Magia com cheiro e sons de hortelã *Resenha de PETER O’SAGAE
O Pacote que tava no Pote ( Paulinas, 2003) Contra feitiço, feitiço e meio ( Paulinas, 2006) A Chave eu o vaga-lume alumiou ( Paulinas, 2006) Gaitinha tocou, bicharada dançou ( Paulinas, 2008) *Fonte: Dobras da Leitura – O Blog (http://dobrasdaleitura.blogspot.com.br/2010/07/magia-com-cheiro-e-sonsde-hortela.html)
Eloí Elisabete Bocheco renova com muita suavidade as velhas fórmulas e brinquedos falados da poesia oral de tradição popular, de maneira tal que suas narrativas soam como se saíssem do imaginário de nosso folclore.
De doce-doce, regalou-se o leitor com a primeira história da bruxinha Elisa — que ganhou um baú que foi da mãe da mãe da mãe de sua mãe... Um baú de longa posse que varia cores, conforme as artimanhas de Eloí: num dia, é verde salpicado, depois amarelo quindim, depois lilás estrelado, até mesmo cor de concha recém-encontrada! E, dentro do baú, está uma caixa com outra caixa dentro. E, dentro, um saco de algodão. E um pote... E um pacote!
Começa assim o mistério do livro
O
pacote que tava no pote (2003) que traz
uma
narrativa
no
embalo
da
lengalenga, um jeito de contar que faz a história
crescer,
crescer,
crescendo
também a curiosidade de quem ouve ou lê. Começa assim o caminho de Elisa que só pode abrir o pacote com a ajuda de uma andorinha,
em véspera de lua cheia.
Atravessando o Ribeirão do Araçá, a bruxinha pergunta aos animais da mata quem a pode ajudar. Mas, a Rainha das Abelhas, a Rainha das Corujas, o Rei dos Pardais, o Rei dos Sagüis, a Rainha das Borboletas, sempre mandam a menina adiante... “Ai de mim, Rainha da Mina D’água, onde posso encontrar a andorinha Lica em véspera de lua cheia?” Quem é a Rainha da Mina D’água? O que é que ela vai responder?
A bruxinha Elisa precisa ajudar a aranha Tita a organizar uma exposição de tapetes tecidos com finos fios prateados sobre a árvore mais frondosa da mata. Tanta beleza é motivo de alegria para gentes e bichos, mas incomoda, como incomoda Alcina, ai que sina! Por três vezes, a desaforada tenta sabotar a exposição. Por três vezes, Elisa recorre ao baú que pertenceu a sua tatataravó. Do meio dos guardados mágicos, ela encontra uma flauta, um assobio de bambu, uma gaitinha de boca e sopra para longe as artimanhas de
Alcina,
ai
que
sina!
Contra feitiço, feitiço e meio (2006) é o segundo livro de histórias da bruxinha Elisa e ganha apresentação de Elias José que nos pergunta qual o segredo de Eloí Elisabet
Bocheco
conquistar
para
leitores.
O
prender
poeta
frisa
e os
recursos buscados pela autora junto aos contos
acumulativos,
às
parlendas
e
quadras populares, além do fato de a bruxinha não vir descrita na narrativa, caminhando imaginação
às e
soltas
assim
por
nossa
permanecer
na
“memória afetiva” de quem a conhece. No entanto, há a ilustração: a bruxa-menina ganha fisionomia e cores na aquarela de Mari Ines Piekas — e torna-se interessante notar
como
a
personagem
espichou
centímetros, cresceu uns pares de anos, de um para outro livro.
Com leveza das palavras, Eloí Elisabete Bocheco oferece ao leitor A
chave que o
vaga-lume alumiou (2006) e acende a paisagem do Ribeirão do Araçá onde brinca a bruxinha Elisa. Ela não se cansa, tentando pegar o ligeiro brilho dos insetos que pirilampejam aqui e ali, e mais acolá... Certo dia, um vaga-lume vaga-longe e leva a menina a encontrar uma chave mágica que abre três portas encantadas no Vale dos Jacarandás. Atrás de cada porta, um segredo, uma adivinha, um feitiço que Elisa diligentemente desvenda, adivinha, desata — e, mais uma vez, abrindo suas aventuras, a bruxa-mocinha vai até chegar lá: em cima do morro: na casa com
quadros na parede da sala e dos quartos muito arrumados: uma casa com varanda, flor-de-maio, gato dormindo no assoalho e... Nos
contos
da
bruxinha
Elisa,
a
simplicidade sempre sonora, a estrutura acumulativa da lengalenga; o texto de Eloí é poesia só: polvilhado de jogos lúdicos com
as
figuras
de
linguagem
—
principalmente, figuras de construção e de harmonia que dão acento e ritmo para a voz que conta. Há, pois, um caprichado trabalho de texto para simples ficar. E o ouvido vai ouvindo, vai indo, vai indo, por estes percursos de repetição!
Elisa sabe tocar em sua gaitinha cantigas folclóricas tão ricas e canções que se ouvia no rádio, no tempo dos lampiões. Mas, será que foi vento ou distração? Lá foi a gaitinha pro chão... Bem na touceira da cobra que se desenrola, assanhada só, para cantar e dançar o maçanico. E quem disse que ela arruma namorado? O que ela quer é música com versinho recortado! E canta uma, canta duas, canta quantas nem sei, até que a bruxa se cansa e diz que vai embora. Vai nada, a cobra levada pegou de volta a gaitinha e só devolve fazendo
negócio. Na quarta e última história da bruxinha —
Gaitinha tocou, bicharada dançou (2008), aparece Corina, a cobra criada que cobra o preço de três romãs para devolver o instrumento musical à menina. E sai Elisa pela mata e pisa no rabo de uma escada... E escada lá tem rabo? Ora, tem. Ora, não! Depois, o que tem é brincadeira do meu bule, minha caçarola, minha tigela e meu pé de marmelo, com parlenda daquelas de perguntar e responder. Eloí faz assim mais uma aventura para os pequenos pegarem gosto pela palavra, juntando a espontaneidade dos brinquedos falados com sua pitada de non-sense.
Quanta
saudade,
bruxinha
Elisa
assim, vai
a
série
deixando
da
pelas
paisagens mágicas do Ribeirão do Araçá por onde, literariamente, passeamos! É todo o mundo de conto que Eloí encerra feito
concha
de
plantas
e
bichos
guardados num'alma que muito quer se divertir pelas matas e lugarejos brasileiros — apesar dos traços claros, do vestidinho comprido e do chapéu pontudo com que a personagem se mostra nas ilustrações. Debaixo do sol, debaixo da sombra das árvores frondosas, Elisa é uma florzinha
brejeira com ânimos de saci solícito ;-) E permanece de um tamanhinho singelo para cada leitor! O reencontro é certo, porque boa lengalenga é coisa pra ir e querer voltar.