ESPECIAL LIMONADA
Editorial A vida nos apresenta desafios que, por sua vez, costumam nos levar ao encontro de amigos de fé, esses que nos acompanham em jornadas. Também são eles que nos ajudam e a quem ajudamos com gosto tanto por empatia quanto por necessidade. Esta é a natureza da parceria que une a Revista Bezouro e o Festival Limonada, iniciativas gestadas e concretizadas no mesmo contexto. Se a grande atração do Limonada é a música, precisamos destacar que o Festival, assim como a Bezouro, mostrou e contou com o trabalho de toda uma nova geração de profissionais e entusiastas do vídeo, da fotografia, da produção, da sonorização, da gravação, da publicidade e do marketing. Em suma, procuramos cobrir e atender o mesmo público e os seus interesses. Nossa capa procura resumir este caso de amor. A referência a Bob Dylan, que fez uma dura transição do tradicionalismo acústico do folclore para o Rock’n’Roll, é clara, mas também vemos nela. Uma geração representada pelo casal que já deixou de seguir a nada saudosa passeata contra a guitarra elétrica que ainda assombra em seu patrulhamento ideológico, muitos que ousam pensar diferente das academias. Vemos também nas duas metades do limão um público que sabe escolher e encontrar seus artistas e que simplesmente não aceita (nunca aceitou, diga-se) as sugestões e imposições de secretarias e comitês de plantão. Um mercado vivo, ativo e legítimo.
O Festival Limonada surgiu por acaso, como um desafio. Produzido em menos de três dias pela Matraca Digital com apoio do Mandamentos Hall. O Festival só se tornou possível, através da dedicação e do trabalho colaborativo de artistas e apaixonados por música, que souberam extrair do cítrico, o suco. A primeira edição foi um sucesso de público e motivou toda a equipe envolvida a dar continuidade ao Festival, que se apresenta como um ponto de conver-gência da enorme efervescência cultural que vem tomando conta de São Luís (MA).
E tudo mais que a vida me der...
O público que provou da primeira edição do Festival com as apresentações de Orr, Matraca Soul, Beto Ehongue & Canelas Preta, Marcos Magah, Grillos Elétricos, PedeGinja, Nathália Ferro, Tiago Máci, Marcos Lamy, Criolina, Acsa Serafim e Farol Vermelho, fez o boato crescer e se multiplicar na realidade de uma segunda edição, ainda mais forte no dia 10 de janeiro de 2014, com Carol Vieira, Velttenz, Vinil do Avesso, Nivandro, Twelve Street e ainda viajou no tempo com a Nova Bossa e A Chapa dos Poetas, que voltaram com sede, e especialmente para o Limonada.
O grande diferencial do Limonada é, muito provavelmente, o fato de que ele é muito mais do que uma reunião de músicos. São designers, fotógrafos, publicitários, cinegrafistas, maquidores, roadies, editores, jornalistas, empresários e pasmem, advogados! Todos ativos e disponíveis desde o primeiro rascunho, até a hora de varrer o confete. Trata-se de muita energia acumulada, às vezes por gerações, que parece finalmente estar rompendo as últimas barreiras que lhe atrapalhavam o desenvolvimento estético e criativo de conteúdos efetivamente independentes. A condição é querer fazer parte, trabalhar sério e saber apreciar as coisas bacanas, aquelas que podemos colher esticando o braço e o mais legal de tudo é que você também está convidado.
Náufragos Num lugar equidistante entre o céu e o mar jaz uma ilha, cuja população era obrigada a escolher. A insularidade muito cedo se estendera entre os ilhéus para além de uma realidade geográfica. Ela havia se tornado, acima de tudo, uma condição para a existência de uma realidade que se opunha ao que não era nativo, em prejuízo de toda forma de criatividade. Não foram poucos os indivíduos que se viram represados por esta barreira, com obras de vidas inteiras
guardadas nas gavetas da obscuridade, pura e simplesmente porque eles e seus trabalhos não cabiam nos três ou quatro formatos dispostos na régua psicotécnica do tradicionalismo. Escolher normalmente era muito fácil. Ficar ou partir, mudar ou desistir. Não se pode negar que a censura, em sua posição castradora, oferecia um caminho. O problema é que essa era uma estrada pavimentada sobre um leito de iniciativas mortas. José Caldas Gois Jr, advogado de formação e músico amador, foi peça central na produção
das duas edições do Limonada, e falou conosco sobre a sensação de desafogo que pessoas da geração dele também sentiram com a onda de criatividade que avança pela costa.
“Eu tenho 43 anos. Tive minhas bandas e várias experiências musicais que eram muito limitadas pelo contexto daqui de São Luís. É com muita satisfação que eu faço o possível para contribuir com este cenário de artistas.” José Caldas Gois Júnior Walter Reis Pinheiro, percussionista e artista plástico, ficou particularmente satisfeito, depois de uma década vivendo no exterior, com a apresentação da Nova Bossa, no Limonada II. “ A banda é muito boa, os arranjos, as referências musicais. Fico surpreso e triste com as posições de pessoas que dizem não gostar desses novos artistas sem nem ao
menos ir a um show ou ouvir qualquer
de suas músicas. É uma posição lamentavelmente preconcei-tuosa. Eu mesmo já vi algumas opiniões mudarem quando eu me dei o trabalho de falar com essas pessoas e desmontar as suas defesas contra o novo ”, discorreu o artista. O
preconceito percebido por Walter é justamente a manifestação máxima daquela inércia de que trata-mos no início do texto. Felizmente, ele parece não ser irredutível. Esta geração do Limonada tem mantido as portas abertas para alguns náufragos de outras décadas. Não são poucos os que estão aproveitando este novo momento para colocar o bloco na rua ou ajudar com a experiêcia de quem já teve que nadar muito contra as terríveis correntezas que cercam a nossa república bananeira. Marcos Magah, um refugiado da cena punk
dos anos 80, que “beligerou” contra aquela inércia, quando ela ainda era demasiadamente forte para ser batida, tocou no primeiro Limonada, e alegou que “a grande novidade dessa geração Limonada é que eles podem até ser uma panela, mas tem a preocupação de deixar a tampa sempre aberta, para quem quer participar”.
Revolução de ocasião Não podemos ser injustos com os dissidentes veteranos a ponto de não entender que o contexto mudou bastante.
Dos anos 90 para cá, a chegada da MTV e da Internet ajudou na formação de um novo público e também de novos artistas. Com o tempo e com a rede, ferramentas que antes estavam financeiramente indisponíveis fizeram o caminho das grandes corporações, para os quartos e quintais daqueles interessados em produzir. “Hoje, estamos dando um novo passo rumo a profissionalização da cena independente, com captação audiovisual com qualidade”, afirmou Vander Ferraz, respon-
sável pela edição de imagens do evento.
Gravar um disco, trabalhar na capa, filmar e editar um clipe passou a ser uma questão mais de talento e vontade. “A produção musical independente de São Luís ganhou força no anos 2000, mas ainda que, existisse um ensaio de integração das bandas e a possibilidade de divulgar fora do Maranhão, via internet, ainda era um trabalho tímido. Hoje, como editora de cultura, percebo que há maior organização das bandas e os trabalhos de divulgação, estão mais maduros.” comenta, Bruna
Castelo Branco, Editora de Cultura do Jornal O Estado do Maranhão. O Limonada, se beneficiou enormemente da nova realidade tecnológica e o resultado desse esforço, poderá, em breve, ser conferido. É preciso lembrar que ele foi rigorosamente a transmutação de um show cancelado de
Receita para uma boa limonada
INGREDIENTES 1 limão 1 litro de água gelada Açúcar ou adoçante a gosto Gelo a gosto
MODO DE PREPARO Corte as extremidades do limão, coloque o limão com casca no liquidificador. Bata até ralar o limão com a casca, adicionando toda água. Adoce com açúcar ou adoçante, bata mais um pouco e coe. Sirva bem gelada.
Moraes Moreira que, em bíblicos três dias, fezse Festival divulgado e lotado, surpreendendo tanto artistas e organizadores, quanto o público, com a eficiência das redes sociais. Thaynara Viegas, quando questionada, não deixou de frisar a sua satisfação ao revelar que mais de 80.000 usuários já foram impactados com a divulgação do Festival, via Facebook, em apenas dois meses.
Mercado maduro Um dado interessante que parece escapar de alguns patrocinadores e produtores é o de que estamos falando de um mercado real, que movimenta a economia a ponto de estar presente nos maiores centros comerciais da cidade. Para além do crescimento geométrico que detectamos facilmente no número de lojas de instrumentos musicais, estúdios de ensaio e gravação, locação de equipamentos para shows e afins, também existe um incremento visível no número de varejistas que lucram com a venda de roupas, acessórios e artigos de Rock, sem falar no permanente aquecimento do mercado para artistas de tatuagem e no surgimento de bares e festas temáticas em São Luís.
O Rock, aliás, deve ser entendido aqui, num contexto bem amplo, que engloba vários estilos musicais e comportamentos já plenamente adaptados ao clima ilhéu. A maior parte deste público é jovem, tendo entre 20 e 35 anos, economicamente ativo e muito ciente do que quer consumir. Esta parece ter sido a grande sacada da produção em fazer a aposta e manter o Mandamentos, casa de shows sofisticada e acostumada a receber a fina flor da MPB, para o Limonada. O vento sopra a favor, mas é preciso estar atento aos desafios. “ Há uma alegria pairando no ar, um sentido de renovação, de energia, de novas produções musicais. Essa energia é uma turbina que alimenta as criações, as realizações. O grande desafio é conquistar o público. Novos e bons artistas entraram no circuito, somando-se aos bons trabalhos que já existiam, já que a cidade tem uma grande vocação cultural, musical. Mas para que essa cena não morra na praia, é preciso entender como funciona a cadeia produtiva, buscar saídas para a sustentabilidade e difusão dos trabalhos. Buscar fazer parte do mapa cultural do Brasil, da rede de cultura, de circulação dos trabalhos, que já existe. Outro desafio é buscar conexão setorial, conectar para gerar oportunidades mútuas e criar processos de transformação ”, alerta
Luciana Simões, da dupla Criolina.
“É preciso fortalecer, compartilhar, criar uma rede colaborativa das produções locais, que envolvam artistas e profissionais que dialogam com a música, como audiovisual, fotografia, designers, produtores, etc.” Luciana Simões, Criolina
Voltando à questão estilística, não custa lembrar que a mesma convergência que vem moldando tecnologicamente a mídia pode ser ouvida em festivais como o Limonada. Estamos muito longe da época das torcidas apaixonadamente excludentes dos festivais da canção. O que vimos nos dois eventos, bem como em outras iniciativas (como o Sebo no Chão, no COHATRAC), foi uma audiência satisfeita pela variedade das atrações. No início dos anos 80, quando estava nascendo a geração X, a população de São Luís era de menos da metade da atual. Com mais de um milhão de habitantes em 2014, a ilha tem ao menos quinhentos mil jovens. Se, numa análise pessimista, apenas dez por cento deles gostar do som do Limonada, já são 50 mil pessoas em idade produtiva, acostumadas à utilização de redes sociais para consumir e interagir. Tudo ao alcance das mãos. Desde Ali Baba, nunca se produziu tanto com cerca de quarenta pessoas. Inclua-se aí, que tudo transcorreu dentro da lei e na mais perfeita ordem.
AGORA
E com
você
sabe
QUANTOS
limões
se faz
uma
limonada?
“Há pouco tempo atrás havia um desespero meio comodista de esperar apoio institucional dos poderes locais para que algo acontecesse, esse apoio nunca veio, a não ser para os de sempre, que infelizmente, nunca conseguiram transpor as barreiras do estado com seus trabalhos. Hoje com muito mais disposição e com o apoio das ferramentas tecnológicas demos um salto de qualidade em quase todos os setores das produções culturais locais. Sinto que estamos perto de alcançar um bem maior e assim colocar a música produzida aqui num local de destaque dentro da cena brasileira.” Beto Ehongue, Músico e Compositor.
“Outros produtores surgiram e as bandas passaram a ter mais opções e diversidade no registro do seu material. Esse som gravado começou a rodar pela net e a atingir um público cada vez maior.” Vander Ferraz, Músico, Compositor e Produtor.
"Como a produção do evento não tinha dinheiro disponível, as bandas não se fizeram de rogadas e se tornaram parceiras do Festival, para que esse se realizasse. Assim, todos cresceram juntos, dando algo de si e ganhando algo. Me sinto ótimo participando desse momento de afirmação da música daqui, pois a cada dia temos novos exemplos de sucesso, o que traz muita motivação pra acreditar e continuar." André Grolli - Músico.
“A importância não é só no viés profissional ou cultural. Quando se cobre um evento como esse, você não está fazendo apenas o registro cronológico do que está acontecendo, não é só o registro da arte, você está fazendo parte da história, está, em si, fazendo história e sendo parte dela. E algo me diz que, o que está acontecendo na cena cultural de São Luis é só a ponta do iceberg de grandes coisas que estão vindo por aí.” Marco Aurélio - Fotógrafo
“O momento vivenciado por São Luís é de intensa produção e de busca por qualidade. Há um amadurecimento geral, desde os aspectos iniciais de composição e produção até aspectos mais profissionais como geração de mídia, rede de trabalho, produção executiva.” Ruan Cruz, Músico e Produtor Musical
No Limonada I e II n贸s tivemos cada uma das pessoas envolvidas com o melhor que elas podiam oferecer e mais, decidido por elas e n茫o por n贸s. E foi por isso que conseguimos realizar o Limonada I em 3 dias e depois o II em cerca de 10 dias. Jessica Gois e Thaynara Viegas, Produtoras do Limonada
“O movimento já se encontrava articulado. O Limonada não nasceu naquele dia 03 de dezembro, digamos que ali foi um evento catalisador, pois essa organização vem se fazendo no dia a dia, nos projetos grandes e pequenos, mas sempre viscerais que tomam a nossa cidade, no BR 135, no Sebo no Chão, só pra citar dois exemplos. José Caldas Gois Jr., Diretor da Matraca Digital
“Foi uma noite fora do comum, mas a cena tá tomando um rumo fora do comum. A gente espera que no rumo que a música de São Luís está, o comum seja o fora do comum, e que todas as noites sejam como foi a dos dois Limonadas.” Rafael Bastita, Músico e Jornalista
EXPEDIENTE Editor chefe Pablo Habibe Matéria Pablo Habibe Arte da Capa Jessica Gois Diagramação Carolinne Bijl Revisão Carolinne Bijl Andrezza Brasil Fotografia Marco Aurélio Supervisão Geral Vera Salles Colaboração Especial Thaynara Viegas Jessica Gois revistabezouro.com issuu.com/bezouro facebook.com/revistabezouro revistabezouro@gmail.com Contatos (98( 9975-4372 / (98) 8804-4362
AGRADECIMENTOS LIMONADA I PRODUÇÃO E REALIZAÇÃO: MATRACA DIGITAL / DIREÇÃO EXECUTVA: JÉSSICA GOIS E THAYNARA VIEGAS ARTE GRÁFICA: LAILA RAZZO / FOTOGRAFIA: MARCO AURÉLIO LIMONADA II PRODUÇÃO E REALIZAÇÃO: MATRACA DIGITAL / DIREÇÃO EXECUTVA: JÉSSICA GOIS E THAYNARA VIEGAS ARTE GRÁFICA: LAILA RAZZO / FOTOGRAFIA: MARCO AURÉLIO PRODUÇÃO E EDIÇÃO DE VÍDEO: VANDER FERRAZ, JÚLIA ANTUNES, LUIZA FERNANDES, RAFAEL BATISTA, ANDREI MENDES, TATIANA NAHUZ E VALÉRIA SOTÃO CAPTAÇÃO E EDIÇÃO DE SOM: RUAN CRUZ E JOÃO SIMAS APOIO MANDAMENTOS HALL / REVISTA BEZOURO / NONSENSE / ELIO TATTOOING CHILLI BEANS / CASA DO MÚSICO / DISCOTECÁRIO AGRADECIMENTOS ADICIONAIS AO CASAL LIMONADA, MANEL E CAROL, E MORAES MOREIRA, É CLARO!