DH9 - Capitulo 08

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Capítulo

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Humanismo A Revolução e Renascimento Francesa

ARQUIVO BULGARINI

No ano de 1789 ocorreu uma revolução na França que mudou a história ocidental. Os privilégios da nobreza e do clero eram sustentados pelos altos impostos pagos pelos camponeses e pela burguesia ascendente. A ineficiência do Estado, as ideias iluministas, a pobreza e a fome que atingiam a maior parte da população geraram uma situação que levou a população destituir o rei, abolir a monarquia e proclamar a República. O movimento radical definiu novas estruturas políticas e sociais na Europa e na América. No início da Revolução Francesa, foi redigido um dos mais importantes documentos sobre os direitos humanos: A Declaração dos direitos do homem e do cidadão, promulgada em agosto de 1789.

Durante o estudo do capítulo, não deixe de retomar o assunto desta introdução, tentando perceber as semelhanças e diferenças entre os fatos do passado e a realidade de hoje.

A vitalidade econômica da França se deve ao dinamismo da burguesia A França, em meados do século XVIII, era um país rico e poderoso, com cerca de 25 milhões de habitantes, população duas vezes maior que a inglesa ou a espanhola. O país era cortado por uma densa rede de estradas e canais navegáveis. Dos portos de Bordéus, Nantes e La Rochelle partiam para os mercados mun-diais embarcações carregadas de vinho, seda, porcelana, móveis e tapetes, e aí atracavam barcos que traziam açúcar, anil e algodão das Antilhas e do Haiti. A agricultura era vigorosa, e as manufaturas estavam em forte expansão. Essa vitalidade econômica tinha fortalecido a burguesia, decidida agora a combater abertamente o absolutismo do soberano, os esbanjamentos da Corte, os privilégios dos aristocratas.

Nesta caricatura, o ministro da Fazenda Anne Robert Jacques Turgot e Luís XVI se interrogam, perplexos, olhando os cofres vazios do erário.

A França é afligida por uma grave crise financeira Quando Luís XVI subiu ao trono, em 1774, a França, apesar de seus recursos econômicos, passava por uma séria crise financeira. As guerras com outros países europeus tinham esvaziado os cofres do Estado. Sobre o orçamento público pesavam os gastos do rei e da rainha Maria Antonieta. Além disso, milhares de famílias aristocráticas consumiam sozinhas, com pensões e gratificações, grande parte das receitas públicas. A Revolução Francesa

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Os ministros da área econômica tentaram criar uma arrecadação de impostos equitativa e racional, mas os aristocratas mostraram-se hostis perante essas decisões, ainda mais quando Luís XVI deu seu consentimento a um projeto de reforma que deveria instituir um imposto sobre todas as propriedades fundiárias.

Luís XVI convoca os Estados Gerais para solucionar a crise A reação da nobreza e do alto clero obrigou o rei a desistir do imposto fundiário. Mas era inadiável encontrar uma solução para o problema financeiro. Assim, Luís XVI decidiu consultar os Estados Gerais,

Sociedade e cultura A sociedade francesa Como vimos no início do capítulo 6, a sociedade francesa estava dividida em três ordens ou estados: o clero (primeiro estado), a nobreza (segundo estado) e o terceiro estado.

banqueiros, armadores), pela média burguesia (burocratas, médicos, advogados, tabeliães), pela pequena burguesia (artesãos, pequenos lojistas) e pelos trabalhadores do campo e das cidades. Era o único grupo social que pagava impostos. BULLOZ

O Clero Formado por cerca de 120 mil pessoas, encontravase dividido em alto e baixo clero. O alto clero, formado por bispos, abades, priores e cônegos de origem nobre, amava o luxo e vivia quase todo na Corte. Já o baixo clero, em sua maioria formado por curas e vigários de aldeia, recrutados entre os grupos mais humildes, partilhava em grande medida as aspirações populares, pois conhecia de perto os sofrimentos dos pobres.

Caricatura que retrata o Antigo Regime: um camponês carrega nas costas um nobre e um clérigo.

A Nobreza

MUSEU DE VERSALHES/BULLOZ

Constituída por cerca de 850 mil pessoas, a nobreza gozava de privilégios econômicos e fiscais, detinha os mais altos cargos do Estado e cobrava uma série de direitos feudais. A nobreza também era composta por grupos diferentes. À grande nobreza da Corte se contrapunha a pequena nobreza do campo, que em geral vivia em palácios decadentes e empobrecia cada vez mais para manter as aparências. Além disso, havia os nobres de espada ou de sangue, descendentes das antigas famílias feudais, e os nobres de toga ou de serviço, de origem burguesa, que tinham conquistado títulos e propriedades das aristocracias feudais.

O Terceiro Estado O terceiro estado representava 98% da população, cerca de 24 milhões de pessoas. Era formado pela alta burguesia (grandes comerciantes, empresários,

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Capítulo 8

Retrato de Luís XVI a cavalo.


antigo órgão consultivo da monarquia, formado pelos representantes do clero, da nobreza e do terceiro estado, que não eram convocados desde 1614. Foi justamente essa decisão que pôs em marcha o processo revolucionário. De fato, o debate que se acendeu na França para escolher os representantes dos Estados Gerais ofereceu à burguesia e aos grupos populares a chance de denunciar abusos, injustiças e distorções do sistema administrativo da monarquia, além dos privilégios do clero e da nobreza. Queixas e reivindicações foram recolhidas em milhares de panfletos, nos quais se criticava o Antigo Regime.

Composição dos Estados Gerais (1789)

CLERO 291 representantes 25,55%

TERCEIRO ESTADO 578 representantes 50,75%

Nobreza 270 representantes 23,70%

O terceiro estado dá início à Revolução Na primeira reunião dos Estados Gerais, no palácio de Versalhes (5 de junho de 1789), o terceiro estado se apresentou com 578 representantes contra os 561 do clero e da nobreza. O antigo costume previa que cada ordem devia contar com um único voto (voto por ordem), de modo que clero e nobreza, juntando seus votos, tivessem sempre a maioria. Por isso, o terceiro estado pediu que o voto fosse individual (por cabeça), encontrando obviamente a oposição das outras duas ordens. Depois de um mês de inflamadas e inúteis discussões, os representantes do terceiro estado, com alguns clérigos e aristocratas liberais mais abertos às

exigências da maioria da população, reuniram-se e proclamaram-se em Assembleia Nacional. Luís XVI, vendo-se ameaçado, tentou dissolver a Assembleia. Os representantes do terceiro estado reuniram-se, então, fora do palácio, no local onde era praticado o jogo da péla, com o objetivo de elaborar uma constituição para a França. Diante disso, o rei acatou a decisão do terceiro estado e reconheceu a Assembleia, ordenando à nobreza e ao clero que se juntassem a ela. Em 9 de julho de 1789, esta se proclamou Assembleia Nacional Constituinte e passou a elaborar uma constituição para a França. Enquanto isso, em Paris, grupos populares se organizavam para defender os interesses do terceiro estado. Surgiam assim comitês revolucionários, as primeiras milícias armadas e alguns clubes políticos, entre os quais se destacaram os jacobinos, os cordelières e os girondinos, chefiados, respectivamente, por hábeis oradores como Maximilien Robespierre, Georges Danton e Jacques-Pierre Brissot. (Leia mais sobre os clubes políticos no Glossário ao final do livro.)

Os sans-culottes tomam a Bastilha e os camponeses assaltam os castelos O rei e os nobres mais conservadores tentaram obstruir de todos os modos cada proposta de reforma, e o conflito político se tornou cada vez mais grave. Os ânimos da população ficaram ainda mais exacerbados pela escassez de alimento e pelo alto custo de vida, pelos discursos incendiários de JeanPaul Marat, líder radical que acusava os aristocratas de deixar o povo morrer de fome, e pela suspeita de que o governo pretendia dissolver a Assembleia Constituinte por meio de tropas. Assim, em 14 de julho de 1789, uma multidão armada, formada sobretudo de operários, artesãos e pequenos lojistas (os chamados sans-culottes), invadiu a Bastilha, prisão de Paris, símbolo da opressão da monarquia francesa, deixando no local uma centena de mortos. A revolta logo se estendeu pelo campo, onde foram invadidos e incendiados vários castelos e palácios senhoriais, em cujos arquivos estavam registradas as obrigações e as dívidas dos camponeses. A Revolução Francesa

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A nobreza francesa atribuiu aos revolucionários franceses o nome de sansculottes, porque vestiam calças compridas em vez de calções presos no joelho (culottes), usados pela nobreza e pelos burgueses. Os sans-culottes, a ala mais radical da Revolução Francesa, eram pequenos lojistas, artesãos, proprietários de pequenas oficinas, carregadores, camareiros, porteiros, barbeiros, pedreiros, enfim, os trabalhadores de Paris. Nos dias de festa, enchiam os bulevares da moda, passeando de cabeça erguida ao lado dos ricos. Odiavam quem usava punhos com babados e cabelos empoados, orgulhavamse de suas calças compridas de lona listada Um sans-culotte armae difundiram outros itens de vestuário, como o do de lança e espada. barrete vermelho ou frígio, os suspensórios, a Os sans-culottes foram insígnia (laço de fita) tricolor e a jaqueta chama- os grandes protagonistas da Revolução. da carmanhola.

É promulgada a Declaração dos direitos do homem e do cidadão

BIBLIOTECA NACIONAL, PARISot

A Assembleia Constituinte forçou então o rei a transformar os grupos populares armados de Paris em Guarda Nacional e decidiu abolir os direitos feudais que pesavam sobre os camponeses (corveia, dízimos) para aplacar a revolta que ameaçava o direito de propriedade.

Um grupo de patriotas dança em torno da “árvore da liberdade”, enfeitada com fitas tricolores e o barrete frígio. Um sans-culotte, à esquerda, mostra as tropas aliadas à monarquia em retirada. À direita se vê a Bastilha, que foi conquistada pelos revolucionários.

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MUSEU CARNAVALET, PARIS

Os Sans-Culottes

Em 26 de agosto de 1789, a Assembleia Constituinte promulgou a Declaração dos direitos do homem e do cidadão. Nesse documento, além dos direitos inalienáveis dos seres humanos (liberdade, propriedade, segurança pessoal, direito de resistência à opressão) foram estabelecidos alguns princípios fundamentais que viriam a caracterizar os Estados modernos: a igualdade dos cidadãos perante a lei, a soberania popular e a separação dos poderes (veja o boxe na página ao lado). A Assembleia Constituinte, para sanar as dificuldades financeiras, decidiu confiscar e vender os bens eclesiásticos e promulgou a Constituição civil do clero, que transformou os membros da Igreja em funcionários do Estado. Em Roma, o papa condenou as medidas adotadas na França. Essa reação provocou uma divisão entre os clérigos franceses: cerca de metade deles obedeceu ao papa (padres refratários), a outra aderiu às disposições da Assembleia Constituinte (padres constitucionalistas). Diante dessa situação, Luís XVI tentou fugir da França para organizar com outros países absolutistas a retomada do poder. Mas, em Varennes (limite


com a Bélgica), o rei foi interceptado, reconhecido pelos guardas de fronteira e reconduzido a Paris sob escolta armada (julho de 1791).

Promulga-se a Constituição, que reserva o direito de voto aos grupos abastados O último ato da Assembleia Constituinte foi a promulgação da Constituição (1791), que transformou a monarquia absolutista numa monarquia parlamentar baseada na divisão e autonomia de três poderes (executivo, legislativo e judiciário). O Poder Legislativo foi atribuído a uma assembleia eleita pelos cidadãos que possuíam algum patrimônio (sistema censitário). O Poder Executivo foi confiado ao rei, auxiliado por ministros. O Poder Judiciário foi entregue a magistrados autônomos, eleitos pelos cidadãos.

A Constituição estabeleceu a obrigatoriedade da instrução primária, aboliu toda forma de monopólio, suprimiu as corporações de ofícios e proibiu a greve.

A nobreza procura organizar a contrarrevolução Nesse meio tempo, os soberanos da Áustria e da Prússia, preocupados com o desdobramento da situação francesa, ameaçavam intervir militarmente para defender os direitos da monarquia. Eles temiam que a onda revolucionária se espalhasse por toda a Europa. Após um debate inflamado, a Assembleia Legislativa, em resposta às ameaças estrangeiras, declarou guerra à Áustria. Os primeiros combates (abril de 1792), porém, foram vencidos pelos austríacos, aos quais tinham se unido os prussianos.

Testemunhos do passado OS PRINCÍPIOS IMORTAIS DE 1789 Todo cidadão pode falar, escrever, imprimir livremente, desde que responda pelo abuso dessa liberdade nos casos determinados pela Lei. A propriedade é um direito inviolável e sagrado. Ninguém pode ser privado dela, salvo quando a necessidade pública o exija de modo evidente e preveja uma justa indenização. Adaptado de: Gustavo de Freitas. 900 textos e documentos de história. 2. ed. Lisboa, Plátano, 1976. v. 3, p. 92-3.

ARQUIVO BULGARIN

Transcrevemos alguns artigos da Declaração dos direitos do homem e do cidadão, cujos princípios passaram a representar os fundamentos do Estado moderno. Os homens nascem e permanecem livres e iguais nos direitos. Os direitos naturais e imprescritíveis do homem são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique a outrem. A Lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou mediante seus representantes, à sua formação. Ela deve ser igual para todos, seja protegendo, seja punindo. Todos os cidadãos, sendo iguais aos olhos da Lei, são igualmente admissíveis a todas as dignidades, postos e cargos públicos segundo sua capacidade, e sem outra distinção que não a de suas virtudes e seus talentos. Todo indivíduo é suposto inocente até ser reconhecido culpado. Ninguém deve ser molestado por suas opiniões, inclusive religiosas, desde que a manifestação delas não perturbe a ordem pública estabelecida pela Lei.

Pintura alegórica da Declaração dos direitos do homem e do cidadão.

A Revolução Francesa

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A Constituição de 1791 Assembléia Legislativa

rei

Magistrados

Poder Legislativo

Poder executivo

Poder judiciário

cidadãos (sufágio censitário)

ia Legislat emblé iva Ass

independentes 345

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Feuillantes 264

JOSSE

Girondinos Jacobinos 136

como Montanha. Ao centro, os independentes, também de tendência moderada, mas sem um programa político mais específico. Em 21 de setembro de 1792, a Convenção, na sua primeira sessão, decretou o fim da monarquia e o advento da República. Enquanto isso, chegava a notícia de que no dia anterior, em Walmy, as tropas francesas haviam obtido uma nítida vitória sobre os prussianos. Esse sucesso fortaleceu a posição dos revolucionários mais radicais, tanto que a Convenção, embora com maioria muito apertada, condenou Luís XVI à guilhotina (21 de janeiro de 1793). Em 24 de junho de 1793 foi promulgada a Constituição Republicana, que substituiu a de 1791 e previa, entre outras coisas, o sufrágio universal e o direito ao trabalho para todos os cidadãos.

As derrotas sofridas pelos franceses provocaram manifestações por todo o país. Convencidos de que o rei pedira ajuda aos monarcas europeus, os sansculottes se insurgiram e tomaram o palácio das Tulherias (agosto de 1792), onde residia a família real. O rei foi aprisionado na Torre do Templo, sob acusação de conspiração e atentado à segurança do Estado. Então, para melhor defender a Revolução, constituiu-se em Paris um centro de poder revolucionário, a Comuna, e um Conselho Executivo Provisório, chefiado por Danton, que assumiu o governo do país.

Luís XVI antes de ser guilhotinado.

A Convenção proclama a República e condena Luís XVI à morte

Na Vendeia eclode a insurreição antirrevolucionária

Já impotente diante das manifestações das ruas, a Assembleia Legislativa decidiu dissolver-se e convocar eleições para a escolha de uma nova assembleia denominada Convenção Nacional. Na nova assembleia, à direita se sentavam os girondinos, o partido mais moderado dos revolucionários. À esquerda, os jacobinos liderados por Robespierre, cujos membros mais exaltados eram conhecidos

A execução do rei e os desdobramentos da Revolução incitaram os Estados europeus, com exceção da Suíça e dos países escandinavos, a se aliar (Primeira Coligação) contra a França, que por sua vez ordenou a mobilização geral. A Vendeia, região agrícola da França ocidental, se insurgiu então ao grito de “viva o rei”. Instigados pelos padres refratários e pela nobreza local, os

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com o nome de Grande Terror, condenou à morte também numerosos revolucionários acusados de conspirarem contra o governo. Instituiu-se também um novo calendário – o calendário da Revolução. Os anos deveriam ser contados a partir de 22 de setembro de 1792, o primeiro dia da República, enquanto os nomes dos meses eram inspirados nas estações, nos trabalhos agrícolas e nas condições atmosféricas. Por exemplo, parte do mês de dezembro e o começo de janeiro passaram a se chamar nivoso, por causa da neve, floreal, o mês das flores, brumário, mês das brumas, etc. O calendário revolucionário permaneceu em vigor até 31 de dezembro de 1805, quando um decreto de Napoleão restaurou o calendário tradicional. ARQUIVO BULGARINI

JOSSE

camponeses pretendiam opor-se à convocação militar e à requisição de trigo decididas pela Convenção. A longa guerra que se seguiu só foi vencida com o emprego de tropas especialmente chamadas da frente de batalha (outubro de 1793). Ao mesmo tempo, violentos motins antirevolucionários ocorriam na Bretanha e na Normandia e nas cidades de Toulon e Lyon. Essa situação conturbada levou os seguidores de Robespierre, que já dominavam a Convenção, a concentrar o poder em alguns órgãos revolucionários, sobretudo no Comitê de Salvação Pública, que, fazendo uso de um Tribunal Revolucionário, julgava os cidadãos suspeitos de traição.

Barrete frígio com as cores e as palavras de ordem da República: liberdade, igualdade, fraternidade. A partida dos voluntários para a guerra. Cantada pelos voluntários vindos de Marselha, difundiu-se naqueles dias A Marselhesa, que se tornou em seguida o hino nacional da França.

Robespierre recorre ao terror contra a oposição Entre junho de 1793 e julho de 1794, os integrantes da Montanha, chefiados por Robespierre, à frente do Comitê de Salvação Pública, exerceram uma verdadeira ditadura baseada no terror. Em Paris, milhares de pessoas foram guilhotinadas, inclusive a rainha Maria Antonieta. Execuções em massa também ocorreram em Nantes, Toulon e Lyon. Qualquer pessoa suspeita de ter ideias contrarrevolucionárias era submetida a processo e condenada à morte (Lei dos Suspeitos). Mas, além dos supostos inimigos do regime, a repressão, conhecida

Robespierre elimina todo tipo de oposição Em março de 1794, Robespierre mandou guilhotinar seus próprios companheiros de partido que tinham assumido a chefia da facção extremista (os enraivecidos), acusando-os de “agentes provocadores” a serviço das potências estrangeiras que atacavam a França. A mesma sorte coube à facção moderada (os indulgentes) e a Danton, acusado de ter enriquecido ilicitamente com as arrecadações do Estado. Mas o comportamento intolerante de Robespierre minou irremediavelmente seu prestígio e sua autoridade. Como o exército francês já tinha detido o avanço das forças austríacas e prussianas em Fleurus (26 de junho de 1794), as medidas excepcionais adotadas quando o país estava em perigo pareciam cada vez menos justificadas. A Revolução Francesa

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Além disso, a Lei dos Suspeitos e a utilização contínua da guilhotina, que lembravam a todos que ninguém podia se considerar realmente em segurança, começaram a preocupar os próprios revolucionários.

Os termidorianos guilhotinam Robespierre e tomam o poder A diminuição da ameaça externa e o medo crescente tornaram intolerável a política do Terror. Assim, na Convenção Nacional formou-se uma maioria moderada que, durante a sessão de 27 de julho de 1794 (9 termidor no calendário republicano, daí o nome de termidorianos dado aos moderados), derrubou o governo revolucionário e mandou prender Robespierre sob a acusação de tirania. No dia seguinte, Robespierre foi guilhotinado sem processo, junto com seus colaboradores mais próximos. O novo grupo dirigente, expressão da média e da alta burguesia, anulou as providências e os órgãos revolucionários, inaugurou uma política de normalidade e governou a França até outubro de 1795.

A Constituição de 1795 confia o poder ao Diretório A vitória dos termidorianos foi sancionada pela Constituição de 1795. A nova carta constitucional reiterou o direito de propriedade e a liberdade de iniciativa econômica. O Poder Legislativo foi confiado a duas Câmaras: • o Conselho dos Quinhentos, que discutia e votava as leis; • o Conselho dos Anciãos (250 membros), que ratificava ou rejeitava as leis dos Quinhentos. O Poder Executivo cabia a um Diretório de cinco membros, eleitos pelos anciãos dentre uma lista de nomes preparada pelos Quinhentos. O Diretório, que governou a França de 1795 a 1799, restituiu confiança à burguesia e aos agricultores, manteve viva a República e desenvolveu um trabalho notável no campo da instrução. O Poder Judiciário, formado pela magistratura, manteve sua independência.

MUSEU DE BELAS-ARTES, LILLA

A Constituição de 1791 A Constituição de 1795

diretório

Magistratura

Poder Legislativo

Poder executivo

Poder judiciário

BIBLIOTECA NACIONAL, PARIS

COnselho conselho dos de Anciãos quinhentos

Robespierre na mesa de trabalho.

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A gravura representa (da esquerda para a direita) um membro do Conselho dos Quinhentos, o secretário do Diretório e um membro do Conselho dos Anciãos.


Verificando o conhecimento 1. Descreva a situação econômica da França no final do século XVIII. 2. Explique o processo que levou o terceiro estado a dar início à Revolução Francesa. 3. Dentro e fora da França, começou a se formar um movimento para tentar restabelecer os direitos que a monarquia havia perdido com o início da Revolução. Explique como foi organizada essa “contrarrevolução”.

4. Em 21 de setembro de 1792, foi decretado o fim da monarquia e proclamada a República. Escreva um texto relatando como isso aconteceu. 5. Em 1793, teve início um período de violência conhecido como Grande Terror. Elabore um texto sobre esse período e explique como ele chegou ao fim.

O estudo da história A participação das mulheres na Revolução Francesa

Preâmbulo As mães, as filhas, as irmãs, representantes da nação, reivindicam constituir-se em Assembleia Nacional. Considerando que a ignorância, o esquecimento, ou o desprezo da mulher são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos governantes, resolveram expor, em uma Declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados da mulher, a fim de que esta Declaração, constantemente, apresente a todos os membros do corpo social seu chamamento, sem cessar, sobre seus direitos e seus deveres, a fim de que os atos do poder das mulheres e aqueles do poder dos homens, podendo ser a cada instante comparados com a finalidade de toda instituição política, sejam mais respeitados; a fim de que as reclamações das cidadãs, fundadas doravante sobre princípios simples e incontestáveis, estejam voltados à manutenção da Constituição, dos bons costumes e à felicidade de todos. Em consequência, o sexo superior tanto na beleza quanto na coragem, em meio aos sofrimentos maternais, reconhece e declara, na presença e sob os auspícios do ser superior, os direitos seguintes da mulher e da cidadã: ARTIGO PRIMEIRO – A mulher nasce e vive igual ao homem em direitos. As distinções sociais não podem ser fundadas a não ser no bem comum. II – A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis da mulher e do homem: estes direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e, sobretudo, a resistência à opressão. III – O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação, que não é nada mais do que a reu-

A Revolução Francesa

As mulheres tiveram um papel de destaque na Revolução Francesa: participaram das manifestações e protestos e dos clubes políticos então existentes e formaram suas próprias organizações. Foram elas que, em 1789, alguns meses após a queda da Bastilha, lideraram a marcha até o palácio de Versalhes, moradia da família real francesa, obrigando o rei a voltar a Paris e a aceitar as decisões da Assembleia Constituinte. Mas, apesar de sua presença ativa na Revolução, as mulheres tiveram que brigar pelos seus direitos políticos e civis, pois a igualdade dos cidadãos perante a lei, prevista na Declaração dos direitos do homem e do cidadão, não se estendia a elas. Uma das personagens de maior destaque nessa luta foi Olympe de Gouges (1748-1793). Em 1791, ela publicou a Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, reivindicando para as mulheres direitos iguais aos dos homens, e a encaminhou à Assembleia Constituinte, com um pedido de que ela fizesse parte da Constituição do país. Mas sua declaração não se transformou em lei. Durante o Grande Terror, Olympe posicionou-se contra a violência imposta pelos revolucionários e fez severas críticas a Marat e Robespierre. Foi condenada à guilhotina. Reproduzimos a seguir um trecho da Declaração dos direitos da mulher e da cidadã.

Declaração dos direitos da mulher e da cidadã

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nião do homem e da mulher: nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que deles não emane expressamente. IV – A liberdade e a justiça consistem em devolver tudo o que pertence a outrem; assim, os exercícios dos direitos naturais da mulher não encontram outros limites senão na tirania perpétua que o homem lhe opõe; estes limites devem ser reformados pelas leis da natureza e da razão. V – As leis da natureza e da razão protegem a sociedade de todas as ações nocivas: tudo o que não for resguardado por essas leis sábias e divinas não pode ser impedido e ninguém pode ser constrangido a fazer aquilo a que elas não obriguem. VI – A lei deve ser a expressão da vontade geral; todas as cidadãs e cidadãos devem contribuir pessoalmente ou através de seus representantes à sua formação: todas as cidadãs e todos os cidadãos, sendo iguais aos seus olhos, devem ser igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo suas capacidades e sem outras distinções, a não ser aquelas decorrentes de suas virtudes e de seus talentos. VII – Não cabe exceção a nenhuma mulher; ela será acusada, presa e detida nos casos determinados pela Lei. As mulheres obedecem tanto quanto os homens a esta lei rigorosa. VIII – A lei não deve estabelecer senão a penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido a não ser em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada às mulheres. IX – Toda mulher, sendo declarada culpada, deve submeter-se ao rigor exercido pela lei. X – Ninguém deve ser hostilizado por suas opiniões, mesmo as fundamentais; a mulher tem o direito de subir ao cadafalso; ela deve igualmente ter o direito de subir à Tribuna; contanto que suas manifestações não perturbem a ordem pública estabelecida pela Lei. XI – A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos da mulher, pois esta liberdade assegura a legitimidade dos pais em relação aos filhos. Toda cidadã pode, portanto, dizer livremente, eu sou a mãe de uma criança que vos pertence, sem que um prejulgado bárbaro a force a dissimular a verdade; cabe a ela responder pelo abuso a esta liberdade nos casos determinados pela Lei. XII – A garantia dos direitos da mulher e da cidadã necessita uma maior abrangência; esta garantia deve ser instituída para o benefício de todos e não para o interesse particular daquelas a que tal garantia é confiada. XIII – Para a manutenção da força pública e para as despesas da administração, as contribuições da mulher

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e do homem são iguais; ela participa de todos os trabalhos enfadonhos, de todas as tarefas penosas; ela deve, portanto, ter a mesma participação na distribuição dos lugares, dos empregos, dos encargos, das dignidades e da indústria. XIV – As cidadãs e os cidadãos têm o direito de contestar, por eles próprios e seus representantes, a necessidade da contribuição pública. As cidadãs podem aderir a isto através da admissão em uma divisão igual, não somente em relação à administração pública, e de determinar a quota, a repartição, a cobrança e a duração do imposto. XV – A massa das mulheres integrada, pela contribuição, à massa dos homens, tem o direito de exigir a todo agente público prestação de contas de sua administração. XVI – Toda sociedade, na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem qualquer constituição; a constituição é nula, se a maioria dos indivíduos que compõem a nação não coopera à sua redação. XVII – As propriedades pertencem a todos os sexos, reunidos ou separados; constituem, para cada um, um direito inviolável e sagrado; ninguém disto pode ser privado, pois representa verdadeiro patrimônio da natureza, a não ser nos casos de necessidade pública, legalmente constatada, em que se exige uma justa e prévia indenização. Conclusão – Mulher, desperta-te; a força da razão se faz escutar em todo o universo; reconhece teus direitos. O poderoso império da natureza não está mais envolto de preconceitos, de fanatismo, de superstição e de mentiras. A bandeira da verdade dissipou todas as nuvens da tolice e da usurpação. O homem escravo multiplicou suas forças e teve necessidade de recorrer às tuas, para romper os seus ferros. Tornando-se livre, tornou-se injusto em relação a sua companheira. Oh mulheres. Disponível em: Enciclopédia digital de direitos humanos. <www.dhnet.org. br/direitos/anthist/mulheres.htm>. Acesso em: ago 2008.

a) Produza um texto, comparando a declaração que você acabou de ler ao trecho da Declaração dos direitos do homem e do cidadão transcrito na página 85. b) Com a orientação do seu professor, faça uma pesquisa sobre a participação das mulheres na Revolução Francesa. Procure saber quais eram os direitos civis e políticos das mulheres francesas na época. Depois, apresente um seminário para a classe. c) Após a apresentação do seminário, discuta com seus colegas a situação atual das mulheres brasileiras em relação à participação política e aos direitos civis. Quais as semelhanças com as mulheres francesas da época da Revolução? E as diferenças?


Por uma nova ordem CIDADANIA O terceiro estado O texto abaixo foi escrito pelo abade Sieyès às vésperas da Revolução Francesa. Ele circulou intensamente pela França em forma de panfleto antes e durante a Revolução. Que é o terceiro estado? Que é o terceiro estado? Tudo. Que tem sido até agora na ordem política? Nada. Que deseja? Vir a ser alguma coisa... O terceiro estado forma em todos os setores os dezenove vinte avos, com a diferença de que ele é encarregado de tudo o que existe de verdadeiramente penoso, de todos os trabalhos que a ordem privilegiada se recusa a cumprir. Os lugares lucrativos e honoríficos são ocupados pelos membros da ordem privilegiada... Quem, portanto, ousaria dizer que o terceiro estado não tem em si tudo o que é necessário para formar uma nação completa? Ele é o homem forte e robusto que tem um dos braços ainda acorrentado. Se suprimíssemos a ordem privilegiada, a nação não seria algo de menos e sim alguma coisa mais. Assim, que é o terceiro estado? Tudo, mas um tudo livre e florescente.

Nada pode caminhar sem ele, tudo iria infinitamente melhor sem os outros... Uma espécie de confraternidade faz com que os nobres deem preferência a si mesmos para tudo, em relação ao resto da nação. A usurpação é completa, eles verdadeiramente reinam... É a Corte que tem reinado e não o monarca. É a Corte que faz e desfaz, convoca e demite os ministros, cria e distribui lugares, etc. Também o povo acostumou-se a separar nos seus murmúrios o monarca dos impulsionadores do poder. Ele sempre encarou o rei como um homem tão enganado e de tal maneira indefeso em meio a uma Corte ativa e todo-poderosa, que jamais pensou em culpá-lo de todo o mal que se faz em seu nome. Extraído de: E. J. Sieyès. Que é o terceiro estado? (Documento de domínio público.) Em: Adhemar Marques e outros. História contemporânea através de textos. São Paulo, Contexto, 1994. p. 19.

a) Segundo o autor, qual era a porcentagem representada pelo terceiro estado na população francesa? b) De acordo com o texto, por que o terceiro estado não tinha uma atuação política significativa naquele momento? c) Que metáfora o autor utiliza para representar o terceiro estado como um grupo político forte mas inativo?

Saiba Mais Livros A Revolução Francesa. Ken Hills. 12 ed. São Paulo, Ática, 2000. (Coleção Guerras que Mudaram o Mundo.) Revolução Francesa. Carlos Guilherme Mota. 12 ed. São Paulo, Ática, 2004. (Coleção O Cotidiano da História.) Sites Terra Educação Revolução Francesa – Voltaire Schilling O site traz muitas informações, ilustrações e mapas sobre a Revolução Francesa. No site são abordados muitos temas como a queda do Antigo Regime, a Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. http://educaterra.terra.com.br/voltaire/especial/home_rev_francesa.htm Filmes Danton – O processo da Revolução. França/Alemanha/Polônia, 1983. Direção: Andrzej Wajda. O líder popular Danton busca o fim do regime de terror, no segundo ano da Revolução Francesa. Maria Antonieta. EUA/Japão/França, 2006. Direção: Sofia Coppola. A vida da princesa austríaca que se tornou rainha da França. no palácio de Versalhes e que foi presa e decapitada pela Revolução Francesa. A Revolução Francesa

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