UnicaPhoto [n.18]

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Unicaphoto a revista de fotografia da Unicap

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Foto: Hélio Campos Mello


editorial

eles, elas, de muitos nomes O fotojornalismo tem muitos sobrenomes: Boechat, Lima, Campos, Adams, Parks, Verger, Manzon, Weege, de Souza, Lacerda, Mandel, Teixeira, Maia, Salgado, Portela, Brito... todos e todas uma só família. Não cabem em mil antologias. A 18ª edição de sua Unicaphoto traz alguns desses. Homenagem a uma profissão que passa por momentos críticos. Claro, tudo é crítico e delicado na história recente deste país e, por isso, é mil vezes importante falar sobre fotojornalismo no Brasil. Se é que essa “arte” não esteja já morta e sepultada. São questões abertas por Simonetta Persichetti em uma das portas de entrada desta edição, evocando o belíssimo trabalho de Hélio Campos Mello. E é aonde caminha André Antônio, quando enfileira sobrenomes do fotojornalismo clássico e cobra, sem nostalgias, além de familiaridades, novidades e identificações. Enquanto isso e aquilo, Julianna Torezani abre caminhos de leitura e reconhecimento às questões tecno-sociais associadas à imagem de imprensa, na resenha de Instantâneos da fotografia contemporânea, de Afonso Jr. Não acaba: João Guilherme Peixoto relaciona o fotojornalismo a verbetes como inovação, produção, distribuição, tudo isso aplicado aos efeitos do consumo. Outra visão, integralíssima, você pode ler no ensaio de José Artur Nóbrega de Pontes sobre tempos de pandemia e acelerações, com novas visões como o metaverso e a fotografia pré-industrializada, por onde apresenta novo pictorialismo em cianotipias. Metaverso, ou melhor, multinverso é o tema do ensaio da artista visual Kyrti Ford representando nossa (falha de) memória, em colagens. E quando não o piloto, mas o fotógrafo sumiu, como soldado sem nome na guerra? Ainda sobre autorias, você lerá o reestabelecimento de alguns nomes da fotografia da vida urbana, do fotojornalismo de Pernambuco, com Betânia Corrêa. Tempo para um café. Para uma foto. Uma única foto. De Evandro Teixeira. Para nos lembrar de tema urgente. A democracia. Na coluna sobre audiodescrição de Liliana Tavares.

E, ainda, duas paradas sobre o ponto da memória: 1. a história íntima, pessoal, no depoimento de Otavio de Souza, fotojornalista, que vale mesmo ver/ler. E, 2. dessa vez de forma mais ampla, indexada: a contribuição do pesquisador Leonardo Wen com a criação da Base de Dados de Livros de Fotografia, ação pioneira no Brasil e vital para acesso à memória editorial do país. Unicaphoto faz parte dessa “enciclopédia visual”. A matéria é de Filipe Falcão. Ah, ainda sobre memória & esquecimento: ou “o olhar que não mais se demora e o desaparecimento das imagens”, como escrevem Luciene Paz e Véronique Sonard, convidadas desta edição. É sobre estética e psicanálise, dentre outras manifestações e latências que emergem, conscientes, inconscientes, diante das fotografias imano-transcendendes, de longa exposição, de Renata Victor, numa melancólica atmosfera para os dias “normais”. Entre os novos dias normais há desde a solidão de uma estação de metrô, no ensaio de Renato Menezes, à solidão e clausura de Dhiego de Lima, cujo ensaio tanto pode ser sobre o vento pela janela como o pneuma, a vida. Ou a constatação, na pele, da arquiteta Amanda Câmara, quando decidiu se mudar para a praia e viu, ou não viu, a cidadezinha à beira-mar ser soterrada pela especulação imobiliária. Para compensar essas e outras invasões, pedimos o jornalista Marcelo Pereira para nos mostrar seu olhar sobre “Amazônia”, de Sebastião Salgado, em cartaz em São Paulo. Imperdível, como se diz. Você pode ler sobre assuntos utilíssimos à longevidade (e memória) da foto, com Gustavo Bettini. Acompanhar o que aconteceu no nosso campus. Destaque para os vencedores e vencedoras dos prêmios Consciência Negra e SOS Oceanos, de Fotografia. Ao final desta edição soubemos da morte do companheiro de profissão Orlando Brito, aos 72 amos. Nosso adeus silencioso, e por isso mais expressivo, vai para Orlando, na capa e contracapa desta edição.


COORDENAÇÃO-GERAL Renata Victor EDITOR Sidney Rocha CONSELHO EDITORIAL André Antônio, Filipe Falcão, Renata Victor e Sidney Rocha FOTO DA CAPA & CONTRACAPA Orlando Brito (Janaúba, MG, Brasil, 1950 - Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2022) 1765 Um tenente na parada militar de 7 de setembro de 1976, 1976 fotografia p&b sobre papel, 26,2 x 20,7 cm Coleção MAM São Paulo, Prêmio Aquisição - I Trienal de Fotografia 1980, 1980 Foto: Romulo Fialdini 1764 O Congresso votou a anistia. Aí um detalhe da campanha por uma anistia maior, na roupa de um membro do CBA-Rio, no Congresso, 1979 fotografia p&b sobre papel, 39,9 x 29,9 cm Coleção MAM São Paulo, Prêmio Aquisição - I Trienal de Fotografia 1980, 1980 Foto: Romulo Fialdini QUEM É QUEM NESTA EDIÇÃO Amanda Câmara Lima, fotógrafa, arquiteta, aluna do MBA Cultura Visual da Unicap André Antônio, doutor em Comunicação e Cultura, cineasta, professor da Unicap Betânia Corrêa de Araújo, arquiteta e escritora Dhiego de Lima Nogueira, fotógrafo, mestre em Arquitetura e Urbanismo Filipe Falcão, doutor em Comunicação, pesquisador em audiovisual, professor da Unicap Gustavo Bettini, fotógrafo João Guilherme Peixoto, doutor em Comunicação Social, professor da Unicap José Arthur Nóbrega de Pontes, mestre em Estudos Cinematográficos, editor e fotógrafo. Julianna Nascimento Torezani, doutora em Comunicação e professora do MBA Cultura Visual, da Unicap Leonardo Wen, fotógrafo e pesquisador independente Luciene Paz, psicanalista, doutoranda em Psicologia Clínica da Unicap Kyrti Ford, designer e pesquisadora de fotografia e cinema. Mestre em Artes Visuais. Liliana Tavares, psicóloga e idealizadora do festival VerOuvindo Luiza Villaméa, jornalista e mestre em História Marcelo Pereira, jornalista, especialista em Jornalismo Cultural, pesquisador e poeta Matheus José Maria, fotógrafo Otavio de Souza, fotojornalista Pedro Augusto, aluno do 1o período do curso de Fotografia da Unicap Renata Victor, mestre em História e coordenadora do curso de Fotografia da Unicap Renato Menezes, arquiteto, fotógrafo, doutorando em Ciência da Arte. Romulo Fialdini, fotógrafo Simonetta Persichetti, jornalista, crítica de fotografia e doutora em Psicologia Véronique Donard, doutora em Psicopatologia Clínica, professora de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Unicap Escaneie o código QR abaixo, através de aplicativo no seu smartphone, e acesse todas as edições da revista na internet. Unicaphoto é uma publicação semestral do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco.e Esta sua 18a edição vem a público em 29 de março de 2022. (ISSN 2357 8793)


o fotojornalismo está morto? por Simonetta Persichetti procuram-se por André Antônio

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por onde o vento caminha por Dhiego de Lima Nogueira

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multinverso por Kyrti Ford

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instantâneos da fotografia contemporânea por Juliana Nascimento Torezani

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a história do mundo sem uma única palavra por Otavio de Souza

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periódicos & fotógrafos por Betânia Corrêa de Araújo

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este comboio não para em arroios por Renato Menezes

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precisamos falar sobre desaparecimentos por Luciene Paz e Véronique Donard & fotos de RenataVictor

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uma enciclopédia virtual para a fotografia brasileira por Filipe Falcão

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trezentos anos ou alguns meses por Gustavo Bettini

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nós vamos invadir sua praia por Amanda Câmara Lima fotojornalismo, inovação & consumo por João Guilherme Peixoto no coração da floresta por Marcelo Pereira audiodescrição em fotojornalismo por Liliana Tavares aconteceu o pictorialismo contemporâneo por José Arthur Nóbrega de Pontes


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Foto: Hélio Campos Mello


artigo/entrevista

O fotojornalism por Simonetta Persichetti

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mo está morto? Há tempos, os apocalípticos (me aproprio aqui de um conceito dos anos 1960 do Umberto Eco) andam pelas redes sociais vociferando que o fotojornalismo morreu.

A Rainha do mar, no Cais Estelita, no Recife, 2010, sob o olhar de Hélio Campos Mello. Antes, na página 3, Tancredo Neves de maca desce em Congonhas. 1985.

De onde saiu esta afirmação é difícil dizer. Mas, ainda voltando ao semiólogo italiano, as redes sociais deram voz aos imbecis. Mas o pior, não é quem fala, mas quem escuta. Nos últimos anos vimos redações demitirem em massa os repórteres fotográficos, entregarem telefones inteligentes para os repórteres de texto que, se escrevem muito bem, nem sempre conseguem se comunicar por meio da imagem. Em épocas onde as fake news proliferam, onde no meio de tantas imagens não conseguimos distinguir o que é a reprodução de um videogame de uma foto verdadeira, onde por causa do Covid nos fechamos e isolamos em nossas casas os fotojornalistas foram os profissionais que nas ruas conseguiram nos transmitir a sensação da pandemia. Se o vírus é invisível suas consequências não. O mesmo se dá nas grandes tragédias, nas guerras. Como afirma a professora de jornalismo Susie Linfield, “as fotografias não estão lá para dizerem olha o que acontece, mas para nos alertarem de que isso não pode acontecer”. Neste momento em que este texto está sendo escrito, estamos assistindo a invasão da Rússia na Ucrânia. E mais uma vez, são os profissionais de imagem que vão nos ajudar a entender esta história. Para falarmos sobre a importância da imagem feita por profissionais do jornalismo entrevistamos o fotógrafo e editor Hélio Campos

Mello, que iniciou sua carreira nos anos 1970, foi fotógrafo, editor de fotografia e diretor de redação da revista IstoÉ. Também foi o responsável por modernizar a agência do jornal Estado de S. Paulo, criou a revista Brasileiros. Cobriu guerras, fotografou pessoas importantes do nosso meio político e cultural. Acompanhou tragédias, a ditadura militar e o retorno da democracia. Hoje se dedica a registrar livremente o cenário artístico e a seus ensaios pessoais, sem nunca perdera plasticidade, a composição e a narrativa do fotojornalismo. Se tem algo que a pandemia nos ensinou foi a importância do fotojornalismo. De alguém que pudesse nos contar o que acontecia na rua, enquanto estávamos fechados em casa. Hoje assistimos pela imprensa nas redes, nas televisões, nos jornais a guerra no Leste Europeu Por que as pessoas continuam com o mantra de que o fotojornalismo morreu? O jornalismo não morreu. Enquanto escrevo este texto vejo material publicado nas redes por Yan Boechat, repórter, radialista, cinegrafista e um tremendo fotojornalista que já está no leste da Ucrânia. Lá no olho do furacão. No Sesc Pompéia, em São Paulo, uma grande exposição de Sebastião Salgado, mais de 500 fotos com trilha sonora composta especialmente por Jean Michel Jarre, chama a nossa atenção para 9


o que se faz na Amazônia e o que o governo lá não faz. O primeiro brasileiro a receber o icônico Prêmio Pulitzer é um fotojornalista, o genial Mauricio Lima. Orgulho. O fotojornalismo não morreu. Por aqui, a tragédia de Petrópolis foi registrada em imagens que foram publicadas nas primeiras páginas dos jornais e na internet, produzidas por fotojornalistas. A Arfoc – a associação que reúne os fotojornalistas e cinegrafistas do Estado de S.Paulo anuncia sua mostra anual com quase 800 fotos inscritas e cerca de 250 selecionadas para a exposição virtual. Quando comecei na profissão, no começo da década de 1970, meu mantra e de meus parceiros era “nós somos os olhos do leitor” isto porque chegávamos onde poucos chegavam. Nós e nossa pesada tralha, nossos equipamentos de registrar, fotografar e transmitir imagens, nossas fotografias. O tempo passou a tecnologia acelerou - e não para de acelerar, o que é ótimo,- e hoje os quase 8 bilhões de habitantes aqui do planeta, tem quase 4 bilhões de celulares com suas câmeras. Todo mundo fotografa, poucos eventos ficam sem registro porque sempre tem uma câmera/um celular perto. E isto também é muito bom. Mesmo assim são os fotojornalistas que continuam indo às guerras, se expondo às pandemias, ao Covid, ao Ebola, à Ucrânia, à Síria, ao Iraque. A tralha diminuiu, não muito, mas diminuiu. E como é uma profissão, ela requer a pesquisa e o investimento intelectual e formal que fotojornalistas têm que ler e mergulhar na História o mais que puderem. É isto que permite ler o evento que ele vai cobrir. Ajuda a se posicionar. 10


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Na página anterior, o ex-presidente Jânio Quadros no Guarujá, em março de 1978. Aqui, o fotógrafo e editor Hélio Campos Mello, entrevistado nesta edição. Foto: Luiza Villaméa

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Nesta rápida entrevista a Simonetta Persichetti, para Unicaphoto, o mestre Hélio Campos Mello fala e sua trajetória, influências e do momento histórico atual

Como você vê a importância do fotojornalismo como um narrador hoje da notícia amanhã da história? É obvio que o fotojornalista tem que ter a noção de como seu trabalho se insere na História. É óbvio que seu material tem que ser bem identificado, para futuro acesso. Neste futuro acesso o seu trabalho vai auxiliar e eventualmente modificar a História. Ela tem importância infinita e mesmo assim é relegada a um segundo plano. Haja vista o presidente que temos. Tudo o que faz hoje já fazia quando estava no baixo clero do Congresso. A História nos relata era só consultá-la com serenidade. Quando falamos em fotojornalismo em geral falamos do fotógrafo, mas acho que não podemos esquecer o papel fundamental do editor que consegue juntar texto e imagem. Você esteve nas duas frentes. Como você vê esta ligação textoimagem? A ligação ideal entre texto e foto: o editor é uma espécie de curador. Ele não só encomenda, pauta, o material a ser produzido, ele agrega

Dois luíses. Jorge Luis Borges, o escritor argentino e Luiz Inácio Lula da Silva, o expresidente. Nas páginas 10-11, o ex-presidente Jânio Quadros.

informações, orienta pesquisa e auxilia na eficiência. Eu fui diretor de redação da revista IstoÉ por mais de uma década. Vinha da Agência Estado que cuidava das sucursais e da fotografia do Estadão e do JT, onde, como diretor de fotografia, participei da renovação por lá e da transição do analógico para o digital. Fui para IstoÉ como redator-chefe para fazer a ponte, a integração, entre texto e imagem, entre a arte e a redação. Fui convidado pelo Mino Carta, um dos maiores jornalistas que passaram por aqui e com quem aprendi bastante. O Mino se desentendeu, saiu, e veio Tao Gomes Pinto, outro brilhante profissional que em determinado momento adoeceu, sofreu um avc. Eu assumi com diretor de redação. Fui o primeiro fotojornalista a sentar na cadeira de uma semanal de informação, então éramos a IstoÉ ,a Veja e a Época. Meus pares fotógrafos se orgulharam e eu também, logico. Mas orgulho mesmo tenho da equipe que comandei. Na fotografia tínhamos a Magali Giglio, o Joao Primo Carloni, o Ricardo Stuckert, para citar alguns. Era um time de bravos. Nos doze anos que dirigi a redação, entre outros prêmios a revista recebeu 10 Esso, então os mais cobiçados. Depois da IstoÉ, abri a revista mensal Brasileiros, junto com Patrícia Rousseaux, Nirlando Beirão e Ricardo Kotscho. Ela que também foi um sucesso, durante dez anos, também premiada com o Esso e o Prêmio Vladimir Herzog. Hoje, temos a Arte!brasileiros que é tocada pela Patrícia Rousseaux e onde eu tenho o prazer de fotografar. Voltei a fazer o que fazia no começo com o mesmo prazer: a fotografia. Acho que até com mais prazer. Nesta minha volta às origens hoje, as quais, diga-se nunca abandonei, tenho feito um

trabalho para a Arte!brasileiros e um trabalho como flâneur, como fotógrafo de rua, olhando e registrando o meu entorno, o que me chama a atenção. E este trabalho que faço hoje é fruto da bagagem que naturalmente adquiri na convivência com as idiossincrasias que nos cercam, exercitando a crítica social com relação ao mundo, a obrigatória crítica social, sem deixar de lado a regência estética, o prazer que me traz a fotografia no registro de paisagens, das cores, dos cinzas e dos pretos e brancos. Quais fotógrafos (sei que é uma escolha de Sofia) ajudaram a desenvolver a linguagem autônoma do fotojornalismo. Quero dizer a imagem deixa de ilustrar o texto e se torna narradora por si própria? Devo respeitos a muitos fotógrafos, ao Robert Capa (1913-1954) considerado o grande fotógrafo de guerra do século XX, ao David Bailey (1938-), imortalizado no filme, “Blow Up”, depois daquele beijo do cineasta italiano Michelangelo Antonioni, em 1967, mas fico com Erich Salomon (1886-1944), considerado o pai do fotojornalismo moderno, por fugir da pose e procurar o flagrante em uma Alemanha pré-nazista. Advogado, criou a obrigatoriedade do crédito ao lado da fotografia, começou a fotografar com 41 anos e usava uma câmera Ermanox 4x5 escondida no chapéu coco. Morreu em Auschwitz. Como você avalia o fotojornalismo que vemos não só na grande imprensa ou na imprensa internacional e nas redes? A importância do jornalismo e do fotojornalismo para a civilização é impossível de ser calculada. 15



Foto: Hélio Campos Mello


procuram-se debate

por André Antônio


Charles Sodokoff e Arthur Webber usando seus chapéus para esconder seus rostos. Nova York, 26 de janeiro de 1942 © Weegee Archive/International Center of Photography

Ao bom modo dos obituários e da secção “Desaparecidos” dos antigos jornais, o cineasta André Antônio elabora a pergunta, numa crítica nada velada ao fotojornalismo contemporâneo.

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O ucraniano Arthur Fellig, a.k.a. Weegee, (Zolochiv, Ucrânia, 1899–1968 New York) com sua câmera Speed Graphic, por volta de 1944. Fotografia por Weegee (Arthur Fellig)/ International Center of Photography

O auge do fotojornalismo aconteceu em meados do século XX e seu modelo era a revista Life, que criou uma estética: guerras, pobreza, costumes eram espetacularizados pelas lentes, em tom comovente, algumas vezes kitsch. Quanto maior impacto emocional, menos reflexão. Uma das primeiras pulsões da prática fotográfica foi a vontade de registrar lugares, eventos, pessoas distantes, exóticas. O fotojornalismo só deu continuidade à pulsão. Sobre a fotorreportagem, Barthes dizia: as pessoas pensam enxergar “o real” mas, na verdade, criam mitologias. Nessa criação, se destacam alguns fotojornalistas. Eddie Adams e suas fotos do Vietnam. Quais imagens dele foram encenadas e quais teriam sido “reais”? Gordon Parks: seu apelo melodramático fotografando as favelas do Rio é imitado ad nauseam pela TV brasileira. No Brasil, nos Diários Associados,

à moda de Life, há Pierre Verger e Jean Manzon. Estilos diferentes, fotografavam povos indígenas e religiões afrocentradas, de forma “documental”, mas espetacularizavam a identidade mais íntima dos brasileiros. Para entender a fotografia é preciso enxergar não apenas a foto, mas o sistema de distribuição, dizia Vilém Flusser. O sistema “arte” busca a beleza nas imagens. O sistema “jornalismo”, a “verdade”. Se essas imagens são “mitologias” é importante olhar para o fotojornalismo para além kitsch, da Life. É o caso do americano Weege cobrindo as guerras entre máfias na NY entre 1930 e 40: “de mau gosto”, “sensacionalista”, “sangrenta”, se dizia de suas fotos. Vistas agora, as fotos de Weege revelam um olhar singular, mordaz, irônico, ousado sobre a violência da vida urbana. Uma obra fotojornalística que sempre tentou corroer a postura mitológica. E, hoje, onde estariam os Weegees?

Nem todas as suas fotos eram de crime e morte. Algumas eram, aliás, bastante delicadas – como “Boy Meets Girl – From Mars” (1955), uma das fotos mais românticas, poéticas e surreais de seu tempo, como se vê na página inteira.

Depois da ópera, no Sammy’s Night Club, Bowery, Nova York, 1943-45 © Weegee Archive/ International Center of Photography

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por onde o vento caminha ensaio

por Dhiego de Lima Nogueira




uma conversa com o vento “O vento é como se fosse parte do tudo. Três minutos sem respirar e, puff! já não estamos mais aqui. Sua presença é tão sútil e cravejante que entra sem pedir licença... - Olá, vento. Hoje está um calor infernal, você gostaria de fazer o favor de tocar minha pele? - Me põe pra dormir... - Acaricia meus cabelos quando eu estiver cansado... - Hoje você está mais frio que de costume, aconteceu algo lá de onde você vem? - Cadê você que não apareceu hoje? Não te senti em momento algum, meu corpo ficou parecendo que estava morto de tanto calor. - Ah... Entendi. Tenho que abrir as portas e janelas pra quando você vier? Obrigado pela sugestão. - A noite é perigoso, não podemos deixar a porta aberta pra você entrar, mas pode entrar por aquele aparelho ali oh! Ele vai te deixar um pouco mais frio. Fica até gostosinho quando você toca em mim. - Queria te ver... Como você é? Você sempre entra na minha casa, no meu corpo, em todos os momentos da minha vida, e mesmo assim nunca te vejo. - Já sei! Vou te capturar quando você estiver dançando pra mim. Depois te liberto. Prometo. - Não... Não vai doer. Só a sua imagem que vai ficar presente, aí vou poder saber como você é quando te abraçar todos os dias.” 25


O tempo de quarentena fez com que nos aproximássemos de nossos lares de uma forma nunca antes ocorrida. Os detalhes são mais perceptíveis ao que se vê, e mais ainda ao que não se vê. De dentro de casa as janelas e portas nos ligam com o exterior, e muito do que entra ou sai não é palpável ou visível aos olhos, tais como os raios de sol da manhã, a poeira, o som, o vento. E foi justamente este último o escolhido como protagonista para compor esse experimento de fotografia artística. O vento é transporto em formas diversas quando concretizado a partir de um tecido jogado ao ar e capturado pela câmera, nos convidando a brincar com a imaginação neste “percurso de formas”. A produção do ensaio foi realizada na residência do fotógrafo em janeiro de 2021, no Recife. Todas as passagens de ar da residência (janelas e portas) foram utilizadas para captura e realização das imagens, permitindo que o tecido tomasse formas próprias e compusessem a narrativa visual do vento concretizado.

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multinverso ensaio

por Kyrti Ford

Intervenção sobre a colagem “Quando crescer quero ser astronauta”, de Kyrti Douglas. Na página seguinte, “bem cedinho”, da artista.

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Você lembra quem foi o fotógrafo de suas fotos? Diante de cada sorriso, careta ou pose que você fez diante de uma câmera fotográfica ou celular, você lembra quem deu o clique? O tempo passa e o registro imagético de nossas vidas vai crescendo e por vezes esquecemos quem estava conosco, quando ou onde a foto foi tirada. Quem a fotografou? Por que escolheu este ou outro ângulo? Por que enquadrou desta ou outra maneira? O que direcionou seu olhar? Como nós éramos vistos pelo fotógrafo ou fotógrafa que esquecemos? Com essas questões na cabeça me debrucei em fotos que registraram momentos de minha vida e que com muito esforço mal lembrava quem as havia tirado. Revisitei as fotos tentando resgatar o momento e quem eu era (ou como estava) nas imagens. Assim surgiu a ideia de recontar ou re-narrar estas multi-eu que atravessou o tempo sob o olhar de outros.



Multinverso é uma série de colagens de imagens sobre fotos minhas. Minhas porque estou nelas e as possuo, enquanto nenhuma foi tirada por mim. São fotos tiradas pelos meus pais, irmãs, colegas de faculdade e de escola, amigos, parentes, transeuntes ocasionais e fotógrafos profissionais. Cada foto é um universo à parte com possibilidades de uma eu distinta. Neste multiverso de fotos inverto e reinverto - em formato de colagens - o momento registrado imaginando em dimensões variadas o olhar de quem as fotografou, os resquícios de memória afetiva do momento clicado e o que me remete hoje quando as vejo. “Agora”, colagem

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“Continue”, colagem


“Atividade lunar rosa”, colagem

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Da esquerda para direita, “Vamos”, “Para você não esquecer”, “Infeliz Ano novo” e “Pérsofone”, colagens de Kyrti Ford

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resenha

Mudanças sociais e tecnológicas, crises e rupturas do desenvolvimento da fotografia fazem parte da pesquisa realizada nos últimos dez anos por José Afonso Júnior.

instantâneos da fotografia contemporânea por Julianna Nascimento Torezani

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Os resultados desta investigação foram reunidos na obra Instantâneos da Fotografia Contemporânea, publicada pela Editora Appris, em 2021. Para discutir tais transformações na produção fotográfica o autor acionou um amplo repertório ao tratar de tecnologia, cultura, sociedade, economia e política, visto que cada imagem revela a cristalização de um instante e entender o que ocorre a cada momento é importante para elucidar a conexão entre passado e presente. Ao estudar a criação dos instantâneos fotográficos foi preciso analisar vários conceitos, como autoria, representação, convergência digital, panoptismo e sociedade de controle, que permitiram refletir sobre o fotojornalismo, a fotografia documental e imagem vernacular. Ao explicar o termo contemporâneo, José Afonso indica que (2021, p. 19), “ao pensar a fotografia contemporânea, temos não só a presença de práticas inéditas historicamente, mas também a adaptação de usos e protocolos que se mesclam ao tempo atual. Assim, o sentido deduzível de contemporâneo que assumimos é mais que o presente, é uma sintonia no presente, um ambiente de encontros e reinvenções, ou uma experiência dilatada do tempo, de recuperação e ressignificação.” No texto “Da foto à fotografia: os jornais precisam de fotógrafos?”, o autor discute as novas rotinas e suportes para produção de imagens fotojornalísticas, em que atuam não somente fotógrafos, mas pessoas com outras atividades, que passam a elaborar registros na reorganização da gestão

das empresas de comunicação mudando o fluxo de trabalho. “Em um mundo de hipervigilância e hipervisibilidade, é óbvio que o fluxo de imagens produzidas por câmeras onipresentes vai compor o horizonte visual da construção da realidade em forma de notícia” (AFONSO JÚNIOR, 2021, p. 36). Ainda para tratar das transformações no campo fotojornalístico o texto seguinte, Cinco hipóteses sobre o fotojornalismo em cenários de convergência, aponta as mudanças do fotojornalismo digital para o de convergência, quando ocorre uma adaptação do modelo da fotografia química para a digital, chegando às plataformas virtuais com a potencialização da imagem na rede. Em “Duas ou três observações sobre o World Press Photo”, Afonso Júnior apresenta a análise sobre a destacada premiação do fotojornalismo mundial no século XXI, especificamente sobre os temas e os ganhadores do período 2001 a 2019, tendo em vista a teoria do agendamento, já que essas imagens possibilitam analisar a realidade e suas representações. Ainda neste eixo de estudo, sobre a imagem de imprensa, o autor apresenta o texto onde questiona A quem interessa a morte do fotojornalismo? para tratar da crise e da reorientação dos modelos de negócios midiáticos, sobretudo quanto à forma que as imagens são produzidas e circulam nas redes sociais, o que traz profundas mudanças para a profissão do fotojornalista. Para tratar sobre a criação da imagem instantânea, o pesquisador aborda as características da câmera criada por Edwin Land, em 1947, através do texto “Polaroid, 70

anos da fotografia instantânea”. Para Afonso Júnior (2021, p. 77), “a cópia única e original, aliada à simplicidade de uso e ao controle sobre o material obtido, rapidamente atraiu também a atenção de um grupo específico de gente ligada à ideia de autenticidade da obra: fotógrafos e artistas visuais interessados nas possibilidades expressivas da Polaroid”, que vai reverberar em aplicativos como o Instagram. Na perspectiva de entender a convergência entre fotografia, mobilidade e redes digitais, o estudioso traça a trajetória “Da fotografia expandida à fotografia desprendida: como o Instagram explica a crise da Kodak e viceversa”, em que o modelo de distribuição de imagens dar espaço para o de circulação de cenas móveis e ubíquas na rede, visto que a fotografia desprendida se apresenta nas telas, operando através de bancos de dados e clouds. No texto “O livro perdido de Sander: a fotografia, o vestir e a identidade no período entre guerras” há a análise do trabalho fotográfico Homens do Século XX, do alemão August Sander, composto por retratos que demonstram a realidade da Alemanha do período entre as guerras mundiais, dos diversos profissionais com seus trajes de trabalho. O estudo do tempo na fotografia é abordado no texto “O segundo clique da fotografia, entre registro do instante e o instante compartilhado”, que trata do fluxo do tempo que salta do ato fotográfico para o momento do compartilhamento em que as imagens são visualizadas pelas pessoas, em que ocorre a experiência do consumo da fotografia para receber comentários e curtidas, se por 37


um lado as(os) fotógrafas(os) criam as imagens, por outro, as pessoas que as veem, por sua vez, participam da publicação desse instante, que fora tornado documento. Para dar continuidade a tal estudo, o autor desdobra o tema no texto “O terceiro clique da fotografia: reindicialização das imagens efêmeras em telas flutuantes”, em que problematiza o caráter indicial da fotografia, por conta da criação e do tratamento de cenas através de programas editores de imagens, assim após os estágios de fotografar e compartilhar, eis que surge o “dar o print”, ação que registra o fluxo do tempo dentro da ótica da vigilância do que está acontecendo. Pelo texto “Fotografia vernacular, uma história silenciada da fotografia”, Afonso Júnior joga luz na produção fotográfica doméstica, já que este foi um ponto de apagamento na história da fotografia. São imagens do cotidiano, feitas pelas famílias com câmeras compactas (atualmente com telefones celulares) e que não teve merecido reconhecimento na construção teórica, ao mesmo tempo que movimenta toda a indústria fotográfica. Afonso Júnior (2021, p. 140) afirma que “é essa situação que negligencia o repertório de imagens domésticas esquecendo, de maneira óbvia, que os modelos de representação desse visual-vernacular acumulados no correr do tempo são um fragmento possível para se entender a própria fotografia”. “O retrato da tristeza: a representação do sujeito público na carte-de-visite oitocentista na Coleção Francisco Rodrigues” traz a investigação das imagens feitas pela nobreza açucareira do período de 1840 a 1920, ao todo 38

é composta por 17 mil peças, mas a Fundação Joaquim Nabuco (que preserva tal coleção) publicou uma obra com um recorte de 500 fotografias, especificamente de retratos (ou melhor, cartes de visite), em que se pode ver as pessoas que viviam na época, bem como os lugares que foram registrados, suas vestimentas, móveis e poses. Esta coleção permite vários olhares que se abrem para diversos campos de pesquisa, na sua perspectiva, Afonso Júnior indica que não há sorrisos e questiona: “Eram os sujeitos oitocentistas pessoas tristes?” (2021, p. 148). E responde que essa expressão se dá em função do ato fotográfico daquele momento, que precisava de um certo tempo para as placas emulsionadas com material fotossensível registrar as imagens, e pelo comportamento social da época, onde os sorrisos ficaram ausentes, com o objetivo de construir a imagem pública dos sujeitos daquele tempo específico. O que uma fotografia revela e o que ela esconde pelas várias escolhas que são operadas por quem fotografa e por quem é fotografado é descrito no texto “Diante de uma foto de Chichico Alkmim: equívocos entre as molduras de enquadramento e composição no retrato fotográfico”, em que o professor Afonso Júnior discute a produção de uma fotografia de família feita pelo fotógrafo mineiro Chichico Alkmin entre o enquadramento e a composição, em que pesa questões sociais onde mostra pai, mãe e filhos e esconde uma mulher e duas crianças que seguram um cenário artificial ao fundo na trama entre realidades e ficções em que as fotografias são atravessadas pelos recortes feitos. O livro encerra com uma

discussão acerca da fotografia documental, visto que é um discurso elaborado através de uma narrativa imagética que fica entre a criação e a informação das situações sociais discutido no texto “O segundo pêndulo da fotografia documental: entre os paradogmas de informar e os impasses do enformar”. Afonso Júnior (2021, p. 179) discute que “é um modelo, portanto, no qual o outro assume uma forma (é enformado) a partir de um olhar externo, construído menos pela alteridade ou empatia. E do que, certamente, pelo exótico que o outro passa a ser enquanto representação”. A fotografia permite um amplo de pesquisa, por uma lado, pela criação da imagem em si, analisando a forma e o conteúdo que agrega conhecimentos tecnológicos, estéticos e culturais, por outro lado, é pelo registro fotográfico que vemos as pessoas, os lugares, as situações (dentro de um específico contexto), para discutir os discursos, as intencionalidades e o sintomas que a narrativa visual apresenta. Como pesquisador, professor e fotógrafo Afonso Júnior apresenta sua compreensão acerca da produção imagética que serve para fundamentar tantas outras pesquisas que busca discutir a complexa criação fotográfica atual.

Instantâneos da fotografia contemporânea José Afonso Jr. Appris Editora


Manoel Tavares Fiúza e Maria Adelaide Saboya de Albuquerque, com as filhas Maria do Carmo, Saboya Fiúza, Maria Carolina Saboya Fiúza e Maria Dulce Saboya Fiúza Pernambuco, gelatina, carte cabinet, por Louis Piereck .Coleção Francisco Rodrigues. Acervo da Fundaj.

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depoimento

a história do mund sem uma única pa por Otavio de Souza 40


do alavra

Desde que a primeira imagem impressa por meio químico e foto sensível foi produzida pelos franceses Joseph Niépce, e depois Louis Daguerre, no século XIX, a história da fotografia passa por ciclos de evolução constante. As pesquisas desses dois pioneiros foram impactantes na época e influenciaram muitos outros para a modernização dos processos fotográficos. Coube a Daguerre a construção do primeiro equipamento reprodutor de imagem patenteado, o daguerreótipo. O problema das invenções da dupla era o tempo de exposição. A heliografia de Niépce precisou de uma exposição de 8 horas. Já o invento de Daguerre reduziu a exposição para meia hora, um avanço fantástico, mas ainda muito tempo e para uns poucos abnegados e privilegiados que tivessem um bom dinheiro para investir no equipamento. Sem falar nos inconvenientes no daguerreótipo. Além de ser uma caixa de madeira grande e muito pesada, precisava de um tripé; e a chapa sensibilizada da imagem só permitia fazer uma cópia da fotografia. Assim percebemos que maioria das imagens produzidas

na época são de paisagens e os poucos retratos eram produzidos de quem se dispusesse a ficar sentado em cadeiras, que mais pareciam equipamentos de tortura, disfarçadamente imobilizando o retratado durante a longa exposição que o “moderno” equipamento exigia. O Brasil, claro, não passou ao largo da grande novidade da Europa. Ao mesmo tempo em que surgia a fotografia por lá, aqui no país começaram os primeiros experimentos fotográficos com o também francês, desenhista, tipógrafo, inventor e pesquisador Hercule Florence, radicado na cidade de Campinas (SP). Alguns historiadores afirmam que o termo “fotografia” foi, na verdade, criado por ele. Desse período também se destacam dois grandes pioneiros da imagem: o francês Marc Ferrez e o brasileiro Augusto Malta. A fotografia deles era fundamentalmente documental. Os registros de Ferrez são valiosos documentos do final do período imperial e do início da República. Viajando pelas regiões Norte, Nordeste e Sul retratou o brasileiro e seus costumes. Suas 41


imagens são registros de cenas urbanas e rurais. São famosas suas fotografias panorâmicas de cidades como o Rio de Janeiro. O brasileiro Augusto Malta foi responsável pela documentação da urbanização e modernização da cidade do Rio de Janeiro, posteriormente nomeado fotógrafo oficial do Distrito Federal pelo prefeito Pereira Passos, quando a cidade era a capital do país. No início do século XX, coube à empresa norte-americana Kodak lançar a câmera Brownie de papelão, portátil e barata. A revelação, óbvio, ficava sob responsabilidade exclusiva da fabricante. Além de filmes de rolo e de maior sensibilidade, era então possível captar cenas em movimento. A fotografia adquire, nesse momento, uma nova dinâmica e se populariza, vira mania em todas as camadas sociais. Um meio de comunicação novo proporcionando a expressão do real em toda as suas possibilidades. Nos idos de 1925/26, a fabricante alemã Leica construiu a primeira câmera para filmes 35mm. Muito pequena, leve e com possibilidade de operar películas mais sensíveis. Começa o distanciamento da fotografia pictórica e dos retratos posados. O fotógrafo tem mais liberdade de movimento na busca de ângulos e enquadramentos. Mais de uma década depois, o fotojornalismo começa se impor como um meio auxiliar da comunicação, com a cobertura da Segunda Guerra. Isso estimulou a profissionalização, já com um aliado importante, que apareceu nos anos de 1930. A máquina de telefoto, uma geringonça apresentada pela agência de notícias norte-americana UPI (United Press International), transformava, “num passe de 42

mágica”, as imagens em preto e branco em impulsos elétricos, enviando-as para qualquer lugar do planeta. Era um trabalho complicado, porque o fotógrafo, além de operar a máquina, precisava antes revelar o filme e depois ampliar as cópias em quartos escuros improvisados em algum lugar onde existisse uma linha telefônica. Era contar com a sorte o tempo todo, mas o fato é que a telefoto permitiu ganho de tempo para que as imagens chegassem até as rotativas para impressão com muito mais agilidade. Como o tempo não para, nos anos 1990 veio uma mudança radical no processo fotográfico, com o lançamento da primeira câmera com tecnologia digital. De novo a Kodak saí na frente e lança o modelo DCS 200. A novidade trouxe o dispositivo CCD (Charged Coupled Device), de captura da imagem, armazenando-a em um cartão de memória, decretando “a morte” do filme negativo. Nesse ponto tivemos uma ruptura na atividade do fotógrafo profissional, para sempre livre da tarefa de revelar e copiar. Um ganho impressionante de tempo, com o trabalho acessível quase que instantaneamente. Um momento ainda mais avassalador estava por vir, nos anos de 1980, com o surgimento dos smartphones, os celulares, que desde a versão “tijolo” até o

Alcir Lacerda posa com câmera de Rolleiflex. Foto: Reprodução


moderno Iphone, vieram para transformar de vez a comunicação como até então conhecíamos. Em paralelo, surgiram muitos outros avanços da tecnologia da informação, com a internet, a banda larga e, claro, as redes sociais. Uma avalanche de inovações que se espalharam pelo mundo, facilitando a comunicação, ampliando as conexões, valorizando o poder das imagens, cada vez mais imediatas. Com um necessário ajuste à célebre frase do cineasta Glauber Rocha, chegamos ao tempo em que “com uma ideia na cabeça e um celular na mão” podemos quase tudo. Uma foto épica, filmar, editar, publicizar, enviar para o mundo inteiro as imagens produzidas, isso em fração de segundos. Como tudo tem dois lados, essas facilidades, com todas e todos instados à condição de “fotógrafo profissional’, como é mesmo que ficou a vida de quem decidiu se dedicar a este ofício? Imaginávamos que esses avanços poderiam propiciar uma dinâmica positiva para a profissão, mas isso não ocorreu. A fotografia profissional começou a ser desvalorizada e perder qualidade. Hoje, o que importa é a instantaneidade do registro. O jornalismo impresso patina em suas incertezas, antes de sucumbir, se não se reinventar. Prova disso são muitos jornais e revistas falindo e os que ainda não fecharam reduzindo drasticamente

suas redações e extinguindo suas editorias de fotografia. O resultado não poderia ser outro: desemprego em massa. Muitos profissionais desistindo do fotojornalismo e os que ainda teimam com a fotografia, mudam o foco de sua linha de atuação, buscando, por exemplo, fotografia autoral como alternativa. Nesse cenário, aparecem novos caminhos, ainda mais perigosos, com o uso da fotografia digital de algoritmos de Inteligência artificial, algo que vem sendo experimentadas e logo estará nas máquinas fotográficas

digitais. Não é difícil enxergar que, nas mãos de profissionais inescrupulosos, essa inovação pode vir a torna-se um instrumento para a manipulação de imagem. O falseamento da realidade. Essa tendência, a se confirmar, vem na contramão do que vivi, quando buscávamos transmitir, por meio das nossas lentes, a verdade dos fatos que víamos. Tive o privilégio de pertencer a uma geração de fotógrafos profissionais que vivenciou a passagem do processo analógico (filmes negativos, revelação

“‘...fotógrafo profissional’, como é mesmo que ficou a vida de quem decidiu se dedicar a este ofício?” 43


e cópias fotográficas) para o digital. Além da oportunidade fantástica, no Recife, de estagiar no laboratório da ACÊ Filmes do saudoso mestre Alcir Lacerda. Foi lá que compreendi o processo físico-químico de uma revelação de filme e da cópia em papel fotográfico. Tudo em P&B. A ACÊ era um laboratório especializado nessa técnica. Entendi de como a temperatura dos químicos de revelação e a dosagem influenciam na pigmentação, nos grãos de uma imagem revelada, os famosos e atuais pixels, e de como puxar uma revelação (aumentar o tempo que a película fica imersa na solução) de um filme para ganhar mais luz. O curso de Comunicação Social, na Unicap, me apresentou o caminho para o jornalismo visual, chegando ao Jornal do Commercio num misto de deslumbramento, euforia e responsabilidade, diante dos profissionais da “velha guarda” que dominavam a respeitada Editoria de Fotografia. Impossível citar tantos nomes que contribuíram com a minha formação, mas de certo Luiz Luna foi um deles. Com sua bolsa de couro “legitimo”, calças 44

de linho impecável e sapatos de dançarino, inspirou lendas e, por dessas coincidências da vida, minha primeira foto emplacada na primeira página do JC saiu com o crédito de, acreditem, Luiz Luna. Outra grande experiência profissional foi no mais antigo jornal em circulação na América Latina, o nosso Diario de Pernambuco, ainda na Praça da Independência e depois no moderno prédio no bairro de Santo Amaro. Cheguei pelas mãos do saudoso amigo José Maria Garcia, então secretário gráfico do DP, numa empresa cujo sistema de trabalho era totalmente diferente do que eu conhecia: dois corpos de câmera, um com filme p&b e outro colorido positivo (slides). Imagine decidir, em fração de segundos, se aquela imagem poderia ir para a capa do jornal, exigindo o clique na hora exata, com a máquina certa. Com a evolução natural dos processos, logo o jornal comprou equipamentos que agilizavam a revelação, ganhando tempo, mas ainda com custos altos, numa época em que as editorias eram pressionadas pelo financeiro. A solução veio quando já estava à frente da Editoria de Fotografia,

apresentando um ousado projeto à direção do DP: a total informatização do setor, com a aquisição de equipamentos digitais, mudanças dos fluxos internos, garantindo economia e, posteriormente, até lucro com parcerias junto às agências nacionais e internacionais, interessadas na agilidade da disponibilização das nossas imagens. Esse ponto, por sinal, deixava ainda um saldo para o fotógrafo, que levava sua comissão pela compra da imagem. Mas tudo isso são memórias, registro de tempos que se foram e que deixaram aprendizados para as novas gerações. A verdade é que, nesse instante, o fotojornalismo vive um novo momento, de transformação e adaptação, decerto para evoluir. Sabemos que não basta um bom equipamento para ser um bom fotojornalista. São muitos os componentes incluídos na formação do profissional. Ter abnegação pelo exercício incansável do seu trabalho, ser consciente que o momento perdido de um flagrante nunca mais irá se repetir e não se lamentar por isso, ir atrás de outros. Por último ter sempre em mente a responsabilidade e percepção de que ao apertar o botão de disparo de sua máquina fotográfica o fotógrafo está escrevendo a história do mundo com a luz. Nos resta torcer para que, nesse novo tempo, seja dissipada qualquer nuvem de pessimismo em torno da nossa profissão. É preciso acreditar ser possível seguir expressando nossa arte e que o fotojornalismo voltará a ser respeitado e valorizados por contar a história do mundo sem utilizar uma única palavra.


periódicos & fotógrafos memória

por Betânia Corrêa de Araújo

A publicação dos periódicos O Boletim da Cidade e do Porto do Recife e a revista Arrecifes pela Diretoria de Estatística Propaganda e Turismo - DEPT e Diretoria de Documentação e Cultura- DDC reúne nas décadas de 1940 e 1950 um grande número de escritores, urbanistas, historiadores e de artistas visuais. A presença de intelectuais de campos diversos, como Joaquim Cardozo, José Estelita, Ayrton da Costa Carvalho, Benício Dias, Hélio Feijó, Hermilo Borba Filho e outros, promove um diálogo entre as diversas linguagens onde o objeto a ser representado é a cidade do Recife em um momento de grande transformação. É possível identificar a troca de ideias entre esses pares nas obras textuais ou imagéticas. E desse grupo não podemos excluir os fotógrafos da DEPT/DDC que produzem com as suas fotografias, representações da cidade do Recife. São cerca de setenta, entre profissionais e amadores, número bastante expressivo. Entre os mais conhecidos: Alexandre Berzin e Benício Dias, mas muitos outros nomes pouco conhecidos como Francisco Rebelo, Severino Fragoso e Mandel têm trabalhos bastante significativos e precisam ainda ter a dimensão e importância de seu reconhecimento. São cerca de nove mil fotografias capturadas entre 1939 (ano de criação da DEPT) e 1956 (ano de extinção da DDC). Além de ser uma produção extremamente significativa em termos quantitativos, é inegável seu valor histórico. Hoje esse rico álbum da cidade faz parte do acervo do Museu da Cidade do Recife.

Avenida Guararapes, bairro de Santo Antonio, Recife. na década de 1940. Foto de Julien Mandel.

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ensaio

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este comboio não para em arroios por Renato Menezes

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O conjunto de imagens do qual fazem parte as fotografias enviadas recebe o título “Este comboio não para em Arroios”. Durante o período de julho de 2017 a setembro de2021, os moradores de Lisboa e usuários do serviço público de transporte escutaram repetidamente, ao embarcar numa composição do Metro de Lisboa, a expressão “este comboio não para em Arroios” dita pela mesma voz eletrônica, sempre igual, todos os dias, por mais de quatro anos. A informação devia-se ao fato de que a estação de Arroios estava fechada para obras. A frase,

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quase um mantra para milhares de passageiros, deu origem a essa série de imagens do cotidiano, capturadas e editadas com iPhone. A intenção nunca foi a alta qualidade técnica da imagem, mas o registro despretensioso dos espaços subterrâneos por onde circula o mais utilizado meio de transporte da cidade de Lisboa, e onde, para tantas pessoas, muitos minutos são gastos por dia. Não foi elaborado um roteiro, nem estabelecidos critérios para a captura. A série foi desenvolvida a partir da vivência diária da cidade e do metro de Lisboa. [R.M]





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imagem & psicologia

precisamos falar sobre desapareci Texto de Luciene Paz & Véronique Donard Fotos de Renata Victor

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imentos

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“O olhar que não mais se demora e o desaparecimento das imagens”. Neste pequeno grande ensaio sobre a realidade plástica e psíquica Luciene Paz e Véronique Donard comentam sobre as idas e vindas das questões da imagem no campo filosófico. Na mesma direção, este pequeno grande ensaio fotográfico de Renata Victor materializa as subjetividades deste velho novo mundo.

O olhar que não mais se demora e o desaparecimento das imagens. A vertiginosa proliferação das imagens ocupa todos os espaços, elas se sobrepõem umas às outras, se misturam e, face a elas, desaparece o olhar atento. A velocidade com a que passam traz à mente o trânsito infernal das grandes cidades, em que luzes ofuscantes desviam incessantemente a atenção do motorista. São pensamentos sem palavras, emoções já feitas, objetos, prontos para serem consumidos, letreiros e painéis eletrônicos intrusivos que piscam exaurindo o que temos de mais valoroso: a atenção. Pedem apenas identificação, não dando qualquer espaço-tempo para o olhar demorado, um olhar contemplativo que engaje subjetivamente o desejo. A imagem é o começo. A imagem é o ponto de partida da subjetividade. O Eu é uma imagem que se constitui a partir do encontro com o semelhante, em estado de espelho. O sujeito, durante toda a sua vida, é capturado por imagens, às quais ele se identifica sucessivamente. É sobre este aspecto da relação do sujeito com as imagens, das transformações dos seus retratos e fotografias e do uso destas imagens como fontes de pesquisa que nos debruçamos, com o objetivo de tecermos algumas considerações sobre o olhar que não mais se demora e o desaparecimento das imagens. A questão da imagem é filosófica. Ela aparece e desaparece na filosofia. Como objeto durante muito tempo excluído, mais do que nunca, reaparece na atualidade e ganha visibilidade tal que a coloca à prova da crítica, na qual pensar a imagem se torna imprescindível. (Boehm, 2017). 61


Mirar el río hecho de tiempo y agua Y recordar que el tiempo es otro río, Saber que nos perdemos como el río Y que los rostros pasan como el agua. Yo temo ahora que el espejo encierre el verdadero rostro de mi alma, lastimada de sombras y de culpas, el que Dios ve y acaso ven los hombres.

Jorge Luis Borges (Obra poética: 1923/1985. [p.161 e 151] Buenos Aires: Emecé Editores, 1989).

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O narcisismo envolve o olhar de alguém sobre si mesmo. Além disso, procura interação com outro olhar, de um ponto de vista, de onde esse alguém se “vê” sendo admirado, também. Admirar(-se), mirar(-se) à distância, termina por inaugurar geografia mais complexa, de um espelho com mais faces que aquele representado na pintura, por Caravaggio, por exemplo. Não se trata do reflexo somente, contudo da multiplicidade fractual, em território mais obscuro e estranho. Essa estranheza, esse terceiro olhar a partir dessa margem e desse mar, para qual serve a fotografia na construção e desconstrução da imagem, está bem posta nas fotos de Renata Victor neste pequeno grande ensaio especial para Unicaphoto. Estes narcisos de Renata, estes sfumattos em longa exposição, trazem a ideia da transcendência e imanência, do transitório nas representações. Mais ainda: é sobre algum tipo de diluição do Si-mesmo, desses retratos que se formam e se reformam e se deformam do Outro, somente uma transformada do Eu. É para onde apontam também o caminho e a diagnose


da psicanalista Luciene de Melo Paz e da doutora em psicopatologia clínica Véronique Donard, ambas ligadas à pós-graduação da Unicap, neste espaço. Não estamos em tempos da imagem, puramente. Porém, das transimagens, onde não nos comporta mais a planície, mas a esfericidade nos reflexos dos espelhos. Não nos atendem mais as rápidas selfies. Queremos espiar e expiar a partir de uma longa, longa exposição. E isso tem a ver com o tempo, nosso tempo. A negação da imanência, à pesca da transcendência onde nem sempre habita uma, para constatar sermos já os desaparecidos de nós mesmos, nós mesmas, à procura da permanência, do espelho perpétuo, enquanto simplesmente nós, representação, imagem, ego, self, desaparecemos, névoa, diante de nossa admiração e repulsa e culpa, em busca de algum tipo de autoconsciência. Perdida. Estas fotografias falam dessa melancólica experiência. [SR]

No campo da estética e em relação às obras de arte, o tema das imagens ganha força inovadora ao se articular com outros campos do saber, tal como a Psicanálise. Para Didi-Huberman (2013), a subjetividade é plástica, e as imagens possuem poderes que impactam, configuram e atualizam realidades plásticas e psíquicas. A partir de suas pesquisas, analisou que as imagens sofrem de reminiscências. Quando tratou da dimensão política, Didi-Huberman aproximou o seu entendimento ao pensamento freudiano ao apropriar-se das análises das imagens dos sonhos e aplicá-las às imagens das obras de arte. Walter Benjamin (1935-6/1987) contribuiu significativamente para a compreensão de como as tecnologias digitais impõem novas formas de ver e de ser visto, além de inaugurar modalidade de relação do sujeito com o tempo e com o espaço. O autor salientou que as novas formas de percepção expressam-se num sensorium diferente em razão da nova técnica. Desvelando o caráter fragmentário da vida moderna e se referindo ao surgimento da fotografia e do cinema, revelou-nos que a noção de temporalidade é marcada pela 63


aceleração e pela fugacidade, o que é demonstrado pela rapidez com que tudo aparece e desaparece, refletindo uma era da multiplicação da imagem de massa que na contemporaneidade assume uma dimensão exponencial. Dessa forma, a experiência é simplesmente esvaziada, significando que as novas formas de perceber promovidas pelas tecnologias são, em síntese, extensões dos sentidos, pois interferem no próprio homem e no cenário em que está destinado a viver provocando novas formas de subjetivação. No que diz respeito à implicação do tema das imagens às novas tecnologias, são inúmeros os recortes produzidos. Na perspectiva de Giddens (2002), uma das mais distintas marcas da nossa época é que as coisas não valem pelo que são, mas em função da medida estabelecida pelas fontes midiáticas. Se o que garante a existência das coisas é o fato de serem visualizadas e veiculadas pelos meios de comunicação de massa, que lhes conferem um lugar no regime de visualidade atual, compreendemos que o que não aparece tende a uma não-existência, enquanto o que aparece tende a desaparecer rapidamente em meio à inundação pictórica. A profusão de imagens, através das mídias cuja velocidade vai do encontro à ausência em detrimento da pura presença constante, mostra que não há mais nada a mostrar e que o ambiente está contaminado pela intoxicação midiática. A crescente pletora à qual estamos submetidos elimina ausência, distância, separação. (Baudrillard, 2011). A confusão, no sentido da fusão com o outro ou com o mesmo, reina e produz efeitos na subjetividade. As selfies, como 64

nova forma do autorretrato, evidenciam um jogo de imagens entre o público e o privado, entre o tempo do acontecimento real e o tempo do acontecimento virtual, uma confusão entre a existência e seu duplo. Vemos uma colisão dos polos, o desaparecimento da distância e a aceleração do ritmo que vai de encontro à concepção de uma subjetividade como processo das gerações e em acordo com rituais transgeracionais, que particularizam a subjetividade articulada à dimensão simbólica. Assim, nas redes sociais, as ruas, as paisagens, as vidas humanas, a magia do retrato se diluem, fotos não são mais guardadas em um álbum, registros apenas das importantes ocasiões e privilégio dos ricos. Não se trata apenas do desaparecimento das imagens, mesmo porque o que desaparece já apareceu em algum momento para alguém, posto que a presença e a ausência são inseparáveis, toda ausência só se constitui no fundo de uma presença. Trata-se da velocidade, cada vez mais acelerada, com que as imagens veiculadas pelos meios de comunicação de massa aparecem e desaparecem. Pois essa aceleração leva a uma massificação refratária às particularidades do desejo.

REFERÊNCIAS BAUDRILLARD, J. (2011). Tela total: mitoironias do virtual e da imagem. Porto Alegre: Sulina. BENJAMIN, W. (1935-6/1987). “A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica.” In Walter Benjamin. Obras escolhidas, vol. I, Magia e técnica, arte e política. São Paulo: editora brasiliense, pp. 165-196. BOEHM, G. (2017). “Aquilo que se mostra: sobre a diferença icônica”. In: ALLOA, Emmanuel. Pensar a imagem (p.23-38). Belo Horizonte: Autêntica Editora. DIDI-HUBERMAN, G. (2013a) A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro: Contraponto.



uma enciclopédia virtual para a fotografia brasileira artigo

por Filipe Falcão

Imagine ter acesso a uma base de dados para procurar livros e publicações exclusivos de fotografia.

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Além de um rico acervo, esta base de dados está muito bem organizada e dividida em categorias para facilitar a busca de quem procura determinado livro, autor ou tema. Fotografia conceitual, etnográfica, de paisagem, de arquitetura, fotojornalismo, retratos, natureza e até áreas que dialogam com a fotografia como cinema e literatura. Além de livros, ela também conta com revistas e recentemente incluiu em seu catálogo todas as edições da revista Unicaphoto. Estas são apenas algumas categorias do portal Base de Dados de Livros Fotográficos (https://livrosdefotografia.org/), que serve como este espaço para os interessados por fotografia terem acessos a incontáveis publicações.” O responsável pelo portal Base de Dados é o fotógrafo Leonardo Wen, cuja formação é em Fotografia, tendo estudado no Centro Universitário Senac, em São Paulo Ainda na época da

graduação, Leonardo começou a trabalhar como fotojornalista atuando por cinco anos no jornal Folha de S.Paulo, além de colaborar como free-lancer com diversos jornais, revistas e agências. “Foi um estalo que eu tive por volta de 2017. Sempre fui fascinado pelos livros de fotografia, e também sempre pesquisei muito sobre filmes no IMDB (Internet Movie Database). Então um dia me perguntei: onde está o IMDB da fotografia brasileira?”, relembra Leonardo sobre o que o fez criar a Base de Dados. Naquele momento, ele se deu conta de que ainda não existia uma plataforma on-line que inventariasse a produção editorial da fotografia brasileira ou latinoamericana de forma sistemática. “O que existia, de fato, era a importante base bibliográfica do Ricardo Mendes (Fotoplus), alguns sites estrangeiros com recortes temáticos (como o Africa in the Photobook, do holandês Ben Krewinkel), sites de livrarias especializadas e de

alguns colecionadores (como o Josef Chladek)”, relembra Leonardo reforçando que mesmo com estas publicações, não existia ainda uma enciclopédia virtual mais abrangente, com recursos avançados de visualização e pesquisa. A ideia original de Leonardo era desenvolver uma plataforma de fotolivros, focada apenas nas publicações mais contemporâneas. “Eu logo entendi que o termo fotolivro, apesar de ser bem aceito e amplamente adotado no campo da fotografia, ainda é uma tipologia imprecisa do ponto de vista técnico e conceitual. Além disso, existe um volume muito grande de publicações fotográficas que não são fotolivros propriamente ditos, mas que têm uma grande relevância estética ou histórica”, explica Leonardo. Sendo assim, Leonardo ampliou o escopo da pesquisa para todos os tipos de publicação fotográfica: coletâneas, catálogos de exposição, livros-objeto, zines, revistas e jornais especializados, livros de história, teoria e crítica, e até mesmo livros de literatura que falam sobre fotografia. Em apenas dois anos o projeto conseguiu documentar 3.500 publicações no site e este número segue em crescimento. “Um dos desafios desse projeto era fazer com que a plataforma abarcasse não somente o catálogo das editoras de médio e grande porte, mas também o segmento da produção editorial independente, incluindo também as editoras de pequeno porte e as edições de autor”, explica Leonardo. Ainda sobre o extenso catálogo, Leonardo explica que quando decidiu criar uma enciclopédia virtual para a fotografia brasileira, deixou de lado qualquer filtro curatorial. “Ou seja, não avaliamos 67


Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

O pesquisador independente e fotógrafo Leonardo Wen atualmente se dedica ao desenvolvimento da Base de Dados de Livros de Fotografia (www. livrosdefotografia.org).

a qualidade das publicações a serem catalogadas sob nenhum aspecto estético, histórico, físico ou conceitual – basta que elas existam e que circulem”, explica. Para ele, apesar deste procedimento trazer para a base publicações de pouco interesse, permite ampliar o público e o alcance da plataforma, inclusive para o público amador, estudantes secundários ou profissionais de outras áreas alheias à fotografia. “Dessa forma, evitamos que o site fique restrito ao público dos campos mais “tradicionais” da fotografia, como a fotografia documentária ou a fotografia artística”. A busca dos livros que fazem parte do portal Base de Dados acontece com três frentes de pesquisa: a pesquisa presencial em bibliotecas e acervos privados, o contato direto com autores(as) e editoras, e as chamadas públicas que são realizadas através das redes sociais (Facebook e Instagram). As revistas, em 68

toda sua variedade de tipos, são um segmento do mercado editorial bastante importante para o campo da fotografia. As revistas mais comerciais, como por exemplo as extintas Fotosite ou Paparazzi, documentaram momentos importantes da produção fotográfica no período em que circularam. A revista Unicaphoto está presente na Base de Dados de Livros de Fotografia. Isto significa que todos os números estão disponíveis para acesso. “As revistas de cursos de especialização e graduação como a própria Unicaphoto, apontam os caminhos que as gerações mais novas estão trilhando” A coordenadora do curso de Fotografia da Unicap, Renata Victor, reconhece a importância da Unicaphoto passar a fazer parte do acervo da Base de Dados. “Admiramos muito o trabalho que o Leonardo vem realizando e para nós é uma honra fazer parte deste elenco”, comemora Renata.

Enquanto plataforma de referências bibliográficas, Leonardo observa que o site tem sido bem aproveitado, ao julgar pelo fluxo diário de usuários do site e pelo retorno positivo que recebe da comunidade de artistas, fotógrafos(as) e pesquisadores(as). Entretanto, ele lembra que a função primordial do site é justamente fornecer informações e subsídios para as pesquisas produzidas por outros autores. “Por sermos apenas uma fonte de referências (e não uma fonte primária), não costumamos ser citados diretamente enquanto fonte de pesquisa, como é natural”, explica Leonardo. Os interessados em enviar publicações para a Base de Dados de Livros de Fotografia devem entrar em contato através do email (contato@ livrosdefotografia.org) e enviar trabalhos ou mesmo sugerir títulos que ainda não estejam catalogados no sistema.


trezentos anos ou alguns meses na prática

por Gustavo Bettini

Muitos fatores podem fazer uma obra impressa durar centenas de anos ou muito menos que isso. O processo de impressão e os materiais utilizados são a base primordial para dar início a essa jornada contra o tempo. Sim, até mesmo as impressões que seguem todos os cuidados do processo fine art, se não seguirem cuidados básicos e fundamentais, podem não alcançar seu potencial de longevidade. Institutos como o Wilhelm Research (www.wilhelm-research. com ) testam a longevidade das impressões levando em consideração o papel e a impressora usados, mas também a maneira como estarão expostas essas obras. O ambiente em que a obra ficará é fator determinante e irá interferir diretamente nesse processo de duração da obra. Luz direta, variação de temperatura e de umidade, poluição, uso de produtos de limpeza e até colocação de aromatizantes de ambiente podem interferir na durabilidade de uma impressão. Para proteger uma obra é preciso levar em consideração o tipo de montagem da moldura, do suporte, e os materiais escolhidos. São aspectos que influenciam diretamente na durabilidade do trabalho. Imagine que a moldura é um grande sanduíche, com várias camadas, cada uma com uma função específica. A primeira camada que encontramos é o vidro. Obras sem vidro já saem em grande desvantagem e é fácil perceber que

é uma proteção física contra agentes externos como insetos, toque de mãos, poluição, produtos, panos… E existem vários tipos de vidros para ser usados em montagens com molduras: 1) O antirreflexo comum, com textura que provoca um aspecto fosco, reduz muito o brilho do vidro e a capacidade de perceber a presença dele na obra. Esse tipo de vidro foi criado para ser montado em contato direto com a fotografia, inclusive, porque se houver espaço entre eles, a textura do vidro diminui a percepção de detalhes na obra. Porém, essa característica traz um fator para a obra, que por estar em contato direto com o material, pode provocar uma espécie de colagem da obra no vidro com o passar do tempo e o desenvolvimento de fungos na impressão; 2) Os vidros incolores, que podem ser montados com afastamento da obra, estão disponíveis em vários tipos, de modelos comuns aos museológicos. Os museológicos além de garantir proteção contra raios UVs (Até 99%) têm tratamento antirreflexo muito eficiente. O material é tão imperceptível que é comum achar que obras montadas dessa maneira estejam sem vidro. A segunda possível camada da montagem pode ser uma barreirinha, uma espécie de espaçador entre o vidro e a fotografia e/ou um passe-partout, feito com papel de conservação, o material forma uma margem ao redor da obra, que além de estética cria esse espaço 69


necessário para evitar que o vidro e a fotografia se toquem, colem. A abertura do passe-partout, chamada de janela, é feita com uma lâmina que corta num ângulo de 45º e exige muita habilidade de quem faz. Chegamos a impressão, que precisa ser feita seguindo rigorosos processos fundamentais para ser nomeada de fine art, em papéis próprios da categoria Belas Artes e que muitas vezes precisam ser adesivados em suportes rígidos para garantir o melhor acabamento da montagem. Nestes casos, particularmente, é preciso dar preferência aos suportes como o foamboard, próprio para conservação, mais fáceis de serem removidos para eventual restauro. É um tipo de adesivação que deve ser feita a frio, com colas de PH neutro, específicas para esse tipo de montagem. E as últimas camadas, além de barreira servem de fechamento. Mesmo a fotografia estando adesivada em um foamboard, se faz necessário um segundo foam para fazer o acabamento do quadro, que além de proteção, servirá como indicador para o caso de alguma infestação de fungos. Antes que chegue a obra, a umidade encontrará esta barreira na parte de trás, permitindo que se possa trocar essa barreira, sem danos a fotografia. Por isso, é recomendado, de tempos em tempos, tirar o quadro da parede e fazer uma vistoria, procurando sinais de infestações de fungos ou pontos de amarelamento. Existem também materiais como o Tyvek, que quando adicionado entre

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a foto e o fechamento aumentam ainda mais essa proteção contra a umidade. Até mesmo as fitas que fecham o fundo da moldura precisam ser de PH neutro para selar todo o conjunto. Todo esse nosso ‘sanduiche’ é preso pela moldura, que deve ser feita com madeira tratada, previamente seca em estufa, para evitar a proliferação de pragas como cupins e polias e para garantir que não empenem com o tempo. Outro detalhe que ajudará também na conservação da obra é pendurar a moldura deixando um pequeno afastamento entre ela e a parede. Isso permite a circulação de ar que ajuda a evitar formação de fungos. São muitos os detalhes e cuidados tomados por quem trabalha de forma profissional e séria. Esses materiais e tipos de montagens citados aqui são alguns, dentre vários existentes. Como as duas grandes bases para tornar uma obra fine art são qualidade e longevidade, é importante atentar para as decisões que vão além da impressão. Assim como acontece com a saúde de nosso corpo, existem fatores determinantes, hábitos e escolhas, que podem estender ou diminuir a nossa vida por aqui. Papéis, montagens, materiais adequados, processos de manuseio, ambiente de exposição, cada etapa tem sua contribuição para o alcance do potencial de durabilidade de uma obra. 300 anos ou alguns meses, anos? Em cada escolha, você determina a velocidade do ponteiro desse relógio.


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nós vamos invadir sua praia ensaio

por Amanda Câmara Lima

Daqui do morro dá pra ver tão legal/ O que acontece aí no seu litoral/ Nós gostamos de tudo, nós queremos é m


mais/ Do alto da cidade até a beira do cais/ Mais do que um bom bronzeado/ Nós queremos estar do seu


lado// Nós tamo entrando sem óleo nem creme/ Precisando a gente se espreme/ Trazendo a farofa e a galinha


a/ Levando também a vitrolinha/ Separa um lugar nessa areia/ Nós vamos chacoalhar a sua aldeia// Mistura


sua laia/ Ou foge da raia/ Sai da tocaia/ Pula na baia/ Agora nós vamos invadir sua praia// Sua praia!/ // Sua


a praia!// Agora se você vai se incomodar/ Então é melhor se mudar/ Não adianta nem nos desprezar/


Se a gente acostumar a gente vai ficar/ A gente tá querendo variar/ E a sua praia vem bem a calhar// Não prec

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cisa ficar nervoso/ Pode ser que você ache gostoso/ Ficar em companhia tão saudável/

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Pode até lhe ser bastante recomendável/ A gente pode te cutucar/ Não tenha medo, não vai machucar// Mistur

A canção “Nós vamos invadir sua praia”, da banda Ultraje a rigor, da gravadora WEA, É de 1985. Embora originalmente seja uma crítica à MPB daqueles anos, o hit passou a ser relacionado com os conflitos entre remediados de classe média e ricos no Brasil. Neste ensaio de Amanda Câmara esse rock é bom leit motif, como fosse tocado em um radinho de pilhas no campo de obras das construções das mansões e condomínios do litoral de Pernambuco nos dias atuais. A motivação destas fotos surgiu quando Amanda, fotógrafa e arquiteta, resolveu se mudar para o litoral, a praia de Porto de Galinhas, em Ipojuca, a uns 70 km do Recife. Era o ano de 2021. “Resolvi viver na cidade de Porto de Galinhas e me deparei com o boom imobiliário na região. As novas construções estão tomando tudo. A cada quarteirão tem uma obra de um edifício em construção, este com três ou quatro andares”. A verticalização do lugar tem descaracterizado a paisagem e o que se vê do paraíso visitado por turistas ricos do mundo e classimedistas do país é uma realidade descompensada e predatória. Para a fotógrafa, “a cidade turística pertencia

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ra sua laia/ Ou foge da raia/ Sai da tocaia/ Pula na baia/ Agora nós vamos invadir sua praia

antigamente aos pescadores, à comunidade local e aos coqueirais que eram marcos da paisagem existente. Agora, tudo dá lugar a grandes resorts, condomínios para casas de veraneios. Até projeto de arena para grandes shows está previsto no local.” Os tons amarelos e laranjas deste ensaio a artista exacerbou a modo de acender toda a atenção para esses problemas ambientais e econômicos da cidade, que cresce sem saneamento básico satisfatório, onde as desigualdades são minimizadas ou esquecidas, a bem do turismo e do desenvolvimento. A praia de Porto de Galinhas talvez termine por se tornar uma praia de espigões, com grandes torres fazendo sombra sobre a areia, não diferente da praia mais conhecida do estado: a de Boa Viagem, no Recife. Enquanto isso, entre tijolos e argamassa, Porto de Galinhas segue. Agora, como denuncia este ensaio, com a esperança de que os pescadores, os mais pobres, os nativos possam invadir a praia. Agora, dos especuladores.

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inovação

fotojornalismo, inovação & consumo por João Guilherme Peixoto 82


Fotogalerias ou slideshows como elementos de construção de narrativas do fotojornalismo digital. Aqui, o projeto Displaced, do NY Times, que vem usando o recurso pra amplificar efeitos de recepção da notícia e inovando na narrativa visual. Na imagem, escombros, na Ucrânia, Fonte: New York Times.

Se no final do século XX uma das preocupações mais evidentes para o universo jornalístico residia no fato de construir uma estratégia sólida e financeiramente viável de ¨passagem¨ para o digital (silva junior, 2012; quinn, 2005; salaverría et al., 2008), hoje os desafios são outros. E não são poucos. Ao analisar, por exemplo, as dinâmicas operacionais relacionadas à prática jornalística contemporânea, pode-se observar que novos protocolos associados à inovação no desenvolvimento de produtos, processos, como também nas práticas de gestão de pessoas e de conteúdo incorporam características salutares para a compreensão dessa atividade em mutação. Em outras palavras: novos formatos de produção, distribuição/circulação, consumo e financiamento ¨oxigenam¨ os atuais modelos vigentes de desenvolvimento da atividade jornalística. Ademais, para Spinelli (2017, p. 66), as empresas informativas e os produtores de informação se confrontam com as transformações do ecossistema midiático e precisam gerar processos criativos e inovadores para sustentar um jornalismo que tenha valor para a sociedade. Dessa forma, pode-se atentar que tais rearranjos na atividade jornalística nas sociedades contemporâneas, no que se refere à cadeia de criação, têm por objetivo, por exemplo, aproximar os processos de produção de conteúdo de novos formatos narrativos os quais procurem impactar a audiência por meio do uso de recursos cada vez mais complexos no que diz respeito tanto ao formato como ao material projetado.Destaca-se também que as mudanças implementadas nas redações jornalísticas afetam 83


diretamente o universo de criação de material visual noticioso. A produção fotojornalística, desde a incorporação das tecnologias digitais de construção, edição e disponibilização de imagens para o público, no final do século passado, passa por transições de status que remodelam o ofício (garcía, 2017; arriaga silva, 2017; klein-avraham et al., 2016; silva júnior, 2012; mäenpää, 2014). A velocidade proporcionada pelo surgimento e desenvolvimento da conexão de banda larga permitiu aos desenvolvedores de conteúdo explorar ao máximo recursos multimidiáticos, os quais apontam para uma maior justaposição entre texto, imagem, som, vídeo e outros elementos narrativos (Longhi, 2010). O resultado dessa investida pode ser observado em coberturas especiais realizadas por veículos de comunicação que buscam utilizar os recursos proporcionados pela web de forma mais interativa, participativa e dinâmica. A equação aponta para cenários interessantes: novos suportes, novas ferramentas de visualização e disseminação de informação, outros formatos de construção narrativa. Hoje, com o advento e o desenvolvimento das tecnologias da comunicação atrelados à cultura da convergência (Jenkins, 2006) constatam-se alterações nos aspectos relacionados ao consumo de imagens em ambiente de rede e, consequentemente, modificações na cadeia produtiva do jornalismo. Mudanças no ambiente redacional também resultaram em reconfigurações nas habilidades necessárias para o desenrolar da profissão. Um dos fatores mais recorrentes quando se analisam as mudanças nas dinâmicas produtivas do fotojornalismo 84

Integração: O projeto de fotojornalismo Future cities associa texto, clipes, imagens estáticas e recursos inovadores de design. Página inicial do projeto Future cities. A ideia é “garantir”informação & consumo, a exploração máxima da “experiência”. Aqui, em destaque, entre cidades do futuro, Addis Ababa, capital da Etiópia, o país africano que derrotou o exército colonizador. Passado e presente se reúnem da religião Rastafari, das culturas indígenas ao jazz. Oitenta grupos étnicos. Inovação e futuro já chegaram.

é observar a infinidade de competências que esses profissionais precisam absorver nas últimas décadas. Ainda sobre a temática inovação no universo midiático, ao observar especificamente o cenário fotojornalístico contemporâneo, destaca-se que tais alterações já especificadas evidenciam uma transformação no próprio status da fotografia de imprensa. Ao afastar-se dos padrões característicos que envolviam as rotinas concernentes às dimensões técnica, estética e deontológica do que pode ser categorizado como "Fotojornalismo 1.0 (peixoto, 2016), a atividade sinaliza para um conjunto de processos que indicam novas fronteiras e outros desafios. Pode-se afirmar que um conjunto de atributos indica o surgimento de rotinas de produção, edição e circulação vinculadas à interpretação, tradução e transdução da realidade. E o que caracteriza essa nova condição para o cenário fotojornalístico? Enfatizam-se aqui os trabalhos desenvolvidos por Ritchin (2009) e Fontcuberta

(1997; 2010; 2011), os quais diagnosticaram uma tentativa de conceituação desse novo "fenômeno". Em Ritchin (2009), analisa-se uma perspectiva que assinala para algumas mudanças em um padrão de produção de informação visual. De acordo com o autor, a fotografia digital estaria conectada aos seus espectadores por meio de atributos associados muito mais a valores afetivos e de subjetividade que a processos materiais e tecnológicos. Para o autor, afetividade, interatividade, e uma ideia de continually updated teriam inaugurado para a fotografia um panorama complexo e ainda pouco explorado. Ainda de acordo com Ritchin (2009), de acordo com as condições destacadas acima, o estatuto dessa nova imagem contemporânea poderia ser identificado por meio do conceito de Hiperphotography. Dentre as características direcionadas ao conceito de hyperphotography, podem ser destacados dois grandes eixos: a) Construção de produtos midiáticos associados à fotografia e ao fotojornalismo os quais se aproximassem de novos formatos de circulação de conteúdo, esses conectados à participação do usuário; b) Elaboração de narrativas visuais com ênfase no sujeito, uma proposta alinhada com os novos modelos de construção de storytelling vistos acima. Já no que se relaciona à contribuição de Fontcuberta (1997; 2010; 2011), o modelo proposto pelo autor (Pósfotografia) também advoga no sentido de aproximar o desenvolvimento da fotografia digital não apenas das mudanças de ordem tecnológica, mas também dos processos de


reconfiguração das esferas das rotinas e protocolos canalizados para a prática dessa atividade. Ressalta-se aqui que a incorporação dessas novas características nas cadeias de criação, circulação e consumo de conteúdo visual pode ser percebida não somente por meio da entrada nas redações de novos artefatos e tecnologias destinadas a capturar e processar informação, mas também por transformações de natureza mais complexa, a saber. O processo de digitalização da atividade representa o primeiro ponto relevante para compreender esse movimento de transição de status do fotojornalismo (PEIXOTO, 2016), o qual teve teve início nos anos 90 do século XX. De acordo com Silva Júnior (2012, p. 35-43), tal reconfiguração pode ser dividida em três períodos: a fase pré-adaptativa, que se caracterizou por uma "coexistência de sistemas de imagem e rotinas baseados numa interoperabilidade entre o digital e a analógico" (p. 35); a fase adaptativa, a qual se desenvolve no sentido de "total eliminação de dispositivos de ordem analógica; o desaparecimento do filme como suporte de captação e do fim da fotografia em papel nas editorias de fotografia" (p. 36); e, por fim, a terceira fase, descrita pelo autor como: convergente. O segundo ponto a ser observado diz respeito aos câmbios no perfil profissional dos atores envolvidos diretamente com a atividade fotojornalística nas redações (ARRIAGA SILVA, 2017; FABREGAT et al., 2017; KLEIN-AVRAHAM et al., 2016; MÄENPÄÄ, 2014). Se antes os responsáveis pelo trabalho acumulavam competências de

ordem estritamente "visual" (técnica e linguagem fotográfica, edição e tratamento de imagens), hoje, há uma forte necessidade de incorporação de um perfil multitarefa, que transparece em atividades pouco convencionais até pouco tempo atrás: captação, produção, edição e pós produção de material em vídeo, técnicas de arquivamento digital, piloto de drone… Por fim, o terceiro ponto destaca as mudanças específicas nas rotinas de criação voltadas ao desenvolvimento de narrativas visuais jornalísticas. Com o surgimento de modelos de construção de conteúdo noticioso cada vez mais complexos em ambiente multimidiático (LONGHI, 2011), a função da imagem no contexto informacional acaba por complexificar-se significativamente. Se antes, nos espaços reservados à fotografia de imprensa em jornais e revistas, se fazia necessário levar em conta tal fator para o ajuste da relação produção/circulação do material clicado, hoje, com os recursos digitais disponíveis, é possível explorar de novas maneiras essa equação. Assim, destaca-se que um dos modelos de construção narrativa mais reconhecidos e ainda hoje ¨praticados¨ nas redações é o Especial Multimídia. De acordo com Longhi (2010), ele constituise por um ¨formato de linguagem multimídia convergente, integrando gêneros como a entrevista, o documentário, a infografia, a opinião, a crítica, a pesquisa, dentre outros, num único pacote de informação, interativo e multilinear”. (p. 150). Já a Grande Reportagem Multimídia, uma evolução


do modelo apresentado acima (Especial Multimídia), utiliza recursos mais sofisticados no que diz respeito ao aproveitamento de novas funcionalidades advindas das mudanças na Web e a utilização de novos protocolos. E com toda essa refuncionalização do jornalismo em um ambiente multimidiático, novos formatos narrativos que procuram integrar a fotografia de imprensa aos demais elementos que compõem esse cenário também podem ser identificados. Eles tem por objetivo apresentar uma espécie de ¨reação¨ da atividade perante as transformações tecnológicas, de gestão e sociais processadas pelo ambiente jornalístico. Pode-se definir o Slideshow (também chamado ¨Fotogaleria¨ ou Fotogalería) como um dos primeiros modelos que buscaram realizar essa interlocução entre os formatos de produção textual e fotográfico/fotojornalístico. Para Kolodzy (2006) e Lópezdel-Ramo (2016), tal formato incorpora elementos de hipertextualidade e interatividade. Inicialmente, composto por imagens dispostas em sequência com a possibilidade (ou não) de interação do usuário, esse modelo permite a montagem de complexas narrativas jornalísticas. Também há as Picture Stories (ou Fotohistórias), produções ainda mais complexas no que concerne ao uso de recursos tecnológicos, visuais e narrativos. Destaca-se também que a presença de fotojornalistas em dinâmicas de produção audiovisual pode ser considerada uma mudança significativa na cadeia de criação de conteúdo visual. Ademais, novos formatos de captura de imagem, como o uso de drones, a produção de imagens em 360 graus e o uso de 86

realidade virtual e/ou aumentada em projetos mais ambiciosos por parte de grandes players globais de produção de notícias (como o NY Times, Washington Post e a Folha de São Paulo) também pode ser destacado aqui. Como mencionado anteriormente, o investimento e o desenvolvimento de laboratórios de inovação e cocriação nas redações vem alterando gradativamente a incorporação desses novos produtos tanto na cadeias de produção de material jornalístico como também nas searas de circulação e consumo. Por fim, vale então destacar que o universo da fotografia de imprensa encontra-se em estado de reconfiguração e esse processo conecta-se de forma relevante com o desenvolvimento das tecnologias digitais. Os eixos de criação, circulação, consumo e (por que não?) financiamento de conteúdo atravessam transições de status que exigem atenção. É preciso estar alerta aos processos, aos mecanismos que nos permitem dialogar com esse universo polissêmico, expansivo, plural. E se os desafios atrelados as

dinâmicas operacionais da prática jornalística contemporânea exigem do ecossistema fotojornalístico aspectos voltados, principalmente, à integração de saberes e linguagens, pode-se afirmar que, de forma progressiva, os projetos executados com foco em uma abordagem inovadora (no sentido mais amplo do termo) primam por compreender os novos protocolos de visualidade dos nossos tempos. Tal compreensão resulta na utilização de soluções tecnológicas que permitam expandir as possibilidades de apresentação de histórias com destacado interesse público. Dito isso, o primeiro fator a ser evidenciado da aproximação entre as searas da inovação e do fotojornalismo (se é que vamos poder chamá-lo assim daqui a alguns anos...) é o próprio protagonismo da imagem. Independentemente dos recursos tecnológicos utilizados na concepção de especiais multimídia e de grandes reportagens multimídia (entre outros formatos de circulação de conteúdo), observa-se que existe uma intensa


Tecnologia e inovação inovadores para a captação e o processamento de imagens. Tela inicial do projeto The Displaced, produzido pelo The New York Times, vencedor do Prêmio World Press Photo Digital Storytelling Contest na categoria Innovative Storytelling 2016. O projeto analisa deslocamento das populações durante guerras. “Imersão” a partir recursos de realidade virtual e fotos em 360 graus, em cenários devastados. Fonte: New York Times.

REFERÊNCIAS AMAR, Pierre-Jean. El Fotoperiodismo. Paris: Nathan Université, 2000 BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. CAPRINO, Mônica (org.). Comunicação e Inovação. São Paulo: Paulus, 2008. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede – A era da informação: economia, sociedade e cultura (vol. 1). São Paulo: Paz e Terra, 2001.

preocupação em explorar a linguagem visual de forma ativa. Tal fator contribui para que a fotografia de imprensa absorva um protagonismo nas etapas de planejamento e produção dos conteúdos, sem uma dependência direta da plataforma e dos recursos tecnológicos a ser utilizados. Também é preciso enfatizar o processo de integração de perfis profissionais para a consolidação de projetos, nos quais a criatividade e a cocriação mostram-se ativamente presentes. Diferentemente do que se costuma observar nas tradicionais rotinas de trabalho das editorias de fotografia, alguns projetos

aqui analisados demonstram maturidade na interlocução de recursos humanos e tecnológicos. Ademais, espera-se que, ao final da pesquisa, os dados obtidos a partir dessa primeira análise aqui apresentada (com foco mais introdutório, para reconhecer os contextos como um todo) sejam ampliados a fim de gerar resultados mais completos.

FRANCISCATO, Carlos Eduardo. “Inovações tecnológicas e transformações no jornalismo com as redes digitais”. Geintec, São Cristóvão, v. 4, n. 4, p.1329-1339, jan. 2014. FRANCISCATO, Carlos Eduardo. “Uma proposta de incorporação dos estudos sobre inovação nas pesquisas em jornalismo”. Estudos em Jornalismo e Mídia, Santa Catarina, v. 7, n. 1, p.8-18, jun. 2010. GARCÍA, Virginia Guerrero. “El panorama actual de la profesión del fotoperiodista en el entorno digital 2.0”. Adcomunica. Revista Científica de Estrategias, Tendencias e Innovación En Comunicación, [s.l.], n. 13, p.67-81, 2017. Universitat Jaume I. http:// dx.doi.org/10.6035/2174-0992.2017.13.5. HADLAND, Adrian; LAMBERT, Paul; CAMPBELL, David. “The Future of Professional Photojournalism. Journalism Practice, [s.l.], v. 10, n. 7, p.820-832, abr. 2016. Informa UK Limited. http://dx.doi.org/ 10.1080/17512786.2016.1163236. KLEIN-AVRAHAM, Inbal; REICH, Zvi. “Out of the frame: A longitudinal perspective on digitization and professional photojournalism”. New Media & Society, [s.l.], v. 18, n. 3, p.429-446, 31 jul. 2014. SAGE Publications. http://dx.doi.

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no coração da floresta especial

por Marcelo Pereira


Foto: Matheus Jose Maria



Bela Yawanawá, da aldeia Mutum, com cocar e rosto pintado. Terra indígena do Rio Gregório. Estado do Acre, 2016.

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Foto: Matheus Jose Maria

O jornalista Marcelo Pereira visitou “Amazônia”, de Sebastião Salgado, e escreveu suas impressões especialmente para Unicaphoto

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A exuberância de uma Amazônia desconhecida e surpreendente, misteriosa e bela, com sua força selvagem e seus silêncios profundos ganham uma potência impressionante em imagens preto e branco pelas lentes do fotógrafo Sebastião Salgado, em exposição com acesso gratuito no Sesc Pompeia, em São Paulo, com visitação até 31 de julho. A curadoria e cenografia de Lélia Wanick Salgado provoca uma imersão sensível, embalada por uma trilha minimalista de sons da floresta de Jean-Michel Jarre, que arrebata o expectador, num a ambiente escuro, com uma iluminação afinadíssima que ressalta a luz, o brilho e o contraste das imagens.

Estamos no coração da selva. A luz é filtrada pelos galhos e folhas das águas e refletida nos igarapés. Dois garotos nus, de costas, brincam numa cachoeira. Há alegria e inocência entre eles. Em outra cena, uma menina retoca no espelho com cores negras a sua maquiagem. De cocar e uma pintura que lembra o conjunto Secos e Molhados ou a banda gringa Kiss, uma mulher, já adulta e com os seios à mostra, deixa-se fotografar, sem temer perder a alma (superstição antiga?) ou o assédio do homem branco. Na rede e em palhas espalhadas pelo chão, uma família descansa após um dia de caça, enquanto em outra foto, um caçador traz nas costas um


Fotos: Matheus Jose Maria

macaco, iguaria apreciada por toda a tribo. Os índios Korubo estão armados para enfrentar os invasores, com bordunas, lanças e zarabatanas, o corpo coberto de barro, do qual origina o nome na língua Pano (a mesma dos vizinhos Morubo, Matsés e Matis). Algumas fotos são posadas, feitas num estúdio móvel forrado de lona, que o fotógrafo deixava montado à espera da presença espontânea de seus personagens. Sebastião Salgado registram os hábitos e costumes de povos da Amazônia, com foco especial nos Korubo, Marubo, Yanomami, Yanawá, Suruwhá, Zo’é, AwaGuajá, Macuxi e Asháninka. Se em 1500 eram cerca de cinco milhões indivíduos, hoje não

passam de 370 mil, divididos em 188 grupos indígenas – 114 identificados, mas nunca contatados. São cerca de 200 fotos selecionadas, resultante de sete anos de expedições – por terra, água e ar - e experiências com os povos da floresta. A paisagem humana divide a atenção e se confunde com a paisagem natural amazônica, revelam como nós somos ínfimos diante do esplendor de uma sumaúma secular, de copa invisível. A plasticidade que Sebastião Salgado imprime em suas imagens é comovente. A primeira imagem, logo à entrada, causa impacto, remete a uma pintura gestual abstrata, com o

serpenteio das curvas do rio. A geografia das águas cria imagens de balé, os sobrevoos revelam composições cheias de harmonia da copa das árvores, das lagoas, cachoeiras e relevos. A chuva torrencial nos leva ao coração das trevas. É inevitável a fotocartão-postal do Monte Roraima. Se em alguns momentos, poucos, Sebastião Salgado registra o detalhe, em outros, quando fotografa a chuva, por exemplo, cria imagens impressionistas, de um pontilhismo belo. Entre os momentos mais impressionantes estão “rios aéreos”, “mais volumosos que o rio Amazonas”, formados pelo sistema de umidade das árvores de uma floresta encoberta de nuvens, que filtram os raios do sol com poesia. A Amazônia clama por socorro urgente. Sebastião Salgado sabe disso. Você sabe disso. Ou já ouviu alguém falar. Mas o “Brasil não conhece o Brasil”, diz a canção de Aldir Blanc e Maurício Tapajós. Para a maioria da população a maior floresta tropical do mundo é tão impenetrável quanto misteriosa e exótica. O que não impede que a cada ano seja mais e mais destruída, degradada pelas suas bordas pela ação devastadora e irracional de gananciosos grileiros e garimpeiros que a devastam para expropriar suas riquezas, através da violência 93


O que parece ser lago é apenas um grande remanso cercado de ilhas que o separam do curso principal do rio Negro. Com a variação do nível da água do rio entre o inverno e o verão, ilhas inteiras podem desaparecer na cheia e reaparecer na seca, ou mesmo desaparecer para sempre, com suas areias agregando-se a uma outra ilha mais adiante. Os contornos das ilhas podem mudar com frequência. Parque Nacional de Anavilhanas. Estado do Amazonas, 2009.

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de suas ações que ameaçam de extermínio o seu bioma e os povos originários, que por séculos vivem seguindo os costumes de suas tradições. Não se vê motosserras que ceifam árvores centenárias e abrem crateras que se tornaram desertos, após esgotadas pela pecuária e o plantio de soja e milho, crateras feitas por garimpeiros que poluem os rios com mercúrio. Estas imagens-denúncias estão saturadas nos noticiários de TV e na internet. Sebastião e Lélia têm profundo conhecimento dessas ameaças. E dão o lugar de fala aos caciques e lideranças dos povos da Amazônia para fazer as denúncias e as reivindicações contra as agressões do homem (branco) civilizado, nos vídeos, exibidos nas ocas. Duas salas projetam as imagens – uma com a paisagem humana, os portraits eckhoutianos ao som de uma composição de Rodolfo Stroeter, e a outra com as “paisagens florestais”, musicadas pelo poema sinfônico Erosão – Origem do Rio Amaronas, do maior compositor brasileiro, Heitor Villa-Lobos. São impressões que ficam introjetadas na nossa memória e devem perdurar para sempre.

Protocolos de segurança Pessoas com mais de 12 anos deverão apresentar comprovante de vacinação contra COVID-19, evidenciando DUAS doses ou dose única para ingressar em todas as unidades do Sesc no estado de São Paulo. O comprovante pode ser físico (carteirinha de vacinação) ou digital e um documento com foto. O uso da máscara é obrigatório durante toda sua permanência na Unidade.

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Foto: Matheus Jose Maria

SERVIÇO: “Amazônia” - Sebastião Salgado Curadoria e cenografia: Lélia Wanick Salgado De 15 de fevereiro a 31 de julho de 2022 Terça a sábado, 10h às 21h, domingo e feriado, das 10h às 18h Área de Convivência Gratuito. Livre Sesc Pompeia – Rua Clélia, 93.


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audiodescrição

audiodescrição em fotojornalismo por Liliana Tavares


“A fotografia não é para ilustrar um texto. Em certas situações, é o único registro do fato, sem precisar de palavras”, disse Dida Sampaio, que nos deixou em fevereiro. Para as pessoas cegas ou com baixa visão também guardarem na memória o registro de uma fotografia marcante, é preciso fazer o caminho inverso, traduzir em palavras a imagem por meio da audiodescrição. Hoje em dia, a maioria dos jornais on-line tem uma faixa de áudio lida por voz sintetizada que deixa o texto acessível. Outras vezes, o leitor de tela tem acesso ao texto,

Fotografia em preto e branco, na horizontal, de uma multidão compacta vista do alto. No canto superior esquerdo, em uma faixa, “Abaixo a ditadura. Povo no Poder”. A faixa, de tecido branco, escrita à mão em letras de forma arredondadas, está erguida por duas varas altas. As pessoas estão aglomeradas de frente para nós. Algumas usam terno, outras roupas de gola alta. A maioria é jovem e está séria.

Passeata dos Cem Mil, Cinelândia, Rio de Janeiro, 1968. Evandro Teixeira/acervo IMS

mas a imagem ainda é invisível. A fotografia nem costuma ser referenciada em uma matéria impressa. Ela é coadjuvante. Muitas vezes nem tem legenda, somente os créditos do fotógrafo. Tornar acessíveis fotos em jornal é algo simples de resolver: é só colocar um botão de áudio, semelhante àquele do texto para a leitura da matéria. Assim como os jornais contratam fotógrafos, deveriam contratar um audiodescritor para traduzir as fotos. Neste exercício, em homenagem a Evandro Teixeira, descrevemos uma foto que foi publicada no Jornal do Brasil, em junho de 1968. O que ela nos fala? Olhem a multidão, quieta, séria. Olhem as pessoas, jovens, algumas com roupa de frio. Olhem a faixa. É um protesto. Infelizmente, não tivemos acesso ao texto dessa matéria para saber se ele fazia menção à foto. Mas, muito provavelmente, apenas por meio da audiodescrição, como essa que você pode ouvir na faixa abaixo, seria possível o acesso à imagem por uma pessoa com deficiência visual. Assim como a fotografia, a audiodescrição registra fatos, marca eventos, eterniza instantes, revela sutilezas, denuncia atos, noticia, informa. 99


aconteceu AGOSTO Premiação do Expocom O semestre de 2021.2 começou com estudantes do curso de Fotografia vitoriosos na premiação do Expocom, do congresso Intercom Regiões. Seguindo a tradição, nossos alunos e alunas venceram prêmios sendo dois na categoria Transdisciplinar e um na categoria de Cinema e Audiovisual. O sentimento de reconhecimento está presente em todos que fazem o curso de Fotografia por mais esta conquista no mais importante congresso de Comunicação do Brasil. Abertura do semestre 2021.2 Uma programação especial entre os dias 16, 17, 18 e 19 de agosto marcou a abertura do semestre passado. O evento, que aconteceu de modo remoto e aberto ao público no canal do YouTube FotoUnicap debateu temas como “Fotografia e Arte LatinoAmericana”, “Construindo as Imagens de um Filme” e “A Impermeabilidade e o Afeto”. Na ocasião, também foram lançadas a 17ª edição da revista Unicaphoto e a exposição interdisciplinar realizada com trabalhos produzidos pelos estudantes em 2021.1. O evento reservou o dia 19 de agosto para comemorar o Dia Mundial da Fotografia. Homenagem A programação da abertura do semestre 2021.2 também prestou homenagem ao nosso querido ex-aluno Márcio Novellino, que faleceu por complicações da COVID-19. SETEMBRO Bate-papo com Clarice Marinho O dia 20 de setembro foi marcado por um bate-papo com a professora Clarice Marinho sobre o tema “Propriedade intelectual”. Estreia O filme “Vênus de Nyke”, dirigido pelo professor André Antônio, do coletivo pernambucano Surto & Deslumbramento, foi lançado e exibido no FICValdivia, no Chile, um dos festivais de cinema mais prestigiados da América Latina. Aula prática Os alunos do 4º módulo do curso de Fotografia participaram de uma importante aula prática da disciplina Captura de Vídeo em HDSLR e Edição, com o professor Filipe Falcão. O encontro foi organizado respeitando todos os cuidados e protocolos sanitários. No encontro, os alunos e alunas realizaram atividades práticas de captura de imagem utilizando como cenário o jardim do bloco G da universidade. Além do trabalho acadêmico, a aula também foi um momento de reencontro entre os alunos. OUTUBRO Pibic sobre o cinema pernambucano A noite de 28 de outubro foi de troca de conhecimento nas apresentações dos trabalhos de Pibic desenvolvidos pelos alunos/as de Fotografia. O professor André Antônio trabalhou o tema “Encenações Experimentais no Audiovisual Contemporâneo Pernambucano” com Arylanna Kelly Gomes Santos e Hugo Henrique de Lima dos Santos. Já o professor Filipe Falcão acompanhou

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Amanda Luz Chaves, Angélica da Silva da Costa (do curso de Jornalismo) e Sidney Rocha em trabalhos sobre “Direção de Fotografia no Cinema Pernambucano”. O professor João Guilherme Peixoto orientou Rosália Cristina de França e Johnatta Vitor Silva Marinho em pesquisas sobre “Fotojornalismo”. O professor Paulo Souza trabalhou “Estilo e Gênero nas Obras de Kleber Mendonça” com as alunas do curso de Jornalismo Ana Carolina Nunes e Ana Luiza Duarte. 12 de Outubro Em homenagem ao Dia das Crianças, o curso de Fotografia fez uma ação com a ONG Casa de Maria fotografando as crianças com suas famílias e depois as presenteando com as fotografias impressas e emolduradas. NOVEMBRO Fotografia Documental Revisitada A professora, produtora e pesquisadora Ludmilla Carvalho realizou uma aula sobre “Fotografia Documental Revisitada”. Ludmilla é professora do MBA Cultura Visual. 10º FotoVídeo Os dias 03, 04 e 05 de novembro foram marcados pela décima edição do FotoVídeo, evento já consolidado e tão esperado na programação anual do curso de Fotografia. Oito oficinas foram oferecidas nessa edição, todas de grande importância no universo da imagem e ministradas por profissionais já consolidados no mercado, contudo as de “Fotografia de Gastronomia”, “Iluminação Criativa”, “Arte e Fotografia” e “Ensaio Infantil” se destacaram pelo número de inscrições. O FotoVídeo também realizou a sua tradicional Mostra de Curtas Universitários recebendo trabalhos de instituições de ensino de todo o país. Todo o evento foi transmitido pelo canal do curso no Youtube. Visita de pré-vestibulandos A Universidade Católica de Pernambuco realizou a Semana de Comunicação para receber pré-vestibulandos durante visita pelo campus. Na ocasião, os estudantes de ensino médio tiveram a experiência de serem fotografados no estúdio do curso de Fotografia. Eles também conheceram o laboratório de revelação química, onde são realizados os processos analógicos. Todos levaram uma lembrança fotográfica. 1º Concurso de Fotografia SOS Oceanos O Curso de Fotografia da Unicap realizou o Concurso SOS Oceanos c como alerta para os cuidados com os nossos mares. A premiação consistia em duas categorias. A primeira foi avaliada por um júri técnico composto pelos professores Renata Victor, Paulo Souza e Ricardo Gomes. Já a segunda categoria foi apreciada pelo júri popular através da quantidade de curtidas na página do curso no Facebook. Para o júri técnico, Douglas Fagner e Cláudia Costa da Fonte foram os vencedores com as fotos “E esse óleo de onde vem e para onde vai” e “Sobrevida” respectivamente. Já para o júri popular, o vencedor foi Gerlando Rodrigues Lima com a foto “O outro lado do oceano”.

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Resultado do 2º Concurso da Consciência Negra Em homenagem ao mês da Consciência Negra, o curso de Fotografia da Unicap realizou pela segunda vez um concurso para premiar as melhores fotos sobre o tema. A premiação consistia em duas categorias. A primeira foi avaliada pelo júri técnico composto por Clóvis Cabral, Priscilla Maria Melo do Carmo e Valdenice José Raimundo. A segunda categoria foi apreciada pelo júri popular através da quantidade de curtidas na página do curso no Facebook. Para a categoria avaliada pelo júri técnico, Clara Maria Batista venceu com a fotografia “Resistir”. Já para o júri popular, a fotografia “A divindade negra”, de Thiago Paixão, foi a vencedora.

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1º Concurso de Fotografia SOS Oceanos O Curso de Fotografia da Unicap realizou o Concurso SOS Oceanos c como alerta para os cuidados com os nossos mares. Para o júri técnico, Douglas Fagner e Cláudia Costa da Fonte foram os vencedores com as fotos “E esse óleo de onde vem e para onde vai” (Foto acima, na página ao lado) e “Sobrevida” (foto acima) respectivamente. Já para o júri popular, o vencedor foi Gerlando Rodrigues Lima com a foto “O outro lado do oceano” (Foto abaixo, na página ao lado)

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Foto: Adelson Alves

DEZEMBRO Exposição de conclusão e confraternização O dia 11 de dezembro representou um importante momento para comemoração de uma etapa na vida dos novos fotógrafos e fotógrafas com a conclusão de mais uma turma. A festa de formatura aconteceu junto com uma exposição dos melhores trabalhos produzidos pelos alunos e alunas. O evento foi realizado no Museu da Cidade do Recife.

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Foto: Rômulo Chico Foto: Adelson Alves

Aluno concluinte teve projeto selecionado na Funarte Recém-formado do nosso curso, Arnaldo Sete teve seu projeto “Os Caretas de Triunfo” selecionado no XVI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia.

JANEIRO Oficina de pinhole para grupo de Fotografia O Curso de Fotografia Unicap recebeu um grupo de fotógrafos de Caruaru intitulado Olhares do Agreste (@olharesdoagreste) e eles puderam ter uma experiência de captura de imagens, empregando a técnica de pinhole, que envolve fotos feitas com latinhas. Todos ficaram encantados com a vivência. Documentário sobre o bairro de Beberibe O Núcleo de Ações de Extensão Social do curso de Fotografia produziu um documentário sobre o bairro de Beberibe, localizado na divisa entre Recife e Olinda. O projeto foi dirigido pelo professor Filipe Falcão e teve como objetivo valorizar o bairro que possui uma história tão importante para Pernambuco e o Brasil. Foi em Beberibe que aconteceu, em 1821, o evento conhecido como Convenção de Beberibe, um movimento armado que culminou com a expulsão dos exércitos portugueses de Pernambuco. Os conflitos marcam o início da Guerra da Independência do Brasil. FEVEREIRO Tutorial de filmagem com celular O Núcleo de Ações de Extensão Social do curso de Fotografia continuou a parceria com o bairro de Beberibe realizando um tutorial de filmagem com dispositivos móveis para jovens da comunidade. O material foi produzido pelo professor Filipe Falcão. Carnavais saudosos O concurso de fotografia de carnaval de 2022 teve como tema “Carnavais Saudosos de Pernambuco”. Como a festa momesca foi proibida este ano em função da Covid-19, o objetivo do concurso foi de escolher as melhores fotos produzidas de carnavais antigos. Começo do semestre de 2022.2 O evento “Encontro com a Fotografia” aconteceu nos dias 16, 17, 18 e 19 de fevereiro e marcou a abertura do 1º semestre de 2022. A programação contou com importantes profissionais da área como Pedro Neves, que apresentou o tema “Fotografia de Moda: uma pequena introdução”; Yuri Serodio, com o tema “Fotografia Arte”; Dirceu Marroquim, com o tema “Para ver culturas”; Paloma Arquino, com o tema “GraviDeusa”; Alan Campos, com o tema “Imagem e História”; André Penteado, com o tema “O suicídio de meu pai” e “Não Estou Sozinho” e Danilo Galvão, com o tema “Fricções visuais e outras inquietações”. Além das lives, o evento também promoveu as oficinas “Cianotipia: um processo fotográfico alternativo” e “Dramaturgia da imagem” realizadas por Douglas Fagner e Danilo Galvão, respectivamente. As oficinas aconteceram de modo presencial na Unicap.

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2021. Unicaphoto chega à sua 18a edição. À maioridade. Em tempo de ver embarcarem muitos & muitas pelos portões da fotografia. Bem-vindos novos & novas tripulantes. Para existir o futuro é preciso termos sonhado antes com ele, já disseram. Que seja boa sua viagem. Para quem não sabe, o crepúsculo ocorre ao fim do dia, mas também ao começo. No crepúsculo, pilotos e navegantes conferem onde estão em relação à posição do Sol no horizonte. E seguem. Esses crepúsculos do recém-chegado aluno Pedro Augusto servem para nos dar essa ideia de partida. De embarque. Rumo ao sonho do futuro. 109


o pictorialismo contemporâneo ensaio

por José Arthur Nóbrega de Pontes


“Com o surgimento da pandemia, a aceleração dos processos automatizados, as redes sociais e o metaverso, a fotografia pré-industrialização, de certa forma, funciona como uma resistência.”

A técnica remete ao fazer, a tecnologia remete a automação. Na fotografia experimental praticada pelos Pictorialistas no século XIX, geralmente tudo é muito lento e imprevisível, há um ritual no fazer da fotografia, difícil de se repetir, ou seja, tudo que a fotografia comercial do século XXI não permite que os fotógrafos sejam. No mundo da fotografia experimental do séc XIX a automação não tem espaço, há uma maior participação do artista, como num ritual, os processos não são automáticos. Na fotografia Pictorialista não há a preocupação em fazer fotos realistas, ou acelerar a produção automatizando processos. “O neopictorialismo surge como um pictorialismo contemporâneo, propagando parte das características de seu homólogo do século XIX, como valor ao estatuto de arte, subjetividade do fotógrafo, a utilização de processos manuais e artesanais como a reapropriação de técnicas fotográficas antigas”. (Capeletti, p 285, 2015). Com esse ensaio, gostaria de refletir sobre a automatização dos processos fotográficos e como a reprodutibilidade da fotografia pode interferir sobre sua autenticidade. (obs: todas as fotografias neste documento possuem uma versão anexa em alta resolução em 150dpi) Walter Benjamin (1892), em seu livro A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica (1936), fala da automação da arte reproduzida a nível industrial por não artistas, e reflete sobre como a reprodução em massa gera uma arte mais acessível, porém sua autenticidade não poderia ser copiada.. “A totalidade do campo da autenticidade mantém-se alheia

Cianotipia. Papel Canson A5, 300g. (14,8 x 21,0 cm)

à reprodutibilidade" (BENJAMIN, 1936, p24.). Com a modernização da fotografia e automação dos processos, a capacidade de reprodutibilidade cresce. São com as fotografias feitas anteriormente a essa produção em massa que minhas fotografias dialogam. Os Pictorialistas negavam a industrialização da fotografia no século XIX, procuravam agregar à fotografia qualidades que eram dadas às artes convencionais, numa tentativa de trazer para o trabalho qualidades atribuídas apenas a modos artísticos mais convencionais. As reproduções de obras podem copiar com perfeição todas as suas características, menos a sua autenticidade. Com o surgimento da pandemia, a aceleração dos processos automatizados, as redes sociais e o metaverso, a fotografia pré-industrialização de certa forma funciona como uma resistência ou uma reflexão, a toda automação e reprodução 111


Cianotipia e albumina. Papel Canson A5, 300g. (14,8 x 21,0 cm)

Cianotipia A5, 300g. (14,8 x 21,0 cm)

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nas artes feitas em massa , por máquinas. “Na medida que a era da reprodutibilidade técnica desprendia a arte de seu fundamento cultual, apagou-se para sempre a sua aparência e autonomia.”(BENJAMIM, p 53, 1936). A fotografia pictorialista (image, painting, photography), surgiu a partir da década de 1890, despertando fotógrafos que buscavam produzir aquilo que eles chamavam "fotografia artística", com características de gravura. Era uma tentativa de trazer para a fotografia, o prestígio e o respeito dado aos praticantes dos processos artísticos convencionais, por isso, alguns falam que “o movimento pictorialista foi uma reação à industrialização da fotografia.” A cianotipia é um processo de impressão fotográfica do século XIX.. Sua característica principal é o azul Prússia e a facilidade com que é feita. Entre as pioneiras da técnica está Anna Atkins (1799), que era botânica e fez o primeiro livro do mundo realizado através de um processo fotográfico, Photographs of British Algae (1843). As fotografias aqui apresentadas utilizam técnicas sem depender de muita tecnologia de ponta, com o mínimo de automação do século XXI. Gomas bicromatadas e cianotipias, feitas em casa, numa tentativa de resgatar o Pictorialismo e adaptá-lo para o século XXI de forma experimental. Todas as fotos sobre papel de aquarela 300g e 600g. (14,8 x 21,0 cm) . No caso da goma bicromatada utilizo pigmentos de aquarela, passando por um processo para deixá-los sensíveis à luz. Todos os registros foram

Goma bicromatada monocromática. Dupla exposição A5, 300g. (14,8 x 21,0 cm)


Goma bicromatada monocromática sobre cianotipia. Dupla exposição A5, 300g. (14,8 x 21,0 cm)

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Goma bicromatada colorida, 4 camadas CMYK, A5, 300g. (14,8 x 21 cm)

feitos com lentes 50mm com exceção da fotografia que é um fotograma. As fotografias são feitas inicialmente com uma câmera digital ou analógica, em seguida é preparado um negativo analógico das fotos. Em seguida um novo negativo é preparado para que seja transferido para o papel. Seja na goma bicromatada, ou na cianotipia, a presença da câmera nem sempre é necessária, como podemos ver na foto 1, que é um fotograma de uma vegetação, feito sem a utilização de câmeras. Meu trabalho funciona como uma negação ao frenesi tecnológico do século XXI, metaverso e automação dos processos. Para se fazer fotografia como no século XIX, ou experimental, é preciso estar de corpo presente, nada é automatizado, nada é online, não existem botões, nem plugins com filtros milagrosos. O fotógrafo é sempre presente, como num ritual. Ao contrário do mundo digital e online, onde 114

tudo é rápido e possui resoluções práticas, quando você começa a fazer processos fotográficos do século XIX em casa, nada é fácil. Não há uma loja ou uma página com filtros para download. Nada está pronto ou disponível quando o assunto é fotografia pré industrialização. A um ritual no fazer, na não automação, com o artista se fazendo presente em cada passo para se obter uma imagem, desde as receitas de revelação, os químicos , até pigmentos, os materiais, tudo é desenvolvido por quem executa, dando assim para a fotografia o tratamento dado às formas de artes mais convencionais. Não há um processo automatizado para que outros possam repetir exatamente igual. Há, sim, um ritual fotográfico, onde a autenticidade da arte é um ponto de reflexão. O Pictorialismo aqui funciona como uma negação à industrialização das artes, como uma negação à automatização do processo.

FICHA TÉCNICA Lente Canon 50mm. Câmeras Canon EOS. Papel Canson 300g A5 (14,8 x 21). Papel Canson 600g A5 (14,8 x 21). Pigmentos de aquarela. Fonte de Luz UV

REFERÊNCIAS ATKINS, Anna. Photographs of British Algae. Reino Unido (Kent), 1842. ISBN 13: 9783958295100 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade Técnica. Alemanha (Frankfurt), 1936. ISBN-13: 9788525428844 CAPELETTI, Mariana. Novo pictorialismo na fotografia brasileira, Brasil (Goiás), PUC. ISSN 2316-6479 I DE JESUS, S. (Org). Anais do VIII Seminário Nacional de Pesquisa em Arte e Cultura Visual: arquivos, memórias e afetos . Goiânia, GO: UFG/ Núcleo Editorial FAV, 2015.


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