadas com importância, tendo em vista que este ano completa 70 anos do final da Segunda Guerra Mundial (em 2 de setembro de 1945 com a rendição do Japão), evento que colaborou significativamente ao sucesso do Capa, já que fora o único a fazer as fotos da invasão na Praia de Omaha, na Normandia, França. O que seria da história de nossas vidas e antepassados sem o impulso dos registros fotográficos? Visando todo este conceito, o artigo que segue tem como intuito a exposição das aventuras enfrentadas pelo fotógrafo, a fim de obter registros que marcassem todo um contexto histórico, não para que o próprio ego fosse alcançado, mas para que as pessoas pudessem sentir, e ter o conhecimento dos verdadeiros fatos ocorridos, afinal ele mesmo detestava a guerra, as suas fotografias servem como própria manifestação contra tudo que presenciava. E assim o fez com talento e determinação, a ponto de ariscar a sua própria vida, para que fotografias como as que serão apresentadas se tornassem de fato um contexto histórico.

A vida de um fotógrafo de guerra O húngaro André Friedmann nasceu em 22 de outubro de 1913, deixou o país indo à Berlim ainda adolescente, tendo em vista que não era de acordo com o regime proto facista do almirante Miklós Horthy. Iniciando os seus estudos na Faculdade de Ciências Políticas, no meio jornalístico. O precoce adolescente de Budapeste que acabaria mundialmente conhecido como Robert Capa não aspirava ser fotógrafo. Queria ser escritor: repórter e romancista. Foi por acaso, não por escolha, que desviou, ou foi empurrado pelas circunstâncias, para a fotografia (WHELAN apud CAPA, 2010, p. 17). Iniciou a sua vida fotográfica pela necessidade de trabalho, precisava se sustentar, já que não estava recebendo mais o auxílio de sua família. Não abandonando, contudo, o sonho de ser escritor, embora tenha alcançado o auge de sua carreira com fotografias de guerra. Fez a cobertura de cinco grandes conflitos: Guerra Civil Espanhola, Segunda Guerra Sino-Japonesa, Batalha da Normandia, Guerra Árabe-Israelense e Primeira Guerra da Indochina. O nome Robert Capa surgiu pelo próprio André e a Gerda Taro, sua namorada. O intuito

A Guerra Civil Espanhola Em 1936 foi enviado pela revista Vu, junto com a Gerda para cobrir a Guerra Civil Espanhola. De acordo com a jornalista Martha Gellhorn (2010): “a Espanha era o país onde todos os homens livres podiam lutar contra Hitler, os nazistas e as ideias corrompidas que também eram praticadas pelos imitadores de Hitler. [Capa] não esperava entrar em combate, pois nunca tivera um fuzil nas mãos; pretendia tirar fotos que obrigassem todos a ver o que havia para combater.” Capa afirmou em 1937: “Não é necessário nenhum truque para tirar fotos na Espanha. Não é preciso pousar a câmera. As imagens estão lá, basta capturá-las. A verdade é a melhor imagem, a melhor propaganda”. E com a sua Leica, fez a sua fotografia mais polêmica “O soldado caído”.

Morte de um soldado republicano. Córdoba, Espanha, 1936. Fonte: http://bit.ly/1oEdXjp

A imagem causou forte impacto aos espectadores, pois até então nunca se tinha visto nada parecido. Robert Capa adquiriu experiência prematura como fotógrafo de guerra durante a Guerra Civil Espanhola e ficou mundialmente conhecido com esta imagem. Tirada durante os primeiros 34

era de vender melhor o seu trabalho as agências. “Eu tinha um nome ligeiramente diferente de Bob Capa. Mas esse meu nome verdadeiro não era muito bom. Eu era tão tolo quanto agora, só que mais jovem. Não conseguia trabalho. Precisava muito de um novo nome”, explicou Capa em 1947.

meses da guerra no front de Córdoba, mostra um soldado que acabou de ser alvejado. Publicada pela primeira vez na edição de 23 de setembro da revista francesa Vu, a fotografia foi amplamente reproduzida. Tornou-se a imagem definidora do conflito, bem como uma das fotografias de guerras mais famosas já reali35


zadas. Dois anos depois, a revista britânica Picture Post publicou uma página dupla com 26 fotografias tiradas durante a guerra e considerou Capa, com 25 anos, o “maior fotógrafo de guerra do mundo. A imagem também gerou controvérsia e houve muita discussão a respeito das circunstâncias de sua criação. Comentou-se que foi encenada e que o homem foi morto enquanto pousava para uma fotografia, e não em batalha; que não se trata do anarquista Federico Borrell Garcia, como se pensou nos anos 1990; e que o local é Espejo, a 56 km de Cerro Muriano, onde se achou, nos anos 1980, que a foto fora feita. Capa podia estar preparando a foto de um soldado quando este foi abatido pela bala de um francoatirador. Sentindo-se assim parcialmente responsável por sua morte, isso acabou resultando num obscurecimento dos fatos. Isso demonstra o perigo da guerra para os soldados e aqueles que a estão cobrindo, recordando o comentário de Capa: “Se suas fotografias não são boas o suficiente, você não está perto o suficiente” (KING apud HACKING, 2012, p. 191). Neste mesmo conflito perdeu sua companheira, Gerda Taro, que foi morta quando subiu em um carro com soldados feridos, onde o mesmo foi atropelado por um tanque. Sofreu imensamente com a perda de sua amada, não abandonando, contudo, o amor por cobrir guerras, embora tenha se sentindo até um pouco culpado, pois tinha a ensinado a fotografar. Um Convite Especial Foi convidado pela revista Collier’s a cobrir um trabalho especial, devido ao fato de analisarem o seu portfólio e chegarem à conclusão de que era um grande fotógrafo de guerra. Muito simples com apenas uma moeda no bolso, aceitou o convite após a regularização de sua situação junto com o Departamento de Justiça, que o via como “[...] no momento sem nacionalidade definida” (CAPA, 2010, p. 29). Esta aventura lhe proporcionou a criação de seu artigo chamado “O Comodoro do Comboio”. Foi indicado a ganhar uma medalha aérea, depois de realizar missões sobre território inimigo. Ao pular de paraquedas fez está bela fotografia, que tempos depois passou a ser a capa de sua biografia, Ligeiramente Fora de Foco.

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Batalha da Normandia, o Dia D No ano de 1944 ocorreu o Dia D, não podia ficar de fora de mais uma grande cobertura de guerra, sem imaginar é claro, que seria de tamanha importância a sua carreira. “O correspondente de guerra tem sua oposta (sua vida) nas próprias mãos e pode colocá-la neste ou naquele cavalo, ou pode colocá-la de volta no bolso no último minuto. Eu sou um jogador. Resolvi ir com a Companhia E na primeira leva” (CAPA, 2010, p. 183).

erro do assistente de laboratório que usou calor demais ao secar os negativos, proporcionando o derretimento das emulsões. Ainda tiveram a ousadia de informar nas legendas que as mãos do Robert Capa tremiam muito. Suas fotos servirão de inspiração para o filme “O Resgate do Soldado Ryan”, do diretor Steven Spielberg, lançado em 1998, na cena da chegada dos soldados a batalha na praia.

Wesel, Alemanha em 24 de março de 1945. Fonte: http://bit.ly/1Mgd38T

Costa da Normandia, França, 6 de junho de 1944. Fonte: http://bit.ly/1oEdXjp

Wesel, Alemanha em 24 de março de 1945. Fonte: http://bit.ly/1L29TH0

E assim o fez, à medida que tentava se proteger das balas de metralhadoras e rifles registrou fotografias surpreendentes, sempre muito perto. “Eu não ousava tirar o olho do visor da minha Contax e disparava foto após foto” (CAPA, 2010, p. 194). Ao voltar ao navio passou a ajudar a carregar macas com soldados feridos, acordando tempos depois em um cafre, devido ao extremo esforço ao qual havia se submetido, recordando-se, contudo de quem era e de todos os acontecimentos daquele dia. Foi considerado um herói por ter sido o único a fazer os melhores registros da invasão. Restando apenas 8 fotografias das 106 produzidas, devido a um

Normandia, França, 6 de junho de 1944. Fonte: http://bit.ly/1oEdXjp

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Participação em Hollywood Em 1945, conheceu a atriz Ingrid Bergman no hotel Ritz, ao qual teve um caso, embora a mesma fosse casada com o dentista sueco, PetterLindstrom. Um ano depois realizou alguns trabalhos para a Internacional Picture, ao tentar a vida em Hollywood a pedido da atriz, mas logo se viu muito entediado por não se adaptar a situação, não se via sendo comandado. O diretor Alfred Hitchcock presenciou de perto o romance dos dois, o qual o inspirou para o filme Janela Indiscreta, (1954). Negou um casamento com a atriz, pois não se imaginava tendo uma vida normal de casado, com filhos, devido a sua profissão e paixão por cobrir guerras.

Agência Magnum Visando o direito de autoria, propagação das imagens, e o fato de não ser mais explorado pelos outros criou em 1947 a Agência Magnum, juntamente com os fotógrafos: David Seymour, Henri Cartier-Bresson, George Rodger. Conforme relata Pierre Gassmann, “o nome surgiu espontaneamente numa reunião em Paris em que uma garrafa Magnum de champanhe foi aberta e alguém gritou: “Magnum!”” (GASSMANN apud KERSHAW, 2013, p. 224). A ideia era de que os temas e rumos da cooperativa fossem escolhidos pelos próprios associados. Um dos seus grandes projetos foi o “Gente que é Gente”, se tratava de reportagens sobre famílias de todo mundo. Robert Capa recrutou vários fotógrafos a fazerem parte da agência, direcionando-os ao objetivo dos trabalhos, muito deles chegaram a alcançar à fama.

Fotos de Celebridades Ao voltar de Israel quando não estava praticando o seu hobby favorito, que era jogar pôquer nos cassinos, fez fotografias de celebridades, entre outros o próprio Pablo Picasso.

Fotos de Publicidade Fez um trabalho para o New Look de Christian Dior, a grande sensação de moda no momento, reconhecida pelas suas saias longas.

Françoise Gilot e Pablo Picasso em 1948, fotografados por Robert Capa. Fonte: http://bit.ly/1gtA6B8

Ingrid Bergman no set do filme “Notorious”, dirigido por Alfred Hitchcock. Hollywood, Califórnia. Estados Unidos,1946. Fonte: http://bit.ly/1Izr8M9

Ingrid Bergman durante as filmagens de “Notorious”. Fonte: http://bit.ly/1N4ePL7

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Pescador e modelo Dior, vestindo um “New Look” saia longa. No fundo: o Rio Sena e a Torre Eiffel, Paris, França Fonte: http://bit.ly/1htzBYy

Um modelo Dior, vestindo um “New Look” saia longa. No fundo: Pont de Grenelle em frente ao Rio Sena e uma réplica da Estátua da Liberdade, Paris, França. Fonte: http://bit.ly/1L07dai

Fim de Carreira – Guerra da Indochina Em fevereiro de 1954 não desejava cobrir mais guerras, segundo informações da Suzy Marquis (MARQUIS apud KERSHAW, 2013, p. 289): “Fora terrivelmente afetado, do ponto de vista psicológico, pelo que tinha visto”. Afinal, Capa detestava guerra, as suas imagens não eram conhecidas pelas belezas de composição, mas sim, pela realidade das mensagens transmitidas, o seu objetivo era passar a sociedade o verdadeiro sentimento dos fatos ocorridos, o que fazia com excelência por sinal. “Se tiver de ir novamente para uma guerra, eu me mato, pois já vi coisas de mais” informou o Robert Capa a sua amiga Suzy (KERSHAW, 2013, p. 289). Foi ao Japão em uma exposição feita com as suas fotos em Tóquio, de acordo com informações de JinixRodger: “Ele era um verdadeiro herói para eles” (KERSHAW, 2013, p. 291). Recebeu um convite da revista Life para cobrir a Guerra da Indochina substituindo um

fotógrafo que tinha voltado por motivos pessoais, aceitando o convite em 30 de abril de 1954 devido a uma boa proposta. Em meio ao perigo que era submetido a fim de fazer bons registros, foi visto até enfrentando fogo de morteiros para carregar soldados que estavam feridos. “Ele tomava cuidado quando tinha de atravessar áreas expostas, [...] mas, quando via a possibilidade de uma bela foto que só pudesse ser tirada correndo riscos, ia em frente”, afirmou Mecklin (KERSHAW, 2013, p. 299). E em 25 de maio de 1954 com a plena convicção de que estava se arriscando demais, decidiu correr novamente o risco, tendo em vista que desejava fazer a fotografa de uma grande explosão, atravessando uma área protegida. E quando menos se esperava ouviu-se realmente uma explosão, a qual o próprio Capa tivera sido vítima. Sendo encontrado por seus amigos Mecklin e Lucas. Capa estava deitado de costas, banhado em sangue. Sua perna esquerda fora destroçada. O coto estava a centímetros de um buraco cavado no solo por uma mina. No peito, ele tinha um ferimento profundo. Com a mão esquerda, agarrava sua câmera Contax (KERSHAW, 2013, p. 301). Seu corpo foi levado a um médico, mais o mesmo o declarou como morto. Foi o primeiro correspondente americano a morrer na Indochina. Foi feita uma cerimônia em uma casa de encontros em Purchase, a qual lhe foi enviada homenagens de várias partes do mundo. Em seu caixão havia a descrição “Robert Capa, photographe”.

Patrulha militar francesa na estrada de Namdinh para Thaibinh, em 25 de maio de 1954. Fonte: http://bit.ly/1gtA6B8

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Entrevista com Robert Capa Texto de Julianna Nascimento Torezani

As respostas da entrevista são trechos do livro “Ligeiramente fora de foco”, quando o autor narra o Dia D, em 6 de junho de 1944, durante a Segunda Grande Guerra. O livro foi lançado originalmente em 1947 e no Brasil pela editora Cosac Naify, em 2010. Namdinh. 21 de maio de 1954. Cemitério militar. Fonte: http://bit.ly/1IZMNPd

Medalha de Ouro Robert Capa O prêmio foi criado pela Life e pelo Overseas Press Club, o mesmo tratava-se na realização de homenagens a fotógrafos que trabalhassem com determinação e coragem sobretudo, que tivessem um pouco das qualidades do extraordinário Robert Capa, alguns dos vencedores foram os americanos James Nachtwey e Steve McCurry, além do brasileiro André Liohn, ganhador em 2011, pelas fotos que fez na Líbia. Considerações Finais Durante toda sua vida Robert Capa trabalhou em prol de seus objetivos com grande determinação, aproveitando todas as oportunidades que lhes eram dadas, visando sem sombra de dúvida o registro de fatos que marcassem toda uma geração. Participou de grandes conflitos, não estava presente apenas como fotógrafo mais como cidadão, em muitos casos deixava a sua câmera um pouco de lado a fim de ajudar aqueles que estavam feridos. Foi um excelente profissional, até então ninguém havia ousado chegar tão perto, se aventurar ao perigo, a fim de obter o seu propósito jornalístico. 40

Foto: Robert Capa fotografado por Ruth Orkin, em Paris, França, 1952. Fonte: http://www.magnumphotos.com

Referências AGÊNCIA MAGNUM. Disponível em: <http:// pt.wikipedia.org/wiki/Ag%C3%AAncia_Magnum>. Acesso em: 20 abr.2015 CAPA, Robert. Ligeiramente Fora de Foco. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Cosac Naify, 2010. Título original: Slightly out of focus. HACKING, Juliet (editora geral). Tudo sobre fotografia. Tradução de Fabiano Morais, Fernanda Abreu e Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Sextante, 2012. Título original: Photography: thewhole story KERSHAW, Alex. Sangue e Champanhe: a vida de Robert Capa. Rio de Janeiro: Record, 2013. ROBERT CAPA. Disponível em: <https://caminhosdojornalismo.wordpress.com/fotojornalismo/fotojornalistas-em-destaque-2/fotojornalistas-em-destaque/>.Acesso em: 20 abr.2015.

UNICAPHOTO - Senhor Robert Capa, quais foram os preparativos para o Dia D quando os soldados desembarcaram na França? ROBERT CAPA - “Tínhamos de trocar nossas notas de dólar e libras legítimas por francos da invasão impressos em papel fino. Recebemos uma lista com centenas de itens que nos diziam o que o visitante bem-vestido estaria usando nas praias francesas durante a temporada de 1944. Além disso, recebemos um livrinho nos dizendo como deveríamos nos dirigir aos nativos. Havia algumas abordagens úteis em francês: Bonjour, monsieur, nous sommes les amis américains*. Isso para dizer aos homens. Bonjour, mademoiselle, voulez-vous faire une promenade avec moi?** Isso para dizer às garotas. A primeira queria dizer ‘Senhor, não me dê um tiro’; a segunda podia significar qualquer coisa”. *”Bom dia, senhor, nós somos seus amigos americanos”. **Bom dia, senhorita, você aceitaria passear comigo?”. UP - O que aconteceu momentos antes do desembarque da tropa anfíbia? RC - “Às duas da manhã, o alto-falante do navio interrompeu nosso jogo de pôquer. Pusemos nosso dinheiro nos cintos à prova d’água e fomos brutalmente lembrados de que a Coisa era iminente. Prenderam em mim uma máscara de gás, um salva-vidas inflável, uma pá e alguns outros objetos, e eu dobrei minha caríssima capa de chuva Burberry sobre o braço. Eu seria o invasor mais elegante de todos”. UP - Como ocorreu a invasão? RC - “À espera dos primeiros raios de luz, os 2 mil homens se mantinham no mais perfeito silêncio; independentemente do que estivessem pensando, era uma espécie de oração. [...] 41


Os primeiros saltaram para suas barcaças e, como se estivéssemos em lentos elevadores, descemos para o mar. A água estava agitada e ficamos molhados antes mesmo de as barcaças se afastarem da nave-mãe. [...] A costa da Normandia ainda estava a quilômetros de distância quando os primeiros zumbidos inconfundíveis chegaram aos nossos ouvidos atentos. Nós nos abaixamos na água vomitada do fundo da embarcação de desembarque e paramos de olhar o litoral que se aproximava. [...] Já estava claro o bastante para fazer fotos e eu tirei minha primeira câmera Contax de sua proteção à prova d’água”. UP - Quando tirou a primeira foto? RC - “Os homens ao meu lado chapinhavam na água. Mergulhados até a cintura, com rifles prontos para atirar, com os obstáculos de invasão e a praia enfumaçada ao fundo, era o que bastava para o fotógrafo. Parei um momento na prancha de desembarque para fazer minha primeira foto pra valer da invasão. O contramestre, que estava com uma pressa compreensível para sair dali o mais rápido possível, confundiu o meu fotografar com uma compreensível hesitação e me ajudou a me decidir com um bem aplicado chute na bunda. A água estava fria, e a praia ainda a mais de cem metros. As balas abriam buracos na água à minha volta, e eu corri para o obstáculo de aço mais próximo. Um soldado chegou ao mesmo tempo e durante alguns minutos repartimos o escudo. Ele tirou a proteção à prova d’água de seu rifle e começou a atirar sem mirar muito na fumaça que cobria a praia. [...] Estava uns trinta centímetros mais folgado e me senti suficientemente seguro para fazer fotos dos outros sujeitos escondidos como eu”. UP - Depois de chegar na praia, você retornou ao mar e chegou ao barco onde estavam muitos mortos e feridos. O que aconteceu depois disso? RC - “Nosso barco estava adernando e lentamente nos afastávamos da praia tentando chegar à nave-mãe antes de afundar. Desci para a casa de máquinas, sequei as mãos e pus filmes novos em ambas as câmeras. Subi de novo para o convés, a tempo de fazer uma última foto da praia coberta de fumaça. Então tirei algumas fotos do pessoal fazendo transfusões no convés. Uma embarcação de desembarque emparelhou conosco e nos tirou do barco que afundava. A transferência dos feridos graves em mar agitado era difícil. Não fiz mais fotografias. Estava ocupado carregando macas. Fomos levados ao U.S.S. Chase, o mesmo barco que havia deixado seis horas antes. No Chase, a última leva da 16º Infantaria se preparava para partir para a batalha, mas os conveses já estavam cheios de mortos e feridos de volta. Era minha última chance de voltar à praia. Não voltei. Os recrutas que tinham servidos nosso café da manhã de madrugada, de jaquetas brancas e luvas brancas, estavam agora cobertos de sangue costurando os mortos em sacos brancos. Os marujos recolhiam macas das barcaças que afundavam em torno. Comecei a fotografar. Então as coisas ficaram confusas... Acordei num catre. Meu corpo nu debaixo de um cobertor áspero. Em meu pescoço, um pedaço de papel dizia: ‘Caso de exaustão. Sem plaqueta de identificação’. Minhas câmeras estavam em cima da mesa e eu me lembrava quem era”. UP - O que aconteceu no dia seguinteao Dia D? RC - “Eu fui tratado como herói. Me ofereceram um avião para voltar a Londres para dar uma entrevista no rádio sobre minha experiência. Mas eu ainda me lembrava muito bem do que havia passado de noite e recusei. Pus meus filmes na bolsa de imprensa, troquei de roupa e voltei para a cabeça de praia poucas horas depois, no primeiro barco disponível. Sete dias depois, fiquei sabendo que as fotos que eu tinha tirado na ‘Easy Red’ eram as melhores da invasão. Mas o animado assistente do laboratório, ao secar os negativos, havia usado calor demais, e as emulsões derreteram e escorreram diante de todos os olhos do escritório de Londres. Do total de 106 fotos apenas oito se salvaram. As legendas de baixo das fotos borradas pelo calor diziam que as mãos de Capa estavam tremendo muito”. 42

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e d e s i l a An agem im Análise feita pelo aluno Quintino Robson de Moura Bezerra do terceiro módulo do curso de Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) dentro das atividades da disciplina Linguagem Fotográfica I, ministrada no semestre letivo de 2015.1 pelo professor Leonardo Ariel. O fotógrafo Pedro Martinelli começou sua carreira na Gazeta Mercantil em 1967. Depois, passou pela Globo, Abril, Veja, dentre outras publicações, tornando-se num dos fotógrafos mais experientes e respeitados do Brasil. Quando tinha 20 anos, foi convocado pela Rede Globo para fotografar a expedição comandada pelos irmãos Villas Boas, que buscava estabelecer os primeiros contatos com os Índios Panará, conhecidos como “Índios Gigantes”. Foram três anos de esforços – de 1970 a 1973 - para se obter os primeiros contatos. Ao longo de 25 anos, testemunhou a quase extinção dos Panará, vitimados pelas doenças típicas do homem branco. Pedro Martinelli não só participou da primeira expedição comandada pelos irmãos Villas Boas, como também registrou o retorno dos Índios Gigantes as suas terras de origem, vinte e cinco anos após terem sido transferidos para o Parque do Xingu. Segundo seu companheiro de viagem, Beto Ricardo, Pedro Martinelli ainda utiliza uma câ44

mera mecânica e só fotografa os protagonistas de suas histórias depois de uma longa e calorosa aproximação. A partir de 1994, passou a documentar o cotidiano do homem da Amazônia, tendo escrito alguns livros sobre o tema como Amazônia – O Povo das Águas, Tanará – A Volta dos Índios Gigantes e Mulheres da Amazônia. Análise da imagem A fotografia em preto e branco apresenta um plano médio, onde o ser humano e o ambiente são valorizados, em um delicado equilíbrio entre os elementos da composição. No registro, vemos três homens em uma clareira no seio da selva amazônica. Com o uso de uma lente normal, as pessoas foram, aparentemente, clicadas num momento de descontração: um homem branco sorridente ajuda um índio a disparar uma arma de fogo, segurando suas mãos. As pessoas ali representadas são um homem branco vestindo calça e camisa, com um cinto e uma faca. Os outros personagens são índios completamente

despidos. O primeiro índio, que usa apenas um chapéu, dispara a arma de fogo e tapa um ouvido com a mão livre, enquanto seu companheiro aparece escondido, como se procurasse proteger-se do estampido. A foto, que foi realizada em um ângulo normal, com a câmera posicionada na altura dos protagonistas, e com luz natural, apresenta sombras marcantes, gerando fortes contrastes entre as áreas mais iluminadas e as com menos luz. A grande profundidade de campo foi planejada para privilegiar tanto o elemento humano como o ambiente, aspecto este também realçado pela escolha do movimento congelado. Durante o regime militar, iniciado em 1964, o Governo Federal criou o Plano de Integração Nacional, que tinha como meta integrar as regiões mais remotas do país, através de grandes rodovias. Às margens de uma dessas rodovias, a Cuibá-Santarém, viviam os lendários índios Panará. Sabia-se muito pouco a respeito deles. Dizia-se terem estatura acima do normal e, por isso, eram conhecidos como Índios Gigan-

tes. Eram extremamente refratários ao homem branco, de modo que, só depois de três anos de paciente espera os irmãos Villas Boas conseguiram os primeiros contatos com eles. Eles tinham estatura normal, revelando não passar de lenda a informação de serem eram gigantes. O uso do chapéu e da arma de fogo pelos índios denotam claramente que, desde os primeiros contatos, por volta de 1973, o homem branco já procurava impor sua cultura e seus costumes, sem se preocupar com as graves consequências à vida dos Panará e de outras minorias, à margem do chamado mundo civilizado. A fotografia procura mostrar o contato entre brancos e índios de forma amistosa e descontraída. A imagem, apesar de à primeira vista revelar o encantamento dos Panará diante de uma arma de fogo, demonstra de forma subjacente, sua ingenuidade diante de uma tecnologia capaz de eliminar a vida, de forma até então desconhecida para eles. Elementos da linguagem Foco, profundidade de campo, plano de foco, contrastes, ângulo, composição e movimento. 45


S

o l i d a o

a c o m p a n h a d a

O Ensaio “Solidão Acompanhada” retrata a busca da personagem por si mesma, tendo como companhia seus pensamentos, suas diretrizes, seus gritos e silêncios interiores, suas inquietações e tudo o que a move. A sua beleza, doçura e fragilidade contrapõe a atmosfera bucólica do cenário. O ‘’acompanhada’’ também se refere à presença do fotógrafo como o efeito causal desse universo particular, auxiliando o espectador nessa imersão. Outra fonte de inspiração se refere ao devaneio causado pelos mais profundos pensamentos de uma paixão inalcançável, uma busca incessante pelo amor utópico, beirando o fanatismo. As fotos foram feitas pela aluna Luara Olívia para a disciplina de Poética da Imagem do professor Dario Brito. Foram produzidas numa casa abandonada com a modelo Gabriela Viana, formada em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco. 46

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Fotos: Cláudia Jacobovitz

Para poder te olhar: memória, fotografia e sentimento

A fotógrafa pernambucana Yeda Bezerra de Melo participou em julho deste ano, em parceria com Cláudia Jacobovitz, de uma exposição na Galeria ArtePlural que apresenta ao visitante uma relação extrema de sentimento e arte. A exposição Para Poder Te Olhar, trabalho de Yeda, trata a relação da artista com seu lado emocional: foram criadas obras em cima das memórias da mãe, falecida há alguns anos. “Com as fotos, fiz trabalhos de pintura, crochê, sobreposição de imagens e outros processos”, diz a autora, cuja mostra tem 17 peças. “Yeda ‘re-auratiza’ a fotografia com essas intervenções artesanais. Se tornaram únicas novamente. Tanto é assim que as imagens são

Texto de Germana Soares

tratadas como se fossem em quadros, seja no tamanho ou na disposição”, explica a curadora da exposição e artista plástica, Maria do Carmo Nino. No vernissage, Yeda lançou também um livro com as fotos, também batizado Para poder te olhar. As imagens são acompanhadas de textos, feitos por amigos da artista. A tiragem é de 1000 exemplares e interessados poderão adquirir na Arte Plural. Além das obras impressas, a artista desenvolveu um produto audiovisual para a exposição: filmou a passagem das imagens pelos lugares dos avós em um vídeo de quatro minutos. Fotos: Yeda Bezerra de Melo

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DIREITO AUTORAL E DIREITO DE IMAGEM Julianna Nascimento Torezani*

DIREITO À IMAGEM E DIREITO À INFORMAÇÃO Foto: Cláudia Jacobovitz

Memorabilia em Yeda B. Mello: a evocação de memórias

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Texto de Maria do Carmo Nino, curadora e artista plástica

“A arte nasce e se afirma onde quer que exista uma ânsia eterna e insaciável pelo espiritual, pelo ideal.” Andrei Tarkoviski

No contexto dos trabalhos que percebemos nesta exposição, Yeda B. Mello estabelece um elo entre pintura, escrita e o médium fotográfico: idealiza e realiza suas transposições pictóricas onde a relação manual é evocada a partir das possibilidades de diálogo com a imagem técnica. Esta escolha se acha beneficiada pelos valores estéticos claramente acolhedores, em um tipo de convivência ótica que estimula o olhar, que as faz vibrar a superfície e se acha ainda mais enriquecida pela diversidade de suportes e matérias utilizadas. O adensamento espacial tornado possível por estas sutis imagens nos evocam de imediato um universo permeado de intuição e sensibilidade artística, insuflando en passant nas imagens a emoção ressentida pela lembrança de um ente querido e marcante na trajetória de cada um de nós: a sua própria mãe. Duplicações, sobreposições, luzes, cores e sombras delineiam-se em planos contíguos à imagem monocromática de outrora, gerando palimpsestos que evocam sim, o acúmulo do tempo entre captação e a evocação de sua experiência perceptiva deste hiato e as consequências das decisões geradas com apuro e suntuosidade na

intervenção sobre a matéria do papel fotográfico. Acúmulo e fluxo, que entremeados de modo irreversível, reverberam também na percepção do observador, gerando um tempo interno que irrecuperavelmente se fratura na consciência e identificação propiciada a cada um de nós que se vê diante destas imagens. Já que o vestígio de efêmeras grafias de luz é a essência mesmo da linguagem fotográfica, Yeda as faz conviver com uma nova realidade, aquela da imagem em si mesma, fazendo emergir neste encontro sua própria voz interior, através de emoções e desejos. Estas imagens não são apenas as guardiãs da memória pessoal da artista, elas habilmente proporcionam lembranças e interferem nas memórias que nos pertencem em um plano subjetivo e individual. Este convite de encontro espiritual guarda a integridade da artesania sublimada em arte. Ao fazer entrar em cena certas fraturas do tempo necessariamente envolvidas nos conscientiza a todos que a realidade abraça também a imaginação, a vibração interiorizada presente nos sonhos, na ansiedade, na saudade, no amor, na arte, enfim.

A Constituição Federal de 1988 garante o direito à vida, à liberdade, à igualdade, assegurando a inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas em seu Artigo 5. Da mesma forma garante o direito à informação no Artigo 220 quando trata: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Assegura a plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, levando em conta o direito à imagem e a vida privada. Por==tanto, são direitos constitucionais a privacidade e a liberdade de expressão e desta forma são direitos relativos que devem ser analisados em função de cada situação e objetivo. Para Erivam Oliveira e Ari Vicentini, na obra Fotojornalismo: uma viagem entre o analógico e o digital (Editora Cengage Learning, 2009, p. 152), “a imprensa tem o direito de informar, valendo-se de imagens das pessoas, sem sua expressa autorização, como decorrência da liberdade de expressão e pensamento”. Mas, para isto ocorrer deve ser observado que o fato tenha relevância jornalística e deve ser anunciado a sociedade para seu bem estar, do contrário o que deve prevalecer é o direito à imagem. Há casos que o direito à imagem deve ser respeitado e há casos que o direito à informação prevalece. O jornalista deve analisar todas as situações antes de publicá-las, tomando todos os cuidados com a exposição da imagem das pessoas por conta da honra destas, para não gerar calúnia, injúria e difamação. “Se a imagem de alguém for usada como informação jornalística, portanto em nome do interesse público, prevalecerá o direito de informação, mesmo que essa divulgação provoque um dano à pessoa. No caso de divulgação de imagem de alguém, em que fique caracterizada a falta de interesse jornalístico, caberá à pessoa

comprovar tal divulgação provocou um dano, podendo exigir da justiça uma reparação” (OLIVEIRA; VICENTINI, 2009, p. 153). A liberdade de imprensa está a serviço do público como uma atividade social e o direito à vida privada é o reconhecimento de valores individuais. Deve haver interesse social para publicação de fatos que exponha o nome, a voz e a imagem do indivíduo. “A qualidade de interesse público, por si só, porém, não deve servir como critério único para que a liberdade de imprensa se sobressaia. É preciso que esse interesse seja provocado por notícia essencialmente jornalística, atuando na preservação dos valores que deram origem à garantia constitucional da liberdade de imprensa, à difusão de conhecimentos e ideias e à valorização do ser humano” (OLIVEIRA; VICENTINI, 2009, p. 153). Outro cuidado importante a ser tomado por parte de todos é a publicação de imagens das pessoas nas redes sociais para que não ocorra em fatos que tragam problemas à sua honra, como já ocorreram inúmeros casos que caracterizaram cyberbulling, em especial para adolescentes. As pessoas devem ficar atentas a Política de Privacidade de cada rede social que participa, observando os critérios sociais e legais ali expostos, lembrando que muitas delas como Facebook e Instagram são empresas cujas sedes estão nos Estados Unidos. De acordo com Dulcília Buitoni no livro Fotografia e Jornalismo: a informação pela imagem (Editora Saraiva, 2011, p. 34) “muitas imagens da vida privada caem no circuito da informação pública. Os critérios de público e privado estão sendo alterados pela disseminação de imagens pessoais na Internet, seja em redes sociais como o Flickr, Facebook, Orkut, Twitter, blogs etc. Os reality shows da TV são uma exacerbação do privado que se torna público”. No entanto, vale lembrar mais uma vez que a imagem das pessoas é protegida como um direito constitucional e sua intimidade e privacidade também.

*Juliana Nascimento Torezani é professora do Curso de Fotografia da Unicap. Email: juliannatorezani@yahoo.com.br.

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B

e l e z a

Texto e fotos de kezya souza Por mais que eu tenha me preparado para visitar esse cartão postal do Maranhão, pesquisando informações na internet, nada; absolutamente nada, diminui o impacto de estar em meio a esse cenário com 155 mil hectares de área, composta por uma imensidão de dunas branquinhas e lagoas de água doce e límpida que, ora se apresentam azuis, ora verdinhas. Com ponto de apoio na cidade de Barreirinhas, segui armada com minha câmera e muita expectativa para explorar seus mistérios, montada em um carro com tração 4x4 (daqueles tipo pau de arara mesmo). Nem pensar em en-

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trar na reserva sem o acompanhamento de um guia de turismo credenciado, pessoal! A reserva não tem controle para a entrada, mas não é sinalizada, sendo assim, fica muito fácil se perder entre os bancos de areia e, por lá, não existem barracas, vendedores ou banheiros, enfim; nenhum tipo de infraestrutura que possa dar apoio a uma pessoa perdida. O que reina é a força da natureza agindo como quer, em estado latente. Recomendo para quem vai, um leve preparo físico antecipado para que o passeio seja bastante prazeroso, pois, para chegar nas diversas lagoas e poder refrescar-se nas suas águas, é preciso enfrentar longas caminhadas sob sol

M

i s t e r i o s a

forte. Os pés afundam na areia fofa e isso acarreta um pouco mais de esforço para caminhar. Vivenciar toda essa imensidão de areia é uma experiência inigualável, mas bastante cansativa. Protetor solar, chapéu, óculos de sol, um lanchinho e água para beber não podem faltar! No entanto, todo cansaço e qualquer pensamento de desistir da jornada vão embora rapidamente quando nos deparamos com uma paisagem de dunas pontuadas por lagoas de diversos tamanhos; quando ficamos frente a frente com um imenso paredão de areia, com metros e metros de altura; com a fina nuvem de poeira que voa rente ao chão e leva a areia,

de lá para cá, em movimentos que redesenham a geografia das dunas. Sob alguns pontos de vista, o lugar parece com uma paisagem lunar: arenosa e entrecortada por profundas crateras. E, para coroar o fim do dia de aventuras, o sol nos presenteia com um show de luzes e cores durante o momento de se pôr. Vale a pena conferir a exuberância dessa paisagem. Os guias turísticos informam que o melhor período para que os aventureiros possam usufruir, do melhor que os Lençois Maranhenses podem oferecer, é de maio a setembro. Coragem, aventureiros, e se permitam!



O registro de si: uma análise dos autorretratos de Cindy Sherman Texto de Julianna Nascimento Torezani Doutoranda em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, em 2014-1015. Mestre em Cultura e Turismo e Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia. Professora do Curso Superior Tecnológico em Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco. E-mail: juliannatorezani@yahoo.com.br

Os retratos fotográficos surgem no século XIX quando as emulsões químicas utilizadas no processo são mais sensíveis à luz e seu tempo de exposição diminui, uma vez que, para criação das primeiras imagens eram necessárias horas o que não permitia obter a imagem das pessoas rapidamente, experiência que ocorre no segundo momento de produção. Estes registros eram feitos para diferentes objetivos, em especial para criação de uma imagem para posteridade, para o ato fotográfico a pessoa escolhia o melhor traje, os melhores acessórios (como jóias e chapéus), os melhores móveis e lugares, além de posar de maneira que poderia estabelecer um papel social, como escritor, médico, professor, dona de casa, mãe ou artista. Walter Benjamin (1994, p. 96) esclarece que “tudo nessas primeiras imagens era organizado para durar; não só os grupos incomparáveis formados quando as pessoas se reuniam, [...] mas as próprias dobras de um vestuário, nessas imagens, duram mais tempo”. Inicialmente como elemento da aristocracia e dos burgueses, com o tempo o retrato deixa de ser objeto dos mais abastados e populariza-se, pois foram criados inúmeros estúdios que já tinham à disposição dos clientes acessórios, roupas, móveis e fundos infinitos, a produção 58

passa a ser em série da Europa para os demais lugares do mundo, principalmente na América, inclusive fundos pintados e personalizados. “O retrato surge na época em que se acentua o processo de individualização, sobretudo na Europa. Passam a existir novos tipos de preocupações com o corpo e vestimentas como forma de se produzir a imagem ideal que se quer perpetuar” (ACHUTTI, 1995, p. 436). O primeiro autorretrato na História da Fotografia foi feito por Hippolyte Bayard (18011887), em 1840 na França, como elemento de protesto contra o governo francês que não colaborou no desenvolvimento de seus processos fotográficos, colaborando apenas Louis Jacques Mandé Daguerre. Esta imagem de Bayard é também o primeiro nu, a primeira fotografia íntima e a primeira farsa, ele distribuiu esta foto com um texto no verso como se estivesse morto, descontente por não ter apoio para o seu projeto. Ao se tornar um negócio lucrativo, o retrato foi feito no século XIX com o formato de carte de visite (6 X 9,5 cm), invenção do francês Eugène Disdéri (1819-1889), que fazia na mesma chapa oito imagens, onde mostrava as pessoas em plano americano sempre próximas a móveis ou cortinas, e isso fez com reduzisse o preço

Autorretrato de um homem afogado, Hippolyte Bayard,1840. Fonte: Tudo sobre Fotografia (2012, p. 21).

Princípe Lokowitz, carte de visite feito por Eugène Disderi, 1858. Fonte: Tudo sobre fotografia (2012, p.10).

dos retratos, gerando um consumo de massa. Isto impulsionou o desenvolvimento da fotografia, ao dar lucro muitos pesquisadores resolveram melhorar as emulsões químicas e reduzir o tempo de exposição. No verso do carte de visite podiam ser escritos textos, pois a finalidade deste era presentear os outros. A partir das primeiras experiências de fazer retratos no século XIX, este gênero fotográfico atravessa os séculos, passa pelo século XX com as câmeras portáteis e filmes em rolo e chega ao século XXI com os registros feitos com equipamentos digitais e postados nas redes sociais. Este trabalho busca fazer uma análise da produção fotográfica da retratista americana Cindy Sherman (1954). A escolha deste trabalho se dá em função de suas imagens apresentarem na produção o fato de ser fotógrafa e fotografada de seus registros, também porque utiliza trajes, poses e acessórios que discute os papéis sociais das mulheres, discutindo questões de gênero, profissões e épocas. Sua produção iniciou na década de 1970 e continua desde então, sendo reconhecida no mundo da arte, integrando a lista dos grandes artistas contemporâneos. Nesta análise terá destaque apenas duas séries: Untitled Film Stills e History Portraits. A série Untitled Film Stills (Foto-

gramas de cinema sem título), realizada entre 1977 e 1980, consta de 69 fotografias em preto e branco representando diferentes tipos femininos estereotipados. “Trata-se de um inventário de estereótipos da solidão e das frustrações da mulher ocidental pós-guerra: a amante abandonada (Untitled #6), a jovem ingênua sonhando com o príncipe encantado (Untitled #34), a dona de casa realizada, mas completamente entediada (Untitled #11) [...]. Produtos do desejo e do olhar masculinos, esses estereótipos femininos substituem o poder e o controle que a sociedade patriarcal exerce sobre as mulheres – suas energias, suas atividades, suas emoções, seus desejos, seus corpos” (ROUILLÉ, 2009, p. 377). Buscou no cinema, na televisão, na publicidade, na imprensa inspiração para compor tais personagens femininos. Com o uso de perucas, maquiagem, penteados, fantasias e acessórios dentro de cenários também planejados para criar as imagens que Sherman discute que o universo feminino é uma construção codificada calcada na representação de papéis sociais de referência. Desta forma, problematiza a identidade feminina, dos papéis que as mulheres exercem na sociedade e o que caracterizam tais papéis. Na imagem Untitled #13 ela se re59


trata como uma jovem inspirada na atriz francesa Brigitte Bardot, ao posar em uma biblioteca, ela mostra a figura observando outro espaço como se estivesse em sua realidade diária (Em 2011, uma cópia de seu Untitled # 96 (feita em 1981) foi vendida por 3,89 milhões de dólares num leilão na Galeria Christie’s em Nova York. Observa-se a partir disto uma abertura do mercado da arte para comercializar fotografias deste tipo). De 1989 a 1990, Sherman faz, em Roma, a série History Portraits (Retratos Históricos), inspirada em pinturas clássicas cria a representação dos tipos femininos e masculinos. Através dos estudos das obras do Renascimento, do Barroco, do Rococó e do Neoclassicismo recria o Pequeno Baco doente de Caravaggio (Untitled #224), entre outras imagens. Neste trabalho a fotógrafa aborda o conceito de cross-dressing, uma vez que usa elementos das categorias do feminino e do masculino nas fotografias, questionando assim tais categorias fechadas ou os elementos que pertenceriam apenas a um gênero. A artista demonstra que estes ele-

mentos deslocam-se e podem ser usados por diversos gêneros, não pertencendo a apenas uma categoria. Como obra fotográfica a retratista elabora a cena planejando da pose, ao enquadramento, ângulo e iluminação; o corte, o posicionamento da câmera, a sombra e a luz diferem a cada imagem, pois pela expressão fotográfica gera uma representação. “A capacidade de Sherman de alterar de forma convincente sua aparência ao longo da série - e, portanto, a nossa percepção de sua identidade - provou ser uma manifestação visual crucial de feministas e teorias pós-modernas, que vêem a feminilidade como uma noção construída em vez de uma qualidade naturalmente inerente” (BRIGHT, 2010, p. 100) . Estes retratos, como representação, demonstra elementos identitários, construídos com técnicas até mesmo de teatralização, mas que serve para fazer as criações fotográficas buscando elementos que dialogam com ícones de determinada época e local. Das roupas aos

acessórios usados por Sherman, suas imagens pretendem indicar a representação de alguém ou um tipo de pessoa ao incluir aquilo que pela visualização dará o reconhecimento pelo público, uma vez que o campo de produção cultural traz criações de elementos cosmopolitas. A materialidade da fotografia colocada na imagem Untitled #32 indica uma mulher sedutora do cinema noir; sozinha, acende um cigarro, com roupa e o fundo preto com uma iluminação da composição da femme fatale em tantos filmes deste tipo. Seu rosto, colo e braços na sombra difundem a pele clara que contrastam com o traje e a cortina preta, gera assim reconhecimento para quem observa tal foto e conhece as narrativas ficcionais noir, além de discutir esta personalidade feminina como ícone presente em um tipo de específico de roteiro cinematográfico. Ainda da série History Portraits, Sherman surge na imagem Untitled #213, onde mais uma vez, a fotógrafa utiliza de elementos masculinos para discutir o gênero enquanto categoria identitária e faz uma desconstrução do indivíduo. A

artista estuda e inspira-se em obras clássicas para esta série, mas grande parte das cenas fotografadas foram criações dela a partir da ideia de cross-dressing que enseja tratar das categorias femininas e masculinas em questões ontológicas e biológicas, como exemplo que o traje indicaria a diferença entre homens e mulheres, ou seja, ícone distintivo de gênero. Referências ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson. Imagem e Fotografia: aprendendo a olhar. In: Corpo e significado: ensaios de antropologia social. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1995. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sergio Paulo Rouanet. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras escolhidas; v. 1). Título original: Auswahl in Prei Bänden. BRIGHT, Susan. Auto Focus: The self-portrait in contemporary photography. United Kingdom: Thames & Hudson, 2010. HACKING, Juliet (editora geral). Tudo sobre fotografia. Tradução de Fabiano Morais, Fernanda Abreu e Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Sextante, 2012. Título original: Photography: the whole story. ROUILLÉ, André. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. Tradução de Constancia Egrejas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009. Título original: La photographie.

Untitled #32, Cindy Sherman, 1979. Fonte: Tudo sobre Fotografia (2012, p. 423).

Untitled #13, Cindy Sherman, 1978. Fonte: BRIGHT (2010, p. 100).

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Untitled # 224, Cindy Sherman, 1990. Fonte: <http://www.moma.org/interactives/>

Untitled #213, Cindy Sherman, 1989. Fonte: <http://www.moma.org/interactives/ exhibitions/2012/cindysherman>.

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Sua fotografia merece esta ampliação Fotografias: Gustavo Bettini

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E

s p e r a

O trabalho “Espera”, apresentado na disciplina de Montagem de Portfólio e Curadoria, do curso de Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), da fotógrafa Roberta Moura, explora o universo do ser voltado para si mesmo. As fotos foram produzidas em uma residência, no bairro do Poço da Panela, em Recife. O ensaio se debruça sobre o sentimento de espera e o contato com a solidão, como também, a viagem pela busca incessante do ser na construção de sua identidade. O ensaio foi construído com base no estilo de fotografia artística, mesclando ângulos diferenciados e detalhes, além de revelar os sentimentos vividos pela personagem do ensaio fotográfico. As fotografias buscam evidenciar não apenas os problemas pessoais da protagonista, mas os de todos nós, espectadores. Atelier de Impressão em novas instalações que continuam atendendo aos rigorosos requisitos da verdadeira impressão fine-art. Infraestrutura ampla e moderna, equiparada aos maiores centros de impressões artísticas do mundo. Mais uma ação que vem para reafirmar o rigor técnico que faz do ADI referência em qualidade e tratamento de imagem no mercado nacional. Atelier de Impressão, aqui sua fotografia é tratada como obra de arte. Venha conhecer!

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DICAS

Capa do livro Reprodução

Confira

outras dicas de livros, filmes

e sites dos professores do curso de

Fotografia

da

Unicap

A informação pela imagem: um estudo de Dulcilia Buitoni Julianna Nascimento Torezani A obra Fotografia e Jornalismo: a informação pela imagem da jornalista Dulcilia Schroeder Buitoni integra a Coleção “Introdução ao Jornalismo” da Editora Saraiva, organizada pela jornalista Magaly Prado em 2011. Buitoni é professora titular e livre-docente em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), doutora e mestre em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e professora permanente de mestrado na Faculdade Cásper Líbero. Pesquisadora sobre imagem e fotografia. O prefácio do livro foi escrito pelo fotógrafo e sociólogo Fernando de Tacca do Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), que em sua análise indica: “Nascida como uma arte ao alcance de todos, a fotografia está eternizada no homem contemporâneo como uma gestualidade obsessiva de infinitos mundos fotografados e colecionados, e muitos desses mundos hoje podem ser compartilhados pelo advento da Internet”. O livro faz uma abordagem panorâmica dividida em 13 capítulos que tratam da fotografia perpassando o percurso histórico e analisando as questões atuais de forma aprofundada. Nos primeiros capítulos intitulados “Uma lente, um olhar, imagens”, “Fotografia: registro do mundo” e “Documento e memória” a autora traz dados históricos da fotografia no Brasil passando pela teoria de Philippe Dubois que coloca a imagem em perspectiva a partir da teoria semiótica como espelho, transformação e traço do real, em função dos elementos de ícone, símbolo e índice. Também discute sobre fotos públicas e privadas ao afirmar que “muitas imagens da vida privada caem no circuito da informação pública. Os critérios de público e privado estão sendo alterados pela disseminação de imagens pessoais na Internet, seja em redes sociais como o Flickr, Facebook, Orkut, Twitter, blogs etc”. Nos capítulos seguintes “Fotografia e jornalismo: testemunho, descrição, narração”, “Fotografia e jornalismo: histórias” e “Usos jornalísticos da fotografia: informação, ilustração, expressão” há uma

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análise sobre as imagens na imprensa, sobretudo as questões do fotojornalismo e da fotoilustração colocada por Pepe Baeza, bem como sobre o desenvolvimento do fotojornalismo do final do século XIX e durante todo o século XX no Brasil e os gêneros fotojornalíticos. “Fotojornalismo: acontecimento, cena, paisagem, retrato”, “Mídia impressa brasileira: jornais, revistas e fotógrafos” e “Pedagogia do fotojornalismo” tratam sobre as imagens da imprensa mundial, em especial às imagens de conflitos, assim como grandes nomes do fotojornalismo brasileiro como Walter Firmo, Evandro Teixeira e Milton Guran. Ao tratar da formação do fotojornalista, Buitoni relata sobre cursos e professores de fotojornalismo e algumas práticas pedagógicas. Sobre “Agências e bancos de imagem: a questão autoral” há informações sobre a criação das primeiras agências de notícias como Associated Press e Reuters, passando pela lendária Agência Magnum que chega aos trabalhos de fotógrafos engajados como Lewis Hine, Jacob Riis, Diane Arbus e o brasileiro Sebastião Salgado. “Relação texto/imagem, imagem complexa, imagem estática, imagem e movimento” a autora aborda o paradigma fotográfico e pós-fotográfico com o novo regime visual a partir de tecnologias digitais que redesenha os processos de produção e publicação de imagens. Nos capítulos finais “Imagem jornalística televisiva: documentário videográfico e cinematográfico” e “Imagem jornalística na Internet: novas visualidades fotográficas aplicadas ao jornalismo” são articuladas as questões sobre a imagem em movimento, colocando a fotografia dentro da perspectiva da imagem multimídia: “na produção multimídia, a tecnologia digital é utilizada para produzir uma convergência da imagem fotográfica estática com o cinema, o vídeo, a fala e os sons gravados, material de texto e imagens gráficas”. O livro faz uma revisão de várias teorias importantes que tratam da imagem, da fotografia e do jornalismo, tratando as questões de forma aprofundada, é uma leitura que problematiza o atual campo do fotojornalismo que merece atenção e estudo.

A

Sonhos. Diretor: Akira Kurosawa, 1990.

A vida que vale a pena ser vivida. Clóvis de Barros Filho e Arthur Meucci, 2010.

Cara da Foto

B

Repórteres de Guerra - The Bang Bang Club. Diretor: Steven Silver, 2010.

Coleção Photo Poche

Queimando Filme

C

Fotógrafo de Guerra – War Photographer. Diretor: Christian Frei, 2001.

Fotografia e Jornalismo: a informação pela imagem. Dulcilia Schroeder Buitoni, 2011.

Ikone Blog

D

Finding Vivian Maier (A fotografia oculta de Vivian Maier). Diretores: John Maloof e Charlie Siskel, 2014.

Vivian Maier - uma fotógrafa de rua. Editor: JohnMaloof, 2014.

1000 Imagens

Como ler uma fotografia. Richard Salkeld, 2014.

International Center of Photography

E

O sal da terra. Diretores: Juliano Ribeiro Salgado e Wim Wenders, 2014.

Dicas de: A - Dario Brito B - Francisdo Bitú (Ex-aluno do curso) C - Julianna Torezani D - Marquinhos ATG (Ex-aluno do curso) E - Renata Victor 67


Fragmentos de Memoria: Alexandre Severo A UnicaPhoto destaca fotos inéditas que, provavelmente, tenham sido os últimos registros, em película, do nosso saudoso fotógrafo Alexandre Severo. Depoimento da laboratorista Niedja Dias Há cerca de dois anos, Severo me procurou pedindo para revelar cinco filmes, de médio formato, preto e branco, e os deixou em poder do laboratório de Fotografia da Unicap. Na ocasião, informei que os filmes seriam processados assim que houvesse uma demanda da universidade, com autorização da coordenadora do Curso de Fotografia. Ele concordou dizendo não ter pressa. Desde que fossem revelados por mim. Infelizmente, Alexandre Severo não chegou a conferir o resultado, mas os filmes foram processados, sob o registro do vídeo em sua homenagem, e será entregue à família no dia 19 de agosto, Dia Mundial da Fotografia, no auditório da livraria Cultura, no Paço Alfândega.

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Técnica de processamento Os filmes de Alexandre Severo, são da marca Shanghai e foram processados com o revelador Kodak D-76, num tempo de oito minutos, a uma temperatura de 20 graus. Antes de serem banhados pela solução, eles foram acondicionados em um espiral e colocados em um recipiente de inox completamente protegidos de luminosidade; Após o tempo de revelação, eles foram submetidos a uma lavagem rápida em água corrente, ainda longe da luz (a tampa do tanque é fabricada de forma que apenas o líquido entra), etapa chamada de banho interruptor; A última foi com fixador Multigrade Ilford, por 10 minutos. Os filmes referidos não eram utilizados em nossos trabalhos na universidade. O tempo de revelação foi obtido a partir do contato de Niedja com a laboratorista Rosângela Andrade, do laboratório Imágicas – SP, que chegou ao mesmo através de pesquisa. A UnicaPhoto faz um agradecimento especial ao Atelier de Impressão ADI por escanear as fotos de médio formato feitas por Alexandre Severo, que compõem este ensaio.

Laboratorista Niedja Dias organizando as imagens feitas por Severo. Foto: Adelson Alves

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