O caminho para se construir a Bezouro nº5 foi longo e tortuoso. Tangenciamos a hipótese de encerrar as nossas atividades jornalísticas e partir, até, em busca de novos horizontes. Felizmente obtivemos uma solução para cada desafio que se apresentou. Agora, como uma equipe de colaboradores em permanente renovação, prosseguimos deixando a nossa marca na cobertura artística e cultural de todos os náufragos e sobreviventes de São Luís. Nesta edição da revista, vamos revisar o Crime da Ulen, que pode ter sido o início da trágica história de mortes na família Kennedy. Vamos, também, mostrar como se vestem e se inspiram os jovens que estão dando seus primeiros passos para fora de casa. Tem ainda uma entrevista com Rubens Salles, músico, arranjador e compositor que se apresentou no Teatro Municipal da Cidade, trazendo novidades diretamente de Nova Iorque. Além de algumas reflexões sobre a estética do período eleitoral, esta Bezouro, um ensaio fotográfico de Taciano Brito e como as outras, traz sugestões de discos. Entre em contato conosco pelo email revistabezouro@ gmail.com ou pela nossa página no facebook e tragam as suas contribuições e impressões sobre o nosso trabalho.
Pablo Habibe Editor
REVISTA BEZOURO #5 Março de 2013 http://www.bezouro.com UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO www.ufma.br REITOR Natalino Salgado Filho VICE-REITOR Antônio José Silva de Oliveira CHEFE DO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO
Rosenete Ferreira COORDENADOR DE CURSO Sílvio Rogério COORDENAÇÃO EDITORIAL Prof a Vera Lúcia Rolim Salles COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO Pablo Habibe Figueiredo EDITOR CHEFE Pablo Habibe Figueiredo CONSELHO EDITORIAL Prof a Vera Lúcia Rolim Salles Pablo Habibe Figueiredo Franklin Veiga MATÉRIAS Raysa Guimarães Dâmaris Costa Pablo Habibe Paulo Henrique Moraes PROJETO GRÁFICO Franklin Veiga FOTOGRAFIAS Flávio Salles Taciano Brito 9D Studio Tieza Cutrim REVISÃO Prof Vera Lúcia Rolim Salles Pablo Habibe Figueiredo a
DÂMARIS COSTA Estudante de Jornalismo prestes a completar 19 anos, e que nessa edição, assina sua primeira matéria. Ama tudo que envolve arte e tem uma queda assumida por moda. Acredita profundamente que estar na moda não se trata apenas de seguir tendências e vestir roupas de grife, mas sim de ter personalidade para assumir um estilo próprio. É justamente sobre isso que ela fala na matéria “Como e porquê se vestir em São luís dos 20 aos 30 anos”. No mais, pratica yoga, é apaixonada por animais e sonha em viajar pelo mundo.
RAYSA GUIMARÃES Estudante de Jornalismo que, nas horas de folga, divide o tempo entre buscar referências de moda e exercer seu lado cinéfilo. Acredita que moda pode ser acessível a todos os bolsos e que nunca foi algo supérfluo, mas uma forma diferente de expressão e arte. Nesta edição, ela também assina a matéria “Como e porquê se vestir em São luís dos 20 aos 30 anos”.
TACIANO BRITO Fotógrafo profissional, Taciano Brito trabalha na 9D studio e colabora pela primeira vez com a Bezouro. Para ele, “a arte em geral não te limita, não é diferente na fotografia...tenho preferência por fotos artísticas, tento sempre seguir essa linha, ‘mas’ todo caso é um caso!”. É sintomático que uma cidade que vive um novo momento em sua produção artística se apresente também capturada sob um novo olhar.
PAULO HENRIQUE MORAES Pós-graduado em História. Faz música por insistência. Lê e escreve como se necessitasse.
FLÁVIO SALLES Flávio colabora pela segunda vez com a Bezouro e gosta de fotografar espetáculos artísticos. Cores, movimentos, formas multiplicadas em muitas imagens. Luz e sombra. Movimento e pausa. S ensações transmitidas pela arte de fotografar.
ENTREVISTA • PABLO HABIBE FOTOS • FLÁVIO SALLES
Depois de estudar piano clássico no Brasil, Rubens Salles foi estudar jazz nos EUA em 99, na conceituada College of Music, em Boston. Em um de seus retornos ao Brasil, conheceu o percussionista Luís Claudio, com quem desenvolveu um trabalho marcado pelos ritmos maranhenses entre outros, gravado no disco Liquid Gravity. Ainda nos EUA fez mestrado em improvisação contemporânea e se mudou para Nova Iorque, aonde reside.
Em 2012, o músico e compositor retornou a São Luís para apresentar o disco Gravidade Líquida, gravado nos EUA com uma formação multinacional. No show que realizou no Teatro da Cidade, Salles foi acompanhado por Daniel Santos (clarinete e saxofone), Isaias Alves (bateria), Jayr Torres (guitarra), Luiz Cláudio (percussão) e Mauro Sergio (contrabaixo). BEZOURO: É intencional esta proposta de interagir com temas
conhecidos, trabalhando mais a dinâmica nos arranjos? RS: Sim. Fiz isso muito isso em NY. Peguei o verso de Tom Jobim da garota de Ipanema e rearranjei de cabeça pra baixo. Uma coisa dos anos 50, 60, por exemplo, a obra do Jobim é muito conhecida, mas eu não pensei a garota loira andando na praia e sim uma mulher meio punk, agressiva. É um show power, a bateria forte, a percussão pegada, foge do que se es-
pera de uma apresentação instrumental mais convencional. A ideia foi trazer a complexidade mas, aliviar com outras coisas, ritmos com os quais as pessoas podem vibrar, meio rock roll esse show. Não é para ser leve e sim denso, um pouco agressivo até. BEZOURO: Essa abordagem de pegar esses temas que até já foram assassinados quando relidos como música de elevador e apostar na
dinâmica me lembrou Keith Jarrett, na formação da banda, no resultado de dar um movimento que um instrumento estático como o piano parece não ter. Fale um pouco das suas influências. RS: Sou muito fã do Keith Jarrett e acho que tem muita influência sim, exatamente do toque e do jeito dele que é mais suave que eu, mas no sentido da improvisação livre e eu gosto muito disso. Eu sou mais agressivo. Tem muita coisa planejada no som mas tem muito que vai acontecer. Isso que eu gosto, tem uma hora que tem de largar, vamos embora. Pra que lugar? Vamos, se der errado a gente volta. Correr o risco. Nossa
improvisação de jazz, no jazz. Jazz é outra coisa. A gente usa, mas também a música brasileira, outras músicas americanas como o folk, samba, música maranhense, usa tudo, a técnica, a improvisação. A dinâmica é essa, dar liberdade para as pessoas se soltarem tocando e sendo felizes. Claro que tem uma organização. Não posso deixar o cara tocar duas horas, mas os músicos são muito competentes. Inclusive, foi uma surpresa encontrar uma banda desse nível por aqui, depois de tantos anos fora do Maranhão. Os caras foram incríveis. Fizemos apenas três ensaios e o show. Eu acho interessante que o Mara-
nhão tenha essa via, de músicas que possam fazer você pensar, refletir e trazer informações. Nossa cultura popular, nosso jazz, tem outras coisas acontecendo no mundo. Os próprios músicos vieram perguntar se minha música era experimental. É um pouco, mas tem muita coisa acontecendo no mundo nesse nível. Coisas incríveis que o pessoal tem de conhecer. Não só os mais famosos, as lendas do jazz. Hoje em dia se tem muito acesso, tem internet, se pode baixar, se pode fazer. É questão de pesquisar e ter a informação. O mundo caminha e se você não caminha com ele, fica para trás.
Algumas faixas do álbum Gravidade líquida estão disponíveis no site: http://www.rubenssalles.com/
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Pois é, existe um momento na vida em que fica chato a nossa mãe escolher nossas roupas. Aquela combinação de blusa com saia que ainda serve, mas causa um constrangimento tão grande quanto estar abraçada com um mico enorme! Aquela vontade de fingir que não conhece o seu pai quando ele grita que vem lhe buscar antes da meia noite. Entendeu, não é?
POR RAYSA GUIMARÃES E DÂMARIS COSTA
É claro que o mesmo constrangimento nem sempre aparece no dia de cobrar a mesada. Tem uma hora que você cansa de pedir, do dinheiro contado, da dependência. Quando os pais cobram que você arrume um emprego, é mais do que uma maneira discreta de a natureza completar um ciclo. Normalmente você está nos primeiros períodos da faculdade e se dá conta das vantagens de ter seu próprio dinheiro para gastar com o que você quiser. Mas, calma aí! A grana ainda é muito curta para quem está apenas começando. É preciso saber o que e aonde comprar para não pagar o mico de ter de pedir para os pais.
A soma da vontade com a baixa renda produz as soluções mais interessantes. Desde roubar uma roupa de alguém vencido pela balança e adaptar, a garimpar ofertas em lojas de departamentos. Existem aqueles que apelam para os brechós e outros que levam as suas ideias diretamente para as costureiras do bairro. Enfim, como se vestem hoje os jovens entre 20 e 30 anos? Quais são suas influências? O que hoje os leva a seguir um estilo ou criar o seu próprio?
O Fetiche da originalidade O calendário fashion divide o ano em dois grandes eventos, o SPFW e Fashion Rio, que se baseiam nas estações primavera/ verão e outono/inverno para lançarem tendências. Os blogs, redes sociais e a televisão são os principais difusores desse circuito fashion. Muitas pessoas em São Luís usam esses meios como referência para montar seu guarda roupa, mas como adaptar o que sai das passarelas à realidade ludovicense? Até onde vão as influências e onde começa a originalidade de cada um? Para começo de conversa, ficou claro, pelas entrevistas, que existe um conflito latente entre um discurso de originalidade e o desejo, às vezes inconfessável, de fazer parte de um grupo.
Aritanna Varney, 23 anos, não segue um estilo e não se deixa influenciar por banda ou cantora, mas, afirma que mistura estilos. “É, eu misturo. Tem dia que me dá a louca e saio no estilo pin up, ou então no estilo oitentista, vai muito da vibe, entendeu? ... Assim, eu sempre gostei muito da Dita Von Teese, eu me amarro em rockabilly, psychobilly, essa cultura musical dos anos 50, 60. Talvez a maior influência seja disso. Se você for ver o estilo dos psychobilly, aqui no Brasil, mesmo a galera usa muito o cabelo no estilo shelzy, uma coisa mais diferente. Há também quem goste de se afirmar enquanto representante de uma determinada estética ou tribo. Nega Glícia, DJ de 35 anos, ostenta com orgulho uma indumentária influenciada pelo reggae.
“Desde pequena eu já usava tranças no cabelo, a história do reggae liga bem aí, a galera também é assim. Agora, as cores me encantam o vermelho, verde, amarelo e preto, tanto que meu filho quando olha essas cores já fala “mamãe, mamãe”, tenho pulseira, roupa, muita coisa assim. Aí a gente já pode dizer que tem uma influência do reggae, do movimento”. Já Emerson Machado, de 23 anos, estudante de Jornalismo da UFMA, acha que “todo mundo que é chamado de ‘estiloso’ sempre cai no senso-comum de dizer que não segue tendência nem regras, mas acaba seguindo, querendo ou não”.
Orgulho e preconceito É preciso lembrar, que a música jamaicana, suas cores e seus símbolos, já não causam qualquer alvoroço, assimilados como parte da paisagem cultural da cidade. Mesmo assim Glícia ainda reclama de comentários ridículos a respeito de seus cabelos em espaços públicos (uma mistura de caretice extemporânea e racismo). O que esperar então destas vozes quando encontram uma jovem tatuada dos pés à cabeça (ou quase) por aí?
“Elas olham e ficam ‘Meu Deus, um circo de horrores’, aí cutuca o outro e fica ‘Olha lá! Tu viu?’. Rola demais aqui em São Luís, mas não é só aqui. Em São Luis a galera olha, aponta porque não tem muito disso aqui. Mas lá em Brasília, por exemplo, eu ficava parada no ponto de ônibus e as pessoas ficavam olhando assim, sabe?”, disse Aritana enquanto arremedava os seus detratores. Enfrentar o preconceito parece ser uma experiência compartilhada por todos os grupos.O orgulho em não se deixar abater pela discriminação também é comum. Pode ser qualquer coisa que interfira ou pareça interferir na maneira de se vestir, desde a sexualidade do
indivíduo, passando pelas suas preferências musicais, pela cor da pele e, finalmente, a preferência geral da mídia pelas magrinhas. Raissa de Oliveira tem 19 anos, cursa Direito na UNDB e segue as tendências sem fugir muito do que se espera dela, quando muito, misturando algumas estampas, para desespero da mãe, sem chocar a opinião pública até por falta de opção. O maior obstáculo que ela enfrenta são roupas de tamanhos maiores.“Pra se adequar ao meu corpo e também ao meu estilo é muito difícil, porque as lojas vendem mais é roupa casual e não um estilo próprio, se eu quiser me vestir
de pin-up eu não vou achar, vai ser muito difícil, os meus óculos, por exemplo, eu não comprei aqui eu comprei em Teresina, é mais fácil comprar pela internet”. Para Raissa, há muita diferença entre São Luís e, por exemplo, a Europa (aonde fez intercâmbio). Lá eu podia misturar estampa do jeito que quisesse, usar a roupa que quisesse que ninguém se importava.São Luís está crescendo, mas ainda vai demorar, o que poderia influenciar mais é a televisão, mas aqui eles não fazem muito isso, eles tem medo de inovar”.
Quem não tem cão caça com gato Na hora de montar o look, Emerson acredita que “o problema não é nem tanto essa enxurrada que se recebe da televisão, mas é você saber fazer o crivo. Na verdade tem que ter personalidade pra saber criar o estilo”. E deixa claro que, quando o assunto é filtrar as tendências, o importante é priorizar aspectos como biótipo, posição geográfica e clima. “Eu sempre fui magrelo e antes eu gostava muito de preto, mas consegui adaptar essas roupas ao meu corpo e a minha localidade porque andar o tempo todo de preto em São Luís que é esse calor miserável, não rola”.
Sem deixar de lado o fator financeiro,o estudante de jornalismo alega que “para ser ‘estiloso’ ” não precisa necessariamente ter dinheiro, tem que ter gosto. Tem como fazer vários looks sem gastar muito”. Porém, alerta sobre o preconceito das pessoas em achar que lojas de departamentos são mais acessíveis, o que nem sempre acontece. “Não é porque é popular que significa barateamento”, conclui. Raissa, que assume uma opinião parecida, revela o que faz para ter um guarda-roupa invejável: “O segredo pra tu teres vários looks diferentes, poder montar, não repetir tantas roupas é comprar várias peças baratas pra misturar com as caras”.
E não para por aí, reaproveitar é outra dica curinga quando se trata de economizar e ter estilo. Para Emerson não é diferente, ele assume com orgulho a criatividade ao reaproveitar roupas usadas: “É o que eu chamo de releitura, tipo, essa bermuda aqui ela nem era minha, era do meu primo aí eu adaptei, cortei, comecei a usar com a barra italiana e já uso ela faz 6 meses. Eu não acredito na
inventibilidade(sic) da moda, acho que tudo é uma releitura”. Se o problema for falta de opção e/ou dinheiro, uma saída apontada por Aritanna, é apelar para a costureira: “Geralmente é assim que eu faço, short de cintura alta, blusa mais retrô que é difícil de encontrar aqui e quando encontra é caro pra caramba aí eu acabo mandando fazer tudo”. Essa falta de opção não é sentida somente por quem compra, mas igualmente por quem vende em lojas. Nynrod Weber, 26 anos, radialista e sócio da Mad Rock Store também reclama. “A gente tem um problema muito sério sobre a roupa, ainda não foi adequado um padrão. (...) O nordestino tem a média de 1,70m, lá no sul a média é quase 1,80m. A gente fica a mercê do padrão
que eles usam no mercado deles. A galera do hard rock que gosta de camisa mais apertada, compra a camiseta pensando como é que eles vão cortar. Com a mulher também. Por exemplo, a maioria das camisas é baby look e elas geralmente não têm função nenhuma, porque é uma baby look P, M ou G grande, ou compra uma masculina P e manda diminuir. Mas a gente tem esse problema de tamanho, a forma que tem que adaptar”. Assim como Emerson disse que andar de preto em São Luis não rola, Nynrod também lida com esse problema na loja. Como o seu público alvo é o pessoal que curte o rock, as malharias acabam levando isso a sério demais. “A gente sempre procura trabalhar com várias cores, tem branco, cinza, vermelho,
principalmente as que não são de banda, querendo ou não as malharias não produzem as camisas de outras cores. Tem, mas são poucas. Às vezes a própria malharia não dá essa opção para gente”. Quer pela influência da mídia, pela grana curta ou por limitações impostas pela própria indústria, vestir-se como se quer nesta fase de autoafirmação é desafio formidável. Um verdadeiro embate entre a dignidade de comprar as próprias roupas e o conformismo de apelar para a grana do pai tem como prêmio a conquista de seu reflexo no espelho.
Q
uando às 17h30min do dia 30 de setembro de 1933, o maranhense José de Ribamar Mendonça disparara quatro tiros do seu revólver OV, calibre 32, contra o norte-americano John Harold Kennedy, mal sabia ele que aquele era o início de uma trajetória marcada pela tragédia de uma das famílias mais importantes do século XX. É assim, pelo menos, que reza a lenda pelas bandas de cá. O crime da Ulen, como ficou conhecido, aconteceu nas instalações da Ulen Company, empresa em que trabalhavam os dois personagens principais nele
envolvidos: o maranhense como bilheteiro e o norte-americano como contador. Certamente, este é um dos crimes mais comentados da história de São Luís, já foi tema de documentário e livro, faz parte do imaginário dos mais velhos da cidade e continua despertando curiosidade nos mais jovens por ser uma história repleta de personagens e tramas que misturam fatos políticos e econômicos pontuais com elementos sociais de cunho quase folclórico. Misto de vingança pessoal,luta por soberania, jogo político internacional, interesses econômicos e disputas jurídicas, a história desse crime vai muito além do fatídico
assassinato. E em uma cidade sedimentada sobre tantos mitos e lendas, o crime da Ulen pode ser usado para reforçar alguns deles. Mas será mesmo o bilheteiro José de Ribamar Mendonça um autêntico representante da ‘ilha rebelde’? E será o contador John Harold Kennedy, tio do presidente mais famoso dos Estados Unidos? Na década de 1920, São Luís tinha pouco mais de 50 mil habitantes, e, apesar de capital do Estado, sua situação socioeconômica não
era das melhores: condição estrutural urbana precária aliada a poucas possibilidades de trabalho. Somado a isso, uma população com alto índice de analfabetismo, comandada por figuras políticas oligárquicas que dominavam o Maranhão. Foi neste cenário que a Ulen Management Company, empresa com origem em Nova York, representante do processo de expansão do capital americano com foco na indústria da energia elétrica, veio parar. Em 1922, foram estabelecidos os primeiros contatos com o norteamericano Henry Charles Ulen
para a instalação da sua empresa na cidade. Magalhães de Almeida, então oficial da Marinha brasileira, e que seria, quatro anos mais tarde, governador do Maranhão, foi o intermediário da negociação que culminou, em 1923, com a assinatura do contrato que garantia à companhia americana, primeiramente, a responsabilidade pela construção de obras referentes aos serviços urbanos, como o abastecimento de água, luz e transporte, e, depois, pela administração desses mesmos serviços em São Luís. A chegada de uma companhia
com a perspectiva de melhora, através dos seus serviços, da condição de vida na capital, ainda mais com o status de ser originária de uma das maiores potências do mundo, a principio, pareceu ser um avanço para a sociedade ludovicense. Com o passar do tempo, a Ulen se mostrou um fardo para as contas do estado e motivo de revolta para a população de São Luís. Os contratos firmados entre a empresa e o governo estadual eram, no mínimo, abusivos. Além da completa isenção de impostos e custeamento das despesas administrativas referentes à execução dos seus serviços, a Ulen ainda tinha o privilégio, intermediado pelo governo maranhense, de contar com somas altíssimas de dinheiro advindas de empréstimos muitas vezes conseguidos junto a bancos norte-americanos. E não parava por aí; caso houvesse o rompimento unilateral de contrato, o estado se sujeitaria ao pagamento de multas exorbitantes. Tudo isso em nome de um projeto de progresso, que infelizmente nunca aconteceu. A imprensa, cumprindo seu papel, tomou a frente nas denúncias. Não raro era encontrar nos diários jornalísticos maranhenses, textos de repúdio aos acordos firmados entre o governo e a Ulen: “Um atentado à dignidade, à soberania de um povo, que viu a fonte principal da sua riqueza pública ven
dida criminosamente aos agentes do capital de Wall Street”, diria ‘O Combate’ em 1933, já no auge dos descontentamentos com a situação. No mesmo passo, preocupada com os péssimos serviços oferecidos pela companhia americana, a população revoltava-se cada vez mais. O aumento frequente de tarifas, o não cumprimento da promessa de melhoria na condição urbana da cidade, o descaso no trato com os funcionários da empresa, enfim, tudo isso amontoou-se de forma a tornar a presença da Ulen na cidade indesejável. O assassinato do contador da companhia americana, John Harold Kennedy, pelo maranhense José de Ribamar Mendonça, também funcionário da empresa, só que muitos escalões abaixo, foi o ápice da revolta que acometeu a sociedade ludovicense àquela altura. Um ato movido pelo sentimento de vingança, para muitos, tanto pessoal como social. Nos autos da prisão em flagrante, José de Ribamar Mendonça mostrou-se ciente do crime que acabara de cometer: “Matei agora mesmo o bandido que mais me perseguia, mas não estou arrependido”. O que ele não fazia ideia era que
seu ato teria desdobramentos que iriam além das consequências jurídicas concernentes ao crime. José de Ribamar, nome do padroeiro do Maranhão, e, por isso, o nome mais comum entre os habitantes desta terra, foi transformado, ainda que de forma espontânea, sem nenhuma predeterminação política, em símbolo de luta social da população de São Luís contra os desmandos
da empresa americana, a política econômica dos EUA e a submissão do governo brasileiro na figura dos políticos maranhenses. O simples bilheteiro de bondes, então com 25 anos, viu seu julgamento ser transformado num campo de batalhas não apenas jurídico, mas também social e política. Os argumentos de defesa forjados pelo hábil advogado Waldemar Brito, um especialista do direito criminalista no Maranhão à época, apelaram para o sentimento de solidariedade social da população ludovicense. Waldemar utilizou a relação caótica
A Ulen se localizava onde hoje se encontra a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão do Estado, na esquina da Rua da Estrela com a Rua Direita (Henrique Leal).
da cidade com a Ulen para justificar o crime: “A vingança é reprovada, porém quando excitada por injustiça e insultos é uma das fragilidades mais desculpáveis da natureza”, argumentaria ele aos jurados do primeiro dos três julgamentos pelos quais passaria o maranhense. O crime da Ulen teve uma motivação pessoal: a demissão de José de Ribamar quando perto de completar seu décimo ano de serviços prestados à companhia norte-americana, tática utilizada pela Ulen, também com outros funcionários, para fugir das obrigações trabalhistas de então, que garantiam estabilidade ao trabalhador que tivesse dez anos completos de serviços prestados a uma mesma empresa. O norteamericano John Kennedy, contador da Ulen, era o responsável direto por suas demissões; tornou-se o alvo da ira de Mendonça depois de uma discussão nas instalações da administração da companhia, em que se recusou a pagar os últimos meses de trabalho do bilheteiro. John Harold Kennedy, nascido no estado americano de Massachusetts (assim como seu suposto sobrinho presidente), trabalhou na Ulen Company durante oito anos até o seu assassinato. Veio para São Luís com a comitiva administrativa da companhia. Solteiro, aqui se estabeleceu, tendo participação marcante na vida social da cidade.
Apesar de sua seriedade e dureza na direção da Ulen, frequentemente era visto na Praça João Lisboa, local de reunião da boemia da cidade na época. Fez parte do clube “Os Lunáticos”, que reunia os jovens boêmios da elite ludovicense; por ocasião de sua morte, algumas homenagens lhes foram prestadas pelo clube: a cadeira no 6, ocupada por ele, permaneceu vaga até a extinção do clube em 1941. O assassinato de Harold Kennedy foi noticiado em alguns dos principais jornais do seu país, como o New York Times, e gerou certo desconforto diplomático entre os EUA e o Brasil. A cada absolvição de José de Ribamar, era maior a pressão da embaixada americana para que se realizasse um novo julgamento com resultado diferente. Durante onze anos, foram três os julgamentos pelos quais passou Mendonça - em todos eles, absolvido. Sucessivamente, nove Ministros de Estado e três embaixadores envolveram-se na questão do crime da Ulen, em uma ofensiva político-diplomática americana contra as decisões do governo e da justiça brasileira que tinha objetivos complementares: exigir a condenação do maranhense e garantir a total segurança dos contratos firmados e do funcionamento da companhia em São Luís. Apesar de acusações de erros judiciais no tribunal do júri do Ma-
ranhão, que teria tomado sua decisão por influência do clamor social que o crime causou na população de São Luís, e da massiva pressão feita sobre o Itamaraty pelos representantes do governo americano para que esse clamor não interferisse na atuação da companhia na cidade, José de Ribamar Mendonça não fora condenado em nenhum dos julgamentos, e a Ulen, depois de algumas suspensões contratuais, finalmente deixaria São Luís no ano de 1946. Como resultado de um esforço de pesquisa elogioso, o pesquisador paraibano José Joffily publicou uma série de documentos (ofícios, telegramas, fotografias e impressos de época) em seu livro “Morte na Ulen Company” (RECORD, 1983), que mostram quase tudo referente à presença da Ulen em São Luís, além de recontar com minúcia a história do crime e seus personagens. Maiores detalhes dos desdobramentos jurídicos e diplomáticos do crime podem ser encontrados, também, no documentário “O crime da Ulen” (2007) dirigido pelo cineasta Murilo Santos, que recria, através de um júri simulado realizado em uma universidade maranhense, a atmosfera dos julgamentos de José Mendonça. Os dois trabalhos, apesar de recontar com cuidado o que há de lendário e folclórico na história e personagens que envolvem o crime, concentram-se no seu aspecto social e político, como
forma de reafirmá-lo. Sob a luz implacável da história, não há como negar que, a despeito de qualquer intenção de José de Ribamar ao assassinar John Kennedy, se agira apenas motivado por vingança pessoal, por questão de honra, ou por desespero frente ao futuro incerto sem o emprego que durante anos fora sua única renda. É fato que os limites do crime da Ulen foram alargados, ou mesmo ultrapassados. Tornou-se motivo da luta social de uma população que buscava melhoria geral na qualidade de vida em São Luís na época. Que fique claro, entretanto,
que o entendido aqui como luta social foi se gerando de forma espontânea sem contornos políticos prédeterminados ou intencionais, nem poderia ser diferente - em sua maioria, a sociedade ludovicense era àquela altura uma massa disforme e analfabeta. O que aconteceu foi que a revolta pessoal de Mendonça contra uma situação específica, a sua demissão da companhia em que trabalhou durante longos dez anos, estendeu-se e transformouse, através de um processo de solidariedade e identificação com o bilheteiro maranhense, na revolta de uma população contra os problemas causados à cidade por essa mesma companhia. O crime da Ulen foi o clímax dessa dupla revolta. Quanto ao suposto parentesco doKennedy assassinado no Maranhão com a família Kennedy que deu aos Estados Unidos figuras do seu alto escalão político, não há qualquer documento oficial conhecido que comprove este fato - o que não significa absolutamente que não exista o parentesco. Há de ser lembrado que, além do sobrenome, tinham em comum a origem no estado americano de Massachusetts. Em 1933, ano do crime da Ulen, Joseph Patrick Kennedy, o patriarca e iniciador da trajetória de fama de uma das famílias mais importantes do século passado, cada vez mais ascendia socialmente com o aumento
de sua fortuna e sua entrada na vida política americana através da diplomacia - seria embaixador no fim da década. Com tanto poder, não é difícil imaginar que, caso houvesse realmente um parentesco próximo entre Joseph e Harold, uma história indesejável envolvendo a família fosse rapidamente jogada para debaixo do tapete, lá permanecendo quanto tempo fosse necessário. À época, não havia qualquer interesse em saber se o John assassinado aqui no Maranhão era um Kennedy, afinal a família ainda estava construindo sua celebridade na América, não se sabia nada a respeito do futuro dos que carregavam esse sobrenome. Dispensou-se atenção maior para o nome John Harold Kennedy somente quando em 1963, assim como ele, o presidente americano John Kennedy, o seu homônimo famoso e suposto sobrinho, fora brutalmente assassinado. É só a partir daí que a história do crime da Ulen ganha esse contorno de lenda e mistério, comprovado o parentesco entre os dois.
POR TACIANO BRITO
Amo o que faço, Sou apaixonado pela possibilidade de congelar situações eternizando momentos
Vivo de fotografia, larguei tudo para me dedicar a arte como profissรฃo!
Desde a primeira vez que peguei em uma mรกquina e comecei a brincar eu jรก me considerei um fotรณgrafo
Eu me vejo velhinho, olhando minhas fotografias e sempre querendo fazer uma nova
por Pablo Habibe A questão não era ter plataformas o suficiente para levar a “mensagem” do candidato para um número maior de eleitores, mas sim de demonstrar força financeira. Não se podia permitir que as pessoas dessem crédito a boatos de falta de recursos do postulante. É importante lembrarmos que Chapeuzinho sempre teve a opção de acreditar no Lobo. Foi mais do que curioso acompanhar o esforço que aquela campanha fez, multiplicando as presenças dos carros de som através de itinerários que deixariam Napoleão Bonaparte num misto de confusão e inveja. Não se tratava de uma relação de presa e predador do mundo animal, mas de um ritual de sedução e conquista interesseiro, sem amor. Seria a gravata mais do que um cachecol vestigial? Como se deu a transição simbólica de se dar maior importância para uma utilidade estética e secundária do que para as urgências da proteção contra o frio? Lembro de, alguns anos atrás, trabalhando como assistente de direção na campanha de um candidato a cargo majoritário, ter entrado em contato com um fato que se desenvolveu a partir desse mesmo dilema da gravata. Uma pessoa do núcleo duro da entourage do candidato fez questão de demonstrar sua preocupação a respeito da campanha contar com menos carros de som do que deveria.
Da mesma maneira que um triunfo romano se desenvolveu a partir da ritualização do retorno de um exército vitorioso com seus despojos, as carreatas são qualquer coisa menos uma manifestação espontânea. Em Roma, com o tempo, os triunfos ganharam carros alegóricos e foram complementados com jogos de gladiadores e afins. Espero que as carreatas não cheguem a tanto, mas será que precisam?
Z DE VINGANÇA
VALSA E VAPOR
MARCOS MAGAH
PHILL VERAS
por Pablo Habibe
por Gustavo Sampaio
O primeiro disco de Marcos Magah vem despertando leituras curiosas em ouvintes sinceros. Veterano do punk na São Luís dos anos 80, o compositor classifica seu disco como um trabalho de “rock bregadélico”, sendo o “Z” parte de uma trilogia conceitual _ algo que poderia insinuar um pé no rock progressivo se não se tratasse de um letrista acessível em seus temas e de um músico que sabe manejar os clichês do country e do bom e velho rock & roll (com pitadas de outros estilos) com o respeito que falta aos oportunistas que ridicularizam o que não entendem ou buscam dinheiro fácil na nostalgia dos outros... O “Z” é pra valer, lembrando os melhores momentos de Raul Seixas sem procurar imitar o verdadeiro e único Pai do Rock no Brasil. Trata-se de um trabalho confessional imperdível e concatenado, que merece ser ouvido do início ao fim tanto quanto um Dark Side of the Moon, mesmo correndo-se o risco de perder o ônibus. Lançado no apagar das luzes de 2012, Z de Vingança pode ser comprado no Chico Discos ou com o próprio Marcos Magah com os detalhes a serem combinados via facebook.
Dono de uma voz sedutora, que chega a lembrar Zach Condon (Beirut) e Marcelo Camelo (ex-Los Hermanos), o cantor maranhense Phil Veras encanta já nos primeiros versos de ‘Dia Dois’, canção que abre o primeiro disco do músico, intitulado ‘Valsa e Vapor’. Brincando de MPB, folk e bossa nova, Phil Veras tem o mérito de transitar por estes estilos de forma bem sucedida. Em ‘Como Nos Meus Sonhos’, o cantor brinca de bolero e emerge em um diálogo, tipicamente brasileiro, sem regionalismos. Nada sai forçado ou impostado. A maneira como Phil fala que tem ‘contas pra pagar’ e de que ‘descobriu a cura’, flui como uma conversa direta entre o cantor e o ouvinte. Phil Veras chega a emocionar na faixa-título que, indubitavelmente, é o ponto alto do disco. Com versos tristes, o cantor demonstra afinação e bom gosto na escolha dos arranjos e das melodias. Vale a pena acompanhar este artista que busca detalhes nos cantores que admira (Chico Buarque e Caetano Veloso, por exemplo) e utiliza a voz como instrumento, atingindo em cheio os ouvidos mais atentos.