Serrinha luz e cores

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SERRINHA LUZ E CORES

YURI JUATAMA


SERRINHA LUZ E CORES


AGRADECIMENTOS A Deus, à Minha Família, à Comunidade da Serrinha. A todos(as) aqueles(as) que participaram desse processo, Milton Ferreira, Arimar Vieira, Elvis Mesquita, MC Dieguin, Pool Almeida, Marcos Sena, Marcella Elias, Gisele Souza, Sadraque Santos, Iana Soares, Flavin Du Gueto, Joaquim Araújo, Lili Aragão, Clara Capelo, Waléria Américo, Marina Holanda, Natali Carvalho, Rafaela Lopes, Taciana Oliveira, Cristiane Pires, Ademar Assaoka, Joyce S. Vidal, Gustavo Costa, Ana Aline Furtado, Joanice Sampaio, Karina Morais, Glicia Gadelha Teixeira, Fernando Jorge, Fernando Maia da Cunha, Osmar Gonçalves, Marcos Ferreira, Francisco Valdean, João Kulcsar, Pablo Pinheiro, Letícia Oliveira “Novinha”, Beatriz Gurgel, Rodrigo de Oliveira, Celso Oliveira e Elton Gomes.

SERRINHA LUZ E CORES Yuri Juatama

APOIO PROJETO APOIADO PELO VIII EDITAL DAS ARTES DE FORTALEZA – SECULTFOR – LEI Nº 10.432/2015

QUARTETO FotoEditorial




A fotografia que preenche o vazio com suas cores, memórias e histórias Ana Aline Furtado

Uma imagem funde o céu e a terra no mesmo tempo-espaço. No meio do céu da imagem, desponta uma grande lua prateada que se derrama por uma rua estreita. Nela, as luzes das casas se projetam e se ligam dada a proximidade das casas. O verde da parede do lado esquerdo ilumina de verde a parede da direita. Um arco-portal. Nas calçadas, as pessoas estão sentadas conversando. De onde vejo? Vejo de dentro para fora – no coração da rua e da cena: uma noite comum? – e de cima para baixo – do céu que desce ao becoo. Mais próximo à rua está uma venda – o mostruário sugere que de comida. Silhuetas, plantas, portas entreabertas. O que vejo? Vizinhança Partilha Comum As fotografias de Yuri contam, com riqueza de detalhes, a poesia que se faz na cotidianidade, que se faz na luta, nas horas de descanso de alguns, na hora de trabalho de outros. Confiar é tanto gesto como traço. É pertencimento. Ou como Juatama costuma dizer: “A fotografia me levou a reconhecer a mim e o lugar em que moro”. Portanto, quando olho as imagens produzidas por ele, enxergo os valores de uma vida em comunidade no meio de onde só se espera reatividade às condições de não acesso. E isso, Valda Nogueira1, fotógrafa popular – como costumava se definir, afim de situar o como do seu fazer fotográfico –, já ressaltava: “Por que qualquer território popular, por mais empobrecido ou violado que seja, sempre vai ter também historias sobre criatividade, inovação, organização e autonomia. Então assim, acho importante denunciar, mas também acho importante levar esperança pra pessoas e isso fica mais fácil através da produção de histórias positivas”. Serrinha Luz 1 Desenvolvia trabalhos com fotografia documental, projetos no coletivo Farpa, na plataforma WomenPhotograph e no DiversifyPhoto, MFON Women e Fotografia, Periferia e Memória. A citação pode ser encontrada no texto Afinal, o que é fotografia popular? de Luiz Baltar em: <https://www.atelieoriente.com/blog/21/3/2019/afinal-o-que-fotografia-popular>

e Cores nos conduz - com seu encantamento de cor como afeto – por essas histórias capazes de fazer brotar esperança, pois, apesar de achar o fotógrafo que ele está levando algo, ele está mesmo é recebendo um presente valioso: a possibilidade de produzir memória e deslocar os discursos hegemônicos sobre o seu lugar. Aqui, podemos afirmar que o encontro fotográfico – que produz e é produzido por uma troca horizontal – entre quem segura a câmera e quem está a enfrentá-la, além do retrato, está criando e fortalecendo vínculos e reconhecimento. Os retratos que formam o mosaico desse compartilhar de território e de vividos cotidianos, de labutas, de prosa, de memórias e de histórias. As gerações da Serrinha se encontram em luz e cores. O verde-espera-esperança é marcante. Está presente no movimento, nas brincadeiras, nos sorrisos das crianças, nas paredes, nas mercearias. Formam portais entre casas. A forma como as cores se desenham e se avizinham constrói uma paisagem quase onírica. O céu estrelado, as árvores, a quadra, o parque, a lagoa, os telhados, a capoeira, as conversas de calçada, as vendinhas. O azul-pra-expandir céu e gerações desce do céu, pinta as paredes e faz fundo para os retratos das mais velhas e dos mais velhos que, diferente das crianças, encaram esse dispositivo de sorriso guardado e olho brilhante, como quem sabe o que estão a contar a partir de sua firmação em imagem para o depois que começa agora. O vazio? É só uma sensação que perdeu espaço com essas imagens. O que foi apagado? O que foi arquetipado? Foi desfeito. Refeito. Recomeçado, de novo e mais uma vez. E aquela narrativa de que “você mora na favela e compra a história que contam sobre você”, lembrada por Juatama, não precisa mais ser repetida. Yuri está em travessia para não precisar mais responder às demandas dessa história hegemônica. E ao final do dia... depois de um dia de trabalho, brincadeira na praça, no campinho, e conversa na calçada, na bodega, sempre haverá uma possibilidade de tranquilidade sob os tetos telhados levantados palmo a palmo para o descanso de quem amanhã começará tudo outra vez. Em vizinhança, partilha e Comum.









O real sentido de realização imagética não é só fotografar Joyce S. Vidal

Azul, amarelo, verde e vermelho são as cores que mais dão vida ao en-

conversas nas calçadas, na quadra, enquanto se assiste a um racha

saio. Tonalidades que misturadas ao alto contraste de luz e de sombras

ou naqueles papos de mesa de bar com um parente, uma amizade,

dão um ar de mistério, de tranqüilidade, e um sentimento de calma

uma vizinha e por aí vai. Os álbuns fotográficos de família retratam

que beira a melancolia. No que diz respeito à melancolia, penso nas

suas vivências, lembrando que muitas famílias não possuem e muitas

pessoas que acabam ficando sem água, sem comida e sem energia,

destas buscam, através dos documentos de seus familiares, resgatar

lembrando das pessoas que não tem moradia ou que ficam sem.

suas memórias e suas histórias. Mas e para quem nunca possuiu um

Serrinha Luz e Cores não parte de uma premissa rasa e romantiza-

álbum de família, menos ainda uma documentação, será que resta só

da das comunidades, favelas e periferias. É perceptível o respeito às

a imaginação?

pessoas que ali vivem, estudam, trabalham, cuidam de suas crianças e

Não estamos aqui somente para falar sobre processos artísticos, pelo

de suas pessoas idosas. Falar somente sobre a violência como a mídia

simples fato de sermos pessoas que pesquisam arte. Estamos aqui para

tradicional faz há tempos é um grande erro, mas, também, anular o

tratar sobre questões sociais e raciais; para falar contra o machismo,

fato de que a violência existe é romantizar não somente o lugar, como

contra a lgbtqia+fobia e muitas lutas que nos atravessam diariamente

a existência daquelas pessoas. São histórias sobre diversas juventudes,

desde nossa infância, as quais nos mantêm em um gasto de energia

famílias, arquiteturas, comércios locais, dentre tantas movimentações

mental e física sem fim até nossa vida adulta. Quem sabe um dia pos-

que acontecem na Serrinha. É importante se ater ao fato de que são

samos nos aposentar, ou chegar na faixa etária que sonha descansar e,

visíveis as relações de lazer, de educação e de saúde na comunidade.

ainda assim, não tem descanso. É a vida idosa que nunca chega para

O trabalho de Juatama é bastante importante para que se mantenham

muitos de nós! Fazemos de tudo para nos mantermos vivos de todas

preservadas as memórias afetivas, identitárias e históricas da Serrinha,

as maneiras. É sobre não morrer de fome, não morrer de depressão,

que já fazem parte de um grande acervo nacional de fotografia nas

não morrer de doenças variadas, não morrer para os diversos vícios

periferias do Brasil e que se estenderão pelo mundo fazendo ecoar ini-

existentes. A nossa imaginação é algo que também pode nos ajudar

cialmente das ruas de sua comunidade para, quem sabe, até grandes

a ficarmos de pé de alguma maneira, independentemente da área de

galerias de arte. A preservação das memórias afetivas acontece em

atuação.











Um grito de esperança Yuri Juatama

No dia 21 de abril de 2018, aconteceu um grande apagão que atingiu

que provoca intensamente sentimentos de nostalgia e de saudade, mas,

várias cidades nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Em meio à escu-

também, o sofrimento sutil de um povo que deixou sua terra natal por

ridão, saí de casa com minha câmera e um tripé e produzi a primeira

necessidade. Com o tempo, o trabalho foi amadurecendo e ganhando

fotografia da minha quebrada. Fiquei surpreso ao ver a repercussão nas

uma estética própria: são fotografias pictoriais e noturnas que represen-

redes sociais ao postar a foto. Percebendo essa potencialidade, dei início

tam uma Serrinha vívida, cheia de histórias e de mistério.

ao projeto Serrinha Luz e Cores com o intuito de elevar a autoestima

Por meio da fotografia, busco mostrar nossa realidade com um olhar

das pessoas à minha volta através de uma nova perspectiva imagética.

de respeito e de encantamento. Nessas narrativas visuais, o presente é

Na medida em que as coisas foram acontecendo, pude perceber que

entrelaçado ao passado, trazendo consigo temporalidade e signos da

esse trabalho não é apenas sobre a minha comunidade; de alguma for-

diáspora sertão-capital. Serrinha Luz e Cores acaba sendo, a meu ver,

ma busco retratar uma possível identidade periférica fortalezense. Gran-

uma ressignificação da beleza da cidade, pois sempre avistamos Forta-

de parte da Periferia de Fortaleza é composta por ocupações. Lugares

leza pelos lugares turísticos, que, embora tenham sua importância, não

que outrora eram grandes descampados foram sendo apropriados/con-

dão conta da sua pluralidade geográfica e cultural. Historicamente a

quistados pela migração vinda do interior do estado. Esse movimento

periferia é mostrada por um olhar distante que explora sua vulnerabili-

provocou o surgimento das favelas, que contribuíram para o aumento

dade socioeconômica. Acredito que cabe a nós, enquanto comunicado-

de famílias de baixa renda que vivem em condição de alta precarização.

res sociais, causarmos uma ruptura nesse paradigma. Penso o retrato

Além do sonho de uma vida melhor, essas pessoas trouxeram consigo

como uma busca constante do “eu” no(a) outro(a). Quando falo sobre

seus costumes ancestrais, sua fé e sua devoção ecoadas em diferen-

a Serrinha, falo também sobre mim. Afinal, para além de um fazedor de

tes seguimentos religiosos. É notável o apego com suas memórias, o

imagens, eu sou a própria foto que faço.











Copyright©2021 by Yuri Juatama Fortaleza 2021 PROJETO EDITORIAL: Quarteto Foto Editorial PROJETO GRÁFICO: Ademar Assaoka PRODUÇÃO EXECUTIVA: Cristiane Pires FOTOGRAFIA: Yuri Juatama TEXTOS: Ana Aline Furtado, Joyce S. Vidal, Yuri Juatama REVISÃO: Karina Morais CAPA: Sadraque Santos TRATAMENTO DE IMAGEM: Celso Oliveira e Elton Gomes IMPRESSÃO: Expressão Gráfica & Editora


PROJETO APOIADO PELO VIII EDITAL DAS ARTES DE FORTALEZA – SECULTFOR – LEI Nº 10.432/2015


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