O assassino O quanto vocĂŞ se arriscaria por amor?
Carlie Ferrer
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INTRODUÇÃO Era um dia frio, de um céu nublado. A pequena cidade de Passaredo parecia mais estranha e menos aconchegante que nunca. Durante os trinta dias, desde que chegou a cidade, nenhum parecia tão triste para Maria como aquele sábado cinzento. Alguns comércios não abriram por causa do frio, a principal rua da cidade estava quase deserta, exceto pelos poucos comerciantes que arriscaram trabalhar naquele dia. Eles ainda encaravam Maria e cochichavam, como se após trinta dias de sua chegada, ela ainda fosse novidade. Em sua primeira semana na cidade, não saiu na rua por causa dos muitos olhares e cochichos que recebeu na sua chegada, mas a tia Marta, com quem foi morar após a morte dos pais, garantiu que logo a excitação das pessoas pela moradora nova passaria. A partir da segunda semana Maria cansou-se de ficar em casa e resolveu enfrentar os olhares e cochichos, e conhecer a cidadezinha. E nesse sábado nublado, entrando em sua quinta semana na cidade, parecia que ela ainda era a novidade. Maria andou pelas poucas ruas da cidade e, confirmou novamente o que constatara em seu primeiro dia ali, não havia nada para se fazer naquele local. Não havia cinema, shopping, faculdade, clube, danceteria, quase não havia jovens, tinha poucas crianças, algumas lanchonetes, cafeterias e um único bar que ficava aberto 24 horas e parecia o lugar mais divertido da cidade. Mas nesse estranho sábado o lugar estava quase vazio. Maria pensou em voltar para a casa da tia, mas lembrando que a ouviria reclamar sem parar do fardo de ter que ficar com ela, resolveu dar mais uma volta antes da chuva. Dessa vez, não tendo que andar olhando para o chão por causa dos olhares das pessoas, descobriu uma rua nova. A rua era estreita e Maria avistou apenas três casas, todas em ruínas, abandonadas. Entrou na rua e sentiu que o vento era ainda mais frio nela, passou pelas três casas e dobrou onde a rua fazia uma pequena curva e acabava em uma construção enorme, parecida com um castelo. A última casa da rua era rodeada por muros tão altos, que só dava para ver as pontas das torres da casa. Maria se aproximou do grande portão de ferro enferrujado para espiar lá dentro. A área era enorme e logo a frente do portão havia um imenso e totalmente descuidado jardim. As passagens que davam na entrada da casa estavam cobertas de mato e a casa, que realmente era em formato de um castelo, não podia ser mais triste. Era uma construção escura, num tom de marrom sem vida e parecia abandonada. Exceto que o castelo não estava em ruínas como as outras casas da rua. Maria empurrou o portão, mas estava trancado. Ficou imaginando se uma construção tão grande estaria mesmo abandonada, foi quando avistou um vulto na janela de uma das torres. Parecia a sombra de alguém e estava olhando para ela, assim que percebeu o olhar de Maria, puxou a cortina cobrindo a janela. Sem entender o porquê, Maria sentiu um arrepio de medo tomar seu corpo. Seu coração acelerou e no segundo seguinte estava correndo desesperada de volta para a casa da tia.
Capítulo 01 Domingo era o dia da semana mais chato para Maria, o dia em que as vizinhas se juntavam na casa da tia para falar da vida alheia. Maria saiu para andar pela cidade, talvez pudesse descobrir mais ruas, ou quem sabe houvesse mais lugares jovens que ela ainda não havia visto. Colocou seu capuz cobrindo o rosto e foi andando de cabeça baixa, só quando sentiu um frio gelar sua espinha, levantou a cabeça e percebeu que estava novamente em frente ao castelo da rua abandonada. Maria não fazia ideia de como fora parar ali. Era o primeiro dia da primavera, e as flores do grande jardim do castelo estavam começando a aparecer. Algumas lindas flores já haviam aparecido, e da mesma forma morreriam se esse jardim não fosse cuidado. O castelo ainda parecia assustador e a julgar pelo estado do jardim e o mato que cobria quase toda a entrada, podia jurar que estava abandonado, mas no dia anterior alguém estava lá. Pensou se a pessoa que morava ali não tinha dó do que aconteceria com as flores, e olhando o tamanho da construção, e a riqueza de detalhes com que a frente do castelo era feita, era alguém que teria condições de pagar um jardineiro se não queria se envolver com as plantas. Maria observou a janela no terceiro andar, onde tinha visto o vulto no dia anterior, tentando ver novamente. Se visse, deixaria de lado o fato de estar espiando uma residência privada e chamaria o dono, ou dona para uma conversa sobre aquele jardim. Ela esperou por uns quinze minutos e nem sinal do vulto novamente, a torre esquerda onde ficava a janela, estaria vazia se não fossem os vários pássaros pretos pousados em cima dela. Pensou que talvez a pessoa tivesse saído, afinal era domingo, e resolveu ir embora. Mas quando deu a última olhada para a torre, sentiu o frio incomum dessa vez na nuca, e uma presença atrás dela. Pronto! Fora pega espiando a casa, virou-se lentamente e soltou um grito. Não era uma pessoa atrás dela afinal, e sim um enorme e feio corvo. Sentiu as pernas bambearem e segurou-se no portão para se apoiar. Nesse momento, os corvos que estavam na torre voaram e Maria avistou novamente a sombra na janela do terceiro andar olhando para ela, sentiu um medo fora do normal e correu para fora dali o mais rápido que pode. Andando de volta para a casa da tia, Maria pensou que estava ficando louca, afinal, era só um pássaro e o morador do castelo estava muito longe para fazer qualquer coisa a ela. Quando chegou em casa a reuniãozinha já havia acabado, tendo ficado somente a mulher que morava em frente ao bar. Ela era uma mulher baixinha, de cabelos grisalhos, e uma cara bondosa. Marta levantou-se puxando Maria para perto da senhora. -Finalmente apareceu. Veja Lucena, essa é minha sobrinha Maria, vai ficar comigo esse ano só até completar vinte e um, aí vai poder receber a herança do pai dela e ir embora. Lucena levantou-se e apertou a mão de Maria sorrindo. Ela era a primeira moradora da cidade que não a encarava como se ela fosse algum espetáculo ao vivo. Maria apertou a mão da mulher e retribuiu o sorriso. Então se sentou no sofá em frente a ela para descansar, havia corrido mais da metade do caminho. -Onde você estava Maria? Por que está cansada? - perguntou a tia desconfiada. -É que eu estava correndo. -Correndo? Por que estava correndo? -Nada demais, eu me assustei com um corvo e corri, mas não foi nada. A expressão de Marta mudou no mesmo instante: -Um corvo? Não há corvos nessa cidade! A não ser que você estava onde não deveria estar! Onde você estava? Maria se assustou com a reação da tia que agora gritava.
-Não estava em lugar nenhum! Foi só uma rua que achei e havia corvos nela. Marta ia recomeçar a gritaria, mas Lucena a impediu: -Calma Marta, ela não sabia. - então se sentou ao lado de Maria para explicar o que estava acontecendo. - Olhe Maria, se você é uma moça inteligente como eu acho que é não volte àquela rua. -Mas... - Maria começou a interromper, mas Lucena continuou falando. -A Rua Londrina está abandonada por um motivo, é perigoso lá, e uma menina bonita como você não deve andar por uma rua deserta. Maria assentiu e desistiu de tentar explicar. -Não quero que volte lá Maria. Imagina o que acontece se alguém mal intencionado encontra você sozinha numa rua onde não há moradores? - repreendeu Marta. -Pensei que a senhora conhecia todo mundo aqui. - falou Maria. -O fato de eu saber os nomes não quer dizer que possa confiar nas pessoas. Não volte mais lá ou eu proibirei esses seus passeios. Maria concordou e se levantou, mas antes de sair, lembrou-se de uma coisa. -Tia, quem mora naquele castelo estranho no final da rua? Marta, que havia pegado uma xícara de café engasgou-se jogando o café para fora. -Castelo? Não mora ninguém naquele lugar, como eu disse a rua foi esvaziada por uma razão, é perigosa e ninguém mora lá. -Não é verdade. Eu vi hoje mesmo um vulto na janela do terceiro andar do castelo. Marta levantou-se abandonando a xícara de café e foi até Maria com os olhos arregalados. -Você entrou lá? -Não! Claro que não! Eu vi pelo portão alguém aparecer na janela. Então imagino que seja o morador de lá. -Não é possível! - sussurrou Marta olhando para Lucena, que se levantou também e foi até Maria. -Menina escute, ele viu você? -Ele quem? -Quem você viu na janela. -Ah! Sim, acho que me viu, mas não falou comigo. Nem sei se era ele ou ela, mas se bem que olhando o estado do jardim, deve ser um homem. -Maria me escute, não volte mais lá. Já aconteceram coisas ruins o suficiente por lá. Não vá mais lá. - Lucena falava com Maria não dando uma ordem, mas apelando para que ela não fosse. -Tudo bem, se é tão importante eu não volto lá. Não tem graça mesmo. -Ótimo, vamos fazer o seguinte, vá a minha casa amanhã e eu vou te levar a biblioteca. Lá tem uma moça da sua idade, vocês podem ter assuntos em comum. -Aqui tem uma biblioteca? Eu vou adorar conhecer, e alguém da minha idade também. Marta e Lucena estavam aparentemente mais tranquilas, mas Maria não pretendia esquecer essa história tão fácil. Decidiu que não voltaria mais a rua, mas ia descobrir o que afinal aconteceu lá.
Capítulo 02 No dia seguinte após o almoço, Maria foi ao encontro de Lucena, que sorridente a levou duas ruas atrás do bar, onde Maria nunca havia ido, e lá havia uma biblioteca, uma pracinha, sorveteria e um parquinho de bairro com a maioria dos brinquedos em manutenção. Mesmo assim Maria estava encantada com a parte mais jovem da estranha cidade. Lucena a levou até a biblioteca e a apresentou à moça de cabelos vermelhos e um enorme sorriso atrás do balcão da recepção. Após apresentar as duas, Lucena saiu. -Então, como você veio parar nesse fim de mundo? - perguntou Jessica. -Menor idade para poder responder por mim, meus pais morreram há um tempo e eu estava bem em uma república com uma amiga, mas a justiça descobriu e eu tive que viver com um responsável. -Que pena! Pelo menos você conheceu a cidade grande. Eu nasci nesse lugar, nunca saí daqui. Mas um dia eu vou sair. Maria passou a tarde mais agradável desde que chegara a pequena cidade, Jessica tinha sua própria versão de cada morador da cidade, não do jeito maldoso das amigas da tia, mas de um jeito engraçado. Quase na hora da biblioteca fechar, Maria teve uma ideia: -Já que você conhece todo mundo aqui, me diz, você conhece o morador do castelo da rua abandonada? Jessica ficou pensativa, depois de quase um minuto, respondeu. -Eu era pequena quando o castelo ficou pronto, toda a cidade comentava, a maior casa da cidade, diziam que os moradores eram uns riquinhos esnobes. Mas quando eles se mudaram, todo mundo teve que engolir essas palavras. Era um casal simpático. Eles eram jovens, recém-casados e muito legais. Eu me lembro pouco da mulher, mas o homem, nossa! O homem mais lindo que eu já vi na vida, um corpão, você tinha que ver. Maria riu. -E eles não moram mais lá? -Não, mudaram-se há anos, na mesma época que a dona Lucena se mudou para a cidade. -E isso foi há quanto tempo? -Uns dez anos eu acho. É mais ou menos isso. -Mas eles simplesmente foram embora? -Ih menina, mas isso é um mistério. Não havia muitas crianças na época, mas as poucas que havia não puderam saber de nada, minha mãe me fez ficar três dias enfiada dentro de casa. Eu não vi a mulher saindo, mas o homem, o gatão, eu lembro que vi da janela ele saindo numa viatura. -Viatura? -É. Deu até no jornal na época, mas eu não sei o que aconteceu. Ele me dava bala todo dia, não me parecia um bandido se quer saber. -E por que ninguém mora na rua? -Bom, é uma rua pequena, o casal ocupou quase metade da rua com aquele castelo. Acho que só havia mais três casas na rua, mas depois que a mulher foi embora e o homem preso, os moradores saíram de lá e a rua ficou fechada por anos. E não sei por que, mas ninguém mais vai lá. -Estranho. -É. Mas por que essa curiosidade toda? -Nada, só curiosidade. -Então senhorita curiosa, eu acho que lá em casa ainda tem um jornal falando sobre isso eu vou
tentar pegar das coisas do meu pai para você. -Obrigada. Maria se despediu de Jessica feliz pela nova amizade, mas ainda mais confusa em relação ao castelo. Um casal novo que simplesmente sumiu. E principalmente o medo que as pessoas mais velhas sentiam daquela ruazinha. Sem perceber, Maria estava novamente em frente à rua escura. Começou a andar no sentido contrário, mas uma coisa lhe ocorreu, se alguém morava de fato naquele lugar, as luzes do castelo estariam acesas àquela hora da noite. Maria entrou pela rua que era ainda mais assustadora à noite e foi até a entrada do castelo esperando ver alguma luz. Mas, para seu desapontamento, o castelo estava totalmente apagado. Nenhuma luz ou movimento podiam ser percebidos lá. Olhou por um tempo, mas por fim se convenceu que realmente ninguém morava lá, devia ser coisa de sua cabeça o vulto na janela. Virou-se para ir embora e percebeu alguém pouco a sua frente, escondido em uma das casas abandonadas. Pela altura e a silhueta era um homem, assim que Maria o olhou, ele correu para dentro da casa e Maria para fora da rua. No dia seguinte estava tomando café da manhã quando o telefone tocou. A tia atendeu e chamou Maria, que estava tão surpresa com um telefonema quanto à tia. Atendeu e ficou feliz em ouvir a voz alegre de sua amiga que há mais de um mês não via. -Cláudia, que milagre uma ligação sua. -Nem vem garota, o que aconteceu com seu celular? -Eu perdi na viagem. -Hello! Um mês aí e ainda não comprou outro? Sabe o que eu tive que fazer para conseguir esse número? Nem tente imaginar. Maria riu, estava com saudade de sua amiga sem noção, que tinha mania de vidente. -Acho que por aqui não tem loja de celular, pelo menos eu não vi nenhuma até agora. - explicou Maria. -Como não? Nem no shopping? O silêncio de Maria deu a resposta a Cláudia. -Aí não tem shopping? Maria! Que lugar é esse? Ok, pelo menos aí tem correio? -Bom, isso pelo menos tem. -Ótimo, vou te mandar um celular, me dá seu endereço. Maria passou o endereço a Cláudia dando as costas para o olhar de desgosto da tia. -Mas não foi por isso que te liguei, e os gatinhos? Ou aí também não tem homens? - o silêncio de Maria nem chegou a durar interrompido pelo grito de Cláudia - Pelo amor de Deus! Aí não tem nem homens? Amiga, foge e volta para cá agora! Maria ria como não fazia há muito tempo. -Você está escondendo o jogo mocinha, porque eu bem vi um homem no seu caminho. -Um homem? Só se for o carteiro que vai me entregar o celular. - Maria lembrou-se do único carteiro da cidade, era um senhor, careca e barrigudo, e ainda por cima, casado - Mas não para o que você está pensando porque o carteiro é casado. -Então você ainda vai conhecê-lo, mas eu joguei as cartas para acompanhar seu futuro e vi um grande e perigoso amor em sua vida. Maria deu ainda mais gargalhadas. Ocorreu-lhe o homem que a espiara na casa abandonada na noite anterior e um frio percorreu seu corpo. A tia, que já estava com a cara amarrada, começou a reclamar da demora no telefone e dizer que esperava uma ligação importante. Cláudia reagiu ao ouvir as reclamações de Marta.
-Isso aí está pior que um presídio, hein! Fala para essa velha que eu que estou pagando. Maria tampou o telefone com medo de que a tia ouvisse. -Então tchau amiga, e não desanime que seu amado está no seu caminho. -Só você mesmo. Liga de novo, não me abandone aqui. As duas se despediram e Maria foi para o quarto, ficou lá a tarde inteira até o telefone tocar novamente e Marta entrar no quarto com uma expressão mais animada. -Telefone para você. -De novo? -Dessa vez é a Jessica da biblioteca. Ela sim é boa companhia para você. Maria correu para atender, sabia do que Jessica queria falar. As duas combinaram de se encontrar na biblioteca e Maria se arrumou e saiu. -Oi Jessica. -Oi curiosa, então, não consegui pegar a noticia velha, do meu velho, mas consegui com a minha avó umas informações. -E? -E que um ano depois que o casal se mudou para o castelo, houve um assassinato brutal naquela rua e por isso o casal e os outros moradores foram embora. -Um assassinato? De quem? -Minha avó disse que foi de uma moça curiosa que ficava perguntando demais, mas acho que isso foi só para me assustar. A verdade é que ela não sabe. -Espera! Você disse que o bonitão que morava no castelo foi preso. Foi por causa desse assassinato? -Pois é, eu perguntei a minha avó se esse homem estava preso, mas ela disse que ele foi solto logo depois e sumiu. -Não entendo porque um casal novo abandonaria uma casa daquelas por causa de um assassinato. A não ser que fosse alguém conhecido. - concluiu Maria. -Mas isso não temos como saber, porque todas as reportagens daquela época sumiram, parece que a nova moradora na época, a dona Lucena, comprou todas. -A dona Lucena? Mas por quê? -Não sei, deve ser porque era nova aqui e queria saber se o lugar era perigoso, foi só isso que me ocorreu. Maria concordou, mas sentia que havia alguma coisa a mais na história. Ela ficou o resto da tarde e começo da noite com Jessica na biblioteca e na hora de ir embora, quando passou pela rua abandonada, sentiu uma vontade de ir até o castelo, mas a lembrança do homem escondido na casa a deu medo e ela voltou direto para a casa da tia. Maria ficou por uns dias em casa, evitava ir até mesmo a biblioteca temendo não resistir a curiosidade e ir até o castelo novamente, onde acabaria ela sendo a próxima vitima da rua abandonada. Tinha decidido esquecer essa história de vez, embora sonhasse quase todos os dias com a sombra na janela do castelo lhe pedindo ajuda. E uma vez chegou a sonhar com uma bela jovem pedindo que a libertasse do castelo. Ela por fim, aceitou que as idas àquele lugar não estavam lhe fazendo bem. Em uma manhã de segunda-feira, foi ao mercado com a tia, mas nem entrou no local e foi dar um oi para Jessica que já estava zangada com o sumiço dela. -Olha quem apareceu, cheguei a pensar que você tinha ficado presa no castelo. - brincou ela fazendo Maria rir sem graça.
-Vem cá, esse lugar nunca tem sol? Desde que eu cheguei esse tempo está nublado desse jeito. -Fica assim durante toda a primavera. E no verão também. No outono venta muito e não tem sol. E no inverno faz bastante frio e sol nem pensar. Maria riu. -Mas com um pouco de sorte, temos uns três ou quatro dias com um sol morno durante o verão. -Bom, agora entendi porque aqui não tem clube. -Tem cachoeira, mas é muito fria mesmo no verão. E você, ainda investigando o castelo mal assombrado? -Não, já desisti. -Sério? Que pena! Eu também estava curiosa para desvendar o mistério da rua abandonada. -Jessica onde estão os outros jovens dessa cidade? -Na capital. Assim que se formam aqui, eles vão para lá estudar. -E por que você não foi? -A minha avó tem diabetes, os remédios dela não são baratos. Então meu pai não teria como me manter na capital. Já sei o que está pensando, eu poderia trabalhar para me manter lá. Mas a verdade é que tenho medo de deixá-lo sozinho com minha avó. Eu que aplico as injeções todo dia, ele não saberia. Além disso ele não é do tipo boa companhia, e minha avó iria se sentir sozinha. Ela é mãe da minha mãe, sabe. -E onde está sua mãe? -Faleceu. -Sinto muito. -Já faz tempo. Foi pouco depois do sumiço do casal. Ela teve uma parada cardíaca. Lucena chegou à biblioteca procurando Maria. -Maria, sua tia quer você no mercado para ajudá-la com as compras. -Obrigada dona Lucena, tchau Jessica, a gente se vê. -Não some ou eu revelo seu segredo. Maria saiu rindo. Caminhou vagarosamente até chegar à entrada da rua abandonada, aí apressou o passo e se dirigiu ao mercado. Chegando lá a tia já havia ido embora, mas havia deixado umas sacolas para que ela levasse. Como eram poucas, resolveu comprar algumas coisas de seu agrado, pediu ao atendente que guardasse de novo as sacolas e entrou no corredor de frios. Estava analisando os diferentes iogurtes quando se virou abruptamente e esbarrou em alguém. O homem se afastou imediatamente indo para outro corredor e nem respondeu ao pedido de desculpas de Maria. Ele usava uma calça preta, larga e uma blusa de frio enorme, também preta e com capuz que cobria seu rosto. Maria foi para o corredor de frutas e o homem estava lá. Conforme ela andava, tinha a impressão de que ele a encarava, mas quando olhava ele se apressava em virar para o outro lado. Desistiu das compras e ia sair do mercado quando se lembrou subitamente da sombra na janela do castelo. Ocorreu-lhe que o vulto que vira algumas vezes na janela do terceiro andar parecia usar um capuz como esse, de forma que não sabia como era seu cabelo e assim não podia identificar se era um homem ou uma mulher. Nesse momento o homem de capuz passou por ela de novo, saindo do mercado. Ele andava rapidamente e de cabeça baixa. Sem perceber, Maria começou a segui-lo, e ele entrou justamente na rua abandonada. Maria parou na entrada da rua decidindo se tinha coragem de seguir em frente, podia ser uma armadilha. Mas a curiosidade falou mais alto e ela acabou entrando na rua. Foi andando vagarosamente tentando não fazer nenhum barulho e de olho nas casas abandonadas da rua, com medo do cara que se escondeu na última noite. Parou a uma distância do castelo, mas avistou o homem de capuz entrar nele. Ele caminhou ainda de cabeça baixa e entrou no
castelo. O coração de Maria acelerou, então ela não era louca e morava de verdade alguém naquele lugar assustador. Ela tomou coragem, foi até o portão e procurou por uma campainha. Bateu diversas vezes, mas ninguém respondeu e não ouvia som dela também, pensou que talvez o motivo das luzes apagadas e de não ouvir a campainha fosse que não havia eletricidade no castelo. Olhou em volta e achou uma caixinha de correio no canto do muro do lado de fora do castelo. Então teve uma ideia. Ela voltou ao mercado e comprou um caderninho de notas e uma caneta para escrever um bilhete para o homem, pensou o que poderia escrever. O quanto ele aceitaria de alguém que andava espiando sua casa, que havia esbarrado nele no mercado e o pior, o seguido? Ficou uns dez minutos pensando no que poderia escrever, mas escreveu um simples “Oi”. Não havia pensado em nada melhor, nenhuma ideia do que poderia escrever. Imaginou que ele não poderia se zangar com um simples oi. Pegou as sacolas e foi até o castelo. Ficou um tempo olhando a torre esquerda, mas nem sinal do homem de capuz, então colocou o bilhete na caixinha de correio e foi embora. Passaram-se dois dias em que Maria não teve sequer uma oportunidade para ir até o castelo. Pior que a marcação da tia, era Lucena sempre arrumando coisas para ela fazer, tentando mantê-la o mais ocupada possível. Em sua primeira semana ali, teria adorado ter o que fazer, mas agora precisava de mais tempo livre e sem ser vigiada para ir ao castelo. Conseguiu uma desculpa brilhante numa tarde após uma ligação de Jessica, falou para a tia que iria para a biblioteca, e foi direto para lá para o caso de estar sendo vigiada por Lucena. -Preciso de um favor. - falou para Jessica assim que chegou - Eu preciso ir a um lugar e preciso que confirme que estive aqui o tempo todo se alguém perguntar. -O que você vai aprontar? -Nada, não vou demorar. Assim Maria saiu apressada até o castelo. Quando chegou à rua, caminhou vagarosamente de olho nas casas abandonadas, como não viu nenhum vulto, foi até o portão do castelo. Olhou por uns minutos a torre esquerda, mas nem sinal do vulto, então foi até o correio e tateou ainda de olho na janela, e para sua surpresa, havia um papel lá dentro. Tirou o papel rapidamente, mas o desapontamento veio assim que viu sua própria letra no papel. Ele nem havia mexido no papel. Desanimada, voltou para a biblioteca. Jessica já a aguardava com toda curiosidade possível, Maria entrou cabisbaixa e sentou-se em silêncio. -Não senhora! Pode me falar onde você estava. -Não deu certo. - respondeu Maria jogando o bilhete em cima do balcão. Jessica analisou o papel, confusa: -Quem te mandou isso? -Eu. -E por que você mandou um bilhete para si mesma? Maria ponderou se podia contar a verdade a Jessica, depois percebeu que ela fora quem mais a havia ajudado nessa história e poderia precisar dela, como hoje. Além do mais, ia fazer bem a ela dividir com alguém o que havia descoberto. -Tudo bem, não surta. Eu te perguntei sobre o que aconteceu no castelo e na rua abandonada porque eu entrei naquela rua sem querer faz uns dias e vi um vulto no castelo. Jessica estacou, depois de um tempo perguntou: -Vulto de quem? -Era isso que eu queria descobrir, esse vulto me encarou da janela da torre esquerda no terceiro
andar, mas nunca falou nada comigo. Eu nem sabia se era homem ou mulher até antes de ontem. -O que aconteceu antes de ontem? - Jessica parecia hipnotizada com a história. -Quando eu estava no mercado esbarrei em um homem estranho, não deu para ver nada dele, usava um capuz cobrindo toda a cabeça. Mas aí eu segui esse homem e ele entrou no castelo. Eu toquei a campainha, mas ele não atendeu. Então eu pensei em deixar um bilhete na caixa de correio, mas pelo visto ele nem viu. Ou nem se importou. Jessica analisou o bilhete novamente. -Oi? É só isso que você tem a dizer? Eu também nem tiraria do correio um bilhete escrito apenas oi. -E o que queria que eu escrevesse? Que ando espionando a casa dele nesses últimos dias e quero saber quem ele é? - defendeu-se Maria. -Não, claro que não. Você podia começar dizendo por que começou a espiar a casa dele por exemplo. Por que se interessou por aquele castelo? Maria deu de ombros. -Por causa do jardim. Tem um jardim enorme e maltratado. -Sei, então escreve isso. -O quê? Que o jardim dele é maltratado? Ele vai responder um desenho obsceno com uma frase: não é da sua conta! -E realmente não é. Maria deu um tapa em Jessica. -Mas agora que já começou a loucura, eu quero saber quem mora lá. Acho que devia deixar um bilhete mais decente. - Jessica pegou uma folha e uma caneta e deu a Maria. - Você pode dizer que está louca para cuidar do jardim dele. – falou Jessica com um sorriso malicioso. Maria fez uma careta para Jessica e pensou o que poderia escrever, após uns cinco minutos, entregou o papel para Jessica analisar. Oi, Sei que não me conhece, mas gostaria de cuidar das flores da frente do seu castelo que morrerão se continuarem assim. Se não quiser falar comigo tudo bem, apenas deixe o portão aberto durante o dia que eu cuido das flores e saio, e você nem precisa me ver. Maria -Você enlouqueceu? Por que ele deixaria uma estranha cuidar do jardim dele? -Por que não deixaria? E além do mais a ideia de falar porque eu me interessei pelo castelo foi sua. -Acho que isso está atrevido demais. - repreendeu Jessica. -Mas vai ser assim mesmo, não tenho mais nenhuma ideia, você tem? Jessica negou com a cabeça. Então Maria pegou o bilhete para entregar. -Jessica, você sabe. -Sei, segredo absoluto, não se preocupe. Assim, Maria foi até o castelo, encarou por uns minutos a janela da torre esquerda e, quando estava quase desistindo, o vulto apareceu na janela a encarando. Maria pensou em correr, mas tomou coragem e levantou o papel de forma que ele visse. O colocou em sua caixa de correio, olhando novamente para a janela para confirmar que ele havia visto. Então acenou um tchau e foi embora. Quando chegou em casa a tia a aguardava na sala com cara de poucos amigos.
-Onde você estava? -Na biblioteca, eu te avisei que iria lá. -E não desviou o percurso na volta? Maria estacou. Como era possível que a tia soubesse onde ela havia ido? -Maria você não é mais uma criança e eu não vou falar de novo, essa semana você não sai mais de casa. -Mas tia... -Mas nada! Você não sai e pronto. Maria foi para o quarto, enraivecida. De qualquer forma, o dono do castelo não responderia o bilhete mesmo.
Capítulo 03 Maria passou a semana trancada em casa e sem poder atender ao telefone, Marta não a deixou falar nem mesmo com Jessica. No domingo a casa encheu como de costume com as amigas da tia que queriam fofocar. Maria tentava não ouvir, mas elas riam e falavam alto. Para alegria de Maria a última vez que foi atender a porta era Jessica. Ela nem deu tempo de Marta falar nada e entrou com Maria. As duas foram para o quarto de Maria conversar. -Por que está trancada aqui? -Minha tia descobriu que eu fui à rua abandonada de novo e me proibiu de sair de casa. -Que horror! Não entendo porque os mais velhos têm tanto medo daquela rua. O que eles acham? Que o assassino de dez anos atrás está escondido nas casas abandonadas esperando pela sua próxima vítima? Maria lembrou-se do homem que a observara de uma das casas abandonadas e sentiu um arrepio. -O mais estranho, é a reação das pessoas, minha tia e a dona Lucena, quase piraram quando eu comentei que havia ido lá. -Sabe o que eu acho? Que há muito mais coisas nessa história do que a gente sabe. É muito estranho esvaziar uma rua por causa de um crime que aconteceu há anos, a não ser que o assassino ainda esteja lá. De repente Jessica deu um pulo: -Maria! Será que o homem de capuz que você vê no castelo é o assassino? O coração de Maria acelerou inexplicavelmente. -Claro que não Jessica! Senão ele estaria preso! -É verdade, e se tivesse fugido não viria para a cena do crime. Maria concordou. Na segunda, Maria acordou disposta a sair. Tomou café e pegou sua bolsa, fazendo Marta pular na frente dela para impedi-la. -Onde pensa que vai? Está de castigo. -Acontece que eu não sou mais criança, sou maior de idade e não vou mais ficar trancada aqui. Marta suspirou. -Se eu souber que você anda visitando aquele castelo de novo... -Não se preocupe. - respondeu Maria e Marta se afastou a deixando passar. Como era seu primeiro dia de liberdade, Maria se conteve e ficou somente na biblioteca. No dia seguinte porém, foi até o castelo. Ela olhou por um tempo para a janela, mas não havia sinal do homem, então foi até a caixa de correio e tateou, mas não havia nenhum papel lá. Ele havia pegado o bilhete dela, mas não tinha respondido. Talvez nem tivesse lido. Ou talvez tenha achado muito atrevido como Jessica dissera. Encarou o castelo tentando entender sua fascinação por aquele lugar, então, querendo ir embora, fez o contrário e caminhou até o portão. Para sua surpresa, assim que encostou no portão, ele se abiu. Ela mal acreditou, seria possível que o homem houvesse lido seu bilhete e houvesse deixado o portão aberto para ela? Maria entrou receosa, olhou em volta, percebeu que o chão até a entrada do castelo, era feito de pedras, mas estava quase coberto pela grama que crescia pelos lados no jardim. O jardim do castelo também era lindo, enorme, com flores que Maria não via em qualquer lugar, flores lindas e descuidadas, cercadas por ervas daninhas. Analisou esse jardim com saudade do seu curso de
paisagismo, que fazia na capital. Então foi até o mercado comprar o que precisaria para trabalhar no jardim. Se o portão não estava aberto à espera dela, então certamente seria expulsa, mas teria algum contato com o homem estranho de qualquer jeito. Ela trabalhou à tarde quase inteira, vez ou outra percebia o vulto na janela, mas ele não se aproximou em nenhum momento. Deduziu então, que o portão realmente ficara aberto para ela. Ao final do dia já tinha conseguido arrancar todas as ervas daninhas. Ainda tinha muito serviço pela frente, mas resolveu aguar as plantas e ir para casa antes que a tia pensasse que ela havia sido assassinada. Ao terminar, encarou a janela da torre esquerda, mas não viu nenhum sinal do homem. Juntou os materiais de trabalho num canto e saiu encostando o portão. Chegou em casa tão cansada, que apenas disse a tia que estava trabalhando, não disse onde nem com o quê. Comeu alguma coisa, tomou um banho e foi dormir. Sonhou novamente com uma mulher de longos cabelos loiros que não conhecia. A mulher tinha uma expressão triste e pediu a Maria que a tirasse do castelo. Maria acordou assustada, mas por mais que tentasse, não encontrava sentido no sonho. Na manhã seguinte, tomou café rapidamente, queria passar na biblioteca antes de ir ao castelo. Jessica estava com uma terrível cara de sono. -Parece que alguém aqui se esqueceu de acordar. - comentou Maria. -Que bom humor é esse? -Adivinha onde eu estou trabalhando? -No bar. Maria negou com a cabeça. -No parque? Maria negou novamente tentando conter o entusiasmo. -Então não faço ideia. -Vou perguntar direito. Adivinha onde eu estou trabalhando de jardineira? Os olhos de Jessica brilharam e ela pareceu acordar de repente. -Não brinca! O que ele respondeu? -Ele não respondeu, mas deixou o portão aberto. E olha que deixou por dias porque eu demorei a voltar lá. -Não acredito! E você o viu? Viu como ele é? -Não. Acho que ele levou a sério a parte do "não precisa ter contato comigo". Ele não respondeu nem veio falar comigo a tarde inteira. -Estranho. Ele é uma pessoa que deixa as portas abertas para uma estranha cuidar do jardim, mas nem se preocupa em conversar com ela. -Tem muitas coisas estranhas nessa história. Mas me deixa ir que estou atrasada. Assim Maria foi novamente para o castelo. Quando parou em frente ao grande portão de ferro, teve receio que ele não estivesse aberto. Olhou para a janela, mas estava vazia. Receosa empurrou o portão, mas para sua alegria, estava aberto novamente. Maria se perguntou se ele dormira aberto, ou se o homem o havia fechado durante a noite e aberto novamente pela manhã. Entrou e começou o seu trabalho. Ao final do dia já havia arrancado boa parte do mato e replantado algumas flores. Perguntou-se se o homem se importaria se ela trouxesse outros tipos de flores para plantar, ou por quanto tempo ele deixaria o portão aberto para ela. Mas levando em consideração o estado em que o jardim se encontrava, e o fato dele nem aparecer para ver o que ela estava fazendo, concluiu que ele não se importava. O jardim era dela. Ela guardou novamente as ferramentas, quando ouviu pela primeira vez um barulho diferente, era
como o barulho de água. Olhou em volta, mas não identificou de onde poderia vir. Ela fechou o portão novamente e ao virar-se, deparou-se com uma coisa que não tinha reparado quando chegou. Havia um papel na caixa de correio, um pedaço dele balançava ao vento do lado de fora da caixa. Maria pegou o papel e se surpreendeu com uma caligrafia bagunçada. "Você demorou voltar, achei que não viesse mais. Ia parar de abrir o portão ontem." Maria leu o bilhete umas três vezes e então encarou a janela. Nem sinal do homem. Com certeza ele havia deixado o bilhete antes da chegada dela. Ela procurou e encontrou uma coisa que tinha se esquecido de tirar da bolsa quando deixara o primeiro bilhete, encontrou a caneta e se ajoelhou para apoiar o bloco de notas. Escreveu: "Desculpe a demora, não fazia ideia de que você deixaria o portão aberto, mas obrigada. A propósito, qual o seu nome? O meu é Maria." Ela dobrou o bilhete e colocou na caixa de correio, olhando novamente a janela antes de ir embora. Pela terceira vez, Maria sonhou com uma mulher loira, ela era bela, tinha longos cabelos e pedia a Maria que a tirasse do castelo para que ela pudesse ir embora. Acordou sentindo-se cansada e com uma terrível dor de cabeça. Pensou em não ir ao castelo naquele dia, mas queria descobrir finalmente o nome do homem misterioso. No café da manhã sua tia lhe encheu de perguntas sobre onde passava a tarde, mas Maria a lembrou que no primeiro dia dela ali, a tia deixara claro que não ia tomar conta dela e que ela se cuidasse sozinha. Assim, não lhe daria satisfações agora. Chegou à rua abandonada ainda com os pesadelos em mente, lembrou-se do homem que a observou uns dias atrás e entrou em uma das casas abandonadas. Ela se surpreendeu, pois não esperava encontrar nada na casa, mas havia móveis velhos e quebrados, algumas fotografias de uma menina de uns oito anos e outra de um casal. Os donos dessa casa haviam ido embora e deixado tudo para trás. Olhando os móveis surrados e abandonados, até mesmo as fotografias, Maria se perguntou o que poderia ter acontecido para que eles saíssem tão apressados. Eles não levaram nada. Lembrouse do pesadelo, e se houvesse mesmo uma mulher presa no castelo? E se a família dona dessa casa não tivesse fugido, mas tivesse tido o mesmo fim da pessoa assassinada naquela rua há dez anos? E se o misterioso dono do castelo fosse um assassino e ela fosse sua próxima vitima? A mente de Maria gritava que ela devia ir embora, correr dali e não voltar mais. Mas por algum motivo se viu caminhando de volta ao castelo. O castelo parecia imenso, e do portão só dava para ver a entrada e as janelas, nada lá dentro. Nada que revelasse como era, ou o que continha. Tentou se livrar desses pensamentos e foi até a caixa de correio. De qualquer forma o melhor a fazer agora era descobrir tudo o que pudesse sobre o misterioso homem. Abriu a caixa de correio e tateou, mas não havia nada. Ele pegara seu bilhete, mas não respondera. Provavelmente não queria que ela soubesse quem ele era. Ela caminhou até o portão e empurrou, estava aberto. A dor de cabeça tinha piorado, ela encarou a janela da torre esquerda, mas nem sinal dele, nem de ninguém. Ventava muito e o barulho de água que ouvira no dia anterior estava mais forte. Ela deixou a bolsa num canto e foi andar em volta do castelo. Talvez houvesse uma piscina na parte de trás que explicasse o barulho de água. Na lateral do castelo havia mesas e cadeiras de bordados delicados. Outrora deveriam ter sido brancas, mas agora estavam quase pretas de lama devido à poeira e as chuvas. Maria reparou que o
castelo era muito maior do que ela imaginava. Quase no meio da parede lateral, no segundo andar, havia uma janela de vidros coloridos bem comprida, pegava boa parte da altura do cômodo. Maria afastou-se olhando para ela e teve a impressão de ver um altar. Figuras pequenas estavam na parede acima do altar, figuras de anjos. Devia ser uma capela. Olhou para a janela a direita daquela e viu o vulto, mesmo sem poder ver seus olhos sabia que ele a olhava. Pensou se devia ir embora, mas já que estava ali, ia descobrir o máximo que pudesse. Continuou caminhando para a parte de trás do castelo, lá não havia uma piscina como imaginara. Tinha mais mesas e cadeiras, um escorregador e alguns balanços. Ficou imaginando se já moraram crianças ali. Pelo que Jessica disse o casal era jovem e recém-casado. Mas se continuaram morando ali, poderiam ter crianças agora. Ali o barulho da água era ainda mais forte e a brisa mais fria. Um pouco a frente havia umas árvores e de relance entre elas, Maria viu algo brilhar. Decidiu ir ver o que era. No meio do caminho olhou para trás, o vulto do homem estava agora na janela do primeiro andar, próximo à entrada de trás. Seria seguro correr agora e ir embora, mas seria ridículo. E talvez não tivesse outra chance de estar ali. Continuou caminhando até as árvores. Ali, havia uma descida de terra, repleta de árvores. Por um momento imaginou que encontraria vários corpos lá embaixo, sendo o dela o próximo, por ter descoberto. Mesmo assim, abandonou a razão e começou a descer apoiada nas árvores. Logo viu que o que encontraria lá embaixo era na verdade o motivo do barulho de água que ouvira. Havia um lago atrás do castelo. A descida estava mais difícil, a terra escorregadia e quase não havia árvores ali embaixo. Maria pensou em subir de novo e ir embora, mas quando olhou para cima, viu ele. O homem misterioso estava com uma calça jeans e o mesmo capuz preto cobrindo a cabeça. E, para surpresa de Maria, estava bem perto dela. Maria se desesperou e na pressa para descer, escorregou e desceu rolando o caminho que faltava. Não sentiu por muito tempo seu corpo bater em galhos e pedras, pois logo havia caído na água e só o que sentiu foi o gelo do lago invadir seu corpo, seu nariz, boca e ouvidos. Logo a luz do dia foi sumindo. Ela estava afundando e estava tão frio, que não se mexeria para tentar se salvar. Também não adiantaria, pois ela não sabia nadar. A única coisa que fez foi fechar os olhos para sentir a morte. Ao invés, sentiu-se puxada por algo. Logo se sentiu no chão duro novamente e alguém apertando seu peito e colocando a boca quente sobre a sua, soprando ar. Ela tossiu e cuspiu uma grande quantidade de água. Sua garganta ardia e seu corpo todo doía. Tentou abrir os olhos, mas não conseguiu. Sentiu-se novamente puxada do chão, dessa vez sendo carregada. Sua consciência queria voltar, mas algo não deixava. Sentia muito frio e apertou-se ao peito de quem a carregava. O peito, assim como os braços, era firme e forte. Forçou-se a abrir os olhos, mas conseguiu abrir bem pouco. Viu somente o azul dos olhos de quem a carregava, mas sua vista ardeu e fechou os olhos novamente. Sentiu-se ser colocada na grama. Abriu os olhos novamente a tempo de ver um vulto se afastando e entrando no castelo. Depois, tudo se apagou.
Capítulo 04 Quando Maria abriu os olhos já estava quase anoitecendo. Sentou-se na grama do castelo sentindo uma terrível dor no corpo e na cabeça, e a garganta ardendo. Usou a força que lhe restava para se levantar e cambaleou até a porta. Bateu com toda força que pôde naquele momento, mas não ouviu resposta. Voltou vagarosamente para frente do castelo, nenhuma luz acesa, nenhum sinal de nada. Será que ele havia saído? Bateu novamente, agora na porta da frente, mas não houve nenhum sinal de dentro do castelo. Pegou sua bolsa e resolveu ir embora, sua cabeça parecia que ia explodir. Ao invés de ir para casa, passou numa farmácia e foi para a biblioteca. Precisava falar com Jessica. Assim que entrou na biblioteca, Jessica correu para que ela se apoiasse e a sentou numa cadeira. -O que aconteceu com você? Maria por que está assim? - Jessica parecia em pânico. -O lago. – Maria queria responder, mas sua garganta ardia muito. -Que lago? Onde? -No castelo. – sussurrou ela. -Ele tentou matar você? Tentou te afogar? Maria negou com a cabeça, tentou falar que ao contrário, ele havia salvado sua vida, mas sua garganta doía muito e não saiu som algum de sua boca. Um rapaz que estava sentado numa mesa próxima lendo, abandonou o livro e se aproximou para ajudar. -O que aconteceu? -Moisés, você pode levar a minha amiga para a casa da dona Marta? Ela não está passando muito bem. Moisés concordou e pegou Maria no colo saindo com ela dali. Maria pegou um forte resfriado e uma inflamação na garganta. Juntando com a dor de cabeça que já estava sentindo, estava derrubada, de cama, sem conseguir falar. Cláudia havia ligado tantas vezes, que Marta desligou o telefone fixo, já que Maria não poderia falar com ela. Jessica passava todos os dias na sua casa para ver como ela estava, e Maria agradeceu muito a amiga em pensamento por não ter dito nada a Marta sobre onde ela esteve. Até mesmo Moisés, que Maria descobriu, trabalhava no mercado, na área do sacolão, passou a visitá-la, e muitas vezes, levava frutas deliciosas e macias, que eram as únicas coisas que Maria conseguia engolir. Já não aguentava mais o mingau aguado da tia. Talvez por causa da febre que se instalou nela por três dias, Maria viu quase todas as noites a figura da mulher loira que pedia ajuda, então quase não conseguia dormir. Oito dias após o ocorrido, Maria finalmente conseguiu falar, sua febre estava sob controle e a inflamação na garganta bem melhor, a incomodava só mesmo na hora de engolir. Desde que acordou, ficou esperando anoitecer para que Jessica fosse a sua casa, precisava falar com ela. Para a sorte de Maria, assim que Jessica chegou, Marta pediu que ela tomasse conta dela, pois precisava sair para fazer umas compras, e assim, teve a oportunidade perfeita para conversar com ela. -Obrigada por não dizer nada. – Foi a primeira coisa que Maria disse a Jessica. -Você já consegue falar! Ótimo! Agora me explica pelo amor de Deus o que aconteceu com você? Tem ideia de quantas coisas passaram pela minha cabeça? -Eu caí no lago, que fica atrás do castelo. -Tem um lago atrás do castelo? Eu não fazia ideia que havia um lago nessa cidade. E por que
estava perto do lago que fica atrás do castelo? Você não disse que o jardim fica na frente? -Do começo, pode parecer loucura demais, mas tudo bem. Eu tenho tido uns pesadelos com uma mulher que eu nunca vi. E ela me pede para tirá-la do castelo. É como se ela estivesse presa lá. Jessica pareceu muito confusa. -Espera aí, como assim uma mulher que nunca viu? Quantas vezes sonhou com isso? -Eu tinha sonhado umas três vezes antes do incidente. Mas depois, acho que por causa da febre, sonho quase todo dia. -Você acha que há uma mulher prisioneira no castelo? -Achava. Foi por isso que fui investigar o castelo e caí no lago. Mas depois desses dias pensei que se houvesse uma mulher trancada no castelo, não faria sentido nenhum ela aparecer para mim e pedir ajuda. É muito, surreal. -Com certeza. Pode ser o mistério todo que ronda esse castelo e o homem estranho, isso está mexendo com sua cabeça. Por falar nisso a dona Lucena andou me perguntando a semana inteira onde você estava quando se molhou daquele jeito. -E o que você disse? -Que estava na cachoeira. Mas Maria, e se de repente esses sonhos são uma espécie de aviso? Sei lá, que você corre perigo, que pode ficar presa naquele lugar. Você tem certeza que o estranho não empurrou você lago adentro? -Pelo contrário Jessica, ele me salvou. Eu não sei nadar. Jessica ficou de pé num pulo. -O quê? Vocês conversaram? Como ele é? -Não, não conversamos. Eu estava desmaiada e depois com dor demais e confusa. Eu só o vi parado perto do lago antes de eu cair, depois alguém me carregou, eu vi uns olhos azuis e depois vi o vulto dele entrando no castelo quando eu já estava a salvo e acordada. -Olhos azuis? O cara, o bonitão que te falei que morava lá antes tinha lindos olhos azuis. Será que é ele? Maria ia falar, mas Jessica tapou a boca numa expressão de horror e Maria aguardou que ela dissesse o que estava pensando. -Ai meu Deus! Maria! Você disse que sonha com uma mulher loira. Como ela é? Ela tem cabelos compridos, com ondas que brilham e olhos verdes? Maria sentou-se na cama. -Tem. Por quê? Você a conhece? -A esposa dele. Eu não lembro o nome dela, mas a esposa do bonitão era assim. Será que é ela que você vê? -E por que eu sonharia com a esposa dele? -Sei lá, vai que eles moram lá e ela é uma feiticeira e está com ciúmes de você cuidando do jardim e quer te assustar. Talvez ela ache que você está dando em cima do marido dela, o que explicaria essa sua fascinação por aquele castelo estranho. -Jessica! Eu não estou dando em cima de um desconhecido que pode ser um assassino. Eu só preciso cuidar das flores e descobrir o que aconteceu naquela rua. -Quanto a isso, eu perguntei disfarçadamente ao Moisés o que ele sabia sobre aquela rua, sabe, ele é exatamente dez anos mais velho que a gente, achei que devia se lembrar. Ele disse que uma mulher foi assassinada brutalmente lá e que isso assustou tanto os vizinhos dela na rua que todos se mudaram. Maria se lembrou da fotografia do casal de uma das casas abandonadas. Podia ser aquela a
mulher assassinada. Ela se lembrou de Cláudia e do telefone desligado, então se levantou. -Aonde vai? -Ligar para uma pessoa. Maria aproveitou a saída da tia e ligou para Cláudia, que atendeu quase tendo um ataque e falando cinco minutos sem parar que quase morreu de preocupação. Maria queria saber como ela sabia que tinha estado doente, mas sendo Cláudia, isso nem a assustava. -Escuta Cláudia, tenho tido uns pesadelos... – mas antes de terminar de falar Cláudia a interrompeu. -Isso! Só pode ser isso. Escuta, eu tive uma visão que você vai receber um aviso, e se ignorar, vai condenar uma pessoa inocente a viver um inferno para sempre. Mas se segui-lo, pode salvar essa pessoa de um destino horrível, mas estará em perigo. Eu te diria para se salvar e deixar isso para lá, mas de alguma maneira, eu não sei Maria, você tem que fazer isso. É como se só você no mundo pudesse fazer, então seja o que for que anda sonhando, faça. Mas tome cuidado. Maria ficou um tempo sem reação. Despediu-se da amiga com uma desculpa e contou para Jessica. As duas ficaram estupefaças e sem saber o que pensar. Um tempo depois Jessica já estava brincando com o acontecido, para quebrar o clima. No dia seguinte, Maria acordou muito melhor, não teve pesadelos e dormiu como há muito tempo não fazia. Decidiu tomar café normalmente, mas se arrependeu dessa decisão assim que saudou a tia e começou a comer. -Já está melhor pelo que vejo. Então, pode explicar onde estava na noite em que adoeceu? Maria engasgou, nem tinha pensado que teria que se explicar, então resolveu manter a história de Jessica, que com certeza Lucena contara a Marta. -Achei uma cachoeira, acho que caí nela. -Acha? Você estava toda molhada! -Então devo ter caído. Eu não lembro direito. Marta a encarou duvidosa, mas como não havia outra explicação, concordou satisfeita. A campainha tocou e Marta foi atender, era um buquê de flores destinado a Maria. Essa recebeu o buquê da tia tão curiosa quanto ela para saber quem mandara. Mas antes mesmo de ler o cartão, sentiu-se congelando e seu coração acelerando. Conhecia aquelas flores, eram flores raras que Maria só havia visto em um lugar da cidade. Pensou que se abrisse o cartão perto da tia, e fosse mesmo quem ela achava que era, e se a tia soubesse o nome dele, faria um escândalo. -Não vai ver quem mandou? Maria tomou o cartão da tia disfarçando. -Só pode ter sido o Moisés, quem mais seria? – e saiu para colocar as flores em um vaso e cortar o assunto. Foi para o quarto bem na hora que Jessica havia acabado de chegar com coisas para ela comer e perguntado sobre as lindas flores. Maria abriu o cartão sentindo as pernas tremerem quando leu, então passou a Jessica. “As flores estão sentindo sua falta, e eu também. Melhoras.” -Foi ele. Maria, ele te mandou flores. -Eu sei. – respondeu ela sentando-se na cama. Mais uma vez, ele não havia assinado.
Capítulo 05 Naquela noite, Maria sonhou que corria em meio às árvores do castelo desesperada. Era noite, havia muita neblina impedindo sua visão, e algo a seguia, ele queria matá-la, ela sabia demais. De repente Maria tropeçou e caiu em sua salvação, braços fortes a seguraram e ela não viu mais a neblina, não sentiu mais frio, nem medo. O calor daqueles braços era tudo que ela precisava, ali ela estava segura. Acordou se sentindo bem melhor e resolveu voltar a trabalhar. Passou na biblioteca para cumprimentar Jessica e se dirigiu ao seu lugar favorito naquela cidadezinha, o assombroso castelo. Ver o castelo depois de tantos dias deu a Maria uma paz e alegria que há muito não sentia. Só para conferir, ela abriu a caixinha do correio e tateou, mas não havia nenhum papel, na certa o dono do castelo não esperava que ela voltasse naquele dia. Foi até o portão com medo de que ele também não tivesse deixado o portão aberto, não esperando por ela, mas estava aberto. Ao chegar perto de seu jardim favorito, outra surpresa, as flores estavam molhadas, o que significava que alguém estava aguando as plantinhas. Maria se sentiu tão feliz, que como não ouviu nenhum movimento no castelo, trabalhou grande parte do dia cantando. Na hora de ir embora, pensou em agradecer as flores lindas que recebera, elas realmente estavam faltando no jardim. Era um grande progresso que o estranho tivesse aguado as plantas e ainda tirado flores do jardim para mandar para ela. Ela pegou seu bloco de notas, sua caneta e escreveu: “Obrigada pelas flores lindas e pelo cartão, e também por aguar minhas plantinhas. Não sei porque não pode assinar seu nome, acredite, não sou detetive ou alguém que possa te prejudicar de alguma maneira. Obrigada principalmente por salvar minha vida, mesmo estando eu bisbilhotando sua casa, você foi amável e corajoso. Muito obrigada.” Quando chegou em casa, Marta e Lucena estavam tomando café na sala, com cara de poucos amigos. -Olá. Aconteceu alguma coisa? -Não aconteceu nada. - disse a tia disfarçando. Maria resolveu deixar para lá e foi tomar seu banho. Ao sair, deparou-se com Lucena sentada em sua cama encarando seu jarro de flores. -Posso falar com você um instante Maria? -Claro, dona Lucena. - Maria sentou-se ao lado da mulher na cama. -Marta me disse que você passa o dia inteiro fora, que está trabalhando. - ela falava sem tirar os olhos das flores - Não quero ser bisbilhoteira, mas gostaria de saber, onde você está trabalhando? Maria gaguejou. -Não é um trabalho formal dona Lucena, é uma bobeira, só cuido de umas plantas. -Sim, e onde ficam essas plantas? Maria respirou fundo. -Desculpa dona Lucena, sei que a senhora não faz por mal, mas está sendo realmente bisbilhoteira. Marta, que Maria não tinha visto, mas estava à porta ouvindo a conversa, começou a gritar que ela era mal educada e grossa, mas Lucena a interrompeu. -Tudo bem, desculpa pela curiosidade Maria, eu fui amiga da sua mãe quando éramos crianças, por anos ela foi como uma irmã para mim. E agora me sinto na obrigação de proteger você. Se não quer me dizer onde está trabalhando eu posso descobrir sozinha.
Maria se desculpou sem graça. -Eu, estou... Trabalhando... Na horta... Com o Moisés. Eu o ajudo. Marta abriu um sorriso satisfeito, enquanto Lucena olhou das flores para Maria e para as flores de novo. -Que lindas flores Maria! Nunca vi dessas na floricultura da cidade, onde conseguiu? Maria entendeu de imediato que Lucena sabia de onde vinham as flores. -Eu ganhei, do Moisés, ele que me deu. Não sei onde conseguiu. - Maria se sentiu culpada por estar cada vez mais enrolando o homem que mal conhecia em sua mentira. Lucena assentiu não muito convencida e se despediu dando um beijo na testa de Maria. Maria ficou pensativa a noite inteira, sabia que Lucena só queria seu bem, mas ela era mais uma daquelas senhoras da cidade que tinham medo da rua. Por outro lado, como ela poderia saber de onde vinham as flores? Seria necessário que ela tivesse entrado no castelo para ver aquelas flores por lá. As coisas ficavam cada vez mais estranhas. No dia seguinte Maria foi à biblioteca, Moisés estava conversando com Jéssica, parecia nervoso. Assim que viu Maria abriu seu enorme sorriso e a cumprimentou: -Bom dia Maria, será que você pode me explicar por que eu tive que mentir que você trabalha comigo e ainda te mandei flores que não existem na cidade? Maria riu sem graça. -Eu tive que pedir para um amigo meu trazer da capital, flores para você. Só não sei por quê. Ou, quem te mandou as verdadeiras flores? - perguntou ele a repreendendo, mas de forma descontraída. -Desculpa Moisés. Eu não tive saída, e muito obrigada por me ajudar. Eu não sei quem me mandou as flores. -E onde tem passado todas as tardes? Dessa vez foi Jessica quem falou. -Ou, obrigada pela ajuda, mas nada de ser bisbilhoteiro, dona Lucena dois. Moisés assentiu. Maria se sentiu culpada por mentir para ele, mas não podia dizer a verdade. -Espero que não tenha conseguido essas flores onde eu acho que conseguiu Maria, de qualquer forma, se precisar de mim de novo, avisa. Maria agradeceu e Moisés saiu da biblioteca. -Acho que o Moisés está afim de você. - comentou Jessica com desdém. -Claro que não. E isso por acaso te incomoda? -De jeito nenhum! Ele é muito mais velho. Vamos mudar de assunto, Estranho-do-castelo-malassombrado. Agradeceu a ele pelas flores? -Sim, mas foi por bilhete. Eu estive pensando, se as reportagens sobre o assassinato na Rua Londrina sumiram, talvez na internet a gente ache alguma coisa. -Com certeza a gente acha alguma coisa gênio, só o que não achamos por aqui é uma internet. Maria deu um pulo da cadeira onde havia acabado de se sentar. -O quê? Aqui também não tem internet? -Não. E nem adianta tentar por aparelhos móveis que não pega. Maria bufou, era sua última esperança. Bom, talvez a penúltima: -Jessica você disse que sua avó sabia de algumas coisas, acha que conseguimos arrancar mais dela? -Difícil, minha avó reagiu de uma maneira muito estranha quando toquei nesse assunto, mas se quiser tentar, fique à vontade para passar na minha casa hoje. -Ótimo! Eu vou trabalhar e volto à noite para ir com você.
Assim Maria foi para o castelo, mal conseguia conter a ansiedade para ler a resposta do homem misterioso, se é que ele realmente havia respondido. Ao entrar na rua, seu coração acelerou, sentiu um vento diferente do frio habitual da rua, quase correu até a caixa de correio, e para sua felicidade, havia uma resposta. Maria quase tremia quando abriu o bilhete: “Não foi nada, eu é que peço desculpas por tê-la permitido descer o barranco sabendo que era perigoso. E quanto às plantas, era o mínimo que eu podia fazer já que SUAS plantas estão no MEU quintal. Quanto a assinar meu nome, se olharmos seu histórico não tenho tanta certeza que não seja uma detetive. E não me agradeça por salvar sua vida, retribua não se colocando em perigo novamente. A propósito, por que quer tanto saber meu nome?” Maria terminou de ler o bilhete rindo, o homem era amável e divertido, mas mais uma vez não havia assinado seu nome. Rapidamente olhou para a janela esquerda, nem sinal dele. Então, respondeu o bilhete: “Fique tranquilo, só me colocarei em perigo perto de você. Gostaria mesmo de saber o nome do homem que salvou a minha vida, mas talvez eu não seja digna de confiança. Será que posso conquistar sua confiança? Pode me dar pistas de quem você é?” No dia seguinte quando chegou ao castelo, Maria encontrou a resposta: “Talvez esteja realmente se colocando em perigo perto de mim. Melhor não saber quem sou.” Maria não entendeu a resposta fria e enigmática dele. Uma sensação ruim percorreu seu peito. Ela nem respondeu o bilhete imediatamente, trabalhou o dia inteiro e esperou esfriar a cabeça para responder. Na hora de ir embora respondeu sem saber direito o que escrever. “Acha que me coloco em perigo de propósito? Sinceramente eu não fazia ideia que estava em perigo e nem que você me salvaria.” Chateada, Maria se lembrou do compromisso com Jessica no dia anterior. Fora embora tão contente que nem havia se lembrado, foi então para a biblioteca. Jessica estava fechando a biblioteca e fez uma careta para Maria quando a viu chegar. -Valeu pelo bolo ontem. -Desculpa Jess. - respondeu ela tirando o bilhete do dia anterior e mostrando a amiga. Jessica deu pulos de euforia. -Ele está dando em cima de você. -Não está. -Claro que está, está se aproximando aos poucos. Maria não respondeu, simplesmente entregou a ela o último bilhete. Jessica leu três vezes antes de devolvê-lo a Maria, a excitação havia sumido de seu rosto.
-O que isso quer dizer? -Não faço ideia. Vamos falar com sua avó? Jessica assentiu e as duas foram para a casa dela A casa de Jessica era simples, mas muito aconchegante. O pai dela não estava em casa, mas Ester, a avó de Jessica as recebeu com alegria. Após aplicar as injeções de Insulina na avó, Jessica deu um tempo para que ela se sentisse melhor. Logo ela estava passando um café para as meninas e sentando-se à mesa curiosa por conhecer Maria. Depois de muito bate papo, Jessica puxou o assunto: -Vovó, a senhora sabe o que aconteceu com aquele casal rico que construiu o castelo da Rua Londrina? Ester encarou a neta, mas nem fez menção de responder. Maria resolveu interferir: -Eu trabalho naquele castelo, mas todos me dizem que devo me afastar de lá. Gostaria de saber o porquê. Ester ficou mais um tempo pensativa, por fim levantou-se com um olhar triste e respondeu: -As pessoas gostam de julgar e têm medo da pessoa errada. -Como? - Maria e Jessica perguntaram ao mesmo tempo. -Por favor, não me perguntem mais sobre isso e Jessica, pelo seu bem, nem tente mais descobrir. É muito perigoso, o mal se foi, mas pode voltar se for procurado. Vão arrumar outras coisas para fazer que não estejam ligadas àquele lugar. E quanto a você, - disse ela olhando para Maria - sim, é melhor que saia imediatamente daquele lugar. E assim Ester saiu da cozinha e se trancou no quarto. Maria mal conseguiu dormir aquela noite, todo esse mistério a deixava frustrada. Pensou em escrever uma carta para o homem do castelo contando tudo e perguntando o que aconteceu e se ele é um assassino. Mas logo tirou essa ideia da cabeça. De qualquer forma não ficaria o ano inteiro cuidando daquele jardim, isso ia acabar algum dia. No dia seguinte, Maria encontrou Jessica na biblioteca com um sorriso enorme. -O que aconteceu? Sua avó resolveu contar alguma coisa? -Não temos tanta sorte, mas conversei hoje com o Edgar, um velho safado que dá em cima de mim. -Está feliz porque um velho safado dá em cima de você? Jessica fez uma careta de ofensa. -Não, engraçadinha. Tudo depende de como você pede as coisas, eu sou tão especial que ele vai me dar a cópia do registro das casas da Rua Londrina. Demorou um tempo para a ficha de Maria cair. -Ele vai te dar os registros? Então vamos saber o nome do dono do castelo? -Bingo! Maria deu pulos com Jessica esquecendo totalmente a tristeza do último bilhete do homem misterioso. Nos dias que se seguiram, Maria trabalhou calada, chateada pelo último bilhete do homem misterioso. Se ele achava que era perigoso ela se aproximar dele, ela ia fazer a vontade dele. Trabalhava com tanta vontade no jardim, que praticamente deixou o jardim lindo em pouco mais de uma semana. Numa quarta, na hora que chegou para trabalhar, encontrou um envelope encostado na roseira, ela o abriu e se surpreendeu com uma enorme quantidade de dinheiro e um bilhete do estranho:
“Como não combinamos preço, fiquei sem saber quanto te pagar, espero que seja o suficiente.” Maria deveria ter ficado realmente agradecida, qualquer pessoa ficaria, mas ela se sentiu ofendida. Pegou sua caneta e respondeu no mesmo papel: “Saiba que não faço isso pelo dinheiro, faça bom proveito dele.” Maria não sabia o porquê, mas ficou tão chateada, que ficou três dias sem ir trabalhar, esperava que o estranho entendesse que ela não era empregada dele. Embora ela soubesse que, de certa forma, era. No sábado, ela e Jessica foram dar um volta pela cidade, Jessica lhe contara o quão estranha a avó estava desde as perguntas sobre a Rua Londrina. E o mistério que envolvia o castelo só aumentava. Depois de deixar Jessica em casa, Maria andava apressada e de cabeça baixa por causa do vento forte, na certa cairia uma chuva e ela precisava chegar a casa rápido. Por causa do vento a luz da cidade apagou, deixando a rua onde Maria estava, e todas as ruas em volta totalmente na escuridão. Maria estacou sem saber para onde ir, conhecia muito pouco a cidade. Tateou o ar em busca de algo em que pudesse se segurar, mas não achou nada e nem ouvia ninguém. Todos já haviam ido para casa se esconder do temporal que cairia e Maria estaria nele se não encontrasse o caminho logo. De repente ouviu passos, pensou se deveria pedir ajuda ou se esconder, mas antes que tomasse qualquer atitude, uma mão segurou a sua e começou a puxá-la. Maria queria se soltar e perguntar quem era, mas simplesmente deixou que a mão, macia e quente, a guiasse. Por fim chegou a uma rua residencial. Em algumas casas, havia luzes de velas ou lampiões acesos, o que permitia que ela enxergasse um pouco. A mão que a guiava soltou-se e sumiu. Maria olhou em volta, mas não havia ninguém na rua em seu campo de visão. Logo que virou para frente, trombou em um homem com força, e só não caiu porque esse homem segurou sua mão. A chuva começou a cair fina, Maria encarou o homem que abaixou a cabeça e saiu apressado, não deu para reconhecer, viu apenas uma parte do rosto e a boca. Logo, percebeu algo em sua mão que não estava antes, um papel. Maria segurou o papel com força para que não molhasse e correu na direção da casa de sua tia. Antes de chegar a casa, avistou Moisés saindo do mercado, assim que a viu, ele tirou sua blusa de frio e colocou sobre ela e a levou para debaixo da marquise do mercado, para esperar a chuva passar. -Não acho que a chuva vá melhorar por agora Moisés. - comentou Maria vendo o temporal que caía. -Com certeza não, por isso vou pegar uns chocolates para a gente comer enquanto espera. Moisés abriu uma portinha de funcionários do mercado e entrou com uma lanterna a procura do chocolate, Maria aproveitou para ler o bilhete. “Cuidado! Você corre perigo.” Maria prendeu a respiração um tempo, antes de perceber que Moisés voltava e esconder o papel. O bilhete havia sido escrito com uma máquina de escrever. Lembrou-se do momento em que trombou no homem que lhe entregara o bilhete, não era o mesmo que a guiou na escuridão. O guia tinha uma mão macia, difícil de explicar por que, mas passava calma. Enquanto o que lhe entregou o bilhete,
tinha um aperto firme, e a mão calejada. Moisés apareceu com uma barra de chocolate e Maria logo perguntou: -Moisés, foi você que me tirou da rua quando a luz acabou? -Não, eu estava aqui dentro quando a luz da rua acabou, assim que fechei vi você parada na esquina. Por quê? Havia mais alguém na rua? -É. Alguém me ajudou, mas deve ter sido algum morador. Maria comeu o chocolate para não fazer desfeita a Moisés, mas sua cabeça não estava nas histórias que ele estava contando sobre a infância dele, e sim nos dois homens que a encontraram naquela noite, pois tanto o homem que sabia exatamente onde ela estava para encontrá-la no escuro e guiá-la, quanto o que sabia que ela estaria ali para entregar aquele papel, com certeza a estavam observando. Na segunda-feira, Maria resolveu voltar a trabalhar. Assim que chegou ao castelo, lembrou-se do homem que lhe entregara o bilhete, mas deixou para lá, resolveu deixar todo o estresse por uma tarde e voltou a cantar enquanto cuidava das plantas. Dessa vez ela foi para a parte de trás do castelo, tirar a grama de lá. Por mais que essa parte lhe desse arrepios, era um serviço que precisava ser feito. Continuou cantando para espantar o medo. Quando acabou o serviço, voltou para frente do castelo e juntou suas coisas. Ao fechar o portão encarou a janela da torre esquerda. Será que havia sido ele quem a guiara naquela escuridão? Era bem a cara dele fazer a boa ação e depois sumir. Maria desviou o olhar e percebeu algo na caixa de correio, ela estava aberta, mas de manhã, quando chegou, não estava. Ela pegou um papel destinado a ela. “Você canta muito bem, deve estar mesmo apaixonada. Vi você com ele no sábado. Ele te faz feliz?” Maria leu novamente a frase sem acreditar, depois guardou o bilhete e respondeu com desaforo: “Por quê? Acha que pode controlar a vida dos seus "empregados"?” E correu para a biblioteca. Contou toda a situação a Jessica que pensou exatamente a mesma coisa que ela: -Maria, foi o estranho do castelo que te deu esse bilhete. Não seria a primeira vez que ele diz que você corre perigo. -Eu também pensei nisso. Por que ele não fecha aquele maldito portão então? - Maria estava por algum motivo, chateada com a hipótese de seu “patrão” estar tentando afastá-la. -Maria toma cuidado, com que direito ele te segue e ainda cobra com quem você conversa? Ele me parece meio possessivo e você não sabe nada sobre ele. -Sei que ele salvou minha vida. -O que não quer dizer muita coisa sobre ele. Aliás com quem você estava no sábado? Maria sabia que Jessica não gostaria nem um pouco da resposta. Embora negasse, ela era afim de Moisés. -Com o Moisés, mas não foi nada demais, a gente só se abrigou debaixo da marquise e... -Não precisa me dar satisfações. Eu não tenho nada a ver com suas vidas amorosas. Mas é bom você alertar o Moisés que você gosta mesmo é do estranho do castelo. Maria fez uma careta para ela.
Maria mal dormiu a noite pensando na mão que a guiara no escuro. Se o estranho do castelo era quem entregou o bilhete, quem a ajudou? E ainda sentia uma ponta de tristeza porque o estranho não a queria por perto, embora ele tivesse ficado claramente irritado pela proximidade dela com Moisés. Mas e se ele fosse perigoso? Ele sabia onde ela morava, sabia onde ela estava em uma noite escura, o que mais ele poderia saber? Maria era herdeira de uma grande herança do pai, mas o estranho não podia precisar de dinheiro com um castelo daqueles e a generosidade em pagá-la. No dia seguinte, chegou ao castelo meio em dúvida se deveria entrar, esse tempo todo ali não revelou nada do que queria saber, pelo contrário, a deixou ainda mais confusa e curiosa. Foi até a caixa de correio e encontrou um papel. “Desculpe, não quis dizer que considero você empregada, isso nem passou pela minha cabeça. Só queria te retribuir de alguma forma pelo que tem feito aqui.” Maria respondeu: “E sua forma de retribuição é me seguir?” No dia seguinte a reposta: “Eu não segui você, te vi por acaso na rua, mas não quis te incomodar. Tem alguma coisa que possa fazer para que não fique tão chateada?” Maria respondeu rapidamente: “Diga quem você é.” No dia seguinte Maria chegou mais cedo que de costume para ver a resposta, mas não havia nada. Nenhum papel na caixa de correio, ele realmente não queria ser descoberto. Maria saiu mais cedo do castelo e foi para a biblioteca. -Jessica e aquele papo de ser tão especial que ia ver os registros da Rua Londrina? -Esse fim de semana, sua apressada. Assim, Maria passou o resto da semana contando os minutos e vigiando o telefone caso Jessica ligasse. Na segunda-feira, quando chegou ao castelo, um bilhete estava na caixa de correio: “O jardim está maravilhoso, quase tão lindo quanto você. Espero sinceramente que seja e que não seja um motivo para você sumir. Sua companhia é ótima.” Inácio. Maria tremeu por um momento, ele assinara o nome finalmente. O estranho que mexia com sua cabeça há tanto tempo, que salvou sua vida e a assustou, se chamava Inácio.
Capítulo 06 Na semana que se seguiu, os bilhetes entre Maria e Inácio foram ficando cada vez mais íntimos. Maria já sabia seu nome, idade, livro e filme favoritos, sem falar que ele sempre adivinhava o que ela pretendia com cada pergunta que ela fazia, e parecia saber exatamente como ela era, como se a conhecesse. Os sonhos com a mulher que lhe pedia ajuda pararam e Inácio não tinha repetido que ela corria perigo perto dele nem nada do tipo. Maria passava tanto tempo no castelo desde que Inácio resolveu revelar quem era, que ainda não tinha falado com Jessica. Então naquela noite, quando saísse do castelo, iria falar com ela. No momento, uma coisa a incomodava, o último bilhete de Inácio. “Às vezes queremos ser bons, mas simplesmente não conseguimos, quando se é assim, o melhor a fazer é ficar sozinho.” Essa foi a resposta dele para a pergunta de Maria sobre o porquê ele vivia tão sozinho. Maria sentiu um arrepio pelo corpo, era como se fosse um aviso a ela, um aviso que ele não queria machucá-la, mas iria. Ela pensou em nem responder, mas no fim acabou escrevendo... “E por acaso viver só, para não ser mal com os outros já não é um ato de bondade?” E assim foi procurar Jessica. A biblioteca já estava fechada, então Maria foi até a casa dela. Quando abriu a porta, Jessica nem deu tempo de Maria cumprimentá-la e a puxou para dentro dando uma bronca: -Onde foi que você se meteu? Te liguei a semana inteira, fui umas dez vezes na sua casa, cheguei a pensar que você estava presa naquele castelo com aquele estranho. Maria fez sinal de silêncio para Jessica, mas obviamente a avó dela que estava sentada por perto e virou a cabeça para encarar Maria, tinha ouvido. -Vem comigo. - falou Jessica levando Maria até seu quarto. Lá ela pegou um envelope grande e deu a Maria, quando abriu, ela viu o registro das quatro casas da Rua Londrina. A primeira casa, n° 11 pertencia a um senhor chamado Ernesto Macedo Castro, ela foi abandonada e demolida parcialmente apos a tragédia da rua. O papel falava sobre uma tragédia, mas não falava o que era. A segunda casa, onde Maria havia entrado, pertencia ao casal Mario e Isabel Damasceno. O casal desapareceu em 21 de junho de 1991. A filha do casal, Vitória Damasceno, 8 anos foi encaminhada ao juizado de menores da cidade de Ponta Bela. Maria sentiu um arrepio ao ler a noticia, por um momento, sua cabeça girou e ela caiu sentada na cama de Jessica, que levantou assustada para socorrê-la. -Maria, o que houve? -Nada, já passou. Essa menina, onde fica Ponta Bela? -É uma cidade vizinha, duas horas de carro. Por quê? Maria deu de ombros e continuou lendo, a terceira casa pertencia a uma mulher, Lucena Campelo Fernandes. Dessa vez Maria perdeu a respiração. -O que foi agora? Leu o nome dos donos do castelo ou que a dona Lucena é dona da casa mais próxima ao castelo? Maria nem sabia o que responder, como era possível que Lucena tivesse tanto medo da rua que
abandonasse sua casa daquele jeito? -Para de enrolar, eu sei que é chocante a dona Lucena ter uma casa justo nessa rua, mas olha logo o nome dos donos do castelo. Maria tirou de sua bolsa todos os bilhetes que trocara com Inácio desde que ele se revelara e entregou a Jessica, para que ela ficasse a par do que estava acontecendo. Enquanto virava a página para a última construção da rua, número 33, a mansão pertence ao nobre casal Inácio e Alessandra Edenhal. Após a tragédia, ninguém mora no local. Ao mesmo tempo em que Maria leu o nome dos donos do castelo, Jessica leu o nome que assinou o bilhete. -Maria! Inácio! É o Inácio Edenhal. O homem bonitão de quem te falei, o que foi preso pela morte da rua, pelo visto ele realmente foi absolvido. Maria concordou e continuou encarando os nomes de Inácio e de sua esposa, e ao mesmo tempo em que uma pergunta se formava em sua cabeça, Jessica a fez em voz alta: -Mas se esse é Inácio Edenhal, onde está a esposa dele, Alessandra? -A pergunta de um milhão de dólares. Pelo que ele me escreveu ele mora sozinho. -Será que eles se separaram? -Pode ser. - Maria respondeu, mas pensava em outra coisa, na frase que Inácio escreveu no último bilhete, será que ele havia feito algum mal a esposa? Ela agradeceu a Jessica a ajuda e foi para casa. Ao chegar, ao invés de encontrar a casa silenciosa como todas as noites quando chegava, ela encontrou Marta dando voltas na varanda da frente, o que significava que algo estava errado. -Tia, aconteceu alguma coisa? -Me diz você Maria. - respondeu ela entregando a Maria um papel amassado. Maria pegou o papel sem entender e leu: Sra. Marta, Sinto te incomodar, mas diante do que está para acontecer, não tive escolha. Tentei alertar sua sobrinha, mas ela não quer me dar ouvidos. Maria Carolina corre grande perigo. Por favor, diga a ela que pare imediatamente o que está fazendo e se afaste do perigo que ela sabe que está correndo. Peço que faça tudo o que puder para salvar a vida dela. E por favor, não conte a ela sobre essa carta ou ela pode se aborrecer. Conto com você. Maria ficou atônita e amedrontada com aquela carta, mas não podia demonstrar isso a Marta. -Então? - perguntou Marta impaciente. -O que? -Pode me explicar isso? -Não faço a menor ideia do que isso quer dizer. Marta fez uma expressão que indicou que ela não estava acreditando, então Maria entrou na casa como se não tivesse lido nada. -Maria, esse papel diz que você corre perigo de vida, não finja que não leu. Dá para ser adulta e conversar sobre isso direito? -Mas tia, eu não sei o que quer dizer, garanto que não estou traficando, assaltando e nem me envolvi com nenhum homem casado.
A brincadeira deixou Marta ainda mais nervosa, percebendo, Maria desconversou. -Tia, eu realmente não sei. Deve ser um trote, uma brincadeira sem graça. Vamos fazer assim, da próxima vez, pede o seu informante para ser mais claro, sobre exatamente o que está me colocando em perigo, está bem? - Maria esperava do fundo do coração que quem quer que tivesse enviado aquela carta, não fizesse isso. -Eu não acho que alguém perderia tempo com uma brincadeira tão sem graça como essa, mas vou ficar mais tranquila se você me disser onde exatamente está trabalhando. -Com o Moisés, eu já disse. -É engraçado porque o mercado fecha bem mais cedo do que o horário que você chega. -Não esquenta tia, eu fico lá ajudando a limpar e conversando com ele. -Conversando com ele? Tem alguma coisa a mais entre vocês? -É, não exatamente, mas quase. O sorriso de Marta demonstrou que Maria vencera essa, ela ficou uns dez minutos expressando sua aprovação sobre esse relacionamento. Maria pensou que Jessica é que não gostaria nem um pouco dessa brincadeira. Maria finalmente se livrou da tia e foi tomar seu banho, mas o que mais a acalmava naquele momento era ter percebido que a letra da carta não era de Inácio, como chegou a pensar quando começou a ler, o que poderia significar que ele realmente foi quem a guiou no escuro e não quem lhe entregou aquele bilhete. Por outro lado estava preocupada, decididamente alguém sabia onde Maria passava as tardes e não a queria perto de Inácio. Seria Alessandra com ciúmes do ex? Ou Lucena com medo de que algo acontecesse a ela? Quanto mais Maria procurava, mais dúvidas tinha. No dia seguinte, Maria voltou ao castelo para trabalhar, tateou a caixinha de correio, mas como esperava, não havia nenhum bilhete. Quando Inácio não respondia, ela sempre ficava mal humorada, e seu dia parecia mais longo. Toda a tarde ela olhava para a janela da torre esquerda, mas nenhum sinal de Inácio, nenhum barulho de dentro do castelo. Será que ele havia saído? De uma coisa Maria tinha quase certeza, Alessandra não estava presa no castelo como ela imaginara, pois já teria ouvido algum grito ou coisa parecida nesse tempo todo em que trabalhava ali. E como Maria tinha quase certeza que era Alessandra que estava mandando os bilhetes para que ela se afastasse de Inácio, ela provavelmente queria voltar para ele e não estava no castelo ou já teria aparecido para expulsar Maria. Quando chegou em casa, mais uma vez Marta estava acordada esperando por ela, mas dessa vez com uma expressão de alegria no rosto, Maria sentiu um cheiro delicioso e em seguida reparou que a sala estava lotada de flores. -O que é tudo isso? – perguntou. -O Moisés mandou para você. Maria estacou, será que Marta comentara alguma coisa com Moisés e agora ele achava que eles tinham alguma coisa? Mas Marta respondeu a questão de Maria entregando a ela um pequeno envelope. -O único cartão que veio com todas as flores. Maria abriu o cartão e se surpreendeu ao perceber a letra de Inácio nele: “Me admira sua inocência e a fé que tem nas pessoas, e seu jeito lindo de enxergar beleza onde ela não existe há muito tempo. Obrigado por tudo.”
Maria não sabia explicar o porquê, mas sentiu uma emoção tomar conta de seu ser. Inácio era amoroso, surpreendente, delicado, atencioso. Como podia ainda existir alguém assim? Como ele podia viver tão só e achar que era mal? Maria tinha uma nova meta agora, fazer com que Inácio percebesse a pessoa especial que ele era. Assim, Maria dormiu uma de suas melhores noites. Na manhã seguinte, ela foi para o castelo com ótimo humor e a resposta já pronta para Inácio. Quando estava indo embora, encontrou-se com Moisés na rua e ele a parou com um enorme sorriso. -Então agora eu te mandei uma dúzia de buquês, eu sou romântico, não? -Desculpa, dessa vez eu não disse nada, minha tia chegou a você sozinha. Moisés riu sem graça. -Tudo bem, mas será que eu mereceria sua companhia até a sorveteria pelo menos? Maria queria mesmo ir para a casa, mas Moisés a ajudava tanto, sem falar que ele poderia saber de alguma coisa sobre a tragédia da Rua Londrina. -Claro. Após um tempo em silêncio, Moisés pigarreou sem graça e perguntou: -Maria, você está namorando? -Não. - respondeu Maria automaticamente. -Eu só estava pensando, se quem te manda tantas flores é seu namorado. Maria sentiu-se corar. -Não, é só um amigo agradecido. - por algum motivo ela queria que sua reposta fosse diferente. -Desculpa, é que eu fiquei pensando que se fosse seu namorado e nunca aparecesse nem assinasse os cartões, podia ser de algum jeito, perigoso. -Obrigada pela preocupação, mas não é nada meu. Maria pensou em porque será que sempre que Inácio estava envolvido em alguma coisa relacionada a ela a palavra perigo estava junto? Ela estava começando a se irritar com isso. Resolveu mudar de assunto, não totalmente, apenas o rumo do assunto, para o que ela precisava descobrir: -Moisés, você sempre morou aqui nessa cidade? -Desde que nasci. -Então você estava aqui quando aconteceu toda aquela tragédia na Rua Londrina? Moisés engasgou e assentiu. -E será que você poderia me esclarecer o que exatamente aconteceu lá? -Talvez. Por que você quer saber? Maria não esperava por essa, mas Moisés estava visivelmente alterado. -Curiosidade. Sei que a dona Lucena tem uma casa lá e queria saber por que a abandonou. -Ninguém nessa cidade teria coragem de sequer pisar naquela rua. -Mas por quê? -Ela é uma mancha nessa cidade, uma mancha de sangue e tristeza. A reação de Moisés deixava claro que ele sentia muito o que acontecera naquele lugar, e que isso ainda doía nele e Maria se sentiu uma bruxa por fazê-lo tocar nesse assunto. -Uma família inteira destruída, um casal simplesmente desapareceu, sem pistas, a casa toda revirada, eles não levaram nada, sequer a filha deles, a menina estava em choque, nem falava coisa com coisa, só dizia que ele os havia levado, que o assassino havia levado seus pais. -E quem era o assassino? -O mesmo monstro cruel que assassinou brutalmente a própria esposa. Uma jovem linda, com uma
vida inteira pela frente. Maria deixou a colher que segurava cair, o ar sumiu de seus pulmões e um zumbido tampou seus ouvidos, em sua mente muitas coisas se ligaram quase que automaticamente, a mulher que pedia ajuda e dizia estar presa no castelo, os corpos desaparecidos no riacho do castelo, o bilhete de Inácio dizendo que mesmo sem querer ele era mau, o sumiço da esposa de Inácio, os bilhetes que a alertavam que ela corria perigo, o fato de Inácio ter sido preso acusado da morte de uma mulher, e a frase de Moisés que dizia que um homem assassinou sua esposa. Era como se uma luz se acendesse dentro da cabeça de Maria. Inácio poderia ter assassinado sua esposa? E ninguém mais morava na rua porque o assassino continuava por lá? Moisés sacudia Maria desesperado, e ela nem tinha visto que hora ele levantou, ou que hora parou de falar. Ela precisava ir para a casa, precisava descansar e pensar mais. Inácio não podia ser um assassino, ele não era. Não podia ser. Ela se levantou automaticamente e foi embora.
Capítulo 07 Na manhã seguinte Maria levantou sem ter certeza do que faria. Meio que sem ver, acabou parada em frente ao castelo, ponderando se entrava ou ia embora. Uma voz gritava em sua cabeça que deveria sair logo, que ele era realmente perigoso. Mas uma vozinha insistente dizia sem parar que era um engano, uma conclusão errada. Um homem tão delicado como Inácio jamais machucaria alguém. “Louco”. Foi o primeiro pensamento de Maria, ao encontrar o portão aberto. Um dia diz que ela deveria se afastar dele e no outro lhe manda flores. O que mais irritava Maria era que, se esse era um jogo para atrair uma possível vitima, conquistá-la deixando todo esse mistério para que ela ficasse, estava funcionando perfeitamente. Decidiu então que não falaria sobre suas suspeitas, não quando ele não tinha feito nada a ela que explicasse sua desconfiança. Quando entrou pelo portão, olhou para a janela da torre esquerda e lá estava ele. A sombra de Inácio estava na janela olhando para ela, era como se ele quisesse aparecer, mas houvesse algo que o impedia. Maria não soube explicar o que aconteceu então, foi como se a razão gritasse tão alto, que seu corpo automaticamente obedecesse ao que ela falava desde o primeiro momento, Maria correu daquele lugar de volta para a casa da tia, sem olhar para trás, sentindo um medo que nunca sentira e uma vontade de chorar que não entendia. Nos dias que se seguiram, Maria não saía de casa, disse a Marta que estava doente e não queria ver ninguém. Não atendia nem mesmo Jessica, menos ainda Moisés. Nem mesmo os telefonemas de Cláudia ela queria atender, precisava pensar, precisava ligar os fatos de uma maneira em que Inácio fosse inocente. Sentia-se estranhamente doente por dentro, sem vontade de fazer nada, mal saía do quarto, não comia direito, vez ou outra sonhava que estava se afogando e um anjo a salvava e aqueles lindos olhos azuis brilhavam enquanto uma voz dizia que ele era inocente. Mas Maria ainda estava muito confusa. Com uma semana que não ia trabalhar, numa noite de chuva, Maria andou até a janela de seu quarto para observar a rua, e do outro lado da rua, mal escondido atrás de uma árvore, havia um homem com uma blusa de capuz que olhava na direção dela. Maria sentiu sua respiração falhar e aquela mesma sensação de medo que sentiu uma vez, na Rua Londrina quando um homem a observara de uma das casas. Ele estava lá. Será que era Inácio? Será que ele era um louco possessivo como Jessica certa vez supusera? Maria fechou as cortinas e deitou-se atordoada. Naquela noite, ela sonhou de novo com a mulher loira lhe pedindo ajuda. Na manhã seguinte, levantou-se disposta a não deixar que um estranho qualquer a mantivesse trancada dentro de casa, estava decidida a sair um pouco, mas não iria para o castelo, ainda não sabia o que pensar sobre Inácio, mesmo que aquela sensação insana de que ele era inocente estivesse crescendo dentro dela. Ela precisava ouvir a razão e se afastar definitivamente dele. Saiu do quarto se sentindo melhor e topou com a tia recebendo uma caixa colorida de um homem a porta. Sentou-se para tomar café e a tia veio em sua direção sorridente: -Chegou para você Maria. Como é romântico esse Moisés! Maria pegou a caixa colorida embrulhada num laço com um cartão. Marta saiu da cozinha satisfeita enquanto Maria abria lentamente o cartão, com certo medo do que estaria escrito. “Será que finalmente consegui assustá-la?”
Maria levantou-se num impulso e saiu de casa. Precisava de uma segunda opinião. Encontrou Jessica com a cara de sono de sempre na biblioteca. -Olha quem apareceu, afinal de contas o que aconteceu com você? -Depois eu explico. Jessica, ontem à noite eu vi pela janela do meu quarto um homem me espiando do outro lado da rua e hoje, recebo isso. – Maria entregou a caixa de chocolate e o cartão para Jessica. Ela leu o cartão e depois encarou Maria. -É meio obvio que o Sr. Estranho aqui estava te observando ontem. -Você também pensou isso? -O que está havendo Maria? -Não sei. É só que por mais que eu acredite que o Inácio nunca faria mal a ninguém, alguma coisa grita na minha cabeça que ele é perigoso. -Isso é muito complicado. Jessica devolveu a Maria o cartão e a caixa. -De que marca são esses chocolates? Parecem deliciosos. Maria pegou a caixa de chocolates e jogou no lixo. -Maria! – reclamou Jessica, mas ela apenas deu de ombros. -E ainda tem esses sonhos com essa mulher me pedindo ajuda e eu ainda não sei quem é ela. Maria pegou uma folha que estava em cima do balcão e um lápis e começou a desenhar enquanto Jessica tagarelava sobre suas teorias. Passou a tarde com Jessica, de vez em quando parava de desenhar e conversava, depois voltava a desenhar. No fim da tarde, mostrou a Jessica o desenho da mulher que aparecia em seus sonhos. -Conhece? Jessica analisou o desenho. -É a mulher dos sonhos? Maria assentiu. -Ela não me é estranha. Sim Maria, acho que é... -Alessandra! – a exclamação veio de trás de Maria, de Lucena que havia acabado de chegar. Ela tomou o papel da mão de Jessica de forma agressiva. -Onde conseguiram isso? -Eu desenhei. – respondeu Maria. Lucena colocou a folha debaixo do braço e apertou os ombros de Maria a sacudindo. -Onde você a viu? Como? Por que está fazendo isso? -Calma dona Lucena, a senhora está me machucando! -Você não podia ter feito isso! – Gritou Lucena. -O que eu fiz? – Perguntou Maria assustada. Lucena segurou a folha contra o peito, lágrimas saíam de seus olhos e ela correu de lá. Maria levantou-se e a seguiu. Lucena entrou em sua casa e tentou fechar a porta, mas Maria foi mais rápida conseguindo empurrá-la. Ao entrar, Lucena correu corredor adentro para seu quarto e chaveou a porta, mas Maria não estava com intenção de segui-la, pelo menos não por enquanto, não enquanto olhava as paredes da sala de Lucena repletas de fotos da tal Alessandra. Havia fotos dela como aparecia nos sonhos de Maria, e mais fotos dela um pouco mais jovem, umas dela criança. Uma foto de um bebê que se assemelhava muito com ela e uma foto enorme emoldurada de Alessandra vestida de noiva abraçada a Lucena. Só então Maria reparou nas semelhanças entre as duas, a mesma expressão, os mesmos olhos. Correu por onde Lucena havia
entrado e bateu na porta. -De onde a senhora a conhece? Dona Lucena, eu preciso saber. Dona Lucena! – Maria batia na porta, mas Lucena chorava e gritava que Maria saísse de lá. Por fim, ela desistiu e foi embora. Maria chegou em casa ainda mais confusa do que saiu. Assim que entrou, o telefone tocava e ela atendeu. -Graças a Deus Maria! Quer me matar do coração? Por que não estava me atendendo? -Desculpa Cláudia eu... -Nem vem inventar desculpas para mim. Sua tia me falou pelo menos cinco doenças diferentes. Não importa, você precisa ter cuidado, eu vi que está confusa e tirando conclusões erradas. -Isso não me ajuda muito. -Então siga seu coração Maria, essa é a missão da sua vida, você precisa salvar alguém que está condenado. Foi aí que uma ideia surgiu para Maria. -Cláudia pode me fazer um favor? Pode anotar um nome que preciso que pesquise para mim? -Pesquisar? Aí não tem internet? Não, nem precisa responder. Fala. -Preciso que pesquise tudo o que conseguir sobre o casal Inácio e Alessandra Edenhal. -Por que eu acharia alguma coisa sobre esse casal? -Parece que são nobres. -Ok, um momento. Cláudia digitava do outro lado da linha enquanto cantava desafinada e perguntava a Maria coisas inúteis, como o tempo na cidade chuvosa, ou o carteiro que ainda não entregara a Maria o celular que ela mandou, mas aí finalmente começou a falar de coisas que eram do interesse de Maria. -Pronto, Inácio e Alessandra Edenhal se casaram em 18 de junho de 1990. Toda a Europa comentou que ele se casou com uma plebeia. -Como assim? -Bom querida, se é no tal Inácio que está interessada, saiba que o gatão é simplesmente parte da realeza, ele é sobrinho de rei e rainha, mas nascido no Brasil. Maria nem respondeu, Inácio realmente era nobre, como os arquivos diziam. -Aqui diz que ele abdicou sua posição na casa real para se casar com uma plebeia brasileira, Alessandra Campelo. Maria entendeu de imediato o motivo de tantas fotos de Alessandra na casa de Lucena, pelo sobrenome, elas eram parentes. Ou irmãs, ou mãe e filha. -Diz aí espertinha, nesse fim de mundo que não tem nem internet tem um gato da realeza? -Parece que sim. – A cabeça de Maria estava dando voltas em uma coisa em especial, ele largara tudo para ficar com Alessandra, ele a amava de verdade, como poderia tê-la machucado? – Clau pode pesquisar só mais uma coisa para mim? -Manda. -Pesquisa assassinato na cidade de Passaredo envolvendo o nobre casal Inácio e Alessandra Edenhal. -Agora você acabou com todo o romance da pesquisa. Espera. – Cláudia voltou sua cantoria quando de repente, calou-se e ficou uns minutos sem dizer nenhuma palavra. -Cláudia. Cláudia está ai? – Perguntou Maria preocupada. -Afaste-se dele. Se você tem algum contato com Inácio Edenhal, afaste-se dele imediatamente Maria, eu não estou brincando. -O que você descobriu?
-Não entre mais nesse assunto Maria, afaste-se desse homem imediatamente, dê um jeito de ir embora dessa cidade, fala para sua tia que você está correndo perigo, inventa qualquer coisa. -Cláudia, calma! O que você descobriu? Mas a ligação caiu. No mesmo instante tocou novamente e Maria atendeu de imediato. -Nem deixou chamar, estava grudada no telefone? Era Jessica. -Jess, eu... -Preciso que venha aqui em casa agora, a vovó quer falar com você. Maria respirou fundo. -Falar comigo? -É, eu comentei com ela sobre a reação da dona Lucena e ela disse que precisa te mostrar umas coisas. -Estou indo. Maria tentou ligar para Cláudia, mas a tia havia bloqueado o telefone, então esperou mais uns minutos para ver se Cláudia retornaria, como não aconteceu, foi para a casa de Jessica. Jessica já a aguardava na varanda. -Você demorou! – Reclamou ela puxando Maria para dentro de sua casa. -Você tem alguma ideia do que ela quer me mostrar? -Nenhuma, ela não me deixou ver. As duas encontraram Ester sentada em sua poltrona na sala, com uma caixa velha no colo. -Sente-se Maria. Maria sentou-se de frente para ela e Jessica sentou-se ao seu lado. -Eu pedi que você não se envolvesse com isso, mas o que mais se pode esperar de jovens curiosas? Você queria saber o que aconteceu lá. Pois bem, eu vou te falar para que você não precise mais mexer nessa história. Assim Ester retirou da caixa um plástico com uma folha velha de jornal dentro e entregou a Maria. Os olhos de Jessica brilharam e Maria entendeu que se tratava das reportagens que Jessica mencionou uma vez que a família guardava sobre a tragédia da Rua Londrina. Maria leu a folha velha, quase apagada: Tragédia em Passaredo... Na noite de ontem, 18 de junho, uma mulher foi brutalmente assassinada em frente sua casa na Rua Londrina. A mulher foi morta a machadadas e pedaços de seu corpo foram espalhados por toda rua como aviso aos demais moradores. A policia local não revelou ainda a identidade da vitima, mas desconfia-se que o assassino resida na mesma rua onde o crime ocorreu. Ao final da pequena matéria havia uma foto em preto e branco de um corpo coberto por uma lona preta. Maria e Jessica ficaram sem ar por um tempo. Depois, Jessica foi quem quebrou o silêncio, devolvendo a folha para a avó e gaguejando a pergunta: -O assassino foi preso? -Não. Mas foi embora. O que não quer dizer que não voltará se vocês procurarem por ele. Agora podem imaginar porque ninguém mais mora lá. Em cada pedaço daquela rua há sangue inocente e o aviso que qualquer um pode ser o próximo. Nós nunca vimos tanta crueldade, em respeito a ela, aquela rua foi desabitada.
-Mas os crimes lá não pararam por aí. – Comentou Maria, percebendo que sua voz saía baixa e falhada. -Não. Isabel Damasceno era amiga da vitima. Ela e o marido disseram para todo mundo ouvir que colocariam o verdadeiro assassino na cadeia, poucos dias depois eles desapareceram. Uns anos depois dois corpos foram encontrados boiando em um riacho que fica atrás daquele castelo, mas a policia nunca confirmou se eram eles. -Espera, a senhora disse colocar o verdadeiro assassino na cadeia? Por quê? Prenderam o homem errado? -Sim, prenderam o proprietário do castelo, Inácio Edenhal. Mas logo descobriram que ele tinha um álibi e ele foi solto. Era informação demais para uma noite na cabeça de Maria. As palavras de Moisés, um homem cruel que assassinou a própria esposa. Se Inácio havia sido inocentado do crime, a vítima não era Alessandra. Ou o álibi dele era falso. -As pessoas têm essa mania de culpar as pessoas erradas por comodidade, para ter quem odiar. – Disse Ester. Nesse momento um trovão gritou no céu enquanto um raio clareou a noite escura. -Você precisa ir menina, senão vai pegar uma tempestade. -Obrigada dona Ester. Obrigada mesmo. -É bom ajudar, agora fique longe disso. Maria assentiu e se despediu de Jessica. Ao invés de ir para casa, Maria foi para outro lugar. Precisava olhar bem para o castelo e decidir de uma vez por todas em que lado acreditaria, na inocência ou culpa de Inácio. Isso era ridículo, ela sabia, ia cair uma tempestade, o portão estaria trancado e podia ser imensamente perigoso. Sem falar que Inácio não abriria a porta para conversar cara a cara com ela, e menos ainda falaria de sua breve prisão com uma estranha, mas Maria sentiu que precisava estar lá e seguiu o conselho de Cláudia, o primeiro conselho dela, seguiu seu coração. Caminhou receosa até o portão e encarou a torre esquerda, como sempre, o castelo estava totalmente escuro, empurrou de leve o portão e ele abriu. Na mesma hora em que outro raio cruzou o céu e a tempestade começou a cair. Maria correu para tentar escapar da chuva na varandinha da frente do castelo. Parou de costas para a porta de entrada encarando o quintal e a chuva forte, quando um barulho atrás dela a fez congelar, o barulho da maçaneta girando. A porta fora destrancada. Maria ouviu o barulho da chave e o ranger da porta. Respirou fundo e virou-se lentamente para trás, a porta estava um pouco aberta. Ela caminhou até a porta e empurrou, permanecendo do lado de fora. Percebeu uma luz fraca lá dentro e caminhou até a entrada. -Olá. – Chamou ela, mas não teve resposta. – Inácio, está tudo bem? O barulho de uma porta batendo acima de onde Maria estava respondeu que Inácio apenas abrira a porta, mas não estava lá para recebê-la. Maria ponderou se ia embora naquele temporal ou esperava a chuva passar ali dentro, mas como sabia que não resistia àquele lugar, acabou fechando a porta atrás de si, percebendo que a luz vinha de várias velas colocadas em castiçais pela parede. A parede tinha um papel verde velho e uma escada seguia para cima. Maria subiu vagarosamente a escada de madeira barulhenta chamando por Inácio. Por fim desistiu e foi andando pelo castelo. Na parte de cima não havia velas, provavelmente Inácio não esperava que ela subisse, desceu novamente alguns degraus e tirou um castiçal do corrimão para iluminar seu caminho. A parte de cima do castelo era igualmente velha e sem vida, havia três portas fechadas e uma sala enorme. Maria ia até ela, mas então se lembrou de que Inácio sempre ficava na torre esquerda no terceiro andar. Como ela devia
estar no segundo andar, voltou para a escada e subiu novamente. Lá em cima havia duas portas enormes. A do lado direito era decorada de um vermelho ainda vivo, Maria entrou e se deparou com um quarto enorme, mas vazio. Não havia nenhum móvel nele. Ela saiu novamente e foi até a porta branca. Embora estivesse desbotada em algumas partes, era linda. Maria tocou a maçaneta e vários desenhos da porta, pareciam de ouro. Ela tentou abrir a porta, mas estava trancada. Lá dentro o barulho de alguma coisa caindo assustou Maria. -Inácio. – Chamou ela. Seu coração batia tão alto que ela pensou que Inácio também estaria ouvindo. -Inácio está tudo bem? Por que abriu a porta para mim? Ela esperou uns minutos, mas ele não respondeu, Maria podia ouvir seus passos, como se ele estivesse andando de um lado para o outro. -Você não vai falar comigo? Acho que devo ir embora, desculpa. Assim que se virou, uma voz falou lá de dentro: -Não vá, a chuva está muito forte. Maria sentiu seu coração acelerar ainda mais, mas dessa vez não era de medo, ela estava emocionada por ouvir a voz dele. Era tão parecida de como a voz dele era no sonho dela! -Por que abriu a porta para mim? – Perguntou novamente ela. -Está chovendo muito. Maria não respondeu, sentiu-se perdendo a força nas pernas e se abaixou encostada na porta. Depois de um minuto de silêncio, Inácio falou novamente: -Não entendo porque veio aqui tão tarde e com esse tempo. Maria percebeu que a voz dele estava mais próxima, ele provavelmente estava encostado na porta também. -Se não estava esperando por mim, por que o portão aberto? -Eu o abro todos os dias para você, hoje me esqueci de fechar. Maria riu. Mesmo após dias sem aparecer, ele esperava por ela. -Obrigada. – Disse ela. Ela tocou a porta de leve, era o contato mais próximo que conseguia de Inácio em dias. -Inácio, me diz uma coisa, foi você quem me guiou no dia do apagão não foi? Inácio tossiu desajeitado e respondeu: -Não sei do que está falando, eu não saio do castelo. -Não minta. Eu já segui você do mercado até aqui. -Porque você é a pessoa mais curiosa que já conheci. Maria riu. -Pode dizer enxerida, eu sei que sou. Inácio riu baixo, mas não disse nada. Depois de um tempo ele suspirou e disse: -Assim que a chuva estiar você deve ir embora. -É sério? Você abre a porta de entrada da sua casa para mim e não virá me cumprimentar? -Não abuse tanto da sorte. – Respondeu ele. Maria percebeu certa tristeza em sua voz. -Claro, porque você é muito perigoso não é mesmo? -Você como a curiosa que é já deve saber muito bem quem eu sou. -Talvez eu saiba o que as pessoas acham que você é, mas quem você é? Gostaria de ouvir da sua boca. Maria ouviu Inácio se levantar do chão e se afastar da porta, depois ele gritou:
-Vou pedir que você aguarde a chuva passar lá embaixo, por favor. Ela também se levantou com raiva. -Pode deixar, eu vou sair da sua casa para ser mais seguro para mim. -É você quem sabe. Maria saiu batendo o pé, mas ao olhar a tempestade, sentou-se na escada no primeiro andar para esperar a chuva passar.
Capítulo 08 Na semana seguinte Maria voltou a trabalhar. Decidiu que a melhor forma de descobrir a verdade era com Inácio, e mesmo que ele se negasse a falar diretamente com ela, ela não podia negar que já tinha tido um enorme progresso. Até mesmo Jessica quase surtou quando ela lhe disse o que tinha acontecido e ficou achando tudo muito romântico e misterioso. Maria tateou a caixa de correio, mas não havia nada. Inácio não a esperava de volta naquele dia. De qualquer forma, o portão estava aberto para ela. Esses dias, longe, quase acabaram com a paisagem do jardim, o mato crescera muito e Maria teria muito trabalho para deixar tudo como estava. Em compensação, as flores haviam crescido bastante, e algumas que ela havia plantado já davam brotos. Viu o vulto de Inácio na janela a observando umas três vezes durante o dia. Na saída deixou para ele um bilhete, se queria descobrir a verdade, precisava fazer com que ele falasse. Resolveu pegar leve e não perguntar tudo de uma vez. “Inácio, Desculpa por ter sumido esses dias, mas como você sabe, estava exercendo meu lado “curiosa”. E de novo obrigada por ter aberto a porta para mim aquela noite, não sabe o quanto significou confirmar mais uma vez a pessoa especial e atenciosa que você é. Bom, ás vezes. Tenha uma ótima noite. Maria” No dia seguinte Maria encontrou um bilhete na caixa de correio: “Não se preocupe, vai ser melhor mesmo para você se estiver investigando o que aconteceu aqui. Mas se estivesse fazendo um bom trabalho como curiosa, não voltaria para esse castelo. Quando sumiu, achei que tivesse ficado esperta.” Maria bufou, novamente a mania dele de dizer que ela deveria ir embora e não voltar. Ela respondeu: “Você me faz pensar que foi um erro eu ter voltado, já que não me quer por perto.” No dia seguinte, a resposta a surpreendeu. “É um erro você voltar, mas isso não quer dizer que não quero que você volte.” Maria ficou emocionada com a resposta dele, admitindo que a queria por perto. Chegou a cheirar o papel de tão boba que estava com essa revelação. Então respondeu: “E o que quer que eu faça?” Maria foi na manhã seguinte pegar a resposta até com certo medo, e lá estava: “Continue investigando quem eu sou, e acredite no que as pessoas disserem sobre mim. De
verdade, acredite.” Era como se Maria pudesse sentir a dor dele escrevendo aquelas palavras. Ela percebia que ele não gostava de ser tão sozinho, prova disso era que ele deixava o portão aberto para ela, que do jeito estranho dele, sempre estava por perto quando ela precisava. Como ela poderia acreditar em palavras alheias? Simplesmente respondeu: “Você quer que eu acredite que você é mau. Mas como posso quando sempre está por perto para me salvar? Quando teve tantas oportunidades de me fazer mal, mas nunca o fez? Eu o admiro Inácio Edenhal. E desculpe, mas realmente não posso acreditar que um homem que larga seu título, seu país e sua família por amor, possa fazer mal a alguém. Então me diga você quem realmente é, ou me dê as verdadeiras pistas para que eu possa descobrir.” Quando chegou em casa, Marta estava sentada na sala com cara de poucos amigos. -Aconteceu alguma coisa tia? -Não. É só a Lucena que sumiu. -Como assim sumiu? -Ela não atende ao telefone, ninguém a viu nesses últimos dias e ela parece não estar em casa. Não sei onde ela foi. -Talvez tenha ido visitar algum parente. -Ela não sai sem avisar, muita gente depende dos trabalhos sociais dela. Cestas básicas, aulas, enfim, alguém saberia dela. Maria ficou preocupada e se sentiu culpada por Lucena. No dia seguinte encontrou a resposta de Inácio: “Quero que fique bem, eu não sou confiável. Não quero ser mau, mas já fui uma vez e posso ser de novo. Não suportaria se machucasse você, então não se arrisque. Agradeço a confiança que tem em mim, mas não sei como poderia ajudá-la a descobrir quem sou de maneira mais clara que essa. Por mais que eu não queira, peço que se afaste de mim enquanto é tempo.” Maria respondeu: “Adoraria se as pessoas parassem de me dizer o que devo ou não fazer e me deixassem tomar minhas próprias decisões. Tudo bem Sr. Malvado, será que pode fazer as coisas do meu jeito?” Como era sexta-feira, Maria só leria a resposta de Inácio na segunda, já que ela não tinha costume de trabalhar nos fins de semana, então ele não responderia. Passou o fim de semana com Jessica procurando por Lucena, mas não encontraram nem sinal dela. Na segunda, Maria chegou preocupada ao castelo, e lá estava seu bilhete resposta: “Se faz tanta questão... O que precisa saber para te convencer de que corre perigo perto de mim?” Era a deixa que Maria precisava. Sem pensar duas vezes ela respondeu:
“Gostaria que começasse me dizendo onde está sua esposa.” Maria não sabia explicar o porquê, mas ao chegar ao castelo na manhã seguinte, esperava que Inácio tivesse respondido que haviam se separado, ou pelo menos que não a amava mais. Ela sabia o quanto isso era egoísta da parte dela, mas não queria ler declarações de amor de Inácio para Alessandra. Tateou a caixa de correio, mas não havia nada. Inácio não respondera o bilhete. Ela olhou para a janela da torre esquerda e lá estava ele. Foi até o portão e empurrou para entrar, mas estava trancado. Ela empurrou novamente e olhou para Inácio na janela distante, mas ele simplesmente saiu da janela e fechou a cortina, deixando claro que ela não era mais bem vinda. Ela saiu sem acreditar e sentindo uma dor cortar seu peito. Foi direto para a biblioteca chorar com Jessica a rejeição de Inácio. Na quarta-feira Maria ainda estava com cara de poucos amigos e aquela dor chata no peito. Para piorar, estava com saudade de Inácio e se achando uma idiota por estar com saudade dele, como podia sentir falta de alguém que nem tinha coragem de olhar nos olhos dela? Que nem teve coragem de dizer que não a queria por perto? Preferiu trancar o portão e avistar de longe, da janela, como um covarde. Queria com todo coração odiar Inácio Edenhal pela dor que estava causando a ela, ele realmente era mau, mas não conseguia. Lia toda hora os bilhetes que trocaram, e guardava uma flor murcha do buquê que ele mandara para ela há um tempo atrás. Na noite de quinta-feira, Maria observava a rua da janela do quarto, não chovia, mas o tempo estava fechado como sempre. Foi quando ela percebeu alguém do outro lado da rua, não era o mesmo homem que a observara uns dias antes, estava mais longe, com uma blusa de capuz também, uma blusa que se parecia muito com a de Inácio quando Maria o seguiu do supermercado. Num baque a ficha dela caiu, era Inácio. Maria correu para fora de casa, mas quando chegou à varanda, ele não estava mais na rua. Correu até a esquina, mas nem sinal dele, tinha desaparecido. Ele podia ter ido embora por qualquer lado e Maria sozinha não conseguiria alcançá-lo. Ela não dormiu a noite tentando entender porque ele fora ali, por que a expulsara da vida dele e por que ele tinha entrado na vida dela para começar. De manhã, Maria acordou com gente conversando alto e a tia falando rápido e nervosa com alguém. Levantou-se meio zonza e foi até sala, e para sua surpresa, Marta estava conversando com um policial. -Tia, aconteceu alguma coisa? -Maria esse é Stanley, o policial de Ponta Bela, a boa noticia é que a Lucena apareceu. -Que bom. E como ela está? -Esse é o lado ruim, ela foi atacada e está sob cuidados médicos. -Como assim atacada? Stanley respondeu: -Ela foi agredida. Achamos que fosse um assalto, mas nada dela foi roubado. Ela não tem inimigos na cidade, ninguém com quem teve nenhuma desavença. Bom, quase ninguém, pelo que soubemos ela teve uma discussão com a senhorita e a senhorita Jessica Maurini uns dias antes de desaparecer. Maria gaguejou. -Nenhuma de nós faria nada contra a dona Lucena. -Sabemos, já investigamos e tanto a senhorita quanto a senhorita Jessica, foram vistas em suas respectivas casas no horário da agressão.
-E quando aconteceu isso? -Ontem por volta das onze e meia da noite. Maria sentiu-se congelar, era mais ou menos a hora em que vira Inácio do outro lado da rua. Algo gritava para ela que uma coisa estava ligada a outra. -E a dona Lucena? Como está? Quando poderemos visitá-la? -Ela está no hospital de Ponta Bela no momento, mas deve receber alta amanhã e voltar para casa. -Eu vou passar o dia com ela Maria. Cuide-se. Maria assentiu e Marta saiu com o policial. Ela se trocou e foi falar com Jessica. -Você não está achando que o Inácio atacou a dona Lucena, está? -Não. Só estou achando estranho que ele tenha aparecido na rua quase no mesmo horário. É que não dá para não fingir que ela é a dona da casa mais próxima ao castelo, que ela tem algum parentesco com a Alessandra e que não gosta do Inácio. -Eu sei, é tudo muito estranho. Mas se acredita em intuição, a minha diz que ainda temos muito a descobrir sobre essa história toda. -A minha também. No dia seguinte, Lucena voltou para casa. Marta chegou da casa dela dizendo que ela estava cansada da viagem e não queria ver ninguém, mas Maria fingindo que ia ver Jessica foi até a casa dela. Bateu na porta esperando que Lucena não a abrisse, mas uma senhora que Maria vira algumas vezes nas reuniões de domingo da casa da tia atendeu. -Que bom que chegou menina! Eu preciso fazer jantar para o meu filho, pode ficar aqui por duas horas? Maria concordou e a senhora saiu deixando-a com Lucena. Ela foi até o quarto a passos lentos, não podia imaginar qual seria a reação de Lucena ao vê-la. Talvez a culpasse, ou ainda estivesse muito zangada com ela. Quando apareceu na porta, avistou uma Lucena com vários hematomas e um braço enfaixado. Teve vontade de chorar e correr, mas foi ajudá-la a beber água. Ao vê-la, Lucena se ajeitou na cama de forma mais sentada e fez sinal para que ela se sentasse na ponta da cama. -Como está se sentindo? – Perguntou Maria. -Melhor agora, os remédios cortam a dor. -E onde a senhora se meteu? Procuramos feito loucas, estávamos surtando. -Eu soube que você e a Jessica me procuraram, agradeço a preocupação, mas estava o tempo todo aqui. -Aqui na sua casa? -Sim. Só não queria receber ninguém. -Lembranças ruins? – Arriscou Maria. -Péssimas. E ao mesmo tempo lindas. Mas tristes, com certeza. -O que aconteceu ontem? A senhora não viu quem... -Inácio Edenhal. Maria prendeu a respiração. Tentou segurar para não demonstrar a decepção que sentira. -A senhora o viu? -Ele estava com aquele capuz de sempre. Inácio Edenhal deveria estar preso há muito tempo, mas como é rico, claro que não pagaria pelo que cometeu. O mínimo que poderia ter feito era ter sumido daqui e voltado para o verdadeiro castelo dele, não nos insultar com sua presença abominável. Em Maria doía cada vez que Lucena falava de Inácio com aquele tom de nojo.
-O que ele fez? -Vamos fazer um trato Maria, você me conta a verdade sobre onde viu Alessandra e eu te digo o que Inácio Edenhal é de verdade. Você viu alguma foto dela no castelo? -Não senhora. Eu sonhei com ela algumas vezes, me pedindo ajuda, mas as primeiras fotos que vi dela, foram aqui na sua casa. Lucena ficou agitada e Maria precisou segurá-la para que não se levantasse. -Sonhou com ela? Sonhou com minha menina? -Ela me pedia para tirá-la do castelo. Por isso fiquei tão curiosa. Por isso tenho ido lá. Lucena estava visivelmente emocionada. -Ela está presa no castelo? – Perguntou Maria. Lucena negou, as lágrimas saindo de seus olhos. -Não mais. Eu vou te contar. Maria esperou um tempo até Lucena se recuperar. Depois, Lucena começou a falar. -Na década de 80 eu morava no castelo dos reis de Edenhal, trabalhava como uma das camareiras da rainha Marrie. Alessandra, minha filha, cresceu naquele castelo, na ala de empregados, é claro. Ela era apaixonada desde menina pelo sobrinho do Conde de Edenhal. Eu dizia para ela que tirasse essa ideia da cabeça, que eles pertenciam a mundos diferentes. Com o tempo percebi que o sobrinho do conde, o jovem conde Inácio Edenhal retribuía os olhares de minha filha. Ele estava com quase tudo pronto para assumir o lugar do tio na realeza, quando o romance dele com minha filha foi descoberto. Ele pretendia se casar com ela, mas a família, é claro, foi contra. Ninguém aceitava que ele se casasse com uma plebeia, filha de empregados. Como castigo por eu ter permitido que isso acontecesse, me mandaram embora sem direito a nada e sem um centavo no bolso para voltar para cá. Achei que seria nosso fim, mas o jovem Inácio escolheu Alessandra. Ele largou seu titulo, a realeza, a família. Nos encontrou e veio para o Brasil conosco, terra onde ele nasceu e morou por alguns anos quando era criança. Eles pareciam completamente apaixonados. Inácio atendia cada um dos caprichos de Alessandra, e ela o adorava. Compraram uma casa para mim em São Paulo, mas numa visita nossa a essa cidade, para que eles conhecessem onde eu nasci e fui criada, Alessandra se encantou pelo terreno da Rua Londrina. Ela achava bárbaro ter um riacho no quintal. Imediatamente, Inácio comprou para ela o terreno, e a casa mais próxima a ele para que eu morasse por perto. Alessandra temia que Inácio sentisse falta da realeza, do lugar onde morava, e fosse embora, então mandou construir uma réplica do castelo real de Edenhal, bem menor, claro, mas com a mesma riqueza de detalhes. Inácio e eu achamos meio exagerado, mas sempre era feita a vontade dela. Quando o castelo ficou pronto, eles se casaram e se mudaram para cá. Eu fiquei ainda em São Paulo resolvendo algumas coisas, mas viria morar aqui dentro de um ano, ou dois. Pelas ligações de Alessandra e o que eu achava que conhecia de Inácio, eles eram muito felizes. Alessandra fez amigas aqui, adorava a calmaria da cidadezinha. E Inácio se sentia feliz onde quer que fosse desde que fosse com ela. – Lucena parou de falar, não parecia querer contar a história a partir daí, mas Maria precisava saber o que havia acontecido com Alessandra. -Eu não entendo, se eles eram tão felizes, por que o odeia tanto? Lucena deu um longo suspiro. -Não podemos julgar as pessoas Maria. Nunca podemos achar que conhecemos alguém. As pessoas quase nunca são o que parecem. Um dia, Alessandra me ligou tão feliz, pedindo que eu viesse morar aqui urgentemente, que precisaria de mim. Ela não parava de falar, emocionada, estava esperando um filho de Inácio. Rapidamente dei um jeito de vir para a cidade. Ela tinha me dito que esperaria a minha chegada para contar ao Inácio, mas acho que não conseguiu segurar. Ela estava tão
feliz com um filho, mas ele não. – Lucena chorava e parou de falar. -Tudo bem dona Lucena, não precisa terminar, a gente conversa outro dia. Não fique tão nervosa. -Não, tudo bem, eu preciso falar. Ele não aceitou o filho. Acho que pensou que teria que dividir a atenção de Alessandra com mais alguém. Uma noite antes de eu chegar aqui, eles brigaram e ele surtou. Ele... Esse monstro assassinou minha filha, ele a fez em pedaços e espalhou pela rua como se fosse uma coisa qualquer. Maria abraçou forte Lucena, as lágrimas também saíam de seus olhos por sentir a dor de Lucena, a dor de Alessandra, e a dor dela, por Inácio ser o homem cruel que dizia ser. As palavras dele, “acredite no que as pessoas disserem sobre mim” estavam na cabeça dela agora, mas ela simplesmente não conseguia acreditar. -Por que ele não foi preso? – Perguntou Maria. -O advogado dele conseguiu um álibi, mas era falso, foi ele. -Como a senhora sabe que foi ele? -Foi ele! Quem mais poderia ter sido? Eu liguei para a Alessandra algumas horas antes dele... Eu falei com ela e ela estava com ele e os dois estavam discutindo. -E a amiga dela? Isabel Damasceno, que disse que ia revelar o nome do verdadeiro assassino? -Acredito que ela sabia que Inácio fez aquilo, deve ter presenciado, mas ele deu um jeito de calar a boca dela antes que ela cumprisse a promessa de falar a verdade. -Mas ela não disse isso quando o Inácio foi preso? -O que quer dizer Maria? -Nada. É só que, a Alessandra chegou a comentar com a senhora que o Inácio não tinha aceitado o filho? -Não. Mas só pode ter sido esse o motivo. -É que dona Lucena, não faz sentido ele surtar por ter que dividir a atenção da Alessandra com alguém. Se ele a queria só para ele, por que compraria uma casa para a senhora tão perto da deles? -Está defendendo esse monstro? O que foi que ele fez com sua cabeça? -Não, eu só... -Sai daqui! -Dona Lucena... -Saia daqui agora Maria! Fora da minha casa! Maria tentava acalmar Lucena, mas a senhora que saíra duas horas antes havia retornado. E assustada conduziu Maria até a porta. A noite já havia caído, fria como sempre. As nuvens negras cobriam a lua, e deixavam a cidade mais escura que o normal. Maria sentia-se zonza, sem força nas pernas. Arrastou-se até uma calçada e ficou sentada lá com a cabeça entre os joelhos por um tempo, deixando que as lágrimas saíssem de seus olhos. Precisava tirar um pouco da dor que estava sentindo. Ela não podia acreditar naquilo. Inácio não podia ser tão cruel e frio. Ele não podia. Ela não acreditava. Não acreditaria até ouvir da boca do próprio Inácio. Então, tomou uma decisão, iria saber disso da boca dele. Resolveu ir até o castelo, e gritaria se fosse preciso até ele aparecer e lhe falar a verdade. Precisava ouvir da boca dele que ele assassinara sua esposa para que se convencesse e pudesse então odiá-lo. Levantou-se decidida e foi para a Rua Londrina. Como de costume a rua estava mais fria que o resto das ruas da cidade. Assim que entrou nela, sentiu o frio percorrer seu corpo. Era como se avisasse que a noite não seria boa. Quando passou pela primeira casa, sentiu alguém a observando. Começou a caminhar mais devagar e olhou para trás
despistadamente, não havia ninguém. Assim que olhou para frente novamente, um barulho de dentro da casa que pertencia à família Damasceno chamou a atenção de Maria. Alguém estava lá. Seria Inácio? Então ela chamou: -Inácio! É você? Inácio! Ninguém respondeu, mas um vulto passou rapidamente da casa dos Damasceno para trás de uma árvore. Maria foi até a árvore, mas não havia mais ninguém atrás dela. Ela voltou para a rua e correu até o castelo, estava escuro como sempre. Olhou para trás novamente ao ouvir passos na rua, mas ninguém apareceu. Estava começando a se arrepender de ter ido até ali naquela noite. Quando se virou para o castelo novamente viu um homem parado em frente ao portão. Ele usava roupas escuras, óculos escuros e uma toca de lã, de forma que era impossível que Maria o reconhecesse. Ele estava parado, olhando na direção dela, com um machado nas mãos. Maria pensou em perguntar quem era, mas foi coerente e correu, ouvindo o homem correr atrás dela. Ela não tinha muita saída. Tinha vantagem porque corria mais rápido pelo fato do homem correr segurando o machado, mas logo estava perdendo o fôlego. Não adiantaria correr para a cidade, não haveria ninguém na rua com a chuva que ameaçava cair, e a rua mais próxima era praticamente deserta, não era uma rua residencial, então corria o risco de não encontrar ajuda. E não tinha fôlego para correr até a rua residencial mais próxima. Precisava despistar o assassino. Entrou pela casa dos Damasceno e saiu pelos fundos se escondendo atrás de uma árvore enorme. Parou recostada na árvore, sua respiração estava alta, ela tentava fazer silêncio, mas estava muito cansada. Prestou atenção e não ouviu nenhum ruído de ninguém se aproximando. Arriscou uma olhada para a rua, mas ouviu algo atrás de si, virou-se a tempo de se abaixar e se salvar da primeira tentativa do assassino de acertá-la. Correu novamente, pela rua, não deu para ir em direção à cidade, porque o assassino cortou caminho pela casa dos Damasceno e apareceu na ponta da rua bloqueando sua passagem. Ela voltou em direção ao castelo, sabia que agora estava perdida, o portão estaria trancado e ela não teria como fugir novamente. Então entrou na casa mais próxima ao castelo, a casa de dona Lucena. Descansou um pouco e olhou pela janela, nem sinal do assassino na rua, foi quando ouviu uma respiração por perto, o que significava que ele estava dentro da casa, mas estava muito escuro para encontrá-la. Maria também não enxergava nem um palmo a sua frente. Tinha que sair dali, mas não conhecia a casa, e se fizesse qualquer barulho denunciaria onde estava. Ela segurou o choro e começou a rezar, só um milagre salvaria sua vida naquele momento. Então ouviu um barulho de dentro do cômodo onde estava e correu na direção oposta, para outro cômodo, enxergou outra janela, mas nem teve tempo de chegar nela, trombou com tudo em alguém e ia dar um grito, mas o homem tapou sua boca e esperou um pouco. Depois sussurrou: -Vou tirá-la daqui. – E segurou a mão de Maria a conduzindo por uma porta na parte de trás da casa. Maria reconheceu aquele toque, o mesmo que a guiara na escuridão uns dias atrás. O homem pisava o mais devagar possível, tentando ao máximo não fazer nenhum barulho e Maria seguiu seus passos. Ele a conduziu até o castelo e empurrou o portão que estava aberto. Maria enxergava pouco, não havia luz acesa e a lua estava escondida atrás das nuvens carregadas. Mas pelo fato do homem ter entrado no castelo e trancado o portão, sabia que era Inácio. Sentiu uma súbita vontade de correr, sua mente sabia que provavelmente era Inácio quem a estava perseguindo e isso de fingir salvá-la podia ser um truque para que ela fosse com ele por vontade própria, poupando o trabalho dele de persegui-la. Inácio olhou um tempo para a rua, e olhou em volta, como que procurando alguém. Ocorreu a Maria que justamente quando Inácio apareceu, o assassino sumiu. Seria possível que ele não tivesse escutado os passos de Maria quando ela correu na casa de Lucena? Ou que não tivesse
escutado o barulho de quando o corpo dela se chocou contra o de Inácio? O mais prudente seria se afastar dele, mas ela não conseguia. De alguma forma ele lhe passava segurança. Ele ficou ainda um tempo parado de costas para ela, olhando a rua e examinando. Maria esperava que ele se virasse já com o machado em mãos para terminar seu serviço, mas quando ele se virou, não tinha nada além das chaves na mão. Pegou novamente a mão de Maria e a levou para dentro do castelo correndo, entrou e trancou a porta. Dessa vez as velas da parte debaixo da casa estavam apagadas. Inácio passou por Maria na escada e ela pôde sentir o calor do corpo dele devido à correria. Ele a puxou pelo braço para o segundo andar, que ainda não tinha nenhuma vela acesa. E subiu mais um lance de escadas a levando para o terceiro andar, onde uma porta aberta revelava alguma luz de dentro do cômodo. Inácio a arrastou para esse cômodo e a soltou. Ela estava no quarto dele. Vários castiçais com velas iluminavam o cômodo. O papel de parede estava manchado, a enorme cama com detalhes a ouro, desforrada. Pensou que Inácio estava deitado antes de ir socorrê-la ou persegui-la. -O que estava fazendo nessa rua à essa hora? – Perguntou ele. Sua voz estava aparentemente alterada, e seu braço estava rígido, com os punhos cerrados, apoiados na cômoda diante dele. Ele estava de costas para Maria, mas ela pôde ver que ele usava uma camisa larga, manchada, cor de creme e uma calça mais larga ainda, de um tom marrom. Maria se perguntou como ele trocou de roupa tão rápido. Percebeu que ele era mais alto do que ela se lembrava do mercado, e os ombros mais largos, indicavam que era ainda mais forte. Como ela não respondeu, ele falou: -Você faz ideia que podia estar morta? -Mas você me salvou. – Respondeu ela baixo, mais para ela mesma do que para responder a pergunta dele. -Não tenha tanta certeza. Você viu quem te atacou? Mas Maria estava com o pensamento em outra coisa, no fato de que não poderia ter sido Inácio que a perseguira. Além da roupa ser diferente, ela foi até a cama desforrada dele e passou a mão, estava quente. Ele estava realmente deitado há pouco tempo. -Como sabia que eu estava em perigo? Eu não gritei. Ela viu Inácio enrijecer ainda mais o corpo. -Eu a vi correndo, pela janela. E acho que vi alguém atrás de você. -Acha? -Eu não tenho certeza. As coisas ficaram um pouco confusas. Você viu quem a perseguia? -Não. Não deu para ver nada, estava muito escuro. Inácio assentiu ainda de costas. -Você tem como ligar para alguém vir te buscar? Não é seguro voltar sozinha. -Por que foi me salvar? – Perguntou Maria de repente. Inácio parou de se apoiar na cômoda e ficou reto, então Maria pôde perceber que ele não tinha o mesmo físico do homem que ficou frente a frente com ela há pouco. Ou será que tinha? Talvez as roupas escondessem um pouco a largura do ombro. Afastou esses pensamentos quando Inácio começou a responder. -Eu não sei. Maria caminhou até ele, mas ele virou-se de forma que não ficasse de frente para ela. -Você se importa. É a terceira vez que me ajuda. Você se importa comigo. Por quê? -Eu não me importo. – Respondeu ele impaciente. Maria andou para frente dele, mas ele virou-se novamente.
-Fala sério! Você salvou minha vida e agora vai ficar com esse joguinho de não olhar para a minha cara? Inácio permaneceu virado de costas, mas Maria deu a volta e ficou finalmente de frente para ele. Dessa vez ele não se virou, mas também não encarou Maria. Ficou com a cabeça baixa e a cara fechada. Maria viu seu cabelo escuro, liso, estava despenteado, provavelmente ele não tinha o costume de pentear os cabelos. Também não cortava, porque estavam muito compridos, quase no meio das costas. Mas eram lindos. A barba também cobria quase todo seu rosto. Por isso Maria não viu seu rosto quando ele a salvou no lago. Apenas seus olhos se destacavam, de um intenso azul, que mesmo na noite e com pouca luz, podiam ser vistos de longe. Sem perceber, Maria já estava tocando o rosto dele. Ele fechou os olhos por um instante, e apoiou a cabeça na mão de Maria, mas depois tirou a mão de Maria e se afastou novamente. Maria já havia sonhado com ele várias vezes, mas nunca o imaginara tão largado. De qualquer forma, nunca o imaginara tão charmoso e bonito. Inácio sentou em sua cama olhando para Maria. Parecia que o medo dele de olhar para ela de frente havia passado. -Eu não queria nada disso, não queria que entrasse nem em meu quintal, menos ainda na minha casa. Isso não vai mais acontecer Maria. Maria sentiu um calor percorrer seu corpo quando ele disse seu nome. -Obrigada. Mais uma vez. Você deve mesmo ser meu anjo da guarda. Inácio se levantou num rompante e a segurou pelos ombros. Maria sentia a raiva nos olhos dele. -Eu não sou seu anjo, eu não sou bom. Você teve sorte e eu nem tenho certeza que não fui eu que ataquei você. Maria teve medo. Inácio a apertava e estava machucando. -Está me machucando. – Reclamou ela. Ele soltou-a imediatamente com ar de arrependimento. -Desculpa. -Devo estar diante do primeiro homem mau que pede desculpas quando machuca uma mulher. – Provocou ela. -Eu já disse... – Inácio ia repetir que não era confiável, mas Maria o interrompeu falando mais alto. -Me escuta! Eu ouvi muitas coisas de você, você me pediu para acreditar, ótimo! Então devo acreditar em tudo, tanto as coisas ruins quanto as boas. Você não me atacou agora, quem fez isso usava uma roupa diferente e era menor e mais magro que você. Sua cama está quente, você estava deitado. Então não se culpe por isso. Inácio parecia perdido, como se ele tivesse certeza que tinha atacado Maria e agora não fizesse sentido não ter sido ele. -Inácio, o que está acontecendo com você? Qual o seu problema? Eu vi você na minha rua a noite, na quinta. O que foi fazer lá? Foi me espionar? -Fui ter certeza que estava bem. Maria sentiu uma pontada de alegria em seu peito. -Então por que correu de mim? Por que não tocou a campainha como alguém normal e me perguntou como eu estava? -Porque eu não sou normal! – Gritou ele. – Eu fui ver se você estava bem, mas não queria contato com você. -Não dá para te entender. Se você não se importa, por que foi até lá?
-Eu me importo. – Respondeu ele. – Mas isso não significa que esteja segura comigo. Maria estava ainda mais confusa. -Você viu a dona Lucena na noite de quinta? Maria pedia que ele dissesse não, só precisava disso para ter certeza que ele era inocente de todo o resto. -Sim. – Respondeu ele. Ela respirou fundo. Queria perguntar o que ele tinha feito com ela, mas não teve coragem. -Não sei mais o que fazer para te manter longe Maria. Você quer saber quem eu sou não quer? -É só o que eu quero, mas quero ouvir isso da sua boca. -Muito bem. Você me perguntou pela minha esposa, onde ela está. Quer mesmo saber? Ela não está aqui, ela está morta. Eu a matei. Inácio abaixou a cabeça quando disse isso, o que foi bom já que ele não viu a expressão de horror no rosto de Maria. -Você não... -Sim! Eu a matei! Eu matei a única mulher com quem eu me importava! E agora eu me importo com você, então sugiro que vá embora e não volte nunca mais! – Inácio gritava. Maria permaneceu imóvel, achava que bastaria ouvir da boca dele para acreditar e odiá-lo, mas agora percebia que não bastava. Não conseguia acreditar. Inácio levantou-se na direção dela e Maria se afastou com medo. Seu coração acelerou a um ponto que ela achou que fosse saltar pela sua boca. Inácio também ouvia o medo dela. Parou a poucos centímetros dela, com a mão estendida, então Maria percebeu lágrimas se formarem nos olhos dele, ele a segurou pelo pulso com muita força e a arrastou para fora do quarto. Ela quase caiu nas escadas pelo modo como estava sendo puxada e a velocidade com que Inácio estava andando. Ele abriu a porta e a levou até o portão. Então a encarou, ela não pode distinguir exatamente o que via nos olhos dele naquele momento, uma mistura de dor, medo, arrependimento, incerteza. Ele parecia não ter muita certeza do que estava fazendo, ou pelo menos, não ter muita vontade de fazê-lo. -Você disse que queria tomar suas próprias decisões. – Ele abriu o portão e olhou para ela encarando seu rosto. – A decisão é sua, se sair, não volte nunca mais. Mas se ficar, não me culpe pelo que pode te acontecer. Maria ainda sentia seu pulso arder pela força com que ele a segurou. Então tomou um impulso e correu, correu o mais rápido que pode para fora do castelo, passou pela rua sem olhar para trás e correu para casa. Para longe de Inácio e de toda aquela loucura. Para longe dessa rua e do medo que ela lhe causara. Para longe de tudo aquilo. Fora a escolha dela, nunca mais voltaria ali, não queria mais ver Inácio.
Capítulo 09 Maria dormiu como há muito tempo não fazia. Na manhã seguinte, não tinha vontade de fazer nada, nem de levantar da cama. A única vez que se sentira daquele jeito foi quando seus pais morreram. Então ela chorou, chorou toda a tristeza acumulada, todo o medo, toda a raiva por seu caminho sair tanto de suas mãos. Por sempre as coisas acontecerem ao contrário do que ela esperava. Esperava que os pais fossem a sua formatura, mas eles se foram no segundo semestre dela na faculdade. Esperava que pudesse seguir sua vida, em seu segundo lar, com Cláudia, mas teve que ir morar com a tia que ela nem conhecia e que não gostava dela. Esperava que Inácio fosse o príncipe que ela sentia que ele era, que fosse corresponder os sentimentos malucos que ela tinha por ele, mas ele era um assassino. Agora ela só esperava odiá-lo com toda força e nunca mais querer ouvir falar dele, mas ainda se sentia triste por não poder vê-lo mais. Decidiu parar de se lamentar e foi para a biblioteca. Assim que a viu, com os olhos inchados, a cara de poucos amigos e despenteada, Jessica se assustou. -O que aconteceu com você? Não dormiu bem? -Dormi. -Comeu alguma coisa hoje? Maria negou com a cabeça. -Então deve ser fome, vou buscar um sanduíche. Antes que Jessica saísse, Maria a segurou pelo braço. -Não estou com fome, preciso falar com você. E assim Maria contou a Jessica tudo o que acontecera na noite anterior, a história de Lucena, a perseguição, Inácio ter aparecido para salvá-la novamente e ter ouvido da boca dele que ele havia assassinado Alessandra. Jessica ficou sem reação, colocava a mão na boca e depois na cabeça. Tentava falar, mas parecia mais perdida que Maria. Por fim, disse: -Você acha que ele assassinou mesmo a Alessandra? -Por causa de um filho? Pouco provável. -Você não pode negar que ele é meio estranho, ele te seguia e cobrou coisas de você quando você nunca tinha sequer conversado com ele. Sei lá, ele é possessivo. -Tão possessivo que comprou uma casa para a sogra bem ao lado da casa dele. E se for para falar de perseguição, eu o segui, invadi o quintal dele, mandei pesquisar sobre a vida dele. E eu não sou uma louca assassina possessiva por isso. -Você não é uma assassina possessiva, mas louca com certeza você é. De qualquer forma não podemos esquecer que ele te salvou duas vezes. E que teve inúmeras chances de fazer qualquer coisa contra você. E que foi ele mesmo que pediu que você investigasse a vida dele e o que ele tinha feito. É muito confuso, o que você acha? -Racionalmente, acho que ele assassinou Alessandra Campelo, mas não por causa de um filho, tem algumas coisas estranhas. Ele pode ter surtado, sei lá. -E o que seu coração diz? Maria suspirou. -Que ele é inocente e que é meu dever mostrar isso para ele. Mas é difícil acreditar que ele é inocente quando nem ele mesmo acredita. -Sinceramente, eu acho que ele é inocente. E acho que você deve parar com essa história agora mesmo e não procurar mais Inácio Edenhal. Mesmo que ele não seja um assassino, não com você
pelo menos, tem algum solto por aí que já te mandou bilhete, carta e te perseguiu e claramente não quer você perto dele. Então Maria, se afaste dele pelo amor de Deus! Maria concordou. Com toda essa loucura da história de Inácio e Alessandra, ela nem se preocupara com ela, com a pessoa que tentava afastá-la de Inácio a todo custo. De qualquer forma não correria mais perigo, porque não veria mais Inácio. -Maria, você não deveria dizer a polícia que foi perseguida? -Não. Pensei nisso, mas contando com o local onde isso aconteceu, quem você acha que seria o acusado? Jessica assentiu concordando. Maria voltou para casa porque não queria ir para a casa de Jessica e ter de bater papo com Ester, ela até gostava de Ester, mas não estava com ânimo para conversar com mais ninguém. Quando chegou em casa o telefone tocava. -Maria! Nunca atende esse telefone! Olha, eu vi que você vai correr muito perigo. -Está atrasada Claudinha, isso foi ontem, mas já está tudo bem. -O que aconteceu ontem? Maria contou por alto da perseguição e que um amigo a salvara. Cláudia surtou e falava sem parar que era Inácio que tinha feito aquilo. Por fim, começou a falar da visão que teve com Maria. -Maria, eu não sei se uma coisa está ligada a outra, mas, você se afastou de Inácio Edenhal? -Sim, eu me afastei definitivamente dele. -Pois é, lembra-se da missão que eu disse que você tinha? De salvar uma alma inocente da condenação? Não sei por que, mas eu vi que você estava no caminho certo, mas de repente se afastou da sua missão. Não que isso seja ruim, porque assim você fica a salvo. Maria ficou um tempo calada pensando, se lembrando do que dissera a Jessica. E se sua missão fosse realmente provar que Inácio era inocente e salvar a alma dele de se condenar da maneira como ele fazia? Mas e se fosse fazer com que Inácio pagasse pelo seu crime e assim fazer com que a alma de Alessandra descansasse em paz? -Maria! Maria está aí? -Sim. -E o celular que eu mandei? Não chegou? -Ainda não. Assim Cláudia ficou mais vinte minutos reclamando de como era um fim de mundo onde Maria estava. Uns dias depois, Maria foi com Marta ao mercado. Assim que chegou, Moisés parou o que estava fazendo e foi falar com ela: -Maria, você sumiu! Não veio mais trabalhar. -Eu falei para ela que você ia ficar chateado Moisés, mas essa menina anda tão preguiçosa. – Reclamou Marta. -Você está se sentindo bem? – Ele perguntou a Maria. -Sim. -Então vem ver umas coisas novas que chegaram, você vai gostar. Assim Moisés a arrastou até o corredor de frios e falou baixo: -Você não está mais indo para aquele lugar assustador? -Não Moisés, não vou mais lá. -Fico muito feliz, Maria. Você não estava segura lá. -Eu sei.
-Ele fez alguma coisa com você? – Perguntou ele preocupado. -Ele quem? – Maria se sobressaltou, será que mais alguém sabia que Inácio permanecia na cidade além dela e de Jessica e Lucena? -O assassino. Inácio Edenhal, ele te machucou? -Não. Como sabe que Inácio Edenhal ainda vive no castelo? -Eu liguei as coisas, um homem estranho vem aqui de vez em quando comprar algumas coisas e não é ninguém da cidade. E ele anda tão escondido em capuz e blusões que só pode ser alguém que não quer ser notado. E o único que não seria aceito aqui seria esse assassino. Novamente incomodava Maria que alguém falasse mal de Inácio, embora ela soubesse que era verdade. -Tudo bem, não vamos mais falar dele. – Repreendeu Maria. Moisés percebeu que Maria ficou aborrecida. -Maria, ele é um assassino. Ele matou... -Eu sei Moisés. Eu sei o que ele é. Vamos mudar de assunto? Moisés não queria, mas concordou. Maria foi então caminhando de volta para perto da tia com Moisés a tiracolo, quando, saindo de um corredor olhando para baixo, alguém trombou nela. Todos no mercado olharam, mas o olhar de pânico foi de Moisés e Lucena, que acabara de entrar no mercado. Inácio havia trombado com Maria de novo. Ela ficou imóvel e ele pegou suas coisas que caíram e foi para o caixa sem nem cumprimentá-la. Maria não sabia se queria brigar com ele, ou chorar, ou correr e segui-lo novamente, então imitou a atitude dele, fingiu que não o conhecia e foi para perto da tia. -Mas quem é esse homem? – Perguntou Marta. -Não sei. Deve ser de alguma cidade vizinha. – Respondeu Maria. Assim que Marta se afastou, Lucena a puxou num canto. -Fico muito feliz que tenha se afastado desse monstro, Maria. Maria assentiu, todo mundo parecia muito feliz que ela não visse mais Inácio, menos ela. -A senhora está bem? Já pode andar desse jeito? -Estou bem, só com um pouco de dor no braço. E esses hematomas horríveis no rosto. Tem uma coisa que não te contei, o dia em que me fizeram isso, eu estava indo ver você. -Me ver? -Sim, ia falar francamente com você sobre o assassino Inácio Edenhal, mas ele me encontrou antes que eu te encontrasse. Fazia todo sentido. Maria vira Inácio minutos antes de Lucena ser atacada perto da casa dela, Lucena estava indo para lá. E o próprio Inácio confessou ter visto Lucena. Como era possível que Maria soubesse quem Inácio era, mas não aceitasse? -Desculpa dona Lucena. Foi tudo minha culpa. -Não filha, claro que não foi. Você só estava fazendo o que minha filha te pediu. Não se preocupe, ninguém é culpado pela maldade daquele homem. Assim Lucena ainda foi com Maria e Marta para a casa delas e ficou um tempo lá. Depois Maria fez questão de levá-la em casa por precaução. À noite quando finalmente ficou sozinha em sua cama, Maria pôde pensar no que acontecera no mercado. Inácio fingiu que não a conhecia, sequer pediu desculpa por quase tê-la derrubado. Como ele podia ser tão idiota? Maria fazia toda força do mundo para odiá-lo. Pensou tanto em Inácio, que acabou sonhando com ele. No sonho Inácio a perseguia pela cidade, que parecia deserta. Todas as casas estavam em ruínas e
ninguém morava na cidade além dela. Ela não tinha onde conseguir ajuda. Inácio quase conseguia alcançá-la, mas ela sempre desviava. Por fim ela se lembrou de que Inácio sempre a salvava, parou de correr e gritou para ele: -O que está fazendo? É você que sempre me salva, não quem me machuca! Inácio pareceu confuso, mas então se aproximou dela e a abraçou pedindo desculpas. Depois segurou seu rosto e a beijou. Foi um beijo apaixonado e desesperado, como se ele quisesse tanto aquilo quanto ela. Então Maria acordou. Na manhã seguinte, foi até a biblioteca. Pensara muito antes de dormir e chegara a uma conclusão. -Bom dia Maria, por acaso o Moisés veio aqui hoje e me disse que te viu ontem mais de dez horas da noite sozinha na rua. Você não voltou lá não é? -Não Jess, eu fui levar a dona Lucena na casa dela. Ela está com um pouco de medo de andar sozinha à noite. -E você não viu mais o Inácio? -Pelo visto o Moisés te deu a noticia completa. Então já sabe que ele fingiu que não me conhecia e nem olhou pra minha cara. -Não dá para saber quem é mais louco, você ou o conde assassino. -Não fala assim. -O Moisés também me disse que você ficou aborrecida por ele ter falado mal do Inácio ontem. Ele queria saber o que exatamente aconteceu entre vocês. -Espero que não tenha contado, ou o coitadinho vai direto para a policia. Mas você e esse Moisés estão me saindo duas amiguinhas da titia que aparecem para as reuniões de domingo. Fofoqueiros. Daqui a pouco ela aceita vocês lá. Jessica fez uma careta. -Vem cá, esse Moisés te visita todos os dias para falar de mim? -De vez em quando. - Respondeu Jessica corando. -E você está me usando para ficar perto dele. -Claro que não! Eu já falei que ele é velho, não faz meu tipo. Além do mais ele gosta de você. -Que gosta de mim Jessica! Essa é a desculpa que você dá a si mesma para não ir atrás dele? Se você demorar vem outra e pega, essa cidade que não tem nada, nem deve ter homens direito. -Não mesmo. – Concordou Jessica rindo. –Mas eu não sinto nada pelo Moisés, ele é meu amigo. -Então você não se importaria se eu saísse com ele. Jessica ficou vermelha. -Não! Fique à vontade. Mas avisa para ele que você gosta de homens maus. -Jessica! As duas caíram na risada. -Mas voltando ao assunto que você foi vista andando a noite ontem, você está tranquila demais para quem quase foi assassinada, Maria! -Eu estive pensando nisso. O assassino, seja ele quem for, não queria me matar. -A não? E te perseguiu com um machado na mão para quê então? Brincar de esconde-esconde? -Tá, engraçadinha! Pensa Jess, se ele quisesse me matar ele teria feito, ele podia ter feito isso atrás da árvore, na casa dos Damasceno, na casa da dona Lucena. Mas ele não queria. Na hora do pânico eu nem pensei nisso, mas agora, ele só queria me assustar. -E quem teria o trabalho de correr atrás de você com um machado só para te assustar?
-A mesma pessoa que teve o trabalho de mandar uma carta anônima para a minha tia, de me encontrar na rua para me entregar aquele bilhete. Além disso, todo o exagero de me perseguir com um machado, da mesma forma que a Alessandra morreu, e levando em conta o lugar onde estávamos. -Ou era alguém que queria definitivamente que você se afastasse do Inácio, ou era o próprio Inácio. -Eu já disse que não tem como ter sido ele. -Não mesmo? Um assassino profissional... -Ele não é um assassino profissional. – Interrompeu Maria. -Maria olha o que está fazendo! Você está defendendo ele. Se ele for um assassino, não foi só a Alessandra que ele matou sabia? Teve o casal Damasceno e sem falar na surra que ele deu na dona Lucena. Vai continuar apaixonada por ele mesmo se ele for um assassino? -Você não entende! Quem me perseguiu não queria me machucar só que eu me afastasse do Inácio. Ele queria que eu pensasse que foi o Inácio que me perseguiu, ele não contava que o Inácio fosse sair para me salvar, por isso ele fugiu quando o Inácio apareceu. Jessica fez uma expressão de pânico, mas não olhava Maria, e sim para trás dela. Maria seguiu seu olhar e encontrou o que menos esperava naquele momento. Marta estava parada atrás dela, pela cara, tinha ouvido o que ela acabara de dizer. -Você foi perseguida? -Não tia, foi só um engraçadinho tentando me assustar. -Não me faça de boba Maria! Sabe o que vai ser de mim se alguma coisa acontecer com você? Você é herdeira de uma grande fortuna, vão achar que eu fiz algo para ficar com seu dinheiro. -Tia! -É verdade! E que papo é esse de se encontrar com Inácio? Que Inácio é esse? -É um amigo. -Um amigo? Não mora nenhum Inácio na cidade. Eu vou agora mesmo tirar essa história a limpo. – E saiu pisando duro. Maria ficou o dia inteiro com Jessica para não ter que voltar para casa. Quando anoiteceu ela e Jessica tomaram um sorvete e foram andando para a casa de Jessica. -Deixa que eu levo você em casa e volto sozinha. – Falou Jessica. -Qual o sentido? Sua casa é aqui perto e a minha do outro lado. -Eu não estou correndo risco de vida. -Muito engraçadinha. -Sério Maria, deixa que eu te levo. -Não Jessica! Você mora para cá. Eu moro do outro lado, não tem porque você dar essa volta. -Mas eu posso te levar. – Falou uma voz atrás de Maria. – Aproveitamos e conversamos sobre sua tia. -O que ela fez Moisés? - Perguntou Maria, preocupada. -Foi me perguntar quem era Inácio. -E você disse? -Eu deveria, para o seu bem. Mas não, eu disse que não conhecia, mas ela perguntou para o meu gerente e descobriu que você não estava trabalhando comigo. Maria e Jessica respiraram fundo. -Se quiser dormir lá em casa para ter mais um dia de vida Maria. – Brincou Jessica. -É, estou pensando seriamente nisso.
-Não é só isso Maria, ela tanto perguntou, que descobriu quem é Inácio. Maria e Jessica engasgaram. -Como? -Com o próprio. Ela o viu no mercado, o abordou e descobriu quem era. Aí ela saiu furiosa para te procurar. -Droga! Maria já se sentia morta pela tia, ou no mínimo, surda, de tanto que ela gritaria. -Vem, eu te levo em casa, para o caso de precisar de proteção. -Valeu Moisés, vamos. Maria se despediu de Jessica, que fechou a cara e foi embora. Moisés colocou o braço dela no dele e foram andando. Ele fazia piadas e brincava, dizendo que queria descontraí-la em seus últimos minutos de vida. Quando passaram pela praça rindo alto e de braços dados, Maria se assustou com um homem que levantou de um banco da praça de repente na frente deles. Inácio a encarou, depois encarou Moisés e saiu, sem dizer uma palavra. Maria teve o impulso de segui-lo, mas Moisés a manteve firme. E voltaram a andar, embora Maria tivesse olhado para trás umas três vezes antes de saírem da praça. -O que aconteceu entre vocês foi mais forte do que eu pensava. -Não aconteceu nada entre a gente. -Você está conseguindo tirar Inácio Edenhal daquele castelo onde ele vivia trancado. E quando olha para ele fica toda diferente. -Eu tenho medo dele. -Não é o que parece. E por que ele parece ter ciúmes de você? Maria ficou feliz por Moisés também ter percebido isso, mas tentou esconder. -Ele não sente. Não sente nada por mim. -Onde estava no dia em que apareceu toda molhada? Maria parou e olhou para ele, já ia repreendê-lo por ser tão intruso, mas ele percebendo, se explicou. -Acho que tenho o direito de saber certas coisas depois do tanto que menti para te ajudar, Maria. Ela não teve argumentos, era justo que ele soubesse. -Eu caí, no riacho que fica atrás do castelo. E o Inácio, me salvou. Moisés estacou. Pareceu não acreditar no que ela dissera. -O assassino salvou alguém? Isso é uma novidade. Maria fechou a cara e continuou andando. Chegando a casa, procurou, mas a tia não estava. Moisés ficou parado na porta. -A minha tia ainda não chegou, entra Moisés. -Você está sozinha? -É o que parece. -Então não pega bem se eu entrar. -Você não está falando sério! -Estou. A cidade inteira vai comentar se virem nós dois sozinhos na sua casa. Inclusive sua tia não vai gostar nem um pouco disso. -Então aqui a amizade entre homens e mulheres ainda é mal vista. E todo aquele papo de me proteger da minha tia? -Vai dormir antes que ela chegue e estará tudo bem. -Você está fugindo, seu covarde. – Brincou Maria.
-Se precisar, grita. – Respondeu Moisés brincando e foi embora. Maria mal terminara seu banho quando Moisés entrou gritando na casa dela. -O que foi? Por que esta gritando? Então viu o que ele carregava, sua tia estava coberta de sangue. Maria entrou em pânico. -Tia, tia o que aconteceu? -Fica com ela que eu vou buscar um carro para levar ela para o hospital de Ponta Bela. -Mas essa droga de cidade não tem nem hospital! Tia, fala comigo. -Está doendo. -Nós já vamos levá-la a um hospital. O que aconteceu? -Eu não sei direito, estava vindo para cá para ter uma conversa com você, e senti alguma coisa na minha barriga. Alguém me esfaqueou. -Quem? -Eu não vi, não deu tempo, ele saiu de trás de uma árvore de repente. Nem deu tempo de me assustar antes de sentir a faca. -Ele? -Sim, era um homem, mas usava um capuz. Maria caiu de joelhos no chão sem forças para permanecer de pé. Ela vira Inácio com seu usual capuz poucos minutos antes disso acontecer, de novo. E a tia o tinha afrontado naquele mesmo dia, mais cedo. Por que Inácio sempre estava no lugar errado, na hora errada? Moisés chegou com o carro e pediu que ela pegasse os documentos da tia. Então foram para o hospital. Maria passou a noite no hospital e Moisés ao lado dela. Por volta das duas da manhã, pediu a Moisés que fosse embora, pois ele precisava acordar cedo na manhã seguinte. Ele resistiu, mas acabou concordando. Ela se sentou em uma poltrona da sala de espera e aguardava por noticias, quando por fim, o médico veio: -Você é a sobrinha de Marta Ferraz? -Sim. Como ela está? -Ela está bem, o corte não foi tão fundo. Ela levou alguns pontos e foi medicada, mas precisa ficar em observação. -Eu posso falar com ela? -Pode vê-la, mas ela está dopada, vai dormir até amanhã. Eu queria falar com você sobre o que aconteceu. Nesses casos, temos que chamar a policia e fazer um boletim de ocorrência. -Claro. Tudo bem. O médico saiu e Maria sentou-se novamente, estava exausta. A policia chegaria, e como Marta tinha brigado com Inácio, na frente de um monte de gente, ele seria o culpado. Sem falar que ligariam o fato ao de dona Lucena, que tinha certeza que fora Inácio. E o que ela não queria aceitar, mas não tinha escolha, realmente fora Inácio. E o melhor era que a policia chegasse até ele e o prendesse, para que elas ficassem a salvo. Quando o dia estava quase amanhecendo, avistou um homem alto, com seu usual capuz na recepção, que estava vazia àquela hora, assim que se virou, viu que era Inácio, e nem soube de onde tirou força, mas se levantou da poltrona e partiu para cima dele. -O que está fazendo aqui? – Ela tentou bater nele, mas ele segurou facilmente suas duas mãos e a empurrou para um canto, prensando-a contra a parede. -Para de gritar. -O que você quer? Veio conferir se dessa vez terminou seu serviço?
-Do que está falando? -Do que você fez com a minha tia. Inácio parecia confuso. Maria respirou fundo e o empurrou. Andou e sentou-se novamente no banco. Inácio sentou-se ao lado dela. -O que aconteceu Maria? Por que está aqui? -Jura que não sabe? Minha tia foi esfaqueada. Inácio ficou um tempo em silêncio, depois assentiu. -E você acha que fui eu. -Todo mundo acha, ela brigou com você ontem e nós te vimos perto da minha casa minutos antes. -É o que você acha? -Não, não é o que eu acho. Eu acho que você está sempre por perto na hora errada. Inácio deu um meio sorriso. Era a primeira vez que Maria o via sem a expressão sombria no rosto. -Eu não entendo como funciona sua cabeça. Por que ainda não acredita no que eu sou? Por que ainda me defende? -Eu não consigo. Eu sei que você é mau e que faria isso, mas eu não aceito. -Não aceita? – Inácio deu seu primeiro sorriso, não um sorriso leve, mas um sorriso carregado por uma sombra. Mesmo assim não deixava de ser o primeiro sorriso que Maria via no rosto dele. – Como ela está? -Bem, não foi nada grave. Mas a policia virá aqui. -E você vai dizer que fui eu. -Eu vou dizer a verdade. Que eu não sei de nada. Inácio a encarou. -Se não veio ver se terminou seu serviço, o que veio fazer aqui? – Perguntou ela. -Um pagamento. -Um pagamento de quê? -Não seja tão curiosa, Maria. Inácio se levantou e Maria num impulso, segurou sua mão. Rapidamente percebeu e o soltou. -Não faz isso. Você sabe que eu vou descobrir de um jeito ou de outro, me polpa o trabalho. -Eu vim pagar a internação de uma pessoa. -Tem algum parente doente? -Não exatamente. Está na área psiquiátrica. Maria pensou um pouco, quando Inácio ia sair, ela disse: -E ela não é sua parente. Inácio virou-se para ela surpreso. -Como pode saber? -Você paga a internação de Vitória Damasceno. -Você é muito esperta. – Respondeu ele saindo. Maria estava muito mais calma, de alguma forma, acreditava que não fora Inácio que atacou sua tia. Mesmo que tudo levasse a crer que era ele. Depois de alguns minutos, ele apareceu de novo. Foi direto para a saída. Ela o acompanhou com o olhar, mas não o chamou. Mesmo assim, ele parou, virou para trás e foi até ela novamente. -Espero que sua tia melhore logo. E Maria, pare de andar sozinha a noite. É preferível que ande com aquele seu namoradinho. Ela percebeu a raiva dele ao dizer aquilo. -Tá. – Respondeu.
-Você já tem alguma pista de quem a perseguiu naquela noite? -Não. Não estou preocupada com isso. A expressão de Inácio passou rapidamente de calma a carregada novamente. -Como não está preocupada? Você quase foi... Não tem amor a sua vida? -Eu sei que você vai estar lá para me salvar. Inácio bufou, ficava irritado com a fé que Maria tinha nele e a calma com que ela tratava um assunto tão sério. -Não conte com a sorte e não conte com o vilão fazendo papel de mocinho para sempre Maria. -Tudo bem vilão, obrigada pelo conselho para salvar minha vida. E obrigada por ficar de olho em mim a noite. Maria percebera que Inácio estava na praça pelo mesmo motivo que aparecia ás vezes na rua dela, verificar se ela estava bem. Ele saiu pisando duro. Perto da hora de Marta receber alta, a polícia chegou e Moisés também veio buscá-las. O policial Stanley foi até Maria. -Nos encontramos de novo. -É. – Concordou Maria. -Perguntas de sempre Maria. Sua tia discutiu com alguém no dia de ontem? Ou teve alguma briga recente? -Sim, ela discutiu comigo, na biblioteca. Stanley a encarou. -Qual seria o motivo? -Ela queria que eu parasse de andar sozinha a noite, porque se alguma coisa acontecesse comigo, a culpa cairia nela. Porque eu sou herdeira da herança do meu pai, e no momento a guardiã desse dinheiro é a tia Marta. -Faz sentido que ela tenha medo. Se alguma coisa te acontecesse ela seria a primeira suspeita. O que mais? Vocês discutiram e o que aconteceu depois? -Depois ela foi ao mercado e foi para a casa. -E por que ela estava na rua à noite? -Não sei. Eu fiquei o dia inteiro na biblioteca. Mas o senhor pode perguntar para ela, ela já acordou. Stanley concordou, mas alguma coisa na forma como ele olhava Maria dizia que ele não acreditava muito nela. -Onde você estava quando o assalto aconteceu? -Ela estava em casa. – Respondeu Moisés – Eu a levei em casa e quando saí da casa dela, encontrei Marta caída na praça. -Você sempre tem um álibi. Sabe que na ocasião da dona Lucena, ela me garantiu que você não faria mal a ninguém. -Ela me conhece bem. – Respondeu Maria. -Ela falou com mais alguém? Aconteceu mais alguma coisa? -Não. – Respondeu Maria. -Mais alguém veio ao hospital? Algum suspeito? -Não. – Maria sentiu uma pontada no peito por mentir quando não tinha certeza que estava fazendo a coisa certa. -Você disse que ela foi ao mercado. Moisés, aconteceu alguma coisa diferente no mercado? Maria encarou Moisés de forma ameaçadora.
-Não. – Respondeu ele não muito firme, o que fez com que Stanley o encarasse por um tempo. -Tudo bem, eu vou interrogar a vitima. Assim que Stanley saiu, Moisés segurou Maria. -O que foi isso? Por que eu menti para proteger um assassino? -Fala baixo. Não foi ele. -Claro que foi Maria. Você o viu. -Por favor, não fala nada. -Maria, é sua tia! -Não foi ele! – Maria disse com tanta certeza que Moisés ficou sem palavras. -Ele esteve aqui não esteve? -Esteve, por acaso é ele que paga a internação da Vitória Damasceno. Você sabia? Moisés ficou surpreso. -Não sabia. Estranho, segunda boa ação do assassino em tão pouco tempo. -Talvez ele não seja o que todo mundo acha que é. -E talvez seja, tome cuidado. De qualquer forma, acha que sua tia não vai contar que discutiu com ele ontem? -Acho que vai. E torço que conte. -Não dá para te entender. Depois de uns minutos o policial retornou da sala de Marta e foi direto falar com Maria, ele a puxou num canto, longe de Moisés. -Você conhece Inácio Edenhal? -Não foi ele. -Não é o que eu estou perguntando. Sua tia disse que a discussão de vocês foi por causa dele. E que discutiu com ele ontem. Você sabia? -Talvez eu tenha ouvido alguma coisa sobre isso. -Eu poderia prender você e o Moisés por mentirem para a policia. -Não foi minha intenção. Mas eu sabia que a culpa cairia no Inácio, e não acredito que ele tenha feito isso. O policial assentiu. -Não faça isso novamente. Lucena Campelo acusou Inácio Edenhal de tê-la agredido. E sua tia também. Qualquer informação que tiver sobre isso preciso que me fale. Maria assentiu e Stanley saiu do hospital. Aí sim Maria ficou confusa, se tudo indicava que Inácio era o culpado, inclusive as vítimas, por que ele ainda não havia prendido Inácio? Uma semana após o acontecido, a cidade ainda não falava de outra coisa. Moisés disse a Maria que Inácio não tinha ido fazer a compra da semana e ninguém mais o vira desde então. Maria ficou se perguntando se Stanley o teria prendido. Mas uma noticia dessa a cidade inteira estaria sabendo e comentando. Ela cuidou da tia com toda paciência que tinha, porque a todo o momento, a tia dizia que a culpa era dela por ter se metido com um assassino. Maria não contestava, porque às vezes pensava o mesmo. Moisés passava na casa dela todo dia e levava guloseimas para ela e a tia. Marta já havia perdoado Moisés por ter mentido sobre Maria e já forçava a situação sempre que podia para que a sobrinha ficasse com ele. Jessica ligava toda noite, e cada vez que ouvia a voz de Moisés ao fundo, inventava uma desculpa e desligava aborrecida. Um fim de tarde, Maria foi se encontrar com Jessica para tomarem sorvete. A menina estava com a cara meio fechada.
-Que tromba é essa? -Nenhuma. -Jessica vou te dar um conselho porque sou sua amiga. Não seja tão burra, se gosta do Moisés, fala com ele. -Eu já disse... -Pra cima de mim, Jessica? Por que não assume? -Você por acaso assume que está apaixonada pelo Inácio? -Eu não estou. É diferente. -Claro que não, por acaso você sonha com ele te beijando por medo? -Eu só estou tentando dizer que você devia falar com ele. -Mesmo que eu estivesse interessada nele, o que não é o caso, não adiantaria nada porque ele só tem olhos para você. Maria estava andando de costas argumentando com Jessica. -Que drama! Como se ele não fosse desistir quando perceber que não quero nada com ele. -Ele já está sacando que seu lance é o conde malvado. – Respondeu Jessica rindo, de repente, parou de andar e arregalou os olhos. Antes que Maria pudesse se virar para trás para olhar o que assustara Jessica, trombou em alguém e nem precisava olhar para trás para saber quem era. A essa altura já conhecia aqueles músculos. -Acho que você faz isso de propósito. – Falou Inácio num tom calmo, quase normal. Jessica continuava com a boca aberta e olhos arregalados. Maria virou-se para ele. Mas não disse nada. Quando Inácio fez menção de ir, Maria falou. -Compra semanal? -Não tive escolha, não tinha mais nada na despensa. -E o jardim? -Está parecendo um matagal. Maria bufou. -Sua mão não vai cair se cortar o mato de vez em quando. -Não gosto daquele jardim. -Por quê? Ele te lembra alguém? – Maria achava que o jardim o lembrava Alessandra e sentia raiva por causa disso, então resolveu provocá-lo. -Sim. Ele me faz sentir sua falta. Ela ficou sem resposta e o suspiro de Jessica fez com que desviasse o olhar para ela. Então Inácio se despediu de Jessica com um gesto e saiu. Maria ficou parada olhando ele se afastar. Assim que ele virou a esquina, Jessica quase arrancou o braço dela. -Ele é lindo! Lindo! Maria! -Eu sei. -Não, ele está ainda mais lindo do que quando era jovem. E aquele corpo? Maria! -Eu sei Jessica, não precisa ficar me lembrando como ele é lindo. -E a voz dele, que sexy! -Por que não vai atrás dele? – Reclamou Maria. -Deveria mesmo. Você passa tanto tempo com o Moisés que deixou o conde malvado sozinho. Bem que eu devia ir lá fazer umas travessuras com ele. -Jessica! As duas riram e foram andando. Jessica não parava de repetir que ele dava mole para Maria e como era romântico ele ter confessado que sentia falta dela.
Maria não conseguia parar de pensar em Inácio. Ficou avoada a noite inteira, e quando Moisés chegou, percebeu que havia algo diferente, mas ela desconversou. Quando dormiu teve um sonho, mas não com Inácio, sonhou com Alessandra. No sonho ela pedia que Maria não desistisse de ajudála. Que precisava que ela a libertasse do castelo. E dizia que ela estava perto de conseguir. Acordou sentindo o medo tomar seu corpo como há muito não sentia. Alessandra estava morta, o que poderia querer dela? Ela se levantou e ficou andando pela casa esperando o dia amanhecer, precisava falar com Lucena. O dia amanheceu com chuva, mas Maria colocou sua capa e foi até a casa dela, deixando um bilhete na geladeira para Marta e o café pronto. Lucena abriu a porta e se assustou ao vê-la. -Filha, aqui tão cedo! Aconteceu alguma coisa? -Não. Desculpa vir a essa hora. -Tudo bem querida, entra. Maria entrou e tirou a capa, Lucena sentou no sofá e ela sentou-se ao seu lado. -Eu tive um sonho essa noite dona Lucena, eu sonhei com a Alessandra. E ela me pediu que não desistisse de ajudá-la e disse que eu estava perto de conseguir. Lucena quase deixou a xícara de café que segurava cair. -Você tem certeza? -Sim. E eu não sei o que isso significa. -Alessandra quer que você volte ao castelo? Não filha, mesmo que seja minha filha que esteja pedindo. – Lucena ficou sem palavras, abaixou a cabeça emocionada. -A senhora acha que pode ser mesmo a Alessandra me pedindo alguma coisa? -Eu não sei, eu não acreditava nessas coisas, mas minha filha, como você poderia saber? -Mas como ela pode estar presa no castelo, se... Não terminou a frase, mas Lucena entendeu. As lágrimas saíram dos olhos dela. -Desculpa dona Lucena, não devia ter incomodado a senhora. -Não, eu quero saber sempre que Alessandra falar com você. O que é estranho Maria, é que antes, há uns anos, eu tive uns sonhos com a Alessandra me pedindo ajuda. Mas eu achava que era por causa da dor que eu ainda sentia. Eu jamais imaginaria que ela estivesse realmente precisando de ajuda. -A senhora acha que eu deveria voltar ao castelo? -Não, é perigoso demais. Mas ao mesmo tempo... Eu não posso pedir que arrisque sua vida pela minha filha que já se foi. -Acontece que é exatamente isso que estou pretendendo fazer. Lucena encarou Maria, mas como ela esperava, não disse a ela que não fosse. -Você tem certeza? – Foi só o que ela perguntou. -Sim. Desculpa, mas não quero sua filha me acordando à noite. Vou tentar fazer o que ela me pede. Lucena assentiu e olhou o relógio. -Se você não voltar antes do almoço, eu chamo a polícia, Maria. Maria concordou e colocou sua capa para voltar ao lugar que há pouco fora seu preferido. Ao lugar que escolheu não ir mais, que jurou que não voltaria. Mas de uma maneira estranha, o destino a empurrava sempre de volta para lá.
Capítulo 10 Maria chegou ao local como se fosse trabalhar, mas estava ansiosa e com medo. Desde a última vez em que estivera ali muita coisa havia mudado. O progresso era Inácio tê-la deixado entrar, mas havia confessado ser realmente um assassino, mesmo que tivesse demonstrado o contrário salvando a vida dela. Também não podia esquecer que procurando Inácio novamente, corria perigo novamente, pois alguém a queria bem longe dele. Ela respirou fundo para deixar tudo isso para lá e empurrou o portão, que estava aberto. Esperava que estivesse trancado já que saiu para não voltar mais. Será que Inácio esperava mais alguém? Ela entrou e empurrou o portão de volta, e quando se virou para frente, Inácio estava na janela da torre esquerda. Ela acenou para ele, que apenas saiu da janela sem responder o aceno. Se aproximou do jardim, o que chegara a ser um lindo jardim agora era apenas mato. Até mesmo suas flores, que ela havia plantado, estavam escondidas em meio a tanto mato. Maria estava tão concentrada no jardim que se assustou quando uma voz falou atrás dela: -O que está fazendo aqui? Inácio estava parado com a cara fechada de sempre. -Apreciando o estrago que minha ausência fez nesse jardim. – Respondeu ela ironicamente. -Achei que tivesse saído para não voltar nunca mais, não foi sua escolha? -Por que o portão estava aberto? – perguntou ela para fugir de responder Inácio. -Por um motivo. Mas primeiro, responda minha pergunta. -Me desculpe Inácio. Eu sei que escolhi ir embora para sempre, mas o que mais você esperava de mim quando você disse... Enfim, eu acreditei que não voltaria aqui, mas não consigo ficar longe. Percebeu um brilho no olhar de Inácio e sua feição se amenizou um pouco. -Você não tranca mais seu portão? Ficou louco? -Eu tranco toda noite. Mas abro pela manhã. -Por qual motivo? -Para você. Maria sentiu-se ruborizar. -Eu imaginei que não abandonaria seu jardim. – Justificou ele. -É. Porque se depender de você ele não vai existir mais. -Se eu cuidasse dele, você voltaria aqui? -Eu imagino que não teria mais o que fazer aqui. Inácio assentiu. -Então por que acha que eu cuidaria? Ela riu e começou a arrancar o mato. Inácio se afastou para entrar em casa, mas Maria não podia deixar. Precisava ficar mais tempo com ele, descobrir mais sobre ele. Precisava saber porque confiava nele mesmo depois de tudo. Então ela falou: -Vai se trancar no seu mundo solitário de novo? Inácio parou e a olhou, parecia surpreso. -Você não vai querer fazer parte dele. -Se eu estou te chamando... Inácio abaixou a cabeça, mas não deu nenhum passo em direção ao lado de dentro do castelo. Maria soltou a tesoura de jardineiro que tinha nas mãos e foi até ele. Então segurou suas mãos e o empurrou para a escada da entrada do castelo, fazendo-o sentar-se. Estranhou o fato de sentir um calor nas mãos quando tocou as dele. Então voltou para o jardim e recomeçou o serviço.
-Você poderia ficar aqui conversando comigo enquanto não tem nada para fazer lá dentro. – Falou ela. -E como sabe que não tenho nada para fazer? -Imagino. Nas vezes em que entrei aí, não vi nada que possa te distrair. -Você não conheceu nem um terço do castelo. -A é? E o que fica fazendo todo dia? -Malhando. Maria olhou para trás, para o físico dele. Os ombros e braços fortes. -Eu deveria ter imaginado. – Falou ela. – Então você tem uma academia aí dentro. O que mais tem aí dentro? -Eu falei de mim, agora é sua vez. O que veio fazer nessa cidade? Ela olhou para trás de novo, surpresa com a pergunta. Não esperava que ele estivesse interessado em saber sobre ela. -Vim morar com minha tia. Meus pais faleceram e eu só posso ter acesso à herança depois dos vinte e um anos. Maria se assustou novamente com Inácio, dessa vez ele estava ao lado dela, arrancando mato também. -Olha você resolveu cuidar do jardim! -Vou apenas te ajudar, não se empolgue. Ela riu e voltou a arrancar o mato. -Sua vez. O que mais tem no castelo? -Muitas coisas. -Tipo? Inácio riu. -Não dá para explicar, depois você entra lá e descobre. Ela adorou a ideia de entrar. Além de tentar descobrir o que Alessandra queria dela, não podia negar que estava feliz por Inácio confiar nela. -Não tem energia, por exemplo. – Falou ela. Inácio riu. -Não, não tem. -E você toma banho frio, não vê televisão, não tem computador e nem geladeira. Como sobrevive? Inácio deu uma gargalhada que fez o coração de Maria acelerar. -Eu leio, faço caminhada aqui dentro, malho e compro comida quase todos os dias. -Não parece muito divertido. -E não é. -Você conversa com mais alguém? Alguma empregada? Um amigo? A expressão de tristeza voltou para o rosto dele e Maria entendeu que fizera a pergunta errada. -É sua vez. – Falou ele – Quanto tempo vai ficar com sua tia? -Um ano. -Então tem vinte anos. -A idade que você tinha quando se casou? A expressão de dor no rosto dele fez Maria se arrepender novamente da pergunta. Inácio se levantou limpando as mãos, claramente pretendia encerrar a conversa. -Não, me casei com dezenove. E não tenho empregada, amigos nem falo com mais ninguém além de você. – Respondeu ele virando-se para sair.
Maria falou mais alto para tentar impedi-lo: -O castelo desse tamanho e você não tem uma empregada? Como consegue arrumá-lo? A pergunta funcionou, pois Inácio parou, mas não olhou para trás. -Também é uma distração. -Arrumar uma casa desse tamanho? E você arruma? Nossa, está pronto para casar! Imediatamente se culpou pelo comentário. Ela nunca dera tantos foras em uma conversa, mas Inácio a deixava nervosa. Ele voltou a andar e ela soltou a tesoura e correu até ele segurando-o pelo braço. -Não, por favor, não vá. Desculpa, eu vou ser mais cuidadosa com as palavras. Inácio pareceu surpreso novamente, ele olhou um tempo para a mão dela segurando o braço dele, então Maria percebeu e tirou. -Há quanto tempo está namorando? – Perguntou ele. -Como? -Há quanto tempo está com o carinha do mercado? -Não, eu não estou com ele. Ele é meu amigo. -Não é o que parece. Ele está sempre grudado em você. Foi te buscar no hospital, por exemplo. -Ah! O policial Stanley te contou. Ele conhece minha tia há anos, fez por ela. Inácio a encarou, curioso. -O que te faz pensar que um policial me contaria alguma coisa? -Ele descobriu que Moisés e eu mentimos para te proteger e não te prendeu mesmo a dona Lucena e minha tia acusando você. Ele com certeza te conhece. E ele estava lá. Então... Inácio riu. -Você é realmente muito esperta. Só não está sendo agora, voltando para cá. Você deveria ir embora... Maria interrompeu o que ela sabia que ele diria e sabia que ficaria chateada. -E não voltar mais e blá-blá-blá. O que você tem de comer aqui? – Falou ela entrando no castelo. Inácio a seguiu. Ela percebeu que a direita da entrada, havia uma porta que estava aberta e dava numa sala enorme, que ela não tinha percebido da outra vez no escuro. Aguardou encarando Inácio que a conduziu pela sala e entraram em uma porta arredondada na cozinha. Estacou na porta ao ver a cozinha. Além de ser enorme, era toda branca, com detalhes a ouro. Os armários, a mesa, as cadeiras, os talheres, tudo rico em detalhes de luxo. Inácio percebeu a fascinação de Maria e ficou sem graça, percebendo, ela desconversou: -Sério que é você que limpa? – Falou apontando para o chão todo branco e em seguida para a parede que era azulejada até o teto, toda branca. Inácio riu e se sentou, deixando que Maria procurasse o que quisesse nos armários. Depois de comerem uns sanduíches sentados à mesa, Maria se perdeu observando Inácio. Os olhos, que eram a única coisa que dava para ver direito no rosto dele, eram lindos. Ficou imaginando o que estaria escondido atrás daquela barba. Inácio, percebendo que ela o encarava, a olhou de volta, fixo na primeira coisa em Maria que lhe chamara atenção, sua beleza. Maria tinha olhos caramelo, a boca bem vermelha e o cabelo marrom comprido em ondas aveludadas. Juntando com a beleza de seu sorriso e seu jeito curioso, ela era irresistível. Depois de um tempo, Maria falou: -Por que não faz a barba? Inácio se surpreendeu com o comentário repentino. -Por que eu faria?
-Para o natal, por exemplo. Para onde você vai? Inácio abaixou a cabeça e não respondeu, levantou-se pegando os pratos da mesa e colocando na pia. Maria ia insistir no assunto quando percebeu que já era quase uma da tarde. Então se levantou apressada. -O que foi? – Perguntou Inácio. -Eu preciso ir ou a dona Lucena vai chamar a polícia. – Respondeu saindo às pressas do castelo. Ela correu até o portão, então correu de volta para a entrada do castelo, onde Inácio a observava. -Obrigada pelos sanduíches e não ficaria chateada se você terminasse de arrancar o mato para facilitar meu serviço. -Você vai voltar? – Perguntou ele, num tom de voz animado. -Se o portão estiver aberto. – Respondeu ela correndo para fora do castelo. Quando dobrou a esquina da Rua de Lucena, Maria a encontrou na porta de sua casa. Assim que a viu, Lucena respirou aliviada. -Menina! Já ia mandar a polícia atrás de você. -Está tudo bem dona Lucena, eu é que perdi a hora. Eu conversei com o Inácio e entrei no castelo, mas ainda não descobri nada que possa estar prendendo a Alessandra. -Você entrou no castelo? -Sim. Mas garanto que da próxima vez que entrar lá, vou achar alguma coisa. -De jeito nenhum! Maria, você não vai mais voltar lá. -Mas dona Lucena, e a Alessandra? -A Alessandra se foi e ninguém sente mais a falta dela do que eu. Mas eu já perdi uma filha naquele lugar e não quero perder mais ninguém. Não precisa se preocupar com a Alessandra, deve ser coisa da nossa cabeça. -Não dona Lucena, eu tenho certeza... -Não Maria! Você está proibida de pisar de novo naquele lugar ou eu conto para a Marta. Você viu o que ele fez com sua tia, é muito perigoso. Maria sabia que não adiantaria discutir, nem tentar explicar que Inácio era inocente. Mesmo porque não tinha certeza que ele era inocente no caso de Lucena. Simplesmente fingiu aceitar e foi procurar Jessica. -Jessica, vai me achar muito louca se eu disser que voltei ao castelo? Jessica séria a encarou. -Com certeza acharia antes de ontem. Mas depois de rever Inácio Edenhal, não. Você está certíssima. -Estou falando sério! Eu estive com ele hoje e acredita que ele ainda deixa o portão aberto para mim? -Bom, já que ele olha para o jardim e sente sua falta, nada mais normal que esperar que você volte. Maria fez uma careta indicando que estava realmente falando sério. -Tudo bem, o que aconteceu hoje? -Eu acho que o magoei três vezes falando coisas que não devia. Acredita que eu falei duas vezes sobre casamento? Não sei o que deu em mim, fiquei nervosa, não sabia o que dizer. -Na falta do que falar, se cale, mas não machuque alguém com palavras tolas. - Repreendeu Jessica.
-Mas eu não podia deixá-lo sair de perto de mim. Eu precisava que ele conversasse comigo. -Há! – gritou Jessica – Você está apaixonada por ele, eu sabia! -Não estou Jessica, é curiosidade. -Curiosidade para quê? Você já descobriu o que queria. Agora, já que está amiguinha dele de novo, aproveita e descobre quem anda perseguindo você. -É, eu tentei, mas ele disse que não conversa com mais ninguém além de mim. -Mas é bom que ele converse, ou o único suspeito de seguir você, será ele. À noite, Maria pensava no que Jessica dissera. Realmente, não havia ninguém novo na cidade, a única pessoa que sabia que mantinha algum contato com Inácio, era o policial Stanley, e dificilmente seria ele quem a estaria perseguindo e tentando afastá-la de Inácio. Por mais difícil que fosse aceitar, a única coisa que fazia sentido era Inácio, que poderia estar perseguindo-a para convencê-la que ele é perigoso. E talvez ele realmente fosse perigoso como dizia que era. O fato era que ele era o principal suspeito de matar Alessandra e confessara o crime, assim como confessara que atacou Lucena. Maria lembrou-se que na ocasião em que foi perseguida, percebeu que não poderia ter sido Inácio, mas depois, analisando com cuidado, ele era o único por perto, como ele sempre estava por perto quando algo acontecia? A mente de Maria dizia claramente que ele era culpado, assim como Cláudia que tinha um sexto sentido incrível, que Maria nunca vira falhar, pediu que ela se afastasse dele. Então por que Maria não conseguia acreditar? Resolveu que no dia seguinte conversaria sério com Inácio. Acordou cedo na manhã seguinte, mas Marta já estava de pé. -Também caiu da cama? – Perguntou Marta vendo-a sentar a mesa. Maria assentiu e reparou que a tia ia sair. Como não perguntou nada, Marta falou. -O natal é na semana que vem. O que vai vestir? -Vamos a algum lugar? -Não. Mas estou pensando em fazer a ceia aqui, o que acha? A gente poderia chamar a Lucena, que vai passar sozinha. A Jessica, com a dona Ester e o Adílson, pai dela, e o Moisés, claro. -Ótimo. Devia mesmo fazer uma ceia só com as pessoas mais próximas. – Animou-se Maria. -Se quer ter algo para vestir é bom que venha comigo a Ponta Bela comprar um vestido. -Eu combinei de passar o dia com a Jessica, será que não daria para eu te dar o dinheiro e a senhora comprar um vestido para mim? Marta fechou a cara, mas concordou. -Se você não gostar do vestido, não me culpe. Maria pegou seu cartão de crédito e entregou a ela junto com a senha. Quando disse que Marta podia usar o cartão para comprar tudo que precisaria para ceia e uma roupa para ela, Marta mudou totalmente de atitude quanto a comprar o vestido para Maria e saiu prometendo que seria um vestido maravilhoso. Assim que Marta saiu, Maria foi para o castelo. Ao chegar, empurrou o portão e foi até o jardim. Olhou para a torre esquerda, mas nem sinal de Inácio. Percebeu que não havia mais mato no jardim, Inácio tinha feito o que ela pedira e arrancado todo o mato. Sentiu-se como uma adolescente boba, mas não conseguia esconder que estava feliz por estar ali e pela proximidade de Inácio. Quase que esqueceu o que foi fazer ali, só quando Inácio se aproximou dela, recordou o medo e a dúvida. Então resolveu que era hora de colocar tudo para fora com ele. Inácio se aproximou e sentou-se na escada da entrada, mas não disse nada, apenas a observou regando as flores. Ela também preferiu acabar o
que tinha que fazer, para depois falar com ele. Quando finalmente acabou, percebeu que ele estava inquieto, então se aproximou dele. -Obrigada pela limpeza no jardim. – Falou sentando-se ao lado dele, que arredou um pouco para longe dela. -Não se acostume. -Eu preciso falar com você. -Percebi que estava séria demais. Não deve ser coisa boa. Maria deu um meio sorriso, mas sabia que sua expressão entregava que o papo não seria fácil. -Quer entrar? -Não, a gente pode conversar aqui mesmo. Sei que não tenho nada a ver com isso, mas essa dúvida está me matando. E sei que esse assunto não será dos mais agradáveis para você, mas preciso que me responda. Inácio abaixou a cabeça. -Vai falar sobre a Alessandra? -Sim. -O que mais quer saber? Eu a matei. Pronto! Quando Inácio disse essas palavras, Maria sentiu raiva arder dentro dela. -Não fale assim. Eu quero saber, eu quero que olhe nos meus olhos Inácio. Por que você matou a Alessandra? Inácio ficou pálido, tentou responder, mas as palavras não saíam. Desviou do olhar de Maria e abaixou novamente a cabeça. Maria percebeu que havia algo estranho. -Você não sabe? Como pode não saber por que matou alguém que você amava? Tem que haver algum motivo. Você estava bêbado, drogado, com raiva, ciúmes, alguma coisa. -Eu não sei. – Respondeu ele. -Como não sabe? Estamos falando da sua esposa! Você nunca se perguntou por que fez isso? -Já. O que mais me atormenta esse tempo todo é não saber por que eu fiz isso, eu não sei! – Gritou ele. -Você ainda a ama? -Eu sempre vou amá-la! A convicção com que Inácio respondeu, sem nem mesmo pensar, fez o coração de Maria doer. Ela percebeu os olhos de Inácio se encherem e resolveu mudar de rumo. -Desculpa por isso. Sobre aquele dia que você me salvou de uma perseguição. Você pareceu surpreso quando eu disse que não podia ter sido você. Por quê? Inácio deu um sorriso sombrio. -Mas depois que você pensou direito, e percebeu que poderia ter sido eu. Aliás, que só poderia ter sido eu, não foi? -Não acho que tenha sido você, mas não tenho certeza. O que você acha? Inácio olhou novamente nos olhos dela. -Eu não sei. Acho que estava dormindo quando ouvi algum barulho na rua e acho que vi da janela alguém te perseguindo. Mas quando eu desci, não me senti muito bem, estava um pouco tonto, as coisas ficaram confusas. Então não tenho certeza que não tenha sido eu. -Como assim as coisas ficaram confusas? Confusas como? -Confusas. Eu tive uma dor de cabeça forte, parei por um momento, por alguns segundos eu não sabia onde estava, eu nem me lembro de ter aberto o portão e entrado na casa da Lucena. Eu voltei a mim quando trombei com você.
Maria percebeu que ele estava ainda mais confuso que ela, e estava sendo sincero. -Está me dizendo que não sabe como saiu daqui e entrou na casa da Lucena? Não sabia o que estava fazendo quando me salvou? -Eu sabia que tinha que ajudar você, mas não sei como cheguei lá. -E a Lucena? -O que tem ela? -Por que você bateu nela? Inácio pareceu surpreso. -Eu não bati nela! -Mas você disse que a encontrou na noite em que ela foi atacada. Inácio ficou pensativo. Seus olhos se perderam em alguma coisa e sua mente parecia não estar mais ali. Depois de um tempo ele falou. -Eu não me lembro de ter encostado nela. Eu vi você e o carinha do mercado, levantei e quando virei a esquina, me encontrei com ela. Mas ela abaixou a cabeça e atravessou a rua, como sempre. Não me lembro de ter conversado com ela. -Então você a viu na esquina, depois da praça. Ela foi atacada na praça. Você tem certeza que não voltou para trás? Porque ela disse que foi você. -Não tenho certeza. Eu desmaiei, mas foi quando cheguei aqui na rua. -Desmaiou? Por quê? Você tem algum problema? -Não. Tenho fortes dores de cabeça, e às vezes isso acontece. Ela não perguntou mais. Estava ligando novamente as coisas. A chance de Inácio ter atacado Lucena era grande, e se ele a havia atacado, com certeza ele também havia perseguido Maria. Talvez ele fizesse as coisas sem ver, poderia ter dupla personalidade? Pensou mais um pouco, havia uma falha, Marta. Marta também jurava que era Inácio quem a tinha esfaqueado, mas Inácio estava bem no dia do ataque dela, e garantiu que não foi ele. Percebeu que Inácio a encarava. -Como está a Lucena? - Perguntou ele. -Ela está bem. Inácio me diga uma coisa, você teve algum desmaio no dia em que minha tia foi atacada? -Não. -E no dia do assassinato da Alessandra? Você se sentia bem? Inácio se levantou. -Por que tantas perguntas? -Por favor, responde. -Não vou mais responder! Não importa, ela está morta! O que quer saber? Eu já disse que a matei, não há mais nada a ser descoberto aqui. – Inácio entrou no castelo e bateu a porta. Maria correu atrás dele e o seguiu castelo adentro. Inácio entrou em seu quarto e deitou-se na cama com a cara enterrada no travesseiro. Maria ficou parada aos pés da cama. Depois, falou. -Quando eu penso em tudo o que aconteceu, o certo seria eu achar que você matou a Alessandra, assim como o casal Damasceno. Que era você quem me perseguia, e tentou me matar aquele dia. Assim como foi você que atacou minha tia e a Lucena. Tudo indica você, tudo se encaixa perfeitamente se você for o culpado. Inácio prendeu a respiração. Finalmente a ficha de Maria tinha caído e ela iria explodir com ele e ir embora para sempre. Se sentou à cama, os olhos cheios, mas controlava o máximo que podia para não chorar na frente dela. Com uma expressão fria, o mais fria que pôde, esperou que Maria dissesse o que ele sabia que era, um assassino. Mas ao invés disso, ela se sentou ao lado dele. Então voltou a
falar com a voz mais calma que ele já ouvira: -Mas meu coração me diz que você nunca machucaria a Alessandra. Que não tem como ter sido você que me perseguiu, assim como não foi você que atacou a tia Marta nem a Lucena. Você já me provou tantas vezes que é bom Inácio. E não é justo que se culpe tanto. Inácio foi pego de surpresa pelas palavras dela, esperava ódio, mas teve misericórdia. Ela acreditava nele. Acreditava que ele era inocente, mesmo que nem ele acreditasse. Maria se sentia melhor dizendo isso a ele. Percebeu que acreditava mesmo que ele era inocente e faria o que fosse possível para provar para ele que estava certa. Inácio teve vontade de abraçá-la, mas apenas segurou a mão quente e delicada dela. Apertou a mão dela entre as suas e disse, com a voz mais baixa e suave. -Sim, eu desmaiei quando a Alessandra morreu. No dia eu não me lembrava de ter encostado nela, mas depois que o susto foi passando, eu comecei a ter flashes, onde eu estava... Eu estava batendo o machado contra ela. Maria enrijeceu a mão quando Inácio disse essas palavras, mas a deixou ainda nas mãos dele. Então ele continuou: -Eu tenho pesadelos, quase toda noite, com você. Eu me vi tentando te afogar aquele dia no riacho, e me vi te perseguindo com um machado no dia da perseguição. Obrigado por acreditar que sou inocente, mas não é justo que se iluda. Eu não sou o que você pensa Maria. Eu sou um assassino. Maria teve vontade de se afastar dele. Tentou se controlar para não gritar, ou correr, como estava com vontade de fazer. Era hora de parar de fugir, para depois ter que voltar de novo. Ela iria até o fim, até se convencer que ele era culpado ou inocente, porque ainda não conseguia acreditar que ele poderia ser mau. Olhou para a expressão de dor no rosto dele, e as lágrimas que ele não conseguiu conter. Ele poderia ter algum distúrbio e realmente ter feito todas essas coisas ruins, ou poderia ser inocente e achar que fez coisas que não fez. Maria resolveu não mostrar para ele a dúvida, queria que fosse firme ao defendê-lo, para que ele pudesse acreditar em si mesmo. -Por que não foi preso? – Perguntou ela. -Porque eu estava na cidade, muita gente me viu na rua, inclusive o policial Stanley. E tecnicamente não daria tempo de eu ter chegado nessa rua, porque eu desmaiei. Mas eu acordei aqui, já dentro do castelo, e não sei se realmente estava desacordado, ou o que fiz nesse tempo. Maria ponderou as palavras dele tentando achar alguma coisa que justificasse sua fé na inocência dele. -E depois, o casal Damasceno? Onde você estava? -Eu não fiz nada a Isabel e o marido dela. Ela era amiga de Alessandra, vivia aqui em casa com a Vitória, a Alessandra e eu chegamos a construir um parquinho nos fundos para ela. -Você não passou mal, ou desmaiou no dia do assassinato deles? -Não. Eu poderia ter certeza que eu não fiz nada contra eles. A Isabel foi me visitar na cadeia e a última vez que a vi foi no enterro da Alessandra. -E por que não tem certeza? -Os corpos dela e do marido foram encontrados dois anos depois no riacho, aquele onde você caiu. Então, pode ter sido eu. -Ou pode ter sido alguém querendo calar a boca dela. Talvez ela soubesse quem realmente matou a Alessandra e o verdadeiro assassino a impediu de contar. Inácio encarou Maria, com certa curiosidade nos olhos. -Ninguém tinha nada contra a Alessandra. Ela estava sozinha aqui. Ninguém nessa cidade faria isso.
-Nem você. Alguém mandou cartas a minha tia e me deu bilhetes dizendo que eu deveria me afastar de você, que estou correndo perigo. Inácio pareceu surpreso. -E você não sabe quem é? -Não. -Pode ser qualquer pessoa da cidade que saiba que estou aqui, e que você vem aqui. Pode ter sido a própria Lucena. Ou o seu queridinho do mercado. Maria não tinha considerado essas hipóteses, mas outra coisa ainda estava ligada a essas cartas. -Eu acredito que a pessoa que me perseguiu não queria me matar, ele teve chance. Assim como quem manda os bilhetes não quer me proteger. Acho que essa pessoa quer me assustar. Quer me fazer pensar que você é perigoso, me fazer pensar que você me perseguiu, e que pode me matar. -Você acha que alguém está seguindo você? Quem? -Eu não sei, você não tem inimigos? Alguém que não goste de você? -Ninguém gosta de mim Maria, eu sou um assassino. -Não fala assim! E eu gosto de você. Mas você não imagina quem poderia querer te ver mal, antes da morte da Alessandra? -Não, eu conhecia poucas pessoas nesse país, mas não tinha nada contra ninguém. Maria, talvez seja mais fácil aceitar que eu... Ela percebeu o que ele diria, e fazia sentido, mas não queria aceitar. -E talvez esteja na hora de punir o verdadeiro assassino da sua esposa. Inácio bufou. -Mesmo que fosse verdade, nós não temos como descobrir quem fez isso. Foi há muito tempo. -Ainda está acontecendo Inácio. E temos como descobrir, porque ele virá atrás de mim. -De maneira nenhuma eu vou aceitar que você se arrisque desse jeito! – Esbravejou Inácio. -Acontece que você não manda em mim! - Falou ela tirando a mão das mãos dele, percebendo que ele não gostara de sua atitude - E eu vou provar sua inocência, ou não me chamo Maria Carolina Medeiros. Inácio se aproximou de Maria e segurou o rosto dela com as duas mãos, olhou-a nos olhos e falou, quase implorando: -Maria, eu nunca me perdoaria se alguma coisa acontecesse a você. Mesmo que não seja eu quem a machuque, mas se você se machucar por minha causa, eu... Maria colocou dois dedos nos lábios de Inácio para que ele se calasse. Tentou se manter concentrada no assunto e não nos lábios dele, então falou: -Então seja meu anjo, como tem sido até agora. Não se tranque no seu mundo de novo. Fique perto de mim. Estar tão perto dela, vendo-a pedir daquele jeito que a protegesse, que não a afastasse, era irresistível para Inácio. Ele faria qualquer coisa, até mesmo o impossível para mantê-la a salvo, para mantê-la por perto. Mas não podia falhar, não podia deixar que nada acontecesse a ela. Percebendo a dúvida nos olhos de Inácio, Maria logo falou: -Não se preocupe comigo. Eu vou ficar bem, desde que prove que você é inocente. Isso é o mais importante agora. Mas por favor, me dê essa chance, dê essa chance a si mesmo. Não me impeça de tentar. Inácio abaixou as mãos, cedendo. -Tudo bem. Mas que fique bem claro que vou dobrar a vigilância com você. Eu vou ficar grudado em você como uma sombra Maria. Seu namoradinho pode não gostar disso.
Maria riu. -Só mais uma coisa, eu preciso que você me avise se voltar a se sentir mal. Inácio assentiu, então pegou a mão dela e beijou. Maria fechou os olhos, sentindo-se acalmar quando os lábios de Inácio tocaram sua pele. Agora ela sabia, não importava o que acontecesse, ela ajudaria Inácio a se libertar da culpa pela morte da mulher que ele amava.
Capítulo 11 Maria se surpreendeu com o vestido que Marta comprara para ela. Ele era de um azul claro perfeito, a parte de cima parecia um corselete com tranças de cetim e a saia era longa e um pouco rodada, com fios prateados. Marta estava muito animada com a ceia e já até tinha convidado todos que desejava no dia. O que preocupava Maria era a animação de Moisés. Marta dissera a ele que ela havia feito questão que ele fosse passar a data com ela, e Moisés a olhava de forma diferente desde então. Estava pensando seriamente em trancar Jessica no quarto com ele. Com a preparação para o natal que seria no fim de semana, Marta a deixou mais livre, ela aproveitou a manhã de segunda, para ir ver Inácio. Quando chegou, o portão estava aberto. Ela entrou e como não o avistou na janela, chamou por ele. Depois de um tempo ele abriu a porta e abriu um enorme sorriso quando a viu. -Achei que não viria essa semana. – Falou ele. Maria percebeu que ele estava suado e com uma roupa colada ao corpo, que raramente usava. -Por que está assim? Não me diga que está limpando o castelo. Inácio riu. Maria percebeu que pela primeira vez o riso dele não era carregado de culpa, ele estava mais leve, de alguma forma, contente. -Não. Estava malhando. -Estou te atrapalhando. – Falou ela. -Não. Claro que não! Entra. Assim, ela entrou e subiu com Inácio. Aguardou sentada na cama enquanto ele foi tomar um banho rápido. Depois ele saiu do banheiro com o longo cabelo molhado e as roupas largas. -Onde vai passar o natal? – Perguntou Maria. Inácio fechou a cara e demorou um tempo para responder. -Aqui. -Você não vai passar aqui sozinho, vai? -Eu não tenho outra escolha. De qualquer forma, eu não gosto de natal. Não comemoro. -Você passou os últimos dez natais, sozinho? -Eu não comemoro natal, é uma noite como qualquer outra. Maria preferiu não discutir, de qualquer forma não podia convidá-lo para passar com ela, porque a tia e Lucena morreriam de desgosto. Ela resolveu mudar de assunto para não deixar a leveza de Inácio sumir novamente. -O que tem no lado direito do castelo? Inácio ficou ainda mais tenso do que estava. -Você descobriu meu segredo. Eu não costumo ir ao lado direito do castelo, então só limpo metade dele. Maria riu. -Continua sendo enorme. Por que não vai ao lado direito do castelo? -Podemos mudar de assunto e falar do seu natal, por exemplo. Vai passar com o carinha do mercado? -Não tenta me enrolar Inácio. Por que não vai ao lado direito do castelo? Por acaso tem corpos mutilados lá? Inácio deu uma gargalhada. Era a primeira vez que Maria o via rir como uma pessoa normal. Não teve como não se sentir feliz também.
-Pode ser. Deve ter muitos corpos mutilados de insetos e bichos que já moraram lá e já morreram. E você? Vai passar o natal com o carinha do mercado ou não? Maria levantou-se, queria ver o lado direito do castelo e Inácio sabia que sendo ela curiosa como era, ia querer saber o que tinha lá. -Por acaso vou passar o natal com ele sim. – Respondeu ela. Inácio mudou de expressão na hora, parecia aborrecido. -Inácio... -Se quer ver a parte direita do castelo, esquece. Você é um anjo, mas não vai me convencer a entrar lá. – Falou ele firmemente. -Eu queria conhecer mais o castelo. Você disse que só conheço um terço dele. Inácio parecia pensativo e irritado. Maria pensou que ele estava ponderando se deixaria ou não que ela fosse ao lado direito do castelo, mas de repente ele falou uma coisa nada a ver com o assunto: -E você já sabe que roupa vai usar para ele? Maria não conteve o riso. -Não acredito. Dá para deixar de ser ciumento e se concentrar no assunto castelo? -Eu só estou curioso. É só você que pode? Maria riu e saiu do quarto indo para o lado direito. Então Inácio a seguiu, ela sabia que funcionaria. -Você não veio aqui ontem por que foi comprar sua roupa? – Perguntou ele. -Não, minha tia comprou minha roupa, assim como foi ela quem convidou o Moisés para passar o natal com a gente. E acredite, ele é muito legal comigo, mas se ela não o convidasse, eu nem me lembraria de convidá-lo. Esperava encerrar o assunto Moisés. Então passou por um corredor repleto de quadros e parou quando viu um cômodo conhecido. O cômodo branco, com a parede de vidro, tinha mais velas que em todos os outros cômodos, e estavam acesas mesmo durante o dia. Avistou um altar com a cerâmica de vidro com pequenos anjos desenhados da parede até o teto, muitas flores, mais velas e uma foto enorme de Alessandra. Mais algumas coisas femininas que provavelmente pertenciam a ela. Lembrou que vira aquela parede do lado de fora do castelo no dia que caiu no riacho e achava que era uma capela. Mas não era. Maria estacou em frente ao altar que Inácio montara para Alessandra. Ele ainda a mantinha viva dentro do castelo de alguma maneira. Inácio tentou se explicar, mas desistiu e não disse nada. Maria estava chocada. Depois de alguns minutos ponderando se estava sonhando ou vendo realmente um altar para Alessandra, falou: -O que você fez? -Sei que parece estranho, mas é assim que a mantenho viva, que a mantenho por perto. -Inácio, isso é exagero, é doença. -Não. Foi a maneira que encontrei de aliviar minha dor. -E de se culpar a cada dia pela morte dela. -Às vezes eu a sinto perto de mim quando estou aqui. É como se ela não tivesse partido totalmente. Maria sentia pena de Inácio, mas mais que isso, estava com raiva por ele ainda “estar” com Alessandra da maneira doente dele. -Claro que sente a presença dela! - Então se lembrou dos sonhos com Alessandra. – Inácio você precisa deixá-la ir. Precisa superar, deixar que ela descanse. -Não posso.
-Claro que pode, você tem que tirar as coisas dela daqui. Se livrar de tudo que te lembra ela de uma forma negativa. -Eu não vou fazer isso Maria! Ela vai continuar aqui comigo. Eu não vou jogar nada dela fora e se você ousar tocar em qualquer coisa desse altar, eu não respondo por mim! Maria se enfureceu ainda mais. -E vai me matar também? Quem sabe assim você não monta um altar doente para mim? -Vai embora! -Nem precisa pedir duas vezes. – Respondeu ela saindo do castelo. Maria estava tão nervosa que caminhou direto para a casa de Lucena, o último lugar que pensaria em ir ao sair da casa de Inácio numa situação normal. Bateu impaciente na porta e, quando finalmente Lucena atendeu, já estava com os olhos cheios. -O que houve filha? Por que está chorando? Maria entrou e se sentou ao lado de Lucena que acariciava suas mãos numa tentativa de acalmá-la. -Não estou chorando dona Lucena, é que estou assustada. -Com o que? Não me diga que voltou aquele lugar! -Sim, mas não estou assustada pelo que a senhora está pensando. -O que aquele monstro fez com você? Por que foi voltar lá Maria, eu avisei. -Eu tinha que descobrir porque tenho tantos pesadelos com a Alessandra. E é por isso que estou assim, eu descobri. Eu sei por que ela se sente presa no castelo, o Inácio. -O que ele fez? – Lucena agora estava tão apreensiva quanto Maria. -Ele fez um altar para ela. Ele montou um altar com velas, fotos e objetos dela. É como se fosse um santuário de adoração à Alessandra. Lucena soltou as mãos de Maria boquiaberta. Não disse uma palavra por um tempo, parecia ter entrado em transe. Depois que Maria a chamou, ela voltou a si confusa e disse: -Deve ser culpa. – Mas falou tão sem convicção que se notava que ela não acreditava muito naquilo. Estava aparentemente surpresa. -Não me parece coisa de culpa dona Lucena, parece coisa de alguém desesperado que não aprendeu a viver sem ela. – Como Lucena não disse nada, Maria completou. – Não me parece que ele tenha feito qualquer coisa contra ela. Lucena se levantou irritada: -E agora você acha que ele é inocente por causa de uma atitude doentia dele? Ouça bem Maria, dessa vez não vou dizer nada a sua tia porque você teve boa intenção, mas não volte mais àquele castelo ou eu vou mandar sua tia te internar num hospital psiquiátrico. E põe na sua cabeça de uma vez que Inácio Edenhal não é inocente. Essa atitude dele é culpa, culpa! E se voltar a dizer que ele é inocente não precisa mais falar comigo! Lucena gritava tanto, que Maria nem reagiu, não adiantaria tentar conversar com ela nesse estado. De qualquer forma sabia que tanto nervosismo era sinal que Lucena também duvidava que Inácio fosse culpado. Maria passou a semana se sentindo mal por não ter conseguido “libertar” Alessandra de alguma forma. Sentia como se não tivesse cumprido sua missão. Também sentia muita falta de Inácio, e imaginava que ele estaria sozinho todos esses dias e passaria o natal sozinho, mas ela não podia ajudá-lo, por mais que pensasse, não encontrou um jeito. Ajudar Marta nas preparações da ceia era o que distraía sua mente. Ela se concentrava em comida e decoração e se esquecia do resto.
No dia vinte e quatro de dezembro, a casa estava linda, com uma árvore enorme montada em cima da hora na sala. Maria comprara presentes para todos que estariam ali naquela noite, até mesmo para dona Ester. Comprara também um presente para Inácio, mesmo não sabendo se o entregaria algum dia. Conforme as pessoas foram chegando para a ceia, sentia mais o fato de Inácio estar sozinho e ela, com tantas pessoas. Tentou disfarçar, mas Jessica percebeu que algo estava errado, e assim que conseguiu se livrar de Moisés, chamou-a num canto. -O que está havendo com você? – Perguntou Jessica. -O Inácio está sozinho. Isso não é justo. -Você não pode convidá-lo para cá. Quer matar sua tia do coração? E por que a dona Lucena está te olhando daquele jeito estranho? -Depois eu explico. Olha, hoje o comércio não abriu por causa do feriado, será que o Inácio tem alguma coisa para comer? -Ele deve ter comprado antes. Ele mora aqui há dez anos e sabe que o comércio fecha hoje. Sossega e desamarra essa cara. Jessica sabia que Maria não ia melhorar até estar com Inácio, então respirou fundo admitindo a derrota e falou: -Você é Maria então nem vou tentar te convencer a ficar. Diz que está passando mal depois da ceia e vai que eu te dou cobertura. -Depois da ceia? -Maria se você sair antes todo mundo vai reparar! Controle-se. -Preciso de mais um favor. Dá um jeito no Moisés. Jessica bufou, mas Maria percebeu sua animação em ter que ficar atrás de Moisés a noite inteira. Assim todos se sentaram a mesa e cearam, e embora Maria sorrisse e conversasse com todo mundo, estava aflita por Inácio. Após a ceia, ela juntou numa toalha de mesa algumas coisas. Como ela mal comeu durante a ceia, juntou coisas que dariam para ela e Inácio e escondeu na varanda para que pudesse levar. Assim, quando a tia lhe perguntou por que não estava comendo, ela alegou uma dor de estômago e a tia, reclamando que ela sempre ficava doente, mandou que ela fosse se deitar. Maria se despediu de todos e foi para o quarto. O mais difícil de se livrar foi Moisés, que queria ficar no quarto com ela e que ela deixasse a porta aberta. Por fim Jessica apareceu com uma desculpa e o tirou do quarto. Então Maria pegou o presente que comprara para Inácio, pegou mais uma coisa em sua cama e pulou a janela. Passou pela varanda abaixada, pegou a toalha com a comida e saiu sem ser notada. Sabia que as chances da tia descobrir eram muitas, mas demoraria já que Jessica não deixaria ninguém se aproximar do quarto. Ao chegar ao castelo o portão estava trancado. Chamou por Inácio várias vezes até finalmente o vulto dele aparecer na janela da torre esquerda. Então ela viu uma luz fraca na janela, que indicava que Inácio estava acendendo uma vela. -Depressa! Vou me molhar! – Gritou ela vendo a chuvinha fina que começara a cair. Inácio apareceu com suas roupas largas de sempre, o cabelo bagunçado e a barba enorme escondendo seu rosto, mas não parecia estar deitado. Ele abriu o portão e ficou parado encarando Maria. -Te acordei? – Perguntou ela. Inácio não respondeu, continuou encarando Maria, boquiaberto. Então ela pigarreou e falou mais alto. -Pode me deixar passar para sair dessa chuva ou está com muita raiva de mim? Ele pareceu sair de um transe e a deixou passar. Quando percebeu que ela carregava alguma coisa
grande além de uma sacola, tirou a toalha de mesa da mão dela e levou para o castelo. Os dois subiram direto para o quarto de Inácio, que colocou a toalha sobre a cama e abriu para ver o que tinha nela, apenas encarou Maria e não disse nada. -Não vai mais falar comigo? – Reclamou Maria. -Não achei que viesse. – Respondeu ele. -Estava dormindo? Inácio negou com a cabeça. -Então, o que estava fazendo? -Pensando na vida. – Respondeu ele e Maria percebeu que foi bom ter ido visitá-lo. -O que veio fazer aqui? -Vim passar o natal com você. Por favor, diga que ainda não comeu porque eu trouxe um monte de coisa e estou faminta. Inácio olhou um relógio velho na parede, era quase duas horas da madrugada. -A ceia é a meia-noite. -Eu sei, mas eu deixei para cear com você. Inácio continuava encarando Maria de uma maneira diferente. Maria estava assustada, mas não podia negar que estava gostando da forma como ele não tirava os olhos dela. -O que há com você? Por que está me olhando assim? -Você está linda! – Falou ele admirado. O vestido azul combinara perfeitamente com a pele de Maria e ressaltava as curvas de seu corpo. A maquiagem delicada no rosto deixava-a ainda mais linda. E seu cabelo preso em duas tranças laterais e um coque atrás, com alguns fios soltos na frente, deixavam seu ombro nu a mostra com uma pele perfeita e convidativa. Inácio se conteve para não tocá-la. -Obrigada. Mas será que podemos comer agora? -Não. Eu não estou vestido a sua altura. Eu, nem abaixei o cabelo. -Quanta besteira! Vamos para a cozinha. -Não. Você está maravilhosa, eu não vou deixar que você tenha uma companhia tão desagradável. -Inácio! Sua companhia não é desagradável, deixa de bobeira. -Não. Me espera pelo menos tomar um banho. Maria bufou, mas concordou. Então se sentou na cama enquanto Inácio entrou para o banheiro. Alguns minutos depois, Maria olhava os livros de Inácio na cabeceira da cama, quando ele entrou no quarto. Ela virou-se e se surpreendeu com a visão. A longa barba que escondia seu rosto havia desaparecido. E Inácio era muito mais lindo do que ela podia imaginar. Seus lábios se destacavam no rosto branco e o até o formato de seu queixo era minimamente desenhado. Para completar, Inácio estava sem camisa. A barriga bem definida e o peitoral musculoso prenderam tanto a atenção de Maria, que ela nem reparou que ele segurava um pedaço de papel no rosto. Quando ele tirou o papel para olhar foi que Maria percebeu que ele estava sangrando. -Você se cortou? -Acho que estou sem prática. – Falou ele rindo. Então ele se aproximou dela para pegar uma caixinha na cômoda, e Maria sentiu seu coração acelerar de uma maneira, que pensou que ele pularia para fora de sua boca. Suas mãos ficaram suadas e o ar falhava. Tudo por causa da aproximação de Inácio. Ele sempre mexera com ela de alguma forma, mas nunca desse jeito. Nunca Maria quis tanto tocá-lo, sentir a pele dele, os braços dele em volta dela. Ela respirou fundo e tentou se concentrar no que estava acontecendo. Inácio retirou da caixinha um curativo e Maria percebeu que o corte fora maior do que havia reparado. Ela
tirou o curativo da mão dele e pegou uma gaze na caixinha. Molhou com um cicatrizante e pegou a mão dele o empurrando até a cama. Os dois se sentaram e Maria limpou o rosto dele, que fechou os olhos por causa do ardor do remédio, depois pegou os curativos e colocou sobre o corte soprando para que ardesse menos. Enquanto segurava o rosto de Inácio entre suas mãos, ele aproximou seu rosto do dela e roçou de leve no rosto dela. Maria não queria que Inácio se afastasse nunca, mas ele se afastou rapidamente. Então passou a mão nos cabelos dela com um sorriso amoroso no rosto. -Vamos fazer um trato? – Falou ele – Você me deixa soltar seu cabelo que eu deixo você cortar o meu. Maria riu concordando e Inácio se sentou mais perto dela, com as duas mãos em seu cabelo, soltando levemente as presilhas. Aos poucos, Maria sentiu seu cabelo longo encostar-se a seus braços. Inácio passou a mão pelo cumprimento de seu cabelo, acariciando. Depois acariciou seu rosto. Eles estavam tão próximos que Maria podia sentir o calor do corpo dele. Ela fechou os olhos para senti-lo melhor e de repente, ele se levantou. -Vou vestir uma camisa, e nós podemos comer. Maria assentiu enquanto Inácio se vestiu e pegou a toalha de mesa com a comida. Mas ao invés de descer para a cozinha, ele a levou para uma varanda coberta na parte de trás do castelo que dava para o riacho. A vista era linda. Lá havia uma mesa bem trabalhada com fios de ouro e duas cadeiras. Inácio colocou a toalha sobre a mesa e abriu. Vendo a quantidade de comida que Maria levara, ele começou a rir. -Você trouxe comida para quantas pessoas? -Eu como muito. – Defendeu-se ela. -Ah bom. Achei que teríamos mais um convidado. Não sendo seu namoradinho, estaria tudo bem. Por falar nele, deve ter enlouquecido quando te viu vestida assim. Maria riu e não respondeu. Inácio tirou as coisas da toalha e Maria a forrou na mesinha da varanda, colocando as coisas sobre ela. Ele foi à cozinha e voltou com dois pratos e os talheres. Maria percebeu que na pressa, não levara nada de beber e Inácio pareceu ter percebido no mesmo instante, pois voltou à cozinha e retornou com uma garrafa de vinho e duas taças. Maria se sentou, mas ele permaneceu de pé. -Por que está fazendo isso? – Perguntou ele. -Eu não podia deixar você passar o natal sozinho. E achei que não tivesse comprado comida. -Eu nem sei como agradecer, mas não precisa sair de perto de sua família e seus amigos por minha causa. Eu não quero estragar seu natal. -Eu preferi a sua companhia. A prova disso é que não comi até agora, então senta e vamos comer que estou faminta. Inácio riu, se sentou e os dois comeram. Após a ceia, Maria ficou ainda na varanda olhando a vista, Inácio arredou a mesa num canto e ficou ao lado dela. Eles não disseram nada por um bom tempo e Inácio se continha para não tocar em Maria, sabia que se tocasse, não pararia. A chuva tinha cessado, mas o céu estava com a mesma aparência fechada de sempre. Depois de muito tempo, Inácio quebrou o silêncio. -Eu quero me desculpar pelo outro dia. Eu sei que você está certa. -Não, eu é que tenho que me desculpar. Cada um enfrenta a dor do seu jeito, eu não podia ter julgado você. Inácio a olhou nos olhos e falou: -Você é meu sol Maria. Você trouxe a luz de volta, está me tirando da escuridão. Eu não posso
perder você. -E não vai. Não são briguinhas bobas como essa que vão me afastar de você. Inácio riu e deu um beijo de leve na testa dela. -Você é a melhor coisa que me aconteceu nesses últimos anos. – Sussurrou no ouvido dela. Maria encostou sua cabeça no ombro dele. Inácio passou os braços em volta da cintura dela e a puxou mais para perto. Então levantou de leve seu rosto e a beijou. O beijo doce e delicado no começo foi ficando mais urgente. Inácio a abraçou mais forte, mas Maria queria ficar ainda mais perto dele. Era uma sensação que ela nunca sentira, se sentia protegida com ele. Enquanto Inácio não sentia isso há muito tempo, ele precisava de Maria, precisava tê-la. Mas não a merecia, não podia machucá-la. Então fez um esforço sobre-humano e se afastou dela. Maria estava quase sem ar pela urgência do beijo. Inácio se desculpou e ela ficou irritada com a hipótese de ele ter se arrependido de beijá-la. Ela foi para o quarto dele. Ele a seguiu. Maria pegou a sacola que levara e a entregou a Inácio. Ele ficou um tempo encarando a sacola. -O que foi? Não gosta de ganhar presentes? -Não é isso. Faz muito tempo... – Inácio estava emocionado – Você não precisava, já faz demais por mim. -Não é nada demais, eu não sabia seu gosto. Inácio foi até a cômoda e abriu a primeira gaveta. Então retirou uma caixinha de presente e entregou a Maria. -Eu ia mandar entregar na sua casa. Maria se surpreendeu com o presente. Ela abriu e retirou a pulseira de prata com pedras. Pequenos pingentes brilhavam nela. Era a coisa mais linda que Maria já vira. Inácio a colocou no pulso de Maria. -É linda, eu amei. Muito obrigada. – Disse ela e o abraçou. A proximidade do corpo de Inácio fez voltar o formigamento e a urgência em tê-lo perto de novo. Inácio passou novamente um dos braços em volta da cintura dela e encostou a cabeça em seu cabelo, mas novamente se afastou abruptamente e foi olhar seu presente. Assim que avistou a barra de chocolate abriu um enorme sorriso. -Esse não é o presente. Só achei que você precisava adoçar um pouco sua vida. -Achou certo. - Respondeu ele retirando da sacola a caixinha. Encarou Maria esperando uma dica, mas ela estava perdida olhando sua pulseira. Então Inácio abriu a pequena caixa e encontrou um anel. Olhou de volta para Maria que agora olhava para ele sorrindo. -Não, não é o presente errado. – Falou ela. Inácio retirou o anel da caixinha sem entender, então Maria se aproximou dele. -Está vendo esse desenho no anel? Ele simboliza a fé. Eu só acho que você precisa ter mais fé, principalmente em si mesmo. Inácio, que estranhou o presente a primeira vez que olhou para ele, já estava adorando. Ele significava a coisa mais importante em sua vida naquele momento, a fé que Maria tinha nele. E era essa fé que o estava tirando da escuridão onde ele esteve por tanto tempo. Ele colocou o anel no dedo polegar e abraçou Maria. Mas era tocar nela e todo seu corpo reagia. Afastou-se rapidamente antes que fosse tarde demais. Maria começou a juntar suas coisas e já ia saindo do quarto em direção à varanda quando Inácio a segurou. -Onde você pensa que vai?
-Para a varanda. -Para quê? -Pegar minhas coisas. Eu preciso ir antes que amanheça e minha tia entre no quarto e perceba que eu fugi. Ela não vai ficar nem um pouco feliz. -De maneira nenhuma você vai sair por aí essa hora da noite. -Se você for me levar e a gente for visto... Vai por mim, é menos perigoso eu ir sozinha e minha tia nem imaginar onde eu estava. -Maria, será que você não dá a mínima para o fato de que alguém tentou matar você? Eu não vou permitir que você saia a essa hora, e como você não quer que eu te leve, a solução é você dormir aqui. Maria caiu na gargalhada. -Ficou louco? Se minha tia não me achar em casa pela manhã, acho que ela mesma faz o serviço do tal assassino. -Ela não vai descobrir, hoje ela com certeza dormiu muito tarde, não vai acordar amanhã tão cedo. Vamos fazer assim, a gente fica conversando e quando o dia clarear você vai. -Tudo bem. - Concordou Maria sentando-se na cama dele. Os dois conversaram por um tempo, mas o cansaço era tanto, que Maria acabou dormindo, Inácio jogou um cobertor sobre ela e deitou-se ao seu lado, colocando levemente a cabeça dela sobre seu peito, rezando para que não a machucasse.
Capítulo 12 Maria corria feito louca rezando para que a tia não tivesse descoberto nada. Quando chegou a praça próxima à casa da tia, topou com Moisés com cara de poucos amigos. Assim que a viu, ele foi logo gritando. -Mas onde foi que você se meteu? Nem precisa me responder, eu faço ideia. O que foi que deu em você Maria? Ficou louca? Como some sem avisar para a casa de um assassino sem ninguém saber onde você estava? -Não foi bem assim. -Não? Mas claro que não! A Jessica com certeza sabia onde você estava. Graças a Deus você está bem, mas eu já vou te avisando, se voltar àquele castelo de novo, eu vou contar para sua tia onde passou a noite. Maria se surpreendeu com a ameaça. -Eu te agradeço pela preocupação, mas já estou grandinha o suficiente para saber o que faço. Não pense que pode controlar aonde vou ou deixo de ir. - Respondeu ela saindo. Chegou em casa no maior silêncio que pôde para não acordar a tia, mas assim que abriu levemente a porta, encontrou-a sentada no sofá com cara de quem não tinha dormido esperando por ela. -Onde você estava? - Gritou Marta assim que a viu. - Quer me matar do coração? Maria já havia pensado exatamente na desculpa que daria caso fosse pega, esperava que a tia não tivesse chegado à mesma conclusão que Moisés. -Eu quis ficar um pouco sozinha, em memória de meus pais. O natal era a data preferida deles. Maria se sentiu péssima por envolver seus pais numa mentira, mas pareceu amolecer Marta. -Você podia ter avisado, quase fiquei louca. Você tem ideia do que as pessoas vão dizer? Que você é uma qualquer que dorme fora de casa. -Eu não me importo com o que as pessoas pensam. -Mas eu me importo! Tome mais cuidado daqui pra frente! Maria fingiu que concordava e disse a tia que lavaria as vasilhas e que ela fosse se deitar. Tomou um banho, deu uma arrumada de leve na cozinha e deixou um bilhete dizendo que ia se encontrar com Jessica, precisava pegar as vasilhas e a tolha de mesa que tinha deixado na casa de Inácio antes que a tia desse falta. Quando abriu a porta, deparou-se com um bilhete destinado a ela, novamente a letra desconhecida dos outros bilhetes. Maria, Por que não tem seguido meus avisos? Estou tentando te ajudar, achei que o que aconteceu com sua tia fosse motivo suficiente para se afastar de vez de Inácio Edenhal, mas você parece gostar de estar em perigo. Ela pegou o bilhete e correu para a casa de Jessica. Avistou-a na varanda, mas antes que dissesse qualquer coisa, Jessica disparou: -Como foi lá? Sua tia brigou muito? Qual desculpa deu para ela? O Moisés estava muito desconfiado. -Calma Jessica. Uma pergunta de cada vez.
Jessica riu. -O Moisés sabe onde passei a noite e até me ameaçou. -Ele cismou de ver você antes de ir embora, eu tentei impedir, mas ele viu que você não estava lá e fez um escândalo. Espera, você passou a noite lá? Como foi? -Não foi nada do que está pensando. A gente estava conversando e acabei dormindo, mas não aconteceu nada. -Não? Então por que seus olhos estão brilhando? -Não estão! -Você dormiu em algum quarto de hóspedes macabro daquele castelo? -Não, eu dormi no quarto dele, mas antes que pense besteira, não aconteceu nada mesmo. Bom, nada demais, ele só colocou minha cabeça no peito dele e a gente dormiu abraçado. -Garota! Rapidinha você! Mas você passou a noite inteira com ele e não rolou nada? Nenhum beijinho? Nenhum amasso naquele quarto? -Rolou um beijo, mas não foi no quarto. Jessica nem deu tempo de Maria terminar de falar e arrumou um escândalo comemorando. Maria pedia que ela escondesse o entusiasmo, mas não podia esconder que também estava muito feliz. -Como foi? -Inexplicável! Eu nunca senti nada parecido. -Você está apaixonada! -Não estou. E também, mesmo que eu estivesse, não faria diferença porque ele ainda ama a Alessandra. -Pode até amar, mas ela não está mais aqui. Por que não fala para ele o que sente? -E estragar uma amizade que eu custei conquistar? -Mas não vai saber se não tentar, além do mais, você sabe que ele sente alguma coisa a mais por você. A forma como ele age com você, te vigia, te protege, manda flores, chocolate. Se isso não é paixão então não sei o que é. Bom, isso se ele realmente não for um assassino. -Jessica! Ele não é um assassino! -Você tem certeza? Maria não respondeu. -Obrigada pela ajuda ontem. E sua avó, ficou fazendo perguntas? – Perguntou Maria preocupada. -Não, ela só disse: Diga a sua amiga para ter muito cuidado. Maria sentiu afeto por dona Ester e sua bondade com ela. Então entregou a Jessica o último bilhete recebido. -Você continua sendo vigiada! – Comentou Jessica. -E como essa pessoa poderia saber que desconfiam do Inácio se minha tia disse para todos que foi um assalto? -Você acha que foi essa pessoa que mandou os bilhetes, quem atacou sua tia? Maria concordou, Jessica continuou analisando o bilhete, depois de um tempo falou: -Eu estava pensando sobre essas cartas, eu cheguei a pensar que fosse o Moisés. Ele gosta de você, detesta o Inácio, mas ele não machucaria ninguém. Se bem que, lendo essa carta, poderia ter sido a dona Lucena, ela quer te proteger dele, desconfiou quando você desapareceu ontem. -A dona Lucena não machucaria minha tia, nem me perseguiria com um machado. -Tá, mas talvez não seja a mesma pessoa! A dona Lucena escreve as cartas e um louco ataca as pessoas. -E duas pessoas estariam tão interessadas na minha amizade com o Inácio? É coincidência demais!
Jessica abaixou a cabeça e Maria já imaginava a conclusão dela, era a mais obvia. -Por mais que você não goste, o Inácio ser o assassino e ser quem escreve as cartas se encaixa perfeitamente, aliás, é a única coisa que faz sentido. Antes de Maria discordar e pedir que Jessica não repetisse aquilo, Lucena se aproximou delas. -Bom saber que está bem, Maria. – Falou ela. -E por que não estaria? -Sei muito bem onde passou a noite de natal. Eu não vou falar de novo, se souber que voltou a se encontrar com aquele assassino vou chamar a policia! É para o seu bem! – Falou ela e saiu batendo os pés. Maria se zangou por essa mania que as pessoas estavam de ameaçá-la caso ela visse Inácio novamente. Foi então que a ameaça de Lucena lhe deu uma ideia: -Eu tenho que ir. – Falou de repente. -Aonde você vai? Tem que me falar sobre o beijo ontem! Maria! Mas Maria já estava longe. Como sempre, Maria ignorou a razão, o medo, as ameaças e foi exatamente procurar Inácio. Quando a viu, Inácio não segurou por muito tempo a cara fechada e sorriu. -Veio buscar suas coisas? – Perguntou ele. -Também. Mas precisamos conversar. Quando disse isso, Maria percebeu a expressão de Inácio voltar para a nuvem negra de sempre. Os dois se sentaram na sala e ela precisou ignorar a eletricidade que pairava entre eles, entregou a ele o último bilhete recebido. Inácio leu, e ao final parecia nervoso. -Quem está fazendo isso? -Eu não sei. -Como poderia saber sobre sua tia? Ou que estava aqui? Está te seguindo! – Inácio andava de um lado para o outro muito nervoso. – Você está correndo risco Maria, a pessoa que escreveu essa carta deve ser a mesma que atacou sua tia. -Foi o que pensei também. De repente a expressão de raiva no rosto de Inácio se transformou em dor, e Maria já sabia que não ia gostar do que ele diria a seguir. -Você precisa se afastar de mim. -Não Inácio, eu preciso descobrir quem está fazendo isso. -Como? – Perguntou ele incrédulo. -Você confia naquele policial? O Stanley? Inácio assentiu. -Preciso que o traga aqui, eu quero falar com ele. -Maria, eu não acho que ele possa nos ajudar, ele é de outra cidade, investiga os crimes ocorridos aqui há dez anos, e não tem basicamente nada. Ele está de mãos atadas tanto quanto a gente. -Eu tenho um plano Inácio, por favor, confie em mim. Maria mal dormiu aquela noite, acordou se sentindo mais cansada do que quando fora se deitar, a tia estava com seu habitual mau humor, então tomou café rapidamente e foi para a biblioteca. Conversar com Jessica sempre a distraía, mas dessa vez não estava funcionando. Inácio tinha marcado com Stanley de se encontrarem no castelo no dia seguinte, e Maria pensou em não ir ao castelo para que Inácio não pensasse que ela o estava sufocando, mas estava com uma vontade
imensa de vê-lo. O último bilhete recebido deixou Inácio tão transtornado, e com a ideia tão fixa que ela deveria se afastar dele, que Maria nem teve tempo de falar com ele sobre o beijo. Precisava saber o que ele sentira, como seria dali para frente. Pela reação de Inácio no dia anterior, parecia que iam agir como se nada tivesse acontecido e seguir apenas com a amizade de antes, e isso a machucava. Ela sentia que precisava falar com ele, fazer alguma coisa para impedir que ele a afastasse ao invés de ficar com ela. Depois de mais de uma hora inteira pensando sem parar, resolveu seguir os conselhos de Jessica e foi até o castelo. Encontrou com Inácio no começo da rua. -De saída? – Perguntou ela chateada por ele não estar esperando por ela. Inácio abriu um enorme e lindo sorriso que fez Maria rir também. -Na verdade, estava indo procurar você. Você me deve um corte de cabelo. Maria riu e entrou com ele. Inácio puxou uma das cadeiras do jardim e pegou algumas tesouras. Então se sentou e fechou os olhos. -Como você prefere? - Perguntou Maria. -Corta do jeito que te agrada mais. Maria sentiu que Inácio não estava muito interessado em cortar o cabelo. Pareceu mais uma desculpa para não falar onde realmente estava indo. -Tem certeza que quer fazer isso? Você não precisa, fica lindo de qualquer jeito. – Falou ela sem pensar. Inácio a olhou rindo, Maria sentiu-se corar. -Quer dizer, você não precisa cortar o cabelo se não quiser. -Eu tenho certeza, corte como achar que fica melhor, você está mais atualizada que eu. Maria assentiu. Ela tocou o cabelo de Inácio admirando como era lindo! Era fino, macio e tão liso! Então ela resolveu não cortar tudo, assim, cortou até um pouco acima do ombro e abaixo da orelha. Quando terminou, Inácio se levantou com uma expressão meio curiosa, meio amedrontada. Maria ficou embasbacada olhando para ele, o corte deixava ainda mais a mostra seus músculos, ele ficou mais jovem e ainda mais lindo. -Que cara é essa? Ficou tão ruim assim? - Perguntou Inácio desconfiado. Maria recuperou o fôlego e respondeu. -Pelo contrário, ficou ótimo. Você quase está parecendo um garotão desses universitários sexy. Inácio riu. -Se sua intenção é conseguir uma namorada, com certeza vai dar certo. - Brincou Maria. A expressão de Inácio tomou a forma pesada de sempre. -É o que você acha que eu devo fazer? - Perguntou ele. -É o que eu acho que você quer fazer. – Ela olhou para ele e percebeu que ele estava usando o anel que ela lhe dera, mas ela não estava com a correntinha que ele deu, tinha ficado com medo da tia perguntar de onde tirara, sentiu-se uma idiota por não estar usando o presente mais lindo que já ganhara. Inácio andou de um lado para o outro como se estivesse se preparando para dizer alguma coisa difícil, segurou-a pelos ombros. Em seu olhar, Maria podia sentir um ardor, quase como se pudesse sentir a paixão dele apenas pelo olhar. -Eu vou ser sincero com você Maria. Aquele beijo... Antes que Inácio completasse a frase, uma voz chamou por Maria no portão. Ela se sobressaltou por alguém saber onde ela estava, então avistou Moisés.
-O que ele está fazendo aqui? - Perguntou Inácio. -Eu não sei, pode ter acontecido alguma coisa. Maria correu até o portão já pensando na tia e em Lucena, e Inácio foi atrás dela. -Moisés, o que houve? -Sua tia está feito louca atrás de você. A Jessica e a dona Ester estão tentando enrolar ela, mas você precisa chegar em casa antes dela. Inácio, que não estava nem um pouco feliz com a intromissão, falou: -E essa foi a desculpa perfeita para tirá-la daqui? -Ela nem devia estar aqui! E você sabe muito bem disso! - Respondeu Moisés. -Parem vocês dois! - Falou Maria virando-se para Inácio. - Eu tenho mesmo que ir. Mas antes... Maria afastou um pouco Inácio - O que você estava dizendo mesmo? Sobre o beijo? Inácio encarou Moisés com a expressão habitual de dor. Então olhou de volta nos olhos de Maria, o calor de antes havia desaparecido e estava de volta a tristeza que ele carregava quando ela o conheceu. -Que foi um erro e nunca deveria ter acontecido. Agora é melhor você ir. - Falou ele virando-se e saindo em direção ao castelo. Maria ficou um tempo sem reação, mas Moisés logo tratou de arrastá-la para casa, explicando no caminho que Marta chegou à biblioteca procurando por ela, mas Jessica tinha dito que ela estava ajudando sua avó, então Ester apareceu na biblioteca e confirmou dizendo que Maria havia acabado de sair de volta para casa, e então estavam tentando prender Marta o maior tempo possível na biblioteca até Moisés buscar Maria. Ela agradeceu pela ajuda e fingiu não ouvir as reclamações de Moisés sobre a proximidade dela e Inácio e o quanto isso era perigoso. Foi o tempo de Maria chegar em casa e se sentar no sofá pensando em Inácio, sua tia chegou. -Aí está você finalmente. Onde estava? -Na casa da Jessica, ajudando a dona Ester. Marta assentiu e se sentou em frente ela. -Aconteceu alguma coisa? Eu deixei um bilhete avisando que estava com a Jessica, por que foi me procurar? -Eu acordei com alguém batendo na porta, mas quando abri, só tinha isso. - Marta entregou a Maria um envelope. Mesmo antes de abri-lo, Maria já sabia do que se tratava. Abriu o envelope e leu a carta: Marta, Sei que já avisei e sei que a senhora está fazendo todo possível para manter sua sobrinha a salvo, mas achei que deveria saber que sua sobrinha está tendo um caso com Inácio Edenhal. E inclusive dormiu na casa dele. Sei que não é da minha conta, mas a senhora sabe o quanto ela está arriscando a vida. Espero que possa abrir os olhos dela, ela não deve saber o que ele fez com a senhora tão recentemente. Ou não estaria com ele. Deixo em suas mãos, sinto não poder ajudar mais. Maria sentiu-se mudar de cor pelo menos três vezes, esperava que a tia não ouvisse o quanto seu coração estava agitado. Encarou a tia o mais segura que pôde: -A senhora não está acreditando nisso, está? -De fato parece totalmente fantasioso, mesmo porque aquele assassino não abre a porta para ninguém, como tem que ser. De qualquer forma não deixa de ser curioso o fato de você ter passado a noite em claro pensando em seus pais e quando chegou em casa de manhã, foi arrumar cozinha e sair,
ao invés de dormir. Você deveria estar cansada. Maria gaguejou até pensar numa desculpa. -Mas eu estava cansada, ainda estou. Só quis ajudar a senhora e hoje, como havia prometido a dona Ester que a ajudaria, não podia deixá-la na mão. - Então bocejou e esfregou os olhos - Mas estou realmente muito cansada. Marta encarou Maria por um tempo, então falou: -Eu vou acreditar em você, mesmo porque essa história é absurda demais para ser verdade. Se você tivesse passado a noite na casa daquele assassino com certeza não estaria viva agora para eu te perguntar. Então vou confiar em você. De qualquer forma, descubra quem é esse engraçadinho que fica mandando essas cartas. -É, eu também estou curiosa para saber quem é. -Deve ser algum admirador seu. Maria assentiu, mas sabia perfeitamente que estava longe disso. No dia seguinte, Maria mal tomou café e correu para o castelo. Dessa vez ela não deu nenhuma desculpa a tia, para não causar problemas para Jessica e Ester novamente, saiu antes que a tia acordasse. Ao chegar ao castelo, Inácio já a aguardava sentado na escada da frente, olhando para o chão. Maria parou um pouco e respirou fundo antes de entrar, depois da última coisa que Inácio lhe dissera, ela tinha decido odiá-lo, mas não conseguia. Simplesmente entendia que nunca ficaria com Inácio, fosse por medo de machucá-lo ou por Alessandra, ele sempre teria uma desculpa para se afastar dela, e ela precisava aceitar isso se não quisesse perder sua amizade. Normalmente ficaria dias sem ver Inácio, até sua mágoa passar, mas diante da situação, e de seu plano, precisava muito falar com Stanley e Inácio era a ponte entre os dois. Antes mesmo de chamar por ele, Inácio levantou a cabeça e a viu chegar, ela empurrou o portão e entrou, então ele se levantou para recebê-la. Percebeu que Maria não olhava nos olhos dele, olhava para o jardim, para o céu, para o portão, mas não o encarava, estava magoada pelo que ele tinha dito a ela. -Dormiu bem? – Perguntou ele. Ela simplesmente assentiu. -A que horas ele chega? – Perguntou ela ainda olhando para o jardim. -Maria, eu estive pensando, não há necessidade de planos malucos e nem de correr qualquer risco. Seria muito mais fácil se você simplesmente se afastasse de mim e me deixasse procurar sozinho essa pessoa que te ameaça. Maria tentou não demonstrar o quanto machucava as palavras de Inácio, então, apenas respondeu: -É, seria muito mais fácil se eu não tivesse te conhecido, mas agora que estou aqui, eu vou até o fim. Ela esperou uma resposta de Inácio, mas como não teve, olhou finalmente para o rosto dele. Percebeu sua expressão de dor e o inchaço em volta dos olhos, como se ele tivesse chorado. Não resistiu e se aproximou dele. -O que houve? Você não dormiu essa noite? -Não foi nada, só estava pensando. -Em que? Inácio permaneceu um tempo calado, mas diante do olhar insistente de Maria, acabou respondendo. -Eu não queria machucar você com o que disse ontem. Eu nunca quis machucar você. Eu só queria
que você não fosse tão louca. Maria pensou em mil coisas para gritar na cara dele, gritaria, por exemplo, que ele já a estava machucando com as palavras dele, e não com os gestos. Pensou em tanta coisa ao mesmo tempo, que acabou não respondendo de imediato. Então Stanley finalmente chegou. Antes que ele estivesse perto o suficiente para ouvir a conversa, Maria respondeu para Inácio: -E eu queria que você não fosse tão covarde. Mas não se pode decidir pelo outro. Inácio a encarou tentando encontrar uma resposta que justificasse exatamente o que ele estava sendo, mas ela estava certa, o que ele chamava de cuidado e medo de feri-la, também podia ser traduzido em covardia. E ele estava sendo totalmente covarde se segurando o tempo todo para não tomá-la nos braços novamente, e era covarde por não dizer o que realmente sentia por ela. Era covarde até mesmo quando pedia que ela se afastasse sabendo que não suportaria se ela o fizesse. -Bom dia. – Falou Stanley se aproximando. – Maria, sabia que nos encontraríamos de novo. Maria contou ao policial tudo o que tinha acontecido e mostrou os diversos bilhetes anônimos que ela e a tia tinham recebido. Ambos achavam estranho que alguém se incomodasse tanto com a amizade de Inácio e Maria a ponto de segui-la o tempo inteiro e tentar assustá-la de diversas maneiras. Stanley até cogitou a possibilidade de ser mais de uma pessoa, embora parecesse mais estranho ainda que duas pessoas se interessassem tanto na amizade dos dois. Ele também não descartava a possibilidade de ser Inácio, e chegou a assumir que era a possibilidade mais plausível, mas diante do olhar feio de Maria quando começou a tocar no assunto, mudou logo o rumo da conversa. Após muito pensar e anotar, ele finalmente falou: -Temos uma lista de suspeitos, alguns podem parecer muito improváveis, mas alguém nessa cidade está fazendo isso, porque não tem ninguém de fora aqui, e eu não espero isso de ninguém dessa cidade. Então sabemos que é alguém que jamais esperaríamos. Provavelmente é alguém ligado a você Maria, já que antes da sua chegada ninguém reparava na movimentação do castelo. Nossos suspeitos são Marta Ferraz, ela pode estar mandando as cartas para ela mesma, como ela disse, se algo acontecer a você, ela será a principal suspeita e ela acredita que Inácio vai te machucar. Pode ser ela tentando te assustar. -Não acho que ela me daria tanta liberdade para vir aqui se soubesse que venho. Além do mais, ela também foi atacada. – Retrucou Maria. -Claro, e todos que discutiram com você, por algum motivo, foram. Isso nos leva ao suspeito número dois, Inácio. – Stanley encarou Inácio, que apenas abaixou a cabeça. Maria ia replicar, mas Stanley logo a impediu: -Ele está muito ligado a você e pode inconscientemente machucar as pessoas que te ofendem. Assim como mandar bilhetes porque ele não consegue te convencer a se afastar dele. Maria sentiu-se uma mulher grudenta, mas pensou um pouco e respondeu: -A letra não é a dele. Inácio a olhou com certa tristeza ao perceber que ela havia cogitado a possibilidade de ele estar mandando os bilhetes ameaçadores. -E nossa última suspeita é Lucena Campelo por motivos óbvios, a filha dela foi assassinada aqui, ela culpa o genro e não quer que o mesmo aconteça a você. Ela sumiu da cidade coincidentemente quando você começou a ser perseguida e parece sempre saber quando você vem aqui. -Ela não me perseguiria com um machado no lugar onde a filha dela morreu. – Retrucou Maria. Stanley pensou um pouco, depois, jogou os papéis na mesa. Claramente não conseguia chegar a nenhuma conclusão e nada fazia sentido. -Não temos mais suspeitos. – Falou ele.
Inácio então, falou pela primeira vez: -Na verdade, temos mais um, Moisés Campanaro. Ele é amigo da Maria, apaixonado por ela e já me ameaçou diversas vezes para ficar longe dela. Ele também estava presente no dia do apagão e foi o primeiro a vê-la quando ela passou a noite aqui. Ele veio buscá-la ontem, justamente quando a tia dela recebeu mais um bilhete. Estava por perto quando a Lucena foi atacada, e foi ele quem achou a Marta machucada. Os olhos de Stanley brilharam no mesmo momento. Maria percebeu que Inácio já estava pensando nisso há algum tempo, por isso ele enfrentava Moisés e implicava tanto com ele. -O Moisés nunca machucaria minha tia e a dona Lucena. Ele não me perseguiria com um machado! – Falou ela. -Tem certeza Maria? Porque acreditamos que ninguém seria capaz de uma coisa dessas, mas alguém está fazendo. Você colocaria sua mão no fogo por esse rapaz? – Perguntou Stanley. Maria não respondeu, ela não tinha certeza que conhecia Moisés, na verdade ela não o conhecia, nunca prestara muito atenção nele. –Eu não o conheço há muito tempo, mas sei que não é ele, ele é bom. – Defendeu ela. -Seu senso de quem é bom ou mau não é dos melhores Maria, veja onde você está. – Falou Inácio com certa dor na voz. -Na verdade, eu sou muito melhor do que você nisso. – Respondeu ela. Stanley interrompeu o que parecia ser o começo de uma discussão para falar que ficaria de olho em Moisés dali em diante. Mas Inácio não pretendia começar uma discussão, pelo contrário, a resposta convicta de Maria provava mais uma vez que ela acreditava nele, e isso era tudo que ele precisava naquele momento. -Nós não precisamos ficar dias vigiando o Moisés, mesmo porque quem quer que esteja me mandando esses bilhetes não vai agir se não tiver motivos, e eu não pretendo vir ao castelo nos próximos dias. – Falou Maria percebendo que Inácio a encarou com tristeza – Nós precisamos atraílo. Stanley encarou Maria, curioso, enquanto Inácio pareceu adivinhar o que ela ia falar e logo a interrompeu: -De jeito nenhum! Você ficou louca? Não vai servir de isca para um louco que quer te matar, Maria! -Do que exatamente estamos falando? – Perguntou Stanley sem entender. Maria contou a ele seu plano, no começo, ele achou muito perigoso, mas concordou que era a melhor maneira de descobrir de uma vez por todas quem a estava ameaçando. Por fim, acabou cedendo e criando todo um esquema de proteção para Maria, que ela fez questão de impedir para que mais ninguém soubesse do plano e assim, o culpado não descobrisse. Enquanto eles planejavam tudo, Inácio permaneceu calado num canto encarando Maria. Quando Stanley foi embora com tudo combinado com Maria, ela se preparou para ir também, mas antes que saísse, Inácio a segurou pela mão. -Eu não quero que faça isso. Por favor, Maria não se arrisque por mim. -Eu não queria que você fizesse muitas coisas Inácio, mas você faz. E eu preciso fazer isso, para voltar a ficar em segurança e não precisar ouvir você me mandar embora. Inácio a olhou nos olhos e se aproximou mais dela. -Eu nunca quis que fosse embora, nenhuma das vezes que te pedi isso, mesmo sabendo que é melhor para você ficar longe de mim. Eu só vivo quando você está perto, Maria.
Maria suspirou enquanto olhava seu rosto tão perto do dela. Sua respiração sempre falhava ao menor contato com ele, principalmente quando ele a olhava daquele jeito que a fazia querê-lo ainda mais. -Não se preocupe comigo Inácio, eu sei que se for preciso, você vai estar lá. Você não vai deixar que nada me aconteça. Ele se aproximou mais dos lábios dela, mas de repente se afastou: -E se você estiver errada, e se eu for realmente quem está te ameaçando? Maria preferiu não pensar nessa hipótese e apenas sorriu. -Não é você. – Falou com o máximo de segurança que pode para que Inácio finalmente se convencesse. Ele sorriu e a beijou de leve na testa. -Você vai voltar? – Perguntou ele. -Se você quiser. -Eu sempre vou querer que você volte. – Respondeu ele e a puxou finalmente para um beijo desesperado e apaixonado. E por um momento se esqueceram de tudo o que estava acontecendo e apenas sentiram um ao outro. Como parte do plano, Maria precisava atrair quem a estava perseguindo até o castelo a noite, então, foi direto para a biblioteca. Chegou com um enorme sorriso, e um brilho nos olhos que logo deixou Jessica curiosa. -O que aconteceu? Por que esse brilho nos olhos? -Inácio e eu, estamos namorando. Jessica abriu a boca de surpresa, pareceu feliz, depois confusa, e por fim falou: -Mas, e se ele for... -Ele não é Jessica! Será que pode compartilhar minha alegria? Nós vamos jantar hoje à noite, no castelo. Ele vai fazer um jantar romântico para mim. -Ele cozinha? Lindo daquele jeito e cozinha? Você tirou a sorte grande, amiga. Pronto! Maria só precisava que alguém soubesse, magicamente quem a perseguia saberia também. Sempre era assim. Ela sabia que não era Jessica quem falava, mas a pessoa sempre descobria. Foi para casa se preparar para o que viria a noite. Colocou seu melhor vestido e se arrumou como se realmente estivesse indo para um encontro romântico com Inácio. Falou para Marta apenas que tinha um encontro, mas não quis dar maiores detalhes. Foi direto para o castelo, sem passar na casa de Jessica antes, como prometera a Stanley. Não queria mais ninguém envolvido nisso, caso alguma coisa desse errado. Enquanto caminhava para o castelo, sua mente gritava em sua cabeça que era a última vez que faria aquele percurso, que estava caminhando para sua morte. Mas seu maior medo não era que sua proteção falhasse, ou que quem a perseguia a machucasse, seu maior medo era descobrir quem a perseguia, por mais que acreditasse em Inácio, por mais que tentasse convencê-lo que não era ele, ainda tinha medo de descobrir que era. Respirou fundo antes de entrar na Rua Londrina e entrou. Ela parecia ainda mais fria e assustadora aquela noite, caminhou vagarosamente e prestando atenção em tudo, se estivesse sendo observada por mais alguém além de Stanley, não podia transparecer medo, e sim alegria por estar com Inácio. Caminhou até o portão, mas ninguém a parou, não ouviu nenhum barulho, não viu nenhuma sombra, ninguém a estava seguindo. Pensou que talvez o perseguidor não soubesse que ela iria ali naquela noite, mas logo deduziu que era improvável, ele sempre sabia onde ela estava. A segunda
possibilidade que justificava ele não ter aparecido, era que ele soubesse exatamente o que aconteceria ali naquela noite, que ele soubesse que era uma armadilha. Mas isso só seria possível, se fosse realmente Inácio. Por um momento, Maria torceu que o perseguidor aparecesse, precisava que ele aparecesse para provar de uma vez por todas que não era Inácio. Olhou novamente para trás, procurou qualquer barulho, qualquer sinal de alguém a espionando, mas nada. Ele não estava ali. Olhou para o castelo, para a torre esquerda, mas nem sombra de Inácio. Onde ele estaria? De repente, ouviu um barulho vindo da casa de Lucena, se sobressaltou e correu até lá, mas era Stanley. -O que está fazendo aqui? Vai estragar tudo! – Reclamou ele. -Estragar o quê? Ele claramente não veio. Não me permitiria entrar no castelo sem ser assombrada antes. Onde está o Inácio? Por que não está com você? -Maria, o que menos precisamos agora é do Inácio ter um surto, alguma coisa acontecer com você, e a gente ficar sem saber se foi ele. Ele não vai aparecer. -O que fez com ele? -Ele está bem, apenas o amarrei em sua cama para que ele não apareça e estrague tudo. Maria ficou por um lado aliviada, ainda tinha uma chance de Inácio não ser o perseguidor, e por outro lado preocupada, se ele não tinha como aparecer, quem a salvaria? De repente foi como se as coisas se juntassem em sua mente, se Inácio não era quem a perseguia, claro que o verdadeiro perseguidor estava por ali, mas estava esperando o momento certo, o momento em que Maria entregasse quem mais estava com ela, como acabara de fazer. Quando se virou para falar com Stanley, era tarde. Viu apenas um vulto com um machado acertar o cabo do machado na cabeça de Stanley, que caiu no mesmo instante. Então Maria gritou e correu. O homem a perseguiu com o machado na mão, mas Maria entrou diretamente no castelo, Inácio avisara que deixaria o portão aberto caso ela mudasse de ideia e quisesse entrar, mas o perseguidor entrou também atrás dela. Ela pensou em correr para dentro do castelo, mas não levaria alguém com um machado para perto de Inácio amarrado, e não daria tempo de soltá-lo antes que o perseguidor a alcançasse, deu a volta pelo castelo e saiu para a rua novamente, seu coração parecia que ia sair pela boca e suas pernas já não a obedeciam, estava muito cansada. Sentiu raiva por Stanley ter amarrado Inácio, como ele a salvaria? Se algo acontecesse a ela, Inácio nunca se perdoaria, precisava se salvar. Entrou na casa de Lucena, e percebeu que Stanley não estava mais lá. Então correu pelos fundos da casa, mas não tinha saída, a casa dela dava num dos enormes muros do castelo. Maria estava perdida, tentou correr para o outro lado, mas quando se virou, lá estava ele. Parado, com o machado na mão, uma blusa de capuz que cobria seu rosto, mas sua estatura não era igual a de Inácio. Ou era? Maria virou-se de repente para o lado e correu, mas alguma coisa chamou sua atenção e ela olhou para trás, sem parar de correr, então trombou com tudo em uma árvore e caiu para trás com a cabeça machucada. Ouviu passos atrás dela, tentou, mas não teve coragem de olhar, então ouviu um grito perto dela e Stanley a levantou com rapidez e a carregou para fora da casa, bem a tempo de um estrondoso barulho acontecer onde estavam antes. Stanley a colocou no chão, Maria percebeu que sua cabeça sangrava, a de Stanley também, seu rosto estava coberto de sangue. -Seu rosto. – Ela comentou. -Não se preocupe, estou bem. -Que barulho foi esse? -Uma bomba que eu fiz. Mas ela não mata, contém um gás forte que vai fazer esse perseguidor desmaiar. Vamos esperar um pouco, o efeito do gás abaixar e enfim descobriremos de uma vez por todas quem está fazendo isso.
Maria sentia uma forte dor na cabeça e vontade de fechar os olhos, mas Stanley conversava com ela e a mantinha sentada no chão, para que não adormecesse. -E se eles fugirem? – Perguntou ela. -Eles? Eles quem? Maria fechou os olhos e tentou se lembrar, não eram duas pessoas no fundo da casa de Lucena? Por que ela achava que era? Estava realmente muito confusa. -Acho melhor levar você para o castelo. Para cuidar desse corte. Eu assumo daqui. -Não. Não vou sair daqui, nem você. Ele pode fugir. -Não pode, esse gás é forte, ele ficará derrubado por horas. -Não quero correr o risco. Os dois esperaram mais alguns minutos, mas Maria estava tão impaciente que Stanley acabou entrando na casa de Lucena antes do que tinha planejado. Ela estava apoiada nele e eles foram andando vagarosamente. -Não respire esse ar, Maria. - Falou Stanley que estava com uma máscara. Maria tapou o quanto pode a respiração enquanto se aproximava do corpo caído no chão. Stanley a soltou e foi na frente, então, com o galho de uma árvore, cutucou o corpo, que nem se mexeu, parecia morto. Stanley se aproximou e virou o corpo, mas quando viu quem era, Maria sentiu-se bamba e tudo ficou escuro.
Capítulo 13 Maria acordou sentindo uma forte dor de cabeça. Logo, a noite anterior passou pela sua mente e ela sentou-se assustada. Precisava ver Inácio, só podia ter tido alucinações, isso, estava imaginando coisas, não era o corpo de Inácio caído no chão atrás da casa de Lucena, ele não era o perseguidor, não era um assassino. De repente, lembrou-se de Stanley cutucando o corpo imóvel. Não! Inácio não estava morto! Não podia ser ele. Levantou-se meio zonza e foi para a sala, onde duas pessoas a aguardavam. Assim que a viu, Stanley se aproximou preocupado: -Até que enfim acordou! - Então sussurrou em seu ouvido – Acho que o gás teve efeito em você também. Antes mesmo de Maria responder, Moisés se aproximou dela. -Você está bem? Ela assentiu. -Então será que pode me explicar o que aconteceu? Onde você estava? Por que chegou desmaiada e sangrando? Maria sabia que ele estava preocupado, mas seu tom de cobrança, como se ela devesse alguma explicação a ele, a deixava irritada. Como ela não respondeu, Stanley falou: -É uma longa história que ela pode te contar depois Moisés, mas agora preciso falar com ela a sós. -De jeito nenhum! Não vou sair de perto dela agora! -Agradeço Moisés, mas realmente preciso falar com Stanley a sós. – Falou ela. Moisés concordou de má vontade e saiu de sua casa. Assim que ele fechou a porta, Maria perguntou a Stanley: -Como está o Inácio? -Ele está bem. Dormiu bem menos que você, se quer saber. -O que aconteceu ontem? Como ele se soltou? Stanley pareceu ponderar e Maria sabia muito bem o motivo, ele diria a coisa mais óbvia, Inácio a estava perseguindo, mas ela não queria aceitar isso. -E o Moisés? Como ele soube que eu cheguei desmaiada? -Não é o Moisés, Maria. Eu deixei um policial de olho nele ontem, e ele não saiu de casa a noite toda. Eu sinto muito, sei que não quer aceitar, mas foi o Inácio. Maria sentiu seus olhos se enxerem. -Ele disse que foi ele? -Ele não disse, mas o Inácio é sempre confuso e não se pode confiar no que ele fala. O que eu quero saber Maria, você disse uma coisa ontem, antes de ver que era o Inácio. Você me perguntou se eles não fugiriam. Eles quem? Havia mais de uma pessoa atrás de você? Maria tentou se lembrar, tentou se concentrar o máximo que pôde. Por que ela saíra correndo e batera na árvore? O que a fez olhar para trás? Alguma coisa desviou sua atenção, mas ela não sabia o que era. Precisava se lembrar, mas não conseguia. -Maria, eu sei que não quer acreditar. Eu defendi Inácio Edenhal todos esses anos, acredito que não foi ele quem matou Alessandra, mas acho que ele é o responsável pelas ameaças e pelos ataques a você, Lucena e Marta. Não estou dizendo que ele seja uma má pessoa, apenas não conseguiu superar a morte trágica da esposa. É melhor que se afaste de uma vez por todas dele. -Eu não vou me afastar! – Gritou Maria cansada de todos dizerem isso – Não foi ele! Ele não
estava me seguindo! Ele não é um assassino! – De repente Maria se lembrou, lembrou o que chamara sua atenção no momento em que bateu na árvore – Ele foi me salvar. Eu me lembro. Eu vi o homem com o machado e corri, mas ouvi um barulho diferente e me virei e vi outro homem, então me distraí e bati na árvore. O Inácio não estava me perseguindo, ele foi me salvar. -Maria você estava confusa, bateu a cabeça, o gás deixou-a tonta. Você teve fortes emoções na última noite. Como pode ter certeza que o Inácio não era o homem com o machado? -Porque não era! Porque o homem com o machado era menor que ele, a estatura, eu reparei isso, era diferente, ele não é forte como o Inácio. Sabia que precisaria de mais que isso para livrar Inácio. A palavra de uma garota que estava sendo perseguida, bateu a cabeça em uma árvore e desmaiou com o efeito de um gás não era forte o suficiente para derrubar o fato de Inácio estar desmaiado no local onde o perseguidor deveria estar, e ela sabia. Precisava de mais um detalhe, alguma coisa que provasse que havia mais alguém lá, qualquer coisa. Então se lembrou. -O machado! Segundos antes de você atirar o gás eu vi o homem com o machado. Mas não me lembro do machado perto do corpo do Inácio, você o viu? Stanley pensou um pouco, então se levantou num pulo do sofá onde tinha sentado. -Não. O machado não estava lá. -Tinha mais alguém lá Stanley, não daria tempo do Inácio esconder o machado. Stanley não teve como negar, realmente não daria tempo, tinha que ter mais alguém no local, alguém que conseguiu fugir ao perceber a presença dele. Alguém que era muito mais esperto do que ele imaginava e que agora sabia que eles o estavam procurando. -O que o Inácio estava fazendo lá? -Ele foi me salvar. Nós entramos no terreno do castelo, eu gritei, ele foi apenas me ajudar. Ele sempre está no lugar errado, na hora errada. Fazia todo sentido. Cada vez que alguém era atacada, Inácio estava por perto, mas nunca se lembrava de ter sido ele. -Maria, acho que estamos seguindo a pista errada, quem está fazendo isso não está preocupado com sua amizade com o Inácio. Quem está fazendo isso, está tentando culpá-lo. É alguém que tem algo contra ele, e não contra você. -A cidade inteira odeia o Inácio por causa do assassinato da Alessandra. Pode ser qualquer um! – Reclamou Maria. -De volta a estaca zero. – Falou Stanley desanimado. Depois de se despedir de Stanley e das visitas de Jessica e Ester, Maria conseguiu finalmente ficar sozinha. Marta tinha ido ver como ela estava e tinha voltado para a casa de Lucena, estava ajudando com alguma de suas obras de caridade. Era o que Maria mais precisava, ficar sozinha para poder sair. Precisava ver Inácio, saber como estava. Sua cabeça ainda doía quando pisava forte, então teve que ir mais devagar. Quando finalmente chegou a Rua Londrina, as lembranças da noite anterior passaram novamente pela sua mente a fazendo sentir arrepios e medo. Mas não sairia correndo dessa vez, precisava mesmo ver Inácio, estar com ele. Alcançou finalmente o portão e o empurrou, estava aberto. Sorriu sozinha ao ver que Inácio esperava por ela. Caminhou vagarosamente até a porta da frente, também estava aberta. Então subiu para o quarto de Inácio, onde provavelmente ele estaria. Parou na porta e avistou Inácio deitado, com uma calça larga e surrada, sem camisa e com um livro na mão. Observou um pouco os detalhes de seu corpo, então entrou em seu quarto.
-Não deveria deixar tudo aberto se tem alguém armando contra você. Inácio assustou-se com a fala repentina e se levantou num pulo, dando um jeito rápido no cabelo com as mãos. Então, olhou em volta a cama bagunçada e a calça velha e pareceu incomodado. Maria achou graça que ele se importasse em como ela o veria. -Não deveria estar aqui. Achei que o Stanley te daria o recado. -Foi você quem me pediu para voltar, lembra? Ou já mudou de ideia? Inácio abaixou a cabeça e Maria temeu, por um momento, que ele a mandasse novamente embora. Mas ele jogou o livro na cama e se aproximou dela pegando suas mãos e beijando de leve. -Eu não defendi você. Te causei isso. – Ele tocou de leve o corte em sua testa com um curativo improvisado por Jessica. -É claro que me defendeu, você me salvou. Acha mesmo que ele não teria me alcançado antes do Stanley chegar? O que o distraiu foi a sua chegada. Inácio a soltou de repente e se afastou. -Mas ele fugiu e todo esse risco não serviu para nada. -Você está enganado, serviu para o mais importante, serviu para você aceitar que não é você quem está fazendo isso. Inácio a olhou com ternura e um sorriso leve nos lábios. -Como se soltou? – Perguntou Maria vendo as cordas amarradas na ponta da cama. -Não faço ideia. Ouvi você gritar, fiquei louco. Acho que puxei com muita força, não me lembro. Só lembro que no minuto seguinte estava correndo atrás de você, e vi o machado na sua direção, tão perto do seu corpo. – Inácio parou de falar e Maria percebeu a dor e a raiva nas palavras dele. -Mas você me salvou, meu anjo. Eu não disse? Você sempre aparece para me salvar. Ela esperava que ele dissesse que ela não devia contar com isso, e que ela estava se arriscando demais ficando perto dele. Mas ao invés, ele apenas sorriu e a olhou com ternura. Maria sentiu que havia alguma coisa diferente, Inácio estava diferente. -Fui ao mercado hoje, vi seu amiguinho. – Ele comentou de repente. -O Stanley disse que não pode ter sido ele. -Eu sei, Stanley passou aqui. Mas não era sobre isso que eu ia falar. Ele, seu amigo, falou comigo, bom, ele me ameaçou. Disse que não está nada feliz com... – Inácio interrompeu a fala e sorriu, então olhou para Maria. -Com o quê? – Perguntou ela curiosa em saber o que Moisés poderia ter dito que deixou Inácio tão contente e de bom humor. -Com o nosso namoro. Sabe, eu não fazia ideia de que estávamos namorando. Maria sentiu-se mudar de cor pelo menos três vezes, tentou se explicar, mas gaguejava e nada saía. Nunca tinha ficado tão sem graça. Inácio ria de seu constrangimento, o que a deixava ainda mais sem graça, por fim, finalmente conseguiu falar. -Foi parte do plano, eu tive que dizer para a Jessica que estávamos namorando e nos encontraríamos a noite, para o perseguidor ficar sabendo. Inácio continuou rindo e se aproximou dela. Maria esperava as palavras duras e cortantes dele, mas ele apenas acariciou seu rosto. Ela se afastou dele sem graça, mas ele simplesmente a puxou pela cintura e a beijou. Não com o medo do dia anterior, nem com o desespero do primeiro beijo, mas com certeza, com uma vontade que Maria nunca tinha sentido em um beijo dele antes. Ele a segurou mais forte pela cintura, então passou o braço em volta do corpo dela, prendendo-a totalmente no abraço dele. Quando a soltou, já sem fôlego, beijou levemente seu pescoço e a manteve em seu abraço por algum tempo, encostando de leve seu rosto na cabeça dela. Maria podia ouvir seu
coração acelerado, sua respiração forte. Então, ele a apertou mais e sussurrou: -Tive tanto medo de perder você, Maria. Eu o mataria se ele tocasse em você, eu juro que seria capaz. Ela rapidamente se soltou e colocou o dedo nos lábios dele fazendo-o calar-se. -Não diga isso. Isso nunca será necessário Inácio, eu sempre estarei com você. Então ele a abraçou novamente e falou: -Obrigado. Obrigado por ter acreditado em mim. -E ainda acredito, não só sobre esses bilhetes e ataques, mas sobre a Alessandra. Então Inácio finalmente a soltou. -Isso é totalmente diferente, Maria. Eu matei a Alessandra e por mais que você acredite em mim, nada vai mudar isso. Maria sentiu o muro que existia entre eles crescer novamente, precisava impedir que isso acontecesse. -Você deveria confiar em mim também Inácio, afinal, eu fui a única certa nessa questão do perseguidor. Talvez você devesse me deixar investigar... -Não adianta mexer nisso. Isso já foi investigado... -E ninguém chegou a nenhuma conclusão. Inácio abaixou a cabeça, pensativo. -Não é justo Maria. Não é justo que eu permita que você tenha ilusões, para depois descobrir que eu realmente sou um assassino. – Então Inácio se aproximou dela novamente e a olhou nos olhos – Você suportaria descobrir isso? Maria queria mentir, queria dizer que suportaria, que ficaria ao lado dele do mesmo jeito, mas não podia. Só pensava que Inácio era inocente, e isso bastava. Não conseguia pensar no que faria se ele fosse culpado. Inácio a soltou cabisbaixo. -Foi o que pensei. -São dez anos investigando Inácio. Se você fosse o culpado já teriam descoberto isso. -Acha que eu não queria ser inocente? Eu podia não me importar antes, mas depois de conhecer você Maria, tudo o que eu queria era ter certeza que nunca vou machucá-la, que sou digno de ter você. Maria sentiu seu coração pular no peito, o abraçou com ternura, percebeu que ele não estava disposto a ceder, mas ela precisava, agora mais do que nunca, provar mais uma vez que ele era inocente. -Você me deve isso, me deve uma chance por eu ter acreditado em você, apesar de tudo. Por favor, me deixa tentar. Inácio não respondeu, nem olhou para ela, apenas caminhou até a cômoda velha e abriu uma gaveta. Tirou alguma coisa de lá e segurou por algum tempo, então se aproximou de Maria e segurou sua mão colocando algo pequeno e frio nela. Quando ele se afastou e Maria foi verificar o que era, encontrou uma chave, uma pequena chave dourada em formato de uma coroa e com um A gravado em ouro. Observou a chave um tempo, então se deu conta do que era. -Eu nunca mais voltei lá. – Falou Inácio – Nunca tive coragem. Maria não podia acreditar, ele não só estava lhe permitindo ir à parte direita do castelo, havia lhe dado a chave do quarto de Alessandra. Havia lhe dado permissão para investigar a morte dela. Mais do que isso, havia aberto a porta da esperança de que ele era inocente.
Maria andou para o lado direito do castelo tentando ao máximo controlar a excitação que tomava conta dela, olhava cada detalhe, cada canto dos enormes cômodos, finalmente conheceria mais sobre Inácio, mais sobre aquele castelo que tanto a impressionava. Ao passar pelo altar de Alessandra, sentiu uma pontada no peito, se achou ridícula por estar com ciúmes dela, mas lembrou-se que ainda precisava libertá-la. Precisava fazer com que Inácio desfizesse aquele gesto de desespero. Mas cada coisa no seu tempo, já tinha dado um enorme passo conseguindo que Inácio não a mandasse embora o tempo todo, que ele sorrisse mais vezes, que a deixasse entrar em sua vida e, principalmente, que ele se permitisse acreditar nele. Continuou andando e reparando, havia uma enorme copa com uma mesa imensa e um espelho tão empoeirado que não dava para ver nenhum reflexo nele. A mesa e as cadeiras estavam igualmente jogadas e empoeiradas. Passou por mais uma sala, parecia uma sala de televisão, havia cadeiras, sofás e almofadas no chão. A sala também era enorme e com lugar para muita gente. Perguntou-se por que Alessandra fizera tudo tão grande e para tanta gente se eram somente ela e Inácio. Mas logo percebeu que ela queria que Inácio se sentisse ainda na realeza. Então topou com uma escada em caracol que descia, mas mais a frente, havia várias portas, provavelmente os quartos. Até pensou em descer as escadas para ver o que encontraria, mas teria tempo para conhecer cada cômodo do imenso castelo. No momento, ansiava encontrar o quarto de Alessandra. Abriu a primeira porta onde se deparou com um pequeno quarto comparado aos outros quartos do castelo, onde havia uma pequena cômoda, um mini guarda-roupa e uma caminha de solteiro com um toque um tanto infantil. Lembrou-se que Alessandra estava grávida quando fora assassinada, pensou que ela já estava preparando o quarto do bebê. Deduziu que Inácio realmente não ia muito àquela parte do castelo, ou já teria desconfiado, visto que ele aparentava não saber que Alessandra estava grávida. Maria também não contou, não precisava que ele sofresse mais do que já sofria diariamente com a morte dela. Saiu do quarto pequeno para entrar no terceiro quarto, um quarto médio, de paredes desbotadas e uma cama de casal que não lembrava o luxo dos outros móveis do castelo. Perguntou-se por que Alessandra manteria apenas um quarto no impecável castelo sem a riqueza dos outros cômodos. Desejou que Alessandra ainda estivesse viva, poderia perguntar tantas coisas a ela! Saiu desse quarto e entrou por um corredor escuro, mas que tinha as paredes de um tom Salmão com pequenos desenhos feitos a fios de ouro, símbolos da realeza, Maria percebeu, Alessandra no mínimo se sentia culpada por Inácio ter abandonado tudo por ela, por isso fazia tanta questão que ele se sentisse ainda em seu reino. Maria pensou em Inácio, o Inácio que conhecia, achava que ele não se importava com essas coisas de realeza e símbolos reais, mas não sabia como ele era quando mais jovem, então não podia julgar as atitudes de Alessandra. Foi então que avistou o que tanto procurava, no final do corredor, a maior das portas do castelo. A enorme e rica porta tinha as iniciais A e I gravadas a ouro e cercadas de pequenos corações também desenhados a fio de ouro. Maria se aproximou e tocou de leve as iniciais deles, embora estar com Inácio fosse o que mais desejava na vida, se sentia triste pelo fim trágico da história de amor deles, até entendia porque Inácio não ia àquela parte do castelo, tudo era tão Alessandra, que até Maria que não a conhecia, sentia como se ela estivesse ali. Empurrou a porta, mas estava trancada, então se lembrou da pequena chave em seu bolso. Ela pegou a chave e pode reparar em como era parecida com a porta, a inicial de Alessandra, o formato da chave, a delicadeza, era a chave do quarto de uma rainha. Por um momento, sentiu-se inferior a Alessandra. Ela nunca se preocupara com o fato de Inácio ser um conde, talvez porque o conheceu vivendo na maior simplicidade possível em um castelo daquele porte, mas Alessandra era tão preocupada com aquilo, que talvez Inácio, o Inácio
normal sem culpa e tristeza, agisse como um conde e se importasse em viver como um. Então pensou no que estava tentando fazer, trazer o antigo Inácio de volta, e se depois de provar sua inocência ele se importasse em lembrar suas origens? E se fosse assim quando recuperasse o verdadeiro Inácio Edenhal, Maria não estaria à altura dele. Pois, apesar de ter algum dinheiro e ter vivido muito bem, ela era desligada nessas questões de luxo e não se importava tanto com conforto. Mas um conde devia mesmo ser acostumado a tudo do bom e do melhor. Tentou afastar esses pensamentos de sua cabeça, o importante era recuperar a vida de Inácio, sua alegria e paz. Se ele fosse um lorde cheio de frescuras, então aprenderia a se adaptar a ele. Ela destrancou finalmente a porta e entrou em um enorme e lindo quarto. Bom, o que restava de um quarto enorme e lindo, ele estava tão bagunçado e sujo, que mal dava para distinguir seus móveis. Um amontoado de roupas, sapatos, cobertores e coisas femininas espalhadas por todos os cantos, davam a entender que Inácio simplesmente juntara todas as coisas de Alessandra que ele não tinha usado no altar doente, e jogara ali de qualquer jeito para que fossem esquecidas. Realmente ele nunca mais voltara ali depois de trancar o quarto. Maria sentiu uma dor no peito e, quando deu por si, as lágrimas já estavam correndo pelo seu rosto, era como se sentisse a ausência dela, podia imaginar a dor que Inácio sentira quando jogara as coisas de Alessandra ali. Ela se aproximou de uma escrivaninha, onde um pequeno abajur quebrado estava pendurado, e dois porta-retratos quebrados estavam virados para baixo. Inácio não só jogou as coisas de Alessandra ali, ele destruiu o quarto, como se quisesse se livrar das lembranças dela. Maria pôde sentir o quanto ele ficou perdido com a morte dela, já que depois de quebrar tudo, ele simplesmente montara um altar para que ela permanecesse de alguma forma viva. Teve vontade de correr dali e abraçá-lo, mas se conteve ao avistar num canto do quarto, debaixo de algumas roupas, o que parecia uma arca empoeirada. Ela se aproximou e tirou as roupas de cima da arca, então as usou para tirar um pouco do pó que a cobria. Era um baú de Alessandra, a inicial dela também estava espalhada pelo baú em pequenos as de ouro. Tentou abrir o baú, mas estava trancado. Então olhou a chave na porta do quarto, pensou que seria sorte demais se aquela fosse a chave do baú de Alessandra, mas como só restava tentar, pegou a pequena chave e a aproximou do baú. Claramente o formato da chave era diferente do cadeado. Suspirou desanimada, como encontraria uma chave tão pequena em uma bagunça daquela? E precisava abrir aquele baú, sentia que o que procurava estava ali. Pensou em arrombar o cadeado, mas seria uma afronta a um pertence de Alessandra, não teria coragem. Foi então que, enquanto encarava o cadeado pensando em alguma forma de abri-lo, reparou que o local de colocar a chave nele parecia um desenho, ela olhou mais de perto, era o desenho da ponta de uma coroa. Rapidamente pegou a chave que havia recolocado em seu bolso, a chave era em formato de coroa, tentou encaixar a ponta da chave no cadeado e, para sua surpresa, ele abriu. Ela mal pode acreditar, levantou a tampa do baú e só encontrou papéis. Vários e vários envelopes. Ela pegou algumas roupas do chão e forrou para sentar em cima, pegou do baú o primeiro envelope, uma carta destinada a Alessandra. -Desculpa Alessandra, mas preciso fazer isso pelo Inácio. – Ela riu por estar falando com um fantasma, mas se sentiu melhor pedindo desculpa por estar invadindo a privacidade de Alessandra. Como se de alguma forma ela pudesse ouvi-la e fosse entender porque ela fazia aquilo. Olhou o envelope, não tinha remetente, abriu com todo cuidado possível o envelope já fraco e amarelado, a letra da carta era alinhada, porém mais difícil de entender que a de Inácio, e Maria teve certa dificuldade em entender algumas palavras, mas leria do mesmo jeito. Alessandra,
Não entendo porque não me responde, se é por causa do Inácio, ele vai entender, o importante pra ele é te ver feliz, não importa com quem. Se não tiver coragem, eu mesmo digo a ele o que sentimos, que não foi nossa culpa termos nos apaixonado desse jeito. Eu não me importo de perdêlo, mas não posso perder você. Do sempre seu, Álvaro Maria permaneceu em choque por algum tempo. Não podia acreditar no que estava lendo, sua mente já concluía do que se tratava, mas ela simplesmente não podia acreditar. Rapidamente, tirou outro envelope do baú, do mesmo jeito do anterior, esse envelope era destinado a Alessandra, mas sem remetente. Já não teve tanto cuidado na hora de abrir o segundo envelope, estava ansiosa. Então encontrou a mesma letra: Alessandra Não recebi sua resposta às minhas últimas cartas, mas não importa agora, logo estaremos juntos. Não vejo a hora de me encontrar com você de novo. Sinto falta do seu perfume angelical e do seu sorriso malicioso, de quando faz pirraça e até mesmo das suas birras. Logo estaremos juntos e terei você novamente em meus braços. Do sempre seu, Álvaro. Maria não teve mais dúvida, Alessandra tinha um amante. Pensou se Inácio sabia de alguma coisa, se ele nunca havia descoberto aquelas cartas. Ele provavelmente não mexia no baú de Alessandra quando ela estava viva, e não voltara ali após sua morte. O mais estranho era que por mais que as cartas fossem claras, Maria custava acreditar que Alessandra era capaz de uma coisa assim. Foi então que lhe ocorreu uma coisa, uma coisa que não queria nem pensar na possibilidade de estar certa, mas se Alessandra tinha um amante, e Inácio houvesse descoberto, ele teria motivos para matála. Ela jogou as cartas dentro do baú e correu de volta para o quarto de Inácio. Encontrou Inácio novamente deitado na cama com seu livro surrado, mas ele tinha arrumado o quarto, forrado a cama, trocado sua calça velha por uma calça jeans e vestido uma camisa um pouco amassada. O cabelo também estava mais alinhado do que quando Maria chegara ao castelo. Ela segurou o riso, mas seu coração acelerou, ele realmente se preocupava com o que ela pensaria dele. Inácio levantou-se assim que ela chegou e se aproximou dela, parecia tenso. -Achou alguma coisa? Maria não sabia o que responder, Inácio queria saber se ela encontrara algo que o inocentasse, mas ao invés, ela encontrara algo que o culpava. -Nada demais. – Respondeu ela de cabeça baixa. Inácio percebeu que alguma coisa estava errada, então se afastou dela e sentou-se na cama. -Quem é Álvaro? – Perguntou ela de repente. Maria esperava uma reação de raiva de Inácio ao falar o nome do amante de Alessandra, mas ele pareceu apenas surpreso por ela ter dito o nome dele. -Meu amigo, um amigo de infância, afilhado do meu tio, cresceu comigo no reino, mas depois que me casei, tive pouco contato com ele. Pelo modo amável como Inácio falou do amigo, Maria percebeu que Inácio não sabia sobre ele e Alessandra, talvez soubesse apenas que Alessandra tinha um amante, mas não sabia que era Álvaro.
-Ele tinha muito contato com a Alessandra no reino? -A Alessandra não gostava dele. Por que está perguntando por ele? O que encontrou? Maria gaguejou um pouco, mas logo veio uma desculpa. -Nada, só um papel com o nome dele. Fiquei curiosa, você nunca me falou dele. Inácio pareceu triste por um momento, depois falou com certo peso na voz. -Ele não fala mais comigo, não desde a morte da Alessandra. Ele nunca me perdoou. -Mas você disse que a Alessandra não gostava dele, por que ele não te perdoaria? Ela não gostava de tocar no assunto Alessandra com Inácio, mas precisava descobrir o quanto Inácio sabia sobre eles. -Acho que não foi pelo fato de ter sido Alessandra, foi pelo que eu fiz. -Não foi você! – Falou Maria firmemente – Se ele acha mesmo que foi você, então você precisa de amigos melhores. Inácio deu um meio sorriso. -Ela conversava com ele? Eles já foram amigos, ou mantiveram contato depois que vocês se mudaram para cá? -Ele não manteve contato nem comigo direito depois que me mudei para cá. Por que esse interesse todo no Álvaro? -Nada demais, só fiquei curiosa. Inácio deu um sorriso amável e se aproximou dela novamente a abraçando. -Curiosa como sempre. – Então a beijou. À noite, Maria não conseguiu dormir, as cartas de Álvaro passavam pela sua mente, enquanto uma voz lhe dizia que deveria mostrar a Inácio, contar a ele quem realmente Alessandra era. E se ele não sabia sobre a traição da esposa? E se estava sofrendo por ela todo esse tempo à toa? Logo afastou essas ideias da cabeça, sabia que era o que queria, seria mais fácil dizer a Inácio que Alessandra não era tão perfeita afinal, e ele a superaria de uma vez por todas e amaria Maria finalmente, mas a realidade era bem diferente. Se contasse a Inácio quem era Alessandra, ele ficaria em choque, magoado, ferido. Ou então se lembraria que já sabia disso e que por isso a matara. Mudou seus pensamentos para um rumo novo, um que não tinha pensado até aquele momento, mas que parecia melhor do que um motivo para que Inácio matasse Alessandra. E se o tal Álvaro não aceitasse mais ser só amante de Alessandra e como ela não terminou com Inácio, ou porque ela esperava um filho de Inácio, ele a matou? Embora Inácio houvesse dito que Álvaro morava em outro país e não teve contato com ele após a mudança para o Brasil, havia decidido, qualquer coisa era melhor do que aceitar que Inácio tinha um motivo para matar Alessandra, ela investigaria Álvaro dali em diante.
Capítulo 14 No dia seguinte Maria resolveu não ir ao castelo, preferiu não encarar Inácio, não queria mentir se ele perguntasse alguma coisa e nem dizer a verdade logo quando ele estava começando a acreditar em sua inocência. Decidiu passar um dia com Jessica, há muito tempo não fazia isso e sentia falta da nova melhor amiga. Após contar a Jessica sobre as cartas que encontrara no quarto de Alessandra, a amiga teve a mesma reação que qualquer um teria. -Maria! Mas isso quer dizer que o Inácio matou a Alessandra! -Não quer dizer não! Eu não li o diário do Inácio confessando tudo, eu li cartas de algum Álvaro para a Alessandra. Acho que o Inácio nunca leu essas cartas, ou não estariam lá. -Mesmo que não tenha lido, se ele descobriu a traição dela, pode ter achado que tinha motivos para fazer o que fez. E se esse filho que ela esperava não fosse do Inácio e sim do tal Álvaro? Maria fez uma careta como se aquilo fosse absurdo. -O que o Inácio disse sobre essas cartas? Maria abaixou a cabeça. -Você não contou a ele? Maria! -Eu não pude Jessica! Não agora que ele está começando a acreditar que é inocente, eu não posso jogar uma bomba dessas em cima dele e esperar que fique tudo bem. -Mas e se ele for culpado? Eu sei que está apaixonada por ele, mas até quando vai defendê-lo se ele for realmente o assassino da Alessandra? Ela não respondeu de imediato, depois de um tempo, disse: -Ele não é! Se ele fosse eu não o defenderia, mas ele não matou a Alessandra. -Nem você acredita realmente nisso Maria. Ainda mais depois dessas provas. -Que provas? – A voz de Stanley vinda de trás de Maria a fez dar um pulo da cadeira. Elas estavam tão focadas na conversa que não perceberam a chegada dele. Maria olhou Jessica com medo de que ela contasse, mas ela deu de ombros e desconversou. -As provas de que o Moisés é o tal perseguidor. Stanley olhou as duas, desconfiado. -Não é ele, eu já disse isso a Maria. Achei que estivessem falando do Inácio. -Estávamos falando de tudo. – Falou Jessica. Percebendo que Maria estava muito calada, Stanley se aproximou dela. -Alguma novidade, Maria? -Não, nenhum bilhete, nem perseguição, nada desde aquela noite. -E sobre a Alessandra? Maria o encarou com ar de confusão. -Por que eu teria novidades sobre a Alessandra? Stanley deu de ombros, mas achou que Maria estava estranha. -Eu preciso ver o Inácio. – Falou ela piscando para Jessica e saindo. Enquanto caminhava para o castelo, onde nem pretendia ir naquele dia, pensou na reação de Jessica ao saber das cartas, a mesma que ela teve quando leu. A mesma reação que teriam Stanley e Inácio se descobrissem, ela não podia permitir que Inácio descobrisse sobre aquelas cartas, ele não podia lê-las. E se depois de deixar que a porta do quarto de Alessandra fosse aberta novamente, ele
decidisse voltar lá? E se ele encontrasse as cartas? Maria apressou o passo, precisava impedir que Inácio descobrisse, pelo menos até descobrir mais sobre Álvaro. Ao chegar ao castelo, o portão estava aberto e, para surpresa de Maria, Inácio estava com uma calça surrada e um boné na cabeça, sem camisa, limpando o jardim. Maria parou no portão e observou por um tempo não acreditando no que estava vendo, mas não era ilusão, ele estava arrancando o mato que cobria as flores e arrancando as ervas daninhas. Aproximou-se e bateu palma, fazendo-o pular. -Parabéns! Seu jardim agradece. – Brincou ela. -Você nunca faz barulho quando chega. – Falou ele abrindo um enorme sorriso ao vê-la. -Hábito de toda boa curiosa. Inácio se aproximou dela e a beijou de leve nos lábios, mas não a tocou. Maria o encarou. -Estou todo sujo, espere eu tomar um banho. – Explicou ele o motivo de não tê-la abraçado como ela esperava. Maria sorriu e o abraçou assim mesmo, então ele a puxou e a beijou. -E então? Vai me explicar por que estava tão estranha ontem? – Perguntou ele. -Eu não estava. Inácio a encarou como se não acreditasse no que ela disse, mas resolveu não insistir. Os dois subiram e Inácio foi tomar um banho, Maria aproveitou para pensar em como tiraria as cartas de Álvaro do quarto de Alessandra, percebeu que não conseguiria carregar a enorme arca até sua casa e nem escondê-la de sua tia. Tinha que encontrar outra forma de impedir que mais alguém encontrasse as cartas. Então avistou a solução brilhando a sua frente, em cima da cômoda de Inácio: a chave do quarto de Alessandra. Levantou-se e a pegou, por um momento ficou observando a pequena chave. Então Inácio saiu do banho e avistou a chave em sua mão. -Imaginei que viesse aqui para voltar ao quarto. – Falou ele. -Você foi lá? – Perguntou Maria temendo a resposta dele. Inácio negou com a cabeça e nem precisou explicar o motivo, Maria podia entender perfeitamente. -Mas você pode voltar lá quando quiser. - Falou ele sorrindo para ela, mas era um sorriso triste. Maria se aproximou dele e o abraçou, seu corpo ainda estava um pouco molhado do banho, então Maria sentiu seu coração acelerar e seu corpo de repente ficou quente. Inácio se afastou dela sorrindo, mas era um sorriso diferente do seu habitual, um sorriso malicioso, percebeu Maria. -É melhor você ir investigar o quarto. Maria assentiu rindo, quando ia saindo, teve uma ideia. -Inácio, você se importaria se eu levasse essa chave para casa comigo? Inácio pareceu estranhar o pedido de Maria. -Não. Ela é sua, faça o que quiser. Maria assentiu e voltou a andar para o seu destino. Se carregasse sempre a chave com ela, não teria perigo de Inácio e mais ninguém descobrir aquelas cartas. Ela não gostava de ter segredos com Inácio, mas era melhor assim, assim que descobrisse mais alguma coisa sobre o tal Álvaro, contaria tudo a ele. Ao passar pela escada que descia, pensou novamente em ir ver o que tinha lá embaixo, mas logo se conteve e correu em direção ao quarto de Alessandra. Abriu a porta com tristeza dessa vez, não queria encontrar mais provas que possivelmente culpariam Inácio, respirou antes de entrar no quarto pedindo a Deus que dessa vez encontrasse algo que o inocentasse. Ao entrar no quarto, encontrou tudo como havia deixado, a bagunça de antes, o mesmo clima de dor e desespero, e num canto, a arca aberta. Se culpou por ser tão descuidada, qualquer um avistaria a arca da forma como ela a havia deixado. Aproximou-se novamente da arca e separou as cartas que
já havia lido. -Muito bem, somos só vocês e eu agora, tenho o dia todo para descobrir o que aconteceu. – Falou ela encarando as cartas como se fossem inimigas. Ela pegou a primeira carta do dia, o mesmo envelope fino, amarelado. Quando abriu, a mesma letra confusa. Alessandra, Inácio me enviou um convite para que eu vá visitá-los, no começo não aceitei, mas não suporto mais essa saudade. Estou pensando seriamente em visitá-la. Penso que é o momento certo para contarmos a ele sobre nós. Se não me responder, entenderei que é condescendente com minha decisão. Do sempre seu, Álvaro
Percebeu que as outras cartas de Álvaro não tinham data, mas essa tinha, 13 de Abril, aproximadamente dois meses antes da morte de Alessandra. Rapidamente ela pegou o próximo envelope, será que Alessandra morrera antes ou durante a visita de Álvaro? Será que Álvaro contara a Inácio sobre a relação dos dois e por isso ele matou Alessandra? Maria tirou logo essa ideia da cabeça. Então, leu novamente uma linha da carta: Se não me responder, entenderei que é condescendente com minha decisão. -Se não me responder. – Repetiu Maria. Algo a dizia que Alessandra não tinha o costume de responder as cartas de Álvaro. O que podia significar que ela já não o queria mais, queria ficar com Inácio, e se isso fosse verdade, daria a Álvaro motivos para matá-la, não a Inácio. Precisava encontrar mais cartas dele, qualquer carta que ameaçasse Alessandra, ou que demonstrasse que ela não estava tão envolvida com ele, próximo a sua morte. Ela pegou mais duas cartas de dentro do baú. Dessa vez, uma carta era o mesmo envelope das cartas de Álvaro, mas a outra, não estava em um envelope. Era uma carta escrita em uma folha de caderno, com uma letra feminina, Maria ficou curiosa em ler de quem mais Alessandra recebia correspondências, então abriu essa primeiro. Assim que abriu, a data no inicio da folha chamou sua atenção, 03 de Junho, duas semanas antes da morte de Alessandra. Apressou-se em ler a carta: Alessandra, você precisa contar tudo para o Inácio. Esse homem está fora de si, ele pode realmente machucá-la, você deve levar as cartas dele a policia, entregue ao Inácio, faça qualquer coisa, mas não o ignore, você não sabe do que um homem rejeitado pode ser capaz. Se não o fizer, eu mesma farei. Pense com carinho, Isabel. Maria estacou, leu novamente a assinatura, era Isabel. Seria Isabel Damasceno? Só podia ser ela, ela disse que revelaria o verdadeiro assassino, ela visitou Inácio na cadeia. Ela era amiga de Alessandra, e se Alessandra estava sendo ameaçada e deveria mostrar as ameaças a Inácio, então não era Inácio quem a ameaçava. Maria sentiu-se sorrindo sozinha, de repente foi como se um peso tivesse sido tirado de seu peito, Inácio não matara Alessandra, tudo o que tinha que fazer para
provar, era encontrar as cartas de Álvaro que ameaçavam Alessandra por tê-lo rejeitado. Ela se ajoelhou diante da arca, mas havia tantas cartas lá dentro! Ela levaria dias para encontrar a certa. Então teve uma ideia, começou a abrir todos os envelopes e olhar as datas, as que não tinham data, ela sabia que eram mais antigas, as que tinham, eram de antes da última carta de Álvaro que ela leu. Precisava encontrar cartas datadas de depois da que Álvaro enviou no dia 13 de Abril. Enfiou a mão no fundo da arca e ainda faltavam tantas cartas! Então encontrou algo diferente, algo duro. Ela segurou firme e puxou do fundo da arca, era um diário. Maria o encarou como se tivesse encontrado um tesouro, se Alessandra teve um caso com Álvaro, se ela tinha problemas com Inácio, se um dos dois a ameaçava, ela com certeza teria relatado isso no seu diário. Só havia um pequeno problema naquele momento, ele estava trancado. Ela encarou a pequena chave na porta. Não, a chave abrira a porta e a arca, não podia esperar que abrisse também o diário, mas não custava tentar. Tentou colocar a chave de todas as maneiras possíveis na fechadura do diário, mas definitivamente, ela não o abria. Olhou em volta o quarto revirado, jamais encontraria uma chave daquele tamanho naquele quarto tão bagunçado. Tinha que começar de algum lugar, então foi revirando as gavetas, as cômodas, o guardaroupa enorme, tossiu muito com a poeira quando o abriu. Após umas duas horas que estava procurando, estava exausta e nem sinal da tal chave, quando olhou pela janela já havia escurecido, Inácio deveria estar louco e ela tinha que voltar para casa. Pegou algumas roupas e, fechando a arca, a encobriu totalmente, pegou o diário e saiu do quarto trancando-o e se certificando que estava realmente trancado. Não permitiria que nada estragasse sua investigação, até provar que Álvaro matara Alessandra, não Inácio. Quando chegou ao quarto de Inácio, ele estava nervoso, andando de um lado para o outro. Assim que a viu, correu até ela e a abraçou fortemente, quase a sufocando, mas Maria não reclamou. Então ele a soltou e a olhou furioso. -Eu quase fui atrás de você! Como fica tanto tempo assim enfiada num quarto? -Desculpa Inácio, eu perdi a noção da hora. Inácio reparou algo na mão dela, ao ver a capa vermelha, nem precisou pegá-lo para saber o que era, o diário de Alessandra, ela andava com ele para cima e para baixo e não permitia que ninguém o tocasse, nem mesmo ele. Já imaginava porque Maria o havia tirado do quarto, ela queria a chave. -Posso te fazer umas perguntas? - Falou ela docemente. -Não acho que seja a melhor hora. -É importante. – Insistiu Maria. Ela se aproximou dele e o pegou pela mão sentando-se com ele em sua cama. -Você disse que o tal do Álvaro não teve mais contato com você depois que se mudou para cá, você nunca mais o viu? Inácio pareceu estranhar a pergunta dela. -Você achou mais coisas sobre o Álvaro? -Talvez. Olha Inácio, eu preciso que me responda tudo o que perguntar, mas não me faça perguntas. Não por enquanto, pelo menos. -Por que todo esse mistério? -Isso é uma pergunta. – Repreendeu Maria – Porque eu sei que como sou uma ótima curiosa, você vai querer saber minhas fontes, mas não pode, por enquanto. Então por favor, confie em mim e não me faça perguntas. Inácio pensou um pouco, mas acabou achando graça de Maria bancando a detetive, não esperava que ela fosse descobrir muita coisa mesmo. -Sim, eu o vi. Eu o convidei para passar as férias conosco, no mês de Junho, no mês em que... –
Inácio não conseguiu falar. Maria se sentiu triste ao ver que não estava ajudando Inácio a superar realmente a morte de Alessandra. -Continue Inácio, eu sei o que aconteceu em Junho. -Bom, ele ia vir para cá, mas a Alessandra não gostou da ideia. Como eu disse, ela nunca gostou dele. Nós acabamos discutindo por isso, ele era meu amigo, as amigas dela viviam aqui, eu queria ter alguém para conversar. Então nós brigamos. – Inácio parou novamente e a olhou, como se o que ele fosse dizer a seguir fosse uma confissão de culpa – Nós discutimos no dia em que... Antes que ele dissesse no dia que eu a matei, Maria o abraçou interrompendo. -Isso não quer dizer nada, casais brigam o tempo todo. – Falou ela, mas no fundo saber de mais um motivo para Inácio estar de alguma forma com raiva de Alessandra no dia do assassinato a deixava apreensiva. -Nós discutimos e eu fui buscar o Álvaro na rodoviária. E quando eu voltei... -Então ele esteve aqui? No dia da morte da Alessandra? – Perguntou Maria quase aos gritos. Só quando viu o olhar confuso de Inácio percebeu que o estava assustando. -Não, ele não apareceu. Eu esperei por ele por muito tempo, mas quando o ônibus chegou, ele não estava, e ele me disse que viria de ônibus, dispensou os carros que eu mandaria buscá-lo. Maria abaixou a cabeça desanimada. -Mas você disse que o viu. Como? Se ele não esteve aqui? -Ele não esteve aqui nesse dia, mas veio no dia seguinte, conversou pouco comigo, como eu disse, ele não me perdoou. Apenas me examinou e me aplicou um sedativo. -Ele é medico? – Perguntou Maria. Inácio assentiu. -Isso explica aquela letra confusa. – Falou ela sem querer. Inácio arregalou os olhos e ia perguntar, mas ela logo o cortou. -Sem perguntas, lembra? Então ele se conteve. -Isabel Damasceno e Alessandra eram muito amigas? – Perguntou ela tentando fugir um pouco do assunto Álvaro, lembrar o ex-amigo deixava Inácio triste. Inácio pareceu estranhar a mudança repentina de assunto. -Sim, muito amigas. -E o que ela te disse quando foi te visitar na cadeia? Inácio respirou fundo com um meio sorriso que indicava impaciência. Mas Maria o olhou com aquele jeito doce e insistente de quem acreditava nele e só queria ajudá-lo, ele não podia decepcioná-la. -Ela disse que me ajudaria a provar minha inocência. -Ela acreditava em você, viu como não sou só eu? Inácio deu enfim um sorriso amável e passou a mão pelo rosto dela. -Ela disse como? – Perguntou Maria. -Não. Ela disse apenas que sabia exatamente o que fazer. Inácio abaixou novamente a cabeça, Maria sabia o porquê, pelo final que Isabel tivera, ela podia saber tudo, menos o que fazer naquele momento. Então Inácio se levantou com a mão na cabeça e uma expressão pesada, a que Maria conhecia e detestava. -Já te ocorreu que todos que tentam me ajudar acabam de alguma forma... – Antes que Inácio
terminasse a frase, Maria se aproximou dele e o beijou. -Não, não me ocorreu nada. E não me importa. O que importa agora é provar sua inocência para ver se você fica um pouco mais bem humorado. Inácio tentou rir da piada dela, mas estava com aquilo na cabeça. Então Maria pegou o diário em cima da cama e o mostrou a Inácio. -Você faz alguma ideia de onde possa estar a chave? -Não. – Disse ele. – E por que você quer abrir o diário dela? -Sem perguntas Inácio. Posso levá-lo comigo? É realmente necessário. -Não, não pode. – Falando isso Inácio tirou das mãos de Maria o diário. – Você já está indo longe demais Maria, gostaria que a privacidade dela fosse respeitada. -Claro! Porque ela vai vir reclamar comigo se eu invadir a privacidade dela. – Respondeu Maria sentindo ciúmes da possessividade de Inácio em relação a Alessandra. Ele a olhou com ar de tristeza e ela logo se arrependeu. -Desculpa Inácio, eu não queria... -É melhor você ir. Essa brincadeira de detetive já está indo longe demais. Maria assentiu e saiu cabisbaixa. Pegou apenas a chave em seu bolso, mas sabia que se Inácio quisesse ler o diário de Alessandra, agora que estava nas mãos dele, descobriria tudo do mesmo jeito. Então outro lado dela falou mais alto, a razão que ela raramente ouvia quando se tratava de Inácio, ou talvez ele já soubesse o que estava escrito ali, mas não queria que Maria descobrisse. Na manhã seguinte, quando estava chegando perto da biblioteca, foi abordada por Stanley, que parecia nervoso. -Está tudo bem? – Perguntou ela. -Sim, acabei de vir do castelo, soube que você pôde ir ao quarto da Alessandra. Encontrou alguma coisa lá? Maria ficou tensa e Stanley percebeu. -Nada demais, só pude ver o quanto Inácio sofreu com a morte dela. -Sei, e mais nada? Nenhum objeto, alguma foto, algum sinal de violência, nenhuma pista do assassino? Maria pensou em contar a ele, afinal, ele a ajudava tanto. Mas sabia que assim que dissesse, ele diria que Inácio era o assassino, era o obvio. E como ela não tinha encontrado as cartas de Álvaro ameaçando Alessandra, não diria nada até ter certeza de alguma coisa, ou seja, até encontrar as cartas e inocentar Inácio. -Não achei nada. -E por que parece nervosa em falar sobre isso? -Coisas minhas, não tem nada a ver com a morte da Alessandra. Jessica se aproximou deles percebendo a confusão, mas Stanley nem percebeu, parecia sentir que Maria escondia alguma coisa. -Você vai voltar ao quarto dela? Maria deu de ombros, como se não fizesse questão. Essa foi a deixa para Stanley, a Maria que ele conhecia vasculharia o quarto até encontrar alguma pista, ou alguma prova que Inácio era inocente. A não ser que tivesse encontrado alguma prova que o incriminasse. -Ele não me deixou ir lá, só deixa você. Só você pode descobrir qualquer pista sobre o assassinato dela, depois de tantos anos investigando, você está mais perto do que qualquer um já esteve de descobrir alguma coisa. – Falou ele. Maria olhava para o teto, para o chão, para as árvores, menos para Stanley. Ele se cansou de tentar
fazê-la falar por vontade própria, então a prendeu na parede apertando seus braços. -Uma pessoa morreu, Maria! Se você descobriu alguma coisa que incrimine Inácio tem que falar! -Eu não descobri nada! Você está ficando louco? Me solta! -Você está mentindo! – Gritou ele - Maria, ela foi a vitima, não ele. Por mais que o Inácio sofra, ela foi a pessoa inocente assassinada. -Talvez ela não fosse tão inocente assim! – Gritou Maria. Stanley a encarou, então afrouxou o aperto em seu braço e a olhou nos olhos: -Me diga, o que ela pode ter feito para merecer ser assassinada daquele jeito? Maria abaixou a cabeça, mas Stanley levantou seu rosto de forma que pudesse olhar em seus olhos. -O que uma pessoa pode fazer para merecer um fim desses, Maria? Ela sentiu as lágrimas escorrerem em seu rosto. -Eu não sei de nada Stanley, e achei que você acreditasse no Inácio. Nesse momento Inácio apareceu, estava passando por perto, mas tinha ouvido os gritos deles. Avistou Maria chorando encostada na parede, sem saída e Stanley a segurando pelo ombro. -Tire as mãos dela! – Gritou ele – O que acha que está fazendo? Stanley se afastou de Maria rapidamente. -Não é nada demais Inácio, só acho que não conhecemos essa garota tão bem como pensamos. Maria queria responder, mas as palavras nem saíram. Stanley nem se despediu, apenas foi andando, mas parou um pouco adiante e olhou para ela: -Eu vou descobrir de qualquer jeito, Maria. -Quando houver algo para ser descoberto, eu tenho certeza que vai. – Respondeu ela. Assim que ele saiu, Inácio a encarou. Ela pensou em correr para seus braços e se acalmar, mas quando deu um passo na direção dele, ele se afastou, e Maria percebeu que ele não queria ser visto com ela. Então correu até Jessica e as duas entraram para a biblioteca. Inácio queria ir atrás, mas não queria que tantas pessoas o vissem perto dela. Então, olhou-a novamente pelo vidro da biblioteca, onde Jessica o encarava e saiu andando. Mas permaneceu do outro lado da rua reparando se Maria estava melhorando, se ela precisaria dele. -Maria! Ele está ainda mais lindo! – Comentou Jessica quando Maria tinha se acalmado. -Eu sei. Então Moisés entrou na biblioteca, parecia muito preocupado. -Maria o que aconteceu? Por que está chorando? Por que brigou com um policial? -Eu te explico no caminho. – Respondeu ela levantando-se de repente. -Caminho? -Preciso que me leve a Ponta Bela, e preciso que seja agora. Moisés ia perguntar por que, mas já estava desistindo de tentar entender as loucuras de Maria, se ela precisava dele, simplesmente a ajudaria. Ele assentiu e mostrou a chave do carro, e Maria foi com ele sem dizer uma palavra. Quando chegaram a Ponta Bela, Maria o fez estacionar em frente ao hospital, mas ele não esperava que fosse exatamente lá que ela fosse entrar. Seguiu-a até o saguão e só quando a ouviu perguntar por uma paciente, se deu conta do que ela tinha ido fazer ali. -O que está fazendo? Por que quer falar com Vitória Damasceno? Maria, não diga que ainda está insistindo nessa história de provar a inocência do assassino? -Não fala assim dele. – Falou ela com toda calma possível – Você vem comigo? Moisés pareceu resistir, mas Maria segurou sua mão.
-Por favor. Então ele acabou cedendo. Vitória estava agora com 18 anos, estava sozinha em um balanço com um vestido um tanto infantil para a idade dela e seu cabelo quase laranjado, queimado de sol, esvoaçante. Ao se aproximarem dela, perceberam que ela cantava olhando para o chão. Maria sentiu uma dor no peito e segurou forte a mão de Moisés que retribuiu o gesto. Essa menina era quase da idade dela, mas era tão triste o estado em que se encontrava. Por um momento, arrependeu-se de ter ido ali, tocar no assunto que a deixara daquele jeito, pensou em ir embora e correu de volta para o carro. Lá ela chorou por alguns minutos, enquanto Moisés, ao lado dela, apenas recostou sua cabeça em seu peito e ficou acariciando seu cabelo, tentando confortá-la. Depois que a angústia em seu peito passou, ela respirou fundo e desceu do carro, Moisés desceu atrás dela assustado. -Aonde você vai? -Falar com a Vitória, foi para isso que vim aqui. -Você viu o estado dela, não poderá ajudar. -Não vou saber se não tentar. – Respondeu ela caminhando de volta para o hospital e ele a seguiu. Maria tinha ficado por volta de trinta minutos chorando no carro, mas quando retornaram, Vitória ainda estava do mesmo jeito que a deixaram. Rodopiando em um balanço e cantando sozinha. Maria pediu a uma enfermeira uma escova e um laço, e se aproximou dela. Tentou encontrar as palavras certas para puxar assunto, mas não foi preciso. A menina a olhou com longos e insistentes olhos castanhos, tão claros, que combinavam perfeitamente com seu cabelo iluminado. -Você é um anjo? – Perguntou ela. Maria sorriu com ternura. -Não, por quê? Acha que sou um? -Acho que é, porque você é bonita como minha mãe e a tia Alessandra, e elas são anjos agora. Maria sentiu uma pontada no peito, mas se controlou. -E você fala sempre com elas? -Falo com a mamãe só quando estou dormindo. -Ela sonha. – Sussurrou Moisés, mas Maria fez sinal para que ele ficasse quieto. -Mas a tia Alessandra me visita às vezes. -Quando está acordada? – Perguntou Maria. Vitória assentiu. Moisés encarou Maria como se a menina fosse louca e ele tivesse avisado isso. -Vamos fazer um trato? Você me deixa pentear seu cabelo enquanto me conta mais sobre a tia Alessandra. A menina sorriu e assentiu. Então Maria deu a volta para trás do balanço e começou a pentear da forma mais delicada possível o cabelo emaranhado dela. -O que quer saber? – Perguntou a menina. -Quem mais te visita? -O tio Inácio, mas ele não é um anjo, só é bonito como um. Maria sorriu com o comentário. -Mas ele está diferente agora. Acho que está mais feliz. – Comentou a menina. -Por que ele estaria? – Perguntou Moisés. -A tia Alessandra disse que ele está apaixonado. Maria encarou Moisés, que revirou os olhos como se não acreditasse em Vitória. Começou a trançar o cabelo dela, de vez em quando a menina passava a mão e elogiava a trança de Maria.
-Então, como sua mãe e a tia Alessandra viraram anjos? – Perguntou Maria. Vitória abaixou a cabeça e ficou calada. -Se não quiser responder não precisa, querida. – Falou Maria colocando o laço na cabeça dela e dando a volta para frente dela novamente, onde abaixou e tocou de leve o rosto dela. -Não foi o tio Inácio, ele não sabe a verdade, não sabe de nada. Foi aquele monstro que mandava as cartas. Mas a tia Alessandra não quis contar para o tio Inácio, você precisa contar para ele, ele não acreditaria em mim, precisa dizer a ele que ele nunca machucou a tia Alessandra, nem a mamãe, as duas o amam. Vitória estava muito agitada e Maria temeu que ela passasse mal, então a abraçou tentando acalmála. -Tudo bem querida, eu acredito em você, eu vou dizer a ele. Você sabe onde estão essas cartas? -Minha mãe disse que estão no castelo, mas quando íamos pegar para tirar o tio Inácio da prisão, o monstro chegou primeiro. Ele disse a minha mãe que ela não ia fazer nada, então meu pai veio defendê-la e o monstro me bateu, e então... -Tudo bem querida, não precisa terminar. -Meus pais viraram anjos, por causa dele. -Você sabe o nome dele? – Perguntou Moisés, mas a menina negou com a cabeça. Percebendo a tristeza da garota, Maria resolveu mudar de assunto. -Você tem um espelho para ver como está bonita? A menina correu e voltou com um espelho de mão, onde sorriu ao ver o novo penteado. -Obrigada, eu amei. – Falou ela contente. -Maria, precisamos ir, vai escurecer. – Chamou Moisés. Ao ouvir o nome dela, a menina arregalou os olhos e apertou a mão de Maria. -Você é a Maria? A Maria do tio Inácio? Maria se sentiu confusa e assentiu. -Ele falou de mim? -Não, a tia Alessandra falou. Ela disse que você vai libertá-lo. Disse que ele não está mais triste porque encontrou outro anjo. Ela estava certa. Moisés apertou o braço de Maria, puxando-a. -Chega Maria, vamos embora. Maria despediu-se de Vitória e foi com Moisés para o carro. -É claro que o Inácio a mandou dizer essas coisas para você. – Falou Moisés. -Claro, e ele sabia que eu viria aqui hoje. -De qualquer forma isso não prova nada porque ninguém vai acreditar na palavra de uma louca, uma menina que fala com mortos. – Falou ele. -Eu acredito. E isso basta. – Respondeu Maria irritada. – E você sabe que acredita também. Moisés não queria admitir, e nem respondeu Maria, era estranho demais que a menina soubesse sobre ela e improvável demais que tivesse decorado toda aquela história se nunca era visitada para precisar contá-la. Quando chegaram à casa de Marta, já passava das onze e a casa escura, indicava que Marta já estava dormindo. Maria agradeceu a Moisés a carona e desceu do carro, mas ele desceu atrás dela. -Maria, espera. Eu queria te perguntar uma coisa. -Pergunte. -Aquela história do namoro entre você e o assassino... Maria ia reclamar da forma como ele chamou Inácio, mas percebendo, ele corrigiu.
-O Inácio. Essa história não é verdadeira, é? Vocês não estão realmente namorando? Maria abaixou a cabeça triste por realmente ser falsa a história do namoro. -Não, não estamos realmente namorando. Os olhos de Moisés brilharam por um momento. -Olha Maria, eu sei que não me conhece direito e que logo planeja ir embora da cidade, quando completar seus vinte e um anos, mas eu queria que soubesse o que sinto por você. Desde a primeira vez que eu te vi, eu me apaixonei por você a primeira vista, eu não me importo de te ajudar com suas loucuras, de te acobertar, eu sei que às vezes eu extrapolo, chamo sua atenção como se você me devesse alguma coisa, mas é porque eu me preocupo com você. Às vezes parece que você precisa de proteção 24 horas por dia, ou se mete em alguma encrenca, eu só queria que você me permitisse fazer isso. Que me permita cuidar de você, te mostrar o que eu sinto, que me dê uma chance de conquistar você. Eu te amo. – Por fim ele finalizou após falar sem parar. Maria não sabia o que fazer, de repente sentiu pena de Moisés e não queria se sentir assim, não queria machucá-lo dando um fora nele, mas não podia dar esperanças a ele, o que o machucaria muito mais e ainda machucaria Jessica. Ele se aproximou dela e segurou suas mãos, mas quando ia beijá-la, ela se afastou. -Me desculpe Moisés, eu sei que tudo o que faz por mim é porque se importa, mas como pode me amar se nem me conhece também? Moisés abaixou a cabeça. -Então permita que eu te conheça melhor e que você me conheça melhor, é muito mais saudável do que conhecer um assassino. Maria se soltou das mãos dele. -Eu sinto muito Moisés, não quero que se sinta assim por mim e se alguma vez eu te dei esperanças, me desculpe. Mas mesmo que todos digam que o Inácio é um assassino, e mesmo que nosso namoro seja de mentira, eu estou apaixonada por ele. E é somente ele que gostaria de conhecer melhor. Eu sinto muito. Moisés assentiu enquanto prendia as lágrimas que se formavam em seus olhos, Maria queria abraçá-lo e consolá-lo, mas teve medo de dar mais esperanças a ele. Então ele se virou e entrou no carro indo embora. Maria avistou o carro sumir de vista, e quando se virou novamente para entrar em casa, topou com Inácio encostado em sua porta. Ela deu um pulo de susto. -Inácio que susto! Desde quando está ai? -Eu cheguei um pouco antes de vocês. Estava te esperando, não queria ter ouvido sua conversa. Maria percebeu que ele parecia nervoso. -Onde estava até essa hora com esse cara? -Você não pode me fazer perguntas, Inácio. Ele abaixou a cabeça, ainda parecia nervoso. Maria se aproximou da fechadura da porta, mas ele a puxou. -Vem comigo, vim te buscar. -Para onde? -Eu preparei uma coisa para você. -Eu preciso de um banho. -Eu te espero, é importante. Maria assentiu. -Eu já volto.
-Eu esperarei o tempo que for preciso. Maria entrou em casa e foi tomar um banho, sentia uma excitação que nunca sentira antes, não sabia se era vergonha por Inácio tê-la ouvido dizer que era apaixonada por ele, ou se era alegria por ele ter ido buscá-la para o que quer que fosse que ele havia preparado para ela, ou se era medo, por sair com ele àquela hora, para um lugar que não sabia onde era, quando mais ninguém sabia onde ela estaria. Só sabia que iria com ele aonde ele quisesse, porque sempre seguia o que seu coração pedia, e seu coração desejava apenas estar com Inácio.
Capítulo 15 Maria foi andando com Inácio lado a lado, mas ele não disse uma palavra enquanto passavam pelas ruas escuras e silenciosas, ela sabia que se alguém a visse com ele, mesmo que não o reconhecessem, já que ele estava com aquele capuz de sempre que cobria quase todo seu rosto, Marta e toda a cidade saberiam na manhã seguinte que ela estava na rua aquela hora da noite com um homem desconhecido. Percebeu que estavam indo em direção ao castelo, queria perguntar o que estava acontecendo, mas o silêncio de Inácio a estava deixando irritada, então resolveu retribuir seu silêncio. Quando entraram na Rua Londrina, um gato preto passou por eles fazendo Maria gritar de susto, Inácio simplesmente a olhou rindo, seu humor parecia estar melhorando. O castelo estava todo escuro e Maria ficou se perguntando o que Inácio queria com ela naquele lugar escuro. Ele abriu o portão e esperou que ela passasse, mas ela apenas o encarou e continuou parada na rua. -Não vai entrar? – Perguntou ele tenso. -Por que não tem nenhuma luz acesa? Inácio riu da desconfiança dela, mas era um sorriso triste. -Porque eu não tenho energia aqui, achei que se lembraria disso. Vendo que ela parecia em dúvida, ele insistiu. -Está com medo de mim? Maria o olhou por um momento, o jeito sério dela o estava perturbando desde que saíram da casa dela, mas finalmente ela sorriu e entrou. -Sabia que sua birra não ia durar muito, mas achei que teria que carregar você. – Ele comentou. Ela o encarou. -Birra? Você está dizendo que eu estou fazendo birra? – Maria estava irritada que ele pensasse que ela sairia com ele até o castelo aquela hora da noite para fazer birra, como ele não percebeu que ela estava usando com ele a mesma lei do silêncio que ele usava com ela? -Eu me esqueço de que você é só uma menina. – Falou ele irritando-a ainda mais. -Claro senhor, desculpe minha falta de maturidade, eu me esqueço de que você é tão mais velho. Quantos anos tem mesmo? Sessenta? Inácio riu do jeito birrento dela. Os dois entraram no castelo, mas, quando Maria ia subir para o quarto de Inácio, onde era acostumada a ir, ele a puxou para baixo novamente. -Não é por aí, sua danadinha. Maria sentiu-se corar e agradeceu em silêncio pela escuridão do castelo que não permitia que Inácio percebesse sua vergonha. Ele segurou sua mão e a guiou, ela não entendia como ele conseguia se mover tão rápido no escuro, mas não estava funcionando para ela, ela tropeçava em tudo e toda hora gritava. Por fim, Inácio a pegou no colo e a levou finalmente para um lugar iluminado, a sala de jantar. Quando foi colocada no chão, nem teve tempo de agradecer a gentileza de Inácio, pois estava diante de uma sala iluminada por várias velas em lindos castiçais e uma mesa enorme, repleta de talheres finos e pratos de prata que reluziam seu reflexo abobado. Algumas flores do jardim do castelo estavam em um vaso sobre a mesa e tudo parecia extremamente romântico. Ela encarou a mesa arrumada por algum tempo, antes de conseguir finalmente falar: -O que é tudo isso? -Eu fiz para você, para que não fique esse clima pesado entre a gente. – Respondeu Inácio. Percebendo que Maria parecia tensa, ele brincou:
–E olha que eu nem sabia que você era apaixonada por mim. Maria o encarou sentindo-se corar, ele estava sorrindo. -Eu não sou. -Mas foi o que você disse para o seu amiguinho insistente, ou vai dizer que foi só uma desculpa para se livrar dele? -Também. – Respondeu Maria. -Também? Então você se declarou para mim e ainda se livrou dele com uma frase só? -Eu não me declarei para você! – Corrigiu ela. -Tudo bem Maria, se acalme, eu realmente não me importo com isso. Você pode se declarar o quanto quiser. Aliás, tenho certeza que vai fazer isso depois que comer o que eu preparei para você. – Falou ele puxando uma cadeira para ela se sentar. -Olha quem tem senso de humor agora! – Brincou ela. Inácio riu novamente e foi à cozinha buscar o prato principal. Quando ele retornou, colocou a bandeja na frente de Maria fazendo todo um mistério para tirar a tampa. -Ganha um doce se adivinhar o que tenho aqui. – Brincou ele. -Não sendo uma cabeça. – Respondeu ela sem pensar, só quando viu o sorriso dele sumir um pouco, percebeu que dera mancada. -Na verdade não, tem tudo, menos uma cabeça, bom, não uma cabeça de verdade, tem uma improvisada. Antes que Maria pudesse imaginar o que poderia ter uma cabeça improvisada, Inácio abriu a tampa e revelou um pato assado, mas no lugar da cabeça havia uma pequena maçã enfiada no pescoço. Maria encarou por um momento tentando entender porque ele arrancara a cabeça do pato, mas pela primeira vez, não chegou a nenhuma conclusão, então o encarou confusa. -Você não deduziu sozinha porque a maçã está no lugar da cabeça? – Perguntou ele animado – Eu mereço um prêmio! Realizei meu objetivo essa noite, criei algo que nem você pode entender. – Então sorrindo ele explicou – Achei que a cara de dor assada do pato te daria medo ou indigestão, então optei por uma coisa mais leve. Maria achou graça por Inácio achar que decapitar o pato poderia ser de alguma forma, menos cruel. Após comer a comida surpreendentemente deliciosa de Inácio, sentiu sua raiva passar e a alegria tomou conta dela. Por mais que não entendesse onde Inácio queria chegar com toda aquela atenção, estava imensamente feliz por estar com ele, principalmente porque fora ele a fazer questão da companhia dela. Quando terminaram o jantar, Inácio a encarou, pela expressão curiosa dele, Maria podia imaginar que ele queria perguntar alguma coisa que ela não gostaria de responder. Resolveu não descobrir o que era, deixou que Inácio criasse coragem e puxasse o assunto. Depois de um tempo, finalmente ele o fez: -O Stanley acha que você encontrou alguma coisa no quarto da Alessandra que não quer dividir. Maria o encarou e apenas assentiu, percebeu que ele ficou tenso. -Ele acha que se você não quer falar é porque não é algo que prove minha inocência, e sim minha culpa. Ela queria garantir a ele que não era nada, mas não podia mentir. -Não é exatamente isso, mas digamos que quanto mais eu descubro, mais tenho certeza que você é inocente. Mas por que não mudamos de assunto? Aposto como um de seus passatempos aqui era cozinhar, por isso cozinha tão bem. A ideia de Maria de mudar de assunto funcionou, Inácio pareceu mais leve e sorriu.
-E eu aposto como a senhorita não sabe nem fritar um ovo. -Fique você sabendo que eu sou uma cozinheira de mão cheia, tá! Você não me conhece, conde. Inácio a olhou por um momento, parecia fascinado com alguma coisa. -Tem razão, eu mal a conheço. Tem tantas coisas que quero descobrir sobre você. Para começar, não gostei de uma coisa que você falou para o seu amiguinho quando estava se declarando para mim. -Aquilo não foi uma declaração! - Brigou ela. -Tudo bem, algo que você falou durante a sua não declaração. Não gostei quando desmentiu nosso namoro. Primeiro você diz para a sua amiga que estamos namorando, depois, para o seu amiguinho, diz que não. Me faz pensar que você não é uma mulher de palavra. Maria sentiu-se corar. Enquanto pensava rapidamente em uma desculpa, Inácio se aproximou dela e a levantou segurando sua mão. -E por acaso todo esse risco que tem corrido para estar comigo é por nada? Você não sente nada por mim? – Perguntou ele olhando nos olhos dela. Maria sentiu suas pernas ficarem bambas, e como nem fez menção de responder, embora tivesse muitas coisas para responder naquele momento, mas simplesmente as palavras não saíam, Inácio a abraçou, e eles estavam tão próximos, que ela mal conseguia respirar. Ele beijou o canto de sua boca e sussurrou em seu ouvido: -Vou levar em consideração a primeira coisa que você disse, porque é o que eu mais quero, que você seja minha namorada. Ela o olhou surpresa, queria dizer tanta coisa ao mesmo tempo em que não disse nada. Apenas o beijou, mas não teve medo de demonstrar o que sentia, não teve medo de demonstrar que o amava. Inácio a abraçava cada vez mais forte, e Maria não conseguia traduzir o quanto se sentia segura com ele, o quanto o queria cada vez mais perto. Inácio parecia sentir o mesmo, pois a abraçava cada vez mais forte enquanto seus beijos iam ficando mais urgentes. Por fim, Inácio parou de beijá-la e desceu os lábios por seu pescoço, então a olhou nos olhos. -Você aceita ser minha namorada? Maria assentiu e sorriu, mal podia acreditar que estava ouvindo aquilo da boca de Inácio. Ele a pegou no colo de forma que as pernas dela se prenderam em volta de sua cintura e foi andando com ela em direção à escada. Não interromperam mais os beijos e, quando Maria se deu conta, eles já estavam no quarto de Inácio. Ele a colocou na cama e deitou-se sobre ela, sentir o peso do corpo dele em cima do dela, deu a Maria uma sensação nova, algo que ela nunca sentira e não sabia como controlar, por mais que Inácio estivesse perto, ela precisava que ele ficasse ainda mais perto, era como se o ar entre eles já fosse uma enorme distância que precisava ser preenchida. Inácio tirou sua camisa e Maria pôde finalmente tocar seu corpo, percorreu o dedo pelo ombro largo dele, descendo pelo seu abdômen. Inácio enfim começou a beijá-la mais vagarosamente, porém de uma forma mais intensa, delicadamente ele desabotoou cada botão da blusa dela, e, quando finalmente a tirou, Maria percebeu o que aconteceria, e percebeu que não impediria, pois não havia lugar onde quisesse estar mais do que ali com Inácio. Ao tocar o corpo quente e a pele macia dela, Inácio sentiu que Maria parecia ter medo, embora estivesse se entregando assim mesmo. Ele começou a beijar o corpo dela apreciando cada parte de sua pele macia, e sentindo seu cheiro o enlouquecer ainda mais. A luz da lua, que entrava no quarto através da imensa janela aberta, dava um brilho especial a pele dela, o que a tornava ainda mais irresistível. Ele desabotoou a calça dela e abriu o zíper, e quando o fez, sentiu-a se mexer de maneira desconfortável, só então, ele entendeu o motivo do medo que Maria parecia sentir. Suas palavras para ela mais cedo, dizendo que se esquecia de que ela era só uma menina ecoaram na cabeça dele.
Ele parou de repente de beijá-la e a encarou. Maria o olhou com ar de urgência, claramente confusa por ele ter parado. Ele pegou sua mão direita e beijou docemente, então, acariciando seu longo cabelo, perguntou da maneira mais delicada possível: -Você já esteve com alguém antes? Maria sentiu-se corar, negou com a cabeça esperando que isso não cortasse o clima entre eles, mas foi exatamente o que aconteceu. Inácio se afastou dela imediatamente, se levantando da cama e cobrindo o rosto com as mãos. Ele foi até o banheiro e jogou um pouco de água no rosto, então voltou ao quarto e acendeu umas velas, de forma que Maria pudesse vê-lo claramente. Ela permanecia deitada na cama sem entender a atitude dele, então ele se sentou ao pé da cama e começou a falar. -Eu sinto muito, Maria. Isso não devia ter acontecido. Ela sentou-se o encarando com ar de incredulidade. -Isso o quê, exatamente? – Perguntou. Ao sentir a mágoa em sua voz, Inácio teve raiva de si mesmo, tinha jurado nunca machucá-la, mas era o que sempre fazia. Ele bateu de leve na cama, pretendia indicar que essa parte da noite maravilhosa deles não deveria ter acontecido. Maria queria perguntar o motivo, queria abraçá-lo e obrigá-lo a continuar, mas estava realmente sentida com a recusa dele. Ela simplesmente se levantou da cama, fechou a calça e vestiu sua blusa, se preparando para ir embora. Rapidamente, Inácio a segurou. -Aonde pensa que vai? -Para casa, para que você não faça mais nada que vá se arrepender essa noite. Inácio a abraçou o mais forte que pode, mas o calor do corpo, o cheiro dela, ainda o atormentavam muito naquele momento, e ele se afastou. -Você entendeu tudo errado, Maria. -Tudo errado? Eu não entendi nada! Você me chamou para esse jantar, e me pediu em namoro! E agora simplesmente se afasta desse jeito dizendo que foi um erro! -Não foi um erro tudo o que fizemos, só essa última parte. Maria mais confusa ainda o olhou. -Você é uma menina Maria, eu não posso permitir que se entregue desse jeito para mim, para depois descobrir que sou um assassino e levar para sempre isso com você. Maria ia discutir e brigar por ele falar daquele jeito, mas ele a silenciou com o dedo indicador e segurou suas mãos. -Olha nos meus olhos e me diz, o que você faria se tivesse sua primeira noite de amor comigo e amanhã descobrisse que eu realmente matei a Alessandra? O que você contaria para suas amigas? Para o seu próximo namorado? Que teve sua primeira vez com um assassino? Maria tirou sua mão da de Inácio com raiva, seus olhos estavam cheios, mas ela não sabia o que responder. -Você não é um assassino, Inácio. -Você não tem certeza disso. -Você está usando isso como desculpa. -Não estou, estou protegendo você. Não faz ideia do quanto quero ter você Maria! Nunca desejei ninguém da maneira como te desejo! Nunca foi tão difícil me controlar perto de alguém! Mas não posso fazer isso com você. Desde a hora em que Inácio se afastou dela e disse que era um erro o que estavam fazendo, uma ideia começou a se formar na cabeça de Maria. E conforme ele falava, essa ideia ficava mais forte.
Por fim, ela resolveu dizer exatamente o que pensava: -Ou será que não pode fazer isso com ela? Inácio a encarou, parecia confuso. -Alessandra. – esclareceu Maria – Acho que você ainda não está pronto para ter outra mulher, Inácio. Acho que você não quer superar a perda dela. -Isso não é verdade. A Alessandra não tem nada a ver com o que estamos vivendo agora, ela não interfere em nada no que eu sinto por você. Mas Maria não queria ouvir, ela saiu do quarto descendo as escadas escuras aos tropeços, e Inácio precisou segurá-la no meio da escada para que não caísse. -Você não vai embora a essa hora. Por que não descansa um pouco e amanhã bem cedo eu levo você? -Descansar? Claro! Você não se importa em deitar na cama comigo agora, não é? – Perguntou ela em um tom de ironia, mas pensando no assunto, Inácio percebeu que se importaria, simplesmente, não resistiria. -Sim Maria, na verdade eu me importo. Mas você vai subir do mesmo jeito. Ele arrastou Maria de volta para o quarto e a jogou na cama. Ela recostou-se emburrada e ele se sentou o mais longe possível dela, então os dois ficaram se olhando. Maria acordou com uma forte luz em seu rosto, sentiu um frio passar pelo seu corpo e só então se deu conta de que estava sendo carregada. Abriu os olhos lentamente e viu Inácio. Ela se mexeu para que ele a colocasse no chão, mas ele não quis. -Só estou te levando em casa para a cidade inteira não comentar. Isso não é definitivo, você pode e deve voltar quando quiser. Ela não respondeu. Um flash da noite passou pela sua cabeça e ela sentiu de volta a mágoa dele. Inácio a colocou no chão apenas quando chegou à casa de Marta. Ele a olhava de maneira divertida, o que a deixava mais irritada. -Obrigada. – Disse ela – Como conseguiu me levantar da cama sem me acordar? Inácio deu um sorriso leve e afastou uma mecha do cabelo dela que estava cobrindo seus olhos. -Ou você dorme como uma pedra, ou eu tenho todo cuidado do mundo com você. Maria apenas assentiu. Inácio se aproximou dela para beijá-la, mas ela desviou dele tirando a coberta que a encobria e devolvendo a ele. -É melhor você levar isso. Não vou saber como explicar para minha tia. Inácio assentiu segurando o riso e pegou a coberta. Assim que Maria se afastou, ele apertou a coberta sentindo o cheiro dela. Ela entrou sem olhar para trás, estava realmente magoada. Maria acordou se sentindo cansada, e antes que a tia acordasse e viesse perguntar o que ela não saberia explicar, tomou um rápido café e saiu. Foi para a biblioteca conversar com Jessica, precisava desabafar, encontrou Jessica com a cara de sono de sempre, mas, assim que contou a ela o que tinha acontecido, e como Inácio a rejeitara, a menina pareceu despertar de repente e disparou a falar milhares de teorias. -Maria, ele deve ter ficado nervoso. Ele está trancado naquele castelo sem falar com ninguém por dez anos! Faz ideia de há quanto tempo ele não... -Jessica! – Repreendeu Maria antes que ela terminasse a frase absurda. -Só estou falando. Achei fofo isso da parte dele. -Então eu devo ser louca por não achar nada fofo meu namorado me rejeitar porque não consegue esquecer a ex. -Então vocês estão realmente namorando?
-Eu nem sei mais. Jessica fez uma cara de espanto de repente e Maria nem precisou perguntar o que era, Stanley a chamou no mesmo instante. -Posso falar com você? Ela se levantou e foi com ele para um canto da biblioteca. -O que acha que está fazendo indo perturbar alguém que já sofreu demais com essa história toda? Maria entendeu que ele estava falando de sua visita a Vitória. -Acho que estou fazendo o que você deveria ter feito há dez anos! Provando a inocência do Inácio. Stanley estava vermelho, parecia muito nervoso. -Eu fiz isso! Ou já se esqueceu de que eu o tirei da cadeia quando ninguém mais queria libertá-lo? Eu consegui o álibi, eu provei a inocência dele! -Mesmo? Então por que agora nem você parece acreditar nisso? Stanley gaguejou na hora de responder. Por fim, desistiu de enfrentar a Maria decidida que estava na cara que não descansaria até provar a inocência de Inácio. -Foi o que eu imaginei. – Respondeu ela saindo de perto dele e voltando para perto de Jessica. -Está tudo bem? – Perguntou a amiga preocupada. Ela apenas assentiu. -Então, mudando de assunto, soube que o parque será reaberto? -Que parque? -O parque Maria, aquele ali na sua frente. Onde anda sua cabecinha que não reparou que ele está quase todo reformado? Ela foi até a porta e encarou o parque em frente à biblioteca, ele estava realmente parecendo outro. Como não percebera aquilo? -Não esquenta, você tem ótimos motivos para não prestar atenção num parquinho, com um namorado daqueles eu também não prestaria atenção em mais nada. Maria riu, Jessica tinha um jeito divertido de ser que a lembrava Cláudia, sua amiga de infância de quem sentia tanta falta. De qualquer forma, falar com ela sempre a animava. À tarde, estava em casa lendo uns livros quando a tia se aproximou dela: -Soube da reabertura do parquinho? -A Jessica comentou alguma coisa. -Ótimo, porque eu conversei com o dono e você vai trabalhar lá. Maria a encarou. -Começa amanhã. -Ótimo, enfim alguma coisa para fazer. – Falou indo para o quarto. Não se lembrava como seus dias eram chatos antes de Inácio, agora que não queria ir vê-lo, parecia que não tinha nada de interessante para fazer. E sempre que fechava os olhos, se lembrava dos momentos com ele, do pedido de namoro, dos beijos apaixonados e no fim, da rejeição dele. Ainda doía nela. Ainda não era hora de vê-lo. Então sua mente se concentrou em outra coisa, o diário de Alessandra, e o que poderia conter nele que Inácio não queria que Maria lesse. Tentou tirar essa ideia da cabeça, Inácio não escondia nada, ele simplesmente não gostava que ela tocasse no assunto Alessandra, menos ainda que descobrisse tanto sobre ela. Sabia que tinha que deixar de ter ciúmes e tentar entender, mas simplesmente não conseguia. À noite, estava se preparando para dormir quando viu pela janela de seu quarto um vulto conhecido do lado de fora. Rapidamente foi até a porta, mas não havia mais ninguém na rua. Quando
se virou, encontrou uma rosa no chão com um cartão. Ela pegou a rosa e mesmo que ainda quisesse estar com raiva de Inácio, sentiu seu coração acelerar. Correu para seu quarto, ansiosa para ler o que estava escrito. Abriu o pequeno cartão e encontrou a letra de Inácio, se deu conta de como sentia falta das cartas dele. Minha menina, Senti sua falta hoje. Sei que ainda está chateada, mas preciso falar com você. Venha me encontrar agora na praça. Trocou rapidamente de roupa, jogando um sobretudo sobre a camisola e deu um nó em seu cabelo que já estava bagunçado. Quando ia saindo, ponderou se devia realmente correr para se encontrar com ele depois da última noite. Mas sabia que não resistiria, também estava sentindo falta dele. Ela caminhou lentamente até a praça, pelo menos o mais lentamente que pode. Inácio estava sentado em um banco atrás de uma árvore. Quando se aproximou dele, pretendia ainda tratá-lo com frieza, para que ele entendesse que ela ainda estava chateada. Mas assim que a viu, ele a beijou sem dar tempo de ela desviar, Maria não resistiu ao toque dele e correspondeu o beijo. -Eu sei que ainda está chateada, mas assim que passar, não fique tanto tempo sem me ver. – Reclamou ele. Maria deu de ombros e Inácio a entregou o diário de Alessandra. Ela o pegou e o olhou, ainda estava trancado. Então ela o devolveu a Inácio. -Não precisa Inácio, eu não achei a chave mesmo. -Mas o que você quer ver nesse diário é importante, não é? -Muito. Você o leu? Inácio negou com a cabeça para alívio de Maria. Então tirou do pescoço um cordão que estava pendurado, abriu a mão de Maria e colocou nela, mas antes de soltar disse: -Eu confio plenamente em você, Maria. E não quero que pense que há algo que queira esconder de você nesse diário, eu nunca o li. Espero que a ajude, seja o que for que você procura nele. – Então soltou o cordão na mão de Maria, deu um beijo leve em sua testa e saiu andando. Maria olhou o cordão e percebeu uma chave minúscula pendurada nele. A chave do diário estava com Inácio o tempo todo. Ela teve vontade de correr atrás dele e abraçá-lo, mas se conteve. Após alguns passos ele olhou para trás e gritou: -Vá para casa, vou ficar observando você do outro lado da rua. Maria não entendia porque Inácio não falava com ela em público, ele não a cumprimentara no mercado, não falara com ela no dia da briga com Stanley, embora tenha brigado com ele. E agora parecia querer se manter o mais longe possível dela. Ela até queria atravessar a rua e segurar a mão dele a força, mas precisava voltar logo para casa para finalmente ler o diário de Alessandra. Finalmente ler as cartas de Álvaro e provar de uma vez a inocência de Inácio. Sentada em sua cama, Maria abriu em uma página qualquer e começou a ler: 22 de Abril Querido diário, Hoje recebi mais uma carta do Álvaro, já não sei mais como esconder essas cartas do Inácio. Ele respeita minha privacidade, mas não gosto de ter segredos com ele, porém não posso contar a ele quem na verdade é seu melhor amigo. Ele é a única pessoa com quem Inácio ainda tem contato do reino, e o único que o faz lembrar quem ele realmente é, e não posso tirar mais nada dele.
Maria leu novamente a página, Alessandra parecia não gostar das cartas de Álvaro. As coisas estavam fazendo cada vez menos sentido. Então pulou para a próxima página. 25 de Abril Querido diário, Esses dias tem sido difíceis, Inácio e eu estamos brigando muito, mas sei que a culpa é minha. Sei que não sou a pessoa certa para ele, ele faz tudo por mim e nunca estou satisfeita, mas acho que o trato assim por culpa. Culpa por esconder dele as cartas de Álvaro. Como eu queria nunca ter conhecido esse louco! Isabel acha que deveria ter medo dele, mas não acho que ele seria realmente capaz das coisas que diz, acho que ele não machucaria de verdade Inácio dizendo o que sente por mim. Espero de coração que ele realmente não tenha coragem. Alessandra não falava nada que incriminasse Álvaro, nem sequer esclarecia que tipo de relação matinha com ele. Se continuasse assim, não teria uma prova de verdade de que Álvaro era o verdadeiro assassino. Sacudiu o diário, mas não havia nenhum papel solto. As cartas de Álvaro não estavam ali, esperava que ela tivesse pelo menos dito onde estariam. Pulou algumas páginas e leu: 01 de maio Querido diário, Hoje é feriado, a cidade está em festa. Passei o dia com minhas amigas e evitei Inácio. Sei que ele se sente sozinho aqui, mas não estou mais conseguindo mentir para ele, e não sei como contar que o amigo dele é louco. Maria pulou quase para o final do diário: 02 de Junho Querido diário, Tenho recebido umas cartas do Álvaro que estão me assustando, acho que ele enlouqueceu de vez, ele me faz ameaças e parece fora de si, não o suporto, nunca suportei. Isabel está me pressionando para entregar essas cartas a policia, mas como não acho que ele vá realmente fazer alguma coisa, vou esconder essas cartas para que o Inácio não as encontre. Ele já está bastante transtornado esses últimos dias. As páginas seguintes do diário haviam sido arrancadas. Maria quase deu um ataque quando percebeu que várias páginas estavam faltando. Por isso o diário parecia pequeno. Rapidamente sua mente pensou que Inácio arrancara as páginas que não queria que Maria lesse, mas ele tinha dito a ela que nunca lera o diário, e embora ele estivesse com a chave, Maria acreditava nele. Outra pessoa encontrara o diário antes dela. Mas quem poderia ter entrado no castelo, no quarto de Alessandra e encontrado a chave? Outra coisa que intrigava Maria era que Alessandra parecia realmente odiar Álvaro, como Inácio dissera, não parecia ter tido um caso com ele. Mas a última frase escrita por ela, preocupava mais Maria. Ela jogou o diário na cama desanimada. Esperava encontrar respostas, mas tinha apenas mais perguntas. No dia seguinte, precisava falar com Inácio. Como tinha que ir ao parque só na parte da noite, resolveu procurá-lo. Mas nem foi preciso ir ao castelo, topou com ele saindo do mercado após suas
habituais compras quinzenais. Ele deu um leve sorriso para ela e foi saindo na direção oposta, mas Maria o alcançou. -Por que faz isso? Por que finge que não me conhece? Inácio olhou para todos os lados, parecia tenso. -Não fale comigo na rua, Maria. Todos estão olhando. -Qual o problema? -E se alguém souber quem eu sou? Após o atentado à sua tia, muitos estão desconfiados. Podem julgar você também. -Eu não me importo. – Falou ela tocando o braço dele, mas ele se afastou. -É serio. Não quero que passe pelo mesmo que eu. Maria deu de ombros. -Então não é mais meu namorado? Porque namorados andam de mãos dadas. -Claro que sou! Por que não pode ser ajuizada pelo menos uma vez e me escutar? -Porque você é um senhor e eu sou só uma menina, lembra? – Respondeu ela rindo e pegando a mão dele, que apertou a mão dela e foram juntos para o castelo. Como Inácio dissera, todos observavam e cochichavam. -Achou o que procurava no diário? – Perguntou ele. -Infelizmente não. Você sabe quem mais era amiga da Alessandra além da Isabel? Inácio pensou um pouco: -Alessandra tinha muitas amigas. -Uma que ela confiasse a ponto de entregar seu maior segredo. Deitados na grama do jardim, Inácio a encarou sério. -Como assim? -Por favor, Inácio, sem perguntas ainda. -Não sei, talvez a Mess. -Quem é Mess? -Eu não a conhecia bem, Isabel era quem frequentava mais a nossa casa. Mas a Alessandra a adorava. -Ela ainda mora na cidade? Inácio negou. -Sabe onde ela está? Ele pareceu triste, como se a resposta fosse óbvia. -Ela também acreditava em mim, Maria. Maria entendeu que a tal Mess também estava morta. Então por que as matérias sobre a tragédia da cidade não falavam da morte dela? Pensaria nisso mais tarde, antes que Inácio se prendesse em seu muro de novo, mudou de assunto. -Acho que deveria parar de usar esse capuz. E olha que estou arriscando que as mulheres da cidade fiquem como loucas atrás de você. Inácio riu. -Acho melhor não. Podem me reconhecer. -Qual o problema? Você não tem nada a esconder. Você foi absolvido Inácio, tinha um álibi. Não deve nada a ninguém. – Vendo que ele não cederia, levantou-se. Precisava se arrumar para ir para o parque. – Se mudar de ideia e resolver ser o homem corajoso que eu sei que você é, e honrar seus dois metros de altura, me encontre no parque hoje. Estarei trabalhando lá. Inácio fez cara de surpreso e ela deu um beijo de leve nele saindo antes que não conseguisse mais
deixá-lo. Maria não podia negar que estava empolgada em trabalhar no parquinho, sem falar que a reinauguração do parque deu a cidade pacata um ar totalmente diferente. Pela primeira vez a cidade estava alegre, as pessoas saíram de casa arrumadas e só se via sorrisos e brincadeiras por toda parte. Ela olhava toda hora para o portão esperando que Inácio aparecesse. A presença dele indicaria que ela estava de alguma forma, o ajudando a se perdoar, o ajudando a superar Alessandra. Ela não só esperava que ele fosse, mas precisava que ele fosse. O parque não encheu muito porque a cidade era realmente pequena, mas Jessica falava animada que até gente de Ponta Bela tinha ido prestigiar o evento. Depois de algumas horas, foi Stanley quem apareceu, estava uniformizado, provavelmente fazendo a ronda no parque por causa do grande movimento, ele a olhou como se quisesse dizer alguma coisa, mas não se aproximou dela. Então Maria resolveu deixar para lá, não se preocuparia com ele aquela noite. Até dona Ester tinha se animado e ido ao parque, quase toda a cidade estava lá, exceto Lucena e Marta, que estavam em alguma viagem para uma das ações de caridade de Lucena, e Inácio. Depois das onze horas, Maria já tinha desistido da ideia de Inácio aparecer, mas, quando ouviu um burburinho de mulheres cochichando e Jessica correndo na direção dela quase sem ar, nem precisou esperar que ela contasse para saber que ele resolvera ir. Ela atravessou entre as mulheres que comentavam admiradas e encontrou Inácio parado, próximo ao portão de entrada, meio desajeitado, procurando por ela. Ela sorriu ao vê-lo e correu até ele, que a abraçou e beijou. Maria percebeu que ele se sentia incomodado com os olhares das pessoas. Mas ele estava lindo, com uma calça social azul marinho e uma blusa de linho fino, a barba que já estava grande novamente durante a tarde, estava feita em um cavanhaque, o que o deixara ainda mais irresistível. Maria podia se incomodar com os olhares que ele estava recebendo, mas estava feliz demais para isso. Pegou a mão dele orgulhosa e o levou até Jessica. -O famoso conde. – Brincou Jessica, que com seu jeito descontraído, rapidamente fez Inácio dar umas gargalhadas e se sentir melhor. Assim que Jessica se afastou, ele puxou Maria num canto. -Por que todos estão me olhando desse jeito? -Também olhavam assim para mim quando eu era a novidade, isso passa. -Eu não sou novo aqui Maria. E se estiverem me reconhecendo? -Qual o problema? Você por acaso vai mudar de identidade para poder andar livremente nas ruas? Inácio, eles não estão te olhando como um monstro, pare de achar que é um. Essas mulheres só nunca viram um homem tão lindo como você. Inácio deu um sorriso sem graça e suspirou. -Tudo bem, você se esforçou, meu turno está acabando já vamos embora. - Falou ela. Stanley apareceu e cumprimentou Inácio, conversando com ele normalmente, o que deixou Maria agradecida, pois Inácio se sentiu um pouco mais à vontade. Moisés os encarava de longe, mas nem chegou perto de Maria e Inácio a noite inteira. A única vez que Maria o pegara olhando para ela, ele fez sinal de negação com a cabeça, deixando claro que não concordava com a presença de Inácio ali. Pensou que se isso a incomodava, imagina a Inácio? Resolveu ir logo embora com ele, já tinha dado um grande passo fazendo com que ele saísse sem aquele capuz, e parasse de agir como se fosse realmente culpado. Enquanto acertava as coisas com o novo patrão, deixou Inácio com Stanley, percebeu uma movimentação estranha. As pessoas estavam olhando demais para Inácio, não só as mulheres, principalmente os mais velhos. Percebeu também que algumas faziam expressões de desaprovação e
até de nojo ao olhar para ele. Algo parecia estar errado, quando olhou para Inácio, Stanley estava segurando seu braço, em forma de proteção. Algo estava realmente errado, Maria e Jessica correram até ele e chegaram a tempo de ouvir uma mulher gritar: -O que esse assassino está fazendo aqui? Logo, alguns homens que estavam por perto, começaram a se aproximar de Inácio de forma ameaçadora, mas Stanley agiu e gritou: -Parem já com isso, voltem para os seus afazeres, para os seus amigos e deixem Inácio Edenhal em paz! Ele tem direito de estar aqui como todos vocês. Entre murmúrios e vaias, as pessoas simplesmente começaram a sair do parque, dizendo que se recusavam a ficar no mesmo ambiente que ele. Alguns homens meio bêbados, ainda cismavam de enfrentá-lo, então Stanley chamou uma viatura e puxou Maria e Inácio para dentro dela. Jessica os seguiu e entrou na viatura também. Stanley os levou direto para o castelo. Maria sentia tanta culpa, que nem teve coragem de olhar para Inácio. Quando ele desceu do carro, sem dizer uma palavra, Jessica desceu logo atrás dele, mas Maria permaneceu, buscando forças para descer também. -A culpa não foi sua Maria, o que você fez foi ótimo para o Inácio. – Falou Stanley olhando Maria pelo retrovisor. Maria ia responder, mas ele concluiu. -Vai ser assim no começo, mas já estava mais do que na hora dele parar de agir como se realmente fosse um assassino. Ela assentiu e desceu do carro, encontrou Jessica se despedindo dele. -Foi um prazer te conhecer conde, qualquer dia desses vocês podiam ir jantar lá em casa, minha avó ia adorar. Maria agradeceu internamente a atitude da amiga, que agiu como se nada demais tivesse acontecido, como se Inácio fosse uma pessoa comum, e era exatamente disso que ele precisava naquele momento. -Claro, foi um prazer conhecê-la também Jessica, mande lembranças a dona Ester por mim. Jessica assentiu, deu um abraço em Maria e falou com Stanley: -Rola uma carona, seu policial? – Entrando no carro. -Você quer ficar sozinho? – Perguntou Maria antes de fechar a porta da viatura e liberar Stanley. Esperava que Inácio fosse assentir e sair andando, mas ele sorriu de leve e pegou a mão dela. -Não, quero que fique um pouco comigo. Ela sentiu um peso sair de seu peito e fechou a porta atrás de si indo com ele para o castelo. Os dois entraram e Inácio tirou a blusa apertada e os sapatos. Maria sentou-se apreensiva na cama. Então Inácio a encarou em seu vestidinho prata e rosa, uniforme do parque. -Você está linda. – Ele comentou. -Com essa roupa horrorosa? Só pode estar de brincadeira. Ele se aproximou dela e tocou seu cabelo. -Inácio você não precisa fingir que aquilo não aconteceu, mas vai ser assim no começo. Ele apenas abaixou a cabeça e não respondeu. -O importante é você saber que não é um assassino, não ligue para o julgamento dos outros. Ele parecia pensativo, mas o silêncio dele fez o peito de Maria ficar pesado novamente. -Me desculpa, eu... Antes que ela terminasse de falar, ele a beijou, um beijo intenso, quente, ele passou os dedos pelo cabelo dela e a puxou para mais perto dele. Quando a soltou, apenas disse:
-O importante é que você acredita em mim, eu não preciso de mais nada. Maria o abraçou e o beijou novamente, sentindo como o amava cada vez mais. Eles conversaram a noite quase toda e acabaram adormecendo com as roupas que estavam usando, embolados na cama. Na manhã seguinte, ela se levantou faminta. -Eu vou fazer o café para você ver que eu sei mais do que fritar ovo. Inácio riu, mas assim que abriu a janela do quarto, ouviram gritos e perceberam uma movimentação estranha no portão do castelo. Maria correu até a janela e havia muitas pessoas no portão. Ela se ajeitou e os dois desceram para ver o que estava acontecendo. -Solta a menina! Ou vamos entrar e matar você! – Gritou um homem com um pedaço de pau na mão. Maria ficou sem reação, será que eles achavam que ela estava ali “a força”? Encarou Inácio, que estava totalmente perdido, ela queria gritar muitos desaforos, mas as palavras simplesmente não saíam. Então, uma voz amalucada e conhecida, de repente gritou do meio da multidão. -Por que não vão cuidar das suas vidas? Maria avistou Jessica se aproximando do portão com Ester ao lado. -A garota não está aí contra a vontade dela. Vão procurar o que fazer e deixem os dois em paz. – Reclamou Ester. -Ele é um assassino! – Gritou alguém. -Já foi provado que não foi ele! – Falou Jessica – Senão ele não teria um policial tão bom como amigo. As pessoas discordavam e o acusavam. Maria temeu que fizessem algo contra Ester e correu até o portão abrindo um pouco para que ela e Jessica passassem, achou que as pessoas tentariam invadir o castelo, mas ninguém se atreveu a tentar. Ela percebeu que eles tinham certo medo de Inácio. Quando voltou para perto de Inácio, ele sussurrou no ouvido dela: -Você não precisa passar por isso Maria, pode ir com eles. Vai ser melhor para você. Maria o encarou quase brava, brigaria com ele, se não fosse ela a culpada pela confusão toda. -Ele não é um assassino e eu não estou aqui contra a minha vontade. – Gritou ela – Ele é meu namorado e é uma pessoa maravilhosa. -Ele é um assassino! - Gritou um homem. -Tem certeza? Alguém aqui o viu cometer o assassinato? Alguém aqui conhece Inácio Edenhal o suficiente para julgá-lo desse jeito? Ninguém respondeu. -Que eu saiba, as pessoas que realmente o conheciam, as pessoas que conviviam com ele, acreditam em sua inocência. Eu o conheço, e sei que ele é inocente. -Ele matou a esposa! Vai matar você também! – Gritou um homem alto e magricela. -Quem nunca foi injustiçado, ou nunca presenciou algum tipo de injustiça, pode vir aqui me enfrentar se quiser. – Falou Inácio de repente - O que vocês não podem é achar que sabem de tudo, quando na verdade agem por especulações. Ninguém perdeu mais com a morte da Alessandra do que eu, mas nenhum de vocês perdeu nada para ter o direito de estar aqui me julgando. Maria sorriu ao ver Inácio finalmente falar como um homem inocente, como o que ele era, pelo menos ela acreditava nisso cegamente. Algumas pessoas foram saindo, e outros, insistiam em gritar ofensas a ele, mas Maria percebeu que ele já não se importava, ele a abraçou e conduziu Ester e Jessica para dentro do castelo, agradecendo a visita e convidando as duas para tomarem o café que Maria prometera fazer.
Maria foi para a cidade com Jessica após um resto de manhã muito agradável, tinha agradecido umas mil vezes a ajuda da amiga com Inácio. Mas Jessica estava tão deslumbrada com o cavalheirismo e o castelo de Inácio, que parecia realmente gostar dele. E já o defendia com todas as letras, dizendo que ele nunca faria mal a alguém. Maria se sentiu feliz por ver a amiga, que era muito indecisa em relação à inocência de Inácio, ter certeza disso ao conhecê-lo melhor. Mas Jessica queria dizer alguma coisa e estava com medo, e Maria sabia, então a encorajou: -Pode falar o que está guardando. Jessica sorriu: -Não me leve a mal, mas agora que a cidade inteira sabe que você está com o Inácio, o que vai acontecer quando sua tia voltar de viagem? -Nem me fale, Jess. Não só ela, já imaginou a reação da dona Lucena? -É que Maria, eu estava pensado, por mais lindo e atencioso que o Inácio seja, estar com ele terá sempre um preço alto demais. As pessoas vão sempre julgar vocês e condená-lo, e por mais que a gente acredite na inocência dele, nunca vamos poder provar. E eu sei que no fundo, no fundo, você ainda tem alguma dúvida, por menor que seja, sobre o assassinato da Alessandra. Sem falar do fantasma da Alessandra que ele vai manter vivo entre vocês. Maria a encarou. -Eu não me importo com o preço Jess, tudo o que você disse são coisas que poderemos suportar juntos. E as pessoas não vão julgá-lo para sempre. -Não mesmo? – Falou ela apontando a sua volta. Maria tinha percebido que as pessoas a olhavam e cochichavam quando ela passava. Algumas até fechavam a cara para ela, chegou a ouvir alguém dizer “a garota do assassino”, mas realmente não se importava. -Vou receber meu salário com o dono do parque, depois passar na mercearia e te encontro na biblioteca mais tarde. – Falou ela se afastando de Jessica. Ela encontrou finalmente seu Elias, o dono do parque, ao vê-la, ele fez uma cara de reprovação. -Imagino que tenha vindo receber? – Perguntou ele. Maria assentiu. O homem careca e barrigudo pegou um envelope e o entregou a Maria, então disse. -Eu ouvi comentários sobre você, acho que não podem ser verdadeiros, mas... -Se é sobre o Inácio é verdade. Ele é meu namorado. O homem arregalou os olhos quando Maria disse aquilo. -Como? – Ele pensou um pouco e falou: - Então imagino que ele vai continuar frequentando o parque por sua causa? -Ele vai continuar frequentando o parque porque é direito dele! – Respondeu. -Eu sinceramente não tenho nada contra ele, não acho que ele tenha matado a esposa, era jovem demais, mas você reparou que todos foram embora quando ele chegou e não posso fingir que isso não me prejudica. Embora se sentisse feliz por achar mais alguém que acreditava em Inácio, Maria sabia exatamente onde aquela conversa terminaria. -Acho que vai ser melhor se você terminar com ele, menina. Ou então terá que sair do emprego. Maria assentiu e devolveu a ele o envelope com seu pagamento. -Fica como ressarcimento do seu prejuízo. Eu me demito. – Dizendo isso ela se virou e saiu andando. Mal podia acreditar no que estava acontecendo, como as pessoas podiam ser tão hipócritas? Até
mesmo quem acreditava em Inácio, ia na onda da maioria para não se prejudicar, porque tinham que ser tão egoístas? Quando chegou a mercearia, Moisés a olhou e virou o rosto, nem a cumprimentou. Ela não sabia se ele estava com raiva por causa do fora, ou porque ela assumira o romance com Inácio logo depois de dar o fora nele, mas se sentiu triste por perder um amigo, e por machucar alguém tão legal como ele, ela pegou rapidamente as coisas que precisava e pagou. Quando estava embrulhando, alguém se aproximou dela, e uma voz que ela não conhecia perguntou: -Maria, como está o Inácio? Ela achou que era um deboche de mais um daqueles homens que julgavam Inácio, mas quando levantou a cabeça para ver quem era se deparou com um homem elegante, vestido de terno, o cabelo castanho espetado e lindos olhos verdes. Ele devia ter a idade de Inácio, e pelo sotaque, com certeza não era dali. Como ela não respondeu, o homem falou: -Espero que ele esteja bem, principalmente depois do que você fez com ele ontem. Mas se você acha que está fazendo bem para ele, é você quem sabe. – Então cumprimentou Maria com um rápido toque de mão, saindo às pressas. Maria continuou parada, sem reação, mas teve a impressão que conhecia de algum lugar aquele toque firme e calejado.
Capítulo 16 Maria foi direto para casa, estranhou que a cidade inteira não estivesse comentando sobre o novato, era o que a cidade faria, não era? Será que ele sempre morou lá e ela que nunca percebera? Não podia ser, Jessica comentaria se existisse um homem como aquele na cidade. O mais estranho foi o que ele disse, como ele podia saber que Inácio saíra novamente por causa dela? Por que ele perguntara por Inácio como se se preocupasse com ele? À noite, Jessica foi a casa dela, assim que Maria abriu a porta, Jessica entrou enraivecida: -Achei que ia me encontrar na biblioteca. Maria percebeu que alguma coisa estava errada, mas antes mesmo de responder, Jessica continuou. -Claro, você não deve ter ido porque não queria contar que o Moisés se declarou para você. Maria entendeu o que estava acontecendo e se sentou, esperando a crise de Jessica passar. Depois de reclamar muito, ela finalmente se calou, então Maria falou: -Eu estou namorando o Inácio, Jess. Não te contei sobre a declaração porque foi totalmente irrelevante. Jessica bufou e se sentou ao lado dela. -Tudo bem, não quero brigar, mesmo porque vim aqui te contar uma coisa. Tem carne nova na cidade, um homem, e lindo! -Acho que o vi. – Falou Maria com uma expressão que despertou a curiosidade de Jessica. -E você fala isso com essa cara de desaprovação? Qual o problema com ele? Porque eu não encontrei nenhum! -Ele me perguntou pelo Inácio. Eu acho que ele me ameaçou. -Que estranho! Por falar em estranho, como disse que se chama o amigo traíra do Inácio? -Álvaro. -Isso! O nome do homem novo é Álvaro, eu vi quando ele se hospedou na pensão. Maria se lembrou do toque dele, das cartas de Alessandra e sua cabeça quase explodiu. Não podia ser ele, seria coincidência demais, não podia ser o Álvaro da Alessandra. Quase como que adivinhando o que Maria estava pensando, Jessica perguntou: -Você não está achando que é o Álvaro, amigo do Inácio, está? -Não, seria coincidência demais. -E por acaso um homem chamado Álvaro perguntar justamente pelo Inácio não é coincidência demais? Se bem que devem existir milhões de Álvaros no mundo Maria, não é possível que seja ele. Maria concordou tentando realmente acreditar naquilo, mas alguma coisa gritava que esse homem estava ligado a tudo. Será que ela estava ficando paranoica? No dia seguinte, acordou bem cedo e saiu de casa, era o dia que a tia voltaria da viagem e não queria se encontrar com ela depois que ela descobrisse quem ela estava namorando. Passou a manhã na biblioteca ouvindo Jessica falar de como o tal Álvaro era cavalheiro e bonito. De tarde, resolveu ir ao castelo, mas para sua surpresa, encontrou-se com Inácio saindo do mercado. -Hoje o jantar é por minha conta. – Falou ele quando a viu. Maria correu até ele e o beijou. Inácio olhou em volta algumas pessoas cochichando, mas Maria logo falou: -Ande de cabeça erguida Inácio, você não deve nada a eles. -Eu sei. – Concordou ele – Nem acredito que estou na rua em plena luz do dia sem meu capuz. – Então olhou para Maria com ternura – O que eu não faço pela minha namorada?
Ela riu e o beijou novamente, e assim que se viraram para sair, toparam com alguém parado diante deles, com total reprovação nos olhos. Lucena os encarou, principalmente a Maria, como se estivesse cometendo um crime. -Não acredito que é realmente verdade Maria, achei que tivesse algum juízo. O que pensa que está fazendo? -Dona Lucena está tudo bem. -Não, não está! – Gritou ela encarando Maria, ela nunca olhava para Inácio. – Esse assassino deveria ter vergonha de andar na rua como se fosse alguém normal e mais ainda, deveria manter distância de você. Quer acabar como a Alessandra? -Chega! – Gritou Maria – A senhora pode odiar o Inácio o quanto quiser, mas não pode querer que as pessoas sintam sua dor. Acho que já passou da hora de perdoá-lo e aceitar que não foi ele! Lucena estava estupefata com a reação de Maria. Seus olhos já lacrimejavam. -O que ele fez com sua cabeça? – Então olhou para Maria com uma expressão que ela reconheceu como nojo – Como você pôde Maria? Depois de tudo o que te contei? Depois de saber que esse monstro assassinou a própria esposa e o filho? Maria queria impedir a última parte, mas quando se deu conta do que Lucena diria, já era tarde e ela disparou a palavra filho. No mesmo instante Inácio a soltou: -Do que está falando? – Perguntou ele a Lucena que fingiu não ter ouvido e continuou andando. Inácio a segurou pelo braço e a puxou de forma que ela olhasse para ele, assustando Lucena e Maria. -Inácio, calma! – Alertou Maria. -Do que está falando? Que filho? Nós não tínhamos filhos! Lucena tentava se livrar da mão de Inácio com nojo, por um momento estranhou que Inácio estivesse tão transtornado com a noticia, pensou se era possível que ele não soubesse. Logo, essa ideia passou e então disse com todo ódio possível: -Tire essas mãos imundas de mim! E não finja que não sabia que Alessandra estava grávida! Você é um monstro! Inácio simplesmente soltou Lucena que saiu correndo, e permaneceu imóvel, parecia em choque. As pessoas ao redor o encaravam, horrorizadas, mas ele parecia nem perceber. Maria tocou seu rosto e o chamou: -Inácio, Inácio fala comigo. Inácio! Quando finalmente Inácio saiu do transe, ele segurou os braços de Maria com força e perguntou quase desesperado. -Diz que isso não é verdade, ela só disse isso para me punir. Maria desejou saber mentir para Inácio, mas como não poderia, apenas abaixou a cabeça. Inácio a empurrou e gritou: -Por que não me disse? Você sabia! Antes que Maria tentasse se explicar, Inácio correu dali. Ela logo correu atrás dele. Inácio passou pelo portão do castelo, mas não o fechou. Maria entrou logo e subiu atrás dele. Esperava que ele não se trancasse no quarto, nem fizesse qualquer besteira. Quando finalmente chegou ao quarto dele quase sem ar, o encontrou ajoelhado no chão, a cabeça abaixada, aos prantos. Ela queria se aproximar dele, mas era como se seu extinto gritasse que era melhor manter distância. Ficou parada na porta e o chamou. Inácio continuou ajoelhado de costas para ela, mas não chorava mais. Quando Maria o chamou novamente, ele se levantou num rompante e a empurrou até a parede prendendo-a, Maria sentiu-se
tremer e seu coração batia acelerado de medo. -Por que você não me contou? -Para quê? Para você ficar desse jeito? -Você não tinha esse direito Maria, eu confiei em você. -O que adiantaria Inácio? Por que eu te contaria? Isso não vai trazê-los de volta e não vai fazer você se sentir melhor, muito pelo contrário. Qual a importância de saber isso agora? - Não cabia a você decidir isso! – Gritou ele – Era meu filho, eu tinha todo direito de saber! Você mentiu para mim! Inácio olhou Maria com um desprezo que foi como se algo tivesse penetrado em seu peito e ele estivesse sangrando, a dor que ela sentiu fez com que suas pernas bambeassem. Então Inácio se afastou dela, deu algumas voltas pelo quarto, depois a pegou pelo pulso: -Vá embora! – Dizendo isso ele a arrastou escada abaixo e a levou até o portão – Maria vá embora e, por favor, não volte aqui nunca mais! Esqueça que eu existo! Ela sentiu as lágrimas escorrendo pelo seu rosto, então se soltou da mão de Inácio, que olhou as marcas dos dedos dele no pulso dela, e falou: -Tudo bem. Mas saiba que enquanto você se tranca e se culpa pela morte deles, o verdadeiro assassino está por aí vivendo a vida dele normalmente. Inácio não respondeu, apenas fechou o portão e saiu sem olhar para trás. Maria queria correr, mas não teve forças, sentou-se um pouco no chão e chorou. Chorou até o anoitecer, então, quando parecia que não tinha mais forças nem para chorar, percebeu alguém se aproximando dela. Moisés a levantou e limpou suas lágrimas. Ela queria dizer que queria ficar sozinha, que ele deveria ir embora, mas não conseguia fazer nada. Ele simplesmente a pegou nos braços e foi andando com ela. Moisés pousou Maria no chão em frente à casa da tia com certa dificuldade, ele não tinha a força que Inácio tinha, parecia muito cansado. Olhou-a preocupado. Maria o encarou e perguntou com a voz mais baixa do que imaginava: -Como sabia onde eu estava? -O Álvaro disse. Ela queria perguntar como esse estranho poderia saber onde ela estava, ou porque estava falando dela, mas apenas virou-se e entrou em casa. O que a fez se arrepender no momento em que fechou a porta atrás de si e a tia veio como uma louca para cima dela: -O que há de errado com você? Como está namorando um assassino? Tem mentido para mim todo esse tempo? Como pode? Maria apenas sentou-se, não estava com ânimo para responder. -Nem vai se dar o trabalho de tentar explicar? Eu sempre soube que você era uma perdida! Sempre soube que seria um problema ter você aqui. Marta andava de um lado para o outro, então pegou Maria pelo pulso, mas Maria gemeu sentindo doer o lugar onde Inácio a apertara. Marta olhou para os braços dela e fez sinal de negação. -Eu sabia, é o que acontece quando se envolve com alguém tão perigoso. Eu te avisei tanto Maria, mas você é dona do seu nariz, não é? – Ela se afastou de Maria e retornou com uma mala imensa, mala que Maria conhecia muito bem. -O que está fazendo? – Perguntou já sabendo a resposta. -Se você é dona do seu nariz e vai ficar com esse assassino, não pode mais morar em minha casa, eu desisto Maria. Não vou acolher a cúmplice de um monstro como ele. A não ser que me prometa,
que jure pelos seus pais que nunca mais se aproximará dele, é melhor pegar essa mala e sair daqui. E não vai pisar aqui enquanto estiver com ele. Contando com os últimos acontecimentos, Maria podia tranquilamente jurar que não se aproximaria de Inácio novamente, mas não podia. Ela se levantou e foi até seu quarto, pegou sua bolsa, jogou nela o diário de Alessandra, suas coisas pessoais e a pulseira que Inácio lhe dera. Então jogou a bolsa nos ombros e passou pela tia, pegando sua mala e saindo de casa. Assim que fechou a porta, percebeu que estava tarde e não tinha para onde ir, nem vontade de ir para lugar nenhum. Escorregou pela porta e sentou-se no chão, olhando para o nada, não se importava de passar a noite ali. Após umas duas horas que estava sentada ali, pareceu ter visto alguém a observando do outro lado da rua, mas não tinha ânimo para procurar saber quem era. Ela juntou as pernas e escondeu a cabeça entre elas, cobrindo-a com os braços, assim não veria mais nada. Mas a pessoa atravessou a rua e parou diante dela, embora estivesse ouvindo os passos e a respiração da pessoa, ela não quis ver quem era. Por um momento, pensou que era o tal perseguidor, e que a mataria de uma vez. Esperou sentir alguma coisa a machucando, mas nada aconteceu. Depois de um tempo, uma voz conhecida falou: -Você precisa vir comigo. Maria sentiu seu corpo tremer ao ouvir a voz de Inácio. Vagarosamente, tirou a cabeça do meio das pernas, mas não olhou para ele, não queria que ele a visse como estava. -Maria, você precisa vir comigo, está muito frio e tarde. Levante-se. Maria respirou fundo, e respondeu: -Não, eu estou bem aqui. Eu tenho para onde ir, só não quero ir agora. -Não me faça carregar você, pode ir para onde quiser ao amanhecer, mas agora precisa sair da rua. Você virá comigo. Como Maria nem fez menção de se levantar, Inácio a levantou pelo braço, puxando-a novamente. Ao perceber Maria tirar rapidamente as mãos das dele e tocar o pulso, onde estava marcado, percebeu que ela sentira dor, que a machucara. Ele virou-se e desceu as escadas pretendendo ir embora, mas olhou para trás e a viu parada. Voltou e pegou as coisas dela com uma mão, e com a outra, segurou a mão dela e fez com que ela andasse com ele. Inácio colocou as coisas de Maria no chão de seu quarto, ela permaneceu parada na porta, parecia estar pensando em mil coisas, mas estava apenas sem vontade de entrar ali. -E olha onde eu vim parar, de novo. – Ela comentou com certo deboche. -Você dorme aqui, eu vou para algum outro quarto. Os outros não estão limpos o suficiente para você ficar. – Falou ele e ia saindo, quando ela perguntou: -Por que você estava lá? Inácio parou de andar e a olhou, mas ela desviou o olhar para o chão. -Porque eu vi aquele seu amiguinho buscar você, só fui me certificar que ele te levaria para casa. Mas ouvi os gritos da sua tia assim que você entrou. Maria assentiu. -Ainda me seguindo? Achei que não quisesse me ver nunca mais. Achei que não se importasse com meu bem estar, afinal de contas, você é um assassino. No instante em que Maria disse aquela palavra, Inácio se aproximou dela, parecia transtornado e ferido. -Não diga isso, não repita isso. Não você.
Ela percebeu que o machucava ouvir da boca dela o que ele vivia repetindo para si mesmo, então o encarou. Ao ver os olhos dela inchados e sua expressão sem vida, tão diferente da Maria que ele conhecia, Inácio se aproximou mais dela e ponderou se devia tocá-la. Se a machucaria, se não resistiria. Ele a odiava, não odiava? Não poderia querer tanto confortá-la. Virou-se novamente para ir embora, mas quando saiu pela porta, voltou para trás e a abraçou. Apertou-a o máximo que pôde, queria fechar os olhos e descobrir que nada disso aconteceu, mas quando abriu os olhos, lá estava sua Maria, do mesmo jeito sem vida de antes. Ele segurou o rosto dela e se aproximou para beijá-la, sabia que estava com raiva dela, que não estavam mais juntos e não entendia porque estava tão desesperado para que ela reagisse como a Maria normal reagiria a um beijo dele. Embora tenha apenas fechado os olhos e esperado, Maria finalmente reagiu, desviou os lábios dos dele e o afastou dela. -Nós não temos mais nada, eu nem devia estar aqui. Inácio sentiu raiva, então respondeu: -Não precisa estar quando eu acordar. Maria assentiu concordando e ele saiu do quarto. Então ela deitou-se na cama sentindo uma profunda tristeza. Por que tinha ido com ele? Por que não podia ficar em outro quarto? Ela pegou um travesseiro e o cheirou, depois enterrou a cabeça no travesseiro. Por que tinha que ficar ali sentindo o cheiro dele? Ela não precisava daquilo naquele momento, não queria sentir Inácio, mais do que já sentia. Mas o cansaço falou mais alto e ela acabou dormindo abraçada ao travesseiro dele.
Capítulo 17 Na manhã seguinte, Maria acordou assim que o dia amanheceu, após pentear o cabelo e escovar os dentes, juntou suas coisas e saiu. Pretendia sair antes que Inácio acordasse, como ele mesmo havia imposto. Iria para a casa de Jessica por um tempo, ou se hospedaria na pensão, não faltava muito tempo para poder ir embora da cidade, só alguns meses e seria realmente dona de seu nariz. Antes de sair, parou na porta do quarto de Inácio e olhou para trás, sentia que era a última vez que veria aquele lugar, a dor em seu peito não estava tão forte, mas também não tinha ânimo para nada. Desceu vagarosamente as escadas, não sabia onde Inácio estava e não queria acordá-lo. Parou diante da porta, estava aberta. Estranhou que já estivesse aberta àquela hora da manhã, mas continuou andando. Assim que saiu pela porta, avistou Inácio sentado na escada da frente. Seu coração deu um pulo, mas ela se controlou e passou por ele sem dizer uma palavra, sequer olhou para ele. Foi puxando sua mala de rodinhas até o portão, que estava trancado. Ela respirou fundo, teria que passar por Inácio novamente. Quando se virou de volta para o castelo, trombou com Inácio. Ela pensou que ele havia ido abrir o portão, então se afastou dele e esperou, mas ele nem estava com a chave na mão. -Você pode abrir, por favor? – Pediu ela, mais uma vez sua voz estava mais baixa do que ela esperava. Inácio a olhou por um tempo, ainda parecia triste e sem vida. Ele sentiu um nó no peito e respondeu: -Não, você tem que tomar café primeiro. -Eu não estou com fome. -Mesmo assim, não posso permitir que saia por aí sem comer nada. Eu já preparei o café, só estava esperando você acordar para tomarmos juntos. Inácio esperava que Maria perguntasse a que horas ele acordava, ou brigasse por ele não querer abrir o portão. Era o que a Maria dele faria, mas ela não fez nada. -Por favor, é só um café. – Insistiu ele, mas vendo que ela não reagia, pegou sua mala e a levou de volta para o castelo, então Maria o seguiu. Os dois se sentaram à mesa e Inácio percebeu que Maria estava comendo mais por obrigação do que por vontade de comer. Ela não disse sequer uma palavra e nem desviou o olhar para ele. Maria estava se controlando para não olhar para ele a última vez, não queria mais chorar, nem brigar, queria simplesmente ir embora. Decidiu comer em silêncio e sair assim que acabasse, mas Inácio puxou assunto: -Eu estava pensando, você pode ficar aqui mesmo no castelo até as coisas se resolverem. Tem muitos quartos, você nem precisa me ver se não quiser. Maria foi pega de surpresa com o comentário, olhou para as mãos dele e percebeu que ele não estava mais usando o anel que ela lhe dera. Inácio seguiu seu olhar e percebeu também que isso a machucara. -Não, obrigada. -Para onde você vai? -Para a casa da Jess, para a pensão, há muitos lugares nessa cidade. -Mas é que as pessoas viram o que aconteceu ontem, e você já foi expulsa de casa, elas vão comentar se não nos virem mais juntos. -Eu não me importo. -Mas eu me importo. Se perceberem que você não está comigo, vão ter motivos para falar ainda
mais sobre a gente, para reparar ainda mais. Maria deu de ombros indicando que realmente não se importava. -Você me fez sair na rua e ter que ser alguém normal. Eu não vou limpar minha imagem se pensarem que eu machuquei você. Maria o olhou pela primeira vez, queria gritar que ele machucara mesmo, mas entendeu que a situação dele era culpa dela. Ela o fizera sair na rua, ela fizera as pessoas descobrirem que ele ainda estava lá. E se as pessoas soubessem que eles não estavam mais juntos, pensariam as piores coisas possíveis de Inácio. Ela abaixou a cabeça. -Tudo bem. -Você pode ficar no meu quarto. – Falou ele. -Não, eu prefiro outro quarto de hóspedes, não me importo de ter que limpar. Inácio assentiu. -Eu não acho que ainda vá investigar alguma coisa, mas fique a vontade para voltar ao quarto da Alessandra, se ainda quiser. – Falou ele esperando que ela se levantasse na hora, animada para descobrir coisas, mas ela apenas assentiu. Maria não demonstrou, mas com toda confusão havia se esquecido de que precisava encontrar as páginas que faltavam do diário de Alessandra, e estando ali o tempo todo, seria muito mais fácil encontrá-las. Ela passou a tarde arrumando um dos luxuosos quartos de hóspedes para que pudesse ficar. Queria ficar num quarto longe de Inácio, do outro lado do castelo, mas seria perto do quarto de Alessandra e, por algum motivo, teve medo. Então ficou num quarto no terceiro andar da torre esquerda, quase em frente ao de Inácio. Quando terminou, já estava no fim da tarde, então foi falar com Jessica, ela devia estar surtando. Não queria ver pessoas, principalmente com a cara que estava, não queria que fizessem perguntas, nem ter de falar com Inácio. Mas precisava dizer a amiga que estava lá, e que estava bem. Quando estava descendo as escadas, ouviu conversas, então parou, mas as vozes eram conhecidas, era a voz de Inácio, e a outra, de Jessica. Maria desceu rapidamente as escadas e encontrou-se com ela entrando no castelo. Ela encarou Inácio, confusa. -Eu achei que precisasse conversar com alguém, e que não quisesse sair na rua. Normalmente Maria abriria um enorme sorriso pela demonstração de atenção de Inácio, mas apenas assentiu e respondeu o mais secamente possível. -Obrigada. Então puxou Jessica escada acima, para o quarto onde ficaria, precisava realmente conversar com alguém. Jessica foi embora à noite e Maria não queria ver Inácio, então tomou um banho, vestiu sua camisola e se deitou. Como não conseguia dormir, pegou o diário de Alessandra. Abriu na primeira página. Diário de Alessandra Lucie Campelo Edenhal... Diário número 04 A primeira página era bastante rabiscada com a letra de Alessandra. Coisas como “Condessa Alessandra” e “Alessandra e Inácio para sempre”. 01 de Abril Querido diário,
Estou grávida! Nem posso acreditar, estou louca para contar para o Inácio, mas ainda não disse por que estamos brigados, de novo, por causa do Álvaro, como sempre. Inácio quer que ele venha ficar um tempo aqui, eu disse que se viesse ele ficaria no quarto simples, o único feio do castelo, e ele se enfureceu. Inácio anda muito nervoso ultimamente, por isso não entrego as cartas do Álvaro para ele. Não gosto quando brigamos, nem de negar qualquer coisa a ele que sempre faz tudo o que eu quero, mas não posso permitir que o Álvaro se aproxime do meu filho. Meu bebê ficará em segurança. Maria riu ao perceber que Alessandra deixara o único quarto simples da casa para o melhor amigo de Inácio. Ela parecia ser geniosa. Então pulou para a próxima página. 02 de Abril Querido diário Hoje Inácio e eu fizemos as pazes, acho que devo contar para ele que vamos ter um filho, mas vou esperar que minha mãe esteja aqui para presenciar, ela ficará tão feliz! Preciso ir, o Inácio está tentando ler o que estou escrevendo. Maria se pegou sorrindo, mesmo sabendo que eles brigariam outras vezes antes da morte dela. Por fim, acabou adormecendo. Na manhã seguinte, Maria saiu sem ser notada por Inácio e foi direto para a biblioteca, passou por Lucena no caminho, que virou a cara como se não a conhecesse, mas ela nem se incomodou. Ao chegar à biblioteca, Jessica já estava animada falando do tal Álvaro, Maria percebeu que ele frequentava a biblioteca e da forma como Jessica falava, parecia que ele estava interessado nela. Nem falou com Jessica, mas tinha um assunto para tirar a limpo com esse tal Álvaro, tinha que perguntar como ele sabia onde ela estava na noite em que mandou Moisés buscá-la. Percebendo que ela parecia tensa quando o assunto era Álvaro, Jessica logo se propôs a ajudar. -Você quer que eu me aproxime dele para descobrir se ele é o Álvaro da Alessandra? -Não Jess, não deve ser ele. -Não tem problema, não é que eu vá precisar de muito esforço, nós já somos bem próximos. Maria riu. Foi falar de Álvaro, ele apareceu, cumprimentou Jessica sorridente e apenas acenou para Maria. Ela decidiu deixar Jessica a sós com ele e se levantou para ir embora, mas Jessica rapidamente a segurou: -Maria, calma, agora temos um cavalheiro para pegar o livro que você queria. – Dizendo isso ela foi até Álvaro - Será que você poderia pegar aquele livro na parte alta da estante? Enquanto Álvaro subia na escada, Maria queria entender o que Jessica planejava. -Não vá embora, você se lembra da letra de quem te mandava os bilhetes e da letra das cartas do Álvaro, não lembra? Maria assentiu. -Espere um pouco. Maria sentou-se novamente enquanto Álvaro desceu com um livro e entregou a ela. -Obrigada. – Disse ela sem olhá-lo realmente. -Jess, será que você poderia pegar para mim aquele livro que lhe falei? – Pediu Álvaro e Jessica rapidamente se afastou para o final da biblioteca em busca de algum livro.
Assim que ela se afastou, Álvaro olhou para Maria: -O que há com você? Está muito diferente. Maria o encarou surpresa. -Diferente de quê? -Da Maria curiosa e graciosa que normalmente é. -E como você pode saber como sou, se acabou de chegar à cidade? -Talvez já tenhamos nos encontrado antes. -Eu tenho certeza que não. – Respondeu Maria. Ele apenas sorriu. -E como está o Inácio? -Ótimo. -Tem certeza? Porque depois do que ele descobriu sobre o bebê, achei que estaria trancado se martirizando de novo. -Quem é você e como sabe sobre o Inácio? -Eu o conheci há alguns anos, era linda a esposa dele, é uma pena o que ele fez com ela. Mas olhando para você, posso dizer que ele realmente tem muito bom gosto para mulheres. Álvaro a olhou de um jeito que fez Maria se sentir incomodada. -Ele não matou a Alessandra, acho que não o conhece tão bem. -Você iria se surpreender. – Respondeu ele. Maria ia discutir, mas Jessica retornou. Assim que a viu, Álvaro abriu um sorriso sedutor e passou a mão nas mãos dela na hora de pegar o livro. Maria percebeu que ele a estava seduzindo, Jessica parecia nas nuvens perto dele. Jessica entregou a ele um livro e deu uma ficha da biblioteca para que ele assinasse. Álvaro pareceu tenso para assinar a folha: -Isso é realmente necessário? – Perguntou a Jessica. -É só uma ficha de biblioteca. Qual o problema? – Perguntou ela desconfiada. Álvaro olhou para Maria e fez uma rubrica no papel, então se despediu delas e saiu com o livro. Jessica encarou desanimada a rubrica. -Nada feito. Não dá para reconhecer nada só por esse rabisco aqui. -Tudo bem, valeu a tentativa. -Mas você reparou como ele ficou nervoso? Estranho não é? Maria assentiu. Ela passou à tarde com Jessica e voltou para o castelo quando anoiteceu. Encontrou Inácio sentado nas escadas da frente do castelo. Ia passar por ele direto, mas ele puxou conversa. -Você nem tomou café hoje. Comeu alguma coisa? -Eu jantei na casa da Jessica. - Mentiu Maria. -Olha, você não precisa ficar fora o dia inteiro. Não tem que me evitar tanto. – Falou ele se levantando. Maria olhou novamente as mãos dele, ainda sem o anel. -É, eu acho que tenho sim. Inácio a segurou pelo pulso, então rapidamente olhou o pulso que ele havia apertado, não havia mais a marca dos dedos dele. -Ainda está doendo? – Perguntou ele de um jeito que fez o coração de Maria ficar apertado, ele sentia muita culpa. -Isso foi o que doeu menos, Inácio.
Ele a olhou, Maria podia ver nos olhos dele um misto de culpa, saudade, dor... Ela se soltou e ia entrar, mas ele falou novamente: -Me perdoe Maria, eu só não... -Não pode me perdoar. – Completou Maria – Eu sei, você deixou isso claro quando me mandou embora para nunca mais voltar. Inácio parecia procurar as palavras certas para dizer, por um momento, Maria esperou que ele dissesse que não era realmente o que ele queria, mas ele apenas disse: -Coma alguma coisa antes de se deitar. Ela virou-se e subiu para o seu atual quarto. Adormeceu e sonhou com Alessandra, sonhou que ela chorava sentada num canto de seu quarto, olhando a bagunça e com a mão na barriga, pedia que alguém fosse embora. -Mande-o embora! – Repetia ela diversas vezes. Maria acordou assustada e resolveu beber água. Saiu de seu quarto, mas o castelo estava escuro, iluminado apenas pela luz da lua através das enormes janelas que havia em cada cômodo. Ela desceu o mais devagar possível, se apoiando na parede. Até que finalmente, após alguns tropeções, chegou à cozinha. Quando entrou na cozinha, viu a sombra de alguém se levantar de repente diante dela e deu um grito, sentindo seu coração tão acelerado, que quase saiu pela boca. Rapidamente, a pessoa a abraçou forte, tentando acalmá-la. -Sou eu Maria, calma! Ela ouviu a voz de Inácio, mas o susto tinha sido tanto, que apenas chorou para aliviar a dor no peito. Inácio a abraçou ainda mais forte, e quando Maria parou de chorar, ele a soltou aos poucos e a beijou. Seu beijo era quente, intenso, desesperado. Maria deslizou seus dedos pelo cabelo dele, e o puxou para mais perto, Inácio a puxou pela cintura e a encostou na parede sem parar de beijá-la nem por um segundo. Maria sentia tantas coisas ao mesmo tempo, que era difícil assimilar tudo, a felicidade e excitação por ter Inácio tão perto, a segurança que sentia com ele, a vontade de tê-lo ainda mais, de fingir que nada acontecera naqueles últimos dias e dizer que o amava. Quando já não podia mais respirar, afastou seu rosto do dele. Ele acariciou o cabelo dela, beijou levemente seu pescoço, e pegou sua mão. Quando passou o dedo pelo braço dela, enquanto respirava o perfume de seu cabelo, Inácio se lembrou de uma coisa e voltou os dedos pelo pulso dela. Maria sabia que aquele gesto indicava que ele já ia se afastar novamente, ela tinha que fazer algo para impedir, mas não fez. Quando Inácio se afastou, olhando para ela com desejo e confusão nos olhos, ela simplesmente virou-se e foi até a pia pegar água, enquanto ouvia os passos dele cada vez mais distantes dela. Quando olhou de volta, ele não estava mais lá. Maria acordou tarde na manhã seguinte, tomou café rapidamente e se enfiou no quarto de Alessandra antes que Inácio voltasse da rua. Precisava procurar as páginas que faltavam de seu diário, ou qualquer pista de onde estariam as cartas ameaçadoras de Álvaro. Passou a tarde revirando o quarto, mas não achou nada. Tanto as cartas, quanto as páginas do diário dela não estavam ali. Quando saiu do quarto de Alessandra, seu cabelo estava impregnado de poeira, então foi tomar um banho. Era difícil se acostumar com a água fria do chuveiro, principalmente porque aquela cidade já era fria o suficiente. Riu ao pensar que era mais fresca que um conde de verdade nessa questão. Ficou pensando se quando Alessandra morava lá eles tinham energia. Provavelmente sim, a julgar pela riqueza do castelo, Alessandra não parecia o tipo de mulher que tomava banho gelado. Podia perguntar a Inácio. Podia, mas não o faria. Não queria conversar com ele, estava cansada de ter esperanças, para depois qualquer coisa ligada a Alessandra separá-los novamente. Precisava aceitar
que Inácio pertencia a Alessandra, seria assim para sempre, não havia espaço para mais ninguém na vida dele. Quando saiu do banho, vestiu-se com um vestido colado, de manga, não pretendia sair na rua, então não precisava se agasalhar muito. Enquanto penteava os cabelos molhados, ouviu novamente conversas vindas do primeiro andar, achou que Stanley estava no castelo, então desceu para saber se alguma coisa tinha acontecido. Mas, quando estava no meio das escadas, teve uma surpresa, Álvaro estava lá. O mesmo que esbarrara com ela na mercearia e na biblioteca, que a ameaçou, deu em cima dela e perguntou por Inácio o acusando da morte de Alessandra. Maria permaneceu parada na escada, sem reação. Foi Álvaro quem quebrou o gelo: -Maria, nos encontramos de novo! -Vocês já se conhecem? – Perguntou Inácio parecendo não gostar muito da ideia. -Já nos esbarramos algumas vezes. – Explicou ele. – Não sabia que morava aqui. – Falou ele com ela novamente. Como Maria nem fez menção de respondê-lo, Inácio foi até a escada e pegou a mão dela, guiandoa até a entrada. -Ela está morando comigo há poucos dias, é minha... – Inácio a olhou antes de terminar a frase. Maria esperou que ele dissesse hóspede, ou amiga, se estivesse de bom humor, mas ele disse firmemente. -Ela é minha namorada. Ela encarou Inácio, não sabia o que fazer. Álvaro deu um sorriso forçado e cumprimentou Maria pegando em sua mão. Depois olhou para Inácio. -Parabéns amigo, ela é linda. -Maria, esse é Álvaro, meu amigo de infância. Maria não soube explicar o porquê, mas não se surpreendeu que fosse ele o Álvaro que ela tanto queria investigar. Ele lhe parecia esperto o bastante e manipulador. Ela não sabia explicar, mas não gostava dele, alguma coisa dizia que ele não era uma boa pessoa. A julgar pelo fato de ter sido apaixonado pela esposa do amigo, não se podia esperar muita coisa dele. Os dois entraram em uma animada conversa sobre o reino, ao qual Inácio pertencia e como as coisas andavam por lá. Maria tinha decidido revelar a Inácio quem realmente era Álvaro, mas vendo a alegria de Inácio por reencontrar o amigo, percebeu que não teria coragem. Depois de alguns minutos de conversa, Inácio fez o que Maria não esperava, e nem queria que ele fizesse. -Onde você está? – Perguntou ele a Álvaro. -Na pensão daqui. -Que isso, não precisa ficar em uma pensão, esse castelo é enorme, pode ficar aqui o tempo que quiser. Maria olhou para Inácio com uma expressão tão fechada, que Álvaro percebeu, então ele falou: -Não precisa, não quero atrapalhar o casal. Talvez sua linda namorada não goste de ter um estranho em casa. Inácio a encarou e Maria deu de ombros. -Ela não vai se importar, pode vir para cá hoje mesmo. Álvaro se levantou. -Eu venho amanhã então. Foi um prazer conhecer você Maria. – Falou ele pegando a mão de Maria e beijando.
-E você Inácio, bom ver que finalmente superou Alessandra. Que se perdoou pelo que fez. A vida tinha que seguir alguma hora. A expressão alegre de Inácio se desfez e Maria teve vontade de pular no pescoço de Álvaro, mas, como que prevendo, Inácio a segurou sem que Álvaro percebesse e foi levá-lo ao portão. Quando retornou, olhou para Maria com uma expressão de dor que ela conhecia muito bem. Sabia que tudo estava passando pela cabeça dele novamente. Quis abraçá-lo, mas apenas se aproximou dele e disse: -Eu não gostei dele. Se ele vai realmente ficar aqui, tome muito cuidado. Inácio fez uma expressão que indicava não ter entendido o que ela quis dizer, mas ela subiu as escadas. Na manhã seguinte, quando estava saindo para a biblioteca, para contar a Jessica quem era o tal Álvaro, encontrou-se com Inácio também de saída. -Tenho algumas coisas para resolver na rua, se importa se eu te acompanhar? Ela deu de ombros e saiu, sabia que Inácio queria que as pessoas os vissem juntos. Ele foi andando atrás dela, e quando saíram da Rua Londrina, onde já haveria algum movimento, ele segurou a mão dela. -Obrigado, Maria. – Falou ele de repente. Maria o encarou, como que não entendendo o motivo do agradecimento. -Obrigado por tudo. Se não fosse por você, meu amigo me encontraria trancado naquele castelo ainda me culpando. -Como se você não estivesse se culpando do mesmo jeito. -É muito diferente agora, eu penso muito nas coisas, nas que não entendo. Às vezes me dá vontade de realmente descobrir o que de fato aconteceu. E se tiver sido mesmo eu, eu quero pagar pelo que fiz. - Inácio esperou Maria dizer que não havia sido ele, mas ela não disse. Então ele parou, fazendoa parar também. Ela confusa o olhou. -Você ainda acredita em mim? – Perguntou olhando nos olhos dela. -Eu acho que você deveria realmente descobrir o que de fato aconteceu, para punir de uma vez por todas o verdadeiro assassino. Você já pagou demais por ele. Inácio assentiu, ela acreditava nele, mas não com a devoção de antes. Ficou se perguntando se um dia teria sua Maria de volta. -Ele acha que eu superei a Alessandra por você. – Ele comentou. -Você nunca vai superar a Alessandra, Inácio. Nunca. Inácio sentiu a dor nas palavras de Maria, será que a machucava que ele ainda amasse a esposa? Será que ela se sentia de alguma forma, ameaçada por ela? Será que ele realmente demonstrava isso? Ele segurou o rosto de Maria fazendo-a olhar nos olhos dele. -Eu nunca vou esquecê-la, Maria. Mas agora, não é como seu não pudesse amar novamente. Na verdade, eu sei que eu posso. -Mais promessas? – Perguntou ela e voltou a andar. Inácio percebeu que ela ainda estava muito magoada com ele. Quando passaram pela casa de Jessica, Ester estava na varanda. Abriu um enorme sorriso e foi cumprimentar os dois. -Menina, soube do que sua tia fez com você. A Marta não tem coração, se precisar ficar aqui, saiba que a porta da minha casa estará sempre aberta. Maria e Inácio agradeceram. Então Ester olhou os dois de mãos dadas e falou:
-É bom ver que isso não abalou vocês. Não deixem que coisas bobas, ou que não podem ser mudadas, estraguem o amor de vocês. Eles ficaram sem graça com o comentário, quase que sentindo culpa por não estarem realmente juntos e terem feito exatamente o que ela disse que eles não fizessem. Então, Álvaro se aproximou deles sorridente, e novamente beijou a mão de Maria. Quando olhou para Ester, ela parecia ter visto um fantasma. Sua expressão mudou totalmente para uma expressão de medo e ela correu para dentro de casa. Maria se soltou da mão de Inácio e correu atrás dela, mas ela se trancou no quarto e não quis abrir a porta. Maria então voltou para a rua. -Ela está bem? – Perguntou Inácio. -Acho que não. Acho melhor falar com a Jessica. Inácio assentiu e Maria correu até a biblioteca. Assim que entrou na biblioteca, encontrou Jessica com um sorriso diferente nos lábios. Ela se aproximou afobada e foi logo falando. -Jess, eu estava com o Inácio e sua avó... -Para Maria! – Falou ela de repente num tom que Maria desconhecia – Preciso te contar uma coisa. Será que você tem um tempo para sua amiga agora ou está muito ocupada com o Inácio e seus problemas? Ela estranhou o tom de deboche e impaciência de Jessica. -Eu ia falar sobre sua avó, acho que ela passou mal. -Ela vai ficar bem. Maria então se sentou. -Eu tenho todo tempo do mundo Jess, pode falar. -Só queria te contar que eu tenho um encontro. Com o Álvaro. -O que? Ele esta com Inácio agora, ele é o tal amigo dele. -Eu sei. -Jess! Você sabe que o Álvaro pode ser o verdadeiro assassino da Alessandra! Como pode se envolver com ele? Jessica pareceu nervosa. -Há muito mais chances do Inácio ser o assassino, e mesmo assim você se envolveu com ele. -É diferente! As atitudes do Inácio sempre mostraram que ele é inocente. Enquanto o Álvaro... -Diferente só porque você está apaixonada por ele! O que foi Maria? Só você pode ter seu príncipe? Se eu conseguir um homem lindo e misterioso também, é crime? -Jess não é isso, só espera a gente conhecer ele primeiro... -Eu não tenho que esperar nada! Bem que ele me disse! Como você é hipócrita! Nem todos os homens têm que ficar aos seus pés, Maria. Ele me acha muito mais bonita que você, aceite isso. Eu vou sair com ele de qualquer jeito. Maria simplesmente se levantou e partiu atrás de Álvaro. Agora sim ela pularia no pescoço dele. Ela encontrou Inácio já sozinho, mas estava tão nervosa, que Inácio desistiu de fazer o que pretendia e a levou de volta ao castelo. -O que aconteceu? Por que está assim? Maria queria gritar na cara dele quem Álvaro realmente era, mas não podia. -Maria, você pode me falar, por favor, o que te deixou desse jeito? Resolveu falar. Mas pensou que era o que Álvaro queria fazendo um comentário daqueles com Jessica, era óbvio que Jessica contaria para ela e ela partiria para cima dele. E Inácio, conhecendo o amigo há tanto tempo, enquanto Maria era quase uma estranha, defenderia o amigo e acharia que ela
era louca, ou algo do tipo. Então controlou sua raiva e resolveu fazer o joguinho dele. Respirou fundo e encarou Inácio, que estava realmente preocupado com ela. -Obrigada Inácio, mas não foi nada. Já passou. Inácio pareceu triste por Maria não confiar mais nele para contar as coisas, então ela o abraçou. Mais tarde, ela ouviu Inácio conversando e desceu correndo as escadas. Álvaro havia chegado com suas malas. Inácio o ajudou a carregar e Maria subiu na frente. Inácio parou diante de um dos quartos de luxo do castelo, mas Maria o interrompeu. -Continuem andando, já tenho um quarto pronto para o Álvaro. Inácio estranhou que Maria tivesse se preocupado com aquilo, já que claramente não havia gostado de Álvaro, mas os dois a seguiram. Ela os levou para o lado direito do castelo e abriu a porta do único quarto simples que havia na casa. Álvaro e Inácio a encararam. -Ele vai ficar aqui. Aqui onde a Alessandra queria que ele ficasse. Inácio ia discutir, mas o olhar insistente de Maria, e estar tão perto do quarto de Alessandra, fizeram com que ele simplesmente colocasse as malas de Álvaro no chão e saísse dali. Álvaro encarou Maria. -Como pode saber o que a Alessandra queria? -Simplesmente sei. Acho que ela não ia muito com sua cara. Álvaro riu. -Parece que as namoradas do Inácio nunca vão com minha cara, não é mesmo? Maria assentiu e saiu andando, mas Álvaro falou mais alto. -Até nisso vocês se parecem. Ela parou no mesmo instante, e ele continuou. -Muito esperto o Inácio, você e a Alessandra são muito parecidas, ele achou uma segunda Alessandra para cobrir o buraco. Maria teve novamente vontade de pular no pescoço dele, mas respirou e respondeu: -Pois é, parece que o Inácio tem sorte de encontrar as mulheres do jeito que ele procura. Álvaro bufou e entrou no quarto batendo a porta. Pouco depois, saiu todo arrumado. Maria ficou chateada, pois sabia que ele estaria com Jessica. Assim que ele saiu, Inácio entrou em seu quarto e se sentou na ponta da cama. -Você leu no diário dela? Que o Álvaro deveria ficar naquele quarto? Maria assentiu. Tentou não pensar no assunto, mas acabou perguntando: -Eu sou parecida com ela? É por isso que você gostou de mim? Inácio a olhou confuso. -Não. Eu gostei de você porque você é a criatura mais encantadora que já conheci. Alessandra era mimada, e mandona, as coisas tinham que ser sempre do jeito dela. Você já é mais viva, esperta, quando alguém te ofende você simplesmente revida. Se fosse ela, só choraria. Acho que ela não tinha metade da sua força e coragem. Mas por que está me perguntando isso? -Por nada. Inácio deitou-se ao pé da cama dela e a olhou com ternura. -A primeira vez que eu vi você, foi quando você chegou à cidade. Eu tinha ido a Ponta Bela visitar a Vitória, e vi quando você desceu do ônibus, com seu cabelo esvoaçando e um vestido rosa, tão lindo e provocante. Eu lembro que estava conversando com Stanley, mas quando olhei para você, você me tirou o ar, Maria. Eu nunca tinha visto uma mulher tão linda. Eu fiquei me perguntando o que alguém tão jovem e cheia de vida viria fazer num lugar como esse. O Stanley disse que você nunca se aproximaria de mim.
Maria riu. -E desde então, eu pensava em você. Eu achava estranho, mas sempre que fechava os olhos, via você, descendo do ônibus com aquela expressão de medo nos olhos. Por isso quando você apareceu aqui, e voltou, e me mandou aquele bilhete, eu respondi e abri a porta para você. Eu nem acreditava que você havia se aproximado de mim, justo você, a única pessoa que eu queria que se aproximasse. Eu cheguei a sonhar com você diversas vezes antes de te conhecer melhor. Maria estava emocionada. Inácio se sentou novamente e aproximou-se dela. Ele apenas tocou o rosto e a mão dela, e Maria pulou em seus braços, então ele a beijou. Mas assim que seus lábios se tocaram, eles ouviram um grito. Correram para fora do castelo e abriram o portão. A escuridão e a neblina impediam que enxergassem com clareza, mas Inácio conseguiu enxergar alguma coisa no chão, a poucos metros de distância deles. Ele correu até a coisa e Maria o seguiu. Só quando foi chegando mais perto, conseguiu enxergar alguma coisa. Percebeu que era alguém caído no chão, logo avistou um vestido amarelo. Então Maria parou de correr sentindo seu coração quase sair do peito, conhecia aquele vestido. Era de Jessica. Ela nem precisou se aproximar para saber que era ela, Inácio virou-se para ela e gritou, já tirando Jessica do chão. -É a Jessica. Corre Maria! Precisamos levá-la a um hospital. Maria se aproximou e percebeu o sangue que escorria da cabeça da amiga.
Capítulo 18 Maria andava de um lado para o outro no hospital, Inácio já havia desistido de tentar acalmá-la. O pior era que nem noticias de Jessica eles tinham. Ela sabia que precisava avisar Ester, mas não tinha como entrar em contato com ela, estranhou que Álvaro também não tivesse aparecido, mas, quando pensou melhor, viu que era o mais normal que ele não aparecesse logo. Apareceria depois fingindo surpresa, precisava dar um jeito de afastar Jessica o mais rápido possível de Álvaro, antes que alguma coisa mais grave acontecesse. O lado bom era que pelo menos Jessica não poderia acusar Inácio, pois Maria estava com ele na hora do ataque. Durante a madrugada, Stanley apareceu, conversou com alguns médicos e depois se aproximou de Maria e Inácio. -Maria, nem preciso dizer que mais uma pessoa discutiu com você e foi atacada. Você não tem mesmo ideia de quem esteja fazendo isso? Maria queria contar que não só tinha ideia, ela sabia quem estava fazendo aquilo, mas não podia enquanto não tivesse provas. Então apenas negou com a cabeça. -Você recebeu mais algum bilhete? Mais alguma ameaça? Maria negou novamente, mas fez aquilo tão sem vontade, que Stanley e Inácio a encararam. Stanley bufou, parecia impaciente. -Maria, você precisa colaborar. Sua amiga podia ter morrido. Eu sei que você desconfia de alguém, precisa nos dizer quem é. Ela olhou para Inácio, ele a encarava ansioso, então respondeu: -Não vou acusar ninguém sem provas, sinto muito. Stanley assentiu e Inácio parecia em choque. -Se não pode dizer, vou vigiar você, e se eu descobrir, vou intervir. – Falou Stanley. -Faça isso. – Respondeu Maria, então Stanley se afastou deles. Assim que Stanley saiu, Inácio a segurou: -Você desconfia de alguém? É isso que tanto esconde? Você precisa me dizer quem é Maria. -Eu não tenho prova alguma. -Você é muito esperta, se desconfia de alguém é porque sabe de alguma coisa, está correndo perigo. Tem que me dizer quem é! Maria teve medo de Inácio por um momento, ele parecia descontrolado, mas logo percebeu que ele estava realmente preocupado. -Sem perguntas Inácio. -Maria, isso não se aplica... Antes que Inácio terminasse de falar, um vulto passou por ele e pulou em Maria. O impacto foi tão forte que o braço dela se soltou da mão dele no mesmo instante. Vitória estava agarrada ao pescoço dela, e um enfermeiro, quase sem ar, chegou logo atrás dela. -Me desculpe, ela escapou. – Falou o enfermeiro para Maria. -Tudo bem, eu a conheço. – Respondeu Maria, então se virou para Vitória – O que faz acordada a essa hora? -Eu tive um pesadelo. – Respondeu ela – Com o monstro. Maria a abraçou. -Está tudo bem, vai ficar tudo bem. Não precisa ter medo. Inácio encarava as duas, não estava entendendo nada, então Vitória sorriu para ele.
-Tio, - disse a menina – o senhor já tem outro anjo. A tia Alessandra está muito feliz. Inácio abaixou a cabeça e Maria percebeu que Vitória contava para Inácio as vezes que via Alessandra, ela não falava por mal, mas sem dúvida isso o atormentava. Pensou que podia ser por isso que ele montara um altar e não gostava que Maria mexesse nas coisas dela, achava que ela estava por perto, queria vê-la. Sentiu vontade de abraçá-lo, de confortá-lo de alguma maneira, mas se apertou mais a Vitória e se conteve. Enquanto conversava com Vitória, percebeu a recepcionista chamar Inácio num canto, quando ele retornou, ela o olhou de uma forma que nem precisou perguntar o que tinha acontecido, Inácio logo explicou: -Não é nada demais, é só o Álvaro que está vindo para cá. Rapidamente Maria se soltou de Vitória e a olhou com ternura. -Querida, é melhor você ir agora. A menina assentiu e se despediu dela e de Inácio, indo com o enfermeiro. Inácio encarou Maria, ela sabia que ele tinha mil perguntas para fazer: -Por que a mandou sair? Alguma coisa a ver com o Álvaro? De fato Maria não queria que Vitória visse Álvaro, não sabia o que isso causaria a mente dela naquele momento. De qualquer forma, não precisava que a menina o reconhecesse e o acusasse antes de ela ter qualquer prova contra ele, por mais injusto que fosse, Moisés estava certo e ninguém acreditaria na palavra dela, nem mesmo Inácio. -Está tarde para ela estar acordada. – Falou fugindo de responder exatamente o que Inácio perguntara. -E desde quando você a conhece? -Isso está incluído na parte em que você não pode me fazer perguntas. -Eu não gosto desses segredos entre nós. – Reclamou ele. -Eu não gosto do seu amigo, mas tenho que conviver com ele assim mesmo. Inácio até pensou em defender Álvaro, não entendia de onde Maria tirara essa birra dele, mas não o fez. Maria era encantadora e era o tipo de mulher por quem Álvaro se apaixonaria. Era melhor para Inácio que ela realmente não gostasse dele. Logo, a conversa pendente com Maria veio a sua cabeça: -Por que estava perguntando pelo Álvaro poucos dias antes de ele chegar? -Já disse, achei um papel com o nome dele no quarto da Alessandra. – Respondeu. -E por acaso ele não seria a pessoa de quem você está desconfiada, não é? Maria deu de ombros. -E por que seria ele? Inácio pensou por um momento, ela não afirmara, mas também não negara, típico de Maria fazer mistério quando não queria que alguém descobrisse o que ela não estava disposta a revelar. -Não tem base para desconfiar dele. Mas por que ainda acho que desconfia? Antes de Maria responder, ouviram a voz de Álvaro na recepção, então ela apontou o dedo indicando que o assunto acabara de chegar e se afastou de Inácio, era melhor não ver Álvaro naquele momento. Quando o dia estava quase amanhecendo, Maria estava recostada em uma cadeira da sala de espera lutando para manter os olhos abertos, foi então que Álvaro se aproximou dela. -Não acredito que isso tenha acontecido com ela! – Falou ele num tom tão falso, que Maria chegou a sentir náuseas. Inácio se aproximou dos dois e se sentou do outro lado dela, recostando a cabeça dela no ombro dele. -Eu sinto muito, sei que ela é sua melhor amiga. – Falou Álvaro colocando a mão sobre as de
Maria, que estavam em seu colo. Rapidamente Maria tirou as mãos da dele, e o encarou com uma expressão de raiva. -Não entendo o que tem contra mim, Maria. Eu não te fiz nada. Maria podia sentir os olhos de Inácio sobre ela esperando que ela explicasse a raiva que tinha de Álvaro, mas ela simplesmente respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. -E eu não entendo porque isso te importa tanto. Você vai ficar poucos dias, não vai? -Maria! – Repreendeu Inácio. Álvaro deu um sorriso forçado, mas que indicava que ela o estava tirando do sério. -Álvaro, não leve a mal o que ela fala. – Pediu Inácio, então olhou para Maria – Eu vou pegar um café para você. Maria o encarou de um jeito, que ele percebeu que não podia deixá-la a sós com Álvaro. -Quer ir junto? – Perguntou ele. Maria já ia se levantar quando Álvaro a segurou. -Deixa Inácio, deixa-a ficar aqui para conversar comigo, vamos ver se eu não conquisto a confiança da sua namorada. Maria percebeu que Inácio não gostou muito da ideia, mas não discordou. Afastou-se deles mesmo com os olhares feios dela e os deixou a sós. Foi Inácio sumir do campo de visão deles, Álvaro segurou seu pulso mais forte do que o normal. -Então Maria, sem enrolação, o que tem contra mim? Maria encarou a mão dele em volta de seu pulso e abriu um sorriso debochado. -Por que a preocupação? Quem não deve, não teme. Ela pôde sentir a raiva que emanava de Álvaro naquele momento, mas ele a soltou e depois de um tempo, respondeu: -Mas vocês são realmente parecidas, você e a Alessandra. Só não entendo como uma garota tão linda como você se contenta em ser segundo plano para o Inácio. Sabe, acho que sua mente não funciona da maneira correta. Maria entendeu que ele a estava chamando de louca. -Fazendo o Inácio se exibir como um troféu, morando com um assassino. É estranho que ainda não estejam comentando que você não deve ser muito certa da cabeça Maria. Acho que só falta alguém falar para toda cidade perceber. Maria percebeu mais uma ameaça nas palavras dele. Mas não se intimidou, se ele faria com que todos achassem que ela era louca, ela demonstraria que estavam certos. Álvaro se levantou de repente e então Maria avistou o médico se aproximando. -Ela está bem, só desmaiou por causa do impacto da pancada, mas já acordou e tomou um remédio para dor. Ela perdeu muito sangue, mas já recebeu uma transfusão e hoje mesmo receberá alta. Maria respirou aliviada e achou ter visto Álvaro sorrir de uma maneira sombria. -Ela quer ver um certo Álvaro. – Falou o médico. Álvaro encarou Maria com uma expressão de vitória no rosto e seguiu o médico. Maria achava que Álvaro estava demorando demais com Jessica, temeu pelo que ele poderia colocar na cabeça dela. Inácio não entendia porque ela estava tão nervosa se já sabia que Jessica estava bem. De repente, Maria perguntou: -O Álvaro disse onde ele estava quando a Jess foi atacada? Inácio pareceu surpreso com a pergunta. -Sim, na praça, esperando por ela, onde eles haviam combinado. -E por que ela foi ao castelo se eles combinaram na praça?
-Eu não sei. Qual o problema Maria? Está desconfiada do Álvaro? Maria continuou andando e não respondeu. -Isso é ridículo! Ele não fez isso com a Jessica. Maria simplesmente o encarou e novamente não respondeu. -Maria, você não pode acusar as pessoas assim! -Eu não estou falando nada, e você mesmo disse que eu sou esperta o suficiente para ter algum motivo quando desconfio de alguém. Inácio ia fazer mais perguntas, mas Álvaro se aproximou deles. Maria nem esperou que ele dissesse como Jessica estava, foi logo entrando no quarto. Assim que viu Jessica, abraçou-a aliviada. -Você está horrível. – Comentou Jessica rindo. -Não dá para ser uma diva depois de uma noite em claro no corredor de um hospital. – Respondeu Maria. -Não deixe o conde te ver assim ou ele vai desistir. -Ele já me viu em pior estado. – Respondeu ela rindo – O que fazia no castelo àquela hora da noite? -Maria, a curiosa. – Falou Jessica rindo – Eu estava indo pedir desculpas a você. Sei que fui uma idiota. -Tudo bem, já passou. -E mesmo porque eu preciso da minha amiga para contar a novidade. Maria a olhou, ansiosa: -Estou namorando. Rapidamente Maria deduziu que se Álvaro acabara de sair do quarto e Jessica tinha uma novidade dessas, a coisa estava pior do que ela imaginava. Jessica estranhou a falta de reação da amiga. -Obrigada pelo ânimo. Sabe, eu não sou mais encalhada e nem vou viver para sempre aqui. -O quê? -Ele vai me levar para viver com ele fora do país. -Mas você acabou de conhecê-lo! -E já o amo! Qual o problema? Você por acaso conhece bem o Inácio? Ela percebeu que Jessica ficava muito agressiva quando o assunto era Álvaro, então não insistiu. -Você faz alguma ideia de quem fez isso? – Perguntou ela para mudar de assunto. -Nenhuma. Mas se você não me desculpar depois disso, eu juro que mato você. Maria riu e abraçou a amiga, tentando ao máximo fingir que estava tudo bem. Tentando se concentrar em Jessica e não no fato irônico de ela estar namorando o verdadeiro assassino. Após muita insistência de Jessica, Maria aceitou ir embora com Inácio, a menina receberia alta na parte da noite, mas se conformou em ficar com Álvaro e mandou que ela e Inácio fossem descansar. Maria não queria deixá-la sozinha com Álvaro, mas não teve escolha. Antes de ir para o castelo, passou na casa de Ester para avisar sobre Jessica, àquela hora a cidade inteira já devia saber que Jessica fora atacada. Teve a confirmação que a cidade já sabia, assim que desceu do carro de Inácio na frente da casa de Ester. As pessoas que estavam na rua, encararam-na e Inácio com raiva. Mas ela ergueu a cabeça e bateu na porta. Ester abriu a porta com uma expressão preocupada e os convidou a entrar. -Ela está bem, estará em casa hoje. – Falou Inácio tranquilizando Ester. -Por que a senhora não foi ao hospital? – Perguntou Maria.
-Aquele homem está lá? – Perguntou Ester. Enquanto Inácio parecia não entender de quem ela estava falando, Maria assentiu. -É melhor vocês irem descansar, já fizeram demais por ela. – Falou Ester. Maria se levantou e Inácio a seguiu sem entender de quem Ester estava falando e porque Maria parecia saber. Quando saíram da casa de Ester, Inácio parou Maria: -Pode me dizer de quem ela estava falando? -Parece que não sou a única que não gosta do seu amigo! – Respondeu ela deixando Inácio ainda mais confuso. À noite, após confirmar que Jessica já estava em casa, Maria finalmente foi dormir. Porém, acordou no meio da noite com um pesadelo em que Alessandra gritava para que alguém se afastasse dela. Levantou-se no mesmo instante, pegou uma vela e resolveu ir até o quarto de Alessandra. Ao se aproximar do quarto de Álvaro sentiu seu coração acelerar e uma mistura de medo e raiva, mas vendo que a porta do quarto dele estava fechada continuou até o quarto de Alessandra. Quando chegou à porta do quarto dela, se surpreendeu com uma figura sentada no chão com as mãos na porta do quarto. -O que faz aqui? – Perguntou irritada a Álvaro. Ele a encarou sorrindo. -Parece que só você pode entrar não é? -Como se você realmente estivesse sentindo a falta dela. Não sei como se atreve a sequer falar o nome dela. – Maria não sabia porque, mas estava muito irritada por ele estar perto das coisas de Alessandra. Álvaro a olhou com uma expressão tão fechada, que Maria esperou que ele fizesse algo contra ela, mas ele simplesmente comentou: -Deveria estar de melhor humor Maria, afinal de contas sua amiga está bem! Ela o encarou com raiva: -Por falar nisso, ótimo trabalho colocando a Jessica contra mim. Aonde pretende chegar com isso? Álvaro se levantou e aproximou-se dela: -Devido aos últimos acontecimentos você tem menos pessoas acreditando em você, Maria. Não é o casal perfeito? Inácio, o assassino e Maria, a louca. Ela então deixou a vela que estava segurando cair na mão dele, que gritou no mesmo instante. -Eu não tenho medo de você! - Falou ela. Então uma voz os surpreendeu: -Por que esse grito? – Perguntou Inácio assustado, mas quando viu Maria sozinha com Álvaro, ficou irritado. – Por que vocês estão aqui sozinhos? Álvaro apenas sorriu e Maria pegou a mão de Inácio o arrastando dali. Ela o levou para o quarto dele. -Não foi nada, Inácio. -E por que você estava lá a essa hora? Maria respirou fundo e sentou-se na cama. Resolveu falar a verdade. -Porque eu acordei com os gritos da Alessandra. Inácio a encarou confuso. -Eu sonho com ela Inácio, quase sempre. Mesmo antes de conhecer você e saber quem ela era eu já tinha pesadelos com ela. Inácio parecia em choque. -Não pode estar falando sério.
-Eu sei que é estranho, a Lucena também não acreditou no começo, mas foi por isso que me aproximei e quis conhecer você. Como Inácio parecia não ter reação nenhuma, Maria se levantou para deixá-lo sozinho, porém ele segurou sua mão. - Fica aqui comigo o resto da noite. – Pediu ele. – Não me incomoda que você a veja, é que eu nunca a vi, nunca nem sonhei com ela, não consigo. Às vezes parece que nem me lembro de como ela era. Maria assentiu e se sentou ao lado dele o abraçando na tentativa de confortá-lo. Na manhã seguinte, estranhou que Álvaro não estivesse presente no café da manhã. -Cadê o seu amigo? – Perguntou ela. -Foi tomar café com a Jessica. – Respondeu Inácio percebendo a desaprovação de Maria. – Você sabe que não pode fazer nada para impedir, por mais que não goste do Álvaro, esta decisão cabe somente à Jessica. Maria assentiu e sentou-se para tomar café. -Por que não me disse antes sobre a Alessandra? -Nós vamos começar outra briga? -Claro que não. -Então acho que você já sabe a resposta. Inácio assentiu, sabia que Maria nunca contava as coisas que descobria sobre Alessandra, pois não queria que ela permanecesse entre eles. E não queria que Inácio reagisse como ele reagia cada vez que descobria alguma coisa sobre ela. Isso o fez se lembrar da última vez que descobrira que Maria escondia alguma coisa sobre Alessandra, a maneira como reagira, o que tinha feito a ela e como a havia deixado. Ela parecia tê-lo perdoado, mas não era mais a Maria de antes. Não tinha a mesma alegria, a mesma vida, nem quando estava com ele. Exceto quando se beijavam, aí ela se entregava da mesma forma que antes. Então, ele resolveu voltar àquele assunto: -Você ainda não me disse se me perdoou. Pelo seu pulso, pela forma como eu tratei você aquele dia. Maria o encarou surpresa. -Você já me perdoou? Por ter escondido de você a gravidez da Alessandra? Inácio abriu um sorriso triste. -Claro que já, na verdade, eu entendo o que você fez. Eu tenho tanto medo de perder você, Maria, que sei que faria o mesmo. Minha raiva passou no momento em que seu amiguinho veio te buscar e percebi que você podia realmente nunca mais voltar. Maria parecia emocionada, ela se sentou no colo dele e o beijou levemente nos lábios. Seu sorriso, iluminado como antes, fez com que Inácio a beijasse mais intensamente. Mas logo ela se afastou: -Mas isso não muda o fato de que a Alessandra ainda está viva dentro de você Inácio, que você ainda a ama, e eu não quero ter que me preocupar sempre com o que você pode descobrir sobre ela para manter nosso relacionamento. Melhor deixarmos tudo como está. Inácio assentiu, mas não escondeu a tristeza, até mesmo, medo, percebeu Maria. Após o café, Maria resolveu voltar a cuidar de seu jardim, foi então que alguém a chamou no portão. Ela avistou Moisés de cara fechada, olhando para o chão, com um papel na mão. Aproximouse dele já esperando um sermão por ter ido morar com Inácio, mas ele apenas entregou a ela um envelope. E, sem olhar para ela, disse:
-Mandaram te entregar. Maria pegou o envelope, curiosa. -Quem mandou? Moisés virou-se e saiu andando sem responder. Ela correu para seu quarto e abriu o envelope: 21 de Abril Álvaro, Nunca respondi nenhuma das cartas que me mandou, mas realmente precisei responder a última. Não quero que você venha aqui. Não gostaria de ter que mostrar suas cartas ao Inácio e ter que dizer para ele que você está louco. Então espero de todo coração que volte a si e aceite a verdade, nós nunca tivemos e nem teremos nada. Eu não o amo, na verdade, sequer suporto você. E por nada nesse mundo deixaria o Inácio, pois é somente ele que amo e amarei o resto da minha vida. É meu último aviso, ou me deixa em paz, ou contarei ao Inácio quem você realmente é, não falo só das cartas, mas de todo o resto. Alessandra Maria leu pelo menos três vezes a carta. Alessandra e Álvaro nunca tiveram um caso. O tempo todo, todas as cartas eram coisa da cabeça doente dele. Álvaro era mais perigoso do que ela imaginava, era desequilibrado. Mas estava contente por ter recebido a carta misteriosa, era de certa forma, uma prova da inocência de Inácio. Mas quem mandara aquela carta? Quem quer que fosse, também sabia a verdade sobre o assassinato de Alessandra e também não tinha coragem de revelá-la. Principalmente, quem quer que tenha enviado aquela carta, podia ter mais provas da inocência de Inácio. Maria precisava descobrir quem era, e só tinha um jeito, Moisés. Já ia saindo atrás dele quando teve uma ideia, mostraria a carta de Alessandra para Jessica, quem sabe assim ela não acreditaria nela? Chegou à casa de Jessica afobada, mas a menina a recebeu de má vontade, percebeu Maria. -Aconteceu alguma coisa? – Perguntou Maria preocupada. -Me diz você, o que foi fazer no quarto do Álvaro ontem à noite? Maria foi pega de surpresa. -O que? Eu não fui ao quarto do Álvaro ontem à noite. Você ficou louca? -Não foi o que ele disse, e a marca de queimado na mão dele prova isso. -Jessica, ele está mentindo! -Ele nem queria me contar! Não queria falar nada de você, mas você vive acusando ele. Eu acho que toda essa história de investigar um assassinato mexeu com sua cabeça, Maria. Você não está pensando direito. Percebeu então que Álvaro cumprira sua ameaça, estava fazendo com que acreditassem que ela estava louca. Começando pela única pessoa que poderia defendê-la, Jessica. -Jess, eu tenho como provar que o Álvaro não presta, eu trouxe para você ler uma carta da Alessandra para ele. Leia, e depois me diz o que achou. Jessica pegou a carta de má vontade e leu, Maria percebeu que ela parecia em choque, deve ter lido várias vezes pelo tempo que permaneceu com a folha na mão, mas a devolveu a Maria com uma expressão confusa. -Isso não quer dizer nada. -Jura? Nós duas sabemos que quer, e nós duas sabemos que você é mais esperta que isso, Jess.
-Olha Maria, eu não acredito que o Álvaro seja o assassino. Você nem o conhece, não pode julgar as pessoas. Olhe para você, a Lucena discute com você e é atacada. A Marta discute com você e é atacada. Agora eu discuto com você e sou atacada, qualquer um poderia pensar que você está fazendo isso, ou o Inácio, para te proteger. -Jess você sabe que não foi ele. – Falou Maria temendo que ela dissesse a polícia que havia sido Inácio. – Eu estava com ele dentro do castelo. Ele te socorreu. -Não prova nada! Quem viu vocês dois dentro do castelo? Apenas um viu o outro e todo mundo sabe que vocês dois se defendem. O fato é que sendo você ou não, todo mundo que mexe com você tem seu troco, então peço que pare de implicar com o Álvaro antes que alguma coisa aconteça a ele também. Maria não acreditava no que estava ouvindo. Sentiu seus olhos enxerem, mas se conteve. -Tudo bem, então procura saber quem viu o Álvaro na praça na hora em que você foi atacada, porque ele disse que estava lá, mas ninguém o viu. -Não é porque o seu romance com o Inácio foi um fiasco que você tem que arruinar o meu, Maria. -Depois não diga que eu não avisei. – Falou Maria saindo da casa de Jessica. Procurou Moisés a tarde inteira, mas nem sinal dele. De noite, Inácio a chamou para o evento da feira de livros que teria na biblioteca, mas Maria não quis ir, Inácio percebeu que ela parecia mais triste que nos últimos dias. Então ele se aproximou dela, sentando na beira da cama onde ela estava deitada. -O que aconteceu? -Nada. – Respondeu ela. -Você pode confiar em mim, Maria. O Álvaro te fez alguma coisa? Pode me falar, eu vou acreditar em você. -Como você sabe que vai acreditar se não tem nem ideia do que é? -Não importa, eu vou ficar do seu lado assim mesmo. Maria achou graça da forma como Inácio tentava fazê-la se sentir melhor, então se sentou na cama, iria contar tudo para ele. Mas nesse momento, Álvaro entrou no quarto. -Inácio, vocês não vem? -Pode indo na frente Álvaro, nós vamos daqui a pouco. -Você pode ir Inácio, eu estou cansada e vou dormir. – Falou Maria. -Como você não vai Maria? A Jessica ia adorar te ver lá. – comentou Álvaro em tom de deboche. Maria sentiu vontade de lançá-lo janela abaixo, mas respirou fundo e fingiu não ter ouvido o comentário. -Você pode ir Álvaro, nós vamos ficar em casa hoje. – Falou Inácio. -Inácio, você não precisa ficar, pode ir... -Não vai ter graça nenhuma sem você, e eu não me importo de ficar aqui. – Falou Inácio tirando a camisa social que estava usando, e deixando claro que não se afastaria dela. Vendo que Inácio não mudaria de ideia, Álvaro resolveu ir andando e deixá-lo, mas parecia tão chateado que Inácio percebeu. -Ele ficou chateado? – Perguntou Inácio. -Nem sei, não estava olhando para ele. – Respondeu Maria. Inácio deitou-se ao pé da cama esperando que Maria contasse o que estava acontecendo, mas ela apenas ficou o observando, sem demonstrar nenhum interesse em falar o que sentia. -Maria, não é porque não estamos mais juntos que não possamos ser amigos. Por favor, não crie esse muro de segredos entre a gente.
Mas ela não respondeu, levantou-se de repente e mexeu em sua mala, pouco depois tirou um vestido florido e o mostrou a Inácio. -É bonito? -Sim. – Respondeu ele sem entender. Então ela saiu do quarto e retornou pouco depois usando o vestido, ficava perfeito nela. Estava parecendo um anjo, o cabelo marrom dela caía por cima dos detalhes laranja do vestido e fazia Maria ter certa luz, que a deixava ainda mais linda. -O que está esperando? - Perguntou ela dando um nó no cabelo, prendendo com um grampo. – Vamos. -Aonde nós vamos? -Para a feira de livros, você não queria ir? Inácio se levantou rindo e se aproximou dela. Por um momento, Maria esperou que ele a tomasse nos braços e a beijasse, mas ele apenas tirou o grampo do cabelo dela admirando as mexas compridas caírem sobre o vestido. -Você fica ainda mais linda assim, parece um anjo. Maria sorriu e os dois saíram. Inácio e Maria andavam de mãos dadas, como combinado, para que todos achassem que ainda estavam juntos, quando percebeu que Inácio a estava levando para perto de Álvaro e Jessica, Maria se soltou e saiu de perto dele. Não queria ficar com Álvaro e nem com Jessica naquele momento. Ficou dando voltas na praça, mas alguns minutos depois, Inácio se aproximou dela sentando-se ao seu lado. Parecia estar incomodado com alguma coisa. Ela curiosa o encarou, então ele falou: -Por que não me disse que você e a Jessica brigaram? Maria bufou. -Porque você ia me perguntar o motivo e não ia gostar da resposta. -Então você está mesmo interessada no Álvaro? -O quê? – Gritou Maria. -A Jessica me pediu para cuidar melhor de você, porque você está interessada no Álvaro. -Isso é ridículo! Não acredito que ela disse isso. -E por que ela está pensando isso? -Porque eu odeio o Álvaro! E ele está fazendo a cabeça dela. – Vendo como Inácio a encarava, Maria percebeu que apenas pareceria louca se dissesse a verdade. – E você não vai acreditar se eu disser a verdade, então não sei por que pergunta. Inácio ia discutir, mas Jessica e Álvaro se aproximaram deles, Maria se levantou no mesmo instante e seguiu Lucena, que parecia não conseguir carregar o mundo de livros que estavam em seus braços e bloqueavam sua visão. Ela tirou a maioria dos livros dos braços de Lucena e entrou com ela no galpão da biblioteca, onde os guardaria. -Obrigada. – Disse Lucena. Quando Maria ia saindo, Lucena a chamou: -Maria, você está bem? Maria assentiu. -Soube que você e a Jessica brigaram. Maria se irritou pela forma como as noticias corriam na cidade. -E soube que o amigo do Inácio está aqui e que está namorando ela? – Perguntou Maria para ver qual seria a reação de Lucena ao falar de Álvaro.
Mas ela reagiu normalmente. -Sim, eu soube. Álvaro é um bom menino. Ela revirou os olhos em reprovação. -Queria te perguntar sobre o ataque a Jessica, tem alguma ideia de quem possa ter sido? -Não foi o Inácio! – Defendeu Maria. -Eu sei, a Jessica disse que não pode ter sido ele. Só estou me perguntando quem faria uma coisa dessas, quero dizer, quem atacou a Jessica provavelmente atacou a Marta, e eu. Maria ficou confusa, Lucena não tinha tanta certeza que fora Inácio que a atacara? -Eu não tenho certeza que o monstro do Inácio tenha me atacado, Maria. Eu o vi minutos antes de ser atacada, mas não posso jurar que foi ele. Levando em conta que a Jessica jura que não foi ele, é estranho que mais de uma pessoa ataque as pessoas que se metem com você. -A senhora acredita que o Inácio é inocente? – Perguntou Maria esperançosa. -Não foi o que eu disse, talvez seja, nisso. Ele realmente não sabia que a Alessandra estava grávida? Maria negou com cabeça. -Não sabia, eu não disse nada porque sabia que ele ficaria mal, foi um choque para ele. Percebeu que Lucena parecia em dúvida sobre a culpa de Inácio, não só nos ataques recentes, mas em tudo. E isso era ótimo, se a mãe de Alessandra o perdoasse, quem sabe Inácio também não se perdoaria? Então Jessica entrou no galpão, avistou Maria e Lucena e se aproximou curiosa. -Maria, eu queria falar sobre aquela carta. -Não temos o que conversar agora, Jessica. – Alertou Maria tentando fazer com que ela percebesse que Lucena estava perto e não podia saber de nada. Jessica ia responder, mas fixou o olhar em algo atrás de Maria e Lucena. As duas olharam na direção que Jessica olhava, mas não viram nada na janela, então Jessica continuou: -Acho que deve me entregar aquela carta. -Não vejo porque eu deveria fazer isso. -Porque quero mostrar ao Álvaro, e ver a reação dele. Assim vou saber se ele é culpado ou não. Lucena encarou as duas sem entender nada. -Do que o Álvaro é culpado? De que carta estão falando? -Dona Lucena, a Maria acha que o Álvaro é uma má pessoa. A senhora que o conhece há tanto tempo, diz para ela como ele é! Maria encarou Jessica para que parasse por ali com aquele assunto na frente de Lucena, mas Lucena já a encarava curiosa. Ela começou a questionar Maria, mas sentiram um cheiro estranho, parecia fumaça. Jessica se afastou delas para procurar o que era, e foi como se aparecesse num passe de mágica, um fogo alto numa das prateleiras que rapidamente cedeu e separou de um lado Maria e Lucena e do outro Jessica, mais perto da porta. Lucena e Maria se afastaram o máximo possível do fogo, mas ele se alastrava rapidamente. Maria percebeu Jessica tentando chegar até elas e gritou: -Jess, sai daqui! -Não vou sair sem você. -Não adianta vir para cá, vá pedir ajuda! – Maria parou de gritar quando sentiu a fumaça invadir sua garganta e seu nariz a impossibilitando de respirar. Olhou em volta, mas só havia fogo, não havia saída. As prateleiras velhas de madeira e a quantidade enorme de papéis no local, faziam o fogo ficar cada vez maior, o galpão era todo de
madeira, o que piorava ainda mais a situação. Maria deu um passo para trás e esbarrou em uma das prateleiras, no mesmo instante, sentiu que a prateleira ia cair sobre ela, mas Lucena pulou e empurrou Maria, então a prateleira caiu sobre Lucena. Maria se desesperou ao ver que ela não se mexia. Jessica saiu do galpão com dificuldade de respirar e sentindo-se tonta. Percebeu a movimentação em volta do galpão, a cidade inteira já havia visto o fogo, olhou para trás e percebeu como o fogo estava alto. -Maria! – Gritou ela. – A Maria e a Lucena estão lá dentro! Algumas pessoas tentaram acalmá-la, então ela se lembrou do que vira minutos antes do fogo começar, procurou por Álvaro, mas ele não estava. Ligaram rapidamente para o corpo de bombeiros de Ponta Bela. -Elas vão morrer! Não há tempo! – Gritou ela desesperada. Então finalmente Álvaro apareceu, ele correu até ela e a abraçou. Inácio viu de longe o fogo alto e foi até lá ver o que estava acontecendo, logo viu a confusão e o desespero de algumas pessoas, então avistou Jessica suja e tossindo, foi como se alguma coisa apitasse dentro dele, Maria. -Jessica! – Chamou ele, e antes mesmo de perguntar qualquer coisa, a menina gritou. -A Maria esta lá dentro! Precisam tirá-la de lá! Inácio sentiu como se o mundo houvesse se desligado, deu um passo na direção do fogo, mas Álvaro o segurou. -Você não pode ir lá! Já chamaram os bombeiros, tem que esperar! Mas Inácio se soltou da mão dele e no segundo seguinte tinha sumido no meio da fumaça. Maria estava quase sem ar, mas conseguiu chegar até Lucena, ela não estava desacordada, apenas não conseguia se mexer. Tentou tirar a prateleira de cima dela, o fogo ainda não estava em Lucena, mas logo chegaria, não tinham muito tempo. Porém a prateleira era muito pesada, Maria não conseguia levantá-la. Percebeu que Lucena tentava falar alguma coisa com ela, mas parecia não ter forças, coisa que Maria quase não tinha também, sentia a fumaça arder seus pulmões. Foi então que pareceu ter visto um vulto, levantou-se e avistou Inácio do outro lado da prateleira. -Sai daqui! – Tentou gritar ela, mas sua voz estava baixa e ela tossiu muito quando abriu a boca, exalando mais um monte de fumaça. Inácio não tinha como chegar a ela, ele tirou sua blusa de frio, enrolou as mãos, conseguiu levantar a prateleira que havia separado as duas de Jessica e da saída, chegou até Maria, rapidamente a pegou, mas ela se soltou e apontou para Lucena: -Leva ela. Inácio a encarou desesperado. -Não! Eu volto para buscá-la. -Não! Leva ela! Ela está quase desmaiada! – Maria tossiu mais e Inácio percebeu que a fumaça já a estava impedindo de respirar. Para que não perdesse tempo ali discutindo com Maria, e também porque realmente Lucena não aguentaria o tempo que Maria ainda podia aguentar, Inácio conseguiu levantar a prateleira, pegou Lucena nos braços, o fogo não deixava trégua para que pudessem passar, teria que correr com ela no fogo mesmo. -Isso vai doer um pouco. – Falou ele com Lucena e correu com ela o mais rápido que pôde passando pelo fogo. Maria avistou os dois saírem, mas não teve coragem de fazer como Inácio e passar no meio do fogo, se sentia fraca e tonta, morreria mais rápido se tentasse. Por fim, não conseguia mais ficar em
pé, só via fogo, o calor infernal e o cheiro forte de fumaça, deitou-se no chão quente, queria levantar, mas não conseguia. Então queria apenas que aquilo acabasse. Foi como se suas preces fossem ouvidas, de repente não estava sentindo mais nada. Inácio colocou Lucena no chão, que embora tossisse muito, ainda não estava desacordada. Ela tocou o rosto dele como que agradecendo, mas ele precisava voltar, precisava salvar Maria. Lucena segurou forte sua mão para que ele não fosse, mas ele a encarou. -Eu não posso passar por isso de novo. Eu vou salvá-la de qualquer jeito! – Então Lucena o soltou e rezou em silêncio que ele conseguisse. Dessa vez foi Stanley quem entrou na frente dele o impedindo de passar. -Você não vai entrar lá, os bombeiros já foram acionados, já se arriscou demais. -Ela não vai aguentar até os bombeiros chegarem! O fogo está por todo lado. -Mais um motivo para você não entrar lá. – Stanley pediu que outro policial ajudasse a segurar Inácio, estava irredutível. -Desculpe. – Falou Inácio. -Pelo quê? – Perguntou Stanley. -Por isso. – Respondeu Inácio dando um soco em Stanley que caiu para trás, então ele empurrou o outro policial e correu de volta para dentro do galpão. Estava ainda pior com o fogo mais alto, e insuportavelmente quente. A fumaça já o deixava mais fraco e o fazia tossir, mas não sairia dali sem Maria. Como não conseguia ver nada, gritou por ela, mas não teve resposta. Então seguiu o mesmo caminho que fez para chegar até ela da primeira vez, ela não poderia ter saído de lá. Pensar nisso fez com que seu coração doesse de uma maneira desesperadora. Ele passou pelo fogo novamente, e avistou finalmente Maria, caída no chão. Correu até ela, mas ela estava desacordada. Ele mexeu nela e a chamou, mas tossiu muito e desistiu de tentar falar. Tirou sua camisa social, não era tão grossa, mas era melhor que nada. Enrolou em volta de Maria e tentou levantá-la, mas estava fraco. Olhou sua menina coberta de fumaça, ela parecia não estar respirando, ele tocou o pulso dela, que parecia não existir, encostou a cabeça no coração dela, não ouvia nada. “É o fogo!” pensou ele desesperado. “Não ouço o coração dela por causa do barulho do fogo!” Inácio nem soube de onde arrumou forças, mas a levantou e correu com ela passando pelo fogo ainda mais rápido que da primeira vez. Quando finalmente saiu com ela de dentro do galpão, sentiu suas forças sumirem e caiu com ela, mas não a soltou. Ela permanecia imóvel. Ele a sacudiu, mas ela não dava nenhum sinal. Logo, uma ambulância parou próxima a eles e alguém se aproximou de Inácio, que estava tonto, só sentiu Maria ser puxada dos braços dele, e levada para longe, tentou levantar a mão para alcançá-la novamente, mas não deu tempo, tudo se apagou.
Capítulo 19 Maria acordou com uma forte dor de cabeça e uma luz quase cegava seus olhos, havia um médico a examinando. -Maria, como se sente? -Acho que bem. – Respondeu ela confusa. -Você se lembra do que aconteceu? Fechou os olhos novamente e tudo passou pela sua cabeça, desde o momento em que entrara no galpão com Lucena, ao momento em que vira Inácio sair com Lucena. -O Inácio! Como ele está? E a Lucena? -Acalme-se, os dois estão bem. A dona Lucena já recebeu alta pela manhã e o Sr. Inácio nem precisou ficar internado. -Eu quero vê-lo. – Pediu Maria. -Depois, primeiro precisa descansar e tomar alguns remédios. Maria reparou as faixas que cobriam seus braços, deveriam estar muito queimados, pensou em Inácio e Lucena, será que eles estavam muito queimados? Percebendo que ela encarava as faixas, o médico logo falou: -Não ficou muito feio, você teve sorte. Daqui alguns meses, acredito que não terá mais nenhuma cicatriz. As da dona Lucena foram um pouco mais graves, ela queimou parte do cabelo também. Quando o médico disse aquilo, Maria tocou seu cabelo e percebeu que boa parte havia queimado. -E o Inácio? – Perguntou ela. -Ele apenas queimou as mãos, parece que tocou em alguma coisa quente. Mas está bem. Lembrou-se que ele tirou a prateleira quente de cima de Lucena, ela deveria estar mesmo pior em questão de queimaduras, ficou menos tempo que Maria no galpão, mas ficou mais tempo no chão e mais perto do fogo que ela. O médico saiu do quarto e uma enfermeira entrou. Ela sorriu para Maria, seus olhos brilhavam. -Seu namorado não quis ir embora sem você. Ele recebeu alta ontem mesmo, mas se recusou a sair. Ele é muito bonito. -Há quanto tempo estou aqui? -Dois dias. Você chegou antes de ontem à noite. Mas deve sair hoje mesmo. Você foi sedada para não sentir a dor das queimaduras, mas não se preocupe, ficará bem, não foi tão grave quanto às da senhora que estava com você. -E a Jessica? – Perguntou Maria. -Essa nem ficou internada, não teve uma queimadura, teve muita sorte. Maria sentiu-se mais aliviada. Quando a enfermeira ia saindo, ela a chamou. -Será que pode pedir ao Inácio para entrar? A enfermeira torceu o nariz. -O médico disse que você ainda não pode receber visitas. -Mas eu estou bem. Por favor, eu preciso vê-lo. -Tudo bem. – Concordou a enfermeira, quando ia saindo, virou-se para Maria e a encarou. – As pontas do seu cabelo queimaram no incêndio. – Então ela se aproximou de Maria e a levantou da almofada onde estava recostada. – Vamos fazer um penteado rápido para que ele não a veja assim. A enfermeira deu um nó no que sobrou do cabelo de Maria, que ficou feliz que tivesse sobrado o suficiente para fazer um nó. Ela agradeceu a enfermeira que foi buscar Inácio.
Maria tirou o soro que estava em seu braço e se levantou para olhar no espelho. Então, Inácio entrou no quarto. Quando viu Maria em pé, quase teve um ataque. -O que está fazendo de pé? Volte já para a cama! – Assim ele a arrastou até a cama, mas antes de obrigá-la a deitar, a abraçou por muito tempo. – Eu achei que fosse perder você. – Sussurrou ele. -Eu sabia que você me salvaria. – Falou ela sentando na cama e se cobrindo novamente, então olhou para Inácio com ternura – Obrigada, mais uma vez, meu anjo. Inácio sorriu e beijou a mão dela. -Salvando sua vida, eu estou salvando a minha. – Respondeu ele. -Já descobriram alguma coisa? Sobre o que causou o incêndio? Ou quem? Inácio a olhou de uma maneira desconfiada. -Estão investigando, mas ainda não encontraram nada que explique como aquele fogo começou. Mas é claro que você faz uma ideia de como começou, não faz? -Faço. Mas se eu te contar você não vai gostar, então nem me pergunte. -Você está achando que foi o Álvaro. Maria, eu entendo você não gostar dele, mas achar que ele é louco a esse ponto... -Eu não acho que ele é louco. Acho que ele é mau. Inácio tocou o rosto dela de leve, claramente não concordava com a opinião dela, mas não queria brigar naquele momento, então respirou fundo e não disse mais nada. Maria percebeu nas mãos dele diversas cicatrizes de queimaduras. Ela segurou suas mãos e virou a palma, percebendo que tinha a marca exata das estantes que ele levantara. Levantou a manga da camisa dele, mas os braços estavam apenas com alguns pelos queimados. -Está tudo bem. – Falou ele. – A dona Lucena não teve a mesma sorte, ela queimou quase todo o cabelo e boa parte dos braços e da barriga. Maria sentiu uma forte dor apertar seu peito, não era justo que Lucena pagasse por ela. Álvaro queria feri-la por ter mostrado a carta a Jessica, queria machucar a ela, Lucena não deveria estar junto. Talvez fosse melhor se Maria não se aproximasse de mais ninguém até Álvaro estar preso, como deveria estar há muito tempo. Então pensou em Jessica. -E a Jessica? -Está bem, o Álvaro a levou daqui ontem. Maria revirou os olhos e ficou chateada. Sabia que Jessica tinha visto alguma coisa antes do incêndio, será que continuaria defendendo Álvaro e fechando os olhos para as coisas que ele fazia? Quando estava quase anoitecendo, Maria foi finalmente liberada do hospital. Inácio a aguardou até sua saída já com um carro a espera dela. Os dois chegaram finalmente a Passaredo, mas Maria quis visitar Lucena primeiro. Inácio não desceu do carro, pois não sabia qual seria a reação de Lucena ao vê-lo. Foi a própria Lucena quem abriu a porta e Maria percebeu que Marta estava lá dentro com cara de poucos amigos. Quando viu Maria, se aproximou rapidamente dela. -Como você está? – Perguntou ela realmente preocupada. -Estou bem. -Você me deu um susto e tanto! Não fui ao hospital porque o seu namorado já estava lá. Maria percebeu que Marta não tinha falado de Inácio com o nojo que sempre falava. Então entrou com Lucena e sentou-se ao lado dela. Lucena estava com uma touca cobrindo os cabelos e os braços totalmente enfaixados. Maria também estava com os braços e as mãos enfaixadas, ainda não havia visto como estavam. -Eu estou bem querida. Não precisa me olhar desse jeito, eu nasci de novo. -Dona Lucena, eu nunca vou poder lhe agradecer pelo que fez. A senhora salvou minha vida.
-Você retribuiu querida, fez o Inácio me salvar primeiro. – Ao perceber as lágrimas que brotavam no rosto de Maria, Lucena segurou forte a mão dela. – O importante é que estamos bem, não foi nada mais grave. Cabelo cresce de novo e a pele não é nada que umas boas blusas de frio e luvas não escondam. O importante é que você quase não teve queimaduras, essas aí vão sumir rapidinho. Maria abraçou Lucena com cuidado para não machucar onde estava enfaixado. Foi então que avistou uma movimentação pela janela. Ela se levantou rapidamente e abriu a porta. Um grupo de pessoas se aproximava do carro em que Inácio estava com pedras nas mãos, gritando que ele era incendiário. Assim que viu Maria, Inácio desceu do carro, e ela o abraçou, tentando protegê-lo. -O que estão fazendo? – Gritou Lucena. -Vamos pegar esse incendiário! – Gritou um homem do meio do grupo. Álvaro e Jessica chegaram nesse momento e, enquanto Álvaro observou um pouco distante de Inácio a confusão, Jessica fez como Maria e entrou na frente dele, tentando protegê-lo. -Não foi ele! – Gritou Jessica. Mas as pessoas gritavam que havia sido ele e que ele pagaria pelo que tinha feito. Então, quando um dos homens deu um passo na direção de Inácio com um porrete na mão, Lucena entrou na frente e segurou a mão do rapaz. -Não foi ele! – Gritou ela. – Inácio Edenhal salvou nossas vidas. Ele arriscou a própria vida para nos tirar de lá. Ele deveria estar sendo homenageado agora e não ameaçado! Inácio Edenhal foi o nosso herói! Se não fosse por ele estaríamos mortas, Maria e eu. Maria só não ficou mais surpresa com a reação de Lucena do que o próprio Inácio. Ele encarava Lucena como se não acreditasse no que ela estava dizendo. Quando desviou o olhar dele, Maria percebeu outra pessoa que encarava Lucena com um enorme desgosto nos olhos, Álvaro. Ele também não estava nada feliz que ela o defendesse depois de tantos anos. Lucena os conduziu de volta para dentro de sua casa, e convidou Inácio a entrar. A opinião dela sobre o incêndio valia muito para os moradores da cidade, já que ela era respeitada e principalmente, a mãe de Alessandra. Se ela defendia o possível assassino da filha, ele devia mesmo ser inocente. Inácio se sentou meio desajeitado ao lado de Maria, mas Lucena se aproximou dele emocionada. -Filho. Perdoa-me por todos esses anos em que te acusei da morte da minha filha. Eu sempre soube que você nunca faria nenhum mal a ela, mas a dor me fez querer por a culpa em alguém e acabou sendo você. No fundo eu culpei você por não ter cuidado dela, mas sei que você fez tudo o que pôde. Minha filha amava você e era muito feliz ao seu lado, Inácio. Eu nunca devia ter acusado você nem ter te punido como eu fiz. Inácio se levantou também emocionado e abraçou Lucena. -Me perdoa. – Pediu Lucena novamente. -Está tudo bem. Não sabe como fico feliz que tenha me perdoado. – Falou ele. -Você não tem que ser perdoado filho, você não é culpado, eu sei que não é. – Então ela olhou para Maria. – Menina, me desculpa por não ter acreditado em você também, você me deu várias provas que ele era inocente, mas eu não queria acreditar. Eu sei que você está investigando o que aconteceu a Alessandra, e eu quero que saiba que pode contar comigo. Eu quero ajudar você a provar a inocência do Inácio, eu quero que o verdadeiro assassino da minha filha pague pelo que fez. Maria não podia estar mais feliz, ter a ajuda de Lucena defendendo a inocência de Inácio deixava tudo muito mais fácil. Era mais fácil que as pessoas acreditassem nele, que ele mesmo acreditasse em sua inocência. Só não contaria a ela o que tinha descoberto, o verdadeiro assassino de
Alessandra era mais perigoso do que ela havia imaginado e Lucena não podia se arriscar novamente. Falando do assassino, Maria lembrou-se de Álvaro, olhou em volta, mas ele não havia entrado com eles na casa de Lucena, devia ter ficado realmente irritado. Jessica que parecia nem reparar que Álvaro havia sumido, se aproximou de Maria e a abraçou. -Que bom que está bem! Eu achei que você não fosse... – Jessica parou de falar, emocionada. -Tudo bem Jess. Está tudo bem agora. Jessica tocou o nó no cabelo dela. -Seu cabelo amiga, vamos dar um jeito nisso. – Ela arrastou Maria para o banheiro de Lucena e pediu a ela uma tesoura. Então soltou o cabelo de Maria, que pôde ver as pontas totalmente queimadas. Jessica teria que cortar pelo menos dois palmos para conseguir tirar tudo. Maria sentiu as lágrimas escorrerem quando Jessica aproximou a tesoura do cabelo dela. -Calma Maria. Sai seu lindo cabelo comprido para entrar um lindo cabelo moderno. Jessica tirou toda ponta queimada, mas repicou o cabelo de Maria na frente, de forma que ela pareceu mais jovem, seu cabelo ainda estava comprido, não como antes, mas gostou do resultado. Aproveitou a situação para puxar o assunto incêndio com Jessica: -Jess, aquele dia, no galpão, você fixou os olhos em alguma coisa antes do incêndio. O que você viu? Maria percebeu que Jessica parecia tensa. -Nada. Não quero falar disso agora, Maria. Maria assentiu e não insistiu mais, mas sabia que ela estava escondendo alguma coisa. Inácio olhou para Maria com o corte novo e ficou sem palavras, ela percebeu que ele a olhou por um bom tempo, mas não dava para saber se ele tinha aprovado. De qualquer forma, não era como se Maria tivesse escolha a não ser aceitar o corte no cabelo. Assim que Maria se aproximou de Inácio, ele sussurrou no ouvido dela: -Você está linda! Parece uma menina! -E isso é um problema? – Perguntou ela temendo pelo fato de ele já a achar nova demais para ele. -Problema nenhum. – Respondeu ele. Quando saíram da casa de Lucena, antes que Maria entrasse no carro, foi abordada por Moisés, que se aproximou dela com uma rosa na mão. Ele nem olhou para Inácio que estava perto de Maria. -Que bom que está bem, Maria. – Falou ele entregando a ela a rosa. -Obrigada. -Se precisar de alguma coisa é só falar. Maria assentiu e ele já ia saindo, mas ela foi atrás dele se afastando um pouco de Inácio. -Na verdade, eu preciso que me ajude com uma coisa. – Pediu ela. -O que você quiser. -Preciso que me diga quem mandou você me entregar aquela carta. Moisés negou com a cabeça. -Pode me pedir qualquer outra coisa, menos isso. -Por favor, Moisés. -Não posso falar. Eu prometi! E a pessoa deixou bem claro que se eu falar qualquer coisa ela pode se machucar, então não vou falar. -Você leu aquela carta? -Não, a pessoa me pediu que não lesse, para não me arriscar também. Olha Maria, eu não sei em que vocês estão metidos, mas não posso ajudar. Sinto muito. – Dizendo isso ele se afastou de Maria.
Ela voltou para o carro e foi para o castelo com Inácio, que ficou fazendo pirraça por ela ter corrido atrás de Moisés. Maria e Inácio estavam jantando quando Álvaro chegou, ao ver Maria, ele ficou parado a encarando. Então Inácio chamou por ele. -Algum problema Álvaro? -Nada demais, é só que sua namorada ficou linda com esse corte de cabelo. Maria percebeu Inácio mudar a expressão calma para a expressão ciumenta dele com o comentário de Álvaro, mas mais que isso, percebeu a surpresa de Álvaro que ela estivesse tão bem. Ela se levantou sem dizer uma palavra e subiu para o quarto. Sentia muita raiva pelo cinismo dele, por sua maldade, por ele estar solto depois de tudo o que fizera. Ela sabia que ele era o responsável pelo incêndio, mas como provaria? A única testemunha era Jessica, que claramente não entregaria nenhuma prova contra Álvaro. Sem ter mais o que fazer, resolveu tirar as faixas de suas mãos. Já havia dado um jeito no cabelo, precisava ver o que teria que fazer nas mãos. Tirou vagarosamente as faixas, mas as que estavam mais próximas à pele, sentiu dor ao puxar, estavam coladas nas queimaduras. Maria temeu que as queimaduras fossem muito feias. Aproximou-se de um espelho, mas com a luz da vela quase não via nada, percebeu algumas marcas em seu ombro, mas eram mínimas, logo sumiriam. Então se sentou na cama novamente, precisava ser forte e puxar de uma vez aquelas faixas. Preparou-se para puxá-las, mas Inácio apareceu. -O que está fazendo? -Quero ver como está. – Respondeu ela. Maria achou que Inácio fosse dar uma bronca por ela não estar seguindo as instruções do médico, mas ele se sentou de frente para ela e começou a tentar tirar as faixas vagarosamente. -O Álvaro disse que se você precisar de alguma coisa e só falar com ele. Você sabe, ele é médico. -Eu dispenso, obrigada. -Maria, eu não entendo porque essa raiva que você tem dele. Maria não respondeu, e Inácio percebeu que ela não queria falar no assunto. Então finalmente, conseguiu tirar as faixas de suas mãos. Maria encarou as queimaduras nas mãos, eram poucas, bem menos do que ela imaginava que seriam. Reparou que Inácio também parecia aliviado que não estivesse tão mal, lembrou-se de Lucena, Inácio havia visto as queimaduras dela, deveriam estar bem piores. Inácio pegou as mãos dela e beijou de leve. -Daqui a pouco isso some. – Falou para acalmá-la. Na tarde seguinte, Maria e Inácio haviam ido a Ponta Bela para que as queimaduras de Maria fossem avaliadas. À noite, quando estavam voltando para a cidade, Maria avistou Jessica na praça e desceu para falar com ela, pediu a Inácio que ficasse no carro. -Jess, tudo bem? – Perguntou Maria percebendo que a menina estava sozinha e parecia triste. -Tudo. Ela sabia que alguma coisa estava errada, então, sentou-se perto dela e esperou que ela dissesse. Finalmente, ela começou a falar: -Você ama o Inácio não ama? Maria assentiu. -Se você descobrisse que ele realmente matou a Alessandra você o entregaria? Maria entendeu o que estava acontecendo, quando Jessica fixou o olhar em alguma coisa antes do incêndio no galpão, ela provavelmente vira quem colocou fogo no galpão, e não queria entregar.
-Sim Jess, independente do amor que eu sinto por ele, eu não permitiria que ele continuasse machucando as pessoas. Jessica ainda parecia em dúvida, mas uma coisa chamou a atenção de Maria. Stanley estava conversando com Inácio, que já estava fora do carro. -Eu preciso ir. – Falou Maria. -Pode ir, obrigada. Maria se aproximou do carro. -O que houve? Inácio olhou para o chão, depois de um tempo para Maria. -Encontraram um galão de gasolina vazio próximo ao galpão. O incêndio foi criminoso. - Falou Inácio. -Visto que você estava lá dentro Maria, achamos que foi a pessoa que estava perseguindo você. Então se você tem algum suspeito, quem quer que seja, mesmo que não tenha provas, preciso que me fale. - Exigiu Stanley. Maria ia responder, mas Álvaro se aproximou deles. Ela sentiu a raiva tomar conta dela e no mesmo momento falou com Inácio. -Inácio, por favor, não o deixe voltar para o castelo. Por favor. Inácio e Stanley pareceram surpresos com a reação dela. -Maria acalme-se. O que é isso agora? - Inácio parecia sem graça com a reação dela, enquanto Stanley estava claramente avaliando o medo que Maria parecia sentir do amigo de Inácio. Um raio cortou o céu e anunciou a chuva que cairia. -É melhor vocês irem para casa, vai chover. – Falou Stanley dando uma olhada minuciosa em Álvaro. -Inácio, por favor. Por mim, não o deixe voltar para o castelo. Inácio percebeu que Maria parecia em pânico perto de Álvaro, e que Álvaro não parecia tão surpreso com a reação dela. -Sinto muito Maria, mas ele é meu amigo e não posso tirá-lo de lá. Maria o encarou e saiu pisando duro. Inácio entregou a chave do carro para Álvaro e correu atrás dela. Maria correu o caminho todo, a chuva fina já a havia deixado ensopada, mas ela não se importava. Se Inácio não acreditava nela, ela se afastaria dele. Pelo menos enquanto Álvaro estivesse no castelo, não suportava mais nenhum contato com ele. Inácio correu atrás dela o caminho todo também, no começo ele a chamava, mas no momento, chegando ao castelo, ele apenas andava atrás dela na chuva. Maria empurrou o portão do castelo que estava aberto e entrou às pressas. Então finalmente, Inácio a segurou. -O que você vai fazer? -Vou sair desse castelo! Se ele não vai sair daqui, eu vou. Ela tentou se soltar, mas Inácio a segurou mais forte. -Se acalme! Vamos sair dessa chuva e conversar. -Eu não quero falar com você! Eu só quero pegar minhas coisas e ir embora. Ela tentou novamente se soltar, mas Inácio a segurou pelos dois braços firmemente, ela se debateu um tempo, mas enfim, ficou quieta. -Me escuta, sua pirracenta. Eu percebi que você desconfia do Álvaro e que ele não parece surpreso com sua reação. Confusa Maria o encarou:
-Então por que não o mandou embora? -Porque se você desconfia de alguma coisa sobre ele é melhor o termos por perto para descobrir, não acha? Se ele souber que eu acredito em você, nunca descobriremos o que quer que você esteja investigando. Maria pareceu se acalmar e Inácio a soltou. -Mas eu não quero mais ficar debaixo do mesmo teto que ele, sinto muito Inácio, mas eu saio do castelo agora. -Não, você não sai! – Ordenou Inácio. – Não por causa de uma coisa boba dessas. Se quiser ir embora, me dê um bom motivo para deixar você partir. Maria estranhou a reação de Inácio. Embora ele não parecesse bravo, pelo contrário, segurava um sorriso, ela não sabia até que parte ele estava brincando. -O motivo é que mesmo que você tenha salvado minha vida, isso não muda nada do que aconteceu antes, e nós não estamos mais juntos, e eu não suporto ficar tão perto de você e tão longe ao mesmo tempo. E por mais que eu sinta que você gosta de mim, você nunca vai me amar, será sempre a Alessandra, e eu não vou aguentar para sempre ser segundo plano na sua vida... Enquanto Maria falava sem parar, Inácio apenas sorria, aos poucos ele se aproximou dela, tocou seu cabelo tirando-o de seus olhos. As gotas da chuva escorriam pelo seu queixo e escorregavam por seu pescoço sumindo no decote provocativo que ela usava. Inácio sentiu que poderia tomá-la ali mesmo, precisava se controlar. Percebendo a aproximação de Inácio, Maria se imaginou nos braços dele, fechou os olhos enquanto ele acariciava seu rosto e parou de falar para sonhar acordada, imaginou Inácio a puxando pela cintura, como costumava fazer, mas dessa vez, sem interrupções. Como podia desejar tanto que ele a quisesse o suficiente para não conseguir resistir? Ela poderia implorar que ele a tomasse naquele momento e mostrasse que ela estava errada em relação ao que ele sentia, mas ela sabia que com Inácio era sempre a mesma coisa, ele chegaria o mais perto possível de deixá-la louca, mas depois se afastaria. Ela não podia permitir se iludir mais uma vez, precisava ser forte e se afastar dele. Precisava. Inácio se aproximou mais dela e, tocando seus braços, beijou o canto de sua boca, o toque gelado dele em seu corpo quente dava um choque, como uma sensação de prazer. Quando ele se preparou para beijá-la, ela se afastou dele e virou-se para correr. Dessa vez ele não permitiu, a puxou de volta no mesmo instante e a beijou com uma ferocidade que Maria nunca sentira nos beijos dele. Era como se ele precisasse dela tanto quanto ela precisava dele. Sentiu que as coisas estavam realmente acontecendo, que não era um sonho, quando Inácio desabotoou a parte de trás de seu vestido e passou a mão pelas suas costas. O toque dele dava arrepios em Maria, mas ela queria que ele a tocasse mais. Inácio enfiou a mão debaixo da saia de seu vestido e tocou suas coxas e a levantou, colocando-a em seu colo, de forma que não parasse de beijá-la e foi andando com ela. Ele abriu rapidamente a porta, e antes que Maria percebesse, a pegou novamente nos braços e subiu com ela as escadas, a levando diretamente para o seu quarto. Não havia nenhuma vela acesa, apenas a luz da lua na enorme janela. Maria ia dizer que estavam muito molhados para deitar na cama, mas resolveu deixar que ele fizesse o que tivesse vontade, veria até onde ele iria dessa vez. Inácio a deitou delicadamente na cama e tirou a camisa. Maria ficava quase sem ar quando admirava seu corpo molhado tão perto do dela, tocou levemente cada um dos músculos de seu abdômen, sentindo-se sem ar com a firmeza que sentia. Ele a levantou um pouco passando os braços pela cintura dela e tirou seu vestido. Em seguida, desabotoou seu sutiã, passando a mão de leve em suas costas e a deitando novamente, deitou-se sobre ela, beijando-a ainda com mais desejo. Desceu os beijos pelo pescoço dela e mais abaixo, contornando seus seios com sua boca quente. Maria sentia
cada vez mais o ar falhar, nunca tinha se sentido tão bem, nunca quisera tanto uma coisa na vida quanto estar com Inácio por completo. Ele continuou descendo o lábio pelo corpo dela, passando por sua barriga, até que enfim parou de beijá-la e tirou a última peça de Maria que o impedia de estar totalmente com ela. Em seguida, retirou o resto das roupas dele, Maria sentiu quando ele deitou sobre ela novamente sem roupa alguma, não havia nada que os separasse naquele momento. Ela tocou cada parte do corpo dele como se fosse um sonho, e fosse acordar no instante seguinte e descobrir que ele não era real. Inácio esperou prazerosamente enquanto ela conhecia cada parte de seu corpo, então, quando Maria tocou seu rosto, ele beijou a mão dela, e foi descendo pelo seu braço, até encontrar sua boca. Ele se encaixou entre as pernas dela e a beijou docemente, e Maria sentiu apenas as barreiras que existiam entre eles serem derrubadas, sentiu como se eles fossem um só, como se nada pudesse separá-los. Inácio, embora desesperado para tê-la finalmente, não poderia ser mais cuidadoso com ela, parecia não se importar com a dificuldade em estar dentro dela, insistia cautelosamente, até que finalmente Maria o sentiu dentro dela. Era a melhor sensação que ela já tivera na vida, nem se importou com a dor que sentiu, era imensamente prazeroso ter uma parte de Inácio nela, poderia ficar ali para sempre. Ele a abraçou mais forte ao perceber que ela gemia, acariciava seu corpo enquanto seus movimentos foram ficando mais intensos e Maria sentia cada vez mais prazer. Quando achava que não poderia sentir mais prazer, Inácio se aproximou de seu ouvido e sussurrou: -Eu te amo Maria, te amo mais que tudo nesse mundo. Te amo mais que a minha própria vida. Maria fechou os olhos e sentiu as palavras de Inácio ecoarem em sua mente, em seu coração, em sua alma. Agora sim, nada mais os separaria, agora eles pertenciam um ao outro para sempre. E nesse momento, como se tivessem combinado, ela e Inácio gemeram mais alto, quando Maria teve a melhor sensação de sua vida, uma sensação que tomou cada parte de seu corpo, como se milhões de explosões de puro prazer ocorressem ao mesmo tempo dentro dela. Inácio mal conseguia respirar, mas a abraçou ainda mais forte, permanecendo dentro dela. Maria acordou sentindo-se faminta, sentiu a luz do sol sobre seu rosto e abriu vagarosamente os olhos. Encontrou Inácio a encarando, ela não tinha sonhado, olhou em volta da cama, as roupas deles espalhadas pelo chão do quarto e tudo passou novamente pela sua cabeça, principalmente a parte em que Inácio lhe dissera que a amava com toda intensidade e sinceridade que alguém poderia usar. Ela sorriu para ele, que a beijou de leve nos lábios e falou: -Você é linda quando acorda. Só então ocorreu a Maria que ela deveria estar descabelada, com mau hálito e os olhos sujos. Ela se escondeu rapidamente embaixo do edredom. -Isso não vale! Você não pode me ver assim, tem que esperar eu me arrumar. Inácio deu uma gargalhada divertida e pulou em cima dela puxando a coberta e fazendo cócegas para que ela a soltasse. -Saia daí debaixo, você é linda de qualquer jeito, devia ficar feliz. E não poderia estar mais linda do que hoje. – Ele comentou finalmente vencendo-a. Maria sentiu-se corar. -Você sabe o que a noite de ontem significou? – Perguntou ele com ar de mistério. -Que você vai ter que colocar uma aliança no meu dedo? Inácio riu. -Brincadeira. – Falou ela rapidamente. -Que você me pertence para sempre. Agora você é só minha Maria. Eu fui seu primeiro e serei o único.
Maria sentiu seu coração acelerar ao ponto que achou que não poderia respirar, então deixou que ele a beijasse de leve, mas logo o empurrou e se soltou dos braços dele. -Eu sou toda sua, mas depois que lavar o rosto e escovar os dentes. – Falou sentando-se na cama. Percebendo que estava sem nenhuma roupa, em plena luz do dia, puxou o edredom da mão de Inácio e o enrolou em volta do corpo dela, levantando-se. Inácio caiu na gargalhada. -O que é isso agora? Por que está se cobrindo? Não tem nada aí que eu já não tenha visto. Maria fez uma careta para ele. -Mas não viu em plena luz do dia, e é uma ótima hora para reparar nos defeitos. – Respondeu ela fazendo-o rir ainda mais. Inácio pretendeu correr atrás dela para tirar o edredom, mas ela foi mais rápida e se trancou no banheiro. Quando Maria saiu do banheiro, usando um roupão de Inácio e jogou o edredom em cima da cama, ele a puxou na cama num abraço apertado e a beijou como deveria, matando a saudade dos minutos que não a via. Ele a olhou de forma tão doce, que Maria queria saber o que ele estava pensando, então o olhou insistentemente, até que ele sorriu e falou: -Como eu não percebi isso antes? Eu amo você Maria, eu nunca te machucaria. Eu jamais faria qualquer coisa para te prejudicar, nem permitiria que nenhum mal te acontecesse antes de dar minha vida para evitar. E olhando assim para você, sentindo esse amor que sinto, eu sei que eu... Maria podia adivinhar como terminaria a frase, levantou a cabeça do colchão e o encarou ansiosa que ele dissesse o que ela vinha tentando provar para ele todo esse tempo. -Eu nunca machucaria a Alessandra. Eu não a matei Maria, eu a amava, jamais faria mal a ela. Maria o abraçou, emocionada. -Eu sempre soube disso. -Eu sei. – Falou ele beijando-a apaixonadamente. À tarde, Maria foi procurar Jessica, precisava saber como a amiga estava. Encontrou-a na biblioteca que estava fechada, mas ela estava arrumando algumas coisas. -A biblioteca não vai mais abrir? - Perguntou Maria entrando. -Vai, mas muita coisa foi perdida. – Quando Jessica olhou para Maria, ficou um tempo a encarando – Você está diferente. Está com um brilho diferente, não sei, está mais, mulher. O que aconteceu Maria? Maria sentiu-se corar. -Não aconteceu nada. E eu vim aqui ver como você está. Jessica deu de ombros. -Estou ótima, pronta para hoje à noite. -O que tem hoje à noite? -Maria! Em que cidade você vive? O baile, para arrecadar fundos para recuperar os livros perdidos no incêndio. -Eu não sabia. -Agora está sabendo, você tem que ir porque eu vou adorar ver aquela coisa linda do Inácio vestido de gala. Maria riu, estava com saudade das maluquices da amiga. -O Álvaro e eu já escolhemos nossas roupas, e... -Espera aí, o que? Como o Álvaro? Depois do que ele fez Jessica? Jessica desviou o olhar para o chão. -Não sei do que está falando.
-É claro que você sabe! Você o viu antes do incêndio rodeando o galpão. -Como você pode saber o que eu vi? Maria, você está neurótica! -Sério? Você vai acobertar um assassino? Você podia ter morrido! A Lucena e eu poderíamos estar mortas agora Jessica! E você sabe que foi ele! -Mas não estão! O seu herói de conto de fadas salvou você, não salvou? E eu não sei de nada, você está ficando louca e o Álvaro não é culpado! Maria ia discutir, mas Stanley apareceu estranhando a discussão. -Brigando de novo? – Perguntou ele. -Pois é, depois não estranha quando eu for atacada. – Respondeu Jessica. Maria pegou sua bolsa e se preparou para ir embora, mas Stanley a segurou: -Eu preciso falar com você sobre ontem. A sua reação me indicou de quem você desconfia, mas que prova você tem? Tem pelo menos alguma pista? -Pergunte para a Jessica, ela pode ter visto alguma coisa sobre o incêndio no galpão que explique todo o resto. Jessica olhou para Maria com raiva, e Stanley soltou Maria e partiu para cima de Jessica com milhares de perguntas. Maria saiu da biblioteca ouvindo Stanley pressioná-la para que dissesse o que sabia, esperava de coração que ele conseguisse fazer Jessica confessar alguma coisa. Ao chegar ao castelo, encontrouse com Álvaro de saída, abaixou a cabeça para passar direto por ele, mas ele a segurou. -Correndo de mim, Maria? Ela se soltou da mão dele, mas ele a segurou novamente e a olhou nos olhos, então reparou um tempo nela antes de soltá-la com aparente raiva nos olhos. -O Inácio está cantarolando pela casa e você com um brilho diferente. Mas é claro que aconteceu, estava demorando. Se você acha que vai fazê-lo superar a Alessandra está muito enganada Maria. Ele está iludido com você, mas o amor da vida dele é ela. -Da vida dele ou da sua? Ah não, desculpa, não pode ser da sua se ela te odiava. - Dizendo isso o empurrou e entrou no castelo. Procurou Inácio na cozinha, atrás do castelo, na academia, em seu quarto, mas nem sinal dele. Pensou se ele estaria do lado direito do castelo, mas era impossível. A menos que ele estivesse perto do altar de Alessandra, arrependido por ter ficado com ela, por ter dito que a amava. Sentiu um aperto no peito e as palavras de Álvaro ecoaram em sua mente, então vagarosamente, ela foi caminhando para perto do altar de Alessandra. Quando entrou no cômodo onde ficava o altar, avistou Inácio. Parou na porta, sem forças para entrar, mas ele sorriu para ela e a chamou. Percebeu que ele não parecia estar chorando, pelo contrário, parecia ainda muito feliz. Ela se aproximou dele preocupada, mas ele simplesmente a virou para que ela visse o que ele acabara de fazer. Maria olhou embasbacada a parede repleta de anjos, apenas anjos desenhados a fios de ouro na linda cerâmica. Nada de velas, nada de fotos nem objetos de Alessandra, nada de tristeza ou culpa. Maria o encarou sem acreditar que aquilo realmente estivesse acontecendo. -Você estava certa, eu preciso libertar a Alessandra, se você quer investigar mais alguma coisa no quarto dela faça isso essa semana porque eu vou doar todas as coisas dela na semana que vem. Maria nem conseguiu responder, ela simplesmente pulou em Inácio e o beijou. -Eu te amo! – Sussurrou para ele enquanto ele a puxava para mais um beijo apaixonado. Inácio saiu a tarde e só voltou ao cair da noite. Aproximou-se de Maria com uma caixa enorme, ela fechou o diário de Alessandra que estava lendo e o encarou. -Você sabe que tem um baile hoje, não sabe?
Maria assentiu. -Eu trouxe esse vestido para você, a Jessica ajudou a escolher, espero que goste. Maria se surpreendeu que Jessica estivesse, de alguma maneira, a ajudando. Ela tirou o vestido da caixa e ficou boquiaberta com a beleza dele. O vestido era de um rosa tão delicado, com detalhes de renda suaves que faria qualquer uma parecer uma princesa. Por cima da barra do vestido havia um véu, também delicado e com pequenas estrelas de ouro, o vestido era o mais lindo que Maria já vira. -É perfeito. – Ela comentou. – Obrigada. Ela pulou em Inácio beijando-o em agradecimento. À noite, Maria colocou o vestido, ficou quase dez minutos em frente ao espelho admirando a perfeição do vestido que Inácio lhe dera, fez uma trança lateral para que nenhuma parte dele ficasse escondida e desceu para se encontrar com Inácio. Ele estava maravilhoso vestido de gala, como Jessica dissera, seu terno preto impecável, escondia uma blusa branca e a calça social colada em seu corpo o deixava ainda mais sexy. Jessica também estava lá, com um vestido dourado que acentuava suas curvas e um sapato de salto alto que Maria nunca vira com ela antes. Ela deu um meio sorriso para Maria, mas Inácio nem piscava olhando para ela. Maria se aproximou dele exibindo o vestido, e ele a puxou nos baços e deu um longo beijo nela. -Você está maravilhosa. – Falou. Quando Maria se soltou dele para que pudessem sair, avistou Álvaro que também não tirava os olhos dela. -Você está incrivelmente linda Maria. A criatura mais perfeita que já vi. Maria nem agradeceu, ela encarou Jessica, esperando que fizesse alguma coisa, mas a menina simplesmente abaixou a cabeça, triste. Foi Inácio quem interferiu, ele puxou Maria de forma que a cobriu com seus braços e encarou Álvaro de cara fechada. -Obrigado Álvaro. Ela sabe que é linda, e que é minha. -Vamos? – Chamou Jessica querendo acabar com a tensão que pairava no ar entre os homens. Álvaro assentiu e pegou a mão dela, mas quando olhou para Inácio, que permanecia parado, Inácio falou: -Podem ir, nós não vamos. Confusa Maria o encarou. -Nosso baile será aqui. Se você não se importar, minha princesa. – Falou ele docemente olhando Maria. Maria sorriu. -Se você estiver comigo, eu não me importo. Álvaro bufou e saiu arrastando Jessica. -Como eu não percebi antes a forma como ele olhava para você? – Reclamou Inácio. -Nós não vamos passar nosso baile a dois falando do Álvaro, não é? Inácio sorriu e tapou os olhos de Maria com as mãos a guiando até a copa. Quando tirou as mãos dos olhos dela, Maria avistou as velas na mesa montada. Tudo extremamente romântico, como Inácio era acostumado. Ela sorriu emocionada. -Eu sei que as pessoas mereciam te ver vestida assim, mas você agora é só minha. Não se preocupe, eu já mandei um cheque para ajudar no estrago dos arquivos da biblioteca. Os dois cearam juntos entre risos e conversas tão descontraídas que Maria nunca achou que fosse ter com Inácio. Quando estavam terminando de jantar, alguém bateu palmas chamando por Inácio. Maria aguardou enquanto Inácio foi abrir e retornou pouco depois com Stanley.
-Desculpe atrapalhar vocês. – Falou Stanley. -O que aconteceu? – Perguntou Maria – A Jessica disse alguma coisa? -Disse, Maria. - Respondeu ele, mas abaixou a cabeça em seguida, indicando que não podia ter sido nada de bom - Ela disse que você começou o incêndio no galpão. Maria ficou tão chocada com a noticia que nem reagiu, foi Inácio quem falou. -Isso é ridículo! Ela quase morreu lá dentro! Só havia pessoas queridas dela lá. Como ela pode ter colocado fogo num lugar sem que a Lucena tenha visto se ela estava o tempo todo com a Maria? -Eu sei Inácio, se acalme. Eu não acredito nisso. Mas ela foi muito convincente. Toda vez que alguém discute com você é atacado, toda vez que alguma coisa acontece, você está por perto. Você anda escondendo as coisas ultimamente Maria. -Você estava comigo no dia que criamos uma armadilha para o perseguidor, você atirou um gás nele, você o viu, eu estava do seu lado! – Gritou Maria. Stanley sentou-se com as mãos na cabeça. -Eu sinto muito Maria, mas a Jessica vai prestar queixa contra você. E a menos que tenha um suspeito e uma prova convincente, você passa a ser a principal suspeita do incêndio.
Capítulo 20 Maria permanecia parada enquanto Inácio andava de um lado para o outro. Ela pesava as possibilidades entre revelar que suspeitava de Álvaro e talvez estragar tudo por não ter uma prova, ou não dizer nada e ser culpada no lugar dele. O problema é que se ela fosse presa, Álvaro permaneceria a solta machucando as pessoas, e não podia permitir isso, tinha que provar a inocência de Inácio, naquele momento mais do que nunca. Tinha que fazer Álvaro pagar pelo que Lucena estava passando. Não via outra saída, ela não tinha uma prova, mas talvez com a ajuda de Stanley e Inácio seria mais fácil conseguir. Inácio. Olhou para ele antes de falar qualquer coisa, como ele reagiria às acusações dela? Eles estavam tão bem! Ele poderia ir contra ela se ela acusasse seu melhor amigo, mas precisava arriscar. Sentia que seria como uma batalha entre o amor que Inácio sentia por ela e a fé dele no amigo, e não fazia ideia de qual dos dois venceria. Ela respirou fundo e finalmente, interrompeu a discussão acalorada entre Inácio e Stanley sobre provas de que ela não havia colocado fogo no galpão, e disse: -Eu tenho um suspeito, mas não tenho nenhuma prova. -Nos diga mesmo assim quem é. - Exigiu Stanley. Maria pensava e pensava novamente, mas não enxergava uma saída, se revelasse a eles que havia sido Álvaro, sem provas, seria a palavra dele contra a dela, com o detalhe que ela era a louca que andava com o assassino, e ele o médico bonitão namorado de Jessica. Ela não teria a menor chance. Nem mesmo Inácio acreditaria nela. Desistiu de falar. -Não posso, não sem provas. Stanley começou um discurso sobre a mania dela de esconder as coisas, mas de repente, foi como se Maria soubesse o que fazer. -Me esperem aqui, os dois. Eu já volto. Ela foi visitar Lucena, precisava conversar com ela, descobrir quem poderia ter mandado a carta de Alessandra, essa pessoa com certeza sabia mais coisas sobre Álvaro. Sem falar que Lucena também o conhecia há mais tempo, poderia falar sobre ele, se confiava nele, como ele era com Alessandra, qualquer mínimo detalhe seria importante, qualquer coisa aparentemente insignificante sobre ele, poderia ser uma pista. Esperava que Lucena não tivesse ido à festa, devido seu estado de saúde após o incêndio. Antes de chegar à casa de Lucena, Maria foi abordada por Jessica, que olhava para o chão e falou com uma voz baixa, envergonhada: -Como você está? -Livre. Não era o que você esperava? -Eu não denunciei você Maria, só disse aquilo para me vingar por você ter dito que eu sabia de alguma coisa. -E por acaso você não sabe de nada? -Eu tenho o direito de escolher não contar. -Claro que tem! E tem o direito de deixar um assassino livre e acusar sua amiga inocente. Se você acha mesmo que tem esse direito, Jessica, então quem está louca é você! Maria parou de falar de repente ao avistar de longe Álvaro conversando intimamente com alguém, sua tia Marta, eles riam e conversavam como se se conhecessem há anos. Maria sentiu um aperto no peito indicar que algo estava errado naquela amizade repentina. Deixou Jessica falando sozinha e correu para a casa de Lucena. Lucena abriu a porta, preocupada com o desespero com que Maria batia.
-Desde quando minha tia e o Álvaro são amiguinhos? – Perguntou ela. -Amiguinhos? De onde você tirou isso? - Perguntou Lucena que claramente desconhecia a informação. -Acabei de vê-los rindo e conversando muito à vontade. -E qual o problema querida? -É que... – Maria percebeu Ester sentada no sofá e a cumprimentou, não poderia falar suas suspeitas com Ester presente, precisava encontrar Lucena sozinha. – Não é nada demais, é só que eu não gosto dele. A senhora acha que ele é confiável? – Perguntou olhando esperançosa para Lucena. -Acho. O conheço há anos, ele é um pouco estranho, mas é uma boa pessoa. -Como assim um pouco estranho? -Quando ele era mais novo, antes do Inácio ir morar no reino, ele era apaixonado pela Alessandra, ele mandava cartas e mais cartas e a Alessandra eu nem sei porque, o detestava. – Lucena riu com as lembranças – Ela nunca quis contar isso ao Inácio, achava que ele ia ficar enciumado. -E essa paixão dele pela Alessandra? Como ficou quando ela se apaixonou pelo Inácio? -Ele aceitou numa boa, minha filha nunca deu bola para ele mesmo. Mas eu tinha pena dele, ele não tem família, nem amigos além do Inácio. Sempre foi muito sozinho. Maria entendeu o motivo da raiva de Álvaro, ele vira Alessandra primeiro, e Inácio simplesmente a tirara dele. Ocorreu a Maria que ele tentara devolver na mesma moeda, tirando Maria de Inácio quando pôs fogo no galpão em que ela estava. -Mas por que tantas perguntas? O que tem demais ele ser amigo da sua tia? Maria deu de ombros indicando que não era nada demais. Lucena então foi à cozinha preparar um chá e Ester se aproximou de Maria, só então Maria percebeu as olheiras no rosto dela, ela parecia péssima. -Dona Ester! O que houve? Por que está assim? -Preciso que me ajude Maria. -Claro, o que a senhora quer que eu faça? -Preciso que você afaste a Jessica daquele monstro! Por favor, Maria. Nem que vocês tenham que trancá-la naquele castelo, mas não a deixe com ele. Ele vai matá-la também. Maria sentiu seu sangue congelar. Foi como se uma luz se ascendesse em sua mente. -A senhora me mandou a carta da Alessandra! Onde a encontrou? Onde estão as outras? -Eu não sei, mas estou pagando caro por ter feito aquilo. Maria se sentiu culpada por ter mostrado a carta a Jessica que contara a Álvaro. Mas como ela poderia imaginar que havia sido Ester? -Você precisa detê-lo, Maria. Você está cometendo os mesmo erros da Alessandra, poupando o Inácio e achando que não tem provas, faça alguma coisa antes que tenha o mesmo fim dela. Maria mal sentia seu coração bater, suas pernas pareciam bambas, estava cometendo os mesmos erros de Alessandra. Com medo de machucar Inácio, com medo de ninguém acreditar nela, enquanto isso Álvaro estava à solta machucando as pessoas, ameaçando Ester. Ela precisava detê-lo, estava decidida, faria isso a qualquer custo. Quando Lucena retornou com o chá, Maria simplesmente se levantou e olhou para Ester. -Vou fazer todo o possível para salvá-la, dona Ester. -Eu sei que vai. Assim ela saiu da casa de Lucena e correu ao castelo, sabia o que fazer. Encontrou Stanley e Inácio com cara de velório, aparentemente exaustos de tantas teorias e suspeitos improváveis do incêndio. Ela entrou de repente fazendo os dois se levantarem no mesmo
instante: -Álvaro. Inácio e Stanley a encararam. -O que tem ele? – Perguntou Inácio. -Ele pôs fogo no galpão e a Jessica o viu, por isso ela não quer entregá-lo, porque ele é o namorado dela. Enquanto Inácio a encarava de uma forma que Maria não conseguia decifrar entre incredulidade e possibilidade, Stanley foi logo falando: -Você não pode acusar alguém sem provas Maria. A Jessica é uma testemunha contra você, será sua palavra contra a dela e nem preciso dizer em quem todos vão acreditar. As pessoas acham que você é a louca que anda com o assassino. -Não pode ter sido ele. – Falou Inácio finalmente. Maria então se aproximou e parou diante dos dois: -Prestem atenção, eu não tenho uma prova exata da culpa dele, mas tenho como provar a base das minhas acusações. No dia do ataque a Jessica, ela tentou forçá-lo a assinar um papel que ele não queria, ele marca com ela em um lugar e diz estar em outro, mas o fato é que a praça estava cheia e ninguém o viu, como ele disse. Mesmo que a noticia do ataque dela tenha se espalhado rapidamente, ele demorou aparecer no hospital, fingindo não saber de nada, onde ele estava que não ouviu os comentários sobre o ataque a ela? A Jessica o viu rondando o galpão segundos antes do incêndio, mas por algum motivo não quer comentar isso. Ela não deveria ter medo se ele fosse inocente, não é? Inácio parecia não acreditar enquanto Stanley calculava tudo que Maria dizia. -No dia em que nós terminamos Inácio, ele mandou o Moisés me buscar aqui, mas como ele poderia saber o que tinha acontecido? A menos que estivesse me vigiando, o que explicaria os ataques, os bilhetes desconhecidos, e o fato de que ninguém nessa cidade seria capaz de uma coisa dessas, e todo mundo tem um álibi sobre esses ataques, então só pode ser alguém de fora da cidade. -Ele chegou há pouco tempo Maria. – Falou Inácio. -Ele se revelou há pouco tempo. Quantos dias ele ficou na pensão antes de procurar você? Se ele veio te ver, por que ele não veio logo para cá? E se ele vai ficar pouco tempo, qual o sentido de namorar minha melhor amiga? -Ele pode estar apaixonado por ela. – Falou Inácio. -Sério? Então por que ele dá em cima de mim? -Maria não tem como ter sido ele, ele não se esconderia esse tempo todo e nem teria motivos para fazer tudo isso. Maria abaixou a cabeça, se dissesse os motivos que Álvaro tinha, poderia acabar de vez com o bem estar de Inácio, com toda sua investigação, tinha que encontrar as cartas ameaçadoras que ele enviara para Alessandra. -Você sabe o motivo. – Comentou Stanley. -Stanley, você acha que ela pode estar certa? – Perguntou Inácio surpreso que Stanley estivesse ponderando a hipótese. -Na verdade, tudo faz sentido Inácio. Ele não socorreu a namorada quando ela saiu do galpão, você se jogou no fogo sem pensar duas vezes para salvar a Maria. Essa relação dele com a Jessica é muito estranha e depois que ele se aproximou dela, ela e a Maria vivem brigando. Primeiro ela disse que não viu nada no incêndio, mas quando a Maria delatou que ela viu, ela acusou a Maria, muito mais fácil do que entregar o namorado. E o mais estranho é que ela se sentia culpada pelo incêndio quando a Maria e a Lucena estavam no hospital. Ela me disse isso. Se ela não começou o incêndio, o
único motivo para estar se sentindo culpada é porque estava escondendo o verdadeiro culpado. Inácio permanecia incrédulo. -Eu o conheço há anos, ele nunca machucaria alguém assim. -Conhece mesmo Inácio? Porque ele diz te conhecer e acha que você matou a Alessandra, o Stanley e eu precisamos conviver com você bem menos tempo para sabermos que você é inocente. Percebendo que Inácio não se convencia, Maria falou: -Eu não posso revelar ainda o motivo para ele achar que pode fazer tudo o que fez, mas eu posso provar para vocês que ele não é quem vocês pensam. Eu só preciso que isso fique entre a gente por enquanto, ele não pode nem sonhar que eu contei isso a vocês. -Ele sabe que você desconfia dele? – Perguntou Stanley preocupado. -Ele nunca fez questão de esconder de mim. -Maria! Se ele for realmente o culpado pelos ataques, o incêndio, a perseguição, ele é muito perigoso! Como pode ficar tranquila sabendo que ele sabe que você desconfia dele? - Gritou Stanley. -Mais que isso Stanley, eu vou provar que ele é culpado por mais alguns crimes além desses. Inácio encarou Maria, a expressão de incredulidade tomava conta de seu rosto, ele entendera onde Maria queria chegar, mas não era possível que ela o culpasse daquilo também. Inácio simplesmente subiu as escadas e se trancou em seu quarto, deixando Maria e Stanley pensando em mais um plano para pegar o perseguidor. Horas depois, Maria se sentia exausta. Ela e Stanley ficaram a noite inteira pensando, e bolando planos e sempre havia uma falha ou outra que impossibilitava a execução. Por fim, Maria serviu alguma coisa para Stanley comer e pediu que ele ficasse a vontade enquanto ela tomava um banho. Pensou se deveria contar pelo menos a Stanley tudo o que sabia. Ele a ajudava muito, e parecia acreditar nela mesmo sem ela ter prova nenhuma. Terminou seu banho frio e se enrolou tremendo em sua toalha. O banheiro era bem perto de seu quarto, mas quando saiu do banheiro se preparando para correr no corredor a fim de se vestir logo, encontrou-se com Álvaro barrando a porta. Maria se assustou e deu um pulo, mas logo, se acalmou e sem olhar para Álvaro, disse com a voz mais fria possível: -Com licença. -Não. – Respondeu ele barrando a porta do banheiro com o braço. Maria então tentou empurrá-lo, mas ele passou o braço em volta da cintura dela e ela se afastou rapidamente se desvencilhando do braço dele. Ela percebeu Inácio abrir um pouco a porta de seu quarto, ele estava vendo tudo. Era a chance que Maria precisava. -Me deixa passar ou eu grito o Inácio. Álvaro riu. -E o que você acha que ele vai fazer? Acha que ele vai acreditar que o melhor amigo está dando em cima da namoradinha perfeita dele? -E por acaso você está dando em cima de mim? – Zombou ela. Álvaro fechou a cara e olhou Maria de cima a baixo, deixando-a irritada. -Olhando você assim, é tão linda quanto a Alessandra. E assim como ela, é mulher demais para o Inácio. Você merecia alguém melhor, alguém à sua altura. -E quem seria? Você? - Vendo o sorriso no rosto de Álvaro ela riu – O que te faz pensar que eu me rebaixaria tanto? Álvaro se aproximou dela com a mão estendida, mas recuou antes de tocá-la. -Achei que você fosse mais controlado. – Provocou ela.
Álvaro riu e se aproximou mais de Maria. -Eu sou. Tanto que ninguém desconfia de nada. O Inácio, por exemplo, nem imagina o quanto eu sou fascinado por você. Por que não para de se fazer de difícil e assume de uma vez por todas que sua implicância comigo é atração? Por que não assume que me deseja? -Você está com a Jessica, eu amo o Inácio e não me interessaria por você nem que fosse o último homem do mundo! – Gritou ela. Ela sabia que tinha que falar sobre Alessandra, Inácio estava ouvindo, mas Álvaro a tirava do sério, ela o odiava. -Vamos ver se não me deseja. Álvaro segurou Maria pelo braço e a puxou de repente e no mesmo instante, Inácio a tirou do braço dele e desceu o braço no rosto de Álvaro. Maria começou a gritar por ajuda, rezando que Stanley não tivesse ido embora, mas não estava achando de todo ruim Álvaro apanhar de Inácio. Só tinha medo do que ele faria a Inácio depois, para se vingar. Stanley apareceu e finalmente conseguiu apartar a briga. Quando Inácio conseguiu se livrar de Stanley para atacar Álvaro novamente, Álvaro foi mais esperto e gritou um pedido de desculpas, fazendo Inácio parar o punho no ar, próximo ao rosto dele. Inácio respirou fundo e recuou. -Desculpa Inácio, eu não sei onde eu estava com a cabeça. Eu nunca agi assim com ela antes, eu só me deixei levar. Eu briguei com a Jessica, bebi um pouco, estou de cabeça quente. Maria sentiu seu sangue ferver com o cinismo dele, mas foi até seu quarto vestir uma roupa antes de enfrentá-lo. Quando retornou, estava com um papel na mão. Álvaro a olhou fixamente de forma ameaçadora, como que adivinhando que aquele papel não podia conter nada de bom. Assim que ela se aproximou dele, Álvaro se dirigiu a ela: -Me perdoe Maria. Prometo que isso nunca mais vai acontecer. -Claro que não vai. – Respondeu pensando na maneira correta de tirar a máscara de Álvaro perante Stanley e Inácio. Se ele tinha um ótimo autocontrole, ela tinha que ter um ótimo motivo para tirá-lo do sério. Por isso, o papel em suas mãos. Ela iria fazer o jogo dele. -Tudo bem Álvaro, eu te desculpo, não deve ser nada fácil se interessar novamente pela mulher do seu amigo. Álvaro engoliu em seco, mas encarou Maria como se estivesse confuso com o comentário dela. -Não sei do que está falando. -Não? Engraçado! Eu não achei que a Alessandra fosse tão geniosa, mas confesso que quando li a carta dela dando um fora em você até senti pena. Sabe, eu li todas as cartas, as suas para ela, porque ela não te respondeu nenhuma, fiquei pensando como devia ser deprimente viver às custas de um amor imaginário, com a mulher do seu único amigo e ainda por cima, que odiava você. Ela podia sentir a respiração de Álvaro acelerando, o viu cerrar o punho pelo menos três vezes enquanto ela falava. Podia ouvir também a respiração acelerada de Inácio ao lado dela, não queria que ele descobrisse as coisas daquela maneira, mas não via outra saída. Ele precisava ver a reação de Álvaro para acreditar nela. -Mas como namorada do Inácio, eu entendo a Alessandra, você não é homem comparado ao Inácio, por isso ele consegue tudo, por isso ele teve a Alessandra sem precisar de nenhum esforço. Ele é muito melhor do que você. Você não conseguiu conquistá-la nem antes de ela se apaixonar pelo Inácio. E agora fica tentando dar em cima de mim, não sei qual é a graça de sempre se interessar pelas mulheres do Inácio, você sabe que não pode se comparar a ele. O que eu não entendo é porque
você devolveu a carta da Alessandra. Não era tudo o que você queria, uma resposta dela? Ah! Claro! Você queria outra resposta, um choque de realidade não estava nos seus planos. Quando Maria já não sabia mais o que dizer pra tirá-lo do sério, ele partiu para cima dela com os punhos cerrados e por pouco não a acertou, mas Inácio e Stanley o seguraram, ele parecia transtornado, completamente diferente do Álvaro que eles estavam acostumados. -Isso não vai ficar assim! – Gritou ele. -Fico me perguntando se sua vida melhorou depois que você matou a Alessandra! Por que fez isso? Vingança? Porque o Inácio pode não ter ficado com ela, mas você também não ficou! -Eu não me vinguei dela! O Inácio nunca a mereceu! E a minha vida vai melhorar Maria, vai melhorar assim que eu matar você! Foi a gota d’água, mal Álvaro terminou a frase Inácio já estava em cima dele socando seu rosto. Maria sentiu pena de Álvaro por um momento, achava que ele era desequilibrado, doente, mas lembrando da expressão aterrorizada de Ester e das queimaduras de Lucena, logo a pena passou. Stanley quase não conseguiu separar a briga dessa vez, foi preciso Maria segurar Inácio antes que ele matasse Álvaro. -Álvaro Palinari, você está preso por ameaça de morte. – Falou Stanley tirando uma algema do bolso e prendendo os pulsos dele. Inácio ainda estava transtornado, mas Stanley pediu que ele se acalmasse, pois já havia machucado Álvaro demais, iria levá-lo ao hospital e depois a delegacia. -Nunca mais pise nesse castelo e nunca mais se aproxime da Maria novamente! – Ameaçou Inácio apontando o dedo na cara de Álvaro, que apenas abaixou a cabeça, enquanto era arrastado por Stanley para fora do castelo. Quando Stanley e Álvaro se foram, Inácio entrou em seu quarto e sentou-se no chão, estava destruído. Maria sentiu a culpa corroendo seu peito, queria acalmá-lo, fazê-lo esquecer de tudo, mas não sabia o que fazer. Aproximou-se dele e disse a primeira coisa que escapou de sua boca: -Me perdoa. Eu não queria que as coisas fossem desse jeito. Não era para você descobrir assim. Inácio a encarou com uma expressão que a destruiu, era como se ela pudesse sentir a dor dele, a dor de ter sido enganado pelo próprio amigo, de ter se culpado e se condenado por dez anos por um crime que ele nunca cometera. A dor de ter perdido o amor da sua vida quando poderia ter evitado tudo se tivesse acreditado nela desde o primeiro momento. Entendia o que ele estava sentindo e esperava que ele quisesse ficar sozinho, mas ele a abraçou e deitou sua cabeça no peito dela. Então chorou tudo o que estava sentindo. De madrugada, quando Inácio se acalmou, olhou para Maria com os olhos inchados: -Eu preciso saber Maria, preciso saber de tudo. Era o que você tanto investigava no quarto da Alessandra, não era? Maria assentiu. -Você vai saber. – Respondeu ela, então foi ao seu quarto e retornou com vários papéis nas mãos. Entregou a Inácio as cartas de Álvaro para Alessandra, e o diário dela. Ele a olhou, surpreso. -De manhã a gente conversa. – Falou ela saindo do quarto, sabendo que naquele momento ele precisaria ficar sozinho. De manhã, Maria despertou de seu cochilo e levantou-se imediatamente. Procurou Inácio, mas ele estava adormecido em cima das cartas, preferiu não acordá-lo. Fez um café bem forte e foi para o quarto de Alessandra. Não sabia mais onde procurar as cartas de Álvaro, precisava de alguma pista. Ester parecia uma pista, mas uma pista-bomba, se Maria insistisse nela poderia colocar sua vida em
risco. Ela sentou-se na cama empoeirada do quarto analisando a arca, ainda havia tantas cartas para ela ler! Pensou em abrir todas elas, uma por uma, nem que ficasse ali a semana inteira. Então resolveu fazer isso sentada na cama mesmo, que era mais confortável, puxou o baú o arrastando para perto da cama, foi então que avistou alguma coisa embaixo do baú. Havia uma sacola preta, bem desbotada e suja no chão. Levantou-se e pegou a sacola, quando a abriu, encontrou mais cartas, mas em um papel diferente e com uma letra diferente. Sentou-se e resolveu ler as cartas. Abriu a primeira: Alessandra, Não se preocupe, ele não fará nada contra você, o Inácio está por perto e não permitirá. Vamos aproveitar a vinda dele ao Brasil para desmascará-lo de uma vez por todas. Esconda as cartas, são as provas que você tem da insanidade dele. Com carinho, Mess Surpreendeu-se ao ver que as cartas eram da tal Mess, a outra amiga de Alessandra que também acabara morta. Sentiu-se triste que Alessandra tivesse tantas amigas que soubessem a verdade, tanto apoio e mesmo assim, não houvesse conseguido provar quem era Álvaro e evitar o pior. Pegou então, a segunda carta: Alessandra, Amiga, as cartas estão bem guardadas, não se preocupe, só aparecerão na hora certa. Se ele tentar qualquer coisa contra você eu entrego as cartas a policia. Fica tranquila, Mess Maria quase deu um pulo da cama. Havia cartas com essa tal Mess, só podiam ser as cartas ameaçadoras de Álvaro, as provas que Alessandra poderia ter contra ele. Mas se Mess estava morta, como ela poderia encontrar essas cartas? Continuou lendo a procura de mais alguma pista sobre a tal Mess. Alessandra, Ele realmente já está na cidade, ele está ameaçando a Isabel, acha que as cartas estão com ela. Minha mãe acha que devo entregar as cartas logo a polícia, o que você acha? É melhor agirmos antes que aconteça o pior, nós o vimos, ele está realmente descontrolado. Conte toda a verdade ao Inácio ainda hoje. Vou guardar as cartas mais uns dias até você se decidir. Se cuida, Mercia. Maria sentiu seu coração acelerar de um jeito que não entendia o motivo. Essa carta estava assinada como Mercia, mas era a mesma letra das outras cartas, Mess na verdade se chamava Mercia, e esse nome não era estranho para Maria. Mas onde ela poderia tê-lo ouvido? Ela precisava lembrar-se, mais alguém sabia da história, a mãe de Mercia, talvez ela ainda estivesse viva e soubesse o paradeiro das cartas. Estava tão perdida em pensamentos, tentando se forçar a recordar onde ouvira aquele nome, quando de repente, percebeu a presença de Inácio na porta do quarto. Ela o
encarou sem saber como deveria agir, era a primeira vez que ele ia ao quarto de Alessandra depois de quebrar tudo. A primeira vez que encarava o estrago que sua dor causara àquele quarto, a primeira vez que entrava ali como um homem inocente. Ponderou se ele queria ficar sozinho com as coisas de Alessandra, mas ele se aproximou dela e a abraçou bem forte. Ela retribuiu o abraço, mas ele se afastou mais cedo do que ela imaginava. -Estão procurando você. – Ele comentou de cara fechada. -O Stanley? -Não, seu amiguinho. Maria saiu imediatamente ao encontro de Moisés, pensando se era alguma noticia de Ester. -Está tudo bem? – Perguntou ela preocupada ao se aproximar dele. -Sim. Eu só queria conversar com você, não é nada demais. É sobre a Jessica. Maria torceu o nariz esperando ouvir o que Jessica aprontara dessa vez, podia imaginar que ela não estivesse nada feliz com a prisão de Álvaro. -Eu soube que o Álvaro foi preso, que levou uma surra do Inácio por te ameaçar. Maria se assustou que essa noticia já estivesse correndo. Então achou que Moisés tinha ido avisar que Inácio não deveria aparecer em público, ou algo do tipo. -A cidade está dividida agora, alguns defendem o Álvaro e dizem que o Inácio deve ser preso pela agressão. Mas tem uma parte que acredita no Inácio, eles pedem a prisão do Álvaro por ter te ameaçado. -Mas ele já não está preso? Moisés abaixou a cabeça. -Você não foi dar queixa Maria. Ele foi solto por não ter antecedentes criminais. Maria sentiu seu coração gelar. -Mas o que mais me preocupa, - continuou Moisés – é essa parte que acredita na inocência do Inácio. Eles estão culpando o Álvaro e junto com ele, a Jessica. Ela não pôde nem trabalhar hoje. Está com medo de sair na rua. - Mas isso é ridículo! - Eles dizem que ela o está acobertando. - Mas ela está, mas nem por isso deve ser julgada. – Maria percebeu que Moisés queria dizer algo mais. – O que mais Moisés? O que mais você quer me dizer? -É que eu não entendo o que ela viu nele. Ela sabe tudo que ele pode ter feito, como ela pode estar com ele? Estar apaixonada? Ela percebeu que Moisés estava magoado com a relação entre Jessica e Álvaro, mais que isso, estava enciumado. -Moisés! Desde quando se sente assim por ela? -Não sei bem, acho que desde a primeira vez que a vi com ele. -Isso é ótimo! Ela sempre foi apaixonada por você. Moisés parecia em dúvida. -É serio. Ela sempre ficava chateada quando você ficava dando em cima de mim. Por que não luta por ela? Vai deixar que um assassino a coloque em perigo? Se realmente gosta dela, diga a ela o que sente. -Eu tentei, quer dizer, eu acho que tentei, não saiu nada. Ela não vai trocar um médico estrangeiro e rico por um pobre coitado como eu. -Você é mil vezes melhor do que ele Moisés, e ela sabe disso. Eu vou tentar falar com ela. Mas não prometo nada por causa da prisão do Álvaro, eu não sei como ela vai reagir quando me vir.
-Obrigado Maria. – Moisés parecia mais tranquilo. Após uma noite estranha, em que Inácio simplesmente a abraçou e pediu que ela dormisse com ele, mas não disse mais nada. Maria levantou-se e foi procurar Jessica. Tinha que falar com ela sobre Moisés e precisava descobrir alguma coisa sobre Mercia. Encontrou a biblioteca fechada e foi à casa dela. Sabia que havia a possibilidade de Álvaro estar lá, porém precisava arriscar. Bateu na porta temendo que Jessica a recebesse com quatro pedras nas mãos e a expressão de desgosto com que sempre encarava Maria quando desaprovava algo relacionado a Álvaro. Mas Jessica a recebeu com um sorriso no rosto e a convidou a entrar: -Estou feliz que não esteja com raiva de mim. – Comentou Jessica. -E eu estou surpresa que você não esteja de mim. O Álvaro está aí? Jessica negou com a cabeça. -Minha avó surtaria se ele entrasse aqui, mas decidi não deixar que o Álvaro interfira novamente na nossa amizade, espero que você possa fazer o mesmo. Maria assentiu e entrou com ela. -Vim falar sobre o Moisés, estava conversando com ele e percebi que ele está com ciúmes da sua relação com o Álvaro. – Percebeu Jessica reagir ao ouvir o nome de Moisés. -Claro que não, ele é só meu amigo. -Garanto para você que ele está com ciúmes, por que não conversa com ele? -Porque não faz diferença, eu não me interesso por ele. Além do mais o Álvaro é muito mais bonito. Maria ia responder que ele até podia ser mais bonito, mas Moisés era muito melhor que ele em caráter, mas resolveu não procurar briga, apenas disse: -Não mesmo? Bom, se você diz... Então Maria tocou no principal motivo para ter ido procurar Jessica. -Jessica, você conhece alguma Mercia? Jessica estacou olhando para Maria. -Por que quer saber? -Se eu te responder entraremos na questão Álvaro que você não quer que interfira na nossa amizade. Jessica pareceu nervosa. -Nesse caso, se eu te responder também estarei entrando nesta questão. -Você a conhece? -Você vai me responder por que quer saber dela? Maria assentiu. -Eu a conheci. Ela era minha mãe, por que quer saber dela? Maria parecia atônita, sentiu como se as provas da inocência de Inácio estivessem embaixo do seu nariz o tempo todo e ela estivesse dando voltas ao invés de ir ao lugar certo. Como ela não pensara nisso antes? Se Ester tinha a primeira carta, era óbvio que teria as outras. Ela se aproximou de Jessica, afobada. -Jessica! As provas da inocência do Inácio estão aqui! – Entregou a Jessica a sacola preta que encontrara no quarto de Alessandra. – As cartas do Álvaro ameaçando a Alessandra, ela pediu a sua mãe que as escondesse. Você pode encontrá-las. Jessica leu rapidamente as cartas e as devolveu a Maria. -Eu não vou procurar nada, é melhor você ir embora. Maria parecia incrédula com a reação de Jessica.
-Maria, eu não vou encontrar provas contra o único homem que reparou em mim a minha vida toda! Se ele for preso eu nunca vou sair desse lugar. -Tem noção de como está sendo egoísta? É a inocência do Inácio! -Claro, e você não está sendo! -Jessica, ele pode ter matado a sua mãe! Jessica então se aproximou da porta e a abriu apontando para que ela saísse. Maria saiu da casa de Jessica transtornada, precisava encontrar um jeito de conseguir as cartas. Embora estivesse feliz por ter achado finalmente as provas, jamais perdoaria Jessica por ser tão egoísta e frívola. Estava tão chateada que não percebeu alguém se aproximando dela, e assustou-se quando a pessoa falou: -Maria, que bom que te encontrei, como está? -Bem. – Respondeu a Marta. -Eu precisava mesmo falar com você, quero que volte a morar comigo. Maria ficou surpresa com o pedido da tia. -Mas eu ainda estou com o Inácio. -Eu sei, não me importo mais. A Lucena me disse que ele é inocente. É que vou ter problemas com a justiça se descobrirem que você não mora mais comigo. Maria estranhou o pedido da tia, ela não se importara com a justiça quando a expulsou de casa, e com certeza não se importava agora. Ela sabia que havia algo mais no pedido da tia, e só havia um jeito de descobrir. Maria chegou ao castelo e procurou por Inácio, mas não o encontrava em lugar nenhum. Finalmente o avistou pela janela, parado no jardim. Então desceu ao encontro dele. Assim que a viu, ele abriu um enorme sorriso e a beijou. -Que bom que voltou. Senti sua falta. Maria percebeu que ele parecia mais leve, menos abatido. Seria mais fácil dizer a ele o que pretendia fazer. -Eu vou voltar a morar com minha tia. Inácio a encarou por um momento. -O que eu te fiz? – Perguntou ele. Ela riu. -Você não me fez nada. É que ela anda muito próxima ao Álvaro ultimamente, e hoje me pediu para voltar a morar com ela. -Maria, isso está me parecendo uma armadilha do Álvaro. -Eu sei, mas ele se aproximou dela por minha causa. Não posso permitir que nada aconteça a ela. -Eu não concordo com isso! Você não estará protegida longe de mim! – Falou ele convicto, mas pensou um pouco e amenizou o tom de voz – Eu sei que eu não vou conseguir impedir você de fazer o que quer. Mas já te aviso que ficarei de olho em você, vinte e quatro horas por dia se for preciso. -Eu já contava com isso. – Falou ela beijando-o. -Agora, preciso que venha comigo. – Ele a arrastou para a parte de trás do castelo, perto do lago. Maria encontrou um pano forrado no chão, coberto por pétalas de rosas e rodeado por mais flores. Ela olhou para Inácio, que logo se explicou: -Esse é meu pedido de desculpas, por não ter acreditado em você desde o começo. Você sempre me alertou sobre o Álvaro, mas eu não queria ver. -Inácio, você não tinha como saber. Está tudo bem. -Eu deveria ter acreditado em você, você se arriscou demais para provar minha inocência Maria,
poderia ter morrido. -Mas você sempre me salvou, então estamos quites. Inácio a beijou docemente. -Diga que me perdoa. -Você não tem que pedir desculp... Antes que Maria terminasse de falar, Inácio a beijou novamente, dessa vez, mais intensamente. -Diga que me perdoa. Maria riu. -Vou pensar. Então ele a puxou pela cintura e a beijou desesperadamente. -Sinto sua falta. Mais do que pode imaginar. – Sussurrou enquanto descia o zíper do vestido que ela usava. - Essa é uma das únicas tardes de sol no ano nessa cidade, temos que aproveitá-la. – Falou novamente no ouvido dela. Afastou-se dela e tirou a camisa. Deitando Maria delicadamente no lençol estendido no chão, sobre as pétalas de rosa e deitando sobre ela. Delicadamente ele beijou cada centímetro do corpo dela, depois, parou e ficou a observando. -O que foi? - Perguntou Maria arfando, não queria que ele parasse. Inácio beijou docemente os lábios dela, prendendo o lábio inferior em seus dentes. -Eu perdi tempo demais tentando me manter longe de você, quando o que queria desde o primeiro momento era tomá-la nos braços. Se acha que vou te dar sossego só porque não estará mais sob o mesmo teto que eu, está muito enganada, mocinha. Maria riu: -Espero mesmo que não me deixe em paz. Inácio sorriu de volta e levantou o corpo dela pela cintura, sentando-se e a colocando sobre seu colo, enquanto Maria quase enlouquecia ao senti-lo novamente dentro dela. Ele esperou um pouco para que ela se acostumasse com a dor, então começou a beijá-la, primeiro devagar, depois, mais intensamente conforme os movimentos que fazia com ela, e assim, eles se entregaram a uma tarde de amor que provava a Maria o quanto ele a amava.
Capítulo 21 Maria acordou sentindo-se fora do lugar. Ao olhar para o teto, olhar a sua volta, a pequena janela que dava para a rua de seu antigo quarto, tudo era estranho naquele momento. Aquela não era mais sua casa, na verdade, nunca fora. Mas ela se sentia em casa com Inácio, por mais estranho que o castelo fosse, por mais que a presença de Alessandra ainda fosse forte lá dentro, lá era a casa dela, ao lado de Inácio. Teve vontade de correr de volta ao seu lar, mas realmente precisava ficar. À tarde, estava organizando algumas coisas quando Moisés apareceu, Maria já estava se sentido sozinha, já que a tia havia sumido a manhã e a tarde inteira. -Atrapalho? – Perguntou ele sem graça. -Claro que não, entra. -Eu estava pensando e se você falasse com a Jess? E se pedisse a ela para se afastar de uma vez por todas do Álvaro? -Eu já fiz isso Moisés, mas ela não quer ouvir. Na verdade, ela nem está mais falando comigo. -Por que não? Desde quando? Maria abaixou a cabeça, pensou um pouco e respondeu: -Porque as únicas provas da inocência do Inácio estão com ela e ela não quer entregar. Moisés deu um pulo do sofá. -Como não quer entregar? Por que ela faria isso? -Porque essas provas inocentam o Inácio e acusam o Álvaro. Ele é o verdadeiro assassino da Alessandra. E foi ele quem pôs fogo no galpão. Moisés estava atônito. -E a Jess sabe de tudo isso? Você precisa contar para ela quem é esse homem! -Ela sabe Moisés, ela não quer entregá-lo. Moisés parecia não acreditar, tivera exatamente a mesma ração de Maria diante de Jessica quando ela se recusou a procurar as cartas. -O que são essas provas? -Cartas da Alessandra e cartas do Álvaro ameaçando matá-la. Moisés parecia em choque, e muito preocupado. -O que está acontecendo com a Jessica? Ela sabe que o homem pode ser um assassino, sabe que... – Então parou de repente e encarou Maria, parecia muito preocupado. -O que foi? -Você precisa tomar cuidado, Maria. Ela me disse que ele, o Álvaro, está obcecado por você. -Como assim obcecado? -Obcecado. Ele sabe todos os seus passos, toda sua vida, tudo o que acontece com você. Você não devia ter voltado para cá, devia continuar no castelo, onde aquele conde pode proteger você. -O importante agora é a Jessica. Temos que fazer alguma coisa para que ela se afaste dele antes que ele faça alguma coisa com ela. -Eu sei, tenho pensado o tempo todo nisso, mas não consigo chegar a nada, nada que a faça se afastar dele. -Talvez haja uma coisa, ou alguém. Moisés encarou Maria com ansiedade para que ela revelasse sua ideia. -Talvez ela o deixe por alguém que goste mais. – Dizendo isso Maria encarou Moisés com um sorriso no rosto.
-De jeito nenhum isso vai dar certo Maria. Ela nunca trocaria o homem que vai tirá-la daqui por mim. -Ela ama você. -Ela o ama. -Nunca amou. Ela está deslumbrada, é diferente, mas ela sempre foi apaixonada por você. E se você se aproximasse dela? E se dissesse o que sente, tentasse agradá-la? -Eu converso com ela todos os dias e não adianta de nada. Maria bufou. -Não quero que você converse com ela Moisés, quero que dê em cima dela, que mostre o que sente. -Isso não vai dar certo. -Você não vai saber se não tentar. Nós já estamos no fundo do poço Moisés e se der certo, ela não só vai se afastar do Álvaro, como vai me entregar as provas da inocência do Inácio. Moisés percebeu o brilho nos olhos de Maria quando falava de Inácio. -Eu estava enganado Maria, sobre ele. Ele não pode ter matado a Alessandra, eu sempre soube disso, mas era muito mais fácil acusá-lo. – Falou com certa culpa nos olhos. Maria foi pega de surpresa, justo Moisés acreditava em Inácio. -Como você sempre soube? -Eu estava com ele em Ponta Bela no dia do assassinato, meia hora antes da Alessandra ser morta. Não daria tempo nem de ele chegar ao local do crime, menos ainda de fazer tudo aquilo com ela. Maria levantou-se alterada. -Então por que o acusou esse tempo todo? -Porque era mais fácil do que ir contra todos! Eu dei meu depoimento, o Inácio foi solto porque eu o vi. Eu fui o álibi dele Maria, mas ninguém podia saber disso, ou fariam comigo o mesmo que fizeram com vocês quando você resolveu mostrá-lo. Por isso eu não concordei que se aproximasse dele porque você não tinha que passar por aquilo. -Eu tinha sim! Eu tinha porque acredito nele e eu defendo minhas crenças! Moisés, você foi o primeiro a me atirar pedras quando eu me aproximei dele, você me ameaçou, dizia coisas horríveis a ele, como pôde, sabendo que ele era inocente o tempo todo? -Eu estava com ciúmes! – Gritou ele – Eu sabia que ele era inocente, mas você não! Eu não achava justo que você se apaixonasse por ele mesmo achando que ele era um assassino e nunca me desse uma chance. Maria abaixou a cabeça tentando controlar a raiva que sentia, o que menos precisava naquele momento era brigar com uma das únicas pessoas que ainda estavam do lado dela. Respirou fundo e abriu a porta de sua casa. -É melhor você ir procurar a Jessica agora. -Me perdoe Maria. -Não é para mim que você tem que pedir perdão Moisés. Assim ele saiu cabisbaixo da casa dela, bem no momento em que Marta entrou. -O Inácio não vem te ver hoje? – Perguntou ela empolgada. -Não. – Respondeu Maria desconfiada. -Que pena! Ele devia falar comigo, você sabe, eu sou sua mãe agora. Maria respirou fundo e foi para o quarto, as coisas estavam ficando estranhas demais naquele dia. O pior de estar longe de Inácio, era que Maria pensava nele o tempo todo e isso atrapalhava suas possíveis ideias de como tirar as cartas de Alessandra da casa de Jessica. Temia que ela encontrasse
as cartas e as entregasse a Álvaro, e aí sim nunca conseguiria acusá-lo. No começo da noite, Maria acordou assustada após um pesadelo, e isso era outra coisa que a intrigava, Alessandra. Inácio já havia desfeito o altar que montara para ela, já havia deixado que ela fosse embora, mas Maria continuava tendo pesadelos com ela pedindo ajuda, ou gritando. Ela não dizia mais que estava presa no castelo, apenas gritava por socorro e parecia apavorada. Maria gritou alto ao acordar, era como se ela estivesse correndo perigo junto com Alessandra. Rapidamente Marta entrou no quarto com um copo de suco na mão. -O que foi? – Perguntou assustada. -Nada, só um pesadelo. – Respondeu Maria. -É o que acontece quando se relaciona com um assassino. Maria a encarou de cara feia e Marta pareceu se arrepender no mesmo instante do comentário. -Eu não quis dizer isso. Sei que ele é inocente é a força do hábito. Toma, te trouxe esse suco. – Maria pegou o suco da mão dela e tomou, resolveu não começar mais uma discussão naquele dia. No dia seguinte, Maria se levantou disposta a ir ao castelo, achou ter visto a sombra de Inácio do outro lado da rua à noite, mas não tinha certeza, e como ele nem dera sinal de vida, precisava ver como ele estava. No caminho, encontrou Moisés que se aproximou dela entusiasmado. -Posso falar com você? Maria assentiu, ainda estava chateada com ele. -Deu tudo certo, eu falei com a Jessica. Ontem, eu pude sentir que ela ficou mexida com o que eu disse. Nós vamos conseguir Maria, vamos afastar de uma vez por todas a Jess daquele assassino. Maria nem teve tempo de comemorar antes de uma voz conhecida, a mais inesperada naquele momento os surpreender: -Então foi um plano para me afastar do Álvaro? Maria e Moisés encararam uma Jessica furiosa sem saber o que dizer. -Eu posso explicar... – Começou Moisés, mas Jessica o interrompeu. -Nem precisa, não perca seu tempo! Jessica saiu pisando duro e Maria podia até ir atrás dela, na verdade era o que Moisés esperava que ela fizesse, mas resolveu permanecer no mesmo lugar. Ainda não tinha engolido a atitude de Jessica em relação às cartas de Mercia, talvez fosse melhor que elas não se falassem até Jessica perceber o que estava fazendo. O problema nisso era Moisés, ele estava realmente apaixonado por Jessica e sofreria com o afastamento dela. -Tudo vai ficar bem Moisés, eu já me surpreendi o suficiente para saber disso. – Tranquilizou-o. Quando chegou à Rua Londrina e avistou o castelo, parou diante dele sentindo uma coisa diferente, pela primeira vez desde que se aproximara dele, não queria entrar. Queria ver Inácio, mas alguma coisa dentro dela a alertava que ela não deveria. Algo a ver com algum sonho que ela tivera durante a noite, não se lembrava do sonho, mas se lembrava da sensação de angústia que sentia quando entrava no castelo. Sentou-se confusa, quando ela ficara angustiada no castelo? Ela adorava aquele lugar não adorava? Bateu a mão na cabeça algumas vezes, tentado organizar os pensamentos. Queria simplesmente levantar e entrar, mas e aquela coisa? A sensação ruim que alguém causava nela lá dentro? -Estou ficando louca! – Sussurrou. Tentou se concentrar que havia somente Inácio lá dentro, o único amor de sua vida, seu anjo. Como ele poderia fazê-la se sentir mal? Como ela podia estar com medo de estar com ele de repente? Uma sensação de peso em seu peito a matinha pregada ao chão, de onde queria desesperadamente sair.
Foi então que alguém se aproximou dela, e no momento em que ele tocou sua mão, a sensação ruim se foi. -O que houve meu bem? – Perguntou Inácio a levantando do chão, preocupado. -Nada, está tudo bem. – Respondeu ela o abraçando e se perdendo em seu abraço. Inácio sentiu que alguma coisa estava estranha em Maria. -Vamos? - Chamou a guiando para o castelo, mas ela o deteve. -Por que não vamos dar uma volta? Inácio assentiu e saiu com ela, mas teve a impressão que Maria não quis entrar no castelo. Os dois caminharam até a sorveteria, onde Maria parecia mais alegre, viva, a Maria de sempre. Embora sua mente estivesse girando a mil por hora para tentar entender o que acabara de acontecer com ela, resolveu não pensar naquele momento e apenas curtir o momento com Inácio. Mas seu momento durou pouco, até Stanley surgir ao longe e alguém, cujos cabelos alaranjados esvoaçantes Maria conhecia muito bem, correr ao encontro deles. -Vitoria! Stanley o que faz com ela aqui? – Perguntou Maria achando que Stanley estava apenas passeando com ela, ou tentando fazer com que ela se lembrasse de alguma coisa, e ao lembrar a reação de Vitória quando Maria tentou fazê-la lembrar de alguma coisa, esperava que ele não estivesse fazendo aquilo. -É simples. Ela é a única testemunha viva do assassinato dos pais. Se o Álvaro foi o assassino, ela irá reconhecê-lo. -O quê? – Gritou Maria atônita – Você pretende colocá-la frente a frente com ele? -Não grite Maria! Quer que ele descubra e desapareça? -Na verdade quero! Você ficou louco? Tem ideia do que ver aquele monstro pode causar a mente dela? -Nós não temos outra saída. – Insistiu ele. -Eu não concordo com isso Stanley. Nós vamos encontrar outro meio de provar, não precisamos envolver a Vitoria nisso. – Interveio Inácio. -Eu sinto muito Inácio, mas é minha investigação e eu preciso fazer isso. Se não concordam é um direito de vocês, mas não me atrapalhem. -Stanley, por favor, ela é só uma menina! - Insistiu Maria. -Ela é quase da sua idade, Maria! -Não na mente, você não pode fazer isso com ela. Como vai se sentir quando ela precisar ser sedada nos próximos dias? Ou se ela piorar? -Vou me sentir péssimo, Maria, mas é necessário. Achei que quisesse provar a inocência do Inácio a qualquer custo. -Não em cima do sofrimento dos outros. Inácio também ia discutir, mas Stanley os interrompeu: -Não adianta! O delegado que cuidou do caso está na cidade hoje, se o Álvaro for o assassino e ela o reconhecer, a reação dela será prova suficiente para ele ser considerado um suspeito válido. Maria continuava não concordando, mas sabia que não poderia impedir. -Eu vou junto, vou com ela. Stanley concordou e Maria e Inácio os seguiram ao encontro de Álvaro. Havia muita gente na praça para a palestra do tal delegado sobre a segurança dos cidadãos de Passaredo. Eles avistaram Álvaro num canto, exatamente próximo ao delegado e a Jessica. Maria estava com medo por Vitoria, medo que Álvaro fizesse alguma coisa com ela, medo que ela não tivesse reação nenhuma diante dele e não provasse nada. Stanley se aproximou de Álvaro e do
delegado e os cumprimentou, então tudo aconteceu muito rápido: Álvaro virou-se para eles, e ao lado de Maria, avistou Vitoria. Ele não a reconheceu, mas no momento em que ela colocou os olhos nele, sua expressão mudou para pavor e ela começou a gritar e se agarrar em Inácio com tanto medo, que chegava a cortar o coração de quem assistia. Ela chorava e gritava que o monstro estava ali. Stanley se aproximou dela tentando acalmá-la, mas ela apenas apontava para Álvaro e dizia que ele era um monstro, o monstro que levara seus pais. O delegado aproximou-se dela confuso: -Você tem certeza? -Eu me lembro! Eu me lembro dele! Me tira daqui! – Pediu ela a Inácio que no mesmo instante a abraçou e saiu com ela. Quando Maria olhou novamente, o delegado e Stanley estavam dando ordens aos policiais, Álvaro havia desaparecido e restava apenas Jessica parada no meio da confusão de pessoas que comentavam, como se ainda não tivesse caído a ficha dela sobre o que acabara de acontecer. Maria sentiu pena e até teve vontade de se aproximar dela, mas desistiu e ia saindo quando ela a segurou. -Onde está o Moisés? – Perguntou meio perdida. -Eu não sei, não sou babá dele. -Achei que estivessem juntos bolando planinhos contra mim. -Nós não bolamos plano nenhum. Eu só encorajei o Moisés a se declarar para você porque ele está realmente apaixonado. -Se você acha que eu vou acreditar nisso... -Você acredita no que quiser Jessica! – Maria percebeu o quanto estava chateada com a garota. – Ele te ama, mas se você quer perder isso novamente a escolha é sua. -Você só está dizendo isso para me afastar do Álvaro. Maria riu. -Você viu o que acabou de acontecer, acho que não preciso te dizer mais nada sobre o Álvaro. Com licença que eu tenho uma coisa mais importante para resolver. Após toda confusão, Álvaro estava foragido, Vitoria precisou ser sedada e foi difícil convencê-la de que Álvaro não iria persegui-la no hospital. Inácio até queria ficar com ela no castelo, mas os médicos acharam perigoso que ela ficasse sem o devido acompanhamento. Stanley realmente se sentia culpado pelo estado de Vitoria, mas estava feliz com a repercussão, menos com o sumiço de Álvaro. Sumiço esse, que ele acreditava que seria desvendado em pouco tempo com a ajuda de Jessica, achava que ele iria procurá-la e ela os levaria a ele sem saber. Maria tinha outra impressão, achava que Álvaro procuraria a ela, ele não deixaria barato o que eles haviam feito, e como Vitoria estava sobre forte esquema de proteção, sobravam ela e Inácio. Inácio normalmente não era uma vítima fácil, mas levando em consideração que alguma coisa acontecia com ele, quando apagava e não sabia o que tinha feito durante esse tempo, então não era confiável que ele estivesse em segurança. Maria se sentia exausta. Lembrou-se do sonho com Alessandra, ela gritando por socorro e do que acontecera, Vitoria gritando por socorro, eram cenas tão parecidas! Pensou no sonho com Inácio, sonho esse que ela não conseguia se lembrar, mas que devia ser terrível, já que ela nem conseguira entrar no castelo por causa dele. Marta entrou em seu quarto com cara de preocupação e falou baixo: -Soube da confusão. Por que estão acusando o Álvaro? Ele me parece tão bom! -Mas não é, tia! Se afaste dele pelo seu bem. O Álvaro é o verdadeiro assassino da Alessandra. -Claro que não! Para você é mais fácil acreditar nisso. Marta falou por uns dez minutos enquanto Maria viajava em milhões de pensamentos e nem a ouvia. Não estava com ânimo para brigas, nem discussões àquela hora da noite. Vez ou outra olhava
pela janela. Inácio queria que ela voltasse imediatamente para o castelo, mas havia alguma coisa que a impedia de entrar lá, então ele dissera que ficaria de olho nela para que nada a acontecesse. Ela esperava avistar a sombra de Inácio do outro lado da rua, mas até aquele momento, não vira nada. -Mas tudo bem, não vamos brigar. – Finalizou a tia. – Vou buscar um leite quente para você. -Não precisa. Obrigada. Eu não quero. -Eu faço questão, vai te ajudar a dormir melhor depois de um dia agitado. Marta nem esperou Maria responder novamente e saiu, retornando pouco depois com um copo quente de leite. Maria tomou sem reclamar percebendo que não comera nada durante a tarde e a noite e que realmente o calor do leite a estava fazendo bem. Maria acordou no meio da noite sentindo-se meio zonza. Olhou pela janela e finalmente avistou o vulto de Inácio do outro lado da rua, ele a estava protegendo, mas ela sentia alguma coisa diferente. Ela estava... Ela poderia estar com medo dele? Sentou-se na cama sentindo-se ridícula. Então Inácio percebeu que ela estava acordada e foi andando em direção à janela. Maria sentiu seu coração acelerar ao vê-lo se aproximar, mas não com o furor que ele normalmente causava nela, ela sentia mais uma vez, medo dele. Queria gritar, mas se conteve, era Inácio! O que estava acontecendo com ela? Ela se levantou e foi até a janela, mas ele havia desaparecido. Então ouviu um toque leve na porta. Correu até a porta da sala e a abriu, e lá estava ele, parado no meio da rua com um capuz preto. Estranhou que ele estivesse de capuz novamente, mas foi até ele. Só que Inácio não a olhou com o amor de sempre, ele a olhava, percebeu Maria, com raiva. Como se alguma coisa houvesse acontecido. Ela queria perguntar o que era, mas apenas teve vontade de correr. Virou-se para correr novamente para dentro de casa, mas Inácio segurou seu pulso com força e a impediu, Maria o olhou novamente, ainda não era o Inácio dela, aquela expressão de perigo de quando Maria o conhecera estava ainda mais forte nele. Olhou–o pausadamente e percebeu a sua semelhança com o cara que a perseguira tempos atrás. Mas não podia ser ele, fora Álvaro quem a perseguira, não fora? Então por que Inácio se parecia tanto com o perseguidor? -Inácio, você está em transe? É um daqueles momentos em que você não sabe o que faz? Mas ele não respondia. Ao invés disso, pegou Maria pela cintura e a jogou no ombro, andando rapidamente com ela para longe dali. Maria podia ver pouco na posição em que estava, de cabeça para baixo, mas podia adivinhar para onde Inácio a estaria levando, para o lugar que ela mais tinha medo naquele momento: o castelo. Foi então que se lembrou do porque tinha medo do castelo, ele a mataria. Era isso que Alessandra a estava avisando, ela seria assassinada também. -Por que está fazendo isso Inácio? Por favor, não faça! Por favor, acorde! Mas Inácio parecia não ouvir. Ele a jogou no chão numa rua próxima à Rua Londrina. Maria respirou aliviada que ele não a tivesse levado ao castelo, se levantou para voltar para casa, mas ele a empurrou novamente no chão. Então, Maria não viu de onde, Inácio tirou o machado e apontou na direção dela. Ela fechou os olhos e gritou, e no momento seguinte, uma luz cegou seus olhos, e ela ouviu vozes a chamando. Abriu os olhos lentamente e percebeu o movimento de pessoas a sua volta, Stanley, estava ajoelhado ao seu lado, parecia muito preocupado. Do outro lado Marta chorava. Maria olhou seu corpo esperando encontrar sangue, mas não havia nada. Percebeu de longe Lucena a encarando, mas por algum motivo ela não se aproximava de Maria. -O que aconteceu, Maria? – Perguntou Stanley. -Ele tentou me matar. -Quem tentou matar você? O Álvaro?
Maria olhou em volta, mas nem Inácio e nem Álvaro estavam por perto, então disse as palavras mais difíceis que já saíram de sua boca: -Foi o Inácio! Stanley pareceu tão surpreso que não teve reação alguma. -Você tem certeza? Pense bem Maria, o Inácio não te faria mal. – Falou ele depois de um tempo. -Eu tenho certeza Stanley, foi o Inácio. O tempo todo era o Inácio. Maria tentava pensar em hipóteses que justificariam Inácio ser o assassino, mas nada fazia sentido. À noite, estava se sentindo estranha, como se não tivesse vida. Não tinha vontade de fazer nada. Marta estava cuidando dela e não permitiu que ninguém a visse, nem mesmo Lucena. Maria chegou a ouvir uma discussão entre as duas, mas não quis prestar atenção. Pouco depois de Lucena desistir de vê-la, alguém bateu na porta. Marta olhou pela janela quem era e não quis abrir, mas a pessoa batia insistentemente cada vez mais forte. Maria permanecia imóvel no sofá quando de repente a porta foi arrombada e viu a figura de Inácio entrar na sala. Ele parecia transtornado. Ela se levantou imediatamente afastando-se o máximo possível dele. -Maria! – Chamou ele quase implorando. Ela o encarou por um tempo, deveria sentir medo dele não deveria? Então por que seu coração acelerava de forma que tudo o que ela mais queria era pular nos braços dele? -Saia já daqui! – Gritou Marta - Eu vou chamar a polícia! Mas Inácio parecia nem reparar a presença de Marta, apenas olhava para Maria intensamente. -Maria, por favor. – Chamou ele novamente – Sou eu, seu anjo lembra? Eu jamais machucaria você. Maria parecia confusa, a noite anterior passou por sua cabeça, mas havia tantos buracos, tantas coisas que ela não se lembrava. Por que mesmo ela saíra de casa? -Maria meu amor, preciso que acredite em mim. - Inácio se aproximou dela e mesmo ela se afastando, ele insistiu e segurou suas mãos. – Eu amo você Maria, jamais te faria mal. Por favor, acredite em mim. Por mais que Marta gritasse e escabelasse que Inácio saísse da sua casa, quando Inácio tocou as mãos de Maria, ela ouviu apenas o silêncio, e no momento seguinte se jogou nos braços dele. Ela nem sabia porque, se lembrava dele perseguindo-a, mas não podia estar mais segura do que com ele. Como era possível que se sentisse assim? Inácio a apertava forte e quanto mais próximo a ele Maria ficava, mais se sentia segura. Foi então que Lucena entrou na casa de Marta gritando: -Tire-a daqui agora Inácio! Eu finalmente descobri, ela está tendo alucinações. A Marta está colocando alucinógeno na comida dela. Maria podia ouvir o que Lucena gritava, mas simplesmente não entendia. Inácio a pegou no colo e no momento seguinte, não viu mais nada.
Capítulo 22 Maria acordou se sentindo melhor, antes mesmo de abrir os olhos, pôde sentir o cheiro que mais lhe agradava no mundo, e sentiu os braços fortes de seu anjo em volta de seu corpo. Ela estava com Inácio, se pegou sorrindo de felicidade. Então se lembrou de algumas coisas que havia feito. Ela havia mesmo acusado Inácio de tentar matá-la? O que passara pela cabeça dela? Abriu os olhos, confusa. Como fora parar no castelo novamente? As coisas pareciam não fazer sentido algum. Afastou-se de Inácio num rompante e ele, assustado a olhou com certo medo por um tempo. Então, calmamente, tocou de leve as mãos dela. -Está tudo bem meu amor. Eu estou cuidando de você. -O que aconteceu? Como eu vim parar aqui? – Perguntou ela. -Você não se lembra? Maria negou com a cabeça percebendo que Inácio parecia ainda mais confuso que ela. -Eu tirei você da casa de sua tia ontem à noite, mas você quis vir comigo. – Ele parecia achar que Maria o acusaria de tê-la levado. -Eu tenho certeza que sim. – Respondeu ela como se fosse óbvio que ela queria ir com Inácio. -Sua tia chamou a polícia, me acusou de sequestro. -O quê? Ela ficou louca? Não se preocupe Inácio, eu falarei com a polícia e vou dizer que você não me trouxe contra a minha vontade. Inácio continuava preocupado. -Isso não vai contar muito meu bem, você não está falando coisa com coisa ultimamente. Maria ia brigar, mas também tinha essa sensação, as coisas em sua mente, suas lembranças, pensamentos, nada parecia fazer sentido. Ela mal sabia distinguir qual lembrança era sonho e qual era realidade. -Você está com medo de mim? - Perguntou ele – Eu posso me aproximar de você? Maria apenas o olhou como se aquelas perguntas fossem absurdas e se jogou nos braços dele, que a beijou no mesmo instante quase que desesperado. Quando finalmente a soltou, Maria o olhou tentando entender por que ele estava daquele jeito. -Achei que fosse perder você. Você nem quis falar comigo ontem. – Explicou ele. -Eu acusei você, não sei o que deu em mim, me perdoa. -Não precisa se desculpar meu amor, não foi culpa sua. Maria ainda se sentia estranha, sabia o que estava acontecendo com ela, tinha escutado alguém falar, mas o que era? Quando ia perguntar a Inácio, ouviram palmas vindas do portão, então Inácio levantou-se e foi atender a porta. Ela desceu pouco depois a tempo de ouvir Lucena, Inácio e Stanley discutindo: -Ela tem que ir para o hospital agora Inácio! – Dizia Stanley firmemente – Se quiser provar que não a perseguiu, ela precisa fazer o exame de sangue! -Eu não vou submeter Maria a isso. Ela está cansada, confusa. Não tem que sair para provar para ninguém que não é louca. Ela acredita em mim, é o que importa. -A fé dela em você não vai livrá-lo da prisão. Você não será mais réu primário, não vai ser nada fácil livrá-lo dessa vez. -Por que ele vai para a prisão? – Perguntou Maria aparecendo de repente. – É por causa das coisas que eu disse? Maria percebeu Stanley e Lucena a encararem de forma estranha, como que avaliando se ela
estava em seu estado normal. -Você estava sob efeito de alucinógenos Maria, uma planta chamada Jurema, que provoca alucinações e perda momentânea de memória. Sua tia estava dopando você, colocando essa planta em seus alimentos. Acredito que você saiba a mando de quem. A única forma de provar que quando você acusou o Inácio de persegui-la não estava em seu juízo perfeito, é fazendo um exame de sangue antes que a droga saia de seu organismo, então não temos muito tempo. – Explicou Stanley. -Você tem uma seringa? – Perguntou ela esticando o braço na direção dele. Stanley riu enquanto preparava a seringa para tirar o sangue de Maria, admirava o jeito decidido dela. Já Inácio a olhou preocupado. -Maria, você não precisa fazer isso. -Claro que preciso. Se alguma coisa acontecer a você eu nunca vou me perdoar Inácio. Imagina, esse tempo todo tentando provar sua inocência e justo eu te mando para a cadeia? Stanley continuava rindo enquanto tirava o sangue dela. Maria sentiu-se tonta após a retirada do sangue, mas logo estava melhor. -Vocês precisam vir comigo. – Falou Stanley – Precisamos pedir a análise do sangue no hospital de Ponta Bela e a Maria tem que dar um novo depoimento à polícia. -Stanley, não é uma boa hora, ela ainda está confusa e indisposta. – Falou Inácio. -Tudo bem Inácio, eu estou ótima. Vou só trocar de roupa. Dona Lucena, a senhora pode vir comigo? Lucena assentiu e subiu com ela. Ajudou Maria a se vestir, e assim que colocou um belo vestido florido nela encarou-a. -O que quer falar querida? -É sobre o Álvaro. Lucena abaixou a cabeça de forma triste. -Eu já sei de tudo, o Inácio me mostrou as cartas. Na verdade eu descobri antes quando você acusou o Inácio de tê-la perseguido. Eu sabia que você jamais faria uma coisa dessas em seu juízo normal e a Marta andava estranha por esses dias. Como você disse, estava amiguinha demais do Álvaro. Não foi difícil unir as coisas, eu a pressionei um pouco e ela ficou nervosa. Mas quando ela não me deixou ver você, eu tive certeza que alguma coisa estava acontecendo, então chamei o Inácio, que me contou tudo. Não foi preciso muito para descobrir que a Marta estava encomendando uma erva alucinógena de Ponta Bela, não foi difícil ligar os fatos. Pressionei a Marta e ela não negou que drogou você, nem que foi a mando do Álvaro. Maria percebeu que Lucena parecia triste pelas atitudes de Marta, podia entender bem, elas eram amigas, ela também estava assim em relação a Jessica e as atitudes que ela vinha tendo. Abraçou Lucena tentando confortá-la. A cidade inteira comentou quando avistaram Maria e Inácio juntos no carro de Stanley, Maria podia pensar em milhares de coisas diferentes que deveriam estar passando na cabeça das pessoas ao verem aquela cena após as acusações dela. Mas sabia que em pouco tempo todos já estariam sabendo a verdade, era o que acontecia em uma cidade tão pequena. Todos sabiam da vida de todos. Chegaram finalmente ao hospital e enquanto Stanley pedia a análise do sangue de Maria, que demoraria no mínimo 48 horas para ficar pronta, ela foi à delegacia e mudou o depoimento inocentando Inácio de tudo o que dissera. Inácio achou que a análise no fim das contas seria somente a prova técnica, pois Maria havia sido bem convincente e o delegado acreditava na inocência de Inácio no caso dela, ela fizera questão de deixar bem claro que achava que Inácio havia matado Alessandra.
Quando saíram da delegacia, Maria avistou na rodoviária um cabelo curto, negro e um longo vestido que arrastava no chão com estampas chamativas. Pensou que se estivesse em qualquer outro lugar do mundo poderia jurar que era Cláudia, mas sendo em Ponta Bela, não podia ser ela. Porém, para surpresa de Maria, quando a mulher se virou, avistou os longos olhos negros de sua amiga e seu sorriso amável. Maria se viu no mesmo instante correndo em direção a ela para um longo abraço que demonstrava a saudade que as amigas sentiam uma da outra. -O que está fazendo aqui? – Perguntou quando finalmente se afastou da amiga. -Vim atrás de você, claro! Como some assim sem dar uma notícia? Quer me matar do coração? Eu nem sabia se você estava viva Maria! Maria riu do drama da amiga, sentia muita falta do jeito espalhafatoso, mas sempre cuidadoso dela, ela sempre a protegia e estava sempre disposta a ajudá-la. -Eu estou bem. A comunicação daqui é muito difícil. – Explicou Maria. -E cadê o celular que te mandei? Maria nem se lembrava desse celular, mas no momento que Cláudia comentou, percebeu que ele realmente já deveria ter chegado. -Não chegou ainda. -Como isso é possível? Eu mandei há meses! Que fim de mundo é esse afinal? Cláudia olhou em volta, mas parou os olhos em alguma coisa, ou melhor, em alguém que chamou sua atenção. Inácio sorriu para ela e Maria achou ter ouvido a respiração dela falhar. Ela sorriu em resposta a Inácio e puxou Maria num canto. -Esse é o conde assassino? Maria, achei que tivesse se afastado dele! -É uma longa história e ele não é um assassino, eu já consegui provar isso. Ele é meu namorado. Cláudia deu pequenos pulos, olhou Inácio novamente e olhou Maria dando gritinhos. -Ele não é mesmo assassino, a aura dele é de anjo. Que homem, Maria! Que homem! Maria riu e apresentou a amiga a Inácio e Stanley, que Maria percebeu, não tirou os olhos dela. Após instalar Cláudia na pensão, Maria bem que queria convidá-la para ficar no castelo, mas como não era dona da casa, não arriscou, ela e Inácio foram de volta ao castelo, no caminho, percebeu Moisés tentar se aproximar dela, mas olhava para Inácio e voltava para trás. Maria sorriu tentando entender o medo que Moisés tinha de Inácio se sabia que ele não era um assassino. Ela ia chamá-lo quando finalmente ele tomou coragem e aproximou-se deles, só então Maria percebeu que ele parecia nervoso. -O que houve? Por que está assim? -É a Jessica. Eu quero ajudá-la, e a única maneira é colocando o Álvaro na cadeia. Eu quero saber tudo o que você sabe Maria. Quero saber as provas que tem, do que você precisa. Precisamos provar o quanto antes que o Álvaro é o verdadeiro assassino da Alessandra. Maria percebeu Inácio surpreso com Moisés. Não sabia dizer se ele gostaria de tê-lo o ajudando, devido a rixa dos dois, mas sabia que era sempre bom ter mais alguém que acreditava nele. -O que aconteceu com ela? - Perguntou Inácio. -Eu acho que ela quer entregá-lo e acho que ela só não o fez porque ele a ameaça. Eu acabei de ouvir uma conversa estranha entre eles, ela parecia assustada e ele a estava ameaçando. Ele disse que ela tinha que encontrar as cartas e entregar a ele. Mas ele falou de uma forma como se ela não tivesse outra opção a não ser encontrar as tais cartas. Maria sentiu seu coração pular no peito, olhou para Inácio que também parecia em pânico. -Ela não pode fazer isso. Moisés, se ela entregar as cartas para ele, perderemos a única prova de que o Inácio é inocente!
-Foi o que eu achei, me lembrei do que você disse aquele dia sobre essas cartas. Ela ainda conversa comigo Maria. Mas me disse que você não fala mais com ela, eu não estou te julgando, sei que ela passou dos limites, mas se tem alguém que ainda pode entrar na casa dela e pegar aquelas cartas, esse alguém sou eu. -Talvez esteja na hora de eu voltar a falar com ela. De qualquer forma, quanto mais pessoas com acesso à casa procurando as cartas, melhor. Os três ficaram ainda alguns minutos combinando algumas coisas e Moisés ficou de passar no castelo para ver as cartas que Maria já havia encontrado para que reconhecesse caso as encontrasse na casa de Jessica. Quando Moisés se afastou deles, Inácio recomeçou a andar, mas Maria continuou parada. -Vai indo na frente, eu vou falar com a Jessica. -Você não acha que ela estará com ele? -Não, ela me disse que a dona Ester não o deixa entrar em casa. Eu não vou demorar. – Falou ela saindo, então percebeu que Inácio a seguia e o encarou. -Você não está achando mesmo que eu vou deixá-la sozinha, está? Espero que se lembre de que existe um assassino por aí muito interessado em você. Maria sentiu uma ponta de ciúmes na voz de Inácio e o abraçou rindo, então os dois foram para a casa de Jessica. Inácio parou a alguns metros de distância enquanto Maria bateu na porta de Jessica. Não ouviu nenhum barulho, nem sinal de que havia alguém em casa. Quando desistiu e virou-se para ir embora, a porta se abriu. Ela virou-se de volta para falar com Jessica, mas encontrou Álvaro parado na porta. Ele usava um sobretudo desbotado e a forma como estava naquele momento, não lembrava nem a sombra da elegância que tinha quando chegara a cidade. O cabelo bagunçado e a barba por fazer deixavam claro seu cansaço e isso preocupava Maria, ele não podia estar fazendo nada bom. -O que está fazendo aqui? Cadê a dona Ester? – Perguntou Maria olhando dentro da casa. Por um momento, esperava avistar Ester amarrada em uma cadeira num canto da sala. Só isso explicaria ela aceitar a presença de Álvaro em sua casa. -Ela não está, não se preocupe, ela está bem, por enquanto. Maria virou-se para ir embora, mas ele segurou seu pulso. Ela avistou Inácio preparando-se para se aproximar, mas fez um gesto com a mão para que ele esperasse. -Como você está Maria? Eu soube do que o Inácio te fez, esperava mesmo que viesse me pedir proteção. – Dizendo isso ele passou a mão pelos cabelos dela. Maria se afastou no mesmo instante. -Eu estava ótima até ver você. E caso eu precisasse de proteção, você seria a última pessoa no mundo para quem eu pediria. Álvaro deu um sorriso debochado. -Como está a vida no castelo, com o Inácio e as lembranças da Alessandra? -Está ótima! De vez em quando a vejo, e ela me lembra do quanto você é desprezível. Álvaro a pegou novamente pelo pulso, dessa vez a apertando. -Me solta! – Reclamou ela. Ela sabia que falar do desprezo que Alessandra tinha por ele era o ponto fraco de Álvaro. Ele não aceitava que nunca conseguira conquistá-la. -Você pode me humilhar agora Maria. Pode debochar de mim, pode rir da minha dor. Mas no final das contas é na minha porta que você vai bater se quiser se salvar. É para mim que você vai pedir proteção quando a verdade aparecer. Somente eu poderei salvá-la quando sua vida estiver por um fio
Maria. Maria sentiu seu peito gelar, pela forma como ele falava, era difícil distinguir se ele era louco, ou frio. Mas sabia que podia esperar qualquer coisa dele àquela altura, ele estava ficando sem saída, o cerco estava se fechando, ele agiria dali para frente com menos controle e inteligência e mais por instinto. Ela soltou-se dele novamente e o olhou com todo desprezo possível, então disse: -Eu prefiro morrer a precisar ser salva por você. Álvaro se aproximou dela com agressividade, mas uma voz o interrompeu: -Ou, o que está havendo aqui Maria? Maria e Álvaro encararam Cláudia. -Você está bem? – Perguntou ela a amiga. -Sim, vamos embora. Quando Maria puxou Cláudia pelo braço, Álvaro a puxou para perto dele. -Calma Maria, não apresenta as amigas? Eu sou Álvaro, é um prazer conhecer você. – Álvaro tocou a mão de Cláudia, que no mesmo instante sentiu-se arrepiar. Ela se soltou dele, parecia assustada. Jessica chegou à porta para ver o que estava acontecendo e encarou Cláudia e sua expressão sem entender nada. -O que foi Cláudia? – Perguntou Maria preocupada. -Foi ele Maria. Ele é o verdadeiro assassino. -Do que ela está falando? - Perguntou Jessica. -Vem comigo Clau. – Maria afastou a amiga de Álvaro aos poucos, mas ela estava gelada e Maria quase podia ouvir seu coração acelerado. Quando as duas estavam a alguma distância da casa de Jessica, Cláudia comentou assustada: -A aura dele Maria é de um demônio. Ele não tem sentimentos, não tem nada bom é negro como... – Cláudia parecia procurar a palavra que descrevesse o que sentira ao tocar em Álvaro – É como a morte. Inácio encarou as duas, mas Maria logo explicou: -Ela sempre teve essa sensibilidade com o caráter das pessoas e ela raramente erra. Após Cláudia se acalmar, e avisarem Stanley sobre Álvaro, eles foram para o castelo, onde ela ficou fascinada pela beleza e riqueza de detalhes. Fascinação essa, que passou assim que pediu para carregar o celular e descobriu que o castelo não tinha energia. -Como não tem energia? O único lugar na cidade que tem uma boa recepção e não tem energia! Ela encarou Inácio com uma expressão zangada. - Que você tenha se trancado para sofrer sozinho por anos e precisou cortar a energia para ninguém desconfiar, eu entendo. Mas por que ainda não ligou de volta? Você tem noção de como a Maria é dependente de energia? Não se engane com essa cara de simples dela. Inácio ria enquanto Maria tentava acalmar Cláudia. Logo Moisés chegou e Maria contou a eles toda a história, e com a ajuda de velas, eles conseguiram ler as cartas que Maria encontrara. Ela decidiu não mostrar o diário, não queria que a privacidade de Alessandra fosse tão dividida. Achou graça, há algum tempo atrás tudo o que mais queria era desvendar a privacidade de Alessandra, agora era ela quem tentava protegê-la. Moisés e Cláudia conversaram um pouco com eles, mas à noite foram embora, Maria se preocupou que Cláudia fosse sozinha, mas Moisés prometeu deixá-la na porta da pensão. De madrugada, Maria e Inácio já estavam dormindo, quando ouviram chamar no portão. Algumas pessoas gritavam por Maria e batiam palmas. Eles se levantaram sobressaltados e enquanto Maria se vestia, Inácio desceu na frente e foi ver o que havia acontecido. Maria lembrou-se da última vez em
que precisou ir ao portão à noite com Inácio, foi quando Jessica fora atacada. Algo dentro dela sabia que não podia ser notícia boa. Desceu ainda terminando de abotoar o sobretudo que jogara por cima da camisola e ouviu apenas o final de alguma coisa que Inácio estava falando com Fred, o filho da dona da pensão. -Vou buscá-la imediatamente, ela ficará aqui conosco. -O que aconteceu? – Perguntou aproximando-se deles. Inácio passou os braços em volta da cintura dela e falou com todo cuidado possível. -Parece que a Cláudia foi perseguida, mas ela está bem, não chegou a se machucar. Eu vou buscála. -Eu vou com você. -Não precisa amor. Fica aqui e prepara um quarto para ela ficar. Maria queria discutir, mas Inácio a beijou e a afastou para o lado de dentro do portão, trancando-o por fora. -Para garantir que ninguém vai entrar. Você sabe onde tem outra chave. - Falou ele. Maria assentiu e Inácio saiu com os dois garotos que haviam ido buscar ajuda. Maria andava de um lado para o outro e nada. Por que eles estavam demorando tanto? Será que Cláudia havia se machucado e Inácio só não queria que Maria saísse feito louca atrás dela? Quando não aguentava mais de preocupação, jogou novamente o roupão por cima da camisola e se preparou para sair, mas quando abriu a porta, avistou Inácio e Cláudia entrando pelo portão. Ela correu até Cláudia que a abraçou, parecia assustada, mas aparentemente bem. Reparou que ela não estava machucada, então respirou aliviada. Ela a levou para dentro do castelo e esquentou uma xícara de leite, então se sentaram na sala e Cláudia começou a contar: -O Moisés me deixou na porta da pensão, eu fiquei olhando ele sair até que ele virou a esquina e Maria, eu juro que não sei de onde ele surgiu, mas quando me virei ele estava parado na porta da pensão com um capuz preto e um machado nas mãos. -Eu sei bem como é. – Falou Maria. -A minha primeira reação foi correr, então ele correu atrás de mim, mas eu gritei e acabei acordando algumas pessoas. Uns caras o viram atrás de mim e correram atrás dele, mas ele desapareceu. – Então Cláudia segurou a mão de Maria. – Eu nunca senti tanto medo na minha vida. Maria se sentiu culpada, a amiga só estava ali por causa dela, Álvaro só tinha ido atrás de Cláudia por causa dela. Como que adivinhando seus pensamentos, Inácio logo a abraçou falando: -Não é culpa sua, amor. Não é culpa de ninguém que o Álvaro seja assim. -Claro que não é sua culpa! – Gritou Cláudia – Mas passado o susto eu pensei, e acho que isso serviu para alguma coisa. Algumas pessoas o viram correndo atrás de mim, e dois garotos acordaram o Inácio aqui no castelo. Logo, não era o Inácio que estava atrás de mim, o perseguidor foi para o outro lado totalmente oposto ao castelo. Não daria tempo de você ter chegado aqui Inácio. Maria finalmente deu um meio sorriso. -E isso te inocenta das acusações da minha tia de que foi você que a perseguiu. – Ela comentou. Inácio beijou a testa dela percebendo que nem uma boa notícia apagaria o susto de Maria pelo que acontecera a Cláudia. -Eu pedi a Cláudia que fique aqui com a gente no castelo, para te fazer companhia, o que acha? – Perguntou ele tentando animá-la e deu certo. Maria abriu um enorme sorriso adorando a ideia. Quando Maria acordou, não encontrou Cláudia. Ia se preocupar, mas Inácio a abraçou e a jogou na cama para que se acalmasse. -Ela saiu cedo.
-Sozinha? -Não, o Stanley esteve aqui para pegar o depoimento dela e a levou. Fique tranquila, está tudo bem. Maria respirou fundo, estava ficando paranóica. Então Inácio começou a beijá-la e ela não resistiu, esqueceu-se de tudo o que estava acontecendo e se entregou a ele por completo: corpo, alma e mente. Ele ficou um tempo a beijando docemente e passando as mãos por seus cabelos, logo sorriu maliciosamente. Maria levantou um pouco a cabeça o encarando: -O que foi? Inácio a puxou para mais junto dele e beijou com voracidade, o desejo tomando conta de seus lábios. -Você ainda sente dor? - Perguntou ele no ouvido dela. -Eu não me importo com essa dor. - Respondeu. Ele sorriu ainda mais travesso que antes. -Ótimo, porque não pretendo pegar leve com você dessa vez! -E alguma vez você pegou? - Respondeu Maria assustada. Ele deu uma gargalhada e se jogou em cima dela, rasgando sua camisola ao tirá-la, beijou-a ainda mais intensamente, levantou-se e puxou as cortinas deixando o quarto escuro. Pulou na cama ao lado de Maria, e ela nem teve tempo de prestar atenção em mais nada antes que ele a puxasse jogando o corpo dela sobre o dele, enquanto ela sentia ser invadida por ele. Ele não pegou leve, como avisara, estava intenso, quase selvagem. Maria sentiu novamente que era inteiramente feliz quando estava com ele. No começo da tarde, Cláudia apareceu: -Eu fui a Ponta Bela, essas cidades juntas são do tamanho de um ovo! – Reclamou. – Mas enfim, fui perguntar na agência de entregas, e eles me garantiram que seu celular já foi entregue. -Eu não o recebi. -Foi entregue na casa da sua tia, deve estar lá. Maria bufou por ter que voltar a casa da tia, mas era bom que pegava as coisas que havia deixado lá. Se aprontou e foi com Cláudia procurar o celular, Cláudia estava ansiosa para conhecer a tia mala de Maria. Maria empurrou a porta, sabia que estaria aberta, como Marta sempre deixava. Encontrou Marta no sofá enrolada em um lençol e com cara de poucos amigos. Ela pretendia não falar com a tia, mas acabou perguntando: -Está tudo bem? -Não. Não está. Eu quase fui presa por sua causa, Maria. Nem posso mais sair na rua. -E eu quase morri por sua causa. A senhora sabia que aquela droga pode matar, não sabia? -Eu não sei do que está falando. – Respondeu ela virando o rosto. -Eu só vou pegar minhas coisas. – Falou Maria que entrou e juntou tudo o que tinha deixado na casa quando ia saindo, parou novamente em frente a tia – A senhora por acaso recebeu alguma encomenda para mim? -Não. Não chegou nada para você. -Por favor, tia, é importante. -Eu já disse que não chegou nada! Se tivesse chegado, mesmo que eu tivesse jogado fora eu diria. Maria desistiu de tentar falar com a tia e saiu com Cláudia da casa. Elas iam encontrar com Inácio na sorveteria, mas quando viraram a esquina, avistaram o carteiro da cidade. Cláudia rapidamente
correu atrás dele -Moço. Boa tarde, o senhor por acaso não tem uma encomenda para Maria Carolina Medeiros? -Não, hoje não tenho nenhuma encomenda, só cartas. Maria aproximou-se dele. -E por acaso não teve uma encomenda para mim nesses últimos dias? Eu sou Maria Carolina Medeiros. O homem pareceu em dúvida. Pegou uma prancheta de sua bolsa e olhou, então abriu um sorriso. -Sim, claro. Eu tive uma encomenda entregue para Maria Carolina Medeiros, foi há alguns dias. -O senhor disse que a encomenda foi entregue? – Perguntou Maria. Ele assentiu. -Mas eu não recebi nada. E minha tia também não. O homem olhou novamente a prancheta, então falou: -Não foi recebido por sua tia. Foi recebido pelo seu namorado. Maria imaginou Inácio recebendo a encomenda na casa de Marta, não fazia sentido algum. -Meu namorado não recebeu encomenda alguma. -Recebeu sim, ele disse que era seu namorado, ele até assinou. O homem mostrou a elas a assinatura, e quando Maria olhou, sentiu sua respiração falhar. De forma bagunçada e impossível de entender, a rubrica de Álvaro estava na folha, a mesma que ela o vira assinar na biblioteca. Ele havia recebido seu celular. Maria andava tão depressa que Cláudia tinha dificuldades de acompanhá-la carregando as coisas que ela deixara para trás no momento em que vira a assinatura. -Maria não vai atrás dele! Eu não vou me aproximar dele! – Resmungava Cláudia que estava com medo de Álvaro após a noite anterior. Mas Maria nem ouvia, ela andou até a casa de Jessica e bateu apressadamente na porta. Finalmente, Jessica a abriu. -O que aconteceu? -Onde está o Álvaro? – Perguntou Maria. -O que quer com ele? -Quero que ele me explique isso. – Respondeu Maria entregando a Jessica a folha assinada. – Você conhece essa rubrica Jessica, quero saber por que ele pegou meu celular. Isso é roubo sabia? Ele não vai querer mais uma queixa contra ele. -Se acalme Maria! Ele não está aqui, mas eu vou falar com ele e ver o que descubro. Mas não foi ele, essa não é a rubrica dele. -Jess, você sabe que é. -Não! Não é. Maria bufou. -Diga ao Álvaro que se meu celular não estiver em minhas mãos hoje, eu vou a delegacia dizer que ele estava em sua casa. À noite, após o jantar, Maria e Cláudia tentavam acalmar Inácio que estava inconformado que Álvaro tivesse pego o celular de Maria. Ele queria procurá-lo e elas tentavam convencê-lo a ficar. Foi quando ouviram a voz de Jessica chamando no portão. Maria e Inácio foram recebê-la. -Aqui está. – Falou ela entregando uma caixa a Maria. -Eu sabia. -Não estava com o Álvaro, só para você saber. Eu o encontrei na casa da sua tia, você devia deixar o Álvaro em paz.
Maria a encarou: -Não estava com o Álvaro? Você tem certeza? Jessica abaixou a cabeça. -É tudo o que eu tenho para dizer. – Então saiu andando. Maria olhou triste para Inácio. -Até quando ela vai fechar os olhos e protegê-lo? -Isso vai passar Maria, uma hora ela acorda. -Espero que isso não aconteça tarde demais. Alguns dias depois das tentativas de Moisés de encontrar as cartas, ainda não havia conseguido nada. Certa tarde, enquanto Maria e Cláudia faziam compras no mercado, ele chamou as duas num canto. -Eu não consegui nada. A Jess não me deixa nem tocar nesse assunto. Mas sei que ela também não sabe onde estão as cartas, então não tem como entregá-las ao Álvaro. E está preocupada por isso. -Ela não sabe? Se ela procurou e não encontrou nada, as cartas só podem estar com a dona Ester. – Falou Maria. -É o que eu acho também. E Maria, ela sente sua falta. Maria abaixou a cabeça. -Ela sabe onde eu moro Moisés. Após sair do mercado, deixou Cláudia e resolveu fazer uma visita. Ela andou o mais depressa que pôde, rezando para que seu plano desse certo. Finalmente chegou ao seu destino, a casa de Jessica. Bateu levemente na porta, e para sua sorte, quem atendeu foi Ester, justamente quem ela procurava. -Preciso falar com a senhora. -Eu não vou permitir que a Jessica entregue as cartas àquele monstro Maria. Elas estão em segurança. -Na verdade, eu preciso que a senhora me entregue as cartas. Elas são a única prova da inocência do Inácio. Por favor, dona Ester, precisamos entregá-las a polícia. Ester abaixou a cabeça. -Eu não posso querida. Ele foi bem claro, eu não me importaria de partir se fosse para colocar aquele monstro na cadeia, mas ele deixou claro que se mais uma dessas cartas for descoberta a Jessica morrerá. – Os olhos de Ester se encheram. - Eu sinto muito, mas por mais que queira, não posso fazer nada. -Tudo bem. – Falou Maria tentando acalmá-la. – Vamos encontrar um jeito. Enquanto acalmava Ester, Inácio apareceu para buscá-la. -A Cláudia disse que você saiu de repente, achei que estaria aqui. – Falou ele, então olhou para Ester – Está tudo bem? Ester apenas segurou a mão direita dele e olhou em seus olhos: -Não deixe aquele mostro se aproximar da Maria, Inácio. Não a deixe sozinha nem por um segundo. Ele está obcecado por ela, vai tentar matá-la, eu tenho certeza. Você precisa protegê-la! -Eu vou dona Ester. Pode ter certeza disso. Maria estava calada e mais pensativa que o normal. As palavras de Ester não saíam de sua cabeça. A única prova da inocência de Inácio mataria Jessica caso fosse descoberta. Como eles fariam agora? Como eles provariam quem era Álvaro de verdade? Àquela altura do campeonato ela nem tinha coragem de servir de isca novamente para ele, ele era louco, mal, perigoso demais. Afastou-se de Inácio por um segundo para ir ao corredor de frutas, no mercado achou que estaria bem, que todos estariam vendo, mas no segundo em que não viu mais Inácio, Álvaro se aproximou
dela. Ele a puxou num canto. -Eu vou falar uma vez só. Ou você para de procurar essas cartas que não são da sua conta ou algumas pessoas dessa cidade vão desaparecer. Começando pelo seu querido amigo que anda perseguindo minha namorada! Maria encarou Moisés no balcão que havia acabado de perceber o que estava acontecendo. Quando olhou para Álvaro novamente, ele havia desaparecido.
Capítulo 23 Moisés correu atrás de Álvaro, mas não conseguiu alcançá-lo. Voltou para perto de Inácio, que abraçava forte Maria, que parecia em choque. -O que ele falou com você? Maria! – Gritou Moisés. -Não grite com ela! Ela precisa de um tempo. – Reclamou Inácio. Quando Stanley e Jessica se aproximaram vendo a confusão, Moisés foi logo gritando com Stanley. -Como um homem perigoso como ele, foragido, pode se aproximar de sua principal vítima desse jeito! Cadê a segurança que você prometeu? -Fica calmo Moisés, eu estou fazendo o que posso. – Defendeu-se Stanley. -Não está fazendo o suficiente! Ele poderia tê-la matado Stanley! Ele passou muito perto! – Falou Inácio tentando controlar sua raiva e não gritar para não assustar ainda mais Maria que tremia em seus braços. -Maria, o que ele te disse? – Perguntou Stanley, mas Maria parecia realmente em choque – Maria! Por favor! O que ele disse? -Ele não a machucou. – Defendeu Jessica, mas percebendo que Maria parecia realmente assustada, aproximou-se dela e segurou sua mão – Maria pode falar. Eu prometo acreditar em você, o que ele te fez? Por que está tão assustada? Maria a encarou, precisava ter forças, ter coragem, Jessica precisava se afastar de uma vez por todas de Álvaro. E Moisés precisava ser avisado, ou não precisava? Ainda pensava o que seria melhor para ele, mas percebeu que não gostaria de ser a última a saber se a ameaçada fosse ela, era bom que Moisés tomasse mais cuidado dali em diante, até a prisão de Álvaro. -Ele disse, que seu eu continuar procurando as cartas, algumas pessoas da cidade vão desaparecer. – Ela parou de falar e encarou Moisés – Começando por você, Moisés. Ele acha que você está perseguindo a Jessica. Moisés engoliu em seco enquanto Jessica parecia incrédula. Ela não disse nada, apenas encarou Moisés com certa culpa e saiu correndo. Moisés queria ir atrás dela, mas não teve forças. Ele era o próximo, e sabia que dessa vez Álvaro não jogaria para machucar, ele queria parar Maria, e assustála não estava resolvendo, teria que pegar mais pesado. Maria e Inácio esperaram que Moisés implorasse a eles que deixassem de lado a história das cartas, e Maria até começou a tentar acalmá-lo. -Eu não vou mais procurar as cartas Moisés. Vamos encontrar outro jeito de encurralar o Álvaro. O que não falta são crimes que ele cometeu que poderemos usar. -Tudo bem Maria. Se ele está atrás de mim é melhor do que estar atrás da Jessica, ou de você. Você não precisa se render às chantagens dele, se ele quer que você pare de procurar as cartas, é porque elas vão provar que ele é o verdadeiro assassino. -Moisés eu não vou colocar você em risco... -Ele está certo, Maria. – Falou Stanley – O que precisamos fazer é encontrar as cartas de uma vez e acabar logo com isso. Mas precisamos fazer isso sem que ele saiba. -Isso é loucura! É claro que ele vai saber se continuarmos procurando as cartas. Elas estão com a dona Ester, ele pode tirar dela quando quiser. Nem sei por que ainda não fez isso. Não podemos brincar com ele. – Ao perceber que Stanley e Moisés pareciam irredutíveis, encarou Inácio esperando que ele tivesse o mesmo ponto de vista dela, mas ele também parecia pensar como os
garotos. -Maria, eu sei que é perigoso, mas mais perigoso é deixá-lo solto. Parar de procurar as cartas agora é fazer o que ele quer. Deixá-lo livre. Chega de contradições na sua vida, lembra? Precisamos detê-lo. Se ele não tirou as cartas da Ester é porque ele sabe que estão seguras com ela. Ele sabe que ela não vai entregá-las. Inácio olhou para um canto e Maria, despistadamente seguiu seu olhar. -E não vai mesmo! – Continuou ela - Ele está ameaçando a Jessica! -Então talvez ele não precise saber que ela nos entregou as cartas. Nós só precisamos fazer tudo direito. -Nós não podemos Inácio! Se cometermos um erro, um erro qualquer, são três vidas que estaremos entregando a ele. Ele foi claro, ele vai matar o Moisés, a Jessica e a dona Ester se mais alguma carta aparecer e se a gente não parar agora! Stanley parecia não acreditar que Maria fosse se acovardar depois de tanto esforço, de tanto risco. Ele a encarava incrédulo, mas ela parecia decidida a não arriscar, e o fato era que sem a ajuda dela, seria muito mais difícil encontrar as cartas. -Eu proíbo qualquer um de vocês de sequer falar sobre essas cartas novamente! - Esbravejou ela. Á noite, Inácio e Maria aguardavam ansiosos na sala do castelo, que estava bem iluminada por várias velas. -Você acha mesmo que ele não percebeu nada? – Perguntou Maria preocupada, como ela dissera, qualquer erro deles e três vidas seriam entregues a Álvaro. -Claro que não! Nem mesmo o Stanley e o Moisés perceberam. Finalmente Stanley e Moisés apareceram. Eles haviam combinado o mais disfarçadamente possível, mesmo assim ainda corriam o risco de Álvaro descobrir a reunião secreta, Stanley botou dois policiais à paisana, próximo à casa de Jessica e dois próximos a casa de Marta, o que Maria achou quase uma confissão de que alguma coisa estava acontecendo. Contavam com o senso de Álvaro de não aparecer próximo ao castelo após a ameaça de mais cedo. Mas Maria sabia que não podiam contar com nada que os ajudasse vindo de Álvaro. -Essa reunião não deveria estar acontecendo. – Alertou Maria. -O que deu em você Maria? Desde quando é tão medrosa? – Perguntou Stanley com certo desapontamento na voz. -Vocês não entenderam nada. - Respondeu ela. Stanley e Moisés estavam realmente confusos, então Cláudia chegou com o café que tinha preparado. -É muito simples, o Álvaro estava por perto ouvindo a conversa. Eu o avistei e a melhor forma de despistá-lo foi fazendo-o acreditar que não vamos mais procurar as cartas por causa da Maria. – Explicou Inácio. Stanley abriu um enorme sorriso concordando com o plano improvisado: -Claro! Desse jeito ele passa a vigiar a Maria e nós ficamos livres para encontrar as cartas. -Eu não quero ficar parada enquanto vocês fazem tudo! – Reclamou Maria. Cláudia se aproximou dela com o café, mas no mesmo instante, Maria sentiu seu estômago revirar e virou o rosto batendo a mão na xícara. -O que foi? - Perguntou Inácio preocupado. -Eu não comi nada o dia inteiro. Acho que estou meio fraca. -Você precisa se alimentar Maria. Mais um motivo para você ficar longe disso tudo. Isso tudo te afeta demais!
-Eu não vou ficar longe! Nós chegamos juntos até aqui! Vamos finalizar tudo juntos. Inácio ia discutir, mas Cláudia o interrompeu com um sorriso travesso nos lábios. -Não se preocupe Inácio, ela vai querer ficar longe. Eu vou buscar algo para você comer Maria, precisa mesmo se alimentar. Maria e Inácio a encararam sem entender a certeza dela de que Maria se afastaria da busca pelas cartas, mas focaram em Álvaro e as provas contra ele. -Stanley, e a análise do sangue? Já deve estar pronta, não está? – Perguntou Maria. Ela percebeu o sorriso no rosto de Stanley sumir no mesmo instante. -Na verdade, sim a análise está pronta. -E o que deu? – Perguntou ela impaciente. -Eu não sei, não deu tempo de eu ver. A análise do seu sangue foi roubada Maria, junto com a amostra do seu sangue que nós tínhamos. Moisés recomeçou a gritar reclamando sobre a segurança de Stanley, como era possível que Álvaro tivesse conseguido roubar a amostra e a análise do sangue dentro do hospital sem ser pego? Enquanto ele e Stanley discutiam, Maria e Inácio se olharam, ela não sabia bem o que sentia, mas sabia que alguma coisa estava por vir. Coisa que não seria nada boa. Inácio parecia compartilhar sua intuição, pois parecia muito preocupado também. Na tarde seguinte, enquanto Inácio ia se encontrar com Stanley, para que tentassem conversar com Jessica, Maria bem que brigou para ir, mas tinha uma coisa em sua mente nos últimos dias que precisava esclarecer. Se a análise de seu sangue provaria que ela estava fantasiando o ataque de Inácio por causa da droga em seu organismo, devia ter alguma coisa parecida que explicasse os desmaios e as visões de Inácio matando Alessandra. Ele nunca se lembrava do que acontecia quando desmaiava e parecia confuso sempre que isso acontecia. O mesmo aconteceu a Maria quando fora drogada, ela desmaiou e não se lembrava bem do que havia acontecido. As poucas coisas de que se lembrava, não sabia dizer se eram reais ou ilusão. Inácio poderia estar tomando alguma droga após a morte de Alessandra? Algo que o fizesse desmaiar, esquecer as coisas e ter visões de coisas que ele não havia feito? Era a única explicação que Maria conseguia encontrar, ele estava de alguma forma, se drogando. E se conseguisse encontrar qualquer prova que fosse, sobre sua teoria, poderia inocentar Inácio sem precisar das cartas. Não condenaria Álvaro, porém, com Inácio livre de uma vez por todas do assassinato de Alessandra, seria mais fácil provar a culpa de Álvaro. Ela procurou pelo quarto de Alessandra, mas não encontrou nada. Então voltou desanimada para o quarto de Inácio. Sentou-se na cama e ficou observando o quarto, de repente foi como se algo gritasse dentro dela: o quarto! Se Inácio tomava algum remédio que provocava as alucinações, ele tomava até pouco tempo atrás, até os ataques a ela, e a Lucena, que ele não sabia se havia sido ele. Não estaria no quarto de Alessandra, onde ele não ia há anos, estaria no quarto dele. Ajoelhou-se em frente a cômoda e sentiu um peso no peito, iria mesmo revirar as coisas de Inácio? Não havia outra saída, precisava fazer aquilo. Ela abriu as gavetas e começou a retirar cada papel prestando toda atenção possível, mas eram apenas livros velhos, papéis empoeirados de compras, notas fiscais e cupons de promoção antigos que nem estavam preenchidos. Maria revirou as roupas, sacolas, malas, tudo o que encontrou, mas não havia nada. Nenhum sinal de qualquer droga nem coisa parecida. Ela sentiu novamente seu estômago embrulhar, o bacon que comera no almoço não havia lhe caído bem e depois de uma tarde inteira, no empoeirado quarto de Alessandra, não podia mesmo esperar se sentir bem. Correu ao banheiro com ânsia de vômito, mas era apenas um mal estar. Abriu o armário de Inácio para procurar algum remédio para enjoo, era a primeira vez que abria aquele armário, ela sempre andava com a própria escova, fio dental e pasta de dente, sempre carregava suas coisas de higiene,
nunca usara nada dele. Estranhou ao perceber a quantidade de comprimidos que havia no armário dele. Estavam em pequenos potes transparentes, os comprimidos estavam aos montes. Pegou um dos potes e leu a prescrição colada nele, dizia apenas Benzil-Piperazina, nada mais. Nenhuma posologia, nenhum efeito colateral. Todos os outros remédios tinham a mesma escritura, apenas o nome. Pegou um frasco e jogou no bolso de seu casaco, sabia o que fazer. O vento gelado do fim da tarde no rosto de Maria estava lhe fazendo bem. Seu enjoo havia passado e não se sentia mais fraca, sem falar que andar lhe causava uma fome que há muito tempo não sentia. Passou pelos cochichos e olhares pelo caminho, já nem se incomodava mais, e parou diante de seu destino: a biblioteca. Assim que entrou, avistou Jessica no balcão, que se levantou no mesmo instante, mas resolveu não discutir naquele momento, tinha coisas mais importantes para resolver, precisava descobrir o que era o remédio que Inácio tomava e, como na cidade não havia internet, teria que descobrir à moda antiga, num livro, ou numa balsa. Ela foi até a ala onde havia livros sobre ervas e começou a procurar, havia muitos livros e levaria muito mais tempo do que imaginava. Pensou em levar todos os livros para o castelo, mas Jessica não a emprestaria. Ela nunca se preocupara em abrir uma ficha na biblioteca, como poderia levar os livros? Foi então que Jessica apareceu atrás dela: -Procurando alguma coisa? Maria se sobressaltou com a voz repentina dela, mas fingiu que era apenas uma bibliotecária ajudando uma leitora totalmente perdida. -Procuro algum livro que possa verificar o que é esse remédio. – Entregou a Jessica o pote com o nome estranho. Jessica encarou o nome por algum tempo. -Onde arranjou isso? -Por favor, apenas me ajude a encontrar. Jessica concordou cabisbaixa e Maria percebeu que ela se chateava que não pudesse mais saber seus segredos. -Você sabe se isso é algum tipo de droga ilícita? Ou um remédio receitado? Maria não havia ligado as coisas até aquele momento, mas assim que Jessica comentou, percebeu que Inácio poderia estar se drogando com alucinógenos, sem saber que o estava fazendo. E se ele estivesse tomando algum remédio? -Eu não sei se foi receitada, mas acredito que seja algum remédio alucinógeno. Jessica encarou Maria por um tempo. -É o que sua tia usou para drogar você? Maria a olhou de volta com uma expressão que deixava claro que não entraria em detalhes sobre o remédio. -Por favor, Jessica, é importante. Jessica devolveu o frasco a Maria e retirou um enorme livro de capa verde e colocou sobre a mesa. Abriu verificando o índice e em seguida abriu numa página empoeirada para Maria. -Você deu sorte que isso não queimou no incêndio. – Falando isso Jessica olhou as mãos de Maria, as marcas de queimadura já estavam bem melhores, quase invisíveis. Maria agradeceu e esperou Jessica se afastar para ler o que procurava, estava escrito: O Benzil-Piperazina é uma droga que provoca alucinações, perda de memória e sensação de ilusão misturada à realidade. Ela traz a tona o que você mais tem medo e te faz cometer aquilo que teme, ou revelar suas culpas e ter perda momentânea de memória. Durante a “viagem” do efeito da droga, é possível se movimentar e agir como se estivesse acordado, mas raramente o cérebro registra
o que você vê ou faz durante a “viagem”. A droga foi proibida no ano de 2000, mas ainda é permitida em alguns países da Europa. Maria permaneceu imóvel por um tempo, tinha uma prova da inocência de Inácio o tempo todo e nunca a usara. Como não encontrara aquilo antes? Só então, quando ia saindo de volta ao castelo, Jessica chamou por ela no balcão. Aproximou-se e agradeceu a ajuda. -Era aquilo mesmo que você procurava? -Obrigada de verdade, Jessica. – Maria virou-se para ir andando, precisava encontrar Inácio e Stanley e contar-lhes a novidade, mas Jessica a chamou: -Maria, espera! Eu preciso falar com você. Nesse momento Stanley entrou na biblioteca. -Maria! O Inácio está feito louco atrás de você! – Falou ele e fez sinal com o braço para que Maria o seguisse. -Desculpa Jessica, falamos outra hora, eu preciso ir. – Ela foi se afastando, mas Jessica a chamou novamente: -É muito importante, eu quero falar Maria. Vocês não queriam que eu dissesse tudo o que eu sei? Eu estou disposta. Estou disposta a falar a verdade para defender você. Maria e Stanley pararam no mesmo instante. -Assim de repente? Por quê? – Perguntou Maria desconfiada. -Não é de repente, venho tentando te contar isso há muito tempo, mas não achava o momento certo. Stanley puxou Maria de volta para perto do balcão e se sentaram nas banquetas. Jessica deu um jeito de despejar as poucas pessoas que estavam na biblioteca dizendo que iria fechar mais cedo e fechou a biblioteca para que tivessem mais privacidade para conversar. Ela se sentou do outro lado do balcão e encarou Maria, parecia tensa. -Pode falar Jessica, diz o que você quer dizer. – Falou Stanley ansioso. -Eu vi quem colocou fogo no galpão aquele dia Maria, e não foi o Álvaro. Eu não quis contar antes porque estava com medo e não queria magoar você. Mas quem colocou fogo no galpão foi o Inácio. -Isso é ridículo! – Gritou Maria no mesmo instante. Stanley a segurou para que se acalmasse. -Isso não faz o menor sentido Jessica, e não seria a primeira vez que você acusa alguém inocente de ter colocado fogo no galpão. – Falou Stanley. -Eu não estou mentindo. O Álvaro me contou tudo, desde a morte da Alessandra, o Inácio e a Alessandra estavam brigando e o Inácio começou a tomar um remédio para ajudar a dormir, mas era uma droga alucinógena, que o fazia sair do controle e ele atacava a Alessandra. Ele a agrediu algumas vezes antes da morte dela. E no dia da morte dela, ele estava drogado. Assim como cada vez que alguém foi atacado. Maria queria correr dali, mas Stanley a segurava. -Isso não é possível Jessica, o Inácio foi visto minutos antes do assassinato. Não pode ter sido ele. – Defendeu Stanley. -Ele foi visto minutos antes da hora em que ela foi dada como morta, mas não foi exatamente a hora em que ela morreu, ela morreu duas horas antes do que saiu no laudo, foi o tempo que o Inácio levou para esquartejá-la e espalhar os pedaços. Mas ela já estava morta quando ele fez isso. Ele a matou e foi buscar o Álvaro na rodoviária e depois voltou ao local e ficou em choque porque não se lembrava do que havia acontecido. Mas ele também não se lembra do que estava fazendo antes de ir buscar o Álvaro. Stanley encarou Maria e ela percebeu que ele estava começando a ponderar a hipótese.
-Isso é ridículo! Ela está tentando livrar a cara do Álvaro! -Maria, o Álvaro veio para essa cidade para tentar proteger você do Inácio. Ele, e um médico de Ponta Bela cuidam dele de longe e quando ele soube do seu envolvimento com ele, resolveu vir alertá-la. -Ele me ameaçou! – Gritou Maria. -Você tem certeza? Porque só você viu isso, e você estava drogada! – Gritou Jessica. -Eu não estava drogada quando ele começou as ameaças Jessica! -Como você pode saber? A droga que sua tia usou demora meses para fazer o efeito que fez em você, para provocar desmaios e alucinações tão fortes. Ela começa com alucinações mais fracas, como as que você tinha com alguém te perseguindo, ou quando sonhava com a Alessandra. -E as cartas da Alessandra? -Não foram escritas pelo Álvaro. O Inácio foi quem as escreveu, ele bolou tudo para que a culpa caísse no Álvaro porque não aguentava a dor do que tinha feito. Ele fez o casal Damasceno acreditar que o Álvaro escrevia as cartas, mas minha mãe descobriu a verdade e pegou as cartas falsas para não livrar o Inácio, e ele a matou! -Não é verdade! – Gritou Maria. -Você sabe que é! A letra nas cartas não é do Álvaro, Maria. A letra dos bilhetes anônimos que você recebia tentando te alertar é dele, são letras totalmente diferentes e você sabe disso! Percebendo que Stanley parecia acreditar em Jessica, Maria ficava cada vez mais desesperada. -E a reação da Vitória quando o viu? Ela o reconheceu! – Argumentou Maria. -Ela se assustou, no dia em que os pais dela foram assassinados o Álvaro foi o primeiro a entrar na casa, ela marcou o rosto dele a tragédia, isso não quer dizer nada! -Ele tentou me agredir no castelo. Você lembra Stanley. -Ele estava bêbado, Maria. – falou Stanley - E você nem fez questão de dar queixa depois. -Eu não sabia que tinha que dar queixa. -Maria eu sei que é difícil, mas o Inácio é o assassino da Alessandra. Quando o Álvaro voltou para a cidade, ele ficou com medo do Álvaro contar tudo, então pôs fogo no galpão para salvar você e ficar como o herói. Funcionou, a dona Lucena voltou a acreditar nele e com ela metade da cidade. Foi fácil para ele jogar a culpa no Álvaro com um diário da Alessandra que ninguém sabe se é realmente dela. Você acha mesmo que ele está naquele castelo há tantos anos e nunca descobriu aquelas cartas? Nunca leu aquele diário, Maria? Você é mais esperta que isso, precisa aceitar! -Isso não é verdade! – Falou Maria sentindo as lágrimas escorrerem. Ela encarou Stanley, mas ele desviou o olhar - Stanley você não percebe que ela está mentindo? Eles combinaram isso, cada resposta na ponta da língua. -Ou talvez ela esteja falando a verdade. A verdade é que o laudo realmente foi revelado à imprensa com a hora em que ela foi encontrada, mas ela foi morta duas horas antes! E ninguém viu o Inácio nesse período de tempo. Seria difícil ele ter tido tempo, mas não impossível. -Stanley! – Repreendeu Maria. -Jessica, você tem alguma prova do que está falando? -A Maria tem. Ela está com o remédio, o alucinógeno que o Inácio toma. Maria encarou Jessica sem reação. -Posso ver Maria? – Pediu Stanley. Ela tirou o pote do bolso e o entregou a Stanley. Ele encarou o remédio atônito. -Onde encontrou isso? Essa droga é expressamente proibida, é um alucinógeno forte Maria. Onde encontrou?
-No armário do Inácio. – Respondeu ela com a voz bem baixa. Stanley se levantou e deu algumas voltas. -Maria, você precisa aceitar que faz sentido, o dia em que preparamos a armadilha não daria tempo do perseguidor ter fugido, e o Inácio estava lá. -Mas ele não estava com o machado. -Mas eu não vi machado algum, Maria! Nem durante a perseguição! Isso pode ser coisa da sua cabeça. -Eu não sou louca! -Eu não estou dizendo que seja. Mas todos os álibis do Inácio desde então podem ter sido criados pela sua cabeça, todos estão ligados apenas a você. -Não a perseguição da Cláudia. Os moradores da cidade correram atrás do perseguidor, não era o Inácio, ele estava comigo. -Estava mesmo? Porque você estava dormindo. -A Cláudia disse que não daria tempo do Inácio ter chegado ao castelo se fosse ele, o perseguidor correu para o outro lado. -Há um atalho para o lado que o perseguidor entrou que vai dar muito próximo ao castelo, por isso os meninos chegaram tão rápido a vocês. A Cláudia estava confusa, preocupada, disse qualquer coisa para te ver melhor, para que não se sentisse culpada. Mas pela hora do ataque, daria tempo tranquilamente do Inácio ter voltado ao castelo Maria. -O que você está falando? Não acredito que está achando que o Inácio é culpado. Ele pode não ter um álibi forte, mas você não tem provas suficientes contra ele, quais são as provas? Um foragido da polícia que rouba exames em hospitais e uma garota que já mentiu diversas vezes para protegê-lo? -É justo. Mas até sabermos qual lado está falando a verdade, é melhor você vir comigo. -Eu não vou com você. Eu vou para o castelo. -Maria, você não pode voltar para lá. – Alertou Jessica que parecia realmente preocupada. Stanley tentou segurar Maria, mas ela se soltou. -Vocês não mandam em mim! Não podem decidir por mim. -Maria, é perigoso. – Alertou Stanley. -Perigoso é o jogo que o Álvaro faz com a mente de vocês e vocês caem feito palhaços. Eu estou realmente decepcionada com você Stanley. Dizendo isso Maria correu de volta ao castelo. Chegando ao castelo, encontrou Inácio preocupado. Ela pulou em seus braços aos prantos. -O que houve? Maria, o que aconteceu? Ela retirou o remédio do bolso e o mostrou a Inácio. -Desde quando você toma isso? Inácio pareceu surpreso, mas respondeu: -Desde a morte da Alessandra. Me ajuda a dormir. -Quem te receitou esse remédio Inácio? -O Álvaro, por quê? Qual o problema? -Você tem uma receita? Inácio estranhou, mas abriu a porta da cômoda e retirou uma pasta preta de papel que estava em pé no fundo, pasta que Maria não tinha reparado quando revirara as coisas dele. Da pasta ele tirou várias receitas com uma letra conhecida de Maria: Tomar Benzil-Piperazina duas vezes ao dia todos os dias.
Dr. Álvaro Palinari Maria leu a receita assinada e carimbada por Álvaro, era mesmo a letra dele, Jessica estava mentindo. Abraçou Inácio, aliviada, e permaneceu em seus braços por um longo tempo. Inácio não sabia o que tinha acontecido, mas pela angústia com que Maria chegara, sabia que algo não estava certo. -O que aconteceu? - Perguntou ele quando finalmente a soltou. -O Álvaro, ele fez a cabeça da Jessica para que acredite que você é o verdadeiro assassino da Alessandra, e ela acabou convencendo o Stanley. Inácio ficou surpreso. -Como ele conseguiu isso? -Ele é um ótimo mentiroso, ele sabe como mexer com a mente das pessoas, sabe como ser convincente. Inácio ainda parecia não acreditar que Stanley estivesse desconfiando dele, não depois de tanto tempo. -Eu não entendo, como o Stanley pode desconfiar de mim? Ele não faria isso, Maria! A menos que a Jessica tenha apresentando alguma prova contra mim. - Então ele encarou Maria - O que ela fez Maria? Como ela o fez desconfiar de mim? Maria encarou a receita e o pote de remédio em suas mãos. -O Álvaro te receitou esse remédio antes ou depois da morte da Alessandra? -Depois, por quê? O que tem a ver? -Você tem mais receitas em nome dele? Mesmo que de outros remédios? -Maria o que está acontecendo? O que tem demais nessas receitas e onde encontrou esses frascos de remédio? -Você não toma mais esses remédios, toma? Inácio pareceu impaciente que Maria não respondesse suas perguntas. -Não. - Respondeu de má vontade – E eu tenho outras receitas de outros remédios e até desse mesmo, assinadas pelo Álvaro. -E não teve mais desmaios, nem alucinações? -Não. Será que dá para você me explicar o que está acontecendo? Maria se sentou e ele sentou-se ao lado dela, olhou-a de forma insistente, para que explicasse. -A tal prova que a Jessica e o Álvaro dizem ter contra você são esses remédios Inácio. Eles são feitos de uma droga alucinógena que provoca visões, desmaios, perda de memória. A pessoa que usa, não sabe distinguir realidade e ilusão, ela pode se ver fazendo o que mais teme e não se lembra do que fez depois, mas pode se movimentar enquanto está sob o efeito da droga. A prova que ele quer usar contra você é dizer que você estava drogado quando matou a Alessandra e fez os ataques. Mas a verdade é que você nunca se lembra de ter feito nada, porque nunca fez nada, ele estava vigiando você, se aproveitou de cada vez que você teve um desmaio, ou uma crise por causa da droga e fez com que você parecesse o culpado. Inácio estava perplexo. -Você está dizendo que as lembranças que eu tenho de ter matado a Alessandra... -Não são reais. São apenas seu medo e o efeito da droga pregando uma peça em você. Mas com essas receitas você pode provar que quem trouxe a droga para você foi ele, foi receitada por ele e você não sabia do que se tratava. Isso pode provar sua inocência Inácio. Não precisaremos mais das cartas.
Inácio ainda parecia em transe, mas sua expressão perplexa foi mudando para uma expressão de raiva. Ele se levantou num rompante: -Nós ainda precisamos das cartas Maria, precisamos colocar o Álvaro na cadeia. Maria apenas assentiu, podia entender que Inácio quisesse que Álvaro pagasse, e caro por tudo que fizera. Álvaro roubara a mulher dele, a vida que ele tinha, sua paz por tantos anos, tirara de Inácio todas as possibilidades de ter o que ele nunca tivera, amor. -Ele achou que podia me destruir Maria, ele fez tudo muito bem pensado, cada passo, para que ninguém desconfiasse de nada. Nem eu mesmo acreditava na minha inocência. Ele acabou com a minha vida, me fez perder minha família, me fez perder dez anos me culpando e me castigando por ter feito algo que eu não fiz. Ele não contava que você fosse aparecer. - A expressão de raiva de Inácio se amenizou quando ele se aproximou dela e segurou suas mãos. - Ele não contava que eu fosse amar novamente, que eu fosse reconstruir minha vida, ser feliz de novo. - Então Inácio sorriu - Eu amo você Maria, você é minha vida, minha alegria, a razão de cada sorriso, a razão da minha paz. Eu deixei que ele levasse minha vida uma vez, mas ele não vai fazer isso de novo. Antes de ele encostar em você novamente, eu juro que o mato. -Inácio, não fala assim! Você não é assim! Nós vamos colocar o Álvaro na cadeia de uma vez por todas, ele vai pagar pelo que fez. -Ele devia morrer Maria! Maria se assustou com a forma fria com a qual Inácio falava, nem parecia o Inácio que ela tanto defendia e amava. Ia argumentar, mas alguém chamou no portão e ela foi ver quem era. Moisés estava do outro lado do portão com uma expressão fechada e uma enorme cesta na mão. Maria pensou se sua expressão seria medo por saber que era a próxima vitima de Álvaro, mas parecia haver algo mais. Ela abriu o portão e ele a entregou a enorme cesta. -A dona Ester mandou para vocês. Maria sorriu ao abrir a cesta e ver várias guloseimas feitas por Ester, ela era muito amável. -Eu soube do que aconteceu. Os argumentos da Jessica sobre o Inácio e a reação no mínimo, ridícula, do Stanley. Maria se surpreendeu, foi um alivio ter mais alguém que também achava absurda a história de Jessica. Sabia que se Jessica começasse a espalhar aquela história, rapidamente Inácio seria visto como o assassino de novo. -Você acredita nele? -É claro! Está claro que o Álvaro está induzindo a Jessica a mentir. Antes de ir a rodoviária buscar o Álvaro, na hora exata em que a Jessica diz que a Alessandra foi assassinada, o Inácio estava comigo Maria. Ele foi ajudar a carregar minha mãe que passou mal, ele a levou até o hospital de Ponta Bela e de lá foi para a rodoviária. É impossível que ele tenha matado a Alessandra. Eu disse isso para o Stanley, mas a Jessica deve ter sido realmente convincente. -Você não faz ideia. - Respondeu Maria. - Mas que bom que você acredita nele. -Ela quer falar com você, a Jessica. Ela quer que você a encontre agora na casa dela. Maria virou o rosto. -Eu não vou a casa dela. O Álvaro ainda está foragido e claramente em contato com ela. Nem você deveria se aproximar dela por esses dias. -Eu entendo que você não queira ir, ela realmente não merece, mas acho que deveria. De uma forma ou de outra, as únicas provas que incriminam o Álvaro estão naquela casa. Não podemos desperdiçar uma oportunidade dessas. Sem falar que ela é sua amiga. Você deve isso a ela. Mesmo contra a vontade de Inácio, e deixando Moisés quase de babá dele para que ele não agisse
de cabeça quente, lá estava Maria sem ter certeza do que estava fazendo, caminhando até a casa de Jessica. Ela sequer tocara em nenhuma das guloseimas que Ester lhe enviara, deixou com Inácio, mas agradeceria pessoalmente. A reação das pessoas na rua ao olharem para ela, deixava claro que a história de Jessica já havia se espalhado. Enquanto umas a olhavam com pena, outros a julgavam. Parou em frente à casa de Jessica, rezando para que Álvaro não estivesse lá. Não estava com paciência para tolerar os joguinhos e as loucuras dele naquele momento. Ela também não achava que devia aquilo a Jessica pela amizade delas, não mais. Mas devia aquilo a Ester, prometera para ela que faria todo possível para afastar Jessica de Álvaro. E aproveitaria para agradecer a cesta. Pensar na cesta de Ester a fez sentir fome, lembrou-se que a horas não comia nada, talvez por isso estivesse se sentindo meio tonta. Quando Jessica abriu a porta, pareceu surpresa em encontrá-la. Não esperava que ela fosse depois de tudo. -O Álvaro está ai? - Perguntou antes de entrar. -Não, eu não chamaria você aqui se ele estivesse. Maria achou que Jessica parecia ainda mais tensa que nos últimos dias. -Estou aqui, o que quer? Jessica abriu o resto da porta e indicou que ela entrasse. Assim que entrou avistou Lucena. Por um momento, temeu que Jessica já tivesse feito a cabeça dela também, mas Lucena abriu um enorme sorriso e a abraçou, ainda usava um lenço na cabeça, mas Maria pôde ver as queimaduras em suas mãos, eram muito piores que as dela e dificilmente sumiriam algum dia. -Como está o Inácio? - Foi a primeira pergunta de Lucena para alivio de Maria. -Não muito bem. - Respondeu ela olhando torto para Jessica. -Maria, eu só disse a verdade. Eu não quero chatear você, só que não podia ficar calada... -Se você me chamou aqui para tentar me convencer dessa história absurda, eu vou embora agora mesmo, Jess. -Não, eu não te chamei por isso. Maria sentiu-se tonta de repente e precisou se sentar às pressas no sofá. Lucena e Jessica se aproximaram dela, preocupadas. -O que foi querida? - Perguntou Lucena. -Nada demais, acho que não comi direito hoje. - Olhou pela janela vendo a noite lá fora, nem se lembrava de quando havia comido pela última vez. -Você tem se sentido assim com frequência? - Perguntou Lucena -Não tenho me alimentado bem esses últimos dias, deve ser isso. Lucena encarou Jessica quase como que a acusando pelo estado de Maria. -Então eu vou buscar alguma coisa para você comer. - Falou Jessica indo até a cozinha. Ela retornou pouco depois com uma vasilha com uma sopa quente, mas assim que a aproximou de Maria, o cheiro da sopa fez seu estômago revirar, e ela correu até o banheiro colocando para fora o pouco que havia comido durante o dia. Lucena correu atrás dela para ajudá-la. Quando Maria lavou o rosto, recostou-se na pia para respirar. -A senhora acha que isso ainda é efeito da droga que minha tia me fez ingerir? -Dificilmente. - Respondeu Lucena a analisando. -Onde está a dona Ester? Eu preciso agradecê-la pela cesta que me mandou. -Que cesta? - Perguntou Lucena parecendo preocupada. -Uma cesta com algumas guloseimas, ela mandou para mim e o Inácio hoje mais cedo. -Quem te entregou essa cesta Maria? O que você comeu dela?
Maria estranhou a reação dela. -O Moisés entregou. Eu não comi nada da cesta, saí antes. O Inácio e o Moisés que devem estar comendo. Mas não precisa se preocupar, foi mandada pela dona Ester, não é nada perigoso. -Isso é impossível Maria, a Ester não pode ter mandado uma cesta para vocês hoje, ela não está na cidade. Está internada com uma crise nervosa há três dias. Desde a última vez que o Álvaro apareceu. Maria abriu a porta do banheiro e correu até a sala, Lucena a seguiu. Ao chegarem à sala, surpreendeu-se ao ver Moisés deitado no sofá, ele não parecia bem. -Moisés? O que faz aqui? E o Inácio? - Perguntou preocupada. Moisés apenas sorriu, parecia fraco, com sono. -O que há com ele? - Perguntou Lucena. -Nada demais, só está cansado. - Respondeu Jessica ainda mais nervosa do que antes. -Jessica eu amo você, por que fez isso comigo? - Perguntou Moisés - O que tinha naquela cesta Jessica? O que você fez? Antes que Maria desse conta, Lucena se aproximou de Jessica e a segurou firmemente: -O que você fez? A Ester não está na cidade, não mandou cesta alguma. Você entregou a cesta a mando do Álvaro? Jessica começou a chorar e não respondeu: -Jessica! Olhe para a Maria! Você sabe muito bem o que está acontecendo com ela! O que fez com o Inácio? Maria se aproximou das duas no mesmo instante. -O que houve com o Inácio? -Jessica! Há uma vida inocente em risco, o que você colocou naquela cesta? Jessica encarou Maria e olhou para a barriga dela, então falou aos prantos: -Eu não fiz nada! Ele me pediu ajuda. Eu só queria te proteger Maria, eu achei mesmo que afastando o Inácio de você seria mais fácil você esquecê-lo. Que assim você ficaria segura, o Álvaro me prometeu que vocês ficariam seguros se eu o ajudasse a tirar o Inácio da cidade. -O que você fez com o Inácio? - Perguntou Maria. -Você precisa correr, tem sonífero naquela cesta, ele vai tirar o Inácio da cidade, você não vai vêlo mais, nem você, nem seu bebê. Maria não entendeu o comentário, mas também não perguntou, preparou-se para correr no mesmo instante de volta ao castelo, precisava ajudar Inácio. Mas Lucena a segurou antes que ela saísse. -Você não pode ir, não pode enfrentar o Álvaro sozinha. -Eu preciso ir, ele vai matá-lo! -Você precisa se cuidar Maria, não pode arriscar assim a vida do seu filho. Maria a olhou como se ela fosse louca. -Que filho? -Você realmente não percebeu? Você está grávida, Maria. Todos nós já percebemos, você e o Inácio devem ser os únicos que ainda não se deram conta. -Eu não estou grávida, eu preciso ajudar o Inácio. Mas Jessica a segurou também. -Você está. O Álvaro pegou o resultado da sua amostra de sangue, você está grávida Maria. Por isso eu fiz tudo, para o Inácio não matar você e o bebê. Maria nem viu de onde tirou forças, mas quando deu por si, havia descido a mão no rosto de Jessica, que caíra no chão e chorava.
-Nunca mais encoste em mim! Você é louca! - Gritou e correu para o castelo, precisava fazer alguma coisa, qualquer coisa, mas precisava salvar Inácio. Estava quase sem fôlego quando finalmente chegou, logo atrás dela, ouviu o barulho de sirene, e Stanley e mais dois policiais desceram da viatura. -Onde eles estão? - Perguntou Stanley. -Eu não sei. Você precisa salvar o Inácio. - Pediu ela. Stanley pediu que ela esperasse do lado de fora e entrou com os policiais, eles correram em direção ao castelo, mas Maria avistou um vulto atrás do castelo e correu até ele, percebendo, Stanley correu atrás dela. Eles avistaram Álvaro descendo em direção ao riacho. No mesmo instante, Maria sentiu seu coração congelar. Ela se aproximou da beira da descida, mas por causa da escuridão, não era possível ver nada, Stanley começou a descer iluminando o caminho com uma pequena lanterna, foi quando ouviram um barulho e ele voltou imediatamente para perto de Maria apontando a arma na direção do barulho. Foi então que avistaram Álvaro carregando com dificuldade alguma coisa. Antes mesmo de Stanley falar, Maria avistou o cabelo de Inácio e correu até ele. -Inácio! Inácio! -Ele caiu no riacho. - Falou Álvaro - Mas eu o salvei. Maria teve vontade de empurrá-lo descida abaixo, mas estava preocupada demais com Inácio. Percebeu Stanley se aproximar de Álvaro com a algema nas mãos, mas ele simplesmente fez um gesto para que Álvaro fugisse, Maria levantou-se no mesmo instante. -O que está fazendo? -Ele acabou de salvar o Inácio, Maria, devia ser mais grata. -Você ficou louco? Não pode deixá-lo fugir! Ele dopou o Inácio, colocou sonífero numa cesta e nos enviou como se fosse um presente da Ester, ele ia sequestrá-lo, a Jessica me contou! Você não falou com ela? Stanley pareceu surpreso. -Não, apenas ouvi a dona Lucena gritando por ajuda e corri. Stanley então correu atrás de Álvaro, mas retornou pouco depois cabisbaixo: -Me perdoa Maria, ele se foi. Com a ajuda dos policiais e de Stanley, Maria conseguiu levar Inácio para dentro do castelo e o colocou em uma banheira com água quente. Chamou por ele diversas vezes, mas ele não acordava. Estava a sós com ele enquanto esperava que ele despertasse na banheira. Enquanto isso, Stanley estava na parte de baixo do castelo, arrependido ao ver as receitas que Maria lhe mostrara, todas as receitas de Álvaro. Embora estivesse muito constrangido por ter ajudado na fuga de Álvaro e por ter duvidado de Inácio, alertara Maria que aquelas provas poderiam até acusar Álvaro por receitar uma droga proibida, mas não inocentariam Inácio, que poderia perfeitamente ter matado Alessandra sob o efeito das drogas. Maria sentou-se no chão ao lado da banheira de Inácio. A água que ela havia fervido já estava esfriando e ele não acordava. Levantou-se para chamar Stanley para que pudessem tirá-lo da banheira e colocá-lo na cama quente, quando ele segurou sua mão. -O Álvaro! - Falou ele. -Está tudo bem. - Respondeu Maria aliviada o abraçando - Nunca mais me assuste assim. Reclamou ela. -Ele fugiu? - Perguntou Inácio. -Isso não importa agora. -Ele tem que pagar! -E vai, na hora certa. Mas você tem mais com o que se preocupar agora. Nós dois temos.
Inácio pareceu confuso. -Maria, o que pode ser mais importante do que fazer o Álvaro pagar por tudo que fez? -Nosso filho. - Respondeu ela passando a mão na barriga. Inácio a encarou incrédulo, foi levantar-se da banheira, mas Maria tentou impedi-lo. -Você ainda está fraco! Mas ele levantou-se assim mesmo, mesmo tremendo de frio e a abraçou: -Isso é verdade? Vamos ter um filho? Ela assentiu sentindo as lágrimas correrem. Nos olhos de Inácio, as lágrimas também corriam expressando a felicidade que ele não podia conter, então ele a beijou, de forma intensa e com todo amor possível, mais uma vez Maria estava fazendo dele o homem mais feliz do mundo.
Capítulo 24 A discussão no castelo estava acelerada entre Inácio, Stanley e Moisés. Inácio não perdoara o erro de Stanley deixando Álvaro escapar, mas sabia que precisava da ajuda dele. Devido à descoberta da gravidez, Maria decidira não ir mais atrás de Álvaro, não participaria da busca por ele e de nenhum dos planos que eles criavam. Apenas dava ideias, mas estava conformada em ficar o mais distante possível do assassino, precisava naquele momento proteger seu filho em primeiro lugar. Enquanto a gravidez de Maria a fizera sossegar em casa, ela mal saía na rua com medo de Álvaro, dera a Inácio um impulso a mais para pegá-lo, ele queria garantir que Maria e o filho estivessem seguros e sabia que seria impossível enquanto Álvaro estivesse a solta. Também era lembrado a todo momento por Stanley que Jessica daria queixa como sendo ele o responsável pelo incêndio no galpão, e ele poderia ser preso a qualquer momento, então tinha menos tempo ainda para encontrar Álvaro. Era uma tarefa difícil, já que ele havia desaparecido desde seu último atentado contra Inácio, e Jessica, que seria a melhor pista deles, estava trancada em casa, o que não os levava a lugar nenhum. O mesmo acontecia com Maria, que também se aquietou dentro de casa e não dava motivos para atrair o assassino. Ela bem que sentia vontade de sair sozinha a noite, ou bolar qualquer outra coisa para atrair de vez Álvaro, mas logo essa ideia passava ao lembrar-se do filho. Por mais chato que fosse ficar apenas assistindo tudo, era o que ela faria até tirar o filho daquele lugar. Uma manhã, Cláudia parecia estranha e fez com que Maria saísse de casa com ela. Ela inventava várias desculpas para que ficassem o maior tempo possível longe do castelo e elas foram para Ponta Bela. Lá, Cláudia inventou que Maria precisava de um vestido novo, e mesmo Maria dizendo que não precisava de nada, ela estava escolhendo entre os lindos vestidos de festa de uma loja. -Cláudia, o que está havendo? Eu não preciso de um vestido de festa, tenho vários. -Mas não tem nenhum que vá servir. -Servir para o quê? Cláudia fez uma expressão como se tivesse falado demais, e logo se explicou: -Servir em você. Se esqueceu de que sua barriga vai crescer? Logo, nada estará cabendo. Maria sabia que havia alguma coisa a mais, alguma coisa que Cláudia estava escondendo. -Tudo bem, não preciso de um vestido agora. Com tudo que está acontecendo eu não vou a nenhuma festa por um bom tempo. – Falou devolvendo o vestido que Cláudia havia separado. No mesmo instante, Cláudia zangada pegou o vestido de volta. -Você vai precisar sim! Poxa Maria! Pare de fazer perguntas e me obedeça, será que ninguém pode armar uma surpresa para você em paz? Maria caiu na risada. -Inácio. – Falou ela concluindo que ele deveria estar aprontando mais um daqueles jantares românticos para ela. – Tudo bem Clau, pode escolher meu vestido já que você sabe mais do que eu sobre a surpresa do Inácio. Cláudia fez uma careta e voltou a escolher um vestido enquanto Maria se sentou num canto da loja e ficou olhando a rua pela vitrine. De repente, enquanto passava a vista pelas pessoas e lojas na rua, avistou na esquina de uma loja, um vulto conhecido com seu usual capuz preto cobrindo o rosto, mesmo durante o dia. Sentiu sua respiração falhar e se levantou num pulo, quando olhou novamente havia desaparecido, mas Cláudia ligou para Stanley para que ele as levasse para casa. Maria resolveu não dizer nada a Inácio e pediu a Cláudia que também não dissesse, não queria preocupá-lo com algo que poderia ser apenas coisa da cabeça dela. Apenas seu medo falando.
Quando chegou ao castelo no fim da tarde, esperava encontrar uma linda sala de jantar, então correu até a sala de jantar, e nada. Foi até a cozinha, nada. Ela virou-se para Cláudia confusa, mas a amiga apenas a levou até o quarto fazendo-a tomar banho e se arrumar. Quando as duas já estavam arrumadas, Maria abriu a porta do quarto, mas Cláudia pulou em sua frente a impedindo de sair. -Não! Você não pode sair ainda! -Mas não há nada demais lá embaixo! Eu vi. Não deu tempo do Inácio arrumar tudo enquanto a gente se arrumava. -Não importa Maria. Daqui você não sai. – Insistiu ela. Maria bufou e se sentou na cama entediada. -E você e o Stanley? Acha que não percebo os olhares? Cláudia ficou vermelha. -Ele é mais velho. -Dez anos, grande diferença. A idade do Inácio. Isso não é desculpa para o seu medo de se envolver. Cláudia sentou-se ao lado dela. -Você já decidiu o que vai fazer da vida agora? Digo, depois que o assassino for preso, e seu bebê nascer. Você vai continuar morando aqui com o Inácio? Nesse fim de mundo? Maria ia responder, mas não sabia a resposta. Ela não queria ficar ali, mas não sabia se Inácio iria querer ir embora. Eles não haviam tomado nenhuma decisão sobre o futuro deles juntos. Ela não sabia onde seu filho nasceria, onde cresceria, ou como as coisas seriam quando toda tormenta fosse finalmente vencida. Então deu de ombros. -Tanto faz, estarei bem em qualquer lugar com o Inácio. -Você moraria aqui para sempre por ele? E privaria seu filho de conhecer a civilização? -Aqui não é tão ruim assim, Clau! -Claro que é. É por isso que penso antes de me envolver com Stanley, ele tem uma vida aqui, não vai abandonar a carreira, amigos, família e ir embora comigo. E eu não me vejo presa nesse fim de mundo por amor nenhum do mundo. -Nem mesmo pelo seu sobrinho, se eu for continuar morando aqui? Cláudia riu e abraçou a amiga dando um beijo leve por cima do vestido na barriga dela. Então dois leves toques na porta fizeram Cláudia se levantar num pulo. Ela correu até a porta e a destrancou e lá estava Stanley, pela primeira vez sem seu uniforme da polícia, com um terno elegante, como se fosse para alguma ocasião especial. -As senhoritas já podem descer. – Brincou ele. Cláudia chamou por Maria e segurou no braço de Stanley enquanto Maria os seguia. Ao chegar ao primeiro andar do castelo, avistou Lucena muito bem vestida num canto e Inácio muito elegante com uma blusa social, a barba feita, os cabelos penteados para trás e um sorriso enorme no rosto. Em seus olhos havia um brilho diferente. Aproximou-se dele quase que correndo, havia ficado longe dele o dia inteiro, estava com saudades. Ele a abraçou e beijou sua testa, então a girou lentamente admirando o vestido nela. -Você está maravilhosa. – Falou ele. Maria sorriu olhando o vestido que já não era tão apertado na cintura como os que ela costumava usar e dali para frente, sabia que os vestidos seriam cada vez mais largos. Mas o vestido da noite era prata, rodado do jeito que ela gostava, com uma tira de cetim na cintura e um decote que ela achara um tanto exagerado, mas Cláudia insistiu que estava lindo. -Vá aproveitando, porque em breve esses vestidos não caberão mais em mim. – Respondeu ela.
-Por pouco tempo, e você continuará linda mesmo quando sua barriga crescer. – Falou ele beijando-a. – Então, vamos? -Para onde vamos? -Para uma festa de noivado. – Respondeu ele. -Quem vai noivar? – Perguntou ela. -Maria, a curiosa. – falou Cláudia a empurrando para fora do castelo. Maria foi andando em direção ao portão, mas Inácio a puxou de volta. -Aonde você vai? -Nós não vamos a um noivado? – Perguntou ela confusa. -Vamos. Mas quem disse que é lá fora? – Respondeu ele guiando-a para a parte de trás do castelo. Maria não entendia nada, mas via as caras de riso de Stanley e Cláudia, que sabiam de alguma coisa. Como imaginava, a parte de trás do castelo estava muito escura, e não dava para ver quase nada. Era uma noite nublada e a lua estava escondida atrás das nuvens negras, impossibilitando que ela pudesse enxergar qualquer coisa. -Inácio, o que está acontecendo? Quando ela perguntou, algo a surpreendeu. Varias luzes espalhadas pelas árvores se ascenderam revelando as mesas de jantar preparadas por ele. Tudo extremamente romântico e impecável, como todas as outras vezes em que Inácio preparara algo do tipo para ela. Ela se aproximou das mesas, emocionada, havia luz no castelo finalmente. Tocou uma das pequenas lâmpadas e olhou para ele. E assim que viu a expressão de emoção no rosto dela, Inácio aproximou-se e se ajoelhou, entregando-a uma rosa vermelha. Maria pegou a rosa e a cheirou, foi quando pareceu ter sentido algo encostar-se a seu nariz. Ela encarou Inácio, mas ele apenas assentiu para que ela verificasse. Ela abriu a pétala central da rosa com todo cuidado, e lá estava, com um enorme brilho, um pequeno anel no centro da rosa. Maria pegou o anel emocionada, era de ouro branco, com uma pedra de diamante na ponta. Dentro do anel estava gravado “Maria e Inácio para sempre!”. Ela encarou Inácio contendo as lágrimas que ameaçavam cair de seus olhos, e ele segurou a mão dela, tirando o anel e colocando em seu dedo anelar, disse: -Maria Carolina Medeiros, aceita ser minha esposa, minha amante e minha amiga, em cada e em todos os momentos de nossas vidas, para todo sempre? Maria estava tão emocionada que não conseguiu responder, apenas continuou encarando Inácio. Vendo que ela não respondia, ele falou: -Não me assuste Maria. Você quer se casar comigo? Finalmente ela não conseguiu mais segurar as lágrimas e deixou que elas descessem por seu rosto e pingassem nas mãos de Inácio, que já estavam frias e apertando a mão dela. Só então se deu conta que ele ainda esperava uma resposta. -Claro que sim! Claro que quero me casar com você. – Respondeu ela finalmente, Inácio a levantou pela cintura e a beijou e assim que a pousou no chão, Lucena e Cláudia se aproximaram dela para parabenizá-la. Após a emoção e os comes e bebes, eles estavam em uma animada conversa quando Maria deu pela falta de alguém. -Por que vocês não chamaram o Moisés? -Eu chamei, ele disse que viria, não sei por que não apareceu. – Respondeu Inácio. Foi então que ouviram palmas vindas do portão. Inácio foi atender e retornou pouco depois acompanhado por uma figura triste e cabisbaixa. Jessica trazia uma pequena caixa na mão. Olhou para Maria com toda culpa do mundo, Maria
sentiu pena dela, não queria que a amizade das duas tivesse chegado àquele ponto. Jessica falou baixo, ainda olhando para Maria com cara de arrependimento: -O Moisés pediu para avisar que não pode vir porque está fazendo um favor para mim. -Não tem problema, senta Jess, come alguma coisa. Jessica pareceu surpresa com o convite de Maria, de alguma forma, sua expressão ficou mais viva. -Não, obrigada. Eu só vim te parabenizar pelo noivado. -Obrigada. Percebendo a tensão dela, Inácio se aproximou. -E não vai abraçar os noivos? Jessica deu um sorriso tímido e um rápido abraço em Inácio, Maria se levantou e se aproximou dela, e Jessica a abraçou por um longo tempo. Quando Maria sentiu as lágrimas dela molharem seus ombros, se afastou de Jessica e a olhou: -Por que está chorando? -Me perdoa Maria. Eu quase matei você, a Lucena, o Moisés, todas as pessoas que eu amo. Eu deveria ter acreditado em você, poderia ter evitado tanta coisa... -Tudo bem, já passou. O importante agora é que você se afaste do Álvaro e tudo ficará bem. – Falou tentando tranquilizá-la. Mas Jessica negou com a cabeça. -Não, não ficará. Eu vim aqui também para te trazer isso. – Jessica estendeu a pequena caixa para Maria. Maria pegou a caixa achando que era algum presente de casamento, mas quando a abriu, se surpreendeu ao encontrar quatro cartas, ela encarou Jessica sem saber o que dizer, não sabia se poderia ficar feliz por finalmente ter as provas da inocência de Inácio, ou se deveria ficar apavorada porque essas provas custariam a vida de Jessica. -Jessica, você não precisa... -São cinco cartas. – Interrompeu antes que Maria devolvesse as cartas – Essas são as cartas que a Alessandra enviou para minha mãe contando as ameaças do Álvaro. Aí só tem quatro porque a quinta, eu pedi ao Moisés que entregasse diretamente na delegacia de Ponta Bela, para que não haja perigo do Álvaro recuperá-la. A última carta Maria, foi enviada por ele dez dias antes do assassinato da Alessandra, explicando detalhadamente o que ele faria com ela. Ele não estava em outro país, ele estava na cidade. Nessa carta ele marcou um encontro com ela e disse que se ela não aparecesse ele a faria em pedaços e faria com que o Inácio fosse culpado. – A voz de Jessica falhou ao falar sobre a forma como Alessandra fora assassinada. – Ele disse também que o Inácio estaria sob controle e concordaria com tudo que ele quisesse, porque ele era o médico dele e o Inácio seguiria todas as suas recomendações. Maria e Inácio se olharam boquiabertos. -A essa altura essa carta já está nas mãos da polícia e você provavelmente está livre de todas as acusações, Inácio. Há também outra carta, escrita pela minha mãe, o culpando de qualquer coisa que acontecesse a ela. Mas essa carta eu prefiro não entregar se vocês não se importam, é um tanto, pessoal. -Não tem problema Jessica, você fez o mais importante, entregou o verdadeiro assassino à polícia. Logo, tudo ficará bem. – Falou Lucena. -Você pode ficar aqui com a gente por enquanto, até o Álvaro ser capturado. –Ofereceu Inácio. -Ele não será capturado Inácio, você não entende. Ele vai me matar. Não posso ficar aqui ou estarei colocando a vida da Maria e do bebê em risco.
-Nós não vamos permitir que ele se aproxime de você Jessica. – Garantiu Stanley. -Vocês não podem fazer nada. Ele é louco! – Jessica parecia descontrolada. – Ele virá atrás da Maria, vocês precisam matá-lo, a prisão não vai pará-lo, ele tem que morrer! Antes que ele nos mate! Maria abraçou Jessica na tentativa de acalmá-la, mas ela estava muito nervosa. -Vamos atrás dele. – Falou Inácio – Vocês fiquem aqui com a Maria. Jessica, preciso que me diga onde é o esconderijo dele, nós vamos acabar com isso de uma vez por todas! – A determinação de Inácio assustou Maria, mas ela não tentou impedi-lo, essa podia ser a última chance de parar Álvaro antes que ele soubesse que Jessica havia entregado as cartas. -Eu posso dizer. Mas ele não estará mais lá, ele sabe de tudo, Inácio. E eu não posso ficar aqui, ele virá atrás de mim e encontrará a Maria. – Falou Jessica. -Você não pode sair por aí sozinha Jessica! Ficou louca? – Recriminou Maria. -Eu preciso. Tudo isso é culpa minha. Maria tentou convencê-la do contrário, mas Jessica estava decidida, ela saiu do castelo mesmo contra a vontade de Maria e desapareceu na noite. Lucena tentava acalmar Maria, ela sentia que havia visto a amiga pela última vez, enquanto Inácio e Stanley se aprontavam para ir atrás de Álvaro. Foi quando Cláudia chamou Inácio num canto. Maria se aproximou o máximo que pôde sem ser notada, mas ouviu apenas o final da conversa. -Você não deve sair Inácio, ele vai matá-la. Eu estou sentindo, algo vai acontecer a Maria hoje. Se você passar por esse portão não a verá mais. – Pedia Cláudia quase desesperada. Inácio a segurou pelo ombro para que se acalmasse. -Eu vou voltar e ela ficará bem. Mas eu não posso cruzar os braços e permitir que ele continue matando pessoas Cláudia! Ele não vai se aproximar da Maria, nem do meu filho e de mais ninguém que me rodeia. Isso tem que parar e só eu posso acabar com isso! É uma briga minha. Cuide da Maria, tudo ficará bem. Maria se afastou sem ser notada e subiu para o quarto. Ascendeu a luz e sentou-se na cama. Normalmente estaria reparando tudo, cada detalhe do quarto agora que a luz permitia enxergar com clareza, mas não estava com ânimo. Quando Inácio passou pela porta do quarto para se despedir dela, ela pulou em seus braços e segurou as lágrimas que queriam correr, não o deixaria assustado e nem com medo de se afastar dela. Ela o olhou e pensou com toda força que o veria novamente. Cláudia estava equivocada daquela vez. Inácio passou a mão vagarosamente pelos cabelos dela e a beijou com toda paixão do mundo. Quando o beijo terminou, com Stanley gritando do andar de baixo que eles precisavam ir, Inácio encostou o rosto no dela e continuou mantendo-a firmemente em seus braços, não queria soltá-la. -Isso está parecendo uma despedida. – Falou ela. -Mas não é. – Inácio a soltou e segurou seu rosto – Isso não é uma despedida meu amor, não uma despedida definitiva. Vamos pensar que vamos nos despedir de toda essa luta, toda essa tormenta, quando eu entrar aqui novamente e você pular em meus braços de novo, vai ser para comemorar que estamos finalmente livres. Finalmente a salvo. Nada vai acontecer a você e ao nosso filho Maria, eu prometo! Maria abaixou a cabeça assentindo, mas as lágrimas em seus olhos pareciam alertá-la que não seria bem assim. -Ei, não chore. – Falou Inácio secando as lágrimas dela com o dedo, mas Maria pôde ver os olhos dele também lacrimejarem. – Eu sou seu anjo, lembra? Você precisa confiar em mim. Nós nos veremos em breve, e ficaremos juntos para sempre meu amor. Assim ele a beijou novamente e saiu olhando para trás. No momento em que ele passou pela porta
novamente, Maria sentiu que nĂŁo o veria mais.
Capítulo 25 Maria finalmente adormeceu após chorar muito. As tentativas de Lucena e Cláudia de acalmá-la foram em vão. E Lucena precisou, mesmo contra a vontade de Cláudia, dar um calmante a Maria para que ela dormisse. De madrugada, acordou sentindo-se meio tonta, avistou Cláudia deitada aos pés da cama e a luz do quarto acesa, como ela havia deixado. Alguma coisa naquele momento a fazia ter medo de escuro, seu coração estava acelerado e ela estava suada. Sentou-se na cama ainda meio grogue, ainda era noite. Onde estaria Inácio? Quanto tempo ela dormira? De repente sentiu alguém perto dela, mas olhou para o lado e não viu nada. Chamou por Cláudia, estava com medo. Lembrou-se do sonho que tivera. Ela sonhou com Alessandra, vestida como um anjo, mas com uma expressão triste, ela chorava e dizia a Maria que sentia muito. Maria recostou-se no travesseiro pensando em Inácio. Será que era um aviso? Será que algo havia acontecido a Inácio? Será que ela estava ficando louca de vez achando que Alessandra a estava alertando de alguma coisa? Respirou fundo e se levantou para beber um copo de água, mas no momento que pôs os pés no chão, foi como se alguém tivesse sussurrado em seu ouvido: “fuja Maria!”, em seguida, as luzes do castelo se apagaram. Maria gritou e Cláudia acordou assustada. Elas se aproximaram da janela, toda cidade estava apagada. A vista alta da torre esquerda permitia que elas enxergassem o centro da cidade, onde normalmente havia movimentação àquela hora, mas tudo estava apagado. -Que horas são? – Perguntou Maria a Cláudia. A garota pegou o celular que havia carregado pela primeira vez no castelo. -Ainda são onze e quarenta e dois, não deveria estar tudo apagado, hoje é sábado, as pessoas não deveriam estar no parque? Antes que Maria respondesse, Lucena entrou no quarto. -Vocês estão bem? -Sim. – Respondeu Cláudia. Maria virou-se para voltar para a cama, mas sentiu novamente alguém passar por ela, olhou para trás e viu Cláudia e Lucena na janela. “Fuja, Maria, fuja!” Ela ouviu novamente um sussurro. -Quem disse isso? – Perguntou ela a Lucena e Cláudia. -Disse o que? – Perguntou Lucena. -Ninguém disse nada Maria. O que você ouviu? – Perguntou Cláudia. -Nada, acho que estou com medo do escuro. – Respondeu ela. Deitou-se novamente na cama e tudo aconteceu muito rápido para que ela entendesse, antes mesmo de ter recostado totalmente no travesseiro, Lucena gritou, e em seguida, tudo ficou em silêncio. Maria ouvia passos, mas não dava para enxergar nada na noite escura e sem luz novamente no castelo. Chamou por Cláudia e por Lucena, mas nenhuma das duas respondeu. Ouviu os passos mais próximos a ela e chamou novamente: -Cláudia, é você? O que aconteceu? Foi quando uma voz, a que Maria mais temia naquele momento a respondeu: -Não querida, nós vamos dar um passeio. Ela tentou gritar, mas no mesmo instante sentiu as mãos de Álvaro e um cheiro forte contra seu nariz, tentou se soltar, mas não conseguiu, sentiu-se perdendo as forças e então tudo apagou.
02 horas e 35 minutos... Maria acordou sentindo uma leve dor nos pés e nos pulsos, seu nariz ardia e um cheiro forte ainda a fazia espirrar. Abriu os olhos e avistou um pequeno cômodo de madeira, empoeirado, com algumas caixas de madeira empilhadas, folhas espalhadas e uma única porta do lado oposto ao que estava. Estava deitada sob um chão duro e não conseguia se mexer. Lembrava-se de ter ouvido um grito de Lucena e em seguida a voz de Álvaro a ameaçando. Preocupou-se em saber o que teria acontecido a Lucena e Cláudia, esperava que pelo menos a vida delas ele tivesse poupado. Olhou para seu corpo e descobriu de onde vinha a dor que sentia nos pulsos e pés, eles estavam amarrados com nós bem apertados, percebeu. Ficou se perguntando por que Álvaro não a matara de uma vez, o que mais ele queria com ela? Mas já que ainda tinha alguma chance, faria todo possível para escapar dali, tinha que saber se Lucena e Cláudia estavam bem, tinha que salvar seu bebê, voltar para Inácio... Inácio, pensar nele a fez sentir uma pontada de dor no peito, a angústia foi tomando conta dela, o efeito do calmante que Lucena lhe dera já estava passando. Ela precisava se salvar, precisava sair dali viva ou Inácio se culparia pelo resto da vida novamente, ele prometera que nada aconteceria a ela, onde ele estaria naquele momento? Ele precisava salvá-la, precisava salvá-los, a ela e ao filho. Concentrouse nos ruídos vindos de fora do pequeno cômodo, mas não conseguia ouvir nada. Então juntou toda força que tinha e gritou, gritou o mais alto que pôde, pedindo socorro, pedindo que alguém a ouvisse. E realmente alguém ouviu, pouco depois que ela começou a gritar, a pequena porta se abriu e Álvaro entrou agitado: -Pare de gritar! Está me irritando e ninguém vai ouvir você. -O que quer comigo? Por que não me matou de uma vez? Álvaro começou a rir e sentou-se ao lado dela no chão. -Querida, eu não queria matar você, isso não estava nos meus planos. – De repente a expressão divertida dele mudou para uma expressão de raiva e ele começou a gritar. – Mas você tinha que estragar tudo! Um filho do Inácio, Maria? Como pôde fazer isso comigo? Como pôde imitar a Alessandra? -Eu não imitei a Alessandra, nós não planejamos. E você não tem nada a ver com isso! – Respondeu ela. -Você é mais esperta Maria, mais esperta que ela. Você deveria saber que eu não permitiria que você tivesse um filho do Inácio, você não vai dar uma família a ele! Ele não merece! -Você é doente. – Falou ela sentindo tanta repulsa de Álvaro, que ele também percebeu pelo tom de voz dela o quanto ela detestava a presença dele. Ele se levantou e ficou dando voltas. -O que vai fazer? Me matar e viver o resto da sua vida fugindo? – Perguntou ela. -Sabe, eu poderia matar você. Eu não ia, eu ia apenas tirar esse monstrinho que você carrega, mas me lembrei de uma conversa nossa há um tempo. Eu te avisei que no final das contas você me imploraria pela sua vida, eu te avisei que sua salvação estaria em minhas mãos. E veja agora, Maria? Nem que você implore, eu a libertarei. Porque você foi cruel quando disse que preferia morrer a ser salva por mim. Então será feita a sua vontade. Maria começou a chorar, preferiria mesmo morrer a fazer parte dos jogos de loucura de Álvaro, mas isso foi antes, antes de saber que estava grávida. Não podia entregar a vida do filho por orgulho. -Álvaro, por favor. Me desamarra, pelo menos afrouxa esses nós, está doendo muito! – Ela pediu. Ele a encarou parecendo sentir pena, mas voltou a dar voltas e não fez nem menção de soltá-la. -Álvaro! – Insistiu ela chorando. – Por favor, essas cordas estão prendendo minha circulação,
meus pés e mãos já estão dormentes. Por favor, me solta. Vendo que Álvaro não se deixava abalar pelos apelos dela, mudou de tática. -Álvaro, eu faço o que você quiser, eu nunca mais me aproximo do Inácio, eu vou embora com você, mas me deixa pelo menos ter o meu filho e entregá-lo ao Inácio. Eu te imploro, por favor. Álvaro finalmente parou de andar e ajoelhou-se de frente para ela, ele afrouxou um pouco os nós das mãos, mas realmente muito pouco. -Essa proposta é tentadora, Maria. Mas não tenho como garantir que você cumprirá seu acordo depois que o monstrinho nascer. -Você sabe que tem como garantir isso. -Não, você é muito esperta. -Álvaro, por favor. A criança não tem culpa. Se o que você quer é se vingar do Inácio, você estará fazendo isso, como acha que ele vai se sentir quando me vir com você? Por favor, eu prometo que ficarei com você, mas me deixa ter meu filho. Álvaro tocou o rosto dela de leve, Maria teve vontade de cuspir nele, mas se conteve. Ele a encarou de forma tão séria, que Maria teve esperanças que ele concordasse com a proposta dela. Mas de repente ele começou a rir e se levantou novamente: -Como você é boba, Maria! Acha que pode me enganar? Você não está fazendo isso por mim, está fazendo pelo monstrinho. Assim que ele nascer vai me olhar com esse nojo, esse desprezo, do mesmo jeito que olha agora. Eu não vou deixar esse monstrinho nascer Maria, mas se quiser continuar viva eu permitirei. Claro, desde que não se aproxime mais do Inácio. Nós podemos fazer um trato. – Falou ele se abaixando perto dela novamente com olhos esperançosos. – Eu tiro esse monstrinho de você e deixo você viva. Você pode ficar com quem quiser, até com o Inácio se ele continuar livre, mas antes de voltar para ele você tem que passar uma noite comigo. Maria respondeu tão instantaneamente que nem deu tempo de pensar. -Nunca! Eu prefiro morrer com meu filho a permitir que você me toque! – Dizendo isso ela cuspiu no rosto dele. Álvaro perdeu o controle e a levantou pelos ombros: -Você acha que está em posição de escolher? Olhe para você! Se eu quiser te tocar agora mesmo eu posso fazer isso! -Mas não vai! Se quisesse já tinha feito, mas você não quer ficar comigo a força, você quer que eu te queira, que eu corresponda as suas loucuras. Mas isso nunca vai acontecer! Mulher nenhuma nunca vai amar você porque você é um porco desprezível, um monstro sem alma! Um nada! Álvaro levantou a mão para bater em Maria, mas parou a mão no ar. Maria se preparou para receber o golpe dele, mas quando abriu os olhos novamente, percebeu que ele estava parado. -Que barulho foi esse? – Perguntou ele. -Eu não ouvi nada. Álvaro a jogou no chão e saiu pela porta a passos duros. Maria sentiu uma forte dor na barriga quando se chocou contra o chão e gritou. Então Álvaro retornou arrastando alguém para dentro do pequeno cômodo. Maria avistou os cabelos vermelhos de Jessica enquanto ela era arremessada no chão também. Rapidamente Álvaro a amarrou em uma pilastra de madeira de frente para Maria. -Ótimo! Mato as duas de uma vez. – Falou ele alegremente, então se aproximou de Jessica e tocou o rosto dela olhando para Maria – O que vai sentir Maria, quando assistir sua amiguinha querida ser esquartejada? Aposto que nem vai se importar depois de tudo que ela fez com você. Ela merece não é mesmo? -Tire as mãos dela! – Gritou Maria.
Álvaro apenas riu e empurrou a cabeça de Jessica com tamanha força que a cabeça dela bateu contra a pilastra de madeira e o sangue começou a escorrer por seu rosto. -Vou dar a vocês um minuto para se despedirem enquanto busco meu brinquedo. – Falou ele desenhando com os dedos um machado no ar. Assim que Álvaro saiu, Jessica começou a falar: -Maria me perdoa, eu estraguei tudo. Eu segui vocês para descobrir onde era o cativeiro e avisar o Inácio, mas ouvi seus gritos e me aproximei demais. Ele não deveria ter me visto, ninguém vai achar a gente aqui. -Não foi sua culpa, Jess. – Maria mal conseguia falar, estava sentindo uma forte dor na barriga. Ela estava desde que acordara, tentando desfazer os nós que tinha nos pulsos, e já tinha conseguido soltar alguns, mas sua barriga doía tanto que ela acelerou, e no desespero, conseguiu afrouxar a corda o suficiente para passar uma de suas mãos com muito custo. Assim que sentiu sua mão esquerda livre, desatou rapidamente os outros nós e soltou os pés, a dormência nas mãos dificultava muito sua agilidade, mas ela conseguiu. Levantou-se sentindo uma pontada na barriga assim que ficou de pé, mas não havia tempo para sentir dor naquele momento. -Foge daqui, Maria. – Falou Jessica. Mas ela se aproximou de Jessica e soltou os nós das mãos dela. Quando estava terminando, ouviu os passos de Álvaro e se afastou de repente de Jessica, tão de repente que sentiu uma tontura e quase caiu, mas Álvaro a segurou. -Como se soltou? - Perguntou ele zangado. Então ele olhou para as pernas dela e começou a rir: -Parece que o monstrinho não quer mesmo nascer. Maria olhou para as pernas e viu o sangue escorrer, estava perdendo seu filho, precisava sair dali rapidamente. Olhou para Álvaro se preparando para implorar que ele salvasse o bebê, mas ele parecia perdido em pensamentos. Ele começou a cheirar o cabelo dela e desceu a mão por suas costas. Então fez o que Maria mais repugnava e temia que ele fizesse, a beijou. No mesmo instante, Maria conseguiu se afastar dele e bateu com toda força que conseguiu no rosto dele, Álvaro se preparou para atacá-la, mas foi atingido com força por uma caixa de madeira na cabeça, Jessica havia conseguido soltar os pés. Álvaro ficou caído no chão gemendo enquanto Jessica segurou Maria e foi andando com ela até a porta, nesse momento, Álvaro segurou Jessica pela perna, sacou uma arma de dentro do seu casaco e atirou, mas errou a pontaria. Ele a puxou de volta com força, jogando-a no chão e com ela Maria, que caiu contra a porta. Álvaro se levantou e apontou a arma para Maria. -É uma pena que tenha sido assim. Adeus, querida. Maria avistou Jessica se aproximar novamente de Álvaro, mas fez sinal para que ela não fizesse nada e Jessica parou atrás dele. Maria fechou os olhos com as mãos na barriga, fixou a imagem de Inácio em sua mente, de como imaginava que seria o filho deles. E ouviu apenas o barulho ensurdecedor do tiro que Álvaro disparara contra ela. Então não viu mais nada.
02 horas e 35 minutos... Inácio... Inácio e Stanley voltaram para a cidade na fria madrugada, já passava das duas da manhã e não haviam encontrado Álvaro. Localizaram o tal esconderijo dele, mas ele não estava lá. Eles esperaram por um bom tempo, mas como ele não apareceu, Inácio desistiu e resolveu voltar e dormir um pouco com Maria. Já estava com saudade dela. Quando percebeu que as luzes da cidade haviam se apagado, temeu por ela no castelo, mas a luz havia retornado poucos minutos depois, então ficou mais tranquilo. Se aproximando da entrada do castelo, percebeu que o portão estava aberto. Seu coração começou a pular dentro do peito em forma de aviso, ele acelerou o passo, mas antes de entrar, avistou algo brilhando no chão. Ele nem precisava ter se abaixado e segurado o pequeno objeto para saber o que era, a correntinha de Maria, que ele lhe dera no natal. Sentindo sua respiração falhar ele correu para dentro do castelo gritando por Maria, e antes que chegasse a porta de entrada, Cláudia apareceu aos prantos e machucada nos braços. Ela foi até ele desesperada: -Ele a levou Inácio! O Álvaro levou a Maria. Inácio queria perguntar se ela e Lucena estavam bem, o que tinha acontecido, mas segurou Cláudia pelos ombros, ainda mais desesperado que ela: -Para onde eles foram? Cláudia! Para onde ele a levou? -Eu não sei! Eu nem o vi chegar, ele bateu na Lucena e em mim, foi tudo rápido demais. Inácio soltou Cláudia, estava com dificuldades em respirar, suas mãos começaram a suar e ele sentia tanta raiva, tanto medo, tanta culpa... Cláudia o havia avisado, ela dissera que se ele saísse algo aconteceria a Maria. Por que ele tinha que ser tão teimoso? Por que ele não a escutara e ficara em casa com Maria? Foi tudo uma armadilha, Álvaro conseguiu tirá-lo de casa para chegar até Maria, como ele fora burro! Ele correu de volta para a rua, precisava encontrar Stanley, sabia que ele passaria a noite na pensão, então correu para lá. Inácio entrou na pensão como um louco e nem esperou ser anunciado pelo vigia que se assustou com o movimento àquela hora da manhã. Ele entrou no quarto de Stanley que se levantou da cama num pulo, olhando Inácio, assustado. -O que aconteceu? - perguntou ainda sonolento. -Ele a levou Stanley, era uma armadilha. O Álvaro sequestrou a Maria. Stanley ficou atônito, mas logo começou a se mexer rapidamente, vestiu uma camisa, correu até sua viatura e passou um rádio para a delegacia de Ponta Bela pedindo reforço e anunciando o sequestro. Ligou o alto falante da viatura e anunciou o sequestro para toda a cidade, aos poucos as pessoas foram acordando, acendendo as luzes e saindo na rua para ver o que estava acontecendo, dificultaria o máximo possível que Álvaro se escondesse. -Nós procuramos em todos os lugares afastados da cidade e nada. Ele só pode estar perto de nós. – Stanley explicou a Inácio o motivo do anúncio do sequestro. -Precisamos encontrá-lo Stanley! Ele já esta com ela há muito tempo! Precisamos salvá-la! Stanley assentiu e pediu calma, rezava para que Maria ainda estivesse viva, embora soubesse que as chances eram mínimas. Eles foram surpreendidos por Moisés, que se aproximou deles também desesperado: -Ele levou a Jessica, ele se vingou por ela ter entregado as cartas. Ele vai matá-la Inácio! -Nos vamos encontrá-las! – Garantiu Inácio. Stanley subiu ao quarto da pensão novamente e desceu logo depois com uma maleta na mão, destrancou a maleta e pegou uma arma e munição, carregando a arma, a entregou a Inácio.
Inácio pegou a arma sem pensar duas vezes: -Vamos atrás deles! – Ordenou. -Inácio, você não precisa carregar isso, pode deixar que eu mato o Álvaro, não suje suas mãos. – Falou Stanley. -Se ele tiver feito qualquer coisa a Maria, eu faço questão de matá-lo. Ele não me fez pensar que eu era um assassino? Pois agora eu serei e por vontade própria! Stanley ia discutir que ele estava de cabeça quente, mas diante da situação, resolveu deixar que ele tivesse uma defesa caso fosse necessário contra Álvaro, mas na hora certa, agiria antes que Inácio sujasse as mãos com o sangue do assassino. Era culpa dele que Álvaro ainda estivesse solto, ele o deixara partir quando teve a chance de prendê-lo. Eles se prepararam para partir em busca de Álvaro nas casas, mas foram abordados por Cláudia, ela estava tremendo com um pequeno celular na mão, era o celular de Maria. Correu ate Inácio e o entregou a ele. Lucena que estava com ela, ficou sentada na calçada um pouco distante, parecia muito abalada. -Ele quer falar com você. O assassino quer falar com você, Inácio. Inácio arrancou o celular de Cláudia e foi logo ameaçando. -Se você tocar num fio de cabelo dela eu juro que mato você! -Estou contando com isso. – Respondeu Álvaro zombeteiro – Sabe, sempre admirei seu gosto por mulheres, é impecável. Quando eu achava que a Alessandra era o melhor que você podia conseguir, conheci a Maria. –Álvaro parou de falar e suspirou - A esperta Maria. Vocês não foram tão espertos essa noite, Inácio. Mas confesso que ter a adorável Maria sozinha comigo nesse cômodo tão pequeno, é realmente tentador. -Eu mato você! Não toque nela! – Gritou Inácio. -Você sempre teve tudo, teve família, amor, dinheiro, títulos, largou tudo por uma mulher caprichosa e infantil, e mesmo assim era feliz com ela. Você não a merecia, merecia ficar trancado naquele castelo se culpando pelo que fez. -Você foi o monstro cruel que tirou a vida dela, não eu. -Tem certeza? Eu posso ter puxado o gatilho, ter usado o machado, mas foi você que assinou a carta de morte dela quando se casou com ela e a trouxe para cá, para longe de mim! E a Maria, eu queria apenas que ela se afastasse de você, que te deixasse na solidão, mas ela é tão linda, inteligente, corajosa, o contrário da frágil Alessandra. Como eu poderia não me apaixonar? Inácio sentia cada vez mais a raiva tomar conta dele. -Eu não pretendo matá-la Inácio, acho que não essa noite. Só quero que você entenda que tudo o que você teve, tudo o que você viveu, era para mim! Eu deveria ser o conde! Eu deveria ter me casado com a Alessandra, a Maria devia estar apaixonada por mim! Esse castelo onde você vive é meu. Você virou as costas para tudo o que importava e mesmo assim sempre teve tudo! Você não é melhor que ninguém, por que pode ter tudo? -Álvaro, por favor. Eu te dou o que você quiser, o castelo, os títulos, o dinheiro, o sobrenome, mas solte a Maria. Por favor, pela nossa amizade. – Implorou Inácio. Álvaro começou a rir. Então Inácio ouviu ao fundo da ligação os gritos de Maria pedindo por socorro. -Solte-a! Agora! – Gritou Inácio. -Parece que alguém finalmente acordou. É hora de ir, a brincadeira acabou. Adeus Inácio, ouça a voz da sua querida, talvez seja a última vez. - Dizendo isso Álvaro desligou o telefone deixando Inácio ainda mais desesperado.
-Ela está viva! A Maria está viva! Precisamos encontrá-la. – Falou ele quase suplicando a Stanley que fizesse um milagre e encontrasse Maria. Eles começaram a revistar as casas, Inácio não se importava se estava assustando alguém nem quebrando coisas nas casas, mas os moradores em geral também não se importavam. Todos estavam se movendo, ajudando a revistar casas, saindo em grupos para procurar nos arredores da cidade, todos procuravam por Maria. Quando entraram na casa de Marta, após arrombarem a porta já que ela não quisera abrir, a encontraram encolhida num canto da sala aos prantos. Inácio se aproximou dela e levantou pelos ombros. -Onde ela está? -Eu não sei, é tudo culpa minha, eu acreditei nele. -Isso não importa agora. Temos que encontrá-la antes que ele a mate. – Falou Stanley. -É verdade o que dizem? Que ela está esperando um filho seu? – Perguntou Marta a Inácio. Inácio assentiu sentindo a dor cortar seu peito com a ideia de que nunca conheceria o rosto do filho. -Precisam encontrá-la. Mas eu não posso ajudar, não sei onde estão. -Nos já procuramos em todos os lugares, dentro e fora da cidade, tem que haver algum outro lugar, a senhora conversava com ele, qualquer coisa que ele tenha dito, por mais insignificante que pareça, por favor, tente se lembrar. É a vida da Maria e do nosso filho, por favor! – Implorou Inácio. -Eu não sei de nada. – Repetiu ela, mas já não estava tão convicta. Então Cláudia se aproximou dela e a segurou pelo braço apertando o máximo que podia. -Você está mentindo! Ela é sua sobrinha é sua responsabilidade, por que tanto egoísmo? -Eu não sei de nada! – Gritou Marta. Stanley tentou se aproximar de Cláudia para afastá-la de Lucena, mas Inácio o impediu. -Fala! Você sabe sim, pelo menos desconfia onde eles estejam. Ela nunca te fez nada! E o bebê? Ele não tem culpa da sua vida ruim, fala! -Não! – Gritou Marta. -Você sabe que se alguma coisa acontecer a Maria você vai ser presa, não sabe? Imagina que você era amiga do Álvaro ele a mata e você fica com toda herança dela. E só juntar 2+2, você vai ser condenada. Marta encarou Stanley que assentiu. -Eu não sei onde estão. Mas emprestei uma cabana que tenho na montanha para ele se esconder. Podem estar lá. Inácio e Stanley quase atacaram Marta para conseguir o endereço da tal cabana, que ficava num dos locais que eles já haviam passado procurando por Álvaro, mas na certa quando passaram por ela, ele estava no castelo sequestrando Maria e por isso não o encontraram. Moisés, Stanley e Inácio partiram ao resgate de Maria e Jessica. Foram com a viatura até onde deu, mas o solo era cheio de buracos e pedras, impossível prosseguir todo caminho de carro. Eles desceram e subiram correndo o resto da montanha. Finalmente avistaram a pequena cabana a qual Marta se referia no alto da montanha, afastada de tudo, mas não parecia ter movimento nenhum lá. Inácio rezava para que Maria estivesse realmente ali, era sua última esperança, não daria tempo de voltar todo caminho e descobrir um novo esconderijo. Cansados, Moisés e Stanley já subiam mais devagar, Inácio ia à frente determinado em encontrar Maria, quase podia sentir a presença dela por perto, foi então, que algo fez com que parassem no mesmo instante e em seguida corressem o mais rápido possível até a cabana. Eles
ouviram um tiro. Arrombaram a porta da pequena cabana e a primeira coisa que Inácio viu, foi Maria caída no chão, coberta de sangue. Suas pernas perderam a força e ele caiu de joelhos, só então percebeu que ela chorava. Álvaro estava parado de frente para ela, com o susto com a entrada deles, sacou a arma, mas Stanley foi mais rápido e bateu na mão dele jogando a arma longe. Só então, quando olhou Maria novamente, Inácio percebeu o motivo do choro dela, Jessica estava caída em seus braços, de seu peito jorrava muito sangue e ela não se mexia, não estava mais viva. Pela posição em que estava, em cima de Maria, não era difícil imaginar o que acontecera, na certa Álvaro atirou em Maria e Jessica entrou na frente. Inácio se levantou e se aproximou de Maria. Achava que assim que visse Álvaro só pensaria em matá-lo, mas na verdade só queria pegar Maria e sumir dali com ela. Enquanto Stanley mantinha a arma apontada para Álvaro, Moisés se aproximou de Jessica, desolado, ele se ajoelhou ao lado dela, levantou seu corpo do chão recostando-a em seu peito enquanto chorava, não acreditava que ela estivesse realmente morta. Mesmo vendo Inácio a levantar do chão, Maria sequer o abraçou, ainda estava em choque pela morte de Jessica, pela forma como ela simplesmente se jogara na frente dela, esperou sentir o tiro de Álvaro, mas ao invés, sentiu o corpo de Jessica cair sem vida sobre o dela. Quando a levantou, Inácio percebeu a quantidade de sangue em suas pernas e roupas. E percebeu que todo aquele sangue não era só de Jessica. -Maria, está sangrando, o bebê! – Ele falou. Então num segundo em que Stanley olhou para Maria, Álvaro pegou a arma e apontou para ela, quando ele pôs o dedo no gatilho, Inácio sacou a arma que estava em seu bolso e apontou rapidamente para ele apertando o gatilho, junto, Stanley também apontou para Álvaro e apertou o gatilho. Dois tiros foram disparados, Inácio olhou para Maria no mesmo momento temendo que Álvaro tivesse conseguido atirar, mas ela estava de pé, só então ele percebeu que o outro tiro fora de Stanley, o corpo de Álvaro caiu sem vida no chão enquanto o sangue de sua cabeça espirrou por toda cabana sujando a todos. -Inácio. – Falou Maria assustada. -Eu o matei Inácio, seu tiro acertou a parede, perto dele. – Falou Stanley. Inácio pôde ver o buraco na parede de madeira da cabana um pouco distante de onde Álvaro estava. Ele nunca atirara na vida, não era nada bom com armas e pontaria, mas podia jurar que aquele tiro na parede não era de sua arma, ele estava quase de frente para Álvaro, como era possível não ter atirado nele? Por outro lado, alguém atirara na parede, e Stanley era policial há anos, tinha experiência com armas e uma excelente pontaria, seria quase impossível errar o tiro da distância que ele estava de Álvaro. Pensou no que acarretaria para Stanley o assassinato de Álvaro, mas depois conversaria com ele. Então pegou Maria no colo. -Precisamos ir para um hospital, antes que algo aconteça ao nosso filho. Maria apenas assentiu, parecia em choque, foi carregada até o carro sem falar uma palavra. Moisés e Stanley ficaram na cabana até a polícia chegar para retirar os corpos. Quando entraram no carro, Maria deitou-se sob um dos braços de Inácio e chorou. Três dias após a pior noite de suas vidas, Maria e Inácio finalmente saíram do hospital de Ponta Bela, por pouco ela não perdia o bebê, mas ele estava bem, ela só precisaria repousar muito durante quase toda a gravidez. Stanley havia renunciado seu posto, culpado por ter permitido que Álvaro escapasse a primeira vez que o vira após ele ser declarado foragido, e estava proibido de portar armas. Pelo assassinato de Álvaro, por ter sido em função do trabalho e em legítima defesa, ele pegaria cinco anos de reclusão, deveria ficar em uma penitenciária, mas devido aos anos de serviço
prestados a polícia e a situação em que cometera o assassinato, pôde cumprir os cinco anos na delegacia de Ponta Bela, ajudando a polícia, prestando serviços comunitários. Para surpresa de Maria, Cláudia resolveu ficar na cidade os cinco anos esperando Stanley para que fossem embora juntos quando ele estivesse em liberdade. Mas prometeu ir ficar uns meses com ela quando o bebê nascesse, promessa essa que Lucena também tinha feito. Ao se despedir de Stanley, antes que ele fosse preso, Maria sussurrou em seu ouvido: -A bala que matou o Álvaro, como sabe que saiu da sua arma? Ele abriu um sorriso triste e corajoso. -Eu não sei Maria, não temos como saber, mas ele estava solto por minha culpa e é meu dever pagar por isso. Não diga nada ao Inácio, ele não precisa se culpar por um crime que nunca saberemos qual dos dois cometeu. Maria achou injusto que ele simplesmente estivesse disposto a pagar pelo assassinato de Álvaro sem nem mesmo investigar quem realmente o matara. Ao que sabia, Inácio estava bem mais perto de Álvaro e podia perfeitamente ter sido ele o assassino. Mas diante da convicção de Stanley de que o responsável pela morte de Álvaro era ele, resolveu deixar esse assunto nas mãos dele. Maria nem voltou mais a Passaredo, Inácio buscara as coisas dela no castelo, e do hospital ela foi diretamente para a rodoviária, onde ela e Inácio iriam se mudar para o Rio de Janeiro, para se casarem e viverem por lá, longe de todas as lembranças tristes e de tudo o que acontecera naquela cidade. Quando entraram no ônibus, Inácio passou o braço em volta do corpo dela e passou a outra mão levemente pela barriga dela. Olhou-a com todo amor que se podia imaginar e a beijou docemente. -Eu te amo Maria, mais do que poderia imaginar amar alguém. – Sussurrou no ouvido dela. – Nós vamos ficar juntos para sempre. – Dizendo isso ele colocou no pulso dela a correntinha que ela havia perdido. -Eu também te amo, meu Anjo. – Respondeu ela beijando-o de volta e se perdendo nos braços do amor de sua vida. Sabia que a partir dali, eles seriam sempre um pelo outro, um do outro e que o amor que sentiam duraria para sempre.
Capítulo 26 A casa nova, no Rio de Janeiro, ainda era grande demais para Maria, mas ela percebeu que Inácio realmente gostava de ter espaço. Sem a tensão do risco que Álvaro representava, sem a luta de provar a inocência de Inácio, os dois podiam finalmente aproveitar um ao outro, e a gravidez. Inácio podia respirar tranquilamente pela primeira vez em muito tempo, sem se culpar, sem temer que algo acontecesse a alguém que amava. Não se lembrava de alguma vez já ter sentido tamanha paz, ou de já ter sido assim tão feliz. O bebê estava bem, a barriga de Maria crescia um pouco mais a cada dia e já sabiam que era uma menina. Ás vezes, Maria estranhava a calmaria e a forma como tudo estava tão bem, parecia que estava sonhando. Uma tarde, Maria recebeu uma encomenda, era uma caixa de tamanho médio, com ela havia apenas uma carta, da dona da pensão de Passaredo. Eram pertences de Álvaro, coisas que ele pediu que em sua ausência, fossem entregues a Maria. Ela não entendeu porque ele deixaria alguma coisa para ela, e na verdade nem tinha interesse em nada relacionado a ele, mas teve que receber a tal caixa. Pensou em jogá-la fora imediatamente, mas claro, a curiosidade a impediu. A caixa, não pesava quase nada. Mas quando Maria a pegou, era como se o peso de várias vidas estivesse ali. Nem fazia ideia do que poderia haver dentro dela, mas se era de Álvaro, não podia ser coisa boa. Depositou a caixa sobre a mesa e afastou-se. A sensação ruim que a tomara, amenizou assim que seu contato com o objeto acabou. Ela e Inácio ficaram encarando a caixa, sem decidir o que fazer com ela. -Não quero abri-la, mas quero saber o que tem dentro. – Falou Maria. -É claro que quer Maria, ou não seria você. – Respondeu Inácio dando um beijo na esposa antes de se aproximar do objeto. Até o último momento, Maria teve a impressão de que havia alguma espécie de bomba ali dentro, ou algo que pudesse de alguma forma feri-los. Por isso ficou tão surpresa quando Inácio vagarosamente abriu a caixa, e dentro dela, havia vários papéis. Alguns envelhecidos, outros mais novos. A expressão de dor que tomou o rosto de Inácio deixou claro que algumas cartas eram de Alessandra. Não estavam endereçadas a Álvaro, mas a Mercia. -Ele esteve tão perto de encontrar as provas. – Comentou Inácio vendo que ele conseguira algumas cartas da mãe de Jessica. -Mas não encontrou. – Falou Maria tranquilizando-o. Inácio revirou os papéis e, para sua surpresa, algumas cartas eram destinadas a ele mesmo. Cartas que Álvaro não chegou a enviar. Inácio juntou essas cartas e sentou-se em um canto para lê-las. Maria pensou em se juntar a ele, mas, ao olhar para a caixa, algo chamou sua atenção. Havia uma agenda de couro marrom, parecia nova. Maria a pegou e ao abri-la, a primeira coisa que viu foi seu nome. Para Maria. Estava rabiscado bem grande na primeira página, com a letra bagunçada de Álvaro. Ela ponderou se deveria mesmo deixar que Álvaro entrasse em sua vida novamente, mas a curiosidade falou mais alto e acabou sentando-se em sua nova poltrona favorita e a abrindo: Maria,
Não espero que me odeie menos ao ler isso, nem que entenda meus motivos. Só quero que pelo menos alguém saiba o que eu sei. Escolhi você. Porque é inteligente o bastante para ler tudo antes de me julgar. Você vai me odiar do mesmo jeito no final. Talvez até mais. Mas saberá as coisas que tive que enfrentar, saberá tudo o que fiz por amor. Só peço que leia até o final. Álvaro. Eu tinha treze anos quando a vi pela primeira vez. Era uma menina linda, muito mais bonita do que qualquer garota da família real. Nos tornamos amigos. Eu era o pupilo do conde. Ele não tinha filhos e eu assumiria seu título quando ele morresse. Tudo o que ele tinha, seria meu. Esse era o sonho da Alessandra também, fazer parte da família real, ser tratada como uma lady. Maria, você percebe como tudo estava destinado? Eu deveria assumir o lugar do conde, me casaria com a Alessandra e seriamos felizes. Eu sabia tudo o que deveria saber para assumir o lugar dele. Então, tudo desandou. O conde de repente comunicou que tinha uma irmã no Brasil e ela tinha um maldito filho, pouco mais novo do que eu. Ele então mandou que esse garoto fosse treinado para assumir seu lugar, me descartou sem pensar duas vezes. Maria, eu não queria ser mal, só não podia permitir que um fedelho qualquer tomasse o lugar que era meu por direito, não tive saída. Com a ajuda de um conselheiro do castelo, Conrado, mandamos colocar fogo na casa do fedelho. Todos deveriam ter morrido, nenhum parente do conde deveria sobreviver. Mas Inácio se salvou, ele não estava em casa. Você vê a ironia? Percebe como a vida ri de mim? Você deveria ter morrido no incêndio do galpão e ele a salvou. Ele SEMPRE arruinou meus planos! Com a morte da irmã, o conde mandou o fedelho para um lugar seguro, para ser treinado. Eu me senti culpado, Maria. E frustrado. Estava com dezoito anos nessa época e Alessandra não era mais uma menina. Eu precisei dela, para esquecer o que tinha feito. Mas no dia em que finalmente a beijei, ela me repudiou. Não me queria, disse que estava apaixonada por outro, um copeiro. Ela não nasceu para ser esposa de um copeiro, tinha que ser a condessa. Era o sonho dela e ela jogou tudo fora por um maldito copeiro. Os dois estavam tendo um caso. Me senti um idiota! Eu matei a irmã do conde por ela, para dar a ela a vida que tanto sonhava. E ela me colocou abaixo de um copeiro. Fiquei furioso. Entenda que ficar sem ela nunca foi uma opção. Ela era minha. Só precisava mostrar isso a ela. Fiz de tudo para afastá-los, criei situações que o condenavam, e mesmo assim ela acreditava nele. Como se não bastasse estar com ele, ela se afastou de mim. Disse que ele tinha ciúmes. Se afastou de mim por causa dele. Maria, eu não tive saída, tinha que separá-los. Foi mais difícil com ele do que com a irmã do conde, pois ninguém podia saber. Não pude contar com ninguém. Eu já cursava medicina, mas não tinha o conhecimento que tive quando matei Alessandra. Uma noite, eu o envenenei. Coloquei veneno na comida dele. Fiquei por perto e fui eu a socorrêlo. Ninguém nos viu. Eu o levei ao seu quarto, esperei que ele morresse e depois arrastei o corpo até a mata e o pendurei pelo pescoço em uma árvore. Acharam o corpo dele três dias depois. Suicídio. Me senti culpado Maria, muito. Não saí do quarto por uma semana. Era um fraco. Não estava lá para Alessandra quando ela precisou de mim. Achei que depois disso ela iria se reaproximar de mim, mas ela se afastou ainda mais. Virou outra pessoa. Era fria e mimada. Não sorria como antes, não queria ser minha amiga. Fiz de tudo por ela, mas ela passou a me ofender. Me odiava, nunca entendi porque. Eu sabia que ela mudaria de ideia se eu me tornasse o conde. Se lembraria de seu sonho de ser a condessa. Foi nessa época que Inácio apareceu. O conde estava doente, fraco e achou que não aguentaria por
muito tempo. Inácio era jovem demais, e claramente não estava preparado. Eu o odiei desde o primeiro momento. Ele queria roubar o meu lugar. Era um menino bobo, sem graça e mesmo assim todo o reino o adorava. O conde se encantou com as semelhanças entre eles. Até Alessandra o adorava. Eu via a forma como corava quando ele estava perto. Não podia permitir que outro bastardo tomasse o coração dela... Havia uma mancha na página, alguma bebida, Maria imaginou. Mais nada escrito, apenas a enorme mancha até o final da página. Maria fechou a agenda vendo a expressão de ódio no rosto de Inácio. -Inácio, está tudo bem? Ele imediatamente largou os papéis e se aproximou dela, puxando-a para seus braços. -Eu te amo Maria. Muito. Graças a Deus você me encontrou. Ela tocou seu rosto, confortando-o. -Estou aqui meu amor. Sempre estarei. Ele a beijou e Maria resolveu esquecer Alessandra e Álvaro naquela noite. Na tarde seguinte, sozinha em casa, Maria pegou novamente a agenda. Um arrepio tomou seu corpo e respirou fundo antes de procurar a página manchada. Mal acreditava que faria mesmo aquilo, leria até o final, conforme a vontade de Álvaro. Mas a curiosidade mais uma vez falou mais alto. Encontrou a página manchada e passou para a seguinte. A tinta da caneta era de uma cor diferente das primeiras páginas, e a letra estava mais arrumada, como se ele não estivesse tão desesperado, ou bêbado, ao escrevê-las. Olá Maria, sabia que você não ia me desapontar. Onde estávamos mesmo? Sim, no óbvio. Eu não podia matar o sobrinho do conde. Nem permitir que algum acidente acontecesse. Eu estava do seu lado o tempo todo, me tornei seu melhor amigo, e mesmo assim, ele era intocável. Achei que podia lidar com isso, que podia convencê-lo a desistir do título sem precisar machucálo. Mas ele estava obstinado, Maria. Achava que era o destino dele, que devia isso à mãe morta. Era um puxa saco do velho, essa é a verdade. Maria, por vezes eu torci que algo o fizesse desistir do título, mas nunca, jamais, quis que fosse ela. Eu me lembro de quando ele começou a falar dela. Eu a difamei de todas as formas, a provocava quando ele estava por perto, para que ele visse que ela não servia para ele. Tentei convencê-lo que ela era uma selvagem. Quando vi que não estava funcionando, falei com Esdras, o conde. Ele ficou horrorizado, ocupou todo o tempo do Inácio, para que ele nem pensasse mais nela, deixava claro o tempo todo que nunca aceitara alguém inferior para ser a condessa, e Inácio parecia concordar. Tudo parecia sob controle. Então comecei a segui-la e ela ficava vigiando-o. Ela sempre aparecia onde ele estava, passou a servir o jantar quando ele estava à mesa, estava claro que sentia algo por ele. Eu precisava agir. Você percebe o quanto a amava? Ela era a solução para o problema do título do conde, se Inácio se apaixonasse por ela e desistisse, eu seria o novo conde. Mas eu não queria o título sem ela. Tudo o que fiz foi para tê-la. Conrado, aquele mesmo conselheiro, disse que eu deveria fazer com que Inácio e Alessandra ficassem juntos, para receber o título. Mas entre ela e o título, eu a escolhi. Sempre a escolhi. Então eu a procurei, disse que a amava. Expliquei que o título era meu, mas que estava disposto a abrir mão dele por ela, propus que se casasse comigo e daria a ela uma vida de rainha. Mas ela me chamou de louco, defendeu o Inácio e disse que o amava. Maria, ela o amava! Amava um bastardo qualquer ao invés de mim, de novo!
Fiquei louco. Se Alessandra não fosse minha, não seria de mais ninguém. Era óbvio que estava apaixonada pelo título que Inácio herdaria, não por ele. Essa me pareceu a solução desde o começo, se me tornasse conde, teria Alessandra. Tinha que tirar Inácio da jogada. Ia ser muito mais difícil matá-lo, muito mais arriscado do que qualquer outra coisa que já tinha feito, mas eu tinha que fazer. Conrado não quis me ajudar. Achou aquilo uma loucura, disse que eu estava maluco, que não permitiria que eu machucasse o sobrinho do conde. Todos me achavam louco, fiz você passar por isso, Maria, você sabe como é. As coisas ficaram mais complicadas, para matar Inácio, teria que matar Conrado, ou ele me entregaria. Foi aí que tive a ideia perfeita. Eu sabia que Inácio e Alessandra se encontravam toda noite na margem do rio. Marquei ali com Conrado. Não daria tempo de arrumar uma arma de fogo, o machado, que eu havia encontrado teria que servir. Eu estava nervoso Maria, muito nervoso. Mas era um plano perfeito. Todos pensariam que Conrado matou Inácio para impedir que ele fosse o conde. Ele declarava todos os dias que era contra a nomeação de Inácio. E eu garantiria que um guarda armado encontrasse Conrado com o machado na mão, próximo ao corpo de Inácio. Claro que antes eu daria um jeito de machucar Conrado, para que ele não pudesse fugir. Eu conhecia como a guarda agia, sabia que assim que o soldado visse o machado na mão de Conrado e Inácio caído, atiraria sem fazer perguntas. Eu vi Inácio indo ao encontro dela, mas não a vi. Havia pago uma serviçal para entretê-la e não permitir que ela aparecesse no rio. Esperei um pouco e o segui, mas ele não estava ali. Andei a procura dele, eu o havia visto. Dei a volta pelo rio e foi então que o vi, com ela, nela. Ele estava possuindo minha mulher. Quis matá-lo ali mesmo, mas ela me veria e me odiaria. Tive que conter o ódio que estava sentindo, voltei ao castelo e acionei a toda a guarda. Foi um pandemônio, Esdras ficou furioso com Inácio. Ele não permitiria que Inácio se aproximasse de Alessandra de novo, eu tive outra chance. Alessandra seria punida, eu intercedi por ela. Eu evitei que ela fosse castigada. Convenci o rei a apenas mandá-la embora. E no momento em que ela e a mãe foram expulsas, eu estava lá por ela. A ofereci apoio, abrigo, amor. E mesmo estando na rua, apenas com a roupa do corpo, ela me rejeitou. Disse que sabia que eu os havia entregado. Ela me viu. O ódio que havia no olhar dela me desarmou. Aquele olhar matou o resto de compaixão que havia em mim. Tomei uma decisão, eu iria atrás dela, e a faria implorar pelo meu amor. Maria, ela ia precisar de mim, não tinha dinheiro, ficaria com fome, a quem recorreria? Só eu estaria ali por ela. Mas mais uma vez Inácio interferiu. Ele abdicou do título, de Esdras e foi atrás dela. Ele estendeu a mão para ela quando eu deveria fazer isso, e ela aceitou sem pensar duas vezes. Maria eu a odiei, mas não deixei de amá-la. Tentei esquecê-la, mas não consegui. Ela me pertencia. Para piorar, Esdras resolveu que não passaria mais o título, iria esperar que Inácio reconsiderasse. Eu não tinha mais nada ali, não queria ser apenas o médico do castelo. Fui atrás dela. Ele era o que importava. Mandei um monte de cartas como você sabe e ela nunca me respondia. Tentei me aproximar das amigas que ela fez aqui, e tudo o que descobri foi que Alessandra estava grávida. Esperando um filho dele. Eu nunca permitiria que ela tivesse um filho de outro homem. Nunca permitiria que Inácio tivesse o amor e a família que deveriam ser meus. Eu dei a ela uma chance, Maria. Eu disse que se fugisse comigo, pouparia sua vida. Ela preferiu morrer, a escolha foi dela. Fiquei furioso por mais uma rejeição, possesso por vê-la com a mão na barriga protegendo o filho dele. Você sabe o que eu fiz, não me arrependo. Se não ia ser minha, não seria de mais ninguém. Foi a escolha dela. Mas eu senti, Maria. Doeu saber que nunca mais a veria. Doeu saber que ela preferiu morrer a
ficar comigo. Não foi difícil culpar o Inácio. Eles não estavam bem, mandei receitas de um alucinógeno para ele semanas antes. Já estava fazendo efeito, eu sabia. Não contava que ele fosse conseguir mais uma vez se safar. Mas me contentei quando a cidade se virou conta ele, e ele se prendeu no castelo, se culpando por matá-la. Ele deveria viver assim para sempre. A minha vida acabou quando ela morreu, a dele tinha que acabar também. Imagina como fiquei quando vi você no castelo? Tão linda, cheia de vida e interessada nele... -Oi. Maria deu um pulo com o toque de Inácio. -Calma, sou eu. O que está lendo? Rapidamente Maria fechou a agenda e abraçou Inácio, percebendo que já era noite. -Nada demais. Por que demorou? Algo parecido com preocupação tomou o rosto de Inácio alarmando Maria. -Recebi uma ligação. Meu tio Esdras, faleceu Maria. -Eu sinto muito. Ela o abraçou e deixou que ele ficasse ali, aninhado nos braços dela por um bom tempo. -Querem que eu assuma o condado, Maria. Que volte para o reino. Maria se afastou dele avaliando sua expressão, mas tudo o que viu foi a confusão em que ele se encontrava. -E o que você quer fazer? -Não sei. Não sei se quero voltar lá. -Pensa bem, Inácio. Mas você não precisa ir se não quiser. O que decidir fazer, estarei com você. Ele sorriu e a beijou, sussurrando entre os beijos: -Eu sei meu amor, eu sei. Maria pediu a Inácio que preparasse o jantar e pegou novamente a agenda. Faltavam pouquíssimas páginas escritas, ela queria saber o conteúdo dessas páginas para que pudesse pôr em pratica algo que havia pensado. Algo que ela esperava que ajudasse Inácio. Você era ela, Maria. Era a Alessandra melhorada, mais doce, mais inteligente e tão cheia de vida! Linda, como ela. Como é possível que Inácio tenha tido uma segunda chance? Que tenha encontrado alguém à altura da Alessandra para suprir a falta dela? Maria, Alessandra é e sempre será meu único amor, mas você tinha que ser minha. Você foi a criatura que mais se aproximou do encanto dela, Maria você a supera. Sei que se está lendo isso, devo estar morto, ou ter fugido, é o mais provável. Mas quem sabe dessa vez as coisas não tenham dado certo? Quem sabe dessa vez você não esteja comigo, bem longe de Passaredo, do reino, do Brasil? Talvez já esteja melhor sem seu monstrinho e já me odeie menos. E ao ler isso, você possa me compreender e até me amar um dia. Maria, eu te daria uma vida de rainha. Eu nunca tentaria afastá-la, jamais a machucaria. Mereço que seja meu filho em seu ventre, e não o dele. Caso esteja lendo isso porque deu tudo errado de novo, e Inácio conseguiu mais uma vez tirá-la de mim, quero agradecer por ter lido até o final. Sabia que faria isso. Também quero que pense em como eu seria tão melhor para você do que ele. Ele não a merece, não merece seu filho e não merece o reino, porque sempre foi um fraco. Ao contrário de você e da Alessandra, tão fortes e corajosas. Você deveria ser minha Maria, devia ser o consolo por tudo o que ele tirou de mim, e ele devia saber disso.
Louco. Foi a primeira palavra que veio à mente de Maria. O resto da página estava em branco, mas quando Maria virou a página, havia um desenho dela. Seu rosto estava perfeitamente desenhado, cada detalhe, e havia lágrimas escorrendo por ele. Seu corpo arrepiou-se ao perceber o quanto Álvaro conhecia cada detalhe de seu rosto, até sua expressão quando chorava. Ela virou essa página e havia mais algumas linhas escritas, eram rabiscos, a letra de Álvaro estava enorme e fora das linhas, com muito custo ela conseguiu ler: Não me odeie, não você também. Nunca quis machucá-la, apenas ele. Por favor, não me odeie. Inácio se aproximou dela com um pano de prato pendurado no ombro e curioso sobre o objeto em sua mão. -O que é isso, amor? Maria segurou firme a agenda. Tinha tomado uma decisão -Inácio, do que falavam as cartas endereçadas a você? O semblante de Inácio foi tomado por raiva quando ele respondeu: -Inveja, amargura, loucura. Falavam do ódio que ele tinha de mim. E algumas, do que esperava que sentisse o resto da vida trancado no castelo. Maria o abraçou pressionando a barriga enorme nele. Isso o acalmou rapidamente e logo ele acariciava a barriga dela. -Sinto muito Inácio, mas acho que precisa ler isso. Ela entregou a agenda a Inácio, puxou o pano de prato do ombro dele e o deixou só. Pareia que Inácio estava lendo aquilo há horas e Maria já se perguntava se deveria ficar ao lado dele enquanto lia. Mas, finalmente ele apareceu. Seus olhos estavam vermelhos, mas em seu rosto não havia mais a confusão. Antes que ela pudesse perguntar como ele estava, ele foi logo dizendo: -Vamos para o reino, Maria. Vamos receber nosso título. Você será uma condessa maravilhosa.
FIM
Epílogo... Cinco anos haviam se passado desde a última vez que Maria pisara naquele lugar. Parada diante do castelo, aquele castelo que hora fora seu lugar preferido no mundo, hora o último lugar que queria frequentar, mas onde conhecera o amor de sua vida, onde vivera a primeira e outras noites de amor com ele, onde fora pedida em casamento... Voltar àquele local após todos esses anos a fazia sentir-se emocionada, quase melancólica. Olhou para Inácio novamente antes de passar pelo portão. Ele parecia compartilhar os mesmos sentimentos dela, os dois precisavam de coragem para abrir o portão novamente. Então, a pequena e espevitada Jessica, cansada de esperar na rua, simplesmente passou pelos pais e abriu o portão. -Podemos entrar logo? Quero ver meu bolo! – Pediu a menina animada. Inácio e Maria sorriram e entraram com a filha. Logo do portão, dava para ver os balões e enfeites no castelo, para comemorar o aniversário de cinco anos da pequena. Ela correu animada entre os balões, já estava se divertindo. Maria a olhou com ternura, ela tinha tanto do pai fisicamente e também na teimosia, no mais era uma mini-Maria, como diziam Lucena e Cláudia, esperta, ativa, curiosa, sempre queria saber de tudo, enfrentava tudo, não tinha medo de quase nada. Maria estava ansiosa por reencontrar Moisés e Stanley, Cláudia e Lucena. Vitoria, que ela soubera quando chegara em Ponta Bela que havia saído do hospital e estava sob os cuidados de Marta, que a adotara como uma forma de se redimir por tudo que fizera. Até de Marta Maria sentia falta. Queria ver principalmente Ester, sabia que ela não estava bem da cabeça desde a morte de Jessica e que Moisés se propusera a tomar conta dela. Mas Cláudia havia avisado pelo telefone que ele já estava noivo de uma garota da cidade. Assim que abriram a porta do castelo, avistaram tantas pessoas lá dentro que ficaram surpresos, esperavam apenas as pessoas que conviviam com eles, eles não eram populares, nem queridos antes, mas agora, foram aplaudidos e recebidos como heróis. Maria chegara a receber algumas cartas de moradores da cidade dizendo o quanto admiravam a ela e Inácio, mas não imaginava que fossem ser tão bem recebidos. Lucena mal os cumprimentou e já pegou a pequena Jessica no colo, a levando para conhecer Marta, que estava emocionada pelo nome escolhido para a menina. Marta sorriu pela primeira vez ao ver o jeito divertido de Jessica Lucie Edenhal. Ela e Lucena não deixaram mais ninguém se aproximar da menina, arranjando um pique que Maria não sabia como, mas acompanhando a menina em todas as suas brincadeiras. Stanley e Cláudia se aproximaram deles. Maria deu um longo abraço em Stanley, ele havia saído da prisão há dois meses e estava se acostumando a vida de não policial. Cláudia a olhou com olhos de surpresa e passou a mão na barriga, indicando que esperava um bebê. Maria sorriu e abraçou a amiga, no mesmo instante, Cláudia a olhou com mais brilho ainda nos olhos, ela nem precisou perguntar, Maria assentiu passando a mão na barriga também, estava esperando seu segundo filho. Inácio foi pego de surpresa e a abraçou por um longo tempo comemorando. Alguns moradores contaram a eles que a cidade não permitiu que Álvaro fosse enterrado no cemitério local, e que o corpo dele havia sido cremado por causa disso, e que a própria Lucena jogara as cinzas dele no esgoto. Mas Maria preferiu não se lembrar das coisas ruins e mudou de assunto proibindo o nome de Álvaro naquele lugar. Ela contou a Lucena que sonhara a última vez com Alessandra pouco depois de sair da cidade, e que ela havia se despedido com um semblante de paz e nunca mais a vira. Lucena chorou aliviada que a filha houvesse finalmente descansado em paz. Eles passaram uma tarde agradabilíssima na companhia de amigos, a família que eles realmente
tinham, a pequena Jessica e um ao outro. Cada dia que passava eles se amavam mais, e por mais que tiveram que passar por tanta coisa para conquistar a real felicidade que tinham, Maria faria tudo de novo, pois cada sacrifĂcio valera a pena para viver feliz com o amor de sua vida. Quando a noite caiu, InĂĄcio conseguiu roubar Maria escondido de todos e a levou para a sacada no terceiro andar, aquela onde eles haviam dado o primeiro beijo, e a beijou com amor, desespero, intensidade, como se fosse a primeira vez. E seria sempre assim entre eles, com o amor se renovando e aumentando a cada dia. Por mais que ainda fossem enfrentar alguma eventualidade, ou dificuldade, Maria sabia que estariam sempre juntos, e isso era o suficiente para que fossem imensamente felizes.
Bônus Inácio As paredes escuras desse castelo há tempos são minha única companhia. Aqui, posso viver como mereço, isolado, de tudo e de todos. Os olhares interrogativos que recebo não me interessam. Nada mais interessa. Exceto, a garota que está lá fora. Minhas roupas molhadas são a prova que a toquei, não para machucá-la, mas para salvá-la. Não importa como estou agora, me preocupo com ela. Ela não acorda, sei que está viva, por que não abre os olhos? Será que deveria deixá-la entrar? E se eu a machucar? Não posso permitir que ela se aproxime mais, foi um erro tê-la deixado entrar! Mas ela foi a primeira luz que vi, dentre toda essa escuridão. Uma batida fraca na porta indica que ela acordou. -Olá! Tem alguém aí? Quero abrir a porta, quero aquecê-la, tirar a água de suas roupas, cuidar dela. -Eu sei que está aí. – Ela diz baixinho. Eu só quero abrir a porta e acalmá-la. Ou mandar que ela vá embora se livrar da roupa molhada, mas não posso. Tentei me aproximar, e só o que consegui foi fazer com que ela caísse no rio. Não posso ter nenhum contato com ela. Porque sou um assassino, porque não quero machucá-la. Porque ainda me lembro de como tudo aconteceu.
14 anos atrás... Eu estava indo ao encontro de algo que me pertencia, um título, algo que fui ensinado a apreciar e desejar desde sempre. Isso, esse título, era o que regia a minha vida. Ele definiu a educação que eu tive, minhas amizades, relacionamentos, as pessoas com quem mantinha contato. Cada passo que eu dei. Até o momento em que ia recebê-lo. Até o momento em que a vi. Era linda, como um anjo. O cabelo louro reluzia à sua volta, seu sorriso tímido me fazia querer arrancar uma gargalhada dela. Seu cheiro me fazia querer abraçá-la e não soltar nunca mais. De repente ela se tornou tudo. Passou a ser a razão de cada passo que dei, passou a ser o que regia a minha vida, o que me fazia levantar toda manhã. Eu precisava conquistá-la, precisava que ela fosse minha. Mas havia um problema: ela era uma plebeia. Filha de uma das serviçais do castelo. Eu não me importava com isso, mas minha família se importava. Um dia comentei com meu tio que a achava linda. Imediatamente ele respondeu: -É uma plebeia. Você é um conde, Inácio! Não deve sequer olhá-la como uma mulher. Mas como impedir meu corpo de desejá-la? Tentei me manter distante, e passava mais tempo com Álvaro, o afilhado do meu tio. Ele não a suportava, e sempre me falava sobre seus modos rudes. Mais de uma vez a ouvi dando alguma resposta sarcástica ao Álvaro, e parecia que ela era assim mesmo, selvagem. E mesmo assim, eu ainda a desejava. Consegui manter distância dela por várias semanas. Percebi que ela sempre me olhava de longe, e abria seu sorriso tímido para mim. E a cada dia, era mais difícil não me aproximar dela. Uma tarde, estava cavalgando quando a ouvi cantar. Eu sabia que devia me afastar, mas fui atraído
até ela. Ela estava nua, nadando no rio. Era linda, mais linda que tudo o que havia visto na vida. E o que eu mais queria era tocá-la. Caminhei até a borda do rio, pretendendo tomá-la nos braços, mas quando me viu ali, ela começou a gritar. Tentei me desculpar e imediatamente me afastei, voltei para o meu cavalo atordoado, a imagem de seu corpo nu não saía de minha mente, eu a desejava desesperadamente. Naquela noite, ao ajudar a servir o jantar, ela não olhou para mim. Nenhuma vez. Mesmo que eu tenha tentado chamar sua atenção. Estava chateada. Eu não podia permitir que pensasse que a estava espiando, não havia outro jeito, eu precisava me encontrar com ela. Escrevi um bilhete para que uma serviçal a entregasse, até pensei em pedir ao Álvaro, mas ele nunca o faria. Era do time que achava um absurdo que eu a enxergasse como mulher, porque não era membro da família real. Esperei no rio, onde a havia visto. Estava nervoso, imaginando que ela não fosse, mas, finalmente ela apareceu. Parou a certa distância de mim, me avaliando ao longe, como se estivesse com medo. Me irritou que ela sentisse medo de mim. Não podia ser assim. -Olá, estou muito grato por ter vindo. Seu rosto enrubesceu e notei que abraçou o próprio corpo. Como se estivesse com frio. -Não se pode negar um pedido de um conde. – Ela respondeu. -Ainda não sou um conde. -É quase um. E eu não deveria estar falando com você. Ela virou-se para sair, mas segurei seu braço. -Espere, por favor. Me dê dois minutos. Preciso falar com você, esclarecer uma coisa. Ela parecia confusa, mas deu um passo para perto de mim. Era minha chance de tentar me explicar. -Eu não estava espiando você hoje, mais cedo. Quero dizer, estava, mas não fiz por maldade. Ela cruzou os braços, parecia zangada. -E fez por que então? -Porque não consegui me afastar. Eu a vi por acaso, estava passando por aqui, não queria espionála, mas quando a vi... Você é linda! A coisa mais linda que eu já vi, eu não consegui me afastar. Desculpe. Seu rosto ficou ainda mais vermelho e seu sorriso tímido apareceu. -Tudo bem, não foi nada. -Prometo não olhá-la nua novamente. A menos que queira é claro. Ela gaguejou e eu comecei a rir, meu riso cessando quando ela respondeu: -Eu adoraria. Passamos a nos encontrar toda noite, no rio. Alessandra era espirituosa, divertida e inteligente. Comecei a negligenciar meu preparo para assumir o condado. Mas era mais importante ficar com ela. Álvaro era meu melhor amigo, mas não contei nem para ele sobre Alessandra. Uma noite, eu estava ansioso. Iria me tornar um conte na tarde seguinte. Ao passar pelo velho conselheiro do reino, um velho sábio que tinha os melhores conselhos do mundo, ele me disse: -A mulher da sua vida será aquela que irá salvá-lo da escuridão. Não entendi o que ele quis dizer. Naquela noite, Alessandra não estava na margem do rio. Ao invés, havia um bilhete dela mandando que eu seguisse as pistas. A primeira era um sapato, seguido por uma pulseira. Mais do que depressa fui seguindo as pistas, juntando cada objeto e peça de roupa e levando comigo. Quando avistei sua última peça de roupa, meu corpo todo já estava em alerta. E lá estava ela, nua, sob um lençol, na margem do rio, mas do lado oposto ao que sempre nos encontrávamos.
Linda. Ela sorriu diante do meu deslumbramento, pulou na água e me convidou a me juntar a ela. Tirei a roupa rapidamente e pulei na água. Ela nadou ao meu encontro e mais do que depressa a puxei para meus braços. Foi nossa primeira noite. Adormecemos embolados no lençol, na margem do rio. Acordei com alguém me sacudindo. Antes que me desse conta do que estava acontecendo, Alessandra foi arrancada de meus braços. Eram os soldados do reino, estavam à minha procura. Foi um escândalo. Passei a manhã trancado com meu tio ouvindo um sermão após o outro por minha irresponsabilidade. Depois de ouvir calado como estive a ponto de jogar minha vida para o alto, fui liberado para me preparar para a cerimônia. Queria ver Alessandra, saber como estava, garantir que nada de mal acontecesse a ela. Procurei por ela, mas não a encontrei, e ninguém sabia me dar notícias. Fui receber notícias sobre ela na hora da minha nomeação. Pouco antes de assumir meu lugar ao lado do rei. A serviçal, a mesma que entregara meu bilhete a ela, veio me avisar que Alessandra e sua mãe, Lucena, haviam sido expulsas do reino, sem dinheiro nenhum. Fiquei louco. Imediatamente interrompi a cerimônia e perguntei por elas, meu tio ficou enfurecido, o rei estava possesso, mas eu precisava encontrá-las. Saí do salão mesmo sob as ameaças de que perderia o título. Não importava. Nada me importava mais do que ela. Juntei as coisas mais básicas e algum dinheiro, peguei meu carro e fui procurá-las. Elas não haviam conseguido ir muito longe a pé. Não estavam com nada além da roupa do corpo. Não deixaram que tirassem nem seus pertences do castelo. Lucena se assustou a me ver, mas Alessandra se jogou em meus braços. Estava assustada e tremia. Eu a escolhi, não me arrependo disso. Achei que a mulher da minha vida seria ela, que estaria me salvando de mim mesmo, de um futuro que achei que deveria seguir. Voltamos para o Brasil, nos casamos, construímos nosso próprio castelo. Eu na verdade já não me importava com castelos, títulos e luxo. Mas ela parecia não se perdoar por eu ter abrido mão dessas coisas por ela. Fazia de tudo para que eu me sentisse como um conde. Ela contratou mais empregados do que precisávamos, gostava de dar ordens. Absolutamente tudo o que usava, precisava ser o melhor. Não era má pessoa, de jeito nenhum, só se sentia culpada. Ela não era mais a garota simples, generosa e sonhadora, mas eu a amava. Era uma mulher forte, graciosa e decidida. Eu me empenhei dia após dia para ser o que ela precisava. Para provar que não precisávamos de todo aquele luxo. Que eu era feliz apenas por estar com ela. Nós éramos felizes, mesmo que ela não soubesse exatamente como eu era. Mesmo que eu estivesse descobrindo quem ela era, nosso amor era maior. E é por isso que não entendo por que fiz aquilo. Por que a tirei de mim. Foi tudo tão confuso, as lembranças quase não existem mais, apenas imagens, seu corpo estendido na rua, as pessoas a nossa volta, o sangue, muito sangue. Na hora não soube o que havia acontecido, minha ficha não caiu. Não acreditei que ela estivesse mesmo morta. Mas depois, depois vieram as lembranças, o machado, na minha mão. Eu fiz aquilo, matei a mulher que amava. Merecia morrer também, mesmo que Stanley tenha dito que eu não era culpado, que Isabel tenha garantido isso, eu me lembrava. A dor que senti foi a pior coisa que já senti na vida. E nem acreditava que ela havia mesmo ido para sempre. Essa tem sido minha vida desde então, e acredito que seja do jeito que eu mereço. Eu tirei dela a chance de ter uma vida também, não mereço viver. Fico preso nesse castelo para me lembrar dela, cada parte daqui tem um pouco dela. Nunca falo com ninguém, mas sei que mesmo que eu quisesse
conversar, ninguém falaria comigo. Sou um assassino. Meu tio tentou entrar em contato comigo após o assassinato dela, mas não quis me encontrar com ele, não quis ver ninguém. Stanley vem aqui de vez em quando, mas suas visitas são breves, já que mal abro a porta. Não quero ninguém invadindo a escuridão onde estou preso, ninguém exceto ela. Maria. Eu a vi pela primeira vez há um mês atrás. Estava chegando à cidade de Ponta Bela, seu cabelo marrom estava agitado com o vento, mas o que me chamou atenção, foi a tristeza estampada em seu rosto. Sei que ela não queria estar aqui. Eu havia ido visitar Vitoria, filha de uma amiga, quando a vi. Ela é a coisa mais linda que eu já vi. Mesmo com aquela expressão triste, me prendeu ao ponto de eu parar na rua, deixar Stanley falando sozinho, apenas para olhar para ela. Quando percebeu como eu a olhava Stanley deu um tapa no meu ombro. -Esquece cara. Novinha demais, veio da capital, provavelmente nem vai ficar aqui. E nunca olharia para um recluso barbudão e esquisito como você. -Não estava pensando nisso. – Respondi, mas a verdade é que estava. Ela foi como um raio de sol. Eu a vi algumas vezes, vagando solitária pela cidade, parecia perdida. Mais de uma vez quis me aproximar dela, mas não podia. Não podia colocar mais ninguém em risco. Uma tarde, ao me aproximar da janela, ela estava no portão. Achei que era uma visão, alucinação, minha mente andava muito confusa, e logo ela saiu correndo. Mas voltou na tarde seguinte. Ficou vários minutos parada no portão, olhando para a janela do meu quarto. Não conseguia imaginar o que ela queira aqui. Poucos dias depois a vi entrar no mercado, entrei também. Eu a rodeei, sem que ela percebesse, queria apenas olhar para ela. Foi um enorme descuido ter esbarrado nela, ela me pediu desculpas, me apressei em me afastar. Porém continuei rondando-a, eu sabia que deveria ir embora, que não era certo me aproximar dela, mas existe alguma coisa nela que me prende. Não sei explicar, apenas gosto de vê-la, de estar perto dela, mesmo que através das paredes desse castelo, me tranquiliza saber que ela está aqui. Nessa tarde, ela me seguiu. Chamou por mim, me deixou um bilhete. Vi que ela o deixou ali, e só quando foi embora, fui ver o que era. Oi. Era o que estava escrito, apenas isso. Mas eu não podia respondê-la, não podia encorajá-la a se aproximar de mim. É curiosa, isso está claro, mas logo descobriria o que eu fiz, e nunca mais me procuraria. Era melhor que fizesse isso em segurança. Mas dois dias depois, ela apareceu de novo. Esperou que eu aparecesse na janela, me mostrou um papel e o colocou na caixa de correio, então foi embora. Decidi que não leria aquele papel, não podia encorajá-la, fiquei repetindo isso para mim mesmo por horas, mas quando a noite caiu, fui até a caixa de correio e o peguei. Era maior dessa vez: Oi, Sei que não me conhece, mas gostaria de cuidar das flores da frente do seu castelo que morrerão se continuarem assim. Se não quiser falar comigo tudo bem, apenas deixe o portão aberto durante o dia que eu cuido das flores e saio, e você nem precisa me ver. Maria Maria. Linda garota. Queria cuidar do jardim. Isso por algum motivo me fez rir. Foi estranho, já
não ria há anos, mas essa mulher linda e curiosa conseguiu provocar isso. E era esperta, muito esperta. Percebeu que não queria contato algum com ela. Sim, eu sabia que não deveria de maneira nenhuma permitir que ela entrasse aqui, eu poderia surtar a qualquer momento e machucá-la. Mas e se eu ficasse trancado no castelo enquanto ela cuidasse do jardim? Se não falasse mesmo com ela, nunca aparecesse? As flores realmente precisam de algum cuidado, não me importo mais com isso. Eu sabia que quando ela descobrisse quem eu sou nunca mais voltaria aqui, não daria tempo de machucá-la. Levantei bem cedo na manhã seguinte e abri o portão. Não escrevi um bilhete de volta, não teria nenhum contato, apenas a deixaria entrar no jardim, nada mais que isso. Mas ela não apareceu. Por dias, não a vi. Fui até a casa em que ela morava, mas não vi nenhum sinal dela. Havia descoberto quem eu sou, só podia ser isso. Provavelmente nunca mais a veria. Foi estranho que isso tenha me machucado tanto. Ela é uma desconhecida, que realmente deve se manter longe, para a própria segurança, e mesmo assim eu ansiava olhá-la pela janela a tarde toda. Uma semana depois, acordei com um barulho. Eu sempre abria o portão de manhã, sabia que ela não viria, mas abria assim mesmo. Nessa manhã, eu abri antes de ir dormir, quando o sol estava nascendo. E acordei pouco depois com alguém no jardim. Ao olhar pela janela, avistei seu cabelo marrom, ela estava sentada na terra, com uma pá na mão, arrancando algumas folhas. Ela estava ali. Eu nem me lembrava como era sentir desejo, mas a desejei naquele momento. Tudo o que queria era tocá-la, passear a mão pelo cabelo dela, ouvir sua voz de novo. Me contive. Fiquei ali na janela a tarde toda, tomando cuidado para que ela não me visse. Vez ou outra ria das expressões que ela fazia. Ela é tão linda! E estava ali, tão perto de mim! E ao mesmo tempo tão fora do meu alcance. Tranquei todas as portas, tomei meu remédio, tudo para garantir que não a machucaria de maneira nenhuma. No fim da tarde ela se foi, e me senti mais sozinho do que antes de ela aparecer. Eu sabia que merecia essa solidão, era minha condição há anos, mas de repente estar sozinho me incomodava muito. Eu a segui, ao longe, garanti que ela chegou bem e depois voltei para minha solidão, torcendo que ela aparecesse no dia seguinte. Ela apareceu. Cantarolou enquanto trabalhava, estava tão absorta, que sequer me percebeu tão perto dela, na janela do primeiro andar, onde pude reparar perfeitamente cada detalhe de seu rosto. Até vi um meio sorriso, quando ela plantou alguma flor ali. Eu queria contato com ela. Não podia abrir a porta e deixá-la entrar, mas precisava saber mais dela. E precisava alertá-la que estava se arriscando muito estando perto de mim. Consegui sair do castelo, e deixar algo para ela na caixa de correio sem que ela me visse. Tive uma vontade quase incontrolável de ir até ela, mas não podia. Voltei para dentro do castelo e a observei achar o bilhete antes de ir embora. Ela o leu e sorriu, então procurou por mim, mas eu estava em outra janela, observando-a. Ela tirou algo da bolsa e escreveu, então deixou ali, na caixa de correio, uma reposta. Assim que saiu, fui ver o que era. "Desculpe a demora, não fazia ideia de que você deixaria o portão aberto, mas obrigada. A propósito, qual o seu nome? O meu é Maria." Meu nome. Ela ainda não sabia quem eu era. Se afastaria assim que soubesse. Eu não podia fazer aquilo, não podia me permitir ter contato com ela, deixar que ela se envolvesse comigo, para depois descobrir que sou um maldito assassino. Guardei seu bilhete sabendo que seria o último, e não respondi. Ela iria procurar, iria investigar e nunca mais voltaria.
No dia seguinte ela demorou a aparecer, procurou algo na caixa de correio e pareceu decepcionada por não encontrar nada. Me senti mal por decepcioná-la, mas era para o bem dela. Dessa vez ela não foi até o jardim como sempre fazia, mas começou a andar em volta do castelo. O que estava fazendo? Eu a segui pelas janelas, aonde ela ia, ia atrás, sei que ela me viu, e mesmo assim não correu. Eu só queria falar com ela, só agradecer por estar cuidando do jardim e quem sabe dizer meu nome, dar a brecha para que ela descobrisse quem eu sou. Foi por isso que saí do castelo, por isso fui em sua direção. E então ela começou a descer o barranco. Me apressei para impedi-la, ela poderia cair e se machucar, mas quando me viu, ao invés de estender a mão para que eu a ajudasse, ela se assustou, começou a descer mais depressa e caiu. Fiquei desesperado. Imediatamente desci correndo atrás dela, ela caiu na água com tudo e seu corpo não voltou. Pulei imediatamente atrás, e a tirei. Subi com ela o barranco, a depositei na grama, tive certeza que ela estava bem, fiz o que pude, massagem, respiração boca a boca, seus lábios macios estavam gelados, até que finalmente ela tossiu e abriu os olhos. Logo os fechou novamente. Não soube o que fazer, não podia entrar com ela, não é? A deixei ali, e fiquei na janela mais próxima, até ela acordar. Agora ela está indo embora, e sei que agora é para sempre. Essa menina linda, minha menina linda. Não sei porque me sinto assim por ela, mas ela não voltará, não a colocarei em risco novamente. Vai ser melhor assim, para mim e para ela, que se afaste de uma vez. Antes, só preciso ter certeza que ela está bem.
Agradecimentos Dedico esse livro especialmente para meu amigo Guilherme, por ter praticamente me obrigado a terminá-lo, que o seu sol negro te traga a mesma luz que o nosso sol reluzente nos traz. Não poderia deixar dedicar às minhas anjinhas que tornam tudo isso possível, Maria Fernanda, Regiane Valim, Alda Andrade, Maya Mello, Melody Olivatti, Nátali Obana, Alessandra Lacombe, Maria Rosa, Jaine Gonçalves, Leila Rios, Simone Camargo, Amanda Lopes e Nathália Mattos. A minha anjinha, Aninha, por toda paciência e por ter sido minhas mãos quando eu não podia escrever. Obrigada Papai do Céu, pelo dom que me deu, por me permitir viver em meu fantástico mundo, e ter a oportunidade de compartilhá-lo. Obrigada infinitamente Ellen, Olivia e Daniele, por lerem tudo que eu escrevo sem reclamar. Vocês são as melhores betas do mundo! A minha família, minha base. A Vick, o que seria de mim sem você, amiga? A Juliana, Rayssa, e Gilcelle, amo vocês minhas amigas. A Bah, simplesmente porque te adoro mesmo! rs Obrigada ao Recanto das autoras brasileiras, Morgana das fadas e Overdose literária por todo apoio. Obrigada imensamente, minhas meninas Raquel Tavares, Simone Resende, Ana Mendes, Danny Lobo, Brena Leite, Dany Lobo, Cely Alves, Alessandra Fernanda, Lara Varandas, Mia Klein, Gabryella Macedo, Brisa Leopoldino, Paloma Sá, Cleide Martins, Maria Elisa, Maria Evellyn, Debora Gomes, Amanda Moreira, Jaqueline Renata, Jaqueline Borges, Solange Carvalho, Camila Lima, Brenda Tavares, Dani de Mendonça, Luana Nascimento Cirlene Souza, Denise Bernardes, Nêssah Cândido, Valeria Araújo e Paula Juliana. Nem tenho como agradecer por todo apoio! A Cristiane Spezzaferro, por estar sempre ali quando eu te grito. Obrigada.
PRÓXIMOS LANÇAMENTOS DA AUTORA: DIA 24 DE ABRIL NA AMAZON ESTÚPIDO DESEJO Sinopse:
Celina não está num bom momento, acabou de encontrar o noivo traindo-a com a secretária. Está endividada, perdeu o emprego e, o pior de tudo: está nas mãos do insuportável Sebastian Vaughn. Ela precisa pagar suas dívidas e após perder o emprego, recebe uma oferta irrecusável de Sebastian: acompanhá-lo em uma viagem para o Rio de Janeiro como sua secretária. O problema é que Sebastian Vaughn é o homem mais irritante, pervertido e estúpido que ela já conheceu. Enquanto Sebastian faz de tudo para seduzir a mal humorada e linda Celina Morelli, a garota decide colocar esse milionário convencido no lugar dele. Mas como resistir ao desconhecido mundo excitante que ele promete oferecer?
Obrigada por chegar atĂŠ aqui com InĂĄcio e Maria, espero que tenha feito uma linda viagem.
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