Obra coletiva – Organizador: Higner Mansur
BERNARDO HORTA DE ARAÚJO
150 anos
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LOJA MAÇÔNICA FRATERNIDADE E LUZ INSTITUTO NEWTON BRAGA (Coleção Personagens de Nossa História - nº 02) Obra Coletiva - Organizador Higner Mansur
BERNARDO HORTA DE ARAÚJO 100 ANOS (passamento em 20 de fevereiro de 1913)
2ª Edição 20 de fevereiro de 2013
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Todos devem ficar convencidos de que a República não foi proclamada para ser explorada por grupos especiais que, assenhoreando-se dos postos de mando, julgam-se os únicos capazes de engrandecê-la e felicitá-la. Esses grupos não representam ideal algum político e sim a seita dos exclusivistas, quer para o exercício das diversas funções públicas, quer no reconhecimento das qualidades cívicas e morais dos contrários. (Bernardo Horta)
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Apresentação Higner Mansur Em um tempo como o nosso, em que tantas nulidades são celebradas entusiasticamente a toda hora e em todos os dias, não seria de se surpreender que a memória de Bernardo Horta não seja evocada permanentemente nem pelo povo e nem pelos políticos e administradores, nos seus 100 anos de morte dolorosa. Exemplo como o de Bernardo Horta não serve à maioria deles e, às vezes, dolorosamente, penso que também não serve a quem os elege. Mesmo assim, ainda nos surpreendemos com a falta de homenagem a ele, mesmo que simples, no centenário de sua morte. E ainda acreditamos que exemplos como o de Bernardo Horta servem, sim. Esta homenagem simples à maior figura de Cachoeiro de Itapemirim, esperamos possa, no mínimo, despertar nossas responsabilidades. Os que não merecem homenagem, que continuem a ser homenageados à larga, como estão sendo, até com propaganda paga por eles mesmos, como é costume dos nossos tempos; mas deveriam ser homenageadas figuras da estatura moral de Bernardo Horta. Sem isso, não terá tido importância o sacrifício dessas pessoas; se não, Cachoeiro de Itapemirim será o berço dos covardes, dos silenciosos, dos improdutivos, dos falsos. Peço muitas desculpas por ser, essa 2ª edição, também homenagem simples, papel jornal, minúsculo, como foi minúsculo o número 1 desta série, começada pelas poesias de outro grande homem, Nelson Sylvan. Agrademos a todos aqueles cujos textos aproveitamos e, especialmente, ao Professor Universitário e Mestre em História, Adilson Silva Santos, autor da biografia de Bernardo Horta, ao grande historiador autodidata Evandro Moreira, pela sua persistência em levantar a História de
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nossa terra, a Dário Lumberto Viana (memória viva da Maçonaria em Cachoeiro) e aos descendentes de Bernardo Horta, especialmente Bernardo Carneiro Horta, que o Professor Adilson foi conhecer no Rio de Janeiro. A figura extraordinária de Bernardo Horta não pode ficar escondida. Estamos ajudando a descerrar a cortina secular, sombra que desceu sobre o grande homem, tão grande em vida, tão generoso em atitudes, tão brilhante na carreira política, tão leal aos seus princípios e que soube, como poucos, juntar o ativismo prático de político e administrador com os grandes sonhos do grande sonhador. Aos descendentes de Bernardo Horta de Araujo, a todos eles, prestamos nossa homenagem nos 100 anos de seu passamento, agradecendo-lhes por, mesmo na maior das dores, que nem o século amaina, conservarem viva a memória do grande homem, o maior de Cachoeiro de Itapemirim. Seu sacrifício maior por nosso povo (e por isso pedimos perdão à família), para além do trágico, traz entranhado em si, o orgulho eterno que sentimos, nós que não perdemos a fé nos princípios que nortearam os 51 anos de vida do grande cidadão, do grande brasileiro, do grande exemplo que é Bernardo Horta. Se ao terminar a leitura dessas poucas páginas, algum leitor verter uma única lágrima furtiva, ainda que envergonhada e a esconda com gesto de mão bem disfarçado e; se, além disso, o leitor pensar com um pouco mais de responsabilidade sobre a vida pública (dar um bom voto, por exemplo; não ser bovino, carneiro frequente ao julgar as coisas públicas, outro exemplo), terá sido válido este trabalho. Mas para honrar Bernardo Horta de Araujo é preciso muito mais, caro leitor em formação, a quem, não só, mas principalmente, dedicamos esta memória do maior homem público da História de Cachoeiro de Itapemirim.
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BERNARDO HORTA? Maria Elvira Tavares Costa Ora, Bernardo Horta é o nome de uma rua, muito importante, na cidade de Cachoeiro de Itapemirim – Espírito Santo. Fica no Bairro Guandu, região de muito comércio, do Mercado da Pedra, do Teatro Municipal Rubem Braga. E é a mão para os carros que descem no sentido do centro da cidade. Mas, antes de ser rua... Quem foi esse homem, assim tão importante, a ponto de merecer ter seu nome eternizado numa grande avenida? Afinal, quem foi Bernardo Horta? Nós vamos contar um pouco de sua história. Neste livrinho, leremos pessoas de destaque para a Cultura e a História de Cachoeiro, falando sobre nosso grande personagem. Temos crônicas muito antigas, do tempo em que ele viveu – final do século XIX, princípio do século XX. Também se manifestam: o escritor Evandro Moreira, grande historiador do nosso município; Francisco Aurélio, da Academia Espiritossantense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico e Thelma Maria Azevedo, da AFEL. O Professor Adilson Silva Santos, cuja dissertação de Mestrado teve Bernardo Horta como tema. E o advogado Higner Mansur, também maçom – cuja grande admiração por Horta fez nascer essa singela homenagem. Então, vejamos... Como todos nós sabemos, Cachoeiro teve seu período de maior riqueza e prestígio, durante o ciclo do café – que se deu do final do século XIX até a primeira metade do século XX. Grandes plantações, importantes políticos e intelectuais de destaque
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faziam nossa cidade mais conhecida e respeitada, até mesmo, que a capital do Estado. Nesse tempo, quando Bernardo Horta nasceu, a mão de obra escrava estava muito presente e garantia as grandes safras de café. Havia Barões, imaginem, com suas grandes riquezas. E havia, especialmente, o Barão de Itapemirim. Pois saibam que Bernardo Horta era neto desse tal barão. Nasceu lá mesmo, em Itapemirim, nos domínios de seu avô, filho do Desembargador José Feliciano Horta de Araújo e de Dona Izabel de Lima, filha do Barão. Bernardo foi estudar Farmácia em Ouro Preto, Minas Gerais. Voltou, montou seu negócio de farmacêutico; casou-se com Dona Nininha; fundou o jornal “Cachoeirano”; iniciou-se na Loja Maçônica – e, ao invés, de dar continuidade a tudo aquilo que seu pai e avô consideravam importante – começou a lutar por um mundo diferente daquele em que vivia. Ele era republicano e abolicionista! Contam que em 1888, no dia 02 de janeiro, aniversário do imperador Pedro II, enquanto seu pai e amigos comemoravam em praça pública, Bernardo andou aprontando alguma... mas, isso o Newton Braga vai nos contar logo adiante. Vale dizer que Bernardo Horta tinha pensamentos libertários, modernos, ousados. Ingressou na política, foi vereador, deputado estadual e federal. Foi intendente municipal, que na época era como ser Prefeito de Cachoeiro. E fez muita coisa boa por aqui. É preciso lembrar que, naquele tempo, as coisas eram muito difíceis. As ruas eram de terra batida, e quando chovia todo mundo tinha mesmo que andar na lama. A iluminação pública era feita por lampiões – isso mesmo! – e toda noite lá ia o acendedor de lampiões fazer seu ofício, acendendo lampião por lampião, para a cidade ficar um pouco menos escura. De
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manhã, tinha que apagar. Não tinha prédio para a Câmara Municipal. Também não havia biblioteca nem hospital. Tudo, como já dissemos, era muito mais difícil. Aí, chegou o nosso herói e, decidido, resolveu se dedicar de corpo e alma para dar à sua cidade e ao seu povo uma condição de vida melhor. Ajudou a fundar o Grêmio Bibliotecário (a Biblioteca da Maçonaria de hoje) – e muita, mas muita gente boa mesmo, só conseguiu estudar porque podia encontrar ali seus livros. Dr. Deusdedit Baptista que o dizia – outro grande homem de nossa terra. Também esteve junto com parceiros de coragem e determinação, muitos já vinculados à “Loja Maçônica Fraternidade e Luz”, inclusive Bernardo, na fundação do nosso primeiro hospital: a Santa Casa de Misericórdia de Cachoeiro de Itapemirim, e muitas vidas foram e continuam sendo salvas por conta dessa iniciativa. Enquanto prefeito, usou de todo seu poder e prestígio em favor daqueles ideais pelos quais se fazia guiar. Trouxe a energia elétrica para Cachoeiro – e nossa cidade passou a ser iluminada de uma forma mais moderna e funcional. Calçou nossas ruas. Mandou construir o primeiro prédio da Câmara Municipal. Acima de tudo, Bernardo Horta era um homem idealista; sensível e sonhador dos bons; viveu de peito aberto, sem colocar malícia nas coisas e nas outras pessoas. Ele acreditava que todo mundo era como ele – digno e bom. Foi aí que ele se enganou. Nasceu rico, morreu pobre e endividado – e, certamente, teve muita gente tirando vantagem por conta da sua bondade. Um dia, a vida se tornou motivo de tristeza e angústia. Bernardo foi abandonado pelos amigos e correligionários, traído por pessoas próximas. Trabalhou para o governo, não recebeu.
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Confiou, perdeu. Ficaram as dívidas e a desesperança. Perdido em suas dores, decidiu morrer. Talvez porque achasse que seria mais honroso morrer do que continuar vivendo... Partiu no dia em que completou 51 anos, em 20 de fevereiro de 1913. Desde então, ficou no ar uma pergunta difícil de ser respondida: - Como alguém que deu sua vida por seu povo pode ter sido tão abandonado e esquecido, principalmente hoje? Noventa e nove anos depois de sua morte, nós viemos contar sua história. Não, não temos o poder de trazê-lo de volta, embora estejamos precisando tanto de bons exemplos como os dele em nossa política! Mas, podemos, ao contar seus feitos, despertar em cada um o desejo de fazer um pouco mais por nossa terra e nossa gente. É que estamos cansados de ver tanta notícia ruim sobre os homens públicos – esse monte de corrupção e falta de honradez, que os jornais noticiam todos os dias, pode nos fazer pensar que essas coisas, hoje tão comuns, sejam normais: - Não, não são! Quem sabe, cuidando da história de Bernardo Horta, possamos aprender a sermos melhores cidadãos, mais comprometidos, mais eficazes? Quem sabe podemos ter um pouco mais de esperança no ser humano? Quem sabe, depois de todo esse tempo, possamos despertar entre nós, jovens vocações de guerreiros capazes de preservar sua sensibilidade e espírito público, mas, também, de aguçar um pouco mais suas defesas pessoais, transformando o mundo num lugar melhor de se viver e, também, continuar vivendo nele? O tempo ensina. Cabe a nós recordar e aprender! Boa leitura e boas ações!
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DE LONGE... Júlio Pereira Leite (do Rio de Janeiro, em fevereiro de 1919) Li algures que o melhor meio de julgar da cultura e do sentimento de um povo era estudar o apreço que ele ligava à memória de seus mortos queridos. Por isso, é sempre conveniente a visita ao cemitério de uma cidade, quando se quer avaliar o grau de seu adiantamento e da delicadeza de seus sentimentos. Estas considerações vêm a propósito de uma notícia que chegou hoje ao meu conhecimento e que não pode ser indiferente aos cachoeirenses. A família do saudoso republicano Bernardo Horta acaba de retirar os seus ossos e pretende transportá-los, com os de sua idolatrada esposa, para um jazigo da família aí no cemitério (de Cachoeiro). Julgo que apesar da facilidade com que os mortos são esquecidos, ainda há nessa terra abençoada, de tanta generosidade e de tão belos predicados morais, quem se lembre ainda dessa organização de político combatente, desprendido e abnegado, que se chamou Bernardo Horta d’Araujo. Não fosse o seu isolamento neste recanto, naquele tempo ainda mais obscuro, do território nacional, e seu nome andaria aparelhado aos dos fundadores da República, ele que foi um extremado propagandista e que figurou ao lado de Bocayuva, Saldanha Marinho, Aristides Lobo e Silva Jardim, no 1º Congresso Republicano. Mas Bernardo Horta, a par de um belo talento, de uma cultura literária e política pouco comum, de aguerrido nas campanhas e lutas partidárias, era um sonhador e, até morrer, ou melhor, até matar-se, parecia acreditar nessa coisa impossível que é a
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justiça dos homens e nesse aroma de bondade que a gratidão devia deixar no coração humano. Bem pouco se preocupava de si. Trabalhador, sua operosidade parecia satisfazer-se com as preocupações locais, imaginando sempre melhorar e fazer progredir seu torrão natal. E, no entanto, não era um bairrista na acepção estreita e acanhada deste termo. Vi-o sempre cercado de elementos heterogêneos, atraindo para seu grupo aqueles que via poder ser úteis à sua terra. Era uma preocupação sadia, de acordo com o feitio liberal de seu caráter e as aspirações superiores de seu espírito. Não obstante, muitas pessoas tinham prevenções com os modos rudes, com as franquezas às vezes ásperas e irreverentes de que ele usava. Pensava e dizia: não era um homem de dissimulações e mentiras. Político extremado, gozou incontestavelmente de enorme prestígio no sul do Estado e contava com um grupo de dedicados, seus amigos incondicionais, para os quais sua palavra era um oráculo. Nunca fui de seus íntimos e mantivemos sempre relações de cerimoniosa cortesia e uma recíproca desconfiança. No entanto, inúmeras vezes senti o conceito honroso que ele fazia de minha humilde pessoa, solicitando minha colaboração e, em um dos números de aniversário do “Cachoeirano”, dando-lhe particular relevo. Muitas pessoas julgaram-no um ambicioso. Nunca o foi. Era um esquisito, um sonhador que nunca se acomodou à conveniência e cambalachos. Vivesse em um meio maior, cercado de elementos poderosos, e sua ação seria magnífica e de resultados incomparáveis. Ainda assim, tudo que aí (em Cachoeiro) existe de útil e bom está ligado ao seu nome. A água, a luz elétrica, a imprensa, o calçamento, o edifício da Câmara, o transporte de carnes
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verdes, o matadouro, a Santa Casa, etc., etc. Pois bem, é a ossada deste filho ilustre e de sua querida Nininha, a Ni, como na intimidade ele a chamava, cachoeirense também, que o Cachoeiro vai receber, para o eterno descanso do túmulo! Recebê-los-á indiferente, descuidado, desatento, sem um gesto de carinho, de saudade e de gratidão à memória de um de seus maiores e melhores amigos? Não o creio. O Cachoeiro, que tem o coração sempre aberto às grandes ideias e sabe agasalhar em seu seio os sentimentos mais nobres e delicados, não deixará que os restos mortais de Bernardo Horta e de sua boníssima esposa sejam atirados ao fundo de uma vala, como tantos outros, sem tradição e sem passado. Que ao menos se assinale com uma lasca de pedra furtada às águas sussurrantes do Itapemirim, a cova onde eles ficarem, a fim de que a posteridade possa, num gesto de piedade e de Justiça, cobri-los de flores e orvalhá-lo de lágrimas.
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HOMENAGENS PÓSTUMAS Da redação da revista ARGOS (1919) Da redação da revista ARGOS (1919) A Prefeitura de Cachoeiro de Itapemirim concedeu uma sepultura perpétua para o eterno descanso dos restos mortais de Bernardo Horta e de sua virtuosa consorte. Repousa, finalmente, entre seus irmãos, muito dos quais seus velhos e leais companheiros de lutas partidárias em bem do regime, o valoroso republicano. O continuador da obra de Domingos Martins, filho de Itapemirim como ele, terá sua sepultura carinhosamente guardada pela família cachoeirense, em cujo seio ele viveu e exercitou suas energias de paladino da grande causa da liberdade. Referiu um dos oradores da comovente solenidade de transladação da ossada de Bernardo Horta, que ele mandara enterrar no fundo de sua casa o velho prelo do Cachoeirano, quando o seu jornal passou por uma reforma e adquiriu a grande Marinoni em que ainda hoje se imprime. Pois bem, que se reúnam esses ferros velhos, animados pelo espírito de Bernardo Horta, na mesma cova em que dorme para sempre o grande lutador, como os guerreiros antigos sepultavam consigo a espada gloriosa ou o humilde cacique o seu arco de guerra! Não basta! Resta ainda alguma coisa a fazer e isto compete ao povo e a nós admiradores de Bernardo Horta. Devemos por meio de uma subscrição popular, adquirir uma herma, um modesto mausoléu, uma lápide, qualquer coisa enfim, sobreposta a esta sepultura, cedida ad perpetuam, que lembre aos vindouros quem ele foi. Para este fim concitamos os amigos de Bernardo Horta, os descendentes desta raça, tão nobre em seus sentimentos de gratidão e ternura, à qual tanto serviu o grande abolicionista, a concorrer com uma gota do suor do seu trabalho honrado... Só assim teremos cumprido o nosso dever.
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Loja Ma莽么nica Fraternidade e Luz, ao tempo de Bernardo Horta
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Júlio Pereira Leite - Primeiro Venerável da Loja Maçônica Fraternidade Luz
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Os filhos de Bernardo Horta
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Ilha da Luz - construção da primeira Usina de Energia Elétrica em Cachoeiro, 1902/1903. O senhor de paletó escuro é o engenheiro Florentino Avidos, futuro governador do Estado do Espírito Santo.
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A MAIOR FIGURA DA HISTÓRIA DE CACHOEIRO Newton Braga Estamos no dia 2 de janeiro de 1888. Faz anos hoje Sua Majestade o Senhor Dom Pedro II de Alcântara, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, 63 anos. Para festejar a data organizou-se um churrasco: foi abatido um boi, na praça fronteira à ponte municipal, no lado norte, e são numerosas as pessoas ali reunidas, entre as quais o Tenente Borges, combatente da Guerra do Paraguai, e o doutor José Feliciano Horta de Araújo, dois dos organizadores da festa. Erguem-se vivas ao imperador e se se disser que é este o último ano em que D. Pedro II vê passar o dia de seu natalício no Brasil, ninguém acreditará, por certo. No entanto, a propaganda republicana está agitando a opinião pública e agora mesmo é este o assunto das conversas, no churrasco, e todos condenam as idéias dos que querem destronar o Imperador. Pois é nesta hora que aparece na ponte alguém a dar vivas à República e a gritar: “Abaixo o Imperador”. Armou-se logo o barulho. Gritos, correrias, e por pouco não foi o ousado republicano atirado da ponte ao rio, pelos monarquistas exaltados. Esse alguém era Bernardo Horta, filho do principal organizador da festa, Dr. J. F. Horta de Araujo. O episódio diz bem a coragem e o desprendimento com que Bernardo Horta defendia suas ideias. Quem estuda a História de Cachoeiro sente, a cada passo, a presença desse homem, sem dúvida nenhuma a figura mais expressiva de suas páginas. Nascido em Itapemirim, Bernardo Horta de Araujo fez seu curso secundário em Vitória, indo depois estudar em Ouro Preto, onde se diplomou farmacêutico. Estabeleceu-se em
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Cachoeiro, com farmácia, em 1881, contando, então, 21 anos. Seu nome está ligado às principais realizações cachoeirenses da época, tendo sido vereador, presidente da Câmara Municipal, deputado estadual e deputado federal. Deve-se a ele a construção da ponte sobre o Córrego do Amarelo, na Rua 25 de março, a fundação do Clube Republicano de Cachoeiro, a instalação da iluminação a luz elétrica e aquisição do prédio da Prefeitura, tendo sido um dos fundadores do Grêmio Bibliotecário Cachoeirense, cuja biblioteca e Escola Noturna funcionam ainda hoje, na Loja Maçônica Fraternidade e Luz, e da Associação de Beneficência Cachoeirense, transformada no que é atualmente a Santa Casa de Misericórdia. Foi também redator-chefe de “O Cachoeirano”, tendo sido mais tarde nomeado advogado do Estado do Espírito Santo na questão de limites com o Estado de Minas Gerais, realizando um excelente trabalho que se pode conhecer pelo livro que escreveu a respeito. Teve esse grande cachoeirense um atribulado fim de vida, causado por desgostos políticos, dificuldades financeiras e doença, suicidando-se no Rio de Janeiro, a 20 de fevereiro de 1913, pedindo lhe fosse data sepultura rasa e fosse feito enterro de última classe. Além de dar seu nome a uma das ruas, prestou-lhe Cachoeiro carinhosa homenagem, fazendo trasladar para o cemitério local os restos mortais do que foi a maior figura de nossa história, tendo participado do cortejo verdadeira multidão, num tocante preito de gratidão ao admirável Bernardo Horta.
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BERNARDO HORTA DE ARAUJO Evandro Moreira (Importante pensamento de Bernardo Horta, que comprova sua retidão moral e pode ainda hoje ser repetido por todos nós: “Todos devem ficar convencidos de que a República não foi proclamada para ser explorada por grupos especiais que, assenhoreando-se dos postos de mando, julgam-se os únicos capazes de engrandecê-la e felicitá-la. Esses grupos não representam ideal algum político e sim a seita dos exclusivistas, quer para o exercício das diversas funções públicas, quer no reconhecimento das qualidades cívicas e morais dos contrários”). Bernardo Horta era farmacêutico formado em Ouro Preto e veio para Cachoeiro em 1881, logo após a formatura, abrindo sua farmácia e de pronto abraçando a causa republicana, que já se alastrava pelo país. Foi ele o grande líder em nossa província, aliando-se a outros idealistas e fundando o Clube Republicano, em 24 de maio de 1887, em casa do Dr. Joaquim Pires de Amorim, ali na Avenida Monte Castelo. Foram seus companheiros: Antonio Gomes Aguirre, João de Loyola e Silva, Dr. Henrique Wanderley, Leopoldo Rocha, Joaquim Ayres, Raphael di Martino, Julião de Oliveira, Francisco Henrique Santos, Diogo Pires de Amorim, Antonio Ursino Toscano, José Manoel Rodrigues, João Isidoro Bicalho, Joaquim Mattos, Aurélio Eugenio do Valle e Longo Batista Pereira. Em 11 de junho de 1888 incentivou a criação do Clube Republicano de Alegre e, em 27 de julho, o de São José do Calçado. Em setembro de 1888 realizou-se o Primeiro Congresso Republicano, com grande repercussão na Província. Era filho do Dr. José Feliciano Horta de Araujo, que trabalhou
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para o Barão de Itapemirim e casou-se com sua filha Izabel Lima de Araújo Horta. Por muitos anos militou no jornalismo e na política, elegendo-se várias vezes à Câmara Municipal e ao Congresso Nacional, sendo, afinal, abandonado pelos correligionários. Afastou-se da política em 1911, quando terminou seu mandato de deputado federal, traído e roubado pelos “amigos” de sua própria agremiação partidária. Em sérias dificuldades, abandonado, para não ter de pedir favores, suicidou-se em 20 de fevereiro de 1913 (data de seu aniversário). O “Cachoeirano” fez-lhe o necrológio, enaltecendo sua figura de homem íntegro e idealista, traído pela própria causa que defendeu com honra e fé – a República.
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ENERGIA ELÉTRICA NA ILHA DA LUZ Adilson Silva Santos A maior realização da administração de Bernardo Horta... é a implantação de uma usina hidrelétrica, elevando a cidade de Cachoeiro de Itapemirim à categoria de 1ª cidade do estado a ter o fornecimento de energia elétrica. Na sessão da câmara municipal de 26 de fevereiro de 1902, fica decidida a abertura de concorrência pública para o estabelecimento da luz elétrica... O que se percebe é uma atuação efetiva de Bernardo na execução dessa obra de tamanha envergadura para o município. O local escolhido para a instalação da usina hidrelétrica foi uma ilha entre as fazendas Cachoeira Grande e Aquidabã, uma vez que, no local, havia queda d’água suficiente para produzir força superior a 80 cavalos... No dia 8 de outubro, foram inaugurados os trabalhos, contando com a presença de importantes personalidades, entre as quais o bispo Fernando Monteiro, irmão de Jerônimo e Bernardino Monteiro, o engenheiro Florentino Ávidos, o presidente do governo municipal de Cachoeiro e outras autoridades. O local foi batizado de Ilha da Luz, nome que até hoje identifica o bairro localizado onde, na época, foi construída a usina... A inauguração de iluminação elétrica ficou marcada para o dia 01 de novembro de 1903, data em que se inauguraria, também, o palácio do governo municipal, prédio adquirido durante o período em que Bernardo Horta era presidente do governo municipal. Desde as primeiras experiências com a luz elétrica há um entusiasmo declarado por parte das autoridades políticas, da imprensa local e dos próprios cidadãos, uma vez que se
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tratava de um feito sem precedentes na história de Cachoeiro e do próprio estado. Isso pode ser visto claramente na afirmação de O Cachoeirano de 18/10/1903, quando afirma que a “(...) alma da população cachoeirense tem bastante motivos de palpitar de contentamento. Vamos attravessar uma phase toda de felicidade e prosperidade (...)”. É claro que é preciso relativizar um pouco essa frase e o próprio feito, pois tratase de um discurso e, como tal, é carregado de intenções. No entanto, não é possível desvalorizar um acontecimento como esse e com forte impacto sobre o imaginário da população. O dia da inauguração foi marcado por grande festa e presença de importantes autoridades políticas e populares que buscam participar de um momento tão importante na história da cidade... Todo o centro da cidade estava ornamentado, com bandas de música tocando desde as cinco horas da manhã. Num pronunciamento bastante aplaudido, o presidente do governo municipal, na época Constantino Netto Serra, lembrou os esforços feitos por Bernardo Horta para que essa obra pudesse ser implantada naquele dia. Exaltou em Bernardo Horta tanto a reestruturação econômica que ele fizera enquanto estivera à frente do governo municipal, quanto a resolução de (...) dois problemas mais importantes da prosperidade deste município; adquirindo por compra o prédio que vamos inaugurar e contratando a iluminação elétrica desta cidade (...). (O Cachoeirano, 05/11/1093) Como Bernardo Horta assumira a vaga no congresso federal, não pôde estar no ato da inauguração das duas obras, tendo sido representado por seu tio, o senador Siqueira Lima”.
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BERNARDO HORTA Higner Mansur Bernardo Horta de Araújo, diz Newton Braga, é a maior figura de nossa História. Filho do Desembargador José Feliciano Horta de Araújo (que dá nome ao Fórum) e de D. Izabel de Lima, filha do Barão de Itapemirim, nasceu em 20 de fevereiro de 1862, Itapemirim, na Fazenda Muquy, terras do avô barão. Fundador do 1º Clube Republicano da então Província (23/05/1887), foi Presidente da Câmara Municipal (cargo que equivalia ao de Prefeito) durante quase todo o quadriênio 1900/1903, deixando o cargo em vista de ter sido eleito deputado federal. Fruto de seu trabalho, em 1º de novembro de 1903 foram inaugurados a luz elétrica (na Ilha da Luz) e o prédio da Prefeitura de Cachoeiro (local onde está hoje a Câmara). Casou-se com D. Angelina Ayres Horta, apelidada Nininha, a quem chamava carinhosamente de Ni (ela casou-se com 14 anos e morreu aos 22 anos, de tuberculose). Tiveram cinco filhos: Maria Izabel, Fábio, Zilma, Lélia e José, os quais, após a morte de Bernardo, foram criados pela mãe de Nelson Sylvan. Angelina era filha de Joaquim Ayres (comerciante, fotógrafo, fundador do Grêmio Bibliotecário Cachoeirense e da Maçonaria (em Cachoeiro). Farmacêutico, formado em Ouro Preto – MG (dezembro/1881), jornalista redator-chefe do “Cachoeirano” e político - vereador (na época dizia-se governador municipal), deputado estadual e federal, seu nome está inscrito em nossa história pela atuação em favor da cidade. Simples, idealista, honesto, sonhador e grande orador, como define Evandro Moreira, seus predicados
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foram sua glória e martírio. No término de seus dias, pobre, endividado (o Estado não lhe pagou dívida contraída quando de seu trabalho sobre os limites entre o Espírito Santo e Minas Gerais (1904-1905)), roubado em sua farmácia por um concunhado, doente e desprestigiado e desgostoso com os rumos da República, suicidou-se no Rio de Janeiro, a 20 de fevereiro de 1913, dia em que completava 51 anos, cinco dias após a inauguração do Grupo Escolar Bernardino Monteiro. Imagine o sofrimento do grande homem: esquecido por Cachoeiro, num canto qualquer do Rio, enquanto aqui inauguravam a Fábrica de Tecidos, a Fábrica de Cimento e o mais portentoso de nossos prédios públicos, o Bernardino Monteiro. “Deixou um nome limpo na vida pública, como na particular”, diz Antonio Marins. A cidade lhe prestou (ao menos que sobreviveu) uma única homenagem: dar o seu nome a uma de nossas principais ruas. É muito pouco.
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BERNARDO HORTA, DEPUTADO FEDERAL Adilson Silva Santos Quem foi Bernardo Horta de Araújo? Em Cachoeiro, sabe-se pouco dele e de sua atuação política. Essa indagação, entre outros fatores, levou-me a pesquisar a carreira desse político capixaba desde a criação do primeiro clube republicano do Espírito Santo por protagonismo seu, de Joaquim Pires de Amorim e Antônio Aguirre, em 23 de maio de 1887, até o seu suicídio, em 1913. Bernardo Horta era filho de um importante advogado e político, Dr. José Feliciano Horta de Araújo, neto do Barão de Itapemirim, poderoso político e proprietário de terras na região de Itapemirim, além de sobrinho de Luiz Siqueira da Silva Lima, senador da república. De ambos os lados, paterno e materno, recebeu influências para desempenhar carreira política muito destacada no cenário municipal, estadual e federal. Foi vice-governador estadual e Intendente Municipal quando da instalação da República, governador municipal em dois quadriênios seguidos (1896-1900, 1900-1904), e deputado federal em três legislaturas consecutivas (1903-1911), período impossível de ser olvidado. Bernardo debateu temas de relevância nacional como, por exemplo, a Lei Rosa e Silva (lei nº 1.269, de 15/11/1904), considerada a mais importante lei eleitoral do início da república no Brasil, que permitia o reconhecimento da oposição e a eleição de alguns de seus membros; e a questão dos impostos interestaduais, sempre em defesa dos interesses dos estados, arrancado elogios da imprensa capixaba e carioca. Outra importante participação dele na Câmara refere-se à
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discussão sobre a primeira política de valorização do café. Bernardo foi convidado para uma reunião com os maiores produtores de café do país, tendo feito nela proposta de criação de tipos nacionais de café, bem como de ações que desarticulassem o intermediário e beneficiassem o produtor. Em uma das muitas vezes em que defendeu o Espírito Santo na Câmara tratou de criticar a ação da União em relação aos terrenos de marinha, defendendo as areias monazíticas capixabas contra a cobiça federal. Embora fosse político enérgico, hábil orador, grande conhecedor das leis e passasse boa parte de sua vida longe de casa em virtude das urgências da função, era esposo e pai dedicados, muito apegado à esposa e aos filhos. A ela e aos filhos dirigiase sempre como esposo e pai dedicado e carinhoso, escrevendo sempre que possível para dar notícias suas e desejando ter notícias deles. No retorno à Cachoeiro trazia presentinhos para os filhos, tratando-os com afeto, abraços, beijos e sua preocupação era a de que fossem honestos, dignos, solidários entre si, que aprendessem uma profissão e que suas conquistas fossem pelo trabalho e bons modos. Morreu aos 51 anos de idade, mas não abriu mão daquela que lhe fora companheira inseparável por toda vida: sua dignidade.
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BERNARDO HORTA Francisco Aurélio Ribeiro e Thelma Maria Azevedo Bernardo Horta de Araújo nasceu na antiga Vila de Itapemirim, ES, em 20 de fevereiro de 1862. Fez o curso de humanidades no Ateneu Provincial, em Vitória, diplomando-se, em 1880, pela Faculdade de Farmácia de Ouro Preto. Fundou, em 1887, com outros companheiros, o Clube Republicano de Cachoeiro de Itapemirim, ocasião em que passou a colaborar, ativamente, no jornal O Cachoeirano, propriedade do jovem médico Antônio Gomes Aguirre, de quem se tornou grande, amigo, notabilizando-se na imprensa local, “pela sua pena inflamada e coerente”, seus discursos, em praça pública, despertando sempre os mais vibrantes aplausos, tanto ali como em outros municípios, durante a campanha pela queda da monarquia. Proclamada a República, nada exigiu. Eleito deputado sofreu a primeira das grandes decepções de vida. Legítimo defensor dos ideais republicanos, dos quais fora propagandista ardoroso, teve seu diploma contestado. Seus amigos de Cachoeiro de Itapemirim, contudo, em reconhecimento a seus grandes méritos, decidiram reparar a injustiça e o elegeram, então, para o governo da cidade. Sua administração foi das mais operosas: calçou ruas, construiu pontes, normalizou as finanças, estabeleceu o serviço de iluminação elétrica, muito contribuindo para a ligação ferroviária de Cachoeiro, sendo-lhe prestada expressiva homenagem no dia em que se inaugurou a estação. Em 1903, foi eleito deputado federal, distinguindo-se, durante todo o mandato, pela oportunidade e justeza de seus pronunciamentos, apartes e projetos. Publicou: A Abolição e a República, 1908, e Limites dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, s/d. Suicidou-se, no Rio de Janeiro, na madrugada de 20 de fevereiro de 1913, após uma existência pontilhada de muitos sofrimentos e atribulações.
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BERNARDO HORTA E A MAÇONARIA Higner Mansur A história de Bernardo Horta e sua iniciação na Maçonaria (Loja Maçônica Fraternidade e Luz) deve ter tido começo logo após sua volta a Cachoeiro, princípios de 1882. Vinha de Ouro Preto – MG, onde se formara farmacêutico em dezembro de 1881. Já em 10 de junho de 1883, juntamente com outros cidadãos, alguns maçons, como seu futuro sogro, Joaquim Ayres, fundava o Grêmio Bibliotecário Cachoeirense, que funcionou inicialmente no mesmo prédio onde era a Maçonaria até 1908. Hoje, essa biblioteca é a Biblioteca da Maçonaria, no Colégio Guimarães Rosa (A Maçonaria é proprietária de todo o prédio, e funciona no segundo andar). Embora em 1883 não houvesse Loja Maçônica na cidade (foi instalada em 06 de setembro de 1898) entre os fundadores do Grêmio Bibliotecário estavam outros maçons ou simpatizantes da Ordem, tanto que, em 1908, com a inauguração do novo prédio, o acervo da biblioteca passou à responsabilidade dos maçons, o que permanece até hoje. Bernardo Horta foi iniciado na Maçonaria em 15 de dezembro de 1898, portanto, três meses após a instalação da Loja em Cachoeiro, sendo seu proponente o próprio sogro. Bernardo Horta atingiu o grau 33º, o maior da Maçonaria, sendo orador da Loja por alguns anos. No dia em que foi iniciado na Maçonaria, ele declarou, com está em ata, que: “O respeito que voto à Maçonaria é tão grande, que as minhas próprias convicções políticas ficam esquecidas, quando dentro deste recinto estou”. Não é pouco, quando se sabe ser Bernardo Horta o maior vulto da política cachoeirense.
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Bernardo Horta de Araujo - Este amou a República! Redação do CACHOEIRANO Depois de uma série de dias chuvosos, o firmamento, terçafeira última, pela manhã, apresentou-se despido de nuvens. Foi um dos poucos dias alegres, cheios de sol, a transbordar de vida, que tivemos no novo ano. Pelas onze horas da manhã, começamos a notar um grande movimento nas ruas centrais da cidade. Um grande número de cavalheiros, todos vestidos de preto, dirigiam-se para a gare da Leopoldina. Lá chegados, encontramos igualmente, um grande número de senhoras e senhorinhas. Todo o povo que lá se achava ia prestar a última homenagem, ao grande Bernardo Hora, diretor e proprietário, por largos anos, deste jornal e político na maior evidencia no Sul do Estado. Abolicionista, Bernardo Horta prestou grandes serviços à causa da redenção e foi um dos que mais trabalharam pela liberdade da raça negra. Republicano histórico, o grande político conseguiu derrotar os partidos Liberal e Conservador congregados, sendo a alma do movimento anti-monárquico no sul do Estado. Vinda a República, o grande morto prestou em vários postos à nova instituição serviços assinalados e sua inteligência de escol refulgiu em uma das casas do Congresso. Nós lastimamos a perda do grande mestre do jornalismo, cuja morte aniquilou por vários anos a nossa energia e cuja vida nos serve de exemplo nas grandes lutas. Homem de letras dos mais perfeitos, os seus artigos eram hinos à virtude e quando usado do fel, empregava-o em tal abundancia que o seu adversário abandonava a arena. Nunca ninguém o acusou de um ato indigno, e muitos louvam as suas raríssimas qualidades de caráter. Amava com tanto ardor o nosso jornal, que, ao adquirir para
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ele novo prelo, não quis que ninguém lançasse mão do velho, que tantas lutas tinha vencido, e enterrou-o no quintal de sua residência. Costumava dizer que o velho “Cachoeirano” também tinha feito a República. Prestamos a última homenagem ao grande amigo, que tão cedo abandonou as lutas da vida e lançamos um apelo aos nossos ilustres vereadores que devem dar o nome de Bernardo Horta a uma das nossas novas praças. Cultuando os mortos, faremos ver aos moços que a virtude é sempre recompensada.
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Saudação a Bernardo Horta Cel. Francisco Braga Permiti senhores, que um obscuro cidadão, devotado amigo do pranteado republicano e ilustre brasileiro que foi Bernardo Horta de Araujo, venha por poucos momentos vos importunar, mas desejoso de prestar sentida homenagem a tão querido morto. Senhores, falar-vos de Bernardo Horta é contar-vos a nossa própria História, porém nunca é demais relembrar os serviços prestados pelo republicano histórico que em vida chamou-se Bernardo Horta. Temos e vemos no nosso Município, nesta própria cidade, os serviços prestados pelo ilustre morto, e a República, que tão ingrata foi para o seu fervoroso Apóstolo, muitos e muitos serviços deve ao seu eminente propagandista. Fosse Bernardo Horta filho de um estado grande e poderoso, e já a sua família teria recebido uma pensão do Brasil em recompensa aos grandes serviços prestados pelo benemérito filho do Espírito Santo. Senhores, Bernardo Horta vós o conhecestes, foi um lutador leal, um jornalista de pulso, jamais a sua pena atacou a honra do adversário e da sua família. Bernardo Horta sabia respeitar o adversário e sempre colocava a sua defesa ou o seu ataque, nas normas seguidas pelos homens dignos e de valor. Hoje poucos homens seguem esse caminho, hoje tenta-se atacar o adversário pela calúnia e até o lar do cidadão é ferido. Senhores, percorrei as coleções do “Cachoeirano” onde este querido morto tinha a sua tenda, e vede se em seus luminosos artigos se encontra o ataque ao adversário em sua honra ou dignidade. Quando o ilustre espírito-santense Muniz Freire veio a Cachoeiro e Bernardo Horta, acedendo a seu convite, uniuse ao pacto do político de então, um seu antigo correligionário o interpelou sobre a fusão, dizendo-lhe como poderia ele acompanhar Muniz Freire? Bernardo Horta respondeu-lhe: não tenho incompatibilidade alguma com o Muniz, mas nunca lhe ataquei a honra, sempre o combatia administrativamente, porém
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com decência, e hombridade. Senhores, hoje o Brasil tem um Código Civil, mas o que talvez muita gente ignore, mas que consta dos anais da Câmara dos Deputados, é a lembrança do ilustre morto sobre o bem estar da família; e si percorrerdes com atenção os discursos de Bernardo Horta, lá haveis de encontrar o que ele dizia sobre a propriedade, para garantia do lar, garantia para o pequeno, para o operário, para o lavrador, para os que vivem de seu trabalho cotidiano, e que ao pensar em o dia de amanhã, anteviam a miséria e a fome bater às portas de seus queridos entes. Bernardo Horta muito refletiu sobre o caso, e existe um projeto na Câmara onde ele com muito brilho aventou a questão, e como sabeis, hoje pode um pequeno proprietário deixar a sua propriedade à prole, sem receio de dívidas e de credores argentários apoderarem-se de seus bens. Senhores, a pátria foi uma madrasta àquele que viveu, trabalhou, lutou e amava o Brasil com ardor! A pátria não soube corresponder a isto. Hoje, que aqui recebemos os restos de tão ilustre morto e lhe prestamos esta última homenagem, devemos meditar e servir à nossa pátria com o mesmo ardor e dedicação com que ele o fez. O povo de Cachoeiro prestando essa última homenagem ao seu querido filho, dirá: Bernardo Horta foi um benemérito, um lutador e morreu pobre, suas mãos jamais conheceram o metal que não lhe pertencia. Bernardo Horta morreu pobre; coisa rara nesta República. Paz à sua alma.
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Para execução deste opúsculo, valemo-nos de: Textos Diversos documentos cedidos por Bernardo Carneiro Horta, bisneto de Bernardo Horta. Texto de Maria Elvira Tavares Costa, elaborado especialmente para esta obra. Texto de Newton Braga: do seu “Histórias de Cachoeiro”. Texto de Júlio Pereira Leite, datado de fevereiro de 1919: retirado da revista “Argos” que, por sua vez, o reproduziu de “O Cachoeirano”. Texto de Adilson Silva Santos (sobre a Ilha da Luz): da sua tese de mestrado na UFES. Texto sobre Bernardo Horta e a Maçonaria: informações colhidas junto a Dário Lumberto Viana. Texto de Adilson Santos (sobre o Deputado Federal), a pedido do organizador desta obra. Texto de Francisco Aurélio Ribeiro e Thelma Maria Azevedo: do “Dicionário Escritores e Escritoras do Espírito Santo”, organização e pesquisa de ambos, respectivamente. Texto de Evandro Moreira: do seu inédito “Nosso Pequeno Cachoeiro”. Texto “Saudação a Bernardo Horta”: discurso do Cel. Francisco Braga, primeiro Prefeito de Cachoeiro, pai de Rubem e de Newton Braga, pronunciado em 01/04/1919, no Cemitério de Cachoeiro, quando da trasladação dos restos mortais de Bernardo Horta e de sua esposa, para Cachoeiro de Itapemirim (Extraído do jornal CACHOEIRANO de 06/04/1919 – pág. 2. Texto “Bernardo Horta de Araujo - Este amou a República!” da redação do CACHOEIRANO de 06/04/1919 – pág. 1. Fotos: Bernardo Horta e esposa, D. Angelina Ayres Horta, a Nininha: acervo da família. Filhos de Bernardo Horta: acervo de Bernardo Carneiro Horta. Bernardo Horta sozinho: acervo da Loja Maçônica Fraternidade e Luz.
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Júlio Pereira Leite: Acervo da Loja Maçônica Fraternidade e Luz, da qual foi o 1º Venerável. Ilha da Luz: Coleção Gil Gonçalves. Maçonaria: Acervo da Loja Maçônica Fraternidade e Luz. Bernardo Horta, com um de seus filhos no colo: do livro “Memória Aprisionada”, de Almerinda da Silva Lopes (EDUFES. Recibo do Cemitério Público de Cachoeiro, de 1º de abril de 1919, dos arquivos de Nelson Sylvan. Alvará de Licença de Construção do prédio da Loja Maçônica Fraternidade e Luz, assinado por Bernardo Horta, governante municipal, de 20 de novembro de 1901, do acervo da Loja Maçônica.
Organizador: Higner Mansur Revisão de texto: Maria Elvira Tavares Costa Revisão histórica: Adilson Silva Santos Diagramação: Camilo Lelis
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Impressão:
A GRACAL GRÁFICA E EDITORA tem a imensa satisfação em participar desta obra, homenageando BERNARDO HORTA, a maior figura da História de Cachoeiro de Itapemirim.
Instituto Newton Braga
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20 de fevereiro de 1862 - 20 de fevereiro de 1913
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