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O MELRO BRANCO — Conto tradicional da França
Um rei já muito avançado em idade tinha três filhos. Os mais velhos eram maus, violentos, brutais até. Quanto ao mais novo, era bondoso, mas muito simples de espírito. Certo dia, o rei reuniu os três e disse-lhe: — Garantiram-me que, a cinquenta léguas daqui, há um animal maravilhoso conhecido por melro branco. Este animal tem o poder de rejuvenescer aquele que o possuir. Como vedes, estou muito velho: se algum de vós puder trazer-me tal prodígio, estou disposto a recompensá-lo com a minha coroa.
O primogénito, tomando então a palavra, pediu ao pai que o deixasse ir em busca do melro branco e declarou que não regressaria sem o ter encontrado. O rei ordenou que lhe dessem armas, um bom cavalo e dinheiro, e deixou-o partir.
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Após ter andado durante muito tempo, o jovem chegou a uma grande e bela cidade onde reinava um rei bonacheirão e amigo do prazer. Bem acolhido pelos habitantes, ao verem-no possuidor de uma bolsa recheada de ouro, o príncipe não tardou a ser introduzido na corte de dissipação do monarca reinante. De maneira que, um ano depois da partida, não estava ainda de regresso.
Vendo isto, o segundo filho do rei partiu à procura do famoso melro branco, levando, também ele, um belo cavalo, armas e ouro. Aconteceu-lhe o mesmo que ao irmão, a quem acabou por encontrar despojado de tudo. Apesar deste exemplo, gastou na mesma cidade tudo o que tinha, esquecendo por completo o pai, a coroa e o melro branco. De modo que, um ano após a partida do segundo príncipe, o rei continuava sem notícias.
Então, o filho mais novo disse ao pai: — Senhor, se vós o permitirdes, irei, também eu, em busca do animal maravilhoso e, assim, Deus me ajude, conto regressar antes de três meses. Ordenai que me deem algum dinheiro. Não tenho necessidade de armas nem de cavalo para fazer a viagem. À minha boa estrela entrego a incumbência de olhar pelo meu sucesso.
Não sem alguma resistência, o rei deixou partir o seu último filho.
Cinco dias após ter deixado o palácio do pai, o príncipe atravessava uma floresta, quando ouviu um grito de um animal.
Correr nessa direção e chegar junto de uma raposa foi, para ela, obra de um instante. Com pena do animal, o jovem príncipe libertou a raposa, que lhe agradeceu, dizendo: — Escuta, salvaste-me a vida. O teu bom coração merece recompensa: coloco-me à tua disposição. Quando tiveres necessidade da minha assistência, dirás: “Raposa, raposa, salta montes e vales, preciso do teu socorro!”. Ouvir-te-ei e nada poderá resistir-me. Sei que planeias apossar-te do melro branco. Ele está a duas léguas daqui, a cem passos da torre grande da cidade. Encontra-se numa gruta guardada por dois dragões. Para adormecer estes monstros, tomarás dezasseis pães de quatro libras e dois gansos. Ensoparás os pães em aguardente e irás junto da gruta lançar estas provisões aos dragões. Uma hora depois, o melro branco estará em teu poder. Corre e, sobretudo, não percas tempo. Um último conselho: não prestes serviço a ninguém, antes de eu tornar a ver-te. Adeus.
Tendo pronunciado estas palavras, a raposa desapareceu nas profundezas do bosque.
De novo só, o príncipe continuou o seu caminho e, em breve, chegou às portas da cidade, onde as suas vestes simples fizeram com que ninguém reparasse nele. Tendo ouvido uma trombeta numa rua vizinha, dirigiu-se para lá e deparou com uma multidão
rodeando os guardas do rei. Anunciavam a execução de dois príncipes estrangeiros, culpados de alta traição. O jovem não duvidou que se tratava dos seus irmãos.
Foi à procura dos pães, dos gansos e da aguardente e partiu em direção à torre grande da cidade.
Quando lá chegou, contou cem passos em frente e deparou com a gruta do melro branco. Um terrível odor a enxofre sufocou-o, mas, mesmo assim, aproximou-se e lançou aos dragões as provisões que tinha trazido. Uma hora depois, o famoso melro branco estava na sua posse. Era uma ave gigantesca, cujas asas brilhavam como o sol. — Que pretendes de mim? – perguntou o melro. Fala, estou às tuas ordens. — Queria, em primeiro lugar, o teu auxílio para libertar os meus irmãos que se encontram prisioneiros do rei. — Seja, sobe para o meu pescoço e conduzir-te-ei a eles.
Dizendo isto, o melro branco fez-se de tal maneira pequeno que não parecia maior do que um grande galo. O príncipe montou este corcel e em breve se achou junto dos irmãos, arrebatando-os mesmo debaixo do nariz dos guardas assombrados.
Não obstante o bom serviço que o irmão mais novo acabava de lhes prestar, os dois príncipes, assim que se viram em liberdade, não pensaram senão em apoderar-se do animal maravilhoso. — Viste — disse um apontando — o belo veio de ouro lá em baixo, no vale? — Não, não reparei nele — respondeu o mais novo. — Aproximemo-nos então para o vermos.
E os três irmãos, montados no melro, abeiraram-se de um buraco. Quando o mais novo se inclinava para observar melhor, foi empurrado pelos irmãos e caiu dentro da mina.
Assim que veio a si, lembrou-se da raposa que tinha libertado e pôs-se a gritar: — Raposa, raposa, salta montes e vales, preciso do teu socorro!
Mal estas palavras tinham sido pronunciadas, já a raposa estava junto dele e, lambendo-lhe as feridas provocadas pela queda, curou-o por completo. — Agora que te vejo curado – disse a raposa -, tens de sair do buraco. Segura-te à minha cauda e eu elevar-te-ei. Não a largues, senão tudo começará de novo. Agarra-te bem que vou subir.
E a raposa subiu no ar, arrastando consigo o príncipe. Estavam prestes a atingir a borda do buraco, quando o príncipe, exausto, se soltou e caiu uma vez mais no fundo da mina.
A raposa voltou atrás, reanimou-o e obrigou-o a recomeçar a ascensão do subterrâneo.
Desta vez, o rapaz chegou, sem mais incidentes, a terra firme.
Depois de agradecer à raposa os serviços prestados, o jovem príncipe dirigiu-se para o palácio do seu pai. Antes de chegar, vestiu uma roupa de criado de quinta e pintou a cara. E o certo é que no palácio ninguém o reconheceu, devido ao disfarce. Apressou-se a ir pedir ao rei que o nomeasse guarda do melro branco, que os irmãos haviam apresentado como conquista sua. E foi aceite.
Soube então que o melro branco declarara ao rei que o não rejuvenesceria, a menos que lhe trouxessem aquele que o havia conquistado aos dragões. Os dois príncipes, porém, tinham declarado ao pai que eles mesmos se haviam apoderado do animal, e que era apenas para se vingar que o melro branco afirmava não serem eles os autores da proeza.
Assim que o príncipe mais novo entrou na sala onde se encontrava o melro branco, reparou que a ave se baixava a fazer-lhe sinal para que montasse no seu pescoço. O
jovem obedeceu de imediato. Um segundo depois, estavam ambos no salão do rei, a quem denunciaram os embustes e maldades dos dois príncipes.
Indignado e dominado pela cólera, o rei expulsou os filhos mais velhos do palácio. Em seguida, tomando a coroa, deu-a ao príncipe mais novo.
No instante seguinte, o velho rei tornava-se de novo jovem graças ao famoso melro branco.
[Fonte: Messeder, J. P. & Ramalhete, I. (2016). Contos e lendas de Portugal e do mundo. Porto Editora.]
https://www.exclamateurs.org/spectacles/histoire-dun-merle-blanc/