Ar limpo, crianças saudáveis e trabalho digno Má qualidade do ar afeta o desenvolvimento da criança e sua capacidade de contribuir para a sociedade Governos devem combater a poluição do ar para melhorar o trabalho, a educação, a saúde e o meio-ambiente A Assembleia Geral da ONU apoia, por exemplo, veículos e fogões mais eficientes, além do reflorestamento
María Fernanda Espinosa Presidente da 73ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas Nova York, EUA
Estudos mostram que crianças expostas à má qualidade do ar apresentam dificuldades no desenvolvimento físico e psicológico. Isso não só prejudica sua qualidade de vida, como limita seu desenvolvimento escolar e suas chances de obter um trabalho digno, o que vai reduzir significativamente sua contribuição para a sociedade como um todo. Dados mais recentes sobre a poluição do ar e a saúde das crianças estão em um novo relatório da Organização Mundial de Saúde, resumido nas páginas 138–141 desta edição. Os desafios vão além dos custos e encargos da saúde. Alguns impactos levam anos ou décadas para se tornarem evidentes. Um relatório recente do Unicef (2017) afirma: ...estudos encontraram associações que ligam diretamente a exposição à poluição do ar a resultados cognitivos, que incluem a redução da memória, do QI verbal e não verbal, a queda no rendimento escolar e outros problemas comportamentais neurológicos. Na verdade, os autores observaram que um estudo entre crianças expostas à poluição detectou queda de quatro pontos no QI aos 5 anos de idade. Isso é particularmente preocupante para os países que se esforçam para alcançar um crescimento econômico inclusivo, erradicar a pobreza e atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Ao sofrerem deficiências físicas ou psicológicas devido à poluição do ar, as crianças podem ter sérios prejuízos em sua capacidade de aprender e se desenvolver, o que restringirá seu acesso à educação e ao mercado de trabalho no futuro. Hoje, está claro para os profissionais de saúde e assistentes sociais que os primeiros mil dias da vida de uma criança são cruciais. É quando o cérebro passa pelo crescimento mais rápido e, para alguns, mais importante. As sementes plantadas nesse período, e os estágios de desenvolvimento alcançados, pavimentam a trajetória para todo o desenvolvimento futuro, abrindo caminho para uma interação humana mais madura, para o processamento de memórias, para o controle de comportamentos, etc. Todos os esforços devem ser feitos para garantir que as crianças tenham a oportunidade de realizar plenamente seu potencial durante esta fase e, quaisquer deficiências potenciais devem ser evitadas ou reduzidas, o que inclui a má qualidade do ar e da água.
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Ao longo do meu mandato como Presidente da Assembleia Geral para a 73ª Sessão, destaquei tanto o “meio ambiente” quanto o “trabalho digno” como questões de importância crítica. Com as ligações óbvias e claras entre os impactos ambientais, acesso à educação/trabalho e qualidade do ar, é importante que os países, comunidades e empresas do setor privado tomem medidas para conter esse problema crescente, especialmente no que se refere às crianças, nosso recurso mais vital e aqueles para quem o nosso trabalho importa mais. Os desafios são muitos e diversos. Baixos padrões de controle na emissão de veículos em alguns países, aliadas a congestionamento de tráfego; indústrias localizadas perto de residências e escolas; falta de energia limpa a preços acessíveis, resultando na dependência contínua de fogões a carvão e a lenha, muitas vezes ineficientes; e desmatamento rápido, são todos fatores que afetam a qualidade do ar. Subjacente a todas essas questões está a rápida taxa de urbanização, que projeta para até 2050 que cerca de 70% das 9 bilhões de pessoas no mundo estarão morando nas cidades.
Early Childhood Matters 2019 Foto: Cortesia11 do Gabinete do Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas 73ª Sessão
‘Para lidar com a poluição do ar, é necessário disposição para tomar decisões que podem ser difíceis em curto prazo, mas que valerão a pena mais tarde.’
Mudanças estruturais são urgentes e necessárias. Iniciativas de desenvolvimento e planejamento urbano precisam levar em conta as emissões de carbono e outros poluentes industriais e sua proximidade a residências e escolas. Da mesma forma, devem persistir os esforços para afastar as famílias de instalações ineficientes e altamente poluidoras de cozinha e calefação a carvão e lenha, substituindo-as por fogões de fontes renováveis de energia que, além de proteger crianças e famílias, reduzem as emissões de gases do efeito estufa. Espaços verdes, inclusive os situados no meio urbano, bem como campanhas de reflorestamento em larga escala, são fundamentais para ajudar a garantir que as defesas naturais do planeta contra os poluentes do ar sejam seguras e adequadas à finalidade. Como exemplo, uma iniciativa ora em ação no Paquistão, o projeto "Billion Tree Tsunami", já atingiu a marca de 1 bilhão de árvores plantadas antes do previsto, com uma nova meta de 10 bilhões a ser alcançada em três anos. Esta iniciativa recebe o apoio de quase a totalidade do Sistema das Nações Unidas, o que demonstra respeito pelo papel das florestas na saúde dos ecossistemas e meios de subsistência, das pessoas e das comunidades. Finalmente, deve-se reforçar o apoio aos veículos elétricos e a um transporte público melhor. Enquanto a mudança para veículos mais ecológicos está bem encaminhada - vemos isso em países como Marrocos, que lançou uma frota de ônibus elétricos, e na Europa, onde veículos movidos a diesel serão proibidos na França até 2040 -, mais deve ser feito para garantir um ar mais limpo em todos os lugares. Importante ressaltar que esses esforços trazem ganhos para todos os envolvidos. O reflorestamento não apenas apoia a saúde e o bem-estar do ambiente e das pessoas, como ainda cria empregos e estimula a subsistência. Para o setor automotivo, investir em veículos mais limpos e em um melhor transporte público pode ajudar a impulsionar a inovação. Os governos podem garantir as mudanças implantando medidas regulatórias que exijam a produção de veículos ambientalmente corretos. Embora gastos públicos e regulamentação sejam temas que frequentemente geram reações negativas, uma forte campanha pública destacando os benefícios claros para o trabalho digno, para a saúde pública e para o bemestar ambiental, ajudará a facilitar o apoio da sociedade. A chave para todo esse esforço envolve um forte compromisso das partes interessadas para enfrentar este desafio. Falamos de governos, autoridades de saúde pública e representantes do setor privado. Tal compromnisso deve incluir ainda uma disposição para tomar decisões difíceis no curto prazo, mas que, assim como os impactos de longo prazo sobre o bem-estar de uma criança, valerão a pena mais tarde, mesmo que inicialmente isso não fique claro. Estudos e análises consistentes da qualidade do ar também serão importantes; a Índia
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deu passos decisivos nesse sentido, emitindo alertas regularmente quando a poluição é muito alta, ao mesmo tempo em que toma medidas para reduzi-la e educar seus cidadãos. Em suma, investir pesadamente em esforços para controlar a poluição do ar, a poluição da água e quaisquer outros fatores ambientais que possam inibir ou prejudicar a saúde, o potencial e o bem-estar de nossos filhos é um investimento na saúde, prosperidade e futuro de toda a população. Acesse este artigo online em: earlychildhoodmatters.online/2019-1
REFERÊNCIA Unicef. (2017). Danger in the Air: How air pollution can affect brain development in young children. Data, Research and Policy Working Paper. Disponível em: https://www. unicef.org/sites/default/files/press-releases/ glo-media-Danger_in_the_Air.pdf (acessado em fevereiro de 2019).
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Primeira infância: por que precisamos investir no futuro das cidades O prefeito e outros líderes de Recife priorizaram as crianças pequenas. Em 2018, a cidade lançou um marco legal para o desenvolvimento da primeira infância. Iniciativas incluem atendimento pré-natal e espaços públicos adequados para crianças.
Geraldo Júlio Prefeito de Recife, Brasil
No Brasil, 18 milhões de crianças vivem em casas com renda insuficiente. Outras 14 milhões não têm garantido pelo menos um dos seus direitos fundamentais, como acesso à saúde e educação de qualidade, moradia, saneamento e proteção contra violência, de acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2015. A Pnad revela que em Pernambuco mais de 60% dos meninos de zero a 14 anos vivem em casas com renda inferior a meio salário mínimo, e mais de 280 mil crianças de zero a 17 anos vivem em favelas no Estado, onde essa vulnerabilidade social gera inúmeros problemas. Com 1,6 milhão de habitantes, Recife, capital de Pernambuco, é a maior cidade do Nordeste, região mais pobre do Brasil afetada por muitas desigualdades sociais. Nesse contexto, políticas públicas de baixo custo e com eficiência cientificamente comprovada são mais do que uma escolha, são uma necessidade. Nos últimos anos, estudos científicos evidenciaram o quão grande é o retorno quando se investe na primeira infância. Pesquisas do Núcleo Ciência pela Infância, formado por instituições como a Universidade de Harvard e a Fundação Bernard Van Leer atestam que quanto melhores as condições da criança nessa faixa etária, maiores as probabilidades de ela desenvolver seu potencial na fase adulta. Como prefeito da cidade, juntamente com vários membros da minha equipe que são líderes em áreas estratégicas relacionadas à primeira infância, participei do Programa de Liderança Executiva na Primeira Infância da Universidade de Harvard. Isso ajudou a criar conhecimento compartilhado sobre o assunto entre os principais tomadores de decisão da administração municipal, dando ao tema a importância que ele merece. Não é possível melhorar a qualidade de vida dos pequenos apenas focando na redistribuição da renda, porque o problema é muito mais amplo. É preciso investir em políticas públicas específicas para as crianças, nas mais diversas áreas. Para garantir a proteção social, o bem-estar e a qualidade de vida infantil, é necessário tirar do papel projetos que promovam a melhoria das condições de vida das crianças no âmbito da saúde, educação, assistência social e direitos humanos. Acima de tudo, precisamos de projetos que ampliem e qualifiquem seu desenvolvimento afetivo e emocional.
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Em todo o Brasil, a primeira infância tem recebido mais atenção. No período eleitoral de 2018, por exemplo, o Unicef lançou a campanha ‘Mais que promessas: compromissos reais com a infância e adolescência no Brasil’ focando o debate em políticas estruturantes, na prevenção, na educação e melhoria da infraestrutura das comunidades, de forma a impactar na realidade dos pequenos cidadãos. Elegemos a primeira infância como prioridade no Recife porque acreditamos que pode ser um investimento efetivo para curar algumas das chagas sociais que afetam nossa cidade. Já implementamos uma política pública abrangente de segurança urbana focada na prevenção da violência e na disseminação de uma cultura de paz, que beneficia especialmente as crianças vulneráveis.
O Marco Legal para a Primeira Infância Para que essa pauta nunca seja esquecida na cidade, independente de quem esteja governando, transformamos essa decisão em Lei. No ano passado, lançamos o Marco Legal da Primeira Infância, que estabelece princípios, diretrizes, instrumentos e competências para a formulação e implantação de políticas públicas que garantam o desenvolvimento físico, emocional e social dos pequenos recifenses de 0 a 6 anos de idade, além de assegurar os direitos das mulheres grávidas.
Foto: Cortesia de Andréa Rêgo Barros
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Essa legislação resultou de pesquisas e debates iniciados em 2017, envolvendo todas as dez secretarias municipais com responsabilidades administrativas que dizem respeito a crianças pequenas e famílias. O documento tem 14 eixos e integra as mais de 200 políticas, programas e projetos que a Prefeitura do Recife desenvolve para os pequenos cidadãos recifenses, como o ‘Programa Mãe Coruja’, que nasceu no Governo do Estado e foi implantado no Recife na gestão atual; o Hospital da Mulher do Recife; e o programa Escola do Futuro, de melhoria da qualidade das escolas e creches municipais. Um passo fundamental para a efetiva implantação dessa política foi a instalação do comitê gestor intersetorial dentro do Marco Legal da Primeira Infância, coordenado pela Secretaria de Planejamento e Gestão. Sob minha supervisão como prefeito, o comitê é responsável pela execução dessas políticas transversais sobre a primeira infância. O objetivo é garantir não só o acesso à educação ou à saúde, mas também trabalhar para o desenvolvimento integral das crianças, considerando especialmente a importância de interações de qualidade com os cuidadores. Iniciativas individuais são monitoradas através de reuniões de acompanhamento de todas secretarias do governo municipal, não apenas dos dez que participaram da preparação do Marco Legal da Primeira Infância. Prazos e responsáveis são claramente definidos, e as deliberações são registradas em atas da Secretaria de Planejamento e Gestão.
‘Não é possível melhorar a qualidade de vida das crianças apenas focando na redistribuição de renda.'
Semana do Bebé e outras iniciativas Para disseminar a importância do cuidado com as crianças nas mais diversas áreas de atuação da gestão municipal, a Prefeitura realiza, há quatro anos, em parceria com o Unicef, a Semana do Bebê do Recife, sempre levando discussões e atividades para as unidades de saúde, creches e escolas municipais, parques e outros espaços públicos e privados da cidade. A Semana do Bebê é uma estratégia de mobilização social que visa fortalecer as ações realizadas no município referentes ao cuidado, promoção, prevenção e assistência à criança, no âmbito da saúde, educação, desenvolvimento social e direitos humanos. Nessa mesma linha, outro evento importante realizado pela cidade é a Semana do Brincar, que evidencia o quanto a ludicidade colabora para o desenvolvimento integral das crianças. Também para estimular as brincadeiras e a leitura, foram entregues mais de 200 mil livros de literatura infantil para as bibliotecas das escolas e creches municipais, e para os 17 mil estudantes da educação infantil levarem para casa. Em 2017 e 2018, cerca de 40 mil jogos educativos e brinquedos foram distribuídos para os parquinhos da rede municipal. Outra iniciativa de destaque são as ações promovidas nos dois Centros Comunitários da Paz (Compaz), nos bairros Alto Santa Terezinha e Cordeiro, com o objetivo de garantir inclusão social, cidadania, fortalecimento
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comunitário e difusão da cultura de paz. Os centros possuem biblioteca, espaço para a prática de esportes e cursos, entre diversas outras atividades que beneficiam crianças e adultos. Adequar os espaços públicos para que crianças de zero a 6 anos possam brincar e interagir socialmente também é uma das preocupações da atual administração. Para essa requalificação urbana, firmamos mais uma parceria com a Fundação Bernard van Leer, através da qual estamos investindo R$ 3,5 milhões em intervenções urbanísticas nos bairros do Alto de Santa Terezinha e Iputinga. O projeto inclui melhoria da iluminação pública, adequação da velocidade dos veículos em trechos estratégicos, acessibilidade das calçadas e requalificação de praças. Concordamos com o argumento da Fundação de que uma cidade boa para mulheres grávidas, bebês, crianças e jovens é capaz de produzir comunidades mais fortes e sustentáveis.
‘Acreditamos que a primeira infância pode ser um investimento efetivo para curar algumas das chagas sociais que afetam nossa cidade.'
Como política pública para redução da mortalidade infantil, o Programa Mãe Coruja Recife faz o acompanhamento de gestantes durante o Pré-Natal e das suas crianças nos primeiros anos de vida. No momento, são 1911 gestantes registradas e 6945 crianças. Além de distribuir itens como banheira, fraldas, sabonetes e pomada para assaduras, o Mãe Coruja se tornou uma excelente forma de repassar a mulheres e crianças a importância do afeto para o desenvolvimento integral das crianças, pois o leite materno e os cuidados pediátricos com a saúde da criança não são as únicas coisas de que os pequenos precisam. Em dezembro de 2018, mais de 250 mães receberam certificados de conclusão do Projeto Geração Afeto, que estimula as relações afetivas entre os familiares e os bebês nos primeiros anos de vida, a começar da fase gestacional, para ajudar o desenvolvimento intelectual e emocional das crianças. Nas cerca de 50 oficinas realizadas com a utilização das técnicas de coaching, as mães participaram em rodas de diálogos e atividades, e receberam acompanhamento personalizado.
O Plano da cidade para a Primeira Infância Não há dúvida de que a atenção às crianças não é apenas uma promessa de campanha na capital pernambucana. Isso está demonstrado pelas mais de 200 políticas, programas e projetos que a Prefeitura do Recife desenvolve para as crianças, o pioneirismo da capital pernambucana na elaboração de seu Marco Legal da Primeira Infância e o Plano Municipal da Primeira Infância, que será lançado este ano para orientar as ações intersetoriais que ainda serão implementadas com esse enfoque. Esse é um real compromisso que firmamos com os pequenos cidadãos recifenses – futuros grandes homens e mulheres que vão contribuir para a construção de uma cidade cada vez melhor.
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O Marco Legal atrela uma série de princípios que visam, sobretudo, a intersetorialidade das nossas secretarias no sentido de somar esforços e equalizar os gastos públicos em torno de projetos, programas e ações que serão criados ou que já existem. Dignidade da pessoa humana, valorização da vida, fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, equidade de gênero, acessibilidade nos serviços e espaços públicos, são alguns dos princípios que constam na lei e que norteiam a elaboração do Plano Municipal da Primeira Infância. Essa intersetorialidade se faz presente em alguns projetos como Geração Afeto e Mãe Coruja, que fazem parte das Secretarias de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos e Saúde, respectivamente. Ambos têm o incentivo às relações familiares como o centro de suas atividades. Assim, as ações se complementam e se potencializam, chegando em todos os bairros do Recife e com cuidado especial dedicado às famílias em estado de maior vulnerabilidade social.
‘O Marco Legal da Primeira Infância estabelece princípios que visam combinar esforços por meio de ações intersetoriais.'
Acesse este artigo online em: earlychildhoodmatters.online/2019-4
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O uso da tecnologia na capacitação de trabalhadores de programas da primeira infância na Índia Governo da Índia usa tecnologia móvel para combater desnutrição, anemia e baixo peso ao nascer. Software ICDS-CAS ajuda a fornecer informações, organizar pessoal da linha de frente e monitorar resultados. Usado atualmente por 120 mil funcionários, sistema ICDS-CAS está sendo implantado em toda a Índia.
Mohini Kak Especialista Sênior em Saúde World Bank, Nova Delhi, Índia
Tecnologias inovadoras podem permitir uma prestação de serviços eficaz e eficiente, melhorando a supervisão e o monitoramento e facilitando o uso de dados na tomada de decisões. O uso da tecnologia móvel no POSHAN Abhiyaan, programa governamental na Índia de combate à desnutrição, oferece lições de como outros programas voltados a crianças e famílias podem utilizar a tecnologia digital de forma efetiva. O POSHAN Abhiyaan atende crianças pequenas, garotas adolescentes e mulheres nos primeiros 1000 dias de vida nutricionalmente críticos para a vida do bebê, desde a concepção até os 2 anos. Implementado pelo Ministério da Mulher e Desenvolvimento Infantil, através de seu programa de Serviços Integrados de Desenvolvimento Infantil (ICDS), o programa tem três objetivos principais: reduzir o atraso do crescimento em crianças menores de 6 anos, a anemia entre mulheres de 15 a 49 anos e a incidência de baixo peso ao nascer. O ICDS emprega 1,4 milhão de agentes comunitários de saúde, conhecidos como trabalhadores Anganwadi. Selecionados dentre a comunidade local, suas responsabilidades incluem nutrição suplementar, vacinação, check-ups periódicos de saúde e aconselhamento por meio de visitas domiciliares. .
O sistema ICDS-CAS
O POSHAN Abhiyaan usa um sistema inovador chamado ICDS-CAS (Common Application Software), que inclui um aplicativo para celular e um painel baseado na Web (dashboard), para ajudar agentes comunitários de saúde na prestação de serviços, além de supervisores e funcionários no acompanhamento do desempenho e na tomada de decisões fundamentadas. A expansão do programa se deu em março de 2018, após testes em distritos em sete estados. O app para celular funciona off-line, assim os agentes comunitários de saúde podem inserir dados em seus smartphones mesmo quando fora do alcance da rede móvel. Os dados serão carregados quando os aparelhos estiverem on-line; o app é multilíngue e multimídia. O sistema ICDS-CAS oferece os seguintes benefícios para os usuários, agentes comunitários e supervisores e gerentes:
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Beneficiários: O sistema pode ser configurado para enviar alertas personalizados por SMS para grávidas e pais de crianças pequenas. Por exemplo: lembrando-os de que devem trazer seus filhos para serem vacinados ou informando-os sobre eventos comunitários. Trabalhadores Anganwadi: Os agentes comunitários de saúde precisavam manter 11 registros em papel. Todos esses registros, exceto um, foram substituídos pelo aplicativo ICDS-CAS em um smartphone. No app há oito módulos: gestão doméstica, agenda de visitas domiciliares, nutrição diária, monitoramento do crescimento, suplementos para levar para casa, lista de beneficiários, gestão do centro Anganwadi e relatório de progresso mensal. Tais módulos são projetados para facilitar o trabalho dos agentes de várias maneiras: os dados inseridos no módulo de gerenciamento doméstico, por exemplo, geram automaticamente a agenda de visitas domiciliares certificando-se de que o agente saiba que, nessa visita em particular, ele deva perguntar à mãe como está a amamentação de seu bebê. Supervisores: são responsáveis pela supervisão de grupos de 20 a 25 agentes comunitários de saúde, chamados setores. Em sua versão do aplicativo ICDSCAS, os supervisores têm acesso a uma lista de verificação, que lhes permite identificar o desempenho de cada agente e lhes fornece dados que orientarão as discussões nas reuniões setoriais mensais. Gerentes: O aplicativo móvel alimenta um painel baseado na web (dashboard), que traz informações em tempo real sobre os serviços oferecidos e o status nutricional dos beneficiários. Isso permite que os funcionários de vários níveis possam monitorar o progresso do programa, desde quarteirão até distrito, estado e país. Isso melhora o gerenciamento e facilita a identificação precoce de falhas, orientando medidas e a tomada de decisões.
‘O sistema fornece informações em tempo real, o que permite aos funcionários monitorarem o progresso do programa.'
Como o aplicativo foi implementado Etapa 1 Aplicação do Design O projeto baseou-se em um pequeno aplicativo de ensaio clínico randomizado, no distrito Saharsa de Bihar, norte da Índia, liderado pela Fundação Bill e Melinda Gates com os parceiros CARE India e Dimagi. A aplicação piloto foi então customizada para os requisitos do programa ICDS. Etapa 2 Aquisição e Contratação A aquisição de telefones celulares e a infraestrutura de suporte necessária (servidores, armazenamento dos dados em nuvem, etc.) era fundamental. Igualmente importante era a contratação de profissionais para gerenciar as questões técnicas. Foi necessária também a implantação de Suporte técnico (helpdesk), com uma ou duas pessoas, em todos os níveis – estadual, distrital e quarteirão.
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Etapa 3 Treinamento de trabalhadores Realizado em modo cascata, começou com o treinamento de formadores multiplicadores que, por sua vez, treinaram os agentes comunitários de saúde. Ao começar a usar o aplicativo, usuários puderam aprender e assimilar a tecnologia com tranquilidade. A agência central de treinamento formou diretamente os supervisores, gerentes de quarteirão e distrito do ICDS, e a equipe do suporte técnico. Etapa 4 Uso de dados para a tomada de decisão A implantação se conclui apenas quando o agente comunitário de saúde começa a usar o aplicativo, e os gerentes do ICDS passam a revisar o dashboard que monitora o progresso.
O sistema rapidamente se tornou aceito Uma avaliação do sistema ICDS-CAS foi realizada de setembro de 2017 a fevereiro de 2018 nos estados de Madhya Pradesh e Bihar. Conduzida por avaliadores externos independentes - uma equipe do International Food Policy Research Institute, da Universidade da Califórnia (San Francisco e Berkeley) e da Neerman - apoiados pela Fundação Gates, descobriu que o sistema rapidamente ganhou ampla aceitação: "Em um mês os celulares estavam substituindo os registros", disse um funcionário estatal do programa ICDS.
FIGURA 1
Agência Central de Treinamento
Treinamento do uso do software ICDS-CAS Treinadores de nível distrital
Treinamento dos trabalhadores Anganwadi no app
Treinamento dos supervisores no app
2 dias Treinadores mestres (Supervisores do ICDS)
2 dias ICDS Supervisores (Supervisores do ICDS)
3 dias/fase; 4 fases
Treinamento do Painel de dados (Dashboard)
Treinamento de solução de problemas
1 dia
4 dias
Unidade de gestão de Programa Estadual Gerentes do Programa Distrital Gerentes do Projeto de Desenvolvimento Infantil
Trabalhadores Anganwadi
Coordenadores Distritais de Suporte técnico Coordenadores de Quarteirões de Suporte técnico
Coordenadores Distritais de Suporte técnico
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A avaliação apontou que 80% dos agentes comunitários de saúde incluídos no estudo usavam o aplicativo todos os dias; 94% entenderam corretamente o agendamento das visitas domiciliares, com mais de 80% identificando os símbolos que indicavam a pontualidade das visitas domiciliares. "No início eu tinha que ver o gráfico de crescimento para saber qual criança tinha perdido peso, ou em qual grupo incluí-la. Mas agora isso já é mostrado diretamente no aplicativo”, disse um agente em Madhya Pradesh. Os beneficiários também atestaram o impacto positivo do programa nos últimos seis meses. Um gerente estadual do ICDS em Madhya Pradesh relatou que o aplicativo havia introduzido um enfoque na qualidade: "Com este sistema, recebo no painel, e em um único local, um conjunto de dados completo que me ajuda a priorizar as intervenções a serem feitas", disse ele.
Lições aprendidas e o caminho a seguir Qualquer programa implementado em escala recorde enfrenta desafios. A necessidade de melhorias no painel de dados foi quase constante desde o lançamento. Até o momento, o foco tem sido principalmente nos resultados, mas a inclusão de indicadores de prestação de serviços se torna importante para o acompanhamento prático.
App ICDS-CAP mostrando um agendador de visitas domiciliares
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O planejamento e o orçamento da infraestrutura, tanto de hardware quanto de recursos humanos, são essenciais para a escalabilidade. Mudanças no design são necessárias para facilitar o acesso aos dados. Um esforço consciente também tem que ser feito para criar uma cultura de utilização de dados para a tomada de decisões, de modo que as revisões periódicas possam ser institucionalizadas. E para uma maior sustentabilidade e ampliação do programa, é importante fazer a transição do suporte de doações externas para o financiamento direto previsto em orçamento. Hoje, o sistema ICDS-CAS está sendo usado por 120.000 agentes comunitários de saúde, com planos de ampliá-lo para todos os 1.400.000. Mesmo em sua escala atual, já é uma das maiores implantações de tecnologia móvel na prestação de programas de saúde pública e nutrição no mundo. Espera-se que cubra todos os 36 estados e territórios da união e 718 distritos da Índia até 2022. Acesse este artigo online em: earlychildhoodmatters.online/2019-16 NOTA As opiniões expressas neste artigo são de inteira responsabilidade do autor. Elas não representam necessariamente as opiniões do International Bank for Reconstruction and Development/World Bank e suas organizações afiliadas, ou a dos Diretores Executivos do World Bank ou dos governos que representam.
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A ‘Global Scale for Early Development’ (GSED) Os países precisam de indicadores de qualidade para monitorar seus objetivos de desenvolvimento infantil. Não há ferramentas confiáveis e de acesso gratuito ao monitoramento populacional de crianças com idade até 3 anos. A ‘Global Scale for Early Development’, agora em fase de testes de campo, poderia fornecer uma solução global.
Membros da equipe do GSED1
Vários estudos nas áreas de neurociência, biologia, genética e ciências sociais demonstraram de maneira inequívoca que os primeiros anos de vida são essenciais para estabelecer os fundamentos da saúde, bem-estar e produtividade na idade adulta (Shonkoff e outros, 2012). Há um consenso crescente de que proteger, promover e apoiar o Desenvolvimento da Primeira Infância (DPI) não só é possível por meio de intervenção e prevenção (Engle et al., 2011), como também é uma prioridade para a comunidade global. De fato, o compromisso político de investir em DPI nunca esteve tão bem estruturado quanto agora. O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4.2, por exemplo, visa garantir que todos os meninos e meninas tenham acesso a um desenvolvimento de qualidade na primeira infância, cuidados e educação pré-escolar, para que possam estar preparados quando chegarem à escola. A Estratégia Global para a Saúde da Mulher, Criança e Adolescente do Secretário-Geral das Nações Unidas visa acelerar o progresso em direção ao cumprimento dos ODS com o lema “Sobreviver, Prosperar, Transformar” (Every Woman Every Child, 2015). Essas iniciativas foram reforçadas pelo Marco de Cuidados Afetivos, lançado na Assembleia da Organização Mundial da Saúde (Organização Mundial da Saúde, 2017).
1 Este artigo foi preparado pelos seguintes membros da equipe GSED: Maureen Black, Kieran Bromley, Vanessa Cavallera (autor principal), Jorge Cuartas, Tarun Dua (correspondente), Iris Eekhout, Günther Fink, Melissa Gladstone, Melissa Gladstone, Katelyn Hepworth, Magdalena Janus, Patricia Kariger, Gillian Lancaster, Dana McCoy, Gareth McCray, Abbie Raikes, Marta Rubio-Codina, Stef van Buuren, Marcus Waldman, Susan Walker e Ann Weber. Os autores são os únicos responsáveis pelas opiniões expressas neste artigo, que não necessariamente representam as opiniões, decisões ou políticas da instituição a que pertencem.
Cada um desses investimentos envolve um requisito crucial: os governos e outras partes interessadas precisam estabelecer indicadores que permitam monitorar o que foi alcançado com relação aos objetivos e metas relacionados ao DPI. A quantificação do progresso, em nível nacional e global, é de vital importância para garantir e manter o compromisso governamental com os objetivos e agendas globais. A maioria dos instrumentos existentes para medir o DPI foi criada em países de alta renda. Estas medidas foram adaptadas e traduzidas por pesquisadores independentes (geralmente sem validação externa) para uso em contextos não ocidentais. Por serem extensas, caras, exigirem treinamento e guardarem restrições quanto à propriedade, tais ferramentas acabam não sendo úteis para o monitoramento populacional e programático exigido pelos ODS e pelos países interessados em investir em programas de DPI. Na ausência de instrumentos adequados para medir o desenvolvimento normal de crianças em vários contextos, outros indicadores (proxy), como a taxa de
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Photo: Jon Spaull/Bernard van Leer Foundation
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pobreza e atrasos no crescimento, têm sido utilizados para calcular o número aproximado de crianças que não realizam plenamente seu potencial. (Black e outros, 2017; Grantham-McGregor e outros, 2017). No entanto, esses indicadores substitutos não são diretamente vinculados ao DPI e não são precisos o suficiente para realizar um bom monitoramento populacional, nem fazer comparações ou avaliar programas. Portanto, são necessárias outras formas de medir o DPI que possam ser aplicadas globalmente em níveis populacional e/ou programático.
O que é a Global Scale for Early Development? A Global Scale for Early Development (GSED) ou Escala Global para o Desenvolvimento da Primeira Infância busca preencher essa lacuna por meio de dois instrumentos padronizados e validados internacionalmente para medir o DPI de crianças menores de 3 anos no nível populacional (formulário curto) e programático (formulário extenso).2
‘São necessárias medidas adicionais de desenvolvimento da primeira infância que possam ser aplicadas globalmente nos níveis populacional e / ou programático.'
Uma equipe multidisciplinar liderada pela Organização Mundial da Saúde está desenvolvendo esses instrumentos. O trabalho representa a harmonização de três iniciativas existentes: Infant and Young Child Development (IYCD), Caregiver Reported Early Development Instrument (CREDI) e Global Child Development Group (GCDG) (McCoy e outros, 2016; Richter e outros, no prelo). Ambos os instrumentos GSED são construídos a partir de um banco de itens comum (a metodologia é explicada no box a seguir). O primeiro é um breve instrumento baseado nas informações fornecidas pelo cuidador, destinado à medição no nível populacional, a fim de: • avaliar e mapear o status do desenvolvimento infantil em todo o mundo • identificar as populações que mais precisam de ajuda, incluindo o monitoramento do impacto de emergências humanitárias e outras crises • acompanhar as trajetórias de desenvolvimento infantil ao longo do tempo no nível populacional, e • controlar os benefícios das políticas e programas de âmbito nacional. O segundo é um instrumento mais extenso para avaliar programas. Combinando avaliação direta com informações fornecidas pelo cuidador, ele permite quantificar o impacto de uma intervenção nos resultados iniciais do desenvolvimento. Ambos foram projetados para serem culturalmente neutros (uma vez traduzidos, podem ser usados em outros lugares com adaptações mínimas e são relevantes em diferentes contextos); simples de administrar; com livre acesso e disponíveis gratuitamente; aceitáveis e compreensíveis para cuidadores e crianças; e de fácil entendimento, tanto para a equipe do programa quanto para os formuladores de políticas.
2 Os autores agradecem o apoio da Fundação Bill e Melinda Gates para a criação do GSED e a realização dos testes de campo.
Esses instrumentos foram concebidos como medidas holísticas do DPI, para serem interpretadas no nível da população ou do grupo, e não para fazer revisões ou diagnósticos individuais de crianças. Os dados coletados com o
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GSED fornecerão a base conceitual e empírica para o desenvolvimento futuro de 'normas' que podem ser usadas para monitorar a proporção de crianças que estão se desenvolvendo corretamente.
Metodologia: como o GSED e os instrumentos de medição foram criados A equipe GSED desenvolveu o perfil alvo do produto descrevendo os objetivos esperados, usos e padrões de validade e confiabilidade dos instrumentos finais. O banco de itens foi construído com base nos dados longitudinais e transversais previamente coletados pelas três iniciativas, incluindo dados de 51 coortes de países de baixa e média renda obtidos com 22 instrumentos de medição de DPI já consolidados (com 2275 diferentes itens de desenvolvimento), que representaram mais de 73.000 crianças anonimizadas com 109.079 avaliações. Em várias iterações de avaliações independentes realizadas por seis especialistas na matéria, foram criados mapas (Lancaster e outros, 2018) para construir pontes entre os instrumentos de DPI existentes, mediante a conexão de itens semelhantes dos diferentes instrumentos em "grupos equiparados". Em uma etapa de modelagem estatística subsequente, o ajuste de dois modelos estatísticos foi comparado ao conjunto de dados combinados: (a) um modelo de resposta ao item logístico de dois parâmetros (2PL); e (b) um modelo Rasch. Os resultados de ambas as abordagens eram comparáveis.
‘Até agora três países foram identificados para testes de campo. Outros países e oportunidades de financiamento adicionais estão sendo explorados’.
Devido à sua interpretabilidade e parcimônia teórica e computacional, um modelo Rasch unidimensional foi finalmente selecionado. Para cada instrumento, os especialistas da área revisaram os itens que se encaixavam nesse modelo Rasch para inclusão no GSED, de acordo com vários aspectos de cada item: representação de domínio e idade, viabilidade e adequação cultural e de desenvolvimento. Esse conjunto completo de itens GSED será examinado mais adiante em uma fase sucessiva de testes de campo. Dadas as propriedades do modelo Rasch, as pontuações do GSED pretendem representar um traço único, contínuo e latente de DPI, que estamos chamando de ‘escore D de desenvolvimento’ (Jacobusse et al., 2006; Jacobusse and van Buuren, 2007; van Buuren, 2014). Esse escore D pode ser padronizado por idade para criar um Escore Z de desenvolvimento para a idade (DAZ), que é semelhante a medidas antropométricas, como o Escore Z da razão entre altura e idade (ZAC) e o Escore Z da relação peso/idade (ZAC). Esse escore DAZ pode ser usado para comparar o desenvolvimento de crianças em diferentes contextos globais.
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Uma vantagem de uma abordagem baseada em IRT/Rasch, que será mais explorada em testes de campo, é que os testes adaptativos podem ser implantados em tablets. As simulações iniciais são promissoras, pois há uma redução considerável nos encargos administrativos e dos participantes, mantendo-se a confiabilidade dos testes.
Planos de curto prazo e direção futura Nossa proposta é avaliar as propriedades psicométricas dos instrumentos GSED através de testes de campo em pelo menos seis países (mais de 1500 crianças por país). O objetivo é eleger países que tenham diferenças em termos geográficos, de idioma, cultura e renda, para avaliar a confiabilidade e a validade dos instrumentos, incluindo validade preditiva de curto prazo e sensibilidade à idade da criança e fatores ambientais contextuais, como educação materna e estado nutricional dos filhos. Três países foram selecionados até agora para testes de campo (Bangladesh, Paquistão e Tanzânia), e outros países e oportunidades de financiamento adicionais estão sendo explorados. Após a realização dos testes de campo, além de rigorosa revisão e análise, os materiais administrativos e de treinamento relacionados ao GSED poderão ser usados em escala global. Trabalhos futuros podem incluir testes de campo adicionais em outras regiões do mundo, além de recomendações para organizar e relatar os indicadores necessários para tomar decisões em nível nacional, bem como para preparar relatórios sobre os ODS em escala global Estamos comprometidos em colaborar com outras organizações que desejam medir o desenvolvimento infantil, como UNICEF, Banco Mundial, UNESCO, Banco Interamericano de Desenvolvimento e outras entidades interessadas na supervisão em nível populacional. Garantiremos a transparência e promoveremos a coordenação dos diferentes instrumentos com o objetivo final de integrar a medição do desenvolvimento infantil desde o nascimento até os 8 anos, para promover o uso de dados sistemáticos que permitam monitorar o progresso alcançado dentro de cada país e no mundo. Dessa forma, o GSED funcionará como um recurso global para medir de maneira rigorosa, interpretável e útil o bem-estar em relação ao desenvolvimento durante os primeiros anos de vida, uma fase de importância crucial. Para ler a versão on-line acesse: earlychildhoodmatters.online/2019-14
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REFERÊNCIAS Black, M.M., Walker, S.P., Fernald, L.C.H., Andersen, C.T., DiGirolamo, A.M., Lu, C. e outros. (2017). Early childhood development coming of age: science through the life course. The Lancet 389(10064): 77–90. Engle, P.L., Fernald, L.C.H., Alderman, H., Behrman, J., O’Gara, C., Yousafzai, A. e outros. (2011). Strategies for reducing inequalities and improving developmental outcomes for young children in low-income and middleincome countries. The Lancet 378(9799): 1339–53. Every Woman, Every Child. (2015). Every Woman Every Child. The Global Strategy for Women’s, Children’s and Adolescent’s Health (2016–2030). Nova York: Nações Unidas. Grantham-McGregor, S., Cheung, Y.B., Cueto, S., Glewwe, P., Richter, L., Strupp, B. e outros. (2007). Developmental potential in the first 5 years for children in developing countries. The Lancet 369(9555): 60–70.
Jacobusse, G. y van Buuren, S. (2007). Computerized adaptive testing for measuring development of young children. Statistics in Medicine 26(13): 2629–38. Jacobusse, G., van Buuren, S. y Verkerk, P.H. (2006). An interval scale for development of children aged 0–2 years. Statistics in Medicine 25(13): 2272–83. Lancaster, G.A., McCray, G., Kariger, P., Dua, T., Titman, A., Chandna, J. y otros. (2018). Creation of the WHO Indicators of Infant and Young Child Development (IYCD): metadata synthesis across 10 countries. BMJ Global Health 3(5): e000747. McCoy, D., Black, M.M. and Dua, T. (2016). Measuring development in children from birth to age 3 at population level. Early Childhood Matters 125: 34–9.
Richter, L., Black, M.M., Britto, P., Daelmans, B., Desmond, C., Devercelli, A. E. e outros. (no prelo). Counting down for early childhood development: An imperative for action at scale. BMJ Global Health. Shonkoff, J.P., Richter, L., van der Gaag, J., y Bhutta, Z.A. (2012). An integrated scientific framework for child survival and early childhood development. Pediatrics 129(2): e460–72. Van Buuren, S. (2014). Growth charts of human development. Statistical Methods in Medical Research 23(4): 346–68. Organização Mundial da Saúde (2017). Nurturing care for early childhood development: a framework for action and results. Disponível em: http://www.who.int/maternal_child_ adolescent/child/nurturing-care-framework/ en/ (último acesso em março de 2019).
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Istanbul95: inovando com parceiros O programa Istanbul95 busca melhorar a vida na cidade de crianças pequenas e seus cuidadores Mapas inovadores ajudaram a identificar onde famílias vulneráveis têm menor oferta de serviços Quatro distritos parceiros testam iniciativas de visitas domiciliares e melhorias em parques públicos
˘ Aksakoglu ˘ Yigit Country Representative, Turquia Bernard van Leer Foundation, Istambul, Turquia
Cerca de um quarto de milhão de bebês nasceram em Istambul em 2017, cidade com mais de um milhão de crianças com até quatro anos de idade. Quando nós da Fundação Bernard van Leer, junto com nossos parceiros, decidimos desenvolver uma estratégia Urban95 para a cidade - nosso programa para melhorar a vida urbana de crianças pequenas e seus cuidadores – questionamos: por onde começar? Com base em nossas experiências anteriores decidimos fortalecer as capacidades dos distritos que compõem a cidade de Istambul. Eles fornecem uma ampla gama de serviços sociais, incluindo bancos de alimentos, programas de transferência de renda, creches, parques públicos e infantis. Já os serviços de saúde são administrados centralmente. Precisávamos entender onde tais serviços estavam disponíveis e em quais bairros as necessidades eram maiores. O Centro de Estudos de Istambul (ISC) da Universidade de Kadir Has nos ajudou a localizar as crianças mais desfavorecidas na cidade. Um exercício de mapeamento de dados permitiu visualizar as relações entre fatores tais como o valor das moradias e a maneira como as crianças de diferentes faixas etárias estão distribuídas pela cidade. Já a Fundação de Estudos Sociais e Econômicos da Turquia (TESEV) coletou informações sobre a infraestrutura e os serviços existentes nos distritos, tais como a localização das creches e o número de crianças que atendem, além da localização dos parques e quais equipamentos infantis eles têm. A maioria dos distritos concordou em fornecer tais dados. Ao sobrepor estas informações aos mapas distritais do ISC pudemos identificar claramente os bairros onde os serviços e a infraestrutura atuais estão mais atrasados em relação às necessidades locais. Esses mapas tornaram-se uma ferramenta inovadora para a tomada de decisões, além de gerar um interesse significativo, o que levou representantes de 25 dos 39 distritos de Istambul a participarem do evento de lançamento em 2017. Os mapas estão disponíveis na versão online em turco e inglês.1
1 Informações sobre o programa Istanbul95 ‘Project for the analysis and mapping of services directed at children and their families in Istanbul’s district municipalities’ estão disponíveis em: http://belediye.istanbul95. org/en
Desenvolvemos parcerias com quatro distritos – Beyoglu, ˘ Maltepe, Sarıyer e Sultanbeyli – para trabalhar com duas intervenções piloto: desenvolvimento de serviços de visitas domiciliares de apoio aos pais, e melhoria dos espaços públicos verdes.
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Desenvolvendo intervenções de baixo custo de apoio aos pais A Universidade Bogaziçi ˘ nos ajudou a desenvolver uma intervenção eficaz, simples e de baixo custo de apoio aos pais. Uma equipe de acadêmicos dos departamentos de psicologia, educação e economia conduziu grupos focais com cuidadores (principalmente mães) e crianças pequenas. Juntos, decidimos basear nosso programa de visitas domiciliares na metodologia Reach Up and Learn. A University of the West Indies, que desenvolveu o currículo Reach Up e treinou a equipe por 10 dias. Com base no que aprendemos nos grupos focais, adicionamos visitas sobre nutrição e depressão materna a partir do sexto mês de gestação. A equipe desenvolveu material de treinamento para visitadores e supervisores domiciliares, manuais para confecção de brinquedos e um currículo para 73 visitas – com uma visita a cada duas semanas – focadas na promoção de interações mais frequentes e de maior qualidade entre cuidador e criança. Cada distrito parceiro enviou para o treinamento pelo menos três agentes domiciliares e um supervisor. Cobrimos os custos de treinamento e supervisão, enquanto os distritos arcaram com os custos de empregados recém-contratados ou recrutados de departamentos como assistência social, creches e serviços sociais. Os mapas foram usados pelos distritos como ponto de partida na identificação de famílias para a fase piloto e para um grupo de controle. A meta da fase piloto era atingir 120 famílias por município – 480 no total – com um visitador familiar cobrindo 40 famílias com encontros que tinham duração de 45 minutos.
‘Desenvolvemos parcerias com quatro distritos para trabalhar com serviços de visitas domiciliares e melhoria de espaços públicos verdes.’
A equipe acadêmica desenvolveu um processo de avaliação com foco na saúde mental e desenvolvimento da linguagem. A avaliação também permitirá projetar o ganho econômico que o programa traz para as famílias e comparálo com o custo necessário para ampliar a escala. Contratamos uma empresa de pesquisa para coletar dados das 480 famílias e de outras 480 do grupo de controle, coletados durante a gravidez e na fase de 9 a 18 meses de idade da criança. Os resultados finais ainda não estão fechados – a fase piloto começou no início de 2018 –, mas os dados coletados em 9 meses parecem promissores, com feedbacks muito positivos até aqui. Uma mãe, por exemplo, relatou que está olhando nos olhos do seu filho recém-nascido e conversando com ele durante a amamentação, o que ela não fez com os dois primeiros filhos. Os visitadores e supervisores domiciliares relatam que se sentem motivados pelas transformações que estão observando. Já estamos trabalhando com líderes municipais com vistas à possível expansão do programa. Assim, caso a avaliação final seja positiva, eles podem incluí-lo em
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seus planos estratégicos. Em paralelo, temos trabalhado juntos para a melhoria de espaços de recreação ao ar livre para crianças pequenas e cuidadores.
Espaços públicos verdes Istambul, cidade de 15 milhões de habitantes, é famosa pelos congestionamentos de trânsito e pela poluição do ar, motivo pela qual precisa de mais parques e espaços públicos para crianças pequenas e cuidadores. Combinamos com os distritos parceiros que eles destinariam recursos para a melhoria dos parques enquanto nós bancaríamos os custos de projeto. Em contato com a Superpool, uma empresa de arquitetura, expressamos nossa intenção de extrapolar a simples construção de playgrounds: queríamos criar espaços convidativos, que ajudassem as crianças a se desenvolverem e, ao mesmo tempo, estimulassem os cuidadores a ficarem mais tempo nos locais. A Superpool pesquisou sobre o desenvolvimento físico e cognitivo das crianças durante os três primeiros anos de vida e, a partir daí, compilou uma série de ideias simples para atender essas necessidades. Trabalhando com o Departamento de Artes e Design da Kadir Has University Arts e com o StudioX
Foto: Cortesia de Mekanda Adalet Dernegi/Centre for Spatial Justice
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da Columbia University, a Superpool realizou visitas de estudo a Copenhagen e a cidades na Holanda, onde ao lado de líderes de municípios parceiros pôde observar algumas ideias em ação. Agora, a Superpool desenvolve projetos para espaços públicos voltados a cada um dos distritos, que por sua vez organizam seus orçamentos e planos de trabalho.
O poder transformador das crianças pequenas Istanbul95 tem sido muito motivador para nossos parceiros, que se entusiasmaram para expandir os resultados obtidos até agora. A Kadir Has University, por exemplo, desenvolveu o primeiro programa de Mestrado em Artes dedicado ao desenho urbano˘ para crianças pequenas e cuidadores. Começamos a trabalhar com a Bogaziçi University em uma adaptação local da campanha Boston Basics, com mensagens incentivando os pais a brincarem e interagirem com seus filhos. Como pai de duas meninas, experimentei pessoalmente como o foco no desenvolvimento das crianças transforma nossa maneira de pensar – como aprendemos à medida que elas crescem, e como nossas ideias sobre o que devemos ser também evoluem. É emocionante ver que a mesma coisa pode acontecer em uma cidade. Acesse este artigo online em: earlychildhoodmatters.online/2019-24
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Programas de transferência de renda acelerando o desenvolvimento da primeira infância: ensinando pais a estimularem seus filhos Vincular transferência de renda a programas parentais pode auxiliar no capital humano infantil. Apoio financeiro pode ser combinado a incentivos para investir no desenvolvimento da criança. Novo relatório do Banco Mundial avalia evidências e modelos emergentes.
Laura B. Rawlings Especialista Líder em Proteção Social Julieta M. Trias Economista Melissa Zumaeta Aurazo Consultora World Bank, Washington DC, EUA
A pobreza tem um forte efeito nocivo sobre o desenvolvimento infantil e mais ainda sobre a acumulação de capital humano. O Banco Mundial lançou recentemente o “Human Capital Project”, onde ressalta que os investimentos nos primeiros anos da criança estão entre os mais inteligentes que um país pode fazer para combater a pobreza extrema, reduzir a desigualdade, impulsionar a prosperidade compartilhada e desenvolver o capital humano necessário para crescer e diversificar sua economia. O relatório Promoting Early Childhood Development through Combining Cash Transfers and Parenting Programs (Arriagada et al., 2018) examina o potencial obtido na conjugação de programas de transferência de renda e parentalidade, voltados aos mais pobres e vulneráveis, com o objetivo de aumentar o capital humano das crianças. Os programas de transferência de renda são normalmente planejados para famílias pobres, onde se concentram déficits de desenvolvimento infantil, como a desnutrição crônica. Eles têm um rico legado devido à concentração de ações ligadas a práticas comportamentais, como as relacionadas aos investimentos feitos pelos pais na formação de seus filhos. Programas assim, em favor da população mais ,desfavorecida podem ajudar a diminuir os efeitos nocivos e duradouros da pobreza sobre o desenvolvimento da criança, além de apoiar a acumulação de capital humano e reduzir a desigualdade precoce na vida. Há evidências comprovadas de suas contribuições na proteção e melhoria da saúde, da nutrição, da educação e no acesso das crianças aos serviços essenciais. (Fernald et al., 2012; Bastagli et al., 2016; de Walque et al., 2017). Além do apoio financeiro, os programas de transferência de renda geralmente trazem no bojo ‘medidas de acompanhamento’ na forma de bens e serviços, medidas essas muitas vezes destinadas a introduzir determinados comportamentos e investimentos entre os pais para que melhorem os resultados do capital humano de seus filhos. Transferências condicionais de renda destinam-se a exigir ou incentivar os pais a levarem seus bebês aos postos de saúde para exames pré e pós-natal, a participarem de reuniões de promoção do crescimento, e a enviarem as crianças para a escola com regularidade. Cada vez mais, os programas de transferência de renda têm fornecido diretamente bens e serviços complementares ligados ao desenvolvimento da
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primeira infância, bem como incentivando pais e cuidadores a participarem de programas parentais e a melhorarem seus conhecimentos e práticas.
Transferência de renda e formação de pais Cruciais para o desenvolvimento saudável das crianças, pais e cuidadores devem investir na nutrição e saúde dos filhos, garantindo a eles um ambiente apoiador e seguro, além de acesso aos serviços essenciais. São os pais que moldam ativamente as habilidades e o desenvolvimento socioemocional das crianças, brincando com elas, conversando, lendo ou contando histórias e respondendo interativamente às suas reações. Programas de transferência de renda combinados com ações de acompanhamento destinadas a melhorar as práticas parentais podem resultar em uma ferramenta poderosa para a melhoria do desenvolvimento infantil durante os primeiros anos de vida. Países desenvolvidos e em desenvolvimento mostraram que produzir intervenções na maneira de criar os filhos traz, em muitos casos, impactos positivos nas práticas educacionais, nos ambientes domésticos e nos resultados do desenvolvimento infantil. No entanto, a maioria das evidências até hoje ocorreu em intervenções em pequena escala, realizadas através de visitas domiciliares.
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Early Childhood Matters 2019 Foto: Cortesia da coleção de fotos do World Bank
Encontramos dados promissores, e em um ambiente escalável, na combinação de programas de transferência de renda e parentalidade em quatro países – Colômbia, México, Níger e Peru. O que se inferiu nesses casos é que a vinculação de intervenções parentais a transferências de renda não só melhora os comportamentos dos pais, como também o desenvolvimento da criança no curto prazo, trazendo resultados significativos na área cognitiva, na linguagem e no desenvolvimento socioemocional. As evidências, no entanto, ainda são escassas, apesar de promissoras, e muitas vezes estão baseadas em pequenos ensaios, o que exige mais pesquisas para que se possa compreender os elementos-chave das combinações ideais, a fidelidade na implementação, a eficiência em termos de custos das diferentes características do projeto, a replicabilidade e a sustentabilidade dos resultados obtidos. Versão online deste artigo em: earlychildhoodmatters.online/2019-26
REFERÊNCIAS Arriagada, A.-M., Perry, J., Rawlings, L.B., Trias, J.M. and Zumaeta Aurazo, M. (2018). Promoting Early Childhood Development through Combining Cash Transfer and Parenting Programs (relatório completo). Washington DC: World Bank Group. Versão curta disponível em: http://documents.worldbank.org/curated/ en/827231544474543725/pdf/WPS8670.pdf (acessado em Janeiro 2019). Bastagli, F., Hagen-Zanker, J., Harman, L., Barca, V., Sturge, G. and Schmidt, T. (2016). Cash Transfers: What does the evidence say? A rigorous review of programme impact and the role of design and implementation features. London: Overseas Development Institute.
De Walque, D., Fernald, L., Gertler, P. and Hidrobo, M. (2017). Cash transfers and child and adolescent development. In: Bundy, D.A.P., de Silva, N., Horton, S., Jamison, D.T. and Patton, G.C. (eds) Disease Control Priorities: Volume 8, Child and Adolescent Health and Development (3ª edição). Washington DC: World Bank. Disponível em: http://dcp-3.org/chapter/2472/ cash-transfers-and-child-and-adolescentdevelopment (accessed January 2019).
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Fernald, L.C., Gertler, P.J. and Hidrobo, M. (2012). Conditional cash transfer programs: effects on growth, health, and development in young children. In: King, R. and Maholmes, V. (eds) The Oxford Handbook of Poverty and Child Development. New York: Oxford University Press.
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