Capítulo
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Os Povos Indígenas na Época Humanismo e Renascimento da Chegada dos Portugueses Os grupos humanos que há milhares de anos vieram de outros continentes, povoaram a América e deixaram milhões de descendentes. No território que hoje forma o Brasil, eles se organizaram e em grupos que viviam da caça, da pesca e da coleta, alguns conheciam a agricultura. Quando os portugueses chegaram à América, em 1500, havia no território que hoje forma nosso país, entre três e cinco milhões de pessoas que falavam cerca de mil línguas. Esses grupos tinham sua própria cultura, seus hábitos, suas crenças e modo de viver totalmente diferente dos europeus. O choque entre civilizações tão distintas foi inevitável. 5HBIm1.1
Durante o estudo do capítulo, não deixe de retomar o assunto desta introdução, tentando perceber as semelhanças e diferenças entre os fatos do passado e a realidade de hoje. Sob a orientação de seu professor, acompanhe em jornais, revistas, na televisão, na internet, etc. os acontecimentos relacionados ao assunto. Reflita, discuta, tire conclusões.
Ao chegar às terras americanas, os portugueses pensaram que os indígenas eram todos iguais Quando Pedro Álvares Cabral desembarcou nas terras que mais tarde seriam chamadas de Brasil,
Distribuição dos povos indígenas em 1500
OCEANO ATLÂNTICO
Tupi-guarani N
Jê Aruak
L
O
Karib Pano
S
Tukano Charrua Outros grupos Limites atuais do Brasil
0
ESCALA 445
890 km
1 cm – 445 km
Fonte: José Jobson de Arruda. Atlas histórico básico. São Paulo, Ática, 2004.
Os Povos Indígenas na Época da Chegada dos Portugueses
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ele e os tripulantes das caravelas não sabiam que os nativos que os receberam pertenciam a um dos muitos povos que viviam por aqui. Com o tempo, os portugueses foram percebendo diferenças marcantes entre os índios que viviam no litoral e os do interior. Por isso, passaram a chamálos, respectivamente, de tupis e tapuias. Os principais grupos tupis eram os Tabajara, Carijó, Tamoio, Tupinambá e Tupiniquim. Os que se tornaram mais conhecidos foram os Tupinambá e os Tupiniquim, os primeiros a serem avistados por Cabral no sul da Bahia. Os conquistadores tiveram maior contato com esses habitantes do litoral.
O chefe da aldeia conciliava as divergências e buscava consenso entre todos
E mesmo no cultivo agrícola havia diferenças. Alguns grupos, por exemplo, faziam grandes roças de milho e mandioca; outros formavam pequenas roças nas quais plantavam basicamente abóbora e inhame. Quando os recursos de determinado território se tornavam escassos, os grupos indígenas se deslocavam em busca de um ambiente mais favorável, isto é, migravam. Em todos os grupos indígenas existia alguma forma de divisão de trabalho entre os membros das aldeias. Na maioria deles, tarefas como caçar, pescar, preparar a terra para o plantio, confeccionar canoas, ferramentas, armas, redes e adornos em geral cabiam aos homens. As mulheres faziam a coleta de frutos, eram responsáveis pela plantação e pela colheita, fabricavam utensílios de cerâmica, cozinhavam e cuidavam das crianças. biblioteca municipal mário de andrade são paulo
Os povos tupis viviam em aldeias. Cada aldeia possuía de quatro a sete malocas – habitações coletivas dispostas em círculo, no meio do qual havia um terreiro onde se realizavam as cerimônias. Em uma só maloca chegavam a viver mais de cinquenta pessoas, em geral ligadas por laços de parentesco. As aldeias dos vários povos tupis eram lideradas por um chefe, uma espécie de conselheiro. Sua posição de chefe derivava de sua capacidade de conciliar, conversar e servir de intermediário nos conflitos entre os habitantes da aldeia. A habilidade em apaziguar os ânimos era muito importante, porque se o chefe não conseguisse resolver as divergências, seu povo, com frequência, acabava se envolvendo em guerra com aldeias vizinhas. A terra para os indígenas era coletiva. O trabalho feito pelos membros do grupo era dividido entre todos.
O sustento de todos era retirado da natureza Os indígenas viviam da caça, da pesca, da coleta e muitos grupos praticavam a agricultura. Mas a prática dessas atividades variava de um povo para outro. A caça, por exemplo, podia ser uma atividade coletiva para alguns povos e individual para outros, com apenas um membro da aldeia saindo em busca de alimento para a comunidade.
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Árvore Choine, xilogravura do frei francês André Thevet (1575). A árvore que despertou a curiosidade de Thevet é uma cuieira. Com os seus frutos os índios faziam cuias – também chamadas de cabaças –, que usavam para beber e comer e também como artesanato.
Na maior parte dos grupos indígenas, o núcleo familiar, ou seja, os parentes que viviam na mesma moradia, era grande. Dele faziam parte o pai, a mãe, os filhos e geralmente seus respectivos cônjuges. Em alguns casos, depois de casar, a mulher ia morar na maloca do marido; em outros, o marido é que se mudava para a maloca da esposa. Os casamentos em geral eram combinados pelos pais, e os filhos cresciam já sabendo com quem iriam se casar. Era também por meio do casamento que muitas vezes integrantes de uma aldeia se aliavam aos habitantes de aldeias vizinhas. Assim, quando uma das famílias enfrentava problemas, podia contar com a ajuda da outra. As crianças aprendiam no convívio com a mãe e os irmãos e com os mais velhos, no dia-a-dia da aldeia. Os povos indígenas que habitavam o território que hoje corresponde ao Brasil não conheciam a escrita. Suas histórias e seus conhecimentos eram transmitidos oralmente. Outro aspecto importante na vida dos povos tupis eram os ritos de passagem, principalmente o que assinalava a entrada do jovem na fase adulta. Meninos e
meninas ficavam separados. Depois desse período os meninos passavam por provas de coragem e resistência, como corridas e a introdução das mãos num formigueiro ou colméia de abelhas. Por fim, para simbolizar que já eram adultos, suas orelhas eram furadas. Ser adulto significava, tanto para os homens como para as mulheres, ter sua própria família, trabalhar e participar plenamente da vida social da aldeia. César Barreto/Museu Nacional da UFRJ, Rio de Janeiro
Os índios formavam famílias numerosas
Tembetá de ágata exposto no museu da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Esse adorno ainda hoje é usado por diversos grupos indígenas brasileiros e está ligado a um rito de passagem. O aventureiro alemão Hans Staden, feito prisioneiro pelos Tupinambá em 1554, descreveu assim o ritual: “Fazem nos meninos um pequeno furo através dos lábios inferiores. Quando eles crescem, e se tornam capazes de usar armas, fazem-lhes maior esse buraco. Enfia-se então nele uma grande pedra”.
Sociedade e cultura Os ritos de passagem
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Uma grande parte dos rituais realizados pelos diversos grupos indígenas do Brasil pode ser classificada como ritos de passagem. Os ritos de passagem são as cerimônias que marcam a mudança de um indivíduo ou de um grupo de uma situação social para outra. Como exemplo, podemos citar aqueles relacionados à mudança das estações, aos ritos de iniciação, aos ritos matrimoniais, aos funerais e outros, como a gestação e o nascimento. Entre os Tupinambá – grupo indígena extinto que habitava a maior parte da faixa litorânea que ia da foz do rio Amazonas à ilha de Cananéia, no litoral paulista –, quando nascia uma criança do sexo masculino, o pai levantava-se do chão e cortava-lhe o umbigo com os
dentes. A seguir, a criança era banhada no rio, após o que o pai lhe achatava o nariz com o polegar. Em seguida, a criança era colocada numa pequena rede, onde eram amarradas unhas de onça ou de uma determinada ave de rapina. Colocavam-se, ainda, penas da cauda e das asas dessa ave e, também, um pequeno arco e algumas flechas, para que a criança se tornasse valente e disposta a guerrear os inimigos. O pai, durante três dias, não comia carne, peixe ou sal, alimentando-se apenas de certo tipo de farinha. Não fazia, também, nenhum trabalho até que o umbigo da criança caísse, para que ele, a mãe e a criança não tivessem cólicas. Três vezes por dia punha os pés no ventre da esposa. Nesses dias, o pai fazia pequenas arapucas e nelas fazia a tipóia de carregar a criança; tomava,
Testemunhos do passado Hans Staden escapou por pouco de ser comido vivo viam ser batizados e convertidos ao cristianismo; b) a ação dos colonos, que julgavam que podiam utilizar os nativos para explorar as riquezas da terra. Os brancos se consideravam superiores e mais espertos que os povos nativos. Só recentemente essa visão começou a mudar e os povos indígenas – no Brasil e em outros países – passaram a ser vistos e respeitados de acordo com suas características culturais. Biblioteca Municipal Mário de Andrade, São Paulo
O livro As viagens ao Brasil, de Hans Staden, surgiu na atual Alemanha, em 1557, com interessantes observações do autor sobre os Tupinambá. Hans Staden era um viajante que conviveu com esse povo, de quem foi prisioneiro. Segundo o autor, ele teria sido confundido com um português e acabou sendo capturado, ameaçado de morte e de ser sacrificado num ritual antropofágico. Na obra, Hans Staden mostra que sobreviveu porque conseguiu convencer os Tupinambá de que era capaz de controlar os fenômenos da natureza. Como a sobrevivência dos índios se baseava na caça, na pesca e na agricultura, que dependiam do Sol, da Lua, das chuvas e dos ventos, a esperteza do “herói” foi simular total controle sobre a natureza por meio do poder de sua mente ou pela força de seu Deus. A salvação de Hans Staden foi então interpretada pelos europeus como a vitória da sabedoria cristã sobre os povos “bárbaros e pagãos” que comiam carne humana. As narrativas do autor sobre o canibalismo dos índios causaram enorme impacto na Europa e grande confusão na cabeça dos europeus: o índio seria “puro e belo” ou um “demônio devorador de carne humana”? Esta visão que os invasores europeus formaram dos povos nativos da América justificava: a) a ação dos missionários, que achavam que os nativos de-
Preparo da carne humana em episódio canibal (1592), gravura de cobre de Théodore de Bry.
Verificando o conhecimento
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1. Explique como era a vida das populações indígenas na época do desembarque dos portugueses.
não eram acatadas. Faça um texto comentando a atuação desse líder.
2. As aldeias dos povos tupis eram lideradas por um chefe, uma espécie de conselheiro, que não dava ordens nem impunha normas. Quando suas decisões não expressavam a vontade da maioria, elas
3. Quais eram as principais atividades que os indígenas executavam para garantir o seu sustento?
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omo ocorria a transmissão de conhecimentos 4. C entre os indígenas?
O estudo da história Os costumes As primeiras experiências dos portugueses na América foram registradas por vários cronistas. O primeiro e o mais famoso desses registros é a carta escrita por Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, contando a chegada da esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral à América, em 1500. O documento, uma espécie de diário de bordo, caracteriza-se principalmente por exaltar a natureza das terras descobertas. Outro importante relato é o de Pero de Magalhães Gandavo, autor do Tratado da terra do Brasil e da História da província de Santa Cruz, ambos publicados em Portugal na década de 1570. Considerados por alguns historiadores como os primeiros registros históricos do Brasil, os livros apresentam um estudo das potencialidades econômicas das terras americanas. Por isso, para alguns estudiosos, podem ter sido elaborados como uma espécie de material de divulgação para atrair colonos às terras que o governo português procurava então ocupar. Reproduzimos a seguir trechos dos relatos desses dois autores, nos quais eles comentam aspectos das culturas indígenas. Após a leitura dos textos, faça as atividades pedidas.
Texto 1 (...) Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto (...); traziam os beiços de baixo furados e metidos neles uns ossos brancos e verdadeiros, de comprimento de uma mão travessa, da grossura de um fuso de algodão, agudos na ponta como furador. (...) Pero Vaz de Caminha. A carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre, L&PM, 1985.
Texto 2 (...) Os mantimentos que plantam em suas roças, com que se sustentam (...) são mandioca e milho. Além disto, ajudam-se da carne de muitos animais que matam (...) Também se sustentam de muito marisco e peixes que vão pescar pela costa em jangadas (...). Pero de Magalhães Gandavo. História da Província de Santa Cruz. São Paulo, Obelisco, 1964.
a) R eúna-se com um grupo de colegas e discuta com eles as principais informações contidas nos dois textos. Depois, elabore um relatório sobre a discussão. b) E screva um texto imaginando como os povos indígenas descreveriam os costumes portugueses. Sugestão: troque de texto com um colega e depois façam um debate sobre o tema.
Por uma nova ordem Meio Ambiente A relação dos Tupinambá com a natureza
Habitam, em geral, os índios tupinambás, os matos mais próximos do mar, para pescarem, ou à margem dos rios, por causa da água doce necessária à vida. Encontrado o lugar adequado, cortam a mata e formam uma grande praça quadrada a que põem fogo para destruir a vegetação e limpar o terreno. Aí constroem então, bem no centro, quatro grandes habitações em forma de claustro. São essas cabanas feitas de madeira e recobertas de pindó, de alto a baixo, (...) e compridas e largas nas proporções julgadas necessárias para abrigo de todo o povo da
Os Povos Indígenas na Época da Chegada dos Portugueses
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O texto abaixo foi extraído da obra do religioso francês Claude d’Abeville, que atuou como missionário na região do atual estado do Maranhão, no início do século XVII. Trata dos costumes, das habitações e das práticas matrimoniais dos índios tupinambás. Após a leitura, faça no seu caderno as atividades propostas.
Costumes dos índios tupinambás
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aldeia. Após cinco a seis anos, pois não costumam ficar mais tempo no mesmo lugar, destroem e queimam a aldeia e vão edificar outra mais adiante, a uma distância de meia légua pouco mais ou menos, dando-lhe, entretanto, o mesmo nome da precedente. Assim fazem, segundo afirmam, pela única razão de terem feito o mesmo seus antepassados. Por outro lado, alegam que a mandioca e a batata com que se alimentam se comprazem em terras novas e produzem mais. Essas grandes cabanas não têm separação alguma. Tudo se vê de ponta a ponta, mas
Produção Cultural As crenças indígenas Como os povos indígenas explicam os mistérios da vida e do mundo? Através de suas histórias, contadas de pais para filhos. Ao estudá-las, podemos conhecer parte dos valores culturais desses povos. A seguir, a antropóloga Betty Mindlin narra algumas delas. Leia o texto e depois reúna-se com seu grupo para fazer as atividades sugeridas. Os mitos Muitos povos contam do tempo em que a onça era a dona do fogo, e os homens só comiam comida crua. Numa das versões, a dos Suruí, de Rondônia, um passarinho, o pica-pau, conseguiu roubar o fogo da onça, sentando-se perto da fogueira, chamuscando o próprio rabo e levando a brasa para os homens. Os mitos sobre a origem dos homens quase nunca começam do
não há confusão alguma, pois cada chefe de família vive em seu canto com suas mulheres, seus filhos, seus escravos e seus móveis. Claude d’Abeville. História da missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão e terras circunvizinhas. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1975. p. 222-6.
a) D escreva com as suas palavras como eram organizadas as aldeias tupinambás. b) Procure encontrar motivos além dos alegados pelos Tupinambá para explicar o fato de eles ocuparem por pouco tempo uma determinada localidade. nada. Em geral, falam de um primeiro homem que estava sozinho. Os Tupari, de Rondônia, contam que antigamente só existiam no mundo dois irmãos. Eles começaram a perceber que o milho de sua roça estava sendo roubado todos os dias. Descobriram, então, que havia gente presa debaixo da terra, esticando o braço por um buraco, para roubar os grãos de milho. Os irmãos alargaram o buraco, liberando os novos homens que estavam presos sob a terra. Estes eram muito feios e tiveram de ser consertados. Bonita mesmo, só havia uma mulher que, por ter esquecido a peneira, não teve tempo de fugir do subterrâneo. Betty Mindlin. A questão do índio. São Paulo, Ática, 1994. p. 18.
Entreviste pessoas de diferentes crenças religiosas, com base nas seguintes questões: • Como sua religião retrata a criação da humanidade? • Sua religião respeita a crença dos índios? As respostas obtidas devem ser trazidas para a sala de aula e discutidas com os colegas.
Saiba Mais Livros As aventuras de Hans Staden. Monteiro Lobato. São Paulo, Globo, 2008. Contos dos meninos índios. Hernani Donato. São Paulo, Melhoramentos, 2002. Sites Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) IBGE Teen – Brasil: 500 anos de povoamento O site traz informação sobre a história do povoamento brasileiro. http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/ Museu do Índio O site traz informações e história sobre o indígena brasileiro, com fotos, exposições on-line, dicionário, base de dados para pesquisa. http://www.museudoindio.org.br/template_LerJornal/default.asp?ID_S=34.
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