ISSN 1981-8114
v. 12 n. 1 janeiro/abril de 2017
Diversidade de Membracidae em uma årea da Mata Atlântica
Boletim do Museu Paraense EmĂlio Goeldi CiĂŞncias Naturais
v. 12, n. 1 janeiro-abril 2017
BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI. CIÊNCIAS Naturais (ISSN 1981-8114) Imagem da capa Insetos adultos da família Membracidae. Fotos: César Favacho
O Boletim do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia foi criado por Emílio Goeldi e o primeiro fascículo surgiu em 1894. O atual Boletim é sucedâneo daquele. The Boletim do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia was created by Emilio Goeldi, and the first number was issued in 1894. The present one is the successor to this publication.
Editor Científico Fernando da Silva Carvalho Filho Editores Associados Adriana Maria Coimbra Horbe Alexander C. Lees Alexandre Salino Anna Luiza Ilkiu Borges Fernando Jacques Althoff José de Sousa e Silva Júnior (Cazuza) Laszlo Nagy Lezilda Carvalho Torgan Maria Inês Feijó Ramos Pedro Lage Viana Shirley Martins Silva Toby Gardner CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO Ana Maria Giulietti - Universidade Estadual de Feira de Santana - Feira de Santana - Brasil Augusto Shinya Abe - Universidade Estadual Paulista - Rio Claro - Brasil Carlos Afonso Nobre - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - São José dos Campos - Brasil Douglas C. Daly - New York Botanical Garden - New York - USA Hans ter Steege - Utrecht University - Utrecht - Netherlands Ima Célia Guimarães Vieira - Museu Paraense Emílio Goeldi - Belém - Brasil John Bates - Field Museum of Natural History - Chicago - USA José Maria Cardoso da Silva - Conservação Internacional - Belém - Brasil Laurent Polidori - l’Ecole Supérieure des Géomètres Topographes - Le Mans - França Lauro Valentim Stoll Nardi - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Porto Alegre - Brasil Miguel Trefaut Rodrigues - Universidade de São Paulo - São Paulo - Brasil Nelson Papavero - Museu de Zoologia - Universidade de São Paulo - São Paulo - Brasil Peter Mann de Toledo - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - São José dos Campos - Brasil Philippe Kok - Royal Belgian Institute of Natural Sciences - Brussels - Bélgica Roberto Dall’Agnol - Universidade Federal do Pará - Belém - Brasil Rui Cerqueira - Universidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil William Woods - University of Kansas - Lawrence - USA NÚCLEO EDITORIAL Rafaele Lima - Assistente editorial Talita do Vale - Editoração, versão eletrônica e capa deste número Normalização - Núcleo Editorial Boletim Projeto Gráfico - Elaynia Ono
Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações Museu Paraense Emílio Goeldi
Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Ciências Naturais
ISSN 1981-8114 Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi
Cienc. Nat.
Belém
v. 12
n. 1
p. 11-140
janeiro-abril 2017
Endereço para correspondência: Museu Paraense Emílio Goeldi Núcleo Editorial - Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi Av. Perimetral, 1901 Terra Firme – CEP 66077-530 Belém - PA - Brasil Telefone: 55-91-3075-6186 E-mail: boletim.naturais@museu-goeldi.br
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais. 2017. – Belém: MPEG, 2017. v. 12 n. 1., v. il. Semestral: 1984-2002 Interrompida: 2003-2004 Quadrimestral a partir do v. 1, 2005. Títulos anteriores: Boletim Museu Paraense de História Natural e Ethnographia 1894-98; Boletim Museu Paraense de História Natural e Ethnographia (Museu Goeldi) 1902; Boletim do Museu Goeldi (Museu Paraense) de História Natural e Ethnographia 1906-1914; Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi de História Natural e Etnografia 1933; Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi 1949-2002, série Zoologia, série Botânica e série Ciências da Terra; Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, série Ciências Naturais, em 2005. A partir de 2006, Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais. ISSN 1981-8114 1. Ciências Naturais. 2. Zoologia. 3. Micologia. 4. Botânica. 3. Geologia. 4. Paleontologia. I. Museu Paraense Emílio Goeldi.
CDD-21ª.ed. 500 © Direitos de Cópia/Copyright 2017 por/by MCTIC/Museu Goeldi Publicado em outubro de 2017
CARTA DO EDITOR
É com satisfação que comunico o lançamento do primeiro número do volume 12 do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais. Esta edição deveria ter sido publicada ainda no primeiro quadrimestre deste ano, um atraso que se justifica devido a mudanças ocorridas no corpo editorial da revista e ao fato de o periódico ter passado um período sem receber a submissão de novos manuscritos. Ambos os problemas já foram resolvidos. O desafio agora é publicar, ainda este ano, os dois números que faltam para completar este volume. O primeiro artigo que compõe este número é da área da zoologia e trata sobre a diversidade de Membracidae da Mata Atlântica, sendo de autoria de Antônio Creão-Duarte e colaboradores. Esta família é composta por insetos pequenos, parentes da cigarrinha, que apresentam grande quantidade de espécies, estando entre os insetos mais bizarros do planeta. Isso porque eles apresentam vários tamanhos, formas e cores. Para se ter uma ideia, basta olhar as Figuras 1 e 2, nas páginas 15 e 16 desta edição. Apesar disso, este é um grupo pouco estudado no Brasil, havendo pequena quantidade de pesquisas sobre ecologia. Outro fato que merece destaque é que este trabalho foi desenvolvido em uma área de Mata Atlântica do Nordeste do Brasil, um dos biomas mais ameaçados, restando, atualmente, pequenos fragmentos dele nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste do país. Muitos dos estudos desenvolvidos neste bioma foram feitos nos fragmentos do Sul e do Sudeste, havendo menor parcela de pesquisas no Nordeste. Por meio de quatro métodos de coleta, os autores obtiveram 1.182 espécimes, pertencentes a 27 espécies, localizadas em vários estratos da floresta, inclusive no dossel, que é um ambiente pouco amostrado. Antes de mencionar os resultados do próximo artigo, preciso reportar que há, no Amazonas, no Parque Nacional de Anavilhanas, um local onde turistas de várias partes do mundo podem se aproximar e interagir com botos selvagens. No entanto, esta interação pode ser danosa para as pessoas e para os animais, na ausência de regras que estabeleçam o modo como as pessoas devam se comportar nesta situação. No artigo de Marcelo Vidal e colaboradores, foram apresentadas orientações quanto à estrutura mínima e à localização do empreendimento onde acontecem as interações com botos, bem como ao modo como os contatos entre visitantes e animais devem ser desenvolvidos. O outro artigo é da área da micologia, que é a ciência que estuda fungos, sendo de autoria de Fabiano Prado e colaboradores. Eles verificaram que as substâncias produzidas por algumas espécies de fungos de um mesmo gênero podem ser utilizadas para matar bactérias. Poucas pessoas sabem da importância destes seres para a sobrevivência da humanidade, já que possuem muitas utilidades, desde o uso como fonte de alimento até a possibilidade de produção de substâncias medicinais à base deles. A penicilina, um dos antibióticos mais conhecidos no mundo todo, é produzida por um fungo. Na área da ficologia, a área da ciência que estuda algas, Andreia Pereira e colaboradores apresentaram os resultados de um amplo inventário das espécies do gênero Pinnularia, coletadas ao longo dos cursos superior e médio do rio Negro, incluindo rios tributários e igarapés. Neste estudo, foram encontrados 53 táxons específicos e infraespecíficos. A palavra alga geralmente nos remete a uma planta ondulante aquática, que geralmente aparece nos documentários sobre vida marinha. Apesar disso, algumas são microscópicas, ou seja, elas não se parecem em nada com plantas, como
é o caso das espécies de Pinnularia. Na minha opinião, elas parecem ser de outros planetas. Se você estiver curioso quanto à aparência destas algas, basta olhar as páginas 49-74. Na área da botânica, Carlos Franciscon e Izildinha Miranda efetuaram uma revisão biogeográfica da distribuição e do estado de conservação das espécies de plantas do gênero Aiouea no Brasil. As plantas desta família são conhecidas no país como brinco-de-princesa, canela-sêbo, canela-anhoíba, canela-do-piauí, canela-do-rio-grande, canela-vermelha, louro-de-goiás, louro rosa, sassafrás, uridol, urinosa, vergateza, entre outros nomes. Catorze espécies deste gênero são registradas para o Brasil, sendo que nove são endêmicas, ou seja, só ocorrem neste local. Saindo da área das ciências biológicas e indo para a área da geologia, temos o artigo de Lena Souza e Franklin Williams Silva de Carvalho, intitulado “Contextualização geológica da porção sudoeste do Sistema Aquífero Boa Vista, estado de Roraima, Brasil, a partir de sondagens elétricas verticais rasas”. Neste estudo, foram distinguidas e caracterizadas as zonas do Sistema Aquífero Boa Vista, em Boa Vista (RR), que possuem potencial aquífero. Considerando que a falta de água é um problema enfrentado por muitos países e que, se não houver mudanças no nosso estilo de vida, assolará boa parte da humanidade, estudos sobre a caracterização dos sistemas aquíferos do Brasil são de grande utilidade para o conhecimento de nossas fontes de água. Ainda na área da geologia, Cristina Bastos e colaboradores apresentaram o histórico da formação e a trajetória da coleção de minerais da antiga Escola Nacional de Engenharia (ENE), que está parcialmente sediada no Museu da Geodiversidade, no Instituto de Geociências, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Esta coleção possui um dos maiores acervos de fósseis do Brasil, com cerca de 20 mil itens. Ela também é constituída por coleções de minerais, rochas, fotografias, mapas, documentos, objetos histórico-científicos e livros raros. Ainda na área das ciências da terra, a presente edição traz um artigo sobre paleontologia, mais especificamente sobre micropaleontologia, isto é, a ciência que estuda os microfósseis. No entanto, Sandro Monticelli Petró propõe, em seu intrigante artigo, após estudo semântico cuidadoso, que este termo não é adequado, apontando, nesta contribuição, que o termo correto deveria ser “paleomicrontologia”. Este número do Boletim também é composto pela nota científica de Sandro Gonçalves Moreira, que relata a predação da rola-fogo-apagou pela seriema, em Minas Gerais. Ela é uma ave pernalta que habita áreas abertas naturais ou antropizadas. Desta forma, ela não é encontrada nas áreas florestadas da Amazônia. Apesar de ser um predador generalista, há poucos registros sobre as presas desta espécie. Esta edição é composta, desta forma, por artigos de várias áreas do conhecimento, indo de algas microscópicas até o estudo sobre a morfologia de uma palavra. Por isso, tivemos a ajuda de vários pesquisadores de diversas partes do Brasil, que atuaram como avaliadores destes manuscritos. Sou muito grato a eles pela valiosa ajuda. Gostaria de agradecer também ao Dr. William Overal, pelo grande auxílio com a revisão dos textos em inglês, e a Rafaele Lima e a Talita do Vale, pelo exímio trabalho de editoração dos artigos em um tempo relativamente curto.
Fernando da Silva Carvalho Filho Editor Científico
CARTA DO EDITOR EDITOR’S NOTE
ARTIGOS ARTICLES
Membracidae diversity (Hemiptera: Auchenorrhyncha) in an Atlantic Forest area, Paraíba, Brazil, with preliminary comments on collection methods, spatial distribution and estimated species richness Diversidade de Membracidae (Hemiptera: Auchenorrhyncha) em uma área da Mata Atlântica, Paraíba, Brasil, com comentários preliminares sobre métodos de coleta, distribuição espacial e riqueza estimada Antonio José Creão-Duarte, Alessandre Pereira-Colavite, Wellington Emanuel dos Santos, Suênia Alcântara Barbosa, Valberta Alves Cabral, Aline Lourenço, Izabela Souza Braga, Wylma Regina da Silva.............................................................................. 11
Ordenamento participativo do turismo com botos no Parque Nacional de Anavilhanas, Amazonas, Brasil Participatory planning in tourist activities with Amazon River Dolphins at the Anavilhanas National Park, Amazonas, Brazil Marcelo Derzi Vidal, Priscila Maria da Costa Santos, Josângela da Silva Jesus, Luiz Cláudio Pinto de Sá Alves, Maria do Perpétuo Socorro Rodrigues Chaves.....................................................................................................................................23
Produção de compostos bioativos por Aspergillus mantidos sob duas condições de preservação Production of bioactive compounds by Aspergillus kept under two preservation conditions Fabiano Brito Prado, Waldireny Caldas Rocha, Salomão Rocha Martim, Mircella Marialva Alecrim, Larissa de Paiva Silva, Larissa Svetlana Cavalcante Silva, Taciana de Amorim Silva, Maria Francisca Simas Teixeira....................................37
Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) dos cursos superior e médio do rio Negro e de tributários, Amazonas, Brasil Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) from the upper and middle courses of the Rio Negro and its tributaries, Amazonas, Brazil Andreia Cavalcante Pereira, Lezilda Carvalho Torgan, Sérgio de Melo..................................................................................................49
Distribuição e conservação das espécies de Aiouea Aubl. (Lauraceae Jussieu) no Brasil Distribution and conservation of Aiouea Aubl. (Lauraceae Juss.) species in Brazil Carlos Henrique Franciscon, Izildinha de Souza Miranda......................................................................................................................75
Contextualização geológica da porção sudoeste do Sistema Aquífero Boa Vista, estado de Roraima, Brasil, a partir de sondagens elétricas verticais rasas Geological setting of the Southwestern Boa Vista Aquifer, State of Roraima, Brazil, from shallow vertical electric sounding Lena Simone Barata Souza, Franklin Williams Silva de Carvalho............................................................................................................ 91
Da Academia Real Militar ao Departamento de Geologia, do Instituto de Geociências, da Universidade Federal do Rio de Janeiro: a trajetória de uma coleção de minerais From the Military Royal Academy to the Geology Department in the Institute of Geosciences of the Federal University of Rio de Janeiro: the trajectory of a mineralogical collection Cristina Moura Bastos, Marcio Ferreira Rangel, Cícera Neysi de Almeida........................................................................................... 109
Micropaleontologia ou paleomicrontologia? Ajustando a morfologia da palavra Micropaleontology or paleomicrontology? Adjusting the morphology of the word Sandro Monticelli Petró..................................................................................................................................................................... 129
NOTA DE PESQUISA SHORT COMMuNICATION
Predação de Columbina squammata Lesson, 1831 (Aves: Columbidae) por Cariama cristata Linnaeus, 1766 (Aves: Cariamidae) Predation of Columbina squammata Lesson, 1831 (Aves: Columbidae) by Cariama cristata Linnaeus, 1766 (Aves: Cariamidae) Sandro Gonçalves Moreira................................................................................................................................................................ 137
Artigos
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 11-21, jan.-abr. 2017
Membracidae diversity (Hemiptera: Auchenorrhyncha) in an Atlantic Forest area, Paraíba, Brazil, with preliminary comments on collection methods, spatial distribution and estimated species richness Diversidade de Membracidae (Hemiptera: Auchenorrhyncha) em uma área da Mata Atlântica, Paraíba, Brasil, com comentários preliminares sobre métodos de coleta, distribuição espacial e riqueza estimada Antonio José Creão-DuarteI, Alessandre Pereira-ColaviteI, Wellington Emanuel dos SantosI, Suênia Alcântara BarbosaII, Valberta Alves CabralI, Aline LourençoI, Izabela Souza BragaI, Wylma Regina da SilvaI I
Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, Paraíba, Brasil II
Pesquisadora independente. Sobral, Ceará, Brasil
Abstract: In order to document the Membracidae of an area of the Brazilian Atlantic Forest in Paraíba, four collection methods were employed, distributed in 100 sample units during ten days in November 2014. A total of 1,182 membracids of 27 species were collected. The assemblages were marked with a high dominance, since six species accounted for 80.63% of the total number of individuals captured. Species with more than ten individuals were associated with the three environments of the forest: canopy, understory, and edge. The importance of the four sampling methods in the final membracid composition was evaluated through the Jaccard similarity index and its complement, where the values of complementarity were superior to the values of similarity, suggesting the dissimilarity of assemblages inventoried by each method. The observed richness corresponds to 90.0% and 79.4% of the richness estimated by Chao1 and Chao2. The richness estimated by Chao1 is within the upper limit of the confidence interval (95%) in the last plot of the species accumulation curve, while the richness estimated by Chao2 is above this limit. The additional sampling effort needed to collect 95% of the estimated richness is 969 individuals for Chao1 and 317 sample units for Chao2. Keywords: Abundancy. Species diversity estimators. Faunistic inventory. Treehoppers. Resumo: Para documentar os membracídeos em uma área de Mata Atlântica na Paraíba, quatro métodos de coleta, distribuídos em 100 unidades amostrais, foram utilizados durante dez dias, em novembro de 2014. Foram coletados 1.182 espécimes de 27 espécies, sendo essa taxocenose marcada por alta dominância, pois representantes de apenas seis espécies foram responsáveis por 80,63% do número total de indivíduos coletados. Espécies com mais de dez indivíduos foram associadas a três ambientes da floresta (dossel, sub-bosque e borda). A importância dos quatro métodos de amostragem na composição final da taxocenose foi avaliada através do índice de similaridade de Jacard e de seu complemento, onde os valores de complementaridade foram superiores aos de similaridade, sugerindo a dissimilaridade das taxocenoses inventariadas por cada método. A riqueza observada corresponde a 90% e 79,4% da riqueza estimada por Chao1 e Chao2. A riqueza estimada por Chao1 encontra-se dentro do limite superior do intervalo de confiança (95%) no último lançamento da curva de acumulação de espécies, enquanto a riqueza estimada por Chao2 encontra-se acima deste limite. O esforço adicional de amostragem, necessário para coletar 95% da riqueza estimada, é de 969 indivíduos para Chao1 e 317 unidades amostrais para Chao2. Palavras-chave: Abundância. Estimadores de diversidade de espécies. Inventário faunístico. Membracídeos.
CREÃO-DUARTE, A. J., A. PEREIRA-COLAVITE, W. E. SANTOS, S. A. BARBOSA, V. A. CABRAL, A. LOURENÇO, I. S. BRAGA & W. R. SILVA, 2017. Membracidae diversity (Hemiptera, Auchenorrhyncha) in an Atlantic Forest area, Paraíba, Brazil, with preliminary comments on collection methods, spatial distribution and estimated species richness. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais 12(1): 11-21. Autor para correspondências: Antonio José Creão-Duarte. Universidade Federal da Paraíba. Centro de Ciências Exatas e da Natureza. Departamento de Sistemática e Ecologia. Castelo Branco, s/n. João Pessoa, PB, Brasil. CEP 58059-900 (creaoduarte@yahoo.com.br). Recebido em 13/04/2017 Aprovado em 11/06/2017 Responsabilidade editorial: Fernando da Silva Carvalho Filho
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Membracidae diversity (Hemiptera: Auchenorrhyncha) in an Atlantic Forest area, Paraíba, Brazil, with preliminary comments on collection methods...
MATERIAL AND METHODS
INTRODUCTION The heightened degradation of tropical forests with irreversible reduction in the number of species has led us to reflect on the words of May (1988), that Biological Conservation is a science with limited time. The nonexistent consensus of an overall estimation of species richness (Mora et al., 2011) has hindered our understanding of the magnitude of environmental changes in the Anthropocene (Caley et al., 2014). Thus, local species listings are required, since richness at a global scale is inferred from local richness data (Magurran, 2011). The use of arthropods, and insects in particular, has been supported in monitoring the sustainable use of tropical forests, since they respond quickly to environmental changes (Alarape et al., 2015). Membracids are one of the most appropriate groups in this regard, mainly due to the diversity of plants that host them (Brown, 1997). The Membracidae (Hemiptera: Auchenorrhyncha) is structured into nine subfamilies, 49 tribes, 441 genera, and more than 3,200 species (Deitz & Wallace, 2011). The species belonging to this family are distributed worldwide, with an increase in recorded diversity in the Neotropical Region (Wood, 1993). They are specific or generalist plant parasites (Creão-Duarte et al., 2012, 2016) that extract sap and consequently produce honeydew that attracts Hymenoptera, with which these Hemiptera establish biological associations (Olmstead & Wood, 1990; Wood, 1993; Fagundes et al., 2012). They are recognized by their well-developed pronotum that covers the abdomen and almost all of the wings in some species, and may assume a similar appearance to plant structures such as buds, leaves and thorns (Wallace & Deitz, 2007). The objectives of this study were to document the overall diversity of membracids in a remnant of the Atlantic Forest in Paraíba, Brazil, based on four collection methods. Additionally, we provide preliminary comments on the collection methods used, the spatial distribution of the species, and estimated richness of treehoppers.
STUDY AREA Fieldwork was conducted from 20 to 29 November 2014, in three large remnants of the Atlantic Forest, in campus I of the Federal University of Paraíba, in João Pessoa, Paraíba, Brazil, totaling 19.3 hectares. These three remnants are close together and were therefore considered as a single study area with the same meteorological conditions as the metropolitan region of João Pessoa: temperature of 25.2 ºC, total annual precipitation of 1,888 mm, and relative humidity of 77.7% (averages from the last ten years) (INMET, 2016). SAMPLING The collections were based on 100 sample units distributed into four capture methods: 40 yellow pan traps (understory); 20 yellow adhesive cards (canopy); ten nocturnal collections with light traps, and 30 active collections (manual process). The soil pitfall trays were randomly arranged 5 m from the forest edge, at least 20 m apart, and were composed of a rectangular plastic yellow container 30 x 22 x 7 cm, filled with water and detergent. The yellow adhesive cards Promip© (23 x 22 cm) were randomly placed in the tree canopy 40 m from the edge, at least 30 m apart. The sampling duration for these methods was ten days. The light traps used mixed mercury vapor lightbulbs of 250 W and 220 V on a white cloth background (1.7 x 2 m) and each sample unit corresponded to 90 minutes of collection, each unit was at least 80 m apart. Active collection was conducted along a demarcated transect at the edge of forest remnants, and each sample unit corresponded to a visual inspection along 30 m of the transect near plants at the edge, up to 2 m in height, interspersed by 10 m, using killing jars and entomological nets for capture. Species were identified by comparison using specimens from the reference collection, photos from a species database, and specialized bibliography. The specimens were incorporated into the Coleção Entomológica of the
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RESULTS AND DISCUSSION A total 1,182 individuals was collected of 27 membracid species (Figures 1A-1L and 2A-2O). However, four species could not be identified beyond genus (Table 1). Taxonomic issues involving uncertain identification were reported by Wallace (2008) and Wallace & Maloney (2010) in studies of membracid occurrence on oak in the Delaware Water Gap National Recreation Area and Pocono Till Barrens, Long Pond, Pennsylvania, respectively. This difficulty is expressed in other listings of Membracidae species richness (Lopes, 1995; Johnson & Freytag, 1997; Lencioni Neto, 2011; Creão-Duarte et al., 2012). A total of 565 individuals of 19 species was collected in the forest interior, including 167 individuals of 11 species in 20 canopy cards, 360 of 13 species in 40 trays, and 38 individuals of eight species in ten collections with light traps. At the forest edge, 617 individuals of 21 species were collected during 30 active collections (Table 1). Several collection methods have been used in isolation or together in the capture of membracids, such as active collection (Lopes, 1995; CreãoDuarte et al., 2012, 2016), yellow adhesive cards (Kopp & Yonke, 1970; Mason & Loye, 1981; Johnson & Freytag, 1997; Wallace & Maloney, 2010), malaise and light trap (Godoy et al., 2006), and atomizers (Albertson & Dietrich, 2006). Six species contributed 80.63% of the total abundance: Enchenopa gladius (Fabricius, 1775), 27.07% (Figure 1A); Erechtia gibbosa (DeGeer, 1773), 17.26% (Figure 1B); Todea sp., 12.35% (Figure 1C); Membracis luizae Evangelista & Sakakibara, 2010, 8.97% (Figure 1D); Bolbonota melaena (Germar, 1835), 7.53% (Figure 1E); and Enchenopa squamigera (Linnaeus, 1767), 7.45% (Figure 1F). The observed distribution pattern of species frequency (Figure 3) is represented by a few species with many individuals and many species with few individuals. This pattern repeats what Bartlett et al. (2008) found for membracids in Little Orleans, Maryland, where four species accounted for 85.2% of the total abundance. Studies involving other taxonomic groups report the same tendency of dominance by a few species of the assemblages, such as Tephritidae (Diniz et al., 2010) and Braconidae (Ruiz-Guerra et al., 2015).
Departamento de Sistemática e Ecologia of the Federal University of Paraíba (DSEC). The photographs were made using a stereomicroscope (Leica®/M205C) with a coupled high definition camera (Leica®/DFC295) and a microcomputer, and the software Leica® Application Suite.
DATA ANALYSIS The species list was organized by absolute and relative abundance. Species with more than ten individuals were associated with three forest environments: canopy, understory and edge. Edge species were those whose representatives were collected only in active collections conducted at the edge. Canopy species were those individuals collected on the cards, and understory species were those collected in trays. The light trap collects both canopy and understory specimens; thus, the environment was determined through occurrences in cards and trays. In order to verify the importance of sampling methods in the final composition of the membracid assemblage, the four sampling methods were evaluated in pairs for similarity and complementarity using the Jaccard index in the program PAST 3.13 (Hammer et al., 2001). The values for both similarity and complementarity vary from 0 to 1 and indicate none and total similarity, or total or no complementarity, that is, the smaller the similarity the more complementary the assemblages inventoried by the methods (Magurran, 2011). Two non-parametric species richness estimators were used: Chao 1 (abundance data) and Chao2 (incidence data) in the program EstimateS, version 9.1.0 (Colwell, 2013). The data were subjected to 1,000 randomizations without replacement (i.e. the samples were added to the analysis in random order and each was selected only once) (Walther & Moore, 2005; Colwell, 2013). The observed species curve (Sobs), with a confidence interval of 95%, is equivalent to the species accumulation curve and was constructed by EstimateS. In terms of number of individuals (Chao1) and samples (Chao2), the complement required to reach 95% of the estimated richness was calculated using the procedures of Chao et al. (2009).
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Membracidae diversity (Hemiptera: Auchenorrhyncha) in an Atlantic Forest area, Paraíba, Brazil, with preliminary comments on collection methods...
Sixteen species were associated with one of the three forest environments. Those considered edge species were the following: Membracis luizae, Bolbonota melaena, Enchenopa squamigera, Enchenopa concolor (Fairmaire,
1846) (Figure 1H), Enchophyllum ensatum (Coquebert, 1801) (Figure 1J), Cyphonia nordestina Sakakibara, 1968 (Figure 1I), and Leioscyta spiralis (Haviland, 1925) (Figure 1L). With the exception of B. melaena, none of these species
Table 1. Number of individuals of membracid species captured using 100 sample units distributed into four collection methods: A (yellow adhesive cards); B (yellow pan traps); C (light traps); D (active collection); and AC (accumulated), in remnants of Atlantic Forest in João Pessoa, Paraíba. Highlighted species were not associated with a specific environment. Collection method
Species
Total
%
%AC
0
320
27.07
27.07
0
171
204
17.26
44.33
5
72
146
12.35
56.68
18
0
88
106
8.97
65.65
1
0
87
89
7.53
73.18
A
B
C
D
Enchenopa gladius (Fabricius, 1775)
12
305
3
Erechtia gibbosa (DeGeer, 1773)
29
4
Todea sp.
68
1
Membracis luizae Evangelista & Sakakibara, 2010
0
Bolbonota melaena (Germar, 1835)
1
Enchenopa squamigera (Linnaeus, 1767)
0
3
0
85
88
7.45
80.63
Harmonides dispar (Fabricius, 1803)
12
0
17
7
36
3.05
83.67
Enchenopa concolor (Fairmaire, 1846)
0
6
0
27
33
2.79
86.46
Cyphonia nordestina Sakakibara, 1968
0
0
0
22
22
1.86
88.32
Enchophyllum ensatum (Coquebert, 1801)
0
0
0
22
22
1.86
90.19
Tropidoscyta torva (Germar, 1835)
20
1
0
0
21
1.78
91.96
Leioscyta spiralis (Haviland, 1925)
0
2
0
18
20
1.69
93.65
Notocera camelina (Sakakibara, 1977)
0
16
0
1
17
1.44
95.09
Procyrta pectoralis (Fabricius, 1803)
9
1
2
0
12
1.02
96.11
Havilandia pruinosa (Haviland, 1925)
9
1
0
1
11
0.93
97.04
Neotynelia martinsi Creão-Duarte & Sakakibara, 2000
5
0
4
1
10
0.85
97.88
Notogonioides sinopae (Sakakibara, 1996)
0
0
3
4
7
0.59
98.48
Cyphonia trifida (Fabricius, 1775)
0
0
0
4
4
0.34
98.82
Tolania sp.
0
0
3
0
3
0.25
99.07
Ceresa ustulata Fairmaire, 1846
0
0
0
2
2
0.17
99.24
Cymbomorpha olivacea (Fabricius, 1803)
1
0
0
1
2
0.17
99.41
Tolania furcata-group sp.
1
1
0
0
2
0.17
99.58
Ceresa vitulus (Fabricius, 1775)
0
0
1
0
1
0.08
99.66
Enchenopa auridorsa Sakakibra & Marques, 2007
0
0
0
1
1
0.08
99.75
Enchenopa monoceros (Germar, 1833)
0
0
0
1
1
0.08
99.83
Erosne sp.
0
0
0
1
1
0.08
99.92
Anobilia splendida Tode, 1966
0
0
0
1
1
0.08
100.00
Total number of individuals
167
360
38
617
1,182
100
Total number of species
11
13
8
20
26
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Bol. Mus. Para. EmĂlio Goeldi. Cienc. Nat., BelĂŠm, v. 12, n. 1, p. 11-21, jan.-abr. 2017
were registered in the canopy or light trap. Membracis luizae is found on many edge plants, exotic and native (Sakakibara & Evangelista, 2010), and some individuals of this species were collected in trays inside the forest which can be explained by the location of the trays close to the edge, an explanation that also holds for E. squamigera, E. concolor, and L. spiralis. Enchenopa gladius and Notocera camelina (Sakakibara, 1977) (Figure 2A) were considered understory species because they were captured mainly in trays and are the only species whose individuals were sighted inside the forest. Procyrta pectoralis (Fabricius, 1803) (Figure 2B), Tropidoscyta torva (Germar, 1835) (Figure 1K), Havilandia pruinosa (Haviland, 1925) (Figure 2C), and Neotynelia
martinsi CreĂŁo-Duarte & Sakakibara, 2000 (Figure 2D) were considered canopy species, since their representatives were mainly collected in the canopy and light traps. Furthermore, even though H. pruinosa was not registered on the edge, it is common on Byrsonima sericea DC. (Malpighiaceae) that can be found along the edge. Harmonides dispar (Fabricius, 1803) (Figure 1G) was registered in adhesive cards (canopy), light traps, and active collection, but was considered a canopy species since the species captured at the edge were on regrowth of Pouteria grandiflora (A. DC.) Baehni (Sapotaceae), that is a large tree found in the interior of the forest reaching the canopy. Erechtia gibbosa and Todea sp. were mainly represented in canopy and edge collections, that is, in places with higher
Figure 1. Collected Membracidae: A) Enchenopa gladius (Fabricius, 1775); B) Erechtia gibbosa (DeGeer, 1773); C) Todea sp.; D) Membracis luizae Evangelista & Sakakibara, 2010; E) Bolbonota melaena (Germar, 1835); F) Enchenopa squamigera (Linnaeus, 1767); G) Harmonides dispar (Fabricius, 1803); H) Enchenopa concolor (Fairmaire, 1846); I) Cyphonia nordestina Sakakibara, 1968; J) Enchophyllum ensatum (Coquebert 1801); K) Tropidoscyta torva (Germar, 1835); L) Leioscyta spiralis (Haviland, 1925). Scale bar: 1 mm.
15
Membracidae diversity (Hemiptera: Auchenorrhyncha) in an Atlantic Forest area, Paraíba, Brazil, with preliminary comments on collection methods...
light incidence, possibly because they have host plants that are found in these two places, that may imply that they are generalist species. In a study of herbivorous insects in tropical forests, Basset (1999) concluded that generalists vary from 78-84% among sap-feeding insects (sap-sucking), and that compared to leaf-chewing insects (leaf-chewing) sap-sucking insects outnumber the latter more than twice.
In a study of membracid niche overlap in the Caatinga, Creão-Duarte et al. (2012) observed that most species were generalists. The same low species specificity of Hemiptera and Auchenorrhyncha herbivores was also found by Dem et al. (2013) in a tropical forest study in New Guinea. In a meta-analysis with data from 31 studies conducted between 1994-2010, Guimarães et al. (2014)
Figure 2. Collected Membracidae: A) Notocera camelina (Sakakibara, 1977); B) Procyrta pectoralis (Fabricius, 1803); C) Havilandia pruinosa (Haviland, 1925); D) Neotynelia martinsi Creão-Duarte & Sakakibara, 2000; E) Notogonioides sinopae (Sakakibara, 1996); F) Cyphonia trifida (Fabricius, 1775); G) Tolania peltacauda-group sp.; H) Ceresa ustulata Fairmaire, 1846; I) Cymbomorpha olivacea (Fabricius, 1803); J) Tolania furcata-group sp.; K) Ceresa vitulus (Fabricius, 1775); L) Enchenopa auridorsa Sakakibra & Marques, 2007; M) Enchenopa monoceros (Germar, 1833); N) Erosne sp.; O) Anobilia splendida Tode, 1966. Scale bar: 1 mm.
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Figure 3. Frequency distribution of membracid species collected in Atlantic Forest remnants, Paraíba, using four collection methods.
reported that the edge exhibits a strong effect on plants and insects compared to the interior of the forest. In other words, edge plants have a higher rate of herbivory (73.7%) and herbivorous insects (chewers) are more abundant (14%) and have higher richness (65%) when compared to other masticators in the forest interior. Iannuzzi et al. (2005) studied distribution patterns of families from five insect orders in three forest habitats (edge, trails, and interior) in a remnant of 390 hectares of Atlantic Forest in Pernambuco, Brazil, where the greatest abundance and species richness were observed at the edge compared to the interior for Hemiptera, including membracids. The results (Table 2) show that the complementarity values exceed the similarity values of observed richness between five of the six possible pairs of collection methods, suggesting that the assemblages from each
method are dissimilar to each other, reinforcing the necessity of the four different methods for inventorying membracids. Sørensen et al. (2002) used six sampling methods to estimate the diversity of spiders in the understory of a forest in Tanzania. The complementarity values obtained in the latter study indicated that of the possible 15 pairs formed by the six methods, only two had complementarity values below 50%, and the two Table 2. Similarity and complementarity indexes between pairs of membracid sampling methods in the Atlantic Forest (Paraíba). Complementary values are highlighted. Card Card Tray Light Active
17
0.5 0.64 0.72
Tray 0.5 0.83 0.64
Light 0.36 0.17 0.84
Active 0.28 0.36 0.16
Membracidae diversity (Hemiptera: Auchenorrhyncha) in an Atlantic Forest area, Paraíba, Brazil, with preliminary comments on collection methods...
methods generated consistently different assemblages from those produced by the other four methods. The values of species richness estimated by the Chao1 (30) and Chao2 (34) exceed the observed richness (27) (Table 3). The estimated richness with Chao1 is within
the upper limit of the confidence interval (95%) in the last plot of species accumulation curve, whereas the richness estimated by Chao2 is above this limit (Figure 4). Values of estimated richness by Chao2 surpassed the values estimated by Chao1, which is expected when uniques are
Table 3. Estimation of sampling effort for abundance (Chao1) and occurrence (Chao2) data in order to obtain 95% of the estimated richness (g). Legends: F1 = singletons; F2 = doubletons; Q1 = unique; Q2 = duplicates; N = individuals; Sobs = observed species; Sest = estimated species. Habitat, taxon and location
N
Sobs
Atlantic Forest, Membracidae, João Pessoa, Paraíba
1,182
27
Chao1
Chao2
Sest
F1
F2
g = 95
Sest
Q1
Q2
g = 95
30
5
3
969
34
7
2
317
Figure 4. Species accumulation and estimated richness curve using Chao1 and Chao2.
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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 11-21, jan.-abr. 2017
ACKNOWLEGEMENTS WES, VAC, AL and ISB would like to thank the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) for the student scholarships. APC is grateful to the Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, process #350052/2014-0) and Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (FAPESQ) for the research grant.
superior to singletons (Table 3). Other studies developed with other zoological groups presented similar comparative results between these estimators to those found in this study: Opiliones (Bragagnolo & Pinto-da-Rocha, 2003), Arctiidae (Teston et al., 2012), and Scarabaeinae (Silva et al., 2012). The observed richness corresponds to 90.0% and 79.4% of the richness estimated by Chao1 and Chao2, respectively. Chao et al. (2009) proposed a method to estimate the increase in effort required to obtain 95% of the estimated richness when these estimators are employed. The results indicate the increase of individuals (Chao1) and samples (Chao2) to be used to reach 95% of the estimated richness (Table 3). The values of sampling effort for Chao2 require greater effort, since it implies more than tripling the original effort, that corresponds to 100 sample units. In a study of longitudinal variation in termites in 15 Atlantic Forest locations, Cancello et al. (2014) observed the need to increase the sampling effort in 11 sites, whose limits ranged from 50% to 1,400%, in order to reach 95% of the estimated richness. In summary, the use of the four collection methods during the ten days may be the basis of a collection protocol for membracids, bearing in mind the observed species richness (27) and abundance (1,182). Considering the values estimated by Chao1 (28) and Chao2 (31), the 27 species represent a significant portion of the estimated richness for the 19 hectares of Atlantic Forest. However, to reach 95% of the estimated richness by Chao2 would imply tripling the effort, that may not be feasible considering time and costs restraints. The methods used are appropriate and complementary. However, some adjustments are necessary, such as: 1) increase the number of canopy cards, since there is a high diversity in this location; 2) observe a greater distance between the trays with respect to the forest edge, in order to exclude the possibility of catching representatives of edge species with this method; and 3) since the edge of the remnant is not natural but anthropized, the active collection should be restricted to exotic plants and those naturally found at the edge.
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Ordenamento participativo do turismo com botos no Parque Nacional de Anavilhanas, Amazonas, Brasil Participatory planning in tourist activities with Amazon River Dolphins at the Anavilhanas National Park, Amazonas, Brazil Marcelo Derzi VidalI,II, Priscila Maria da Costa SantosIII, Josângela da Silva JesusIII, Luiz Cláudio Pinto de Sá AlvesIV, Maria do Perpétuo Socorro Rodrigues ChavesII, V I
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. São Luís, Maranhão, Brasil
II III
Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal. Manaus, Amazonas, Brasil
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Novo Airão, Amazonas, Brasil IV
Instituto Aqualie. Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
Universidade Federal do Amazonas. Manaus, Amazonas, Brasil
V
Resumo: Neste artigo, apresentamos as estratégias desenvolvidas para o ordenamento do turismo com botos (Inia geoffrensis) no Parque Nacional de Anavilhanas, Amazonas, Brasil. Utilizando-se de ferramentas de diagnóstico, de planejamento e de gestão participativa junto aos atores relacionados ao turismo local, foram elaboradas e colocadas em prática normas e orientações quanto à estrutura mínima e à localização do empreendimento onde as interações com os botos acontecem, bem como ao modo como as interações dos visitantes com os animais devem ser desenvolvidas. Estas diretrizes reduzem significativamente os riscos de acidentes e aumentam os benefícios que o turismo com os botos no Parque Nacional de Anavilhanas oferece, podendo subsidiar a elaboração de futuros projetos e de políticas públicas voltadas para a gestão do uso público em outras áreas protegidas. Palavras-chave: Área protegida. Cetáceos. Inia geoffrensis. Normas de conduta. Turismo. Abstract: In this paper, we present the strategies developed for the management of tourism with Amazon River dolphins (Inia geoffrensis) at the Anavilhanas National Park, Amazonas, Brazil. Using diagnostic planning and participative management tools among the actors related to local tourism, rules for the minimum structure and location of the enterprise were elaborated and developed related to where the interactions with the dolphins take place and to how the way of the visitors interact with the animals should be developed. These guidelines significantly reduce the risks of accidents and increase the benefits of tourism with Amazon River dolphins at the Anavilhanas National Park and can support the development of future projects and public policies aimed at the management of public contact with animals in other protected areas. Keywords: Protected area. Cetaceans. Inia geoffrensis. Conduct rules. Tourism.
VIDAL, M. D., P. M. C. SANTOS, J. S. JESUS, L. C. P. S. ALVES & M. P. S. R. CHAVES, 2017. Ordenamento participativo do turismo com botos no Parque Nacional de Anavilhanas, Amazonas, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais 12(1): 23-36. Autor para correspondência: Marcelo Derzi Vidal. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sociobiodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais (CNPT). Rua das Hortas, 223 – Centro. São Luís, MA, Brasil. CEP 65020-270 (marcelo.derzi.vidal@gmail.com). Recebido em 13/02/2017 Aprovado em 11/07/2017 Responsabilidade editorial: Fernando da Silva Carvalho Filho
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Ordenamento participativo do turismo com botos no Parque Nacional de Anavilhanas, Amazonas, Brasil
INTRODUÇÃO O turismo exerce forte influência sobre a economia mundial, pois é reconhecido como uma das principais fontes de geração de divisas, sendo que alguns lugares possuem dependência quase exclusiva desta atividade (Santos & Santos, 2011). Em países em desenvolvimento, o turismo é um dos maiores setores de exportação, sendo também a fonte primária de ganhos de origem externa em 46 dos 49 países menos desenvolvidos (UNWTO, 2012). Em 2016, as chegadas turísticas internacionais cresceram pelo sétimo ano consecutivo, atingindo 1,2 bilhão – uma sequência de crescimento ininterrupto, que não era registrada desde a década de 1960 (UNWTO, 2016). Além dos fatores econômicos positivos, atividades de lazer e de turismo também podem ocasionar impactos negativos, tanto de ordem social quanto ambiental, principalmente quando desenvolvidas de forma descontrolada e concentrada no tempo e no espaço (Lobo & Moretti, 2008). Em Unidades de Conservação, podem constituir um problema para a gestão destas áreas protegidas, pois, em algumas delas, estas atividades são feitas de maneira desordenada, sem planejamento, monitoramento ou controle por parte dos gestores, gerando efeitos danosos. Isto pode comprometer o ambiente e a segurança dos visitantes, sendo admitidas como fator de ameaça a muitas espécies (Orams, 1996; Romagnoli et al., 2011). O turismo para observação da fauna tem crescido em meio ao grande espectro de oportunidades recreativas existentes (Brasil, 2009). Em muitos locais do mundo, existe um turismo estabelecido para a prática do whalewatching, atividade que consiste na observação de baleias e de golfinhos a partir de bases em terra firme ou de embarcações, e em programas de natação e alimentação de golfinhos (Parsons et al., 2003; Scarpaci & Dayanthi, 2003). No Parque Nacional de Anavilhanas, no estado do Amazonas, Brasil, desenvolve-se o turismo interativo com botos (Inia geoffrensis de Blainville, 1817), um cetáceo também conhecido como boto-cor-de-rosa,
boto-vermelho ou boto-da-Amazônia, espécie altamente carismática, devido à sua mansidão, ao tamanho, ao endemismo (Vidal, 2011; Vidal et al., 2013) e por ser componente fundamental do folclore amazônico (Romagnoli et al., 2011). O boto é o maior golfinho de rio e apresenta comportamento tolerante à atividade humana, sendo ocasionalmente observado próximo de barcos, de banhistas, de pescadores e de moradores de áreas ribeirinhas. A espécie encontra-se amplamente distribuída pelas bacias dos rios Amazonas e Orinoco, ocorrendo em seis países da América do Sul – Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela – e nos rios Branco e Tacutu, ao longo da fronteira do Brasil com a Guiana (Best & Da Silva, 1989, 1993). A espécie encontra diversas ameaças no Brasil, entre elas a captura e a morte acidental em redes de pesca (Iriarte & Marmontel, 2013a; Mintzer et al., 2015); o abate como forma de retaliação aos conflitos com pescadores ou com a finalidade de uso de suas carcaças como isca em atividades pesqueiras (Iriarte & Marmontel, 2013b; Brum et al., 2015); a perda e a degradação de seus habitat, devido à expansão populacional humana e a empreendimentos, como hidrovias e barragens (Hollatz et al., 2011; Gomez-Salazar et al., 2012); e o aumento de atividades turísticas potencialmente causadoras de impactos negativos aos animais (Romagnoli et al., 2011; Vidal, 2011; Alves et al., 2012). As interações com os cetáceos no Parque Nacional de Anavilhanas iniciaram de modo não intencional, em 1998, quando uma criança passou a oferecer peixes a um boto que frequentava o entorno de um restaurante flutuante, ancorado na região centro-sul da área protegida, em frente à principal praia urbana da cidade de Novo Airão (Barezani, 2005; Romagnoli, 2009; Vidal et al., 2013). Com o tempo, outros botos foram atraídos pela alimentação oferecida, e a criança passou a nadar com os animais, o que chamou a atenção de visitantes do município, os quais passaram a comprar porções de peixes no empreendimento para também alimentarem os botos.
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A interação direta entre pessoas e botos na região tornou-se uma atividade mundialmente conhecida. Turistas brasileiros e de outros países ficavam encantados ao alimentar os animais e nadar com eles nas águas do rio Negro (Barezani, 2005; Romagnoli, 2009; Vidal, 2011), o que fez a atividade tornar-se o principal atrativo turístico da cidade (Romagnoli, 2009; Vidal, 2011). No entanto, as interações com os botos eram realizadas sem quaisquer normas e monitoramentos visando ao bem-estar dos animais e à segurança dos turistas (Romagnoli, 2009; Vidal et al., 2011), o que gerou consequências negativas: número elevado de turistas em interação com poucos animais (Figura 1); turistas nadando com os botos e tentando segurá-los à força; oferecimento de alimentos que não faziam parte da dieta natural dos animais, tais como salgadinhos, cerveja, salsichas e pães; turistas acidentalmente mordidos pelos botos durante as atividades de alimentação artificial; peixes oferecidos aos botos ainda congelados e com manuseio pouco
higiênico; e nenhum controle da quantidade de peixes dada diariamente para cada boto (Romagnoli, 2009; Alves et al., 2011; Vidal, 2011; Vidal et al., 2013). A partir da contextualização apresentada, este artigo descreve o processo de implementação de um programapiloto de ordenamento participativo do turismo interativo com botos no Parque Nacional de Anavilhanas, analisando e discutindo seus principais resultados e as lições aprendidas. Este processo pode subsidiar a elaboração de futuros projetos e políticas públicas voltados para a gestão do uso público em outras áreas protegidas.
MATERIAL E MÉTODOS CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO A cidade de Novo Airão está localizada na margem direita do rio Negro, a uma distância de 183 km, por via terrestre, de Manaus, capital do estado do Amazonas, Brasil. De acordo com o IBGE (2016), Novo Airão apresenta
Figura 1. Turistas em interação com os botos no Parque Nacional de Anavilhanas, antes do ordenamento da atividade. Foto: M. D. Vidal.
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uma população de 18.133 habitantes. Em função de sua proximidade com Manaus e da facilidade de acesso por via terrestre pavimentada, Novo Airão é, atualmente, um dos principais destinos turísticos para os que visitam a Amazônia, além de o ser também para os habitantes de Manaus e de cidades próximas, sobretudo por seus atrativos naturais. Criada em 1981 como Estação Ecológica e recategorizada, em 2008, para Parque Nacional, Anavilhanas é uma Unidade de Conservação de proteção integral gerenciada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Situado em frente a Novo Airão, o Parque tem aproximadamente 350 mil hectares, abrangendo cerca de 60 lagos e 400 ilhas, o que o torna o segundo maior arquipélago fluvial do mundo (Brasil, 2011). O Flutuante dos Botos, local onde ocorrem as interações turísticas com os cetáceos, é um empreendimento privado, localizado no interior do Parque, na principal praia urbana da cidade de Novo Airão (Figura 2). Diariamente, turistas chegam a Novo Airão por via terrestre ou pelo rio Negro para interagir com os botos. Alguns integram grupos de excursão, como os de navios e de hotéis, acompanhados por um guia de turismo, e outros chegam de forma independente, geralmente por via terrestre e sem acompanhamento de um guia (Romagnoli, 2009). Porém, devido à escassez de outras atividades turísticas na área urbana da cidade, a maioria destas pessoas permanece em Novo Airão por somente um dia (Romagnoli, 2009; Vidal et al., 2013).
A primeira etapa do processo de ordenamento foi a criação, em março de 2010, do Grupo de Trabalho sobre Ordenamento do Turismo com Botos (GT Botos). Instituído no âmbito do conselho consultivo da Unidade de Conservação, o GT Botos envolveu diversos interlocutores: pesquisadores, representantes de instituições governamentais (técnicos das secretarias de meio ambiente, turismo, educação), da iniciativa privada (proprietários de hotéis, de restaurantes e de agências de turismo) e da sociedade civil organizada (membros da colônia de pescadores e das associações de operadores e condutores de turismo). O GT Botos, sob a liderança do ICMBio, passou a ser responsável por realizar ações participativas para formatar um programa-piloto de ordenamento do turismo com botos, contemplando os aspectos sociais, econômicos e ambientais relacionados à atividade. Na segunda etapa, foram realizadas três reuniões (nos meses de junho, julho e agosto de 2010) e dois seminários (nos meses de julho e outubro de 2010), visando nivelar o conhecimento dos diversos atores integrantes do GT Botos e elaborar participativamente um conjunto de normas para o desenvolvimento do turismo com botos. Durante esses eventos, foram apresentadas e discutidas (i) as atividades turísticas em Unidades de Conservação; (ii) as experiências de turismo com cetáceos em outras Unidades de Conservação e regiões do país; (iii) os aspectos biológicos e conservacionistas do boto; (iv) os problemas socioeconômicos e biológicos do modelo de turismo desenvolvido no Parque Nacional de Anavilhanas; e (v) as normas a serem cumpridas visando à melhoria da atividade. Os registros, os participantes e os encaminhamentos destes eventos constam em atas e memórias de reuniões, disponíveis na sede administrativa do Parque Nacional de Anavilhanas. Na terceira etapa, foi elaborado um plano de ação, contendo metas de curto, médio e longo prazo (respectivamente, quatro, oito e doze meses) para o alcance das normas estabelecidas na etapa anterior. O monitoramento e a fiscalização do alcance destas metas ficaram a cargo dos analistas ambientais do ICMBio.
O PROCESSO DE ORDENAMENTO Os métodos e as estratégias utilizados no processo de ordenamento do turismo interativo com botos no Parque Nacional de Anavilhanas foram realizados ao longo de três etapas e consideraram ferramentas de diagnóstico, de planejamento e de gestão participativa, bem como experiências de ordenamento do uso público desenvolvidas em outras áreas (Vieira et al., 2005; Kummer, 2007; Campolim et al., 2008).
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Figura 2. Imagem de satélite do baixo rio Negro, identificando a cidade de Novo Airão, a área do Parque Nacional de Anavilhanas e a localização do Flutuante dos Botos.
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De modo concomitante às etapas descritas, o primeiro autor deste artigo realizou, ainda, quatro visitas ao Flutuante dos Botos, para, sob a perspectiva da observação participante, coletar maiores informações sobre o atendimento ao público (quantidade de funcionários envolvidos, explicações repassadas aos visitantes), sobre as interações turísticas com os botos (número de visitantes em interação, conduta em relação aos animais) e sobre os impactos negativos de outras atividades realizadas no entorno do empreendimento (descarte de poluentes na água, fluxo de embarcações de pequeno e de grande porte). A observação participante permitiu captar informações que não são obtidas por meios instrumentais, como formulários e entrevistas, uma vez que, observadas diretamente na própria realidade, transmitem o que há de mais imponderável e evasivo na vida real (Marconi & Lakatos, 1986).
O ICMBio passou a monitorar o perfil dos visitantes por meio da análise de fichas mensais de visitação, enviadas ao órgão pela proprietária do Flutuante dos Botos. Nestas fichas, constam nome, idade, cidade, estado, país e data em que o visitante esteve no empreendimento. A sistematização destas informações demonstra que, no período de 2013 a 2016, o empreendimento recebeu média anual de 7.960 visitantes, a maior parte (77,9%) composta por brasileiros, sendo os meses de janeiro, julho e dezembro os mais visitados. A partir do ordenamento, a oferta de alimentos aos botos passou a ser realizada em oito sessões diárias (09:00, 10:00, 11:00, 12:00, 14:00, 15:00, 16:00, 17:00), cada uma com duração máxima de 30 minutos. Antes de cada sessão, todos os visitantes assistem a uma palestra, ministrada pelos funcionários do empreendimento, durante a qual são abordados aspectos da biologia dos botos, ameaças à espécie e normas de conduta que devem ser adotadas quando das sessões de alimentação. Caso o visitante chegue após o início de uma sessão de alimentação, deve aguardar a subsequente, de modo a assistir a próxima palestra a ser ministrada. Atualmente, apenas os funcionários do empreendimento podem alimentar os botos, oferecendo somente peixe resfriado e em quantidade máxima de 2 kg por dia para cada animal. A mudança fez com que praticamente cessassem os acidentes envolvendo os botos e os visitantes, sobretudo mordidas. Considerando que antes do ordenamento eram vendidas porções de peixe a serem ofertadas pelos visitantes, atualmente é feita a cobrança de ingresso para o visitante acessar o Flutuante dos Botos, um empreendimento privado, e interagir com os cetáceos (observar a oferta alimentar, tocar nos botos, tirar fotos e filmar). A proibição de os visitantes praticarem nado com os botos reforça a segurança das pessoas e o bem-estar dos cetáceos. Atualmente, é permitido entrar na água somente em uma plataforma submersa para interação, após as sessões de alimentação terem sido encerradas,
RESULTADOS Como resultado das ações do GT Botos, em outubro de 2010, uma proposta de ordenamento do turismo com botos para a Amazônia foi encaminhada à Diretoria de Pesquisa, Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade do ICMBio, em Brasília. A proposta apresenta três partes distintas, mas complementares, de normas a serem seguidas (Brasil, 2010). A primeira parte refere-se à estrutura mínima e à localização do empreendimento onde as interações com os cetáceos acontecerão; a segunda está relacionada ao modo como acontecerão as interações dos visitantes com os cetáceos; e a terceira apresenta critérios relacionados ao turismo embarcado para observação dos cetáceos. Posteriormente, e reforçando o processo de ordenamento, em abril de 2012, a portaria nº 47 do ICMBio estabeleceu, em seu artigo 25, parágrafo único, ser vedado aos visitantes alimentar botos no Parque Nacional de Anavilhanas. Paralelamente, o plano de ação para alcance das normas presentes na proposta de ordenamento foi colocado em prática. A Tabela 1 apresenta os principais problemas identificados no modelo de turismo interativo com os cetáceos e relaciona as mudanças implementadas.
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Tabela 1. Principais problemas identificados no turismo interativo com botos e mudanças implementadas pelo ordenamento da atividade no Parque Nacional de Anavilhanas. Problema identificado
Mudança implementada
Sem monitoramento da visitação
Monitoramento do perfil dos visitantes do Flutuante dos Botos
Sem repasse de qualquer informação prévia aos visitantes
Palestra ministrada aos visitantes antes da interação com os cetáceos
Os botos eram alimentados em qualquer momento, com porções de peixes compradas pelos visitantes
Oferta de alimento aos botos é realizada em oito sessões diárias, com duração máxima de 30 minutos
Sem controle da quantidade e da qualidade do alimento oferecido aos botos (por exemplo, eram oferecidos peixe congelado, salsicha, cerveja, salgadinhos)
Somente peixe resfriado é fornecido aos botos. Há limite de 2 kg de peixe por dia/boto
Os próprios visitantes alimentavam os botos (o que ocasionava mordidas nas mãos daqueles que enganavam os cetáceos)
Somente os funcionários do Flutuante dos Botos alimentam os animais
Sem restrição quanto ao número de visitantes no mirante e nas plataformas de interação
Número limitado de visitantes no mirante e nas plataformas de interação do Flutuante dos Botos
Os visitantes nadavam com os botos (o que os possibilitava segurar ou mesmo agarrar os cetáceos, aumentando os riscos de acidentes)
O visitante entra na água somente em uma plataforma submersa de interação, e com uso obrigatório de colete salva-vidas
Muitos resíduos na água e elevado fluxo de embarcações nas proximidades do Flutuante dos Botos (o que potencializava o risco de acidentes envolvendo botos-visitantes-embarcações)
Mudança na localização do Flutuante dos Botos e delimitação de uma área de 20 m ao redor do empreendimento, onde é proibida a circulação de embarcações
vestindo colete salva-vidas e assumindo postura passiva em relação aos animais (Figura 3). O controle do número de turistas no mirante e nas plataformas emersa e submersa de interação, bem como do tempo que os mesmos dispõem para interagir com os botos foram pontos extremamente positivos no ordenamento. Para o cálculo do número adequado de visitantes em cada ambiente, foram coletadas medidas das áreas desses espaços. Levando-se em conta que, nesses ambientes, os visitantes não se distribuem aleatoriamente nos espaços disponíveis, mas sim em linha (lado a lado, representando uma disputa pelo espaço que melhor proporciona a observação aos botos), e considerando padrões ergonômicos, que definem que a largura média a ser ocupada por uma pessoa adulta deve ser de 0,6 m, foram estabelecidos os seguintes números-limites de visitantes para cada ambiente: mirante = 14 pessoas; plataforma emersa = 6 pessoas; plataforma submersa = 7 pessoas.
Figura 3. Turistas em interação com os botos na plataforma submersa. O uso de colete salva-vidas é obrigatório. Foto: M. D. Vidal.
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A localização do Flutuante dos Botos, entre o porto da cidade e um posto de combustível flutuante, não era adequada, pois a constante movimentação de embarcações e o descarte de resíduos (sobretudo de gasolina e de óleo) no ambiente aquático ofereciam impactos significativos aos botos que frequentavam o empreendimento. Para modificar este cenário, foi realizada mudança na localização do Flutuante, posicionando-o a uma distância aproximada de 200 m a montante dos demais empreendimentos. Além disso, utilizando uma linha de boias sinalizadoras, foi delimitada uma área de 20 m ao redor do empreendimento, na qual foi proibida a circulação de embarcações. Seguindo o propósito de implementar um programa de capacitação participativo, visando contribuir para o fortalecimento das práticas de educação ambiental, para a melhoria dos serviços prestados aos turistas e para a conservação dos botos, foram ministrados cursos de ecologia amazônica, biologia e conservação de cetáceos, e turismo sustentável. Essas capacitações beneficiaram 106 participantes envolvidos no turismo, como técnicos de secretarias de meio ambiente e de turismo, proprietários de hotéis e de pousadas, condutores e guias de turismo, funcionários do Flutuante dos Botos, entre outros. Na forma de organização destas ações pedagógicas, destaca-se a valorização destes atores, selecionados segundo critérios que levaram em consideração a representatividade de gênero, a capacidade de aplicação e de multiplicação dos conhecimentos adquiridos e o reconhecimento da atuação como liderança dentro de seu grupo. Executando ações de marketing social para difundir informações educativas sobre o ordenamento do turismo com os botos e os principais impactos antrópicos à espécie, foram produzidos e distribuídos mais de 200 exemplares de um cartaz, em português e inglês, que vem sendo utilizado em hotéis, pousadas, restaurantes, aeroportos e operadoras de turismo. Mais de 30 matérias sobre o tema foram veiculadas em jornais impressos e televisivos, em nível estadual e nacional. Outro mecanismo de divulgação e interpretação ambiental adotado foi a elaboração de um
banner contendo informações sobre a biologia e a anatomia dos botos, que vem sendo utilizado no empreendimento onde acontecem as interações com os cetáceos.
DISCUSSÃO No Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) brasileiro, as Estações Ecológicas e os Parques Nacionais estão inseridos na categoria de proteção integral, que tem como finalidade “preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei” (Brasil, 2000, art. 7º, § 1º). Quando o turismo interativo com botos foi iniciado em Anavilhanas, em 1998, a Unidade de Conservação ainda era uma Estação Ecológica, categoria ainda mais restritiva do que Parque Nacional, pois não permite atividades turísticas em seu interior. Sob este prisma, o turismo interativo com botos na área já nasceu em conflito com a legislação ambiental (Figura 4). Embora a atividade fosse conhecida pelos órgãos relacionados, nenhuma ação fiscalizadora foi colocada em prática até 2010, período no qual se iniciou o processo de ordenamento descrito neste artigo. Devido ao histórico de criação da Estação Ecológica de Anavilhanas (recategorizada para Parque Nacional em 2008) e aos diversos fatores restritivos, como proibição da pesca, da caça e de retirada de madeira, é compreensível e adequado que o processo de ordenamento do turismo com botos na área protegida fosse realizado sem a criação de conflitos adicionais, especialmente porque, hoje, a atividade é de grande importância para a economia local, sendo considerada a principal atração turística da cidade de Novo Airão (Romagnoli, 2009; Vidal, 2011). O uso de alimentos para atrair fauna silvestre, tal como realizado no Parque Nacional de Anavilhanas, é uma estratégia empregada por turistas e operadores de turismo porque aumenta a probabilidade de avistamento e de aproximação dos animais (Orams, 2002). No entanto, o Departamento de Patrimônio e de Meio Ambiente da Austrália (DEH, 2005) indica que o ordenamento e o monitoramento em longo prazo do turismo focado na
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menos três locais de turismo na Austrália (Bunbury, Monkey Mia e Queensland) onde as interações com os golfinhos são realizadas com o auxílio de alimentação ofertada aos animais. Todos são programas de alimentação controlada e monitorada em longo prazo. Nestas áreas, os turistas podem interagir com golfinhos nariz-de-garrafa (Tursiops sp.) em ambiente natural, mas com condições rigorosas de licença, impostas pelas agências governamentais (Smith et al., 2008). Conforme destacado por alguns autores (Alves et al., 2011; Vidal, 2011), apesar de no Brasil não existir uma lei federal que proíba a alimentação de animais silvestres dentro de Unidades de Conservação, antes do ordenamento do turismo interativo com botos ser iniciado no Parque Nacional de Anavilhanas a oferta de salsicha, cerveja e salgadinho aos animais poderia ser considerada como maus-tratos, tendo como base jurídica a lei n. 9.605/1998 (Brasil, 1998), conhecida popularmente como lei da fauna. Já a atividade de nadar com os botos, que possibilitava ao visitante ‘pegar carona’ no deslocamento dos animais, poderia ser considerada como molestamento aos botos, se avaliada sob a ótica do decreto presidencial n. 6.514 (Brasil, 2008), artigo 30, que estabelece multas para quem molestar, de forma intencional, qualquer espécie de cetáceo, pinípede ou sirênio em águas brasileiras. A abordagem mais comum para manejar atividades de alimentação artificial de fauna silvestre em áreas protegidas, como os Parques Nacionais, é a proibição de tais práticas, as quais, porém, revelam-se extremamente difíceis de ser aplicadas e, frequentemente, apresentam baixos níveis de cumprimento pelos usuários destas áreas (Orams, 2002; Tischer et al., 2013). Dessa forma, o mais adequado é manejar ativamente as atividades voltadas para alimentar fauna silvestre, permitindo sua ocorrência, mas com forte controle e monitoramento, de modo a minimizar os potenciais riscos para os animais e para os turistas (Orams, 2002). O manejo ativo do turismo focado na oferta de alimentos aos botos no Parque Nacional de Anavilhanas, por meio do ordenamento da atividade, vem reduzindo significativamente os efeitos negativos do modelo de
Figura 4. Histórico de criação e de recategorização do Parque Nacional de Anavilhanas e sua relação com o turismo interativo com botos na área protegida.
oferta de alimentos para golfinhos são essenciais para garantir a segurança e o bem-estar dos cetáceos e dos turistas, bem como para promover a sustentabilidade desta atividade turística potencialmente nociva. No início dos anos 1990, em Monkey Mia, na Austrália, cientistas e funcionários das agências ambientais identificaram efeitos negativos de um programa de alimentação artificial no comportamento, bem-estar e sobrevivência de golfinhos. Em resposta, diversas mudanças na forma de desenvolvimento da atividade foram implementadas para aumentar a segurança dos visitantes, o bem-estar dos cetáceos e a sustentabilidade do programa de turismo (Wilson, 1994, 1996). Atualmente, existem pelo
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turismo implementado e gerando informações importantes para a gestão do uso público na Unidade de Conservação. A palestra que passou a ser oferecida aos visitantes antes da interação com os botos apresenta-se como uma boa ferramenta para divulgação da biologia destes animais, das crenças que os envolvem no interior da Amazônia, das principais ameaças à espécie e das normas a serem cumpridas durante a interação com os cetáceos. No entanto, Vidal et al. (2013) chamam a atenção para o fato de alguns visitantes do Flutuante dos Botos não terem recebido informações sobre as normas de interação com os animais no empreendimento. Em atividades turísticas, visitantes sem informações relacionadas ao que é permitido e aos possíveis riscos de segurança envolvidos podem causar impactos negativos ou mesmo estar susceptíveis a possíveis acidentes nas áreas visitadas (Nunes, 2009). Apesar de as mudanças no modelo de turismo com botos terem focado também na redução do nível de interação direta entre as pessoas e os cetáceos no Flutuante dos Botos, Vidal et al. (2013) mostram que a maioria dos visitantes (79,8%) percebe as normas como importantes e necessárias para melhoria no turismo. Romagnoli et al. (2011) esclarecem que, apesar de esse conjunto de normas parecer restringir e inibir os visitantes, sendo bem aplicado, causa efeito contrário, deixando-os mais seguros e à vontade para interagirem na medida do permitido, sabendo que cuidados estão sendo tomados quanto aos animais. Atualmente, o fato de somente os funcionários do Flutuante dos Botos alimentarem os cetáceos, em sessões com duração máxima de 30 minutos, fez com que praticamente cessassem os casos de mordidas nas mãos dos visitantes enquanto os alimentavam. Em Monkey Mia, na Austrália ocidental, Smith et al. (2008) verificaram que a probabilidade de ocorrência de interações negativas envolvendo golfinhos e visitantes foi influenciada pelo tempo que os cetáceos esperavam para serem alimentados. À medida que o tempo de espera aumentava, crescia a probabilidade de ocorrer interações de risco. Embora definir
o tempo que os botos têm para serem alimentados implique diminuição no tempo que os visitantes têm para observar os animais no Flutuante dos Botos, isso é compensado pela melhora na qualidade da visitação, por meio da redução na probabilidade de interações de risco. Por intermédio do monitoramento dos acidentes envolvendo os botos e os visitantes, que vem sendo realizado desde o início do ordenamento do turismo, conclui-se que os poucos casos registrados de visitantes mordidos foram ocasionados pelo descumprimento de alguma norma estabelecida, por exemplo, o fato de os funcionários alimentarem os animais no momento em que algum visitante estava com partes do corpo (pés, mãos) na água ou totalmente presentes na plataforma submersa. Alves et al. (2013) constataram que os botos que frequentavam o Flutuante apresentavam comportamento mais agressivo entre si nos momentos em que estavam sendo alimentados. Assim, alimentar os animais no mesmo instante em que os visitantes estão na água aumenta o risco de acidentes. O boto consome diariamente uma quantidade de alimentos correspondente a 2,2-4,0% de sua massa corporal, com média de 3,1% (Da Silva, 1983). O estabelecimento do limite de 2 kg de peixe a serem ofertados por dia para cada boto no Flutuante dos Botos corresponde a aproximadamente 40% do que um animal adulto de 180 kg come diariamente, garantindo assim que os demais 60% do alimento necessário sejam conseguidos por meio da captura ativa de peixes na natureza. A identificação de quais botos estiveram presentes diariamente é feita pelos próprios funcionários do empreendimento, que dão nomes a cada indivíduo e os reconhecem por meio de marcas naturais, cicatrizes e comportamentos próprios. No entanto, ocasionalmente pode haver falhas nestas identificações, causadas principalmente quando há a entrada de um novo funcionário no estabelecimento. Assim, o ideal é que novos funcionários passem por um período de treinamento, para reconhecimento dos botos, antes de realizarem atividades de alimentação aos cetáceos.
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O estabelecimento de um número-limite de pessoas no mirante e nas plataformas emersa e submersa de interação permitiu maior conforto aos visitantes e melhor controle comportamental destes atores por parte dos funcionários do Flutuante dos Botos, com consequente melhoria nas interações com os cetáceos. Anteriormente a esta mudança, foram registrados números elevados de turistas em interação com os botos, e em períodos muito longos, o que trazia um significativo impacto negativo aos animais (Romagnoli, 2009). Em Monkey Mia, Smith (2001 apud Smith et al., 2008) mostra que a satisfação turística diminuía conforme se aumentava o número de visitantes em interação com os golfinhos. Desta forma, a limitação do número de pessoas interagindo com os botos no Flutuante, em Anavilhanas, é uma boa estratégia para, simultaneamente, reduzir o risco de acidentes e aumentar a satisfação dos visitantes (Romagnoli, 2009). Degradação do hábitat e colisões com embarcações estão entre as principais ameaças aos cetáceos em todo o mundo, incluindo áreas na Amazônia e no litoral brasileiro (Prideaux, 2012; Zappes et al., 2013; Martin et al., 2016; Azevedo et al., 2017). A nova localização do Flutuante dos Botos, situada a aproximadamente 200 m a montante do porto da cidade de Novo Airão e do posto de combustível flutuante, e a delimitação da área ao redor do empreendimento, onde a circulação de embarcações passou a ser proibida, proporcionaram maior afastamento dos resíduos lançados na água e também maior segurança para os botos e para os visitantes, diminuindo as chances de acidentes, principalmente com pequenas embarcações motorizadas, que anteriormente navegavam muito próximas às plataformas de interação com os cetáceos. A alimentação artificial de golfinhos selvagens como atração turística continua a ocorrer em muitos locais do mundo, como na Austrália (Connor & Smolker, 1985; Orams, 1994; Donaldson et al., 2010), nos Estados Unidos (Samuels & Bejder, 2004) e no Brasil (Vidal, 2011; Vidal et al., 2013). Apesar da variedade de impactos que podem ocorrer a partir do turismo interativo para alimentar estes animais,
não se pode assumir que todos eles sejam negativos, sendo importante reconhecer que benefícios econômicos, sociais, psicológicos e conservacionistas podem ser resultantes deste modelo de turismo (Orams, 2002). O município de Novo Airão possui poucas atividades econômicas consolidadas. Com isso, cria-se grande expectativa no turismo, com foco no principal atrativo local: as interações com os botos. Por se desenvolver no interior de um Parque Nacional, é necessário que o ICMBio, em parceria com as secretarias de turismo e de meio ambiente do município, monitore constantemente este modelo de interação pessoas-fauna silvestre, considerando o fortalecimento de outros segmentos ou mesmo outras atividades econômicas, a fim de que Novo Airão não dependa totalmente do turismo com os botos e sofra com as suas fragilidades. O ordenamento do turismo com botos no Parque Nacional de Anavilhanas ainda está em andamento e existem grandes desafios a serem transpostos. Contudo, os pontos positivos vindos das mudanças efetuadas até o momento são percebidos tanto em relação à estrutura do empreendimento quanto ao desenvolvimento da atividade, que conta hoje com mais informação e segurança para os visitantes, assim como maior respeito aos botos. Atribui-se parte dos pontos positivos do ordenamento do turismo com botos em Anavilhanas à condução de forma participativa e democrática do GT Botos, que considerou as dimensões ambientais, econômicas e sociais da atividade, alinhando-se com o posicionamento de Santos & Santos (2011), segundo os quais a formulação de uma política de turismo tem que levar em consideração a ampla segmentação da atividade, para não existir favorecimento de uma em detrimento de outra, ocasionando discórdia entre os diferentes atores e beneficiários envolvidos na atividade turística.
CONCLUSÃO A forma com que o ordenamento do turismo interativo com botos no Parque Nacional de Anavilhanas vem sendo
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Ordenamento participativo do turismo com botos no Parque Nacional de Anavilhanas, Amazonas, Brasil
desenvolvida, promovendo o diálogo entre representantes da sociedade civil organizada, do trade turístico e das instituições governamentais para a tomada de decisão, é louvável e representa mudança histórica nas relações, até então conflituosas, entre os gestores das áreas protegidas e os moradores de Novo Airão. As mudanças implementadas até o momento também demonstram melhorias significativas nas interações entre os visitantes e os botos. Visando à sustentabilidade destas mudanças em longo prazo, bem como buscando corrigir pontos negativos ainda existentes, faz-se necessário monitorar permanentemente o cumprimento das normas estabelecidas no ordenamento e, se necessário, aplicar sanções (multa ou embargo); desenvolver outras atividades turísticas na área urbana de Novo Airão e no Parque, despressurizando, assim, o turismo com os botos; e reforçar a promoção da educação e da interpretação ambiental, da recreação em contato com a natureza e do turismo ecológico. Juntos, esses fatores podem minimizar os riscos e aumentar os benefícios do turismo com os botos e também sensibilizar os visitantes para o desenvolvimento de um turismo que auxilie na conservação dos cetáceos e do Parque Nacional de Anavilhanas.
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Ordenamento participativo do turismo com botos no Parque Nacional de Anavilhanas, Amazonas, Brasil
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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 37-47, jan.-abr. 2017
Produção de compostos bioativos por Aspergillus mantidos sob duas condições de preservação Production of bioactive compounds by Aspergillus kept under two preservation conditions Fabiano Brito PradoI, Waldireny Caldas RochaI, Salomão Rocha MartimI, Mircella Marialva AlecrimI, Larissa de Paiva SilvaI, Larissa Svetlana Cavalcante SilvaI, Taciana de Amorim SilvaI, Maria Francisca Simas TeixeiraI I
Universidade Federal do Amazonas. Manaus, Amazonas, Brasil
Resumo: Com os objetivos de verificar a influência do método de preservação na atividade de metabólitos secundários e de selecionar espécies de Aspergillus como fontes de compostos com atividade antimicrobiana, foi feito um estudo com Aspergillus da coleção de culturas do Departamento de Parasitologia da Universidade Federal do Amazonas (DPUA/ UFAM). As linhagens foram reativadas e a sua viabilidade foi confirmada com base nas características morfológicas e nas estruturas de reprodução. A produção dos biocompostos foi feita em ágar extrato de levedura sacarose (yeast extrat sucrose – YES). Os extratos orgânicos etanólico, acetato de etila e hexânico foram testados pelo método de difusão em ágar por poço contra Staphylococcus aureus, Escherichia coli e Candida albicans. Os extratos que apresentaram antibiose neste teste foram analisados por bioautografia de imersão, sendo determinadas as concentrações mínimas inibitórias pelo método de microdiluição em caldo. O método de preservação em água destilada promoveu maiores estabilidade e pureza das culturas dos Aspergillus, independentemente do tempo de armazenamento, em comparação ao método de conservação em óleo mineral, sobretudo em relação ao fenômeno do pleomorfismo. Os dados aqui apresentados mostraram que, em condições in vitro, espécies de Aspergillus sintetizam compostos com atividade antibacteriana e antifúngica para inibir o crescimento de S. aureus, E. coli e C. albicans, preservados em água destilada, mesmo que por diferentes períodos. Palavras-chave: Aspergillus. Antimicrobiano. Difusão em ágar. Bioautografia. Extrato orgânico. Preservação. Abstract: In order to verify the influence of the preservation method on the activity of secondary metabolites and to select species of Aspergillus as sources of compounds with antimicrobial activity, this study was made with Aspergillus from the DPUA collection of cultures. The strains were reactivated, and their viability was confirmed based on morphological characteristics and reproductive structures. The production of the biocompounds was made in YES agar. The ethanolic, ethyl acetate, and hexane organic extracts were tested by the agar well diffusion method against Staphylococcus aureus, Escherichia coli and Candida albicans. The extracts that presented antibiosis in this test were analyzed by immersion bioautography and were determined at minimum inhibitory concentrations by broth microdilution method. The method of preservation in distilled water promoted greater stability and purity of the Aspergillus cultures, independent of storage time, compared to the method of preservation in mineral oil, especially in relation to the phenomenon of pleomorphism. The data presented here showed that Aspergillus species, although preserved for different periods under in vitro conditions, synthesize compounds with antibacterial and antifungal activity to inhibit the growth of S. aureus, E. coli and C. albicans. Keywords: Aspergillus. Antimicrobial. Agar diffusion. Bioautography. Organic extract. Preservation.
PRADO, F. B., W. C. ROCHA, S. R. MARTIM, M. M. ALECRIM, L. P. SILVA, L. S. C. SILVA, T. A. SILVA & M. F. S. TEIXEIRA, 2017. Produção de compostos bioativos por Aspergillus mantidos sob duas condições de preservação. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais 12(1): 37-47. Autor para correspondência: Fabiano Brito Prado. Universidade Federal do Amazonas. Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia. Av. General Rodrigo Otávio Jordão Ramos, 6200 – Coroado I. Manaus, AM, Brasil. CEP 69080-900 (fabiano.prado7@gmail.com). Recebido em 14/02/2017 Aprovado em 27/06/2017 Responsabilidade editorial: Fernando da Silva Carvalho Filho
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Produção de compostos bioativos por Aspergillus mantidos sob duas condições de preservação
INTRODUÇÃO Os fungos vêm sendo utilizados há anos devido às suas propriedades medicinais. Atualmente, uma variedade de compostos bioativos está disponível comercialmente como produtos farmacêuticos ou alimentícios, como os oriundos da penicilina, sintetizados por Penicillium chrysogenum, e o lentinano, polissacarídeo com ação antitumoral, isolado de Shiitake. Outros compostos bioativos produzidos por fungos incluem a ciclosporina, com ação antilinfocítica, e o ácido fusídico, agente anti-infeccioso utilizado no controle de infecções causadas por Staphylococcus aureus, resistente à meticilina (Guimarães et al., 2014; Iqbal et al., 2015). Na diversidade de fungos, espécies de Aspergillus destacam-se por sintetizar diversos compostos bioativos, entre os quais já foram identificados os antimicrobianos. Aspergillus terreus é fonte de lovastatina, um agente redutor de colesterol (Jahromi et al., 2012). Também pode-se citar como exemplos a asperlicina, a equinocandina B e a fumagilina de A. alliaceus, A. nidulans e A. fumigatus, que são usados como antifúngico, inibidor da angiogênese e antiparasitário, respectivamente (Bracarense & Takahashi, 2014). Encontrar novas moléculas que possuem componentes bioativos de fontes naturais é algo de grande interesse e constitui uma alternativa contra micro-organismos patógenos. Neste contexto, os compostos bioativos com atividade antimicrobiana sintetizados por fungos estão ganhando importância em aplicações biotecnológicas e farmacêuticas (Sathi et al., 2015). Aspergillus são deuteromicetos que têm distribuição mundial, isolados de diversos substratos orgânicos, sendo que muitas espécies são oportunistas e causam patologias, tanto para humanos como para outros animais. Muitas espécies, no entanto, apresentam importância biotecnológica, sendo úteis na indústria de alimentos, na produção de detergentes e também no melhoramento ambiental e na área da saúde (Chen et al., 2011; Iqbal et al., 2015).
As coleções de cultura de micro-organismos constituem patrimônio de alta significação, representando herança científica e cultural de informações biológicas, com papel fundamental no estudo e na conservação dos recursos genéticos microbianos. A preservação de cultivos viáveis, puros e geneticamente estáveis, é requisito imprescindível em todo método de conservação para assegurar a reprodutibilidade das pesquisas microbiológicas básicas e aplicadas (Andreu et al., 2013; Coelho et al., 2016). Considerando a importância industrial dos fungos anamórficos, este trabalho teve por objetivo avaliar a influência dos métodos de preservação na síntese de compostos antimicrobianos por espécies de Aspergillus.
MATERIAL E MÉTODOS MICRO-ORGANISMOS Nesta pesquisa, foram avaliados dez representantes do gênero Aspergillus, sendo quatro espécies pertencentes ao grupo Niger, com seis linhagens (Aspergillus niger DPUA 398, A. niger DPUA 399, A. pulverulentus DPUA 478, A. japonicus DPUA 542, A. japonicus DPUA 613, A. awamori DPUA 1473) e uma espécie do grupo Flavus, com quatro linhagens (Aspergillus flavo furcatis DPUA 1451, A. pulverulentus DPUA 1455, A. flavo furcatis DPUA 1461 e A. flavo furcatis DPUA 1465), preservadas em óleo mineral e água destilada esterilizada. Os Aspergillus foram cedidos pela coleção de culturas do Departamento de Parasitologia da Universidade Federal do Amazonas (DPUA/UFAM). VIABILIDADE DAS ESPÉCIES DE ASPERGILLUS A confirmação da viabilidade dos Aspergillus foi realizada nos cultivados ágar Czapek + extrato de levedura (CYA), em tubos de ensaio com 130 mm x 15 mm. As culturas foram mantidas a 25 oC durante sete dias. Para confirmação da viabilidade das espécies, foram observadas as características macromorfológicas e as estruturas de reprodução (Raper & Fennel, 1977; Klich & Pitt, 1988).
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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 37-47, jan.-abr. 2017
PRODUÇÃO E EXTRAÇÃO DOS BIOCOMPOSTOS Na determinação da atividade antimicrobiana, as espécies de Aspergillus foram cultivadas em ágar extrato de levedura sacarose (yeast extrat sucrose – YES), em placa de Petri com 90 mm x 10 mm. Os cultivos foram mantidos a 25 ºC por 12 dias (Klich & Pitt, 1988; Samson et al., 1995). Para extração dos biocompostos, foram retirados discos miceliais de seis milímetros de diâmetro da área central de cada cultura, quantitativo equivalente a duas gramas. Esse volume de massa micelial foi transferido para frascos de vidro com tampa rosqueável, contendo os seguintes solventes orgânicos: hexano, acetato de etila e etanol 95% (v/v). Os frascos foram mantidos a 25 °C, em estado estacionário. Após 48 horas, a massa micelial foi separada do sobrenadante, em membrana polietersulfônica (0,22 µm), e foram concentrados em rotaevaporador. Para determinação da atividade antimicrobiana, 200 µg de cada extrato foram dissolvidas em uma mistura contendo 500 µL do respectivo solvente extrator e 500 µL de solução aquosa de dimetilsulfóxido (DMSO) 10% (v/v) (Silva, 2008).
37 oC por 48 horas (levedura) e por 24 horas (bactérias). A atividade antimicrobiana foi expressa em milímetros, medindo-se a área translúcida ao redor do poço.
BIOAUTOGRAFIA Os extratos orgânicos foram diluídos em cada solvente de extração (900 µL em hexano, acetato de etila e etanol 95% (v/v) e 100 µL em solução aquosa de DMSO 10% (v/v)). Os controles e os extratos orgânicos, em ordem crescente de polaridade (hexano, acetato de etila e etanol), foram aplicados em placa de cromatografia em camada delgada (CCD), em sílica gel 60, com indicador de fluorescência F254, suporte em alumínio com espessura de 0,2 mm, medindo 5 cm x 10 cm (Merck/Alemanha). A eluição foi feita em cuba cromatográfica utilizando o sistema acetato de etila/éter de petróleo (6:4 v/v). Para manter o ambiente saturado no interior do recipiente, foi utilizado papel filtro (15 cm x 15 cm). Ao término da eluição, as placas de CCD foram submetidas à secagem. A revelação dos metabólitos foi realizada por meio de uma lanterna de emissão de radiação ultravioleta, com luzes branca (normal) e ultravioleta (365 nm). Os fatores de retenção (retention factor - RF) foram determinados por visualização de bandas no cromatograma (Silva et al., 2010). Para determinação da atividade antimicrobiana, foi utilizado ágar Sabouraud ou ágar Mueller-Hinton (20 mL/40 ºC), contendo revelador Cloreto de Trifeniltetrazolium 1,0 % (p/v) (500 µL) e suspensão celular de cada micro-organismo teste (500 µL). Essa formulação foi superposta no cromatograma, em placa de Petri (120 mm x 9 mm). Após a solidificação do meio, as placas foram incubadas a 37 ºC por 48 horas (levedura) e por 24 horas (bactérias). A atividade antimicrobiana foi determinada por visualização da zona de inibição (Silva, 2008; Martins et al., 2012).
DETERMINAÇÃO DA ATIVIDADE ANTIMICROBIANA EM MEIO SÓLIDO Os extratos foram analisados frente a três micro-organismos teste, Candida albicans DPUA 1706, Staphylococcus aureus ATCC (American Type Culture Collection) 25923 e Escherichia coli CBAM 001. A levedura foi cultivada em ágar Sabouraud a 25 oC por 48 horas, e as bactérias, em ágar Mueller-Hinton, a 37 oC por 24 horas. Em cada cultura, foi preparada suspensão celular equivalente a escala 1 de McFarland. Como controles positivos, foram utilizados Itraconazol e Cloranfenicol (200 µg/mL) para levedura e bactérias, respectivamente (Teixeira et al., 2011). De cada suspensão celular, 200 µL foram semeados na superfície de ágar Sabouraud ou de ágar Mueller Hinton, em placas de Petri (90 mm x 10 mm), formando uma camada uniforme. Em cada poço, foram inoculados 100 µL dos extratos orgânicos e dos controles. As placas foram mantidas a
DETERMINAÇÃO DA CMI A concentração mínima inibitória (CMI) foi realizada de acordo com a metodologia de microdiluição em caldo,
39
Produção de compostos bioativos por Aspergillus mantidos sob duas condições de preservação
descrita no documento M27-A3 do Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI, 2008). O teste foi realizado em microplaca de 96 poços e, em cada poço, foram adicionados 100 µL de caldo Sabouraud, para levedura, e de caldo Müeller-Hinton, para bactérias. O controle negativo foi feito na coluna 1, composta por meio + extrato orgânico e, na coluna 2, foram adicionados 100 µL do extrato na concentração de 500 mg/mL de solução aquosa de DMSO 10% (v/v). A partir da coluna 2 foram feitas as diluições seriadas, transferindo 100 µL de meio + extrato até a coluna 11. As concentrações finais das suspensões celulares dos micro-organismos teste foram de 5 x 105 UFC/mL, para as bactérias, e de 2,5 x 103 UFC/mL, para levedura. Como controles positivos, foram utilizados Itraconazol e Cloranfenicol, na mesma concentração dos extratos orgânicos. As placas multipoços foram mantidas a 37 oC por 24 e 48 horas para bactérias e levedura, respectivamente. Após esse período, em todos os poços foram adicionados 10 µL de solução aquosa de Alarmar Blue® 0,1% (p/v). A alteração da cor do revelador para vermelho ou azul indicou resistência ou sensibilidade, respectivamente. A CMI foi definida como a menor concentração do extrato capaz de impedir o crescimento microbiano em µg/µL (Regasini et al., 2010; Bona et al., 2014).
Com base nos dados apresentados na Tabela 1, as alterações verificadas nas culturas foram independentes do tempo de preservação, contudo, no método de conservação em óleo mineral, a eficácia foi reduzida quando comparada ao da água destilada esterilizada, em relação à viabilidade e à autenticidade das culturas dos fungos filamentosos do gênero Aspergillus. Os resultados aqui apresentados estão em concordância com citações da literatura. Sola et al. (2012) testaram comparar vários métodos de conservação para averiguar qual técnica é a melhor em determinada condição do ambiente, com a finalidade de dar manutenção ao patrimônio de culturas. Em outra investigação, quando fungos filamentosos foram avaliados, houve distinta variação da viabilidade, associada ao tempo de preservação dos fungos estocados por 2-21 anos em água destilada esterilizada (Borman et al., 2006; Abreu & Tutunji, 2008). Dos métodos de preservação comparados neste trabalho, o realizado em água destilada esterilizada proporciona alta taxa de viabilidade, pureza, além de assegurar a estabilidade dos fungos. Em contrapartida, no realizado em óleo, ocorre redução da atividade metabólica, bem como continuidade da oxigenação que pode viabilizar o crescimento e a variabilidade genética (Farinas & Barboza, 2012). Considerando que não existe uma técnica padronizada para preservação da diversidade dos representantes do reino Fungi e de demais micro-organismos, a escolha do método está comumente vinculada à dependência da manutenção das propriedades fenotípicas, genotípicas, biotecnológicas e de virulência (Girão et al., 2004; Botelho et al., 2013). Panizo et al. (2005) recomendam que seja feito rigoroso controle da viabilidade dos micro-organismos preservados em água e óleo para que sejam mantidas suas características durante o período de armazenamento em coleções. Silva et al. (2010) realizaram uma investigação de linhagens de fungos do gênero Penicillium, provenientes da coleção de culturas DPUA, onde foram feitos ensaios de atividade antimicrobiana utilizando a técnica do bloco
RESULTADOS E DISCUSSÃO A Tabela 1 apresenta o resultado da avaliação e da viabilidade das linhagens de Aspergillus, dos grupos Flavus e Niger, preservadas em água destilada esterilizada e sob óleo mineral por diferentes períodos de estocagem (2-23 anos). Com base nas características morfológicas das colônias, nas estruturas vegetativas e nas de reprodução, predominou a viabilidade das espécies preservadas em água. De forma transitória, o fenômeno do pleomorfismo foi observado em 2,5% e 7,5% das espécies de Aspergillus preservadas em água e óleo mineral, respectivamente. A contaminação por outros fungos filamentosos foi constatada em 2,5% tanto dos preservados em água quanto em óleo mineral.
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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 37-47, jan.-abr. 2017
Tabela 1. Porcentagem da viabilidade de culturas de Aspergillus preservadas em água destilada esterilizada e sob óleo mineral por diferentes períodos de estocagem, quando cultivadas em ágar Czapek + extrato de levedura (CYA), a 25 ºC/7 dias. Legendas: 1 = grupo Niger; 2 = grupo Flavus; * = contaminação no período da reativação; ** = pleomorfismo transitório.
Espécies
Estocagem
Estocagem (anos)
Culturas de Aspergillus Preservadas em água
Preservadas sob óleo
Testado (%)
Recuperado (%)
Testado (%)
Recuperado (%)
1993
23
1/2,50
1/2,50
1/2,50
1/2,50
2014
3
1/2,50
1/2,50**
1/2,50
1/2,50**
A. pulverulentus DPUA 478
1993
23
1/2,50
1/2,50
1/2,50
1/2,50
A. japonicus DPUA 5421
2009
8
1/2,50
1/2,50
1/2,50
1/2,50
A. japonicus DPUA 613
1993
23
1/2,50
1/2,50
1/2,50
1/2,50*
1/2,50
1/2,50
1/2,50
Aspergillus niger DPUA 398 A. niger DPUA 399
1
1 1
1
2015
2
1/2,50
2
A. flavo furcatis DPUA 1451
2003
14
1/2,50
1/2,50
1/2,50
1/2,50
A. flavo furcatis DPUA 14552
2003
14
1/2,50
1/2,50*
1/2,50
1/2,50**
A. flavo furcatis DPUA 14612
2009
8
1/2,50
1/2,50
1/2,50
1/2,50**
A. flavo furcatis DPUA 1465
2002
15
1/2,50
1/2,50
1/2,50
1/2,50
10/100
10
10/100
10
A. awamori DPUA 1473
1
2
Total (n/%)
de gelose e de bioautografia de culturas preservadas em óleo mineral e em água destilada. Neste estudo, também foi avaliada a eficácia das espécies de Aspergillus na produção de compostos extracelulares para determinar a atividade antimicrobiana frente a bactérias e à levedura do gênero Candida. A Tabela 2 demonstra os três solventes orgânicos, em ordem decrescente de polaridade (etanol, acetato de etila e hexano), que são utilizados para extração dos biocompostos, e a atividade antimicrobiana dos extratos recuperados dos cultivos dos Aspergillus, preservados em água destilada esterilizada ou em óleo mineral. A atividade antimicrobiana entre esses Aspergillus foi diversa, duas espécies não se mostraram eficazes, assim como a inibição do crescimento dos micro-organismos teste foi observada em um ou três dos extratos avaliados, com diferença significativa entre as medidas dos halos, no teste de difusão em ágar. Quando foram avaliados os extratos orgânicos dos fungos preservados em água destilada esterilizada frente aos micro-organismos teste, os biocompostos dos
extratos de A. niger DPUA 399, A. japonicus DPUA 542, A. japonicus DPUA 613 e A. awamori DPUA 1473 foram ativos exclusivamente contra as bactérias teste avaliadas nesta pesquisa. Staphylococcus aureus ATCC 25923 foi sensível aos extratos de A. niger DPUA 398, com exceção do extrato hexano do preservado em óleo mineral. A. niger DPUA 398 e A. flavo furcatis DPUA 1465 demonstraram o mesmo resultado. Para os espécimes preservados em água, Escherichia coli CBAM 001 e Staphylococcus aureus ATCC 25923 demonstraram sensibilidade aos extratos acetato de etila de A. japonicus DPUA 613, enquanto o extrato etanol de A. awamori DPUA 1473 evidenciou isso exclusivamente para S. aureus. Do total de extratos avaliados, os biocompostos do extrato etanólico de Aspergillus flavo furcatis DPUA 1451 foram os únicos que inibiram o crescimento de Candida albicans e, entre as bactérias, de Staphylococcus aureus. Nos testes de difusão em ágar por poço, os compostos de A. flavo furcatis DPUA 1455, A. flavo furcatis DPUA 1461, A. pulverulentus DPUA 478 não inibiram o crescimento de nenhum dos três micro-organismos teste.
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Produção de compostos bioativos por Aspergillus mantidos sob duas condições de preservação
Os dados obtidos mostraram a seletividade da atividade antimicrobiana dos compostos das espécies de Aspergillus quando pareados aos micro-organismos teste. É provável
que esses dados estejam relacionados ao método, às condições de extração dos compostos e também à forma como os fungos foram submetidos a crescimentos.
Tabela 2. Atividade antimicrobiana por difusão em ágar de extratos orgânicos de Aspergillus preservados em água destilada esterilizada e sob óleo mineral. Legendas: 1 = grupo Niger; 2 = grupo Flavus; EO = extrato orgânico; Ac = acetato de etila; Et = etanol 95%; Hex = hexano; Ca = Candida albicans DPUA 1706; Ec = Escherichia coli CBAM 001; Sa = Staphyloccocus aureus ATCC 25923; a,b,c = teste de Tukey em comparação das médias (confiança de 95%); R = resistente (não houve desenvolvimento de halo de inibição); S = sensível (houve desenvolvimento de halo de inibição, em milímetros). Atividade antimicrobiana dos extratos orgânicos Espécie
A. niger DPUA 398
EO
1
A. niger DPUA 399
1
A. japonicus DPUA 5421
A. japonicus DPUA 613
1
A. awamori DPUA 14731
A. flavo furcatis DPUA 14512
A. flavo furcatis DPUA 14652
A. pulverulentus DPUA 4781
A. flavo furcatis DPUA 14551
A. flavo furcatis DPUA 14612
Preservados/água destilada
Preservados/óleo mineral
Ca
Ec
Sa
Ca
Ec
Sa
Ac
R
R
S(2,1 )
R
R
S(2,0b)
Et
R
R
S(2,9 )
R
R
S(2,1b)
Hex
R
R
S(1,5c)
R
R
R
Ac
R
R
R
R
R
R
Et
R
R
R
R
R
S(2,2b)
Hex
R
R
R
R
R
R
Ac
R
R
R
R
R
R
Et
R
R
R
R
R
S(1,6c)
Hex
R
R
R
R
R
R
Ac
R
S(1,7c)
S(1,8c)
R
R
R
b
a
Et
R
R
R
R
R
R
Hex
R
R
R
R
R
R
Ac
R
R
R
R
R
R
Et
R
R
S(2,4b)
R
R
R
Hex
R
R
R
R
R
R
Ac
R
R
R
R
R
R
Et
S(3,2a)
R
S(1,6c)
R
R
R
Hex
R
R
R
R
R
R
Ac
R
R
R
R
R
R
Et
R
R
S(1,3c)
R
R
R
Hex
R
R
R
R
R
R
Ac
R
R
R
R
R
R
Et
R
R
R
R
R
R
Hex
R
R
R
R
R
R
Ac
R
R
R
R
R
R
Et
R
R
R
R
R
R
Hex
R
R
R
R
R
R
Ac
R
R
R
R
R
R
Et
R
R
R
R
R
R
Hex
R
R
R
R
R
R
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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 37-47, jan.-abr. 2017
Bioautografia é um método que tem sido utilizado para a determinação dos efeitos de bioatividade de substâncias, após separação cromatográfica, a exemplo das características antimicrobianas. Esta técnica é eficiente e tem sido utilizada há mais de 60 anos para a identificação rápida de substâncias (Suleiman et al., 2010; Botz, 2013; Józwiak et al., 2016). Neste estudo, a bioautografia por imersão em ágar foi o método utilizado para avaliação da atividade antimicrobiana dos biocompostos dos extratos orgânicos das espécies de Aspergillus. Os resultados das quatro espécies deste gênero selecionadas no teste de difusão
em ágar por poço estão demonstrados na Tabela 3. O fator de retenção (Rf) dos compostos foi de 0,70 a 0,88, variando a coloração entre azul e verde. Os extratos em hexano, acetato de etila e etanol de Aspergillus japonicus DPUA 613 e A. awamori 1473 inibiram o crescimento de S. aureus (Tabela 3). Para as demais espécies, somente os extratos em hexano e acetato de etila de A. japonicus DPUA 542, A. niger DPUA 399, A. flavo furcatis DPUA 1451, A. flavo furcatis DPUA 1465 foram ativos contra S. aureus. Da totalidade de extratos testados, C. albicans foi sensível apenas ao extrato em hexano de A. flavo furcatis DPUA 1451 (Tabela 3).
Tabela 3. Bioautografia de espécies de Aspergillus que apresentaram halos de inibição nos testes por difusão em ágar. Legendas: Hex = hexano; Ac = acetato de etila; Et = etanol 95%; Rf = retention factor; Ca = Candida albicans DPUA 1706; Ec = Escherichia coli CBAM 001; Sa = Staphyloccocus aureus ATCC 25923; R = resistente (não houve desenvolvimento de halo de inibição); S = sensível (houve desenvolvimento de halo de inibição). Espécie
Aspergillus niger DPUA 398 (água)
A. niger DPUA 398 (óleo)
A. niger DPUA 399 (óleo)
A. japonicus DPUA 542 (óleo)
A. japonicus DPUA 613 (água)
A. flavo furcatis DPUA 1451 (água)
A. flavo furcatis DPUA 1465 (água)
A. awamori DPUA 1473 (água)
Atividade antimicrobiana
Extratos orgânicos
Rf Λ = 365 nm
Ca
Ec
Sa
Hex Ac Et Hex Ac Et Hex Ac Et Hex Ac Et Hex Ac Et Hex Ac Et Hex Ac Et Hex Ac Et
0,78 (azul) 0,78 (verde) 0,80 (azul) 0,76 (azul) 0,75 (azul) 0,76 (azul) 0,71 (azul) 0,71 (verde) 0,71 (azul) 0,70 (azul) 0,72 (azul) 0,73 (azul) 0,74 (azul) 0,74 (azul) 0,75 (verde) 0,75 (azul) 0,76 (verde) 0,88 (azul) 0,74 (azul) 0,74 (azul) 0,75 (azul) 0,80 (azul) 0,80 (verde) 0,81 (verde)
R R R R R R R R R R R R R R R S R R R R R R R R
R R R R R R R R R R R R R R R R R R R R R R R R
S R R R S S S S R S S R S S S S S R S S R S S S
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Produção de compostos bioativos por Aspergillus mantidos sob duas condições de preservação
A atividade antimicrobiana determinada por bioautografia mostrou que os Aspergillus possuem esta propriedade, contudo estudos mais detalhados devem ser realizados para ampliar o quantitativo e revelar compostos ativos, detectados pelo método de difusão em ágar por poço. Apesar dessa condição, entre os métodos de avaliação da atividade antimicrobiana, os biautográficos revelaram diferentes compostos extracelulares com atividade frente a S. aureus, E. coli ou C. albicans. Os fungos são fontes de metabólitos, produtos naturais sintetizados por diferentes vias, muitas vezes após o crescimento ativo ter cessado, a exemplo dos metabólitos secundários, os quais são produzidos por espécies geneticamente distintas, cuja síntese pode sofrer influência das condições ambientais (temperatura, pH, luz e nutrientes) (Keller et al., 2005; Flipphi et al., 2009; Fox & Howlett, 2008; Specian et al., 2014). Flipphi et al. (2009) fizeram a filogenia e a evolução do metabolismo de carbono em espécies de Aspergillus. Keller et al. (2005) revisaram o porquê de algumas espécies produzirem diferentes perfis de metabólitos secundários. Fox & Howlett (2008) descreveram o papel dos metabólitos secundários na biologia fúngica. Specian et al. (2014) revisaram a importância dos fungos endofíticos na produção de metabólitos secundários em uso potencial para a fabricação de novas drogas.
A Tabela 4 demonstra a determinação da concentração mínima inibitória (CMI) pela técnica de microdiluição em caldo. A CMI determina a menor quantidade do composto bioativo capaz de inibir o crescimento microbiano em condições padronizadas (Oliveira et al., 2009). A determinação dela pela técnica de microdiluição tem se demonstrado favorável, devido à sensibilidade e à quantidade mínima de reagentes, fatores que proporcionam maior número de replicações e aumento da confiabilidade dos dados (Ostrosky et al., 2008). Os resultados da CMI identificados para as espécies selecionadas por bioautografia revelaram que os extratos orgânicos de baixa e média polaridade foram os de maior eficiência na atividade antimicrobiana para S. aureus, entre os quais teve evidência o acetato de etila, com CMI 15,62. Nas condições de análise desta investigação, para os extratos avaliados, a CMI variou de 15,62 a 250 µg/µL, frente aos micro-organismos examinados. Nessa análise, E. coli e C. albicans foram os mais resistentes; apenas o extrato etanólico de A. flavo furcatis DPUA 1451, preservado em água, foi capaz de inibir o crescimento de C. albicans, com CMI equivalente a 15,62 µg/µL. Ainda que inexista uma padronização para a CMI de produtos naturais, dados da literatura revelam que a CMI inferior a 1 mg/mL pode ser considerada como ótima quando comparada a antibiótico padrão (Juiz et al., 2016).
Tabela 4. CMI dos extratos de Aspergillus contra os micro-organismos teste (S. aureus, E. coli e C. albicans). Espécies/Método de preservação Extratos orgânicos Micro-organismo teste A. niger DPUA 398 (água)
Hexano
CMI (µg/µL)
Staphyloccocus aureus
31,25
A. niger DPUA 398 (óleo)
Etanol 95%
Staphyloccocus aureus
250
A. niger DPUA 399 (óleo)
Acetato de etila
Staphyloccocus aureus
125
A. japonicus DPUA 542 (óleo)
Acetato de etila
Staphyloccocus aureus
125
A. japonicus DPUA 613 (água)
Acetato de etila
Staphyloccocus aureus
250
A. flavo furcatis DPUA 1451 (água)
Acetato de etila Hexano
Staphyloccocus aureus Candida albicans
15,62
A. flavo furcatis DPUA 1465 (água)
Acetato de etila
Staphyloccocus aureus
250
A. awamori DPUA 1473 (água)
Etanol 95%
Staphyloccocus aureus
125
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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 37-47, jan.-abr. 2017
CONCLUSÃO Os resultados desta pesquisa nos conduziram às seguintes conclusões: 1. O método de preservação em água destilada promoveu maiores estabilidade e pureza das culturas dos Aspergillus, independente do tempo de armazenamento, em comparação ao método de conservação em óleo mineral, sobretudo em relação ao fenômeno do pleomorfismo; 2. A atividade antimicrobiana por difusão em ágar mostrou a eficácia predominante dos biocompostos dos Aspergillus frente a S. aureus. O crescimento de E. coli e de C. albicans foi inibido apenas por extratos orgânicos obtidos de A. japonicus DPUA 613 e de A. flavo furcatis DPUA 1451, respectivamente; 3. Os testes de bioautografia mostraram a ação de diversos compostos sintetizados pelos variados Aspergillus com atividade antibacteriana frente a S. aureus e confirmaram A. flavo furcatis DPUA 1451 como fonte de antifúngico para inibir o crescimento de C. albicans; 4. Com base nos valores de CMI relativa aos extratos avaliados, os compostos de A. flavo furcatis DPUA 1451 apresentam potencial antibacteriano frente a S. aureus e antifúngico em relação a C. albicans.
ANDREU, C. C. M. F., L. A. D. SUÁREZ, M. T. I. ZARAGOZÍ, C. A. LÓPEZ, G. M. MACHÍN, M. R. P. L. LANCHA & I. R. GUTIÉRREZ, 2013. Conservación de cultivos de hongos de importância médica em agua destilada. Revista Cubana de Medicina Tropical 65(3): 361-369. BONA, E. A. M., F. G. S. PINTO, T. K. FRUET, T. C. M. JORGE & A. C. MOURA, 2014. Comparação de métodos para avaliação e determinação da concentração inibitória mínima (cim) de extratos vegetais aquosos e etanólicos. Arquivos do Instituto Biológico 81(3): 218-225. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/18081657001192012. BORMAN, A. M., A. SZEKELY, C. K. CAMPBELL & E. M. JOHNSON, 2006. Evaluation of the viability of pathogenic filamentous fungi after prolonged storage in sterile water and review of recent published studies on storage methods. Mycopathologia 161(6): 361-368. DOI: https://doi.org/10.1007/s11046-006-0023-z. BOTELHO, D. M. S., M. L. V. RESENDE, P. M. R. JÚNIOR, F. R. A. PATRÍCIO, E. A. PEREIRA, C. A. CARVALHO, S. A. MARTINS & M. B. S. JÚNIOR, 2013. Avaliação de dois métodos de preservação de Cercospora coffeicola. Simpósio de Pesquisa dos Cafés do Brasil 8: 1-4. BOTZ, L., 2013. Bioassays/Bioautography. In: J. REEDIJK (Ed.): Elsevier reference module in chemistry, molecular sciences and chemical engineering: 1: 1-10. Elsevier, Waltham. BRACARENSE, A. A. P. & J. A. TAKAHASHI, 2014. Modulation of antimicrobial metabolites production by the fungus Aspergillus parasiticus. Brazilian Journal of Microbiology 45(1): 313-321. CHEN, Y., W. MAO, H. TAO, W. ZHU, X. QI, Y. CHEN, H. LI, C. ZHAO, Y. YANG, Y. HOU, C. WANG & N. LI, 2011. Structural characterization and antioxidant properties of an exopolysaccharide produced by the mangrove endophytic fungus Aspergillus sp. Y16. Bioresource Technology 102(17): 8179-8184. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.biortech.2011.06.048. CLINICAL AND LABORATORY STANDARDS INSTITUTE (CLSI), 2008. Reference method for broth dilution antifungal susceptibility testing of yeasts. Approved Standard – Third Edition. CLSI M27A3. Clinical and Laboratory Standards Institute, Wayne.
AGRADECIMENTOS À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Universidade Federal do Amazonas (UFAM), pelo apoio técnico, científico e financeiro.
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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 49-74, jan.-abr. 2017
Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) dos cursos superior e médio do rio Negro e de tributários, Amazonas, Brasil Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) from the upper and middle courses of the Rio Negro and its tributaries, Amazonas, Brazil Andreia Cavalcante PereiraI, Lezilda Carvalho TorganII, Sérgio de MeloI I II
Universidade Federal do Oeste do Pará. Santarém, Pará, Brasil
Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Resumo: O presente estudo teve como objetivo realizar o inventário das espécies do gênero Pinnularia, ao longo dos cursos superior e médio do rio Negro, incluindo dois rios tributários e onze igarapés, bem como avaliar a distribuição dos táxons nos ambientes amostrados. A pesquisa baseou-se em análise de lâminas permanentes de amostras planctônicas e perifíticas. Os resultados revelaram a presença de 53 táxons específicos e infraespecíficos. Pinnularia romanorum Metzeltin & Lange-Bertalot é registrada pela primeira vez para a Amazônia brasileira. A maior porcentagem foi de organismos raros (58,5%), seguida de esporádicos (32,07%) e frequentes (9,43%). O rio Negro apresentou maior riqueza específica em relação aos seus tributários. A diversidade beta demonstrou que a distribuição dos táxons na bacia do rio Negro foi homogênea (ß-1 = 19,07). A homogeneidade na distribuição dos táxons deve-se, provavelmente, ao período de enchente, no qual foram realizadas as amostragens, quando o rio transborda do seu leito e invade as áreas marginais, inundando-as em diferentes graus de intensidade. Este fluxo torna os ambientes mais ricos em microalgas e mais homogêneos. Palavras-chave: Água preta. Bacia amazônica. Diatomácea. Fitoplâncton. Perifíton. Abstract: The present study aimed to carry out an inventory of the genus Pinnularia along the upper and middle courses of the Rio Negro, including two tributaries and eleven streams, and evaluate the distribution of taxa in the sampled environments. The study was based on analysis of permanent slides of phytoplankton and periphyton samplings. The results revealed the presence of 53 specific and infraspecific taxa. Pinnularia romanorum Metzeltin & Lange-Bertalot is the first record for the Brazilian Amazon. As for the distribution, the highest percentage was of rare organisms (58.5%), followed by sporadic (32.1%), and frequent organisms (9.4%). The Rio Negro showed higher species richness compared to its tributaries. Beta diversity showed that the distribution of taxa in the Rio Negro basin was homogeneous (ß-1=19.07). The homogeneity in the distribution of taxa is probably due to the flood period in which the sampling was made, when the river overflows its banks and invades marginal areas, flooding them in varying degrees of intensity. This flow makes different environments richer in microalgae species and their distributions more homogeneous. Keywords: Black water. Amazonian basin. Diatom. Phytoplankton. Periphyton.
PEREIRA, A. C., L. C. TORGAN & S. MELO, 2017. Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) dos cursos superior e médio do rio Negro e de tributários, Amazonas, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais 12(1): 49-74. Autora para correspondência: Andreia Cavalcante Pereira. Universidade Federal do Oeste do Pará. Instituto de Ciências e Tecnologia das Águas. Av. Vera Paz, s/n – Salé. Santarém, PA, Brasil. CEP 68035-110 (diatomaceas@gmail.com). Recebido em 15/12/2016 Aprovado em 12/03/2017 Responsabilidade editorial: Fernando da Silva Carvalho Filho
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Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) dos cursos superior e médio do rio Negro e de tributários, Amazonas, Brasil
INTRODUÇÃO São características marcantes da região amazônica o volume e a quantidade de corpos de água de tamanhos variados, que conferem à região vasto reservatório hidrobiológico, onde encontra-se presente uma exuberante flora de algas (Lopes & Bicudo, 2003). Os estudos ficológicos realizados na Amazônia, em águas claras (Huszar & Reynolds, 1997) e em águas pretas e brancas (Putz, 1997), têm demonstrado que dois fatores determinam a estrutura e a dinâmica das comunidades de algas: o pulso de inundação, definido por Junk et al. (1989), e a cor das águas, classificadas por Sioli (1984). O processo de inundação e de vazante apresenta acentuada importância por interferir fortemente sobre a diversidade e a dinâmica dos organismos, sendo um dos principais fatores responsáveis pela regulação e pela ocorrência de espécies nos ecossistemas (Junk, 1997). As águas da bacia do rio Negro possuem coloração marrom-castanho, originada das altas quantidades de substâncias fúlvicas e húmicas, dos baixos valores de pH e de condutividade elétrica (Sioli, 1984). Essas condições são favoráveis ao desenvolvimento das diatomáceas, em especial as do gênero Pinnularia Ehrenberg (Metzeltin & Lange-Bertalot, 1998; Pereira et al., 2012). Os trabalhos mais relevantes sobre Pinnularia na bacia do rio Negro foram realizados por Metzeltin & Lange-Bertalot (1998, 2007), Pereira (2009), Wetzel (2011) e Pereira et al. (2012, 2013, 2014, 2015), responsáveis por um avanço considerável no que diz respeito ao conhecimento das espécies deste gênero. O objetivo do presente estudo foi realizar o inventário das espécies e de variedades taxonômicas de Pinnularia encontradas nos cursos superior e médio do rio Negro, incluindo alguns tributários, bem como avaliar a distribuição dos táxons nos ambientes amostrados.
cerca de 10% da área total da bacia amazônica (Goulding et al., 1988; Küchler et al., 2000). A bacia do rio Negro apresenta relevo suave e pouco movimentado, no qual os processos erosivos são pouco intensos, sendo baixa a carga transportada de sedimentos (Junk, 1983). É registrada uma média anual de precipitação de 2.000-2.200 mm, podendo aumentar em até 3.500 mm a noroeste do Amazonas (Goulding et al., 1988). As amostragens foram realizadas nos cursos superior e médio do rio Negro, em seus afluentes rios Branco e Unini, bem como em onze igarapés localizados nas margens esquerda e direita do rio, em março de 2005 (Figura 1). Foram coletadas 51 amostras de plâncton e quatro de perifíton. As amostras de plâncton foram obtidas através da passagem de rede (20 µm de abertura) na superfície da água, e a de perifíton por meio do uso de escovas para raspagem das partes submersas de macrófitas. O material coletado foi armazenado em frasco de vidro de 100 mL, com solução de Transeau (Bicudo & Menezes, 2006), e depositado no Herbário Prof. Dr. Alarich Schultz (HAS), localizado no Museu de Ciências Naturais, na Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, Brasil. Os números de registro estão especificados na Tabela 1. Parte das amostras foi oxidada seguindo o método de Stosch (1970), sendo, após lavagem, montada entre lâmina e lamínula, com resina Naphrax como meio de inclusão (índice de refração = 1,74). Para observação e registro do material, foi utilizado microscópio óptico Zeiss® Axioplan, equipado com câmera fotográfica digital Zeiss AxioCam ERC5s. Com relação à frequência das espécies, foram considerados frequentes (F) os táxons que tiveram presença acima de 50% nos locais amostrados, e esporádicos (E) e raros (R) os que ocorreram acima e abaixo de 20%, respectivamente (modificado de Dajoz, 1978). O índice de diversidade beta foi calculado seguindo a fórmula (ß-1 = {[(γ/αmed) - 1]/ (N - 1)]}*100), segundo Harrison et al. (1992). Foram apresentadas descrições taxonômicas para os táxons não descritos detalhadamente para a bacia do rio Negro.
MATERIAL E MÉTODOS O rio Negro, um dos afluentes do rio Amazonas, percorre aproximadamente 715.000 km2 e representa
50
Figura 1. Localização dos ambientes amostrados no rio Negro e seus tributários. Legendas: IgTu = igarapé Tucubuxi; IgTi = igarapé Tibiaca; AçFo = açude Formiga; IgBo = igarapé Bonfim; IgIb = igarapé Ibará; IgAi = igarapé Aiana; IgJa = Igarapé Jaradi; RN = rio Negro; IgIa = Igarapé Iahá; IgMa = igarapé Mabarra; IgAd = igarapé Adaira; RB = rio Branco; RU = rio Unini.
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 49-74, jan.-abr. 2017
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Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) dos cursos superior e médio do rio Negro e de tributários, Amazonas, Brasil
Tabela 1. Referência do material de fitoplâncton e perifíton examinado do alto e médio rio Negro (RN) e de seus tributários (AçFo = açude Formiga; IgAd = igarapé Adaira; IgAi = igarapé Aiana; IgBo = igarapé Bonfim; IgIa = Igarapé Iahá; IgIb = igarapé Ibará; IgIr = igarapé Irurabi; IgJa = Igarapé Jaradi; IgMa = igarapé Mabarra; IgTi = igarapé Tibiaca; IgTu = igarapé Tucubuxi; RB = rio Branco; RU = rio Unini), depositados no Herbário Prof. Dr. Alarich Schultz (HAS). (Continua) Registro HAS
Local de amostragem
Data
Tipo de amostra
109726
RB - E01
12/03/2005
109727
RB - E02
109728
Coordenadas Latitude (S)
Longitude (W)
Fitoplâncton
01° 24’ 25,57”
61° 51’ 53,328”
12/03/2005
Fitoplâncton
01° 18’ 41,00”
61° 51’ 51,000”
RB - E03
12/03/2005
Fitoplâncton
01° 28’ 13,00”
61° 42’ 46,461”
109680
RN - E1
02/03/2005
Fitoplâncton
00° 58’ 9,200”
62° 50’ 34,400”
109681
RN - E2
02/03/2005
Fitoplâncton
00° 58’ 38,30”
62° 53’ 33,100”
109682
RN - E3
02/03/2005
Fitoplâncton
00° 58’ 38,10”
62° 53’ 33,000”
109683
RN - E4
02/03/2005
Fitoplâncton
00° 58’ 31,10”
62° 53’ 33,000”
109692
RN - E5
04/03/2005
Fitoplâncton
00° 28’ 40,20”
64° 37’ 32,300”
109698
RN - E6
05/03/2005
Fitoplâncton
00° 21’ 5,600”
65° 20’ 23,500”
109699
RN - E7
06/03/2005
Fitoplâncton
00° 18’ 0,070”
65° 57’ 45,500”
109700
RN - E8
04/03/2005
Fitoplâncton
00° 21’ 18,20”
66° 33’ 53,400”
109709
RN - E9
07/03/2005
Fitoplâncton
00° 18’ 7,900”
66° 38’ 53,400”
109710
RN - E10
08/03/2005
Fitoplâncton
00° 8’ 51,700”
66° 56’ 2,800”
109713
RN - E11
09/03/2005
Fitoplâncton
00° 8’ 10,700”
67° 4’ 36,200”
109715
RN - E12
10/03/2005
Fitoplâncton
00° 24’ 57,30”
66° 19’ 27,800”
109716
RN - E13
10/03/2005
Fitoplâncton
00° 18’ 58,77”
66° 07’ 7,914”
109717
RN - E14
10/03/2005
Fitoplâncton
00° 17’ 0,500”
65° 53’ 7,900”
109718
RN - E15
10/03/2005
Fitoplâncton
00° 20’ 40,00”
65° 21’ 59,000”
109719
RN - E16
11/03/2005
Fitoplâncton
00° 25’ 8,000”
65° 01’ 35,000”
109720
RN - E17
11/03/2005
Fitoplâncton
00° 25’ 1,445”
65° 01’ 16,615”
109721
RN - E18
11/03/2005
Fitoplâncton
00° 27’ 10,85”
64° 49’ 29,417”
109722
RN - E19
11/03/2005
Fitoplâncton
00° 27’ 7,592”
64° 36’ 35,680”
109723
RN - E20
11/03/2005
Fitoplâncton
01° 23’ 40,53”
61° 53’ 0,139”
109724
RN - E21
12/03/2005
Fitoplâncton
01° 26’ 30,50”
61° 34’ 51,20”
109725
RN - E22
12/03/2005
Fitoplâncton
01° 46’ 47,59”
61° 24’ 39,11”
107789
RN - 216
08/03/2005
Perifíton
00° 7’ 52,201”
67° 05’ 23,62”
107790
RN - 221
08/03/2005
Perifíton
00° 7’ 34,161”
67° 3’ 58,131”
107791
RN - 225
08/03/2005
Perifíton
00° 7’ 52,194”
67° 3’ 58,129”
109765
RN - 295
12/03/2005
Fitoplâncton
01° 23’ 8,117”
61° 51’ 8,532”
109729
RU - E1
13/03/2005
Fitoplâncton
01° 58’ 0,177”
61° 25’ 37,697”
109730
RU - E2
13/03/2005
Fitoplâncton
01° 38’ 25,15”
61° 34’ 9,639”
109731
RU - E3
13/03/2005
Fitoplâncton
01° 47’ 36,09”
61° 27’ 04,482”
109714
AçFo
09/03/2005
Perifíton
00° 02’ 8,261”
67° 12’ 19,692”
52
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 49-74, jan.-abr. 2017
Tabela 1.
(Conclusão)
Registro HAS
Local de amostragem
Data
Tipo de amostra
109684
IgAd - E1
03/03/2005
109685
IgAd - E2
109686 109696
Coordenadas Latitude (S)
Longitude (W)
Fitoplâncton
00° 23’ 6,000”
63° 18’ 42,600”
03/03/2005
Fitoplâncton
00° 25’ 4,000”
63° 18’ 45,400”
IgAd - E3
03/03/2005
Fitoplâncton
00° 26’ 0,000”
63° 19’ 0,000”
IgAi - E1
05/03/2005
Fitoplâncton
00° 22’ 6,000”
65° 23’ 0,900”
109697
IgAi - E2
05/03/2005
Fitoplâncton
00° 22’ 6,000”
66° 23’ 0,900”
109704
IgBo - E1
07/03/2005
Fitoplâncton
00° 18’ 36,90”
66° 40’ 41,200”
109705
IgBo - E2
07/03/2005
Fitoplâncton
00° 17’ 54,50”
66° 40’ 20,00”
109706
IgBo - E3
07/03/2005
Fitoplâncton
00° 18’ 20,30”
66° 40’ 43,00”
109687
IgIa - E1
04/03/2005
Fitoplâncton
00° 24’ 10,30”
64° 36’ 29,60”
109688
IgIa - E2
04/03/2005
Fitoplâncton
00° 24’ 4,590”
64° 36’ 15,60”
109701
IgIb - E1
07/03/2005
Fitoplâncton
00° 17’ 11,60”
66° 35’ 17,90”
109702
IgIb - E2
07/03/2005
Fitoplâncton
00° 19’ 36,48”
66° 35’ 12,93”
109703
IgIb - E3
07/03/2005
Fitoplâncton
00° 20’ 5,057”
66° 35’ 28,69”
109707
IgIr - E1
07/03/2005
Fitoplâncton
00° 22’ 17,30”
66° 35’ 28,60”
109708
IgIr - E2
07/03/2005
Fitoplâncton
00° 21’ 50,99”
66° 34’ 13,61”
109693
IgJa - E1
05/03/2005
Fitoplâncton
00° 20’ 20,24”
65° 18’ 39,64”
109694
IgJa - E2
05/03/2005
Fitoplâncton
00° 19’ 44,30”
65° 18’ 27,30”
109695
IgJa - E3
05/03/2005
Fitoplâncton
00° 19’ 43,45”
65° 18’ 20,42”
109689
IgMa - E1
04/03/2005
Fitoplâncton
00° 30’ 51,40”
64° 39’ 17,00”
109690
IgMa - E2
04/03/2005
Fitoplâncton
00° 29’ 17,80”
64° 36’ 46,60”
109711
IgTi
09/03/2005
Fitoplâncton
00° 01’ 34,00”
67° 14’ 27,00”
109712
IgTu
09/03/2005
Fitoplâncton
00° 00’ 28,84”
67° 16’ 42,28”
DESCRIÇÃO DAS ESPÉCIES
A classificação taxonômica adotada nesta pesquisa foi a de Round et al. (1990), acrescida da classificação em nível de subdivisão apresentada por Medlin & Kaczmarska (2004). A terminologia utilizada para descrever as características morfológicas foi de Barber & Haworth (1981), Round et al. (1990) e Krammer (2000).
Pinnularia acrosphaeria var. acrosphaeria W. Smith in A synopsis of the British Diatomaceae, v. 1, p. 58, pl. 19, fig. 183, 1853 (Figuras 2A-2C) Morfometria: comprimento de 26,6-107,5 µm, largura de 8,5-13,7 µm, apresentando 11-13 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109697, 109693, 107789, 107790. Comentários: os exemplares observados assemelham-se morfologicamente ao citado por
RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram obtidas 33 espécies, treze variedades, um conferatum e duas afinidades taxonômicas de Pinnularia. Quatro táxons não foram identificados em nível específico.
53
Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) dos cursos superior e médio do rio Negro e de tributários, Amazonas, Brasil
Krammer (2000), no entanto, foram encontrados alguns indivíduos com menores dimensões valvares (comprimento de 60-116 µm, largura de 11,5-15 µm) e com maior densidade de estrias (10-12 µm).
Morfometria: comprimento de 79-100 µm, largura de 11,4-13 µm, com 9-11 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109697, 109695, 109692, 109717, 109724, 107790. Comentários: alguns espécimes analisados diferem dos encontrados por Metzeltin & Krammer (apud Metzeltin & Lange-Bertalot, 1998), na região amazônica, por apresentarem maior largura (10,5-12 µm) e terem ligeiramente menor densidade de estrias (10-11 µm).
Pinnularia acuminata var. acuminata W. Smith in A synopsis of the British Diatomaceae, v. 1, pl. 55, pl. 18, fig. 164, 1853 (Figuras 2D-2E) Valvas linear-lanceoladas, com margens paralelas a levemente convexas, apresentando extremidades atenuado-arredondadas. Área axial lanceolada alcançando aproximadamente 1/3 da largura da valva. Área central ligeiramente assimétrica. Rafe filiforme, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana a convergentes em direção às extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 72-85 µm, largura de 16,9-18 µm, com 10-11 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109697, 109705, 109703, 109681, 109682, 109683, 109713, 107790. Comentários: os exemplares observados assemelham-se morfologicamente ao encontrado por Metzeltin & Lange-Bertalot (2007), no rio Negro, e ao morfotipo 2, citado por Krammer (2000), localizado no norte da Baviera, Alemanha, entretanto, diferem por apresentarem menor largura (12-16 µm).
Pinnularia angustivalva Krammer & Metzeltin in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 5, p. 164, pl. 190, fig. 10-11, 1998 (Figuras 2H-2I) Valvas lanceoladas, com margens paralelas a levemente convexas e com extremidades cuneado-arredondadas. Área axial ampla, alcançando ½ da largura da valva. Área central com fáscia larga. Rafe lateral, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais indistintas. Estrias curtas, radiadas na região mediana e paralelas nas extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 47,2-68 µm, largura de 7,5-8,7 µm, apresentando 12-13 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109705, 109706, 109693, 109682, 109683, 109700, 109715, 109716. Comentários: alguns exemplares apresentaram maiores dimensões em relação ao material-tipo, sendo semelhantes ao observado por Pereira et al. (2013), no lago Tupé, no Amazonas.
Pinnularia amazonica Metzeltin & Krammer in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 5, p. 163, pl. 176, fig. 4-7, 1998 (Figuras 2F-2G) Valvas lineares com margens trionduladas, infladas na região mediana, extremidades subcapitado-arredondadas. Área axial estreita, alcançando 1/3 da largura da valva. Área central com fáscia larga. Rafe lateral, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana e convergentes nas extremidades valvares.
Pinnularia aquaenigrae Metzeltin & Lange-Bertalot in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 18, p. 192, pl. 259, fig. 3-6, 2007 (Figura 2J) Morfometria: comprimento de 84 µm, largura de 13 µm, com dez estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109726, 109731.
54
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 49-74, jan.-abr. 2017
Pinnularia boyeriformis Krammer & Metzeltin in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 5, p. 165, pl. 184, fig. 4-6, 1998 (Figura 2K) Morfometria: comprimento de 82,6-85 µm, largura de 14-15 µm, com dez estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109726, 109731. Observações: os espécimes encontrados por Metzeltin & Lange-Bertalot (1998) e Pereira et al. (2012), no rio Negro, apresentaram maior comprimento (100-121 µm).
Pinnularia certa Krammer & Metzeltin in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 5, p. 166, pl. 178, fig. 12-17, 1998 (Figuras 2O-2R) Valvas lineares, com margens ligeiramente convexas e ápices subcapitado-arredondados. Área axial estreita, alcançando 1/4 da largura da valva. Área central com fáscia larga. Rafe filiforme, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana e convergentes em direção às extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 39,4-50 µm, largura de 8,3-10 µm, com 11-12 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109700, 107790, 109731. Comentários: a população encontrada por Metzeltin & Lange-Bertalot (1998), no rio Demerara (Guiana), lago Calado e rio Tapajós (Amazônia brasileira), apresentou pequena variação nas dimensões (comprimento de 43-54 µm, largura de 8,4-9,4 µm) e na densidade de estrias (10-11 µm).
Pinnularia brauniana (Grunow) Studnicka, Verhandlungen der Kaiserlich-Königlichen Zoologisch-Botanischen Gesellschaft in Wein, v. 38, p. 737, 1888 (Figuras 2L-2M) Valvas lanceoladas, com ápices capitado-arredondados. Área axial lanceolada, alcançando aproximadamente 1/3 da largura da valva. Área central com fáscia larga. Rafe filiforme, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana e convergentes em direção às extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 37-61 µm, largura de 7,6-10,6 µm, com dez estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109685, 109696, 109693, 109690, 109726, 109700, 109713, 107789, 107790.
Pinnularia aff. cherryfieldiana Krammer in Diatoms of Europe, v. 1, p. 180, pl. 199, fig. 1-5, pl. 200, fig. 1, 2000 (Figuras 2S-2T) Valvas lineares, com margens paralelas, ligeiramente infladas na região mediana e com extremidades cuneadoarredondadas. Área axial ampla, alcançando 1/3 da largura da valva. Área central assimétrica. Rafe semicomplexa, com extremidades proximais sutilmente curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana e paralelas a levemente convergentes nas extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 199-215 µm, largura de 35-38 µm, com sete estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109690. Comentários: o material observado assemelha-se à população encontrada no lago Jucuruí, por Metzeltin & Lange-Bertalot (2007), no entanto, difere do materialtipo encontrado nos Estados Unidos (Krammer, 2000, p. 180, figuras 199, p. 1-5, 200, p. 1), por possuir maior comprimento (240-300 µm) e extremidades arredondadas.
Pinnularia brebissonii var. brebissonii (Kützing) Rabenhorst in Flora Europea Algarum Aquae Dulcis et Submarinae, p. 222, 1864 (Figura 2N) Valvas linear-lanceoladas, com ápices cuneado-arredondados. Área axial estreita, alcançando aproximadamente 1/5 da largura da valva. Área central com fáscia larga. Rafe filiforme, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de baioneta. Estrias radiadas na região mediana e convergentes nas extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 47,8 µm, largura de 10 µm, com 12 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 107789.
55
Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) dos cursos superior e médio do rio Negro e de tributários, Amazonas, Brasil
Figura 2. Vista valvar em microscopia óptica das espécies de Pinnularia encontradas no rio Negro e seus tributários: A-C) Pinnularia acrosphaeria var. acrosphaeria; D e E) P. acuminata; F e G) P. amazonica; H e I) P. angustivalva; J) P. aquaenigrae; K) P. boyeriformis; L e M) P. brauniana; N) P. brebissonii var. brebissonii; O-R) P. certa; S e T) P. aff. cherryfieldiana. Barras = 10 µm.
56
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 49-74, jan.-abr. 2017
Pinnularia confirma Metzeltin & Krammer in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 5, p. 166, pl. 180, fig. 11-13, 1998 (Figuras 3A-3C) Morfometria: comprimento de 51-64 µm, largura de 6,69,4 µm, com 13-14 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109685, 109697, 109703, 109707, 109694, 109695, 109689, 109680, 109681, 109682, 109683, 109698, 109700, 109713, 109715, 109718, 109720, 109725. Observações: os exemplares encontrados foram semelhantes morfologicamente aos registrados no curso inferior do rio Negro e no lago Tupé por Pereira et al. (2012, 2013).
região mediana e convergentes nas extremidades. Wetzel (2011) registrou P. dactyloides na bacia do rio Negro com menor comprimento (83-115 µm) e maior densidade de estrias (14 estrias em 10 µm).
Pinnularia aff. divergens Smith sensu lato W. Smith in A synopsis of the British Diatomaceae, v. 1, p. 57, pl. 18, fig. 177, 1853 (Figura 3F) Valvas lineares, com margens paralelas e extremidades arredondadas. Área axial ampla, alcançando aproximadamente 1/3 da largura da valva. Área central com fáscia estreita e espessamento silíceo em cada margem. Rafe lateral, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana e convergentes nas extremidades valvares. Material examinado: HAS 109731. Morfometria: comprimento de 112,5 µm, largura de 23,75 µm, com oito estrias em 10 µm. Comentários: consideramos que este táxon faça parte do complexo de variedades de P. divergens devido à presença do espessamento silicoso marginal na área central. Não foi encontrada na literatura forma similar.
Pinnularia cf. dactyloides Hustedt in Internationale Revue der Gesamten Hydrobiologie und Hydrographie, v. 50, n. 3, p. 400, fig. 32-33, 1965 (Figuras 3D-3E) Valvas lineares, com margens paralelas e extremidades cuneado-arredondados. Área axial estreita, alcançando ¼ da largura da valva. Área central simétrica. Rafe filiforme, com extremidades proximais quase retas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias paralelas a levemente radiadas na região mediana e paralelas a levemente convergentes nas extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 98-115,5 µm, largura de 20-23 µm, com 12-13 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109696, 109693, 109694, 109680, 109698, 109699, 109718. Comentários: alguns exemplares apresentaram poucas diferenças nas dimensões da população de P. dactyloides ilustrada por Hustedt (1965), em estudo no lago Jurucuí (comprimento de 110-140 µm, largura de 20-22 µm), porém foram semelhantes morfologicamente e em densidade de estrias (12 estrias em 10 µm). No entanto, observando as ilustrações apresentadas por Simonsen (1987), P. dactyloides possui área axial fortemente alargada, com estrias fortemente radiadas na
Pinnularia divergens var. malayensis Hustedt in Internationale Revue der Gesamten Hydrobiologie und Hydrographie, p. 82, pl. 84, fig. 159, 1942 (Figura 3G) Valvas lineares, com margens paralelas, infladas na região mediana, e com extremidades amplamente arredondadas. Área axial estreita, alcançando aproximadamente 1/6 da largura da valva. Área central rômbica, com fáscia estreita. Rafe lateral com extremidades proximais sutilmente curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana e paralelas a convergentes em direção às extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 116-118 µm, largura de 28-28,3 µm, com 8-9 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109728.
57
Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) dos cursos superior e médio do rio Negro e de tributários, Amazonas, Brasil
Pinnularia divergens var. mesoleptiformis Krammer & Metzeltin in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 5, p. 170, pl. 173, fig. 1-4, 1998 (Figuras 3H-3I) Valvas linear-lanceoladas, com margens trionduladas e extremidades capitado-arredondadas. Área axial estreita, alcançando aproximadamente 1/4 da largura da valva. Área central com fáscia estreita e com espessamento silicoso presente na região mediana da valva. Rafe lateral com extremidades proximais sutilmente curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana a convergentes em direção às extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 72-90,2 µm, largura de 12,2-15 µm, com 9-11 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109685, 109697, 109680, 107790, 109727. Comentários: alguns exemplares observados apresentaram maiores dimensões (comprimento de 6981 µm; largura de 13,4 µm) do que o encontrado no rio Potaro (Guyana) por Metzeltin & Lange-Bertalot (1998).
Pinnularia instabiliformis Krammer & Metzeltin in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 5, p. 177, pl. 174, fig. 8-12, 1998 (Figuras 3K-3L) Morfometria: comprimento de 36-50 µm, largura de 8-10 µm, com 11-13 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109697, 109706, 109693, 109694, 109695, 109680, 109681, 109682, 109698, 109713, 109715, 109718, 109765. Comentários: os exemplares apresentaram dimensões semelhantes às do material encontrado em Manaus, no lago Tupé, por Pereira et al. (2012), diferindo do material-tipo por apresentar menor largura e maior densidade de estrias. Pinnularia instabilis (Schmidt) Metzeltin in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 5, p. 178, pl. 194, fig. 1-3, pl. 205, fig. 4-5, 1998 (Figura 3M) Valvas lineares, largas, com margens paralelas, extremidades atenuada-apiculadas. Área axial ampla, alcançando ½ da largura da valva. Área central simétrica. Rafe filiforme, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias paralelas a ligeiramente radiadas. Morfometria: comprimento de 77,6-100 µm, largura de 19,6-23,3 µm, com 10-11 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109703, 109681, 109683, 109725, 109731.
Pinnularia diversarea Krammer & Metzeltin in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 5, p. 173, pl. 174, fig. 2-5, 1998 (Figura 3J) Valvas lineares, com margens ligeiramente convexas e com extremidades rostradas. Área axial ampla, alcançando aproximadamente 1/3 da largura da valva. Área central simétrica. Rafe filiforme, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana e convergentes nas extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 62,8 µm, largura de 15 µm, com dez estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109716.
Pinnularia interruptiformis Krammer in Diatoms of Europe, v. 1, p. 109, pl. 85, fig. 1-9, 2000 (Figuras 4A-4B) Valvas lineares, com margens levemente paralelas, extremidades capitado-arredondadas. Área axial ampla, alcançando aproximadamente 1/3 da largura da valva. Área central com fáscia larga. Rafe filiforme, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana e convergentes nas extremidades valvares.
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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 49-74, jan.-abr. 2017
Figura 3. Vista valvar em microscopia óptica das espécies de Pinnularia encontradas no rio Negro e seus tributários: A-C) Pinnularia confirma; D-E) P. cf. dactyloides; F) P. aff. divergens; G) P. divergens var. malayensis; H e I) P. divergens var. mesoleptiformis; J) P. diversarea; K e L) P. instabiliformis; M) P. instabilis. Barras = 10 µm.
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Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) dos cursos superior e médio do rio Negro e de tributários, Amazonas, Brasil
Morfometria: comprimento de 30,2-31,4 µm, largura de 5,2-6,4 µm, com 12-13 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109686, 109696, 109706, 109694, 109695, 109723, 107789, 107790, 109765.
¼ da largura das valvas. Área central com fáscia larga. Rafe filiforme, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana e levemente convergentes nas extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 51-61 µm, largura de 6,3-7,2 µm, com 13-14 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109701.
Pinnularia latevittata var. latevittata Cleve in Le Diatomiste, v. 2, n. 18, p. 103, pl. 7, 1894 (Figura 4C) Valvas lineares, com margens paralelas e extremidades amplamente cuneado-arredondadas. Área axial estreita, alcançando aproximadamente ¼ da largura da valva, com granulações. Área central assimétrica e arredondada. Rafe lateral com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias levemente radiadas na região mediana e paralelas nas extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 77-115 µm, largura de 19-21,2 µm, com 6-8 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109685, 109697, 109690, 109680, 109682, 109683, 109700, 109721, 109722, 109726, 109731. Observações: a população observada no rio Negro apresentou menor dimensão em relação às encontradas na literatura. Patrick & Reimer (1966) mencionaram comprimento de 180-185 µm e largura de 30-33 µm para o material da América do Norte. Krammer (2000) mencionou comprimento de 160-230 µm, largura de 3036 µm e menor densidade de estrias (5-6 estrias em 10 µm) para o material fóssil coletado na África. Wetzel (2011) registrou esta espécie na bacia do rio Negro com variações (comprimento de 120-170 µm, largura de 2124 µm) maiores do que os valores evidenciados pelos exemplares observados neste estudo, demonstrando que esse táxon apresenta uma ampla variação de medidas.
Pinnularia liyanlingae Metzeltin & Lange-Bertalot in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 18, p. 207, pl. 238, fig. 1-4, pl. 239, fig. 1-3, 2007 (Figuras 4G-4H) Valvas lineares, com margens levemente onduladas, ligeiramente infladas na região mediana e com extremidades cuneada-arredondadas. Área axial ampla, alcançando 1/2 da largura da valva. Área central ligeiramente assimétrica. Rafe semicomplexa, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias levemente radiadas na região mediana e paralelas a convergente em direção às extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 115-120 µm, largura de 23-24 µm, com 8-9 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109731. Pinnularia manausensis Pereira & Torgan in Phytotaxa, v. 158, n. 2, p. 159, fig. 2-6, 22-25, 2014 (Figura 4I) Morfometria: comprimento de 128 µm, largura de 20 µm, com nove estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109692. Pinnularia meridiana var. concava Metzeltin & Krammer in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 5, p. 180, pl. 181, fig. 6-7, 1998 (Figuras 4J-4K) Morfometria: comprimento de 51-67 µm, largura de 11,212 µm, com 10-13 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109685, 109686, 109680, 109681, 109715, 109731.
Pinnularia laxa Hustedt in Schmidt et al., Atlas der Diatomaceen-kunde, pl. 391, fig. 11-13, 1934 (Figuras 4D-4F) Valvas lineares, com margens paralelas e extremidades cuneado-arredondadas. Área axial estreita, alcançando
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Figura 4. Vista valvar em microscopia óptica das espécies de Pinnularia encontradas no rio Negro e seus tributários: A e B) Pinnularia interruptiformis; C) P. latevittata var. latevittata; D-F) P. laxa; G e H) P. liyanlingae; I) P. manausensis; J e K) P. meridiana var. côncava; L e M) P. microflamma; N) P. microstauron var. microstauron. Barras = 10 µm.
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Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) dos cursos superior e médio do rio Negro e de tributários, Amazonas, Brasil
Pinnularia microflamma Metzeltin & Lange-Bertalot in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 18, p. 209, pl. 240, fig. 4, 2007 (Figuras 4L-4M) Morfometria: comprimento de 63-70 µm, largura de 10,5-13 µm, com 10-11 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109685, 109686, 109713, 109722, 109725, 109726.
Material examinado: HAS 109697, 109680, 109681, 109700, 109715.
Pinnularia monicae Metzeltin & Lange-Bertalot in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 18, p. 211, pl. 246, fig. 1-5, 2007 (Figura 5E) Valvas lanceoladas, infladas na região mediana, extremidades subcapitado-arredondadas. Área axial ampla, alcançando aproximadamente 1/3 da largura da valva. Área central com fáscia larga. Rafe lateral, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana e convergentes em direção às extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 97,2-100 µm, largura de 14,2-15,5 µm, com 9-10 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109697, 109700, 109713, 107789, 109765, 109731.
Pinnularia microstauron var. microstauron (Ehrenberg) P. T. Cleve in Acta Societatia pro Fauna et Flora Fennica, v. 8, n. 2, p. 28, 1891 (Figuras 4N-5A) Valvas lineares, levemente trionduladas, com margens levemente convexas na região mediana e extremidades rostradas. Área axial estreita, alcançando ¼ da largura das valvas. Área central com fáscia larga. Rafe filiforme, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas, convergentes em direção às extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 45-50 µm, largura de 9,5-10,6 µm, com 9-12 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109684, 109685, 109686, 109696, 109705, 109693, 109689, 109690, 109680, 109692, 109713, 109715, 109718, 107789, 107790, 109765. Comentários: os exemplares encontrados apresentam extremidades valvares mais rostradas do que os apresentados por Krammer (2000). Pinnularia rhombarea var. brevicapitata, ilustrada pelo referido autor, é semelhante aos exemplares analisados neste estudo, porém difere por apresentar ápices capitados curtos.
Pinnularia nelsonii Pereira & Torgan in Phytotaxa, v. 158, n. 2, p. 161, fig. 7-12, 2014 (Figura 5F) Morfometria: comprimento de 49,5 µm, largura de 11,1 µm, com 11 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109697. Comentários: o exemplar examinado apresentou pequena diferença em relação ao material-tipo oriundo do lago Tupé (Pereira et al., 2014), por apresentar maior comprimento (36-47,5 µm) e menor densidade de estrias (13-14 estrias em 10 µm). Pinnularia nobilefasciata Krammer & Metzeltin in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 5, p. 182, pl. 176, fig. 8-9, 11-16, 1998 (Figuras 5G-5H) Valvas linear-elípticas, com extremidades cuneadoarredondadas. Área axial estreita, alcançando 1/3 da largura da valva. Área central com fáscia larga. Rafe filiforme, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho.
Pinnularia mollenhaueri Metzeltin & Lange-Bertalot in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 18, p. 210, pl. 244, fig. 4-7, 2007 (Figuras 5B-5D) Morfometria: comprimento de 72,7-80,9 µm, largura de 14,7-15,5 µm, com 12-13 estrias em 10 µm.
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Figura 5. Vista valvar em microscopia óptica das espécies de Pinnularia encontradas no rio Negro e seus tributários: A) Pinnularia microstauron var. microstauron; B-D) P. mollenhaueri; E) P. monicae; F) P. nelsonii; G e H) P. nobilefasciata; I) P. paradivergens; J e K) P. paulensis; L e M) P. perinstabilis var. perinstabilis. Barras = 10 µm.
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Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) dos cursos superior e médio do rio Negro e de tributários, Amazonas, Brasil
Pinnularia perinstabilis var. angustilinearis Metzeltin & Lange-Bertalot in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 18, p. 214, pl. 245, fig. 1, 2007 (Figuras 6B-6C) Valvas lineares e largas, com margens paralelas, extremidades cuneado-arredondadas. Área axial ampla, alcançando ½ da largura da valva, área central ausente. Rafe lateral, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias paralelas, levemente radiadas a paralelas nas extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 100-110 µm, largura de 20-23,5 µm, com 9-11 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109705, 109706, 109703, 109689, 109690, 109681, 109683, 109692, 109720, 109722, 109731.
Estrias levemente radiadas na região mediana e paralelas a levemente convergentes nas extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 21-28,7 µm, largura de 5-6,1 µm, com 11-12 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109686, 109676, 109705, 109693, 109712.
Pinnularia paradivergens Metzeltin & Lange-Bertalot in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 18, p. 212, pl. 249, fig. 1-5, 2007 (Figura 5I) Valvas lineares, com extremidades capitadas. Área axial ampla, alcançando aproximadamente 1/3 da largura da valva. Área central simétrica. Rafe lateral, com extremidades proximais sutilmente curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana e convergentes em direção às extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 82,6 µm, largura de 18,5 µm, com nove estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 107790.
Pinnularia perinstabilis var. perinstabilis Metzeltin & Krammer in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 5, p. 183, pl. 193, fig. 1-3, 1998 (Figuras 5L, 5M e 6A) Morfometria: comprimento de 60-101,1 µm, largura de 23-26 µm, com 9-12 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109686, 109696, 109697, 109703, 109695, 109680, 109681, 109683, 109700, 109722, 109725, 109731.
Pinnularia paulensis (Grunow) Cleve in Kongliga Svenska Vetenskaps-Akademiens Handlingar, v. 27, n. 3, p. 86, pl. 1, fig. 20, 1895 (Figuras 5J-5K) Valvas lineares, com margens paralelas, levemente infladas na região mediana e com extremidades arredondadas. Área axial ampla, alcançando ½ da largura da valva. Área central simétrica. Rafe semicomplexa, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias paralelas a levemente radiadas. Morfometria: comprimento de 92-93,5 µm, largura de 11-11,5 µm, com 10-11 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109686, 109690. Comentários: o material-tipo descrito por Cleve (1895), em estudo em ambientes de água doce da América, apresenta maior densidade de estrias (14-15 estrias em 10 µm).
Pinnularia perumbrosa (Metzeltin & Krammer) Metzeltin & Lange-Bertalot in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 18, p. 215, pl. 269, fig. 1-2, pl. 270, fig. 1-3, 2007 (Figura 6D) Morfometria: comprimento de 94,3-100 µm, largura de 11,8-12,2 µm, com 9-10 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109695, 109700. Pinnularia pogoii Scherer, Diatom Research, v. 3, n. 1, p. 152, fig. 56-60, 70-71, 1988 (Figuras 6E-6F) Morfometria: comprimento de 13-16,5 µm, largura de 5-5,5 µm, com sete estrias em 10 µm.
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Material examinado: HAS 109685, 109686, 109680, 109682, 109731.
distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana, levemente convergentes em direção às extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 146,6-162 µm, largura de 25-28,5 µm, com 9-10 estrias em 10 µm. Comentários: primeira ocorrência para a Amazônia brasileira. Material examinado: HAS 109697, 109731.
Pinnularia polyonca (Brébisson) W. Smith in A synopsis of the British Diatomaceae, v. 2, p. 95, 1856 (Figura 6G) Valvas lineares, com margens trionduladas e extremidades capitado-arredondadas. Área axial estreita, alcançando ¼ da largura da valva. Área central com fáscia larga. Rafe filiforme, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana e convergentes nas extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 52,8-107,5 µm, largura de 8-15 µm, com 10-12 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 107790.
Pinnularia sterrenburgii var. sterrenburgii Metzeltin & Lange-Bertalot in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 18, p. 222, pl. 243, figs. 1-6, 2007 (Figuras 6J-6K) Morfometria: comprimento de 96-99 µm, largura de 2122,3 µm, com 9-10 estrias em 10 µm. Comentários: os exemplares observados apresentaram maior densidade de estrias do que o material-tipo oriundo do lago Calado (Metzeltin & LangeBertalot, 2007), localizado no município de Manacapuru, sendo semelhante ao observado no lago Tupé por Pereira et al. (2013). Material examinado: HAS 109731.
Pinnularia rostratissima var. ventricosa Metzeltin & Lange-Bertalot in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 5, p. 186, pl. 169, fig. 1-5, 1998 (Figura 6H) Morfometria: comprimento de 70-87 µm, largura de 17-21 µm, com 11-13 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109683, 109765, 109731. Comentários: os exemplares observados apresentaram maiores dimensões do que os encontrados no curso inferior do rio Negro por Pereira et al. (2012) (comprimento de 55,5-68 µm; largura de 14,6-15,3 µm).
Pinnularia subbacillum Metzeltin & Krammer in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 5, p. 188, pl. 180, fig. 1-4, 1998 (Figura 6L) Valvas lineares, com margens ligeiramente infladas na região mediana e extremidades arredondadas. Área axial estreita, alcançando 1/5 da largura da valva. Área central simétrica. Rafe filiforme, com extremidades proximais sutilmente curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana e convergentes em direção às extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 36,9 µm, largura de 6,5 µm, com 13 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109683.
Pinnularia romanorum Metzeltin & Lange-Bertalot in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 18, p. 214, pl. 237, fig. 1, 2007 (Figura 6I) Valvas lineares, moderadamente infladas na região mediana e com extremidades cuneado-arredondadas. Área axial ampla, alcançando aproximadamente 1/3 da largura da valva. Área central assimétrica. Rafe lateral, com extremidades proximais curvadas e extremidades
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Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) dos cursos superior e médio do rio Negro e de tributários, Amazonas, Brasil
Figura 6. Vista valvar em microscopia óptica das espécies de Pinnularia encontradas no rio Negro e seus tributários: A) Pinnularia perinstabilis var. perinstabilis; B e C) P. perinstabilis var. angustilinearis; D) P. perumbrosa; E e F) P. pogoii; G) P. polyonca; H) P. rostratissima var. ventricosa; I) P. romanorum; J e K) P. sterrenburgii var. sterrenburgii; L) P. subbacillum; M) P. subboyeri. Barras = 10 µm.
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Pinnularia subboyeri Metzeltin & Krammer in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 5, p. 189, pl. 183, fig. 11-12, pl. 199, fig. 4, 1998 (Figuras 6M-7A e 7B) Morfometria: comprimento de 110-145 µm, largura de 14-15,5 µm, com 9-10 estrias em 10 µm. Comentários: Metzeltin & Lange-Bertalot (2007) alteraram a diagnose de P. subboyeri, extendendo os limites nas dimensões (comprimento de 83-150 µm; largura de 8,713,5 µm) e diminuindo a densidade de estrias (9-10 estrias em 10 µm). Os espécimes observados assemelham-se, na forma, aos identificados por Metzeltin & Lange-Bertalot (1998, 2007), entretanto apresentam maior largura valvar. Material examinado: HAS 109685, 109704, 109680, 109723, 109765, 109728, 109731.
Morfometria: comprimento de 87-97,7 µm, largura de 9,4-11,1 µm, com 9-10 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 107790, 109765.
Pinnularia superpaulensis (Hustedt) Metzeltin & Lange-Bertalot in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 18, p. 226, pl. 257, fig. 1-3, 2007 (Figuras 7G-7H) Valvas lineares, com margens levemente trionduladas, infladas na região mediana, com extremidades arredondadas. Área axial ampla, alcançando aproximadamente 1/3 da largura da valva. Área central simétrica. Rafe semicomplexa, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias paralelas. Morfometria: comprimento de 123-148,3 µm, largura de 12,8-18,3 µm, com 10-11 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109685, 109686, 109689, 109683, 109698.
Pinnularia subcapitata Gregory in Quartely Journal of Microscopical Science, v. 4, p. 9, pl. 1, fig. 30, 1856 (Figuras 7C-7D) Valvas lineares, com margens ligeiramente convexas e extremidades subcapitadas. Área axial estreita, alcançando ¼ da largura da valva. Área central com fáscia larga. Rafe filiforme, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana e convergentes em direção às extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 51-55,6 µm, largura de 6,4-6,9 µm, com 13-14 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109680, 109681, 107790.
Pinnularia tenuistriata Hustedt in Schimidt et al., Atlas der Diatomaceen-kunde, pl. 390, fig. 10, 1934 (Figuras 7I-7J) Valvas linear-lanceoladas, com margens paralelas, levemente convexas na região mediana, apresentando extremidades cuneado-arredondadas. Área axial ampla, alcançando 1/3 da largura da valva. Área central assimétrica. Rafe filiforme, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias paralelas. Morfometria: comprimento de 64,7-67,7 µm, largura de 8,5-10 µm, com 15-16 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109680, 109681.
Pinnularia subgibba var. subgibba Krammer in Bibliotheca Diatomologica, v. 26, p. 126, pl. 46, fig. 1-4, 6-7, pl. 47, fig. 2-4, 6, 1992 (Figuras 7E-7F) Valvas lineares, com margens paralelas e levemente convexas na região mediana, extremidades arredondadas. Área axial ampla, alcançando 1/3 da largura da valva. Área central assimétrica. Rafe lateral, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana, convergentes em direção às extremidades valvares.
Pinnularia tupensis Pereira, Melo & Torgan in Phytotaxa, v. 158, n. 2, p. 162, fig. 13-17, 26-32, 2014 (Figura 7K) Morfometria: comprimento de 51 µm, largura de 11,2 µm, com 11 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109725.
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Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) dos cursos superior e médio do rio Negro e de tributários, Amazonas, Brasil
Pinnularia variarea Metzeltin & Krammer in Metzeltin & Lange-Bertalot, Iconographia Diatomologica, v. 5, p. 194, pl. 181, fig. 8-10, pl. 193, fig. 5, 1998 (Figura 7L) Valvas lineares, com margens paralelas e extremidades cuneadas. Área axial ampla, alcançando 1/3 da largura da valva na região central. Área central ligeiramente assimétrica. Rafe filiforme, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana, paralelas a levemente convergentes nas extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 47-61,3 µm, largura de 13,1-15,1 µm, com 9-10 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109692, 107790. Comentários: os exemplares observados apresentaram menor largura do que o encontrado para o lago Calado (14-16 µm) por Metzeltin & Lange-Bertalot (1998).
Área axial ampla, alcançando ½ da largura da valva, com área central simétrica. Rafe lateral, com extremidades proximais sutilmente curvadas e extremidades distais indistintas. Estrias radiadas na região mediana e paralelas a convergentes em direção às extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 171,7-177,1 µm, largura de 28,8-29,6 µm, com dez estrias em 10 µm. Comentários: os exemplares observados assemelham-se à população de Pinnularia pulchella (C.S. Boyer) K. Krammer encontrada por Krammer (2000), em material fóssil nos Estados Unidos, entretanto este apresenta maiores dimensões (comprimento de 180273 µm, largura de 32-40 µm), menor densidade de estrias (6-7 µm), áreas central e axial mais estreitas. Material examinado: HAS109690.
Pinnularia viridiformis Krammer in Bibliotheca Diatomologica, v. 26, p. 160, pl. 1, fig. 4, pl. 4, fig. 1-4, pl. 68, fig. 1-4, pl. 69, fig. 1-5, 1992 (Figuras 7M-7N) Valvas elípticas, levemente infladas na região central, com extremidades arredondadas. Área axial estreita, alcançando aproximadamente 1/4 da largura da valva. Área central simétrica. Rafe lateral, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais indistintas. Estrias levemente radiadas na região mediana e paralelas a levemente convergentes nas extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 67,8-91,4 µm, largura de 13,5-14,1 µm, com 11 estrias em 10 µm. Comentários: o material-tipo encontrado por Krammer (1992) apresenta menor densidade de estrias (7-9 estrias em 10 µm). Material examinado: HAS 107790.
Pinnularia sp. 2 (Figuras 8C-8D) Valvas lineares, com margens paralelas e extremidades cuneado-arredondadas. Área axial estreita, alcançando ¼ da largura da valva. Área central simétrica. Rafe lateral, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana e paralelas a levemente convergentes nas extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 99,8-114,5 µm, largura de 20,4-22,4 µm, com nove estrias em 10 µm. Comentários: os exemplares observados assemelham-se ao encontrado no rio Tapajós, por Metzeltin & Lange-Bertalot (2007), e identificado como P. cf. major var. asymmetrica Cleve. Não se manteve esta identificação, pois, ao consultarmos a obra de Cleve (1895), na qual se encontra a ilustração do material-tipo, observou-se que este possui valvas com extremidades arredondadas e estrias fortemente convergentes nas extremidades valvares. Material examinado: HAS 109685, 109686.
Pinnularia sp. 1 (Figuras 8A-8B) Valvas lineares, fortemente infladas na região mediana e com extremidades amplamente arredondadas.
Pinnularia sp. 3 (Figura 8E) Valvas lineares, com margens constritas na região mediana e c o m e x t r e m i d a d e s a r r e d o n d a d a s .
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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 49-74, jan.-abr. 2017
Figura 7. Vista valvar em microscopia óptica das espécies de Pinnularia encontradas no rio Negro e seus tributários: A e B) Pinnularia subboyeri; C e D) P. subcapitata; E e F) P. subgibba var. subgibba; G e H) P. superpaulensis; I e J) P. tenuistriata; K) P. tupensis; L) P. variarea; M e N) P. viridiformis. Barras = 10 µm.
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Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) dos cursos superior e médio do rio Negro e de tributários, Amazonas, Brasil
Pinnularia sp. 4 (Figura 8F) Valvas lineares, com margens levemente convexas e extremidades capitado-arredondadas. Área axial estreita, alcançando aproximadamente 1/4 da largura da valva. Área central com fáscia estreita. Rafe filiforme, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana e convergentes nas extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 47,3-52,9 µm, largura de 7,9-8,5 µm, com 11-12 estrias em 10 µm. Material examinado: HAS 109686, 107790. Comentários: os exemplares lembram Pinnularia mayeri Krammer, ilustrada em Krammer (1992), mas diferem em relação à forma dos ápices, da valva e da área central.
Área axial estreita, alcançando ¼ da largura das valvas. Área central com fáscia larga. Rafe filiforme, com extremidades proximais curvadas e extremidades distais em forma de gancho. Estrias radiadas na região mediana e convergentes nas extremidades valvares. Morfometria: comprimento de 70,8-72 µm, largura de 8,5-10 µm, com 10-11 estrias em 10 µm. Comentários: os exemplares assemelham-se à espécie Pinnularia procera Metzeltin & Krammer (Metzeltin & Lange-Bertalot, 1998), encontrada no rio Tapajós, no município de Santarém, Pará, entretanto diferem desta por apresentarem região mediana constrita e área axial ligeiramente mais larga. Material examinado: HAS 109680, 109681, 109765.
Figura 8. Vista valvar em microscopia óptica das espécies de Pinnularia encontradas no rio Negro e seus tributários: A e B) Pinnularia sp. 1; C e D) Pinnularia sp. 2; E) Pinnularia sp. 3; F) Pinnularia sp. 4. Barras = 10 µm.
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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 49-74, jan.-abr. 2017
RIQUEZA E DISTRIBUIÇÃO DOS TÁXONS A riqueza de táxons nos rios do curso superior da bacia do rio Negro foi mais alta no rio Negro (40 táxons) em relação aos seus afluentes, rio Unini (18 táxons) e rio Branco (seis táxons), enquanto a riqueza nos igarapés foi relativamente menor em comparação com a encontrada nos rios (Tabela 2). A maior riqueza foi registrada nos igarapés Adairá e Aiana (ambos com 17 táxons) e a menor ocorreu nos igarapés Irurabi e Tucubixi (ambos com um
táxon). Foi identificado total de 53 táxons de Pinnularia em todos os ambientes amostrados. Wetzel (2011) identificou 75 táxons nos mesmos trecho e período. Esta diferença pode ser explicada pelo maior número de amostras analisadas por este autor (191), em relação às 55 amostras analisadas no presente estudo. Entre as espécies identificadas, Pinnularia romanorum Metzeltin & Lange-Bertalot é registrada pela primeira vez para a Amazônia brasileira.
Tabela 2. Riqueza e distribuição dos táxons de Pinnularia, com base em sua presença e ausência nos rios e nos igarapés nos cursos superior e médio do rio Negro. Legendas: Fr = frequência dos táxons (sendo F = frequentes; R = raros; E = esporádicos); RB = rio Branco; RN = rio Negro; RU = rio Unini; IgAd = igarapé Adaira; IgAi = igarapé Aiana; IgBo = igarapé Bonfim; IgJa = Igarapé Jaradi; IgMa = igarapé Mabarra; IgIb = igarapé Ibará; IgIr = igarapé Irurabi; IgTu = igarapé Tucubuxi. (Continua) Táxons/Ambientes
RB
RN
IgAd
_______
P. achrosphaeria
___
P. angustivalva
___
IgAi
IgBo
_______
______
P. acuminata P. amazonica P. aquanigrae
RU
IgJa
IgMa
IgIr
______
IgTu
Fr E
_____________ ______
IgIb
______
E
______
E
_____________
E
___
R ___
P. boyeriformis
R
P. brauniana
___
_____________
P. brebissonii
___
R
P. certa
___
R
P. aff. cherryfieldiana
______ ___
P. dactyloides
___
R
E R
____________________
E
_______ ___
______ ___________________________
________________________
F ______
___
E E
______
P. laxa P. liyanlingae
E
________________________
P. instabiliformis
P. latevittata var. latevittata
______
R
___
P. interruptiformis
F
___
P. diversarea P. instabilis
______
R
___________________________
___
P. divergens
P. divergens var. mesoleptiformis
E
______
____________________
P. confirma
P. divergens var. malayensis
_____________
R R
71
Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) dos cursos superior e médio do rio Negro e de tributários, Amazonas, Brasil
Tabela 2. Táxons/Ambientes
(Conclusão) RB
RN
P. manausensis
___
P. mayeri
___
P. meridiana var. concava P. microflamma
RU
IgAd
IgAi
IgBo
IgJa
IgMa
IgIb
IgIr
IgTu
R ______
R
______________ _______ ___
P. mollenhauerii
____
P. paradivergens
___
R
_______
E
______
R
__________________________ ______
_______
P. perinstabilis var. perinstabilis
______
______
____________________
______
R
_____________
E
______
F
______
___
P. perumbrosa
R
_____________
P. pogoii
E
___
P. polyonca
R ____
P. romanorum P. rostratissima var. ventricosa
_______
R
_______
P. sterrenburgii var. sterrenburgii
R
___
R
___
P. subbacillum
R
_________________
P. subboyeri
______
E
___
P. subcapitata
F R
P. paulensis P. perinstabilis var. angustilinearis
F
_______
_______ ___
E
__________________________________
P. nelsonii P. nobilefasciata
E
______
P. microstauron P. monicae
Fr
R
P. subgibba
___
P. superpaulensis
___
R
P. tenuistriata
___
R
P. tupensis
___
R
P. variarea
___
R
P. viridiformis
___
R
______
______
Pinnularia sp.1
______
Pinnularia sp. 2
R
_______
Pinnularia sp. 3 Riqueza
E
R
___ 6
40
R 18
17
17
8
72
11
9
6
1
1
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 49-74, jan.-abr. 2017
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) (Processo n. 01.04.10.95.00), pelo apoio financeiro; ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), que fomentou parte da logística das coletas; e à Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), pela infraestrutura laboratorial. Aos revisores anônimos, pelas valiosas contribuições.
Com relação à frequência dos táxons nos rios e nos igarapés da bacia do rio Negro, ocorreu maior porcentagem de organismos raros (58,5%), seguida de esporádicos (32,07%) e de frequentes (9,43%) (Tabela 2). Cerca de 47% dos táxons ocorreram simultaneamente nos rios e nos igarapés, enquanto 41% ocorreram somente nos rios e 11%, somente em igarapés. Os táxons frequentes foram Pinnularia confirma, P. latevittata, P microstauron, P. nobilefasciata e P. perinstabilis. Entre estes, somente P. confirma foi citada também como frequente por Wetzel (2011) na bacia do rio Negro, no mesmo período do presente estudo. Este táxon também foi frequente no curso inferior do rio Negro e no lago Tupé, no período de 2002 a 2004 (Pereira, 2009; Pereira et al., 2012). Pinnularia confirma, P. nobilefasciata e P. perinstabilis estão restritas à região amazônica, em águas com baixos valores de pH e de condutividade elétrica. Pinnularia latevittata é comum em ambientes tropicais, sendo encontrada na região amazônica (Metzeltin & LangeBertalot, 2007; Pereira et al., 2013) e na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro (Krammer, 2000). Pinnularia microstauron é a única espécie cosmopolita, entretanto prefere águas oligotróficas, com baixos valores de pH e de condutividade, bem como áreas cobertas por floresta (Krammer, 2000). A diversidade beta calculada para as estações amostradas foi baixa (19,07), revelando que a distribuição dos táxons no rio Negro e em seus tributários foi homogênea. A homogeneidade na distribuição dos táxons verificada no curso superior do rio Negro deve, provavelmente, estar relacionada ao período em que foram realizadas as amostragens (período de enchente). A bacia do rio Negro é um ecossistema que sofre inundação periódica, por estar submetida anualmente ao pulso de inundação. Durante a enchente (entre os meses de janeiro a abril), as águas do rio transbordam do seu leito e invadem as áreas marginais, inundando-as em diferentes graus de intensidade. Este fluxo torna os ambientes mais ricos, diversificados em microalgas e mais homogêneos, o que é explicado pela ecologia de sistema do pulso por Junk (1997).
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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 75-89, jan.-abr. 2017
Distribuição e conservação das espécies de Aiouea Aubl. (Lauraceae Jussieu) no Brasil Distribution and conservation of Aiouea Aubl. (Lauraceae Juss.) species in Brazil Carlos Henrique FrancisconI, Izildinha de Souza MirandaII I
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Manaus, Amazonas, Brasil II
Universidade Federal Rural da Amazônia. Belém, Pará, Brasil
Resumo: Este estudo objetiva apresentar uma revisão biogeográfica da distribuição (real e potencial) e do estado de conservação das espécies de Aiouea Aubl. (Lauraceae Jussieu) no Brasil. As informações são oriundas da rede SpeciesLink, que integra dados primários de coleções científicas e está interligada ao sistema Biogeografia da Flora e Fungos do Brasil (Biogeo), a partir das quais foram definidos a distribuição real e os modelos de distribuição potencial para cada espécie brasileira de Aiouea, baseando-se em um modelo de consenso, gerado por até cinco algoritmos. Também foram analisados a situação de endemismo no Brasil, o estado de conservação e a raridade das espécies. Foram encontrados 1.433 registros para 14 espécies de Aiouea no Brasil. Na seleção dos registros para o estudo, o percentual de perda total foi alto (64,2%), devido principalmente à falta de georreferenciamento e de determinador (60,8%). Na avaliação dos modelos de consenso, foram considerados bons resultados apenas para as espécies com 20 ou mais pixels. As demais apresentaram muitos erros e, por isso, seus modelos servem somente para orientar novas áreas para coletas. A distribuição geográfica mostra um padrão predominante para a Amazônia brasileira; nove espécies são endêmicas do Brasil e 11 apresentaram algum indicador de raridade. Palavras-chave: Amazônia. Mata Atlântica. Endemismo. Potencial. Raridade. Trópicos. Abstract: This study aims to present a biogeographic review, the distribution (real and potential), and conservation status of Aiouea Aubl. species (Lauraceae Juss.) in Brazil. The data come from the SpeciesLink Network that integrates primary data from scientific collections and is linked to the system of Biogeography of Flora and Fungi of Brazil (Biogeo), from which the real distribution and potential distribution models for each Brazilian species of Aiouea, based on a consensus model, generated by up to five algorithms. Also analyzed were the situation of endemism in Brazil, the state of conservation, and the rarity of species. A total of 1,433 records were found for 14 species of Aiouea in Brazil. In the selection of records for this study, the percentage of total exclusion was high (64.2%), mainly due to the lack of georeference, and determinator (60.8%). In the evaluation of the consensus models, good results were considered only for species with 20 or more pixels. The others presented many errors, and, therefore, their models serve only to guide new areas for collection. The geographical distribution shows a predominant pattern for the Brazilian Amazon; nine species are endemic in Brazil, and eleven species showed some indication of rarity. Keywords: Amazonian. Atlantic forest. Endemism. Potential. Rarity. Tropics.
FRANCISCON, C. H. & I. S. MIRANDA, 2017. Distribuição e conservação das espécies de Aiouea Aubl. (Lauraceae Jussieu) no Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais 12(1): 75-89. Autor para correspondência: Carlos Henrique Franciscon. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Coordenação de Biodiversidade. Av. André Araújo, 2936 – Petrópolis. Manaus, AM, Brasil. CEP 69080-971 (franciscon.carlos@inpa.gov.br). Recebido em 09/02/2017 Aprovado em 26/06/2017 Responsabilidade editorial: Fernando da Silva Carvalho Filho
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Distribuição e conservação das espécies de Aiouea Aubl. (Lauraceae Jussieu) no Brasil
MATERIAL E MÉTODOS
INTRODUÇÃO Na última revisão do gênero Aiouea, Kubitzki & Renner (1982) reconhecem 19 espécies, com base na taxonomia moderna, e as consideram restritas à região neotropical, em sua maior parte ocorrendo nas Américas do Sul e Central. Entre estas, 14 espécies são brasileiras, distribuídas principalmente na Amazônia, em floresta de terra firme, caatinga, borda de mata e floresta secundária. A importância econômica do gênero tem despertado o interesse no estudo da composição química dos óleos essenciais obtidos de espécies como Aiouea maguireana (C.K. Allen) S.S. Renner (Custódio et al., 2015). Aiouea trinervis Meisn. apresentou resultados promissores para atividade larvicida contra Aedes aegypti (Linnaeus, 1762), conforme Garcez et al., (2009), e o extrato etanólico desta espécie causou alterações na morfologia e na viabilidade do parasita Tripanosoma cruzi (Chagas 1909), de acordo com Maier (2016) e Pereira, (2016); além disso, foi considerada uma boa fonte de micromoléculas com potencial antitumoral (Garcez et al., 2016). Os nomes populares mais usados para as espécies do gênero são: sassafrás, brinco-de-princesa, lourode-goiás, canela-do-piauí, uridol, urinosa, vergateza (Moraes, 2005) e canela-fogo (Schwirkowski, 2009). A espécie Aiouea saligna Meisn., além de apresentar possibilidade em uso madeireiro (Elias & Santos, 2016), também foi indicada como de grande potencial para recuperação de áreas de floresta estacional exploradas para minério de ferro, pois possui características potencialmente facilitadoras de sucessão, fundamentais em áreas degradadas pela mineração (Meira-Junior et al., 2014). Este estudo se propôs a apresentar uma revisão da distribuição real e mapear a distribuição potencial, além de analisar o estado de conservação das espécies brasileiras de Aiouea, tendo em vista a sua importância econômica atual e seu potencial futuro.
LEVANTAMENTO DAS ESPÉCIES E SINÔNIMOS Os nomes e os sinônimos dos taxa de Aiouea do Brasil foram compilados a partir da última versão da Lista das Espécies da Flora do Brasil (LEFB) (JBRJ, s. d.) e de The International Plant Names Index (IPNI, s. d.), que integram os principais dicionários e indexadores de nomes científicos de angiospermas. DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DAS ESPÉCIES Inicialmente, foi analisada a distribuição real de cada espécie de Aiouea. Para isso, considerou-se o total de registros dos nomes válidos existentes no banco de dados da rede SpeciesLink (s. d.), os quais foram georrefenciados pelas coleções (herbários) de origem ou via aplicativo dataCleaning (DC), desenvolvido pelo Centro de Referência em Informação Ambiental (CRIA, 2016). Esse aplicativo identifica possíveis erros ortográficos nos nomes das espécies e facilita a padronização dos dados, não interferindo na informação, pois nenhum elemento é modificado, ele apenas indica os registros suspeitos, que, neste caso, foram descartados da análise. Posteriormente, os dados selecionados passaram por outra ferramenta, também desenvolvida pelo CRIA, chamada geoLoc (CRIA, 2007), a qual tem por objetivo auxiliar o trabalho de coleções biológicas no georreferenciamento de seus acervos, atribuindo as coordenadas geográficas para a sede do município da coleta, quando os rótulos das exsicatas não apresentam dados exatos de longitude e de latitude. Além do total de registros (Rt) disponíveis no SpeciesLink, também foram examinados todos os rótulos e as imagens digitalizadas das exsicatas de herbários virtuais participantes ou não das redes de integração de dados de coleções, bem como as publicações nas áreas de conhecimento relacionadas ao nosso estudo, como ecologia de plantas, inventários florestais e florísticos,
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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 75-89, jan.-abr. 2017
em especial as que trazem listas de espécies e de floras de diferentes localidades. Contudo, esse material só foi considerado quando citado o registro do exemplartestemunho (Voucher) em herbário cadastrado no Index Herbariorum (Thiers, s. d.) ou no próprio banco de dados do SpeciesLink. A distribuição potencial de cada espécie de Aiouea foi modelada por meio do sistema Biogeo (CRIA, s. d.), que é interligado diretamente à base de dados do SpeciesLink, onde são realizadas as buscas dos dados. A interação entre ambos é dinâmica, de tal forma que todas as modificações e inclusões são detectadas e atualizadas periodicamente pelo próprio sistema. O Biogeo utiliza o programa openModeller (CRIA, openModeller, s. d.) para produção dos modelos de distribuição potencial. Também desenvolvida pelo CRIA, esta ferramenta é um programa aberto, de arquitetura modular, com código aberto, multialgoritmo e suporta vários formatos de dados; é um programa específico para geração de modelos de distribuição potencial de espécies a partir das variáveis ambientais atribuídas a cada ponto de treino ou pixel (Muñoz et al., 2011). Assim, antes de executar a modelagem da distribuição potencial das espécies, três ações foram necessárias: (1) a aplicação de filtros para seleção dos registros a serem utilizados; (2) a seleção das variáveis ambientais; e (3) a seleção dos modelos. Por fim, após a geração dos modelos, os mesmos foram avaliados por um conjunto de indicadores.
que considerou apenas os registros com coordenadas geográficas distintas e com identificadores especialistas do grupo taxonômico (Rgi). Cada registro com coordenada distinta foi considerado um ponto de treino ou pixel (Px). Como muitas coletas têm as mesmas coordenadas ou foram realizadas muito próximas umas das outras, os registros foram agregados em um único pixel, para geração dos modelos. No caso de registros duplicados na mesma coleção ou com identificação conflitante entre duas ou mais coleções, foram considerados apenas aqueles com determinação mais recente. Amostras sem o nome do determinador ou identificadas como provenientes de cultivos não foram consideradas.
VARIÁVEIS AMBIENTAIS Foram utilizadas oito variáveis ambientais, sendo uma topográfica (altitude) e sete bioclimáticas que se aplicam às características do clima tropical brasileiro: (1) variação média de temperatura no dia; (2) temperatura máxima no mês mais quente; (3) temperatura mínima no mês mais frio; (4) precipitação no trimestre mais úmido; (5) precipitação no trimestre mais seco; (6) precipitação no trimestre mais quente e (7) precipitação no trimestre mais frio. A altitude foi obtida diretamente do banco de dados do Global Climate Data WorldClim (s. d.), para representar indiretamente outros fatores, como incidência de radiação solar e pressão atmosférica, que normalmente influenciam grande parte da distribuição das espécies de plantas. As variáveis bioclimáticas também foram extraídas do WorldClim (Bioclimatic variables, s. d.), na resolução espacial aproximada de 1 km² (Tabela 1). O WorldClim disponibiliza as variáveis bioclimáticas derivadas dos valores mensais de precipitação e de temperatura, que podem ser selecionados e aplicados a qualquer região do planeta, sendo frequentemente usados em modelagem de distribuição de espécies (Giannini et al., 2012; Peterson & Soberón, 2012; Yanga et al., 2013).
FILTROS PARA SELEÇÃO DOS REGISTROS A partir do total de registros (Rt) de cada espécie de Aiouea encontrado no SpeciesLink, foram revisadas individualmente todas as informações das amostras encontradas. Dois filtros para selecionar os registros com melhor qualidade de dados foram aplicados. No primeiro filtro (F1), apenas os registros com nomes válidos (Rv) passaram. Esses registros foram, então, considerados pelo Biogeo, onde foram submetidos ao segundo filtro (F2),
77
Distribuição e conservação das espécies de Aiouea Aubl. (Lauraceae Jussieu) no Brasil
Tabela 1. Valores dos parâmetros ambientais WorldClim registrados para o conjunto de pontos de ocorrência para 14 espécies de Aiouea: Pu+ = precipitação no trimestre mais úmido do ano; Ps+ = precipitação no trimestre mais seco do ano; Pq+ = precipitação no trimestre mais quente do ano; Pf+ = precipitação no trimestre mais frio do ano; Vt/dia = variação média de temperatura ao longo do dia; Tq+ = temperatura máxima no mês mais quente do ano; Tf- = temperatura mínima no mês mais frio do ano; At = altitude (variável indireta); * = valores médios referentes ao único pixel para a espécie. Precipitação/trimestre (mm) Espécie
Ps+
Pu+
Temperatura (°C)
Pq+
Pf+
Vt/dia
At (m)
Tq+
Tf-
Mín
Máx
Mín Máx Mín Máx Mín
Máx
Mín
Máx
Mín
Máx
Mín
Máx
A. acarodomatifera Kosterm.
574
887
196
275
574
858
196
294
7,8
9,5
23,7 30,7
6,2
12,7
6
1221
A. benthamiana Mez
862
865
136
137
466
475
201
373
10,6 10,8 32,4 32,7
18,1
18,3
150
177
A. bracteata Kosterm.
783
871
15
34
224
383
58
147
9
14,8
16,8
698
871
13
22,4
100
878
22,3
-
100
-
127
458
A. guianensis Aubl.
11,5
30,1
31,3
407 1080
76
349
276
636
94
903
8,4
A. impressa* (Meisn.) Kosterm.
794
-
307
-
395
-
692
-
8,4
-
32,6
A. laevis (Mart.) Kosterm.
395
975
95
279
276
614
109
880
7
12,3
29
A. lehmannii* (O.C. Schmidt) S.S. Renner
789
-
214
-
657
-
214
-
9,7
-
31,2
-
18,2
-
189
-
A. macedoana Vattimo-Gil
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
48
607
274
648
53
953
8,3
13,9
12
22,9
17
653
744 1095
44
248
51
671
300 1030
7,7
10,7
17
23,2
5
625
505
961
5
33
86
618
38
202
11,2
14,2 28,9 35,8 10,9
19,6
159
948
346 1089
11
407
99
938
21
823
6,7
14,7 23,4 36,4
6,6
21,3
0
1716
-
-
-
-
49
968
A. maguireana (C.K. Allen) 720 1080 S.S. Renner A. myristicoides Mez A. piauhyensis (Meisn.) Mez A. saligna Meisn.
12,4 28,6 32,9
Mín Máx
A. tomentella (Mez) S.S. Renner
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
A. trinervis Meisn.
478
1104
0
171
36
790
15
1101
8,3
14,4
MODELOS UTILIZADOS NA DISTRIBUIÇÃO POTENCIAL Os modelos de distribuição potencial utilizados foram baseados em dados de presença a partir das variáveis ambientais atribuídas a cada pixel (Muñoz et al., 2011). O número de pixels disponíveis é o fator determinante de qual ou quais algoritmos são possíveis de serem processados e, dependendo deste número, pode-se utilizar até cinco algoritmos, gerando, assim, até cinco modelos, além de um modelo de consenso. Quando o número de pixels disponíveis apresentou resultado menor do que cinco, foi gerado o modelo da dissimilaridade ambiental (DA), usando-se a de distância euclidiana em relação ao ponto de ocorrência mais
-
32,9 10,8 20,8
31,4 34,2 30
-
33,5
-
29,1 35,8 10,4 22,5
próximo (Carpenter et al., 1993); entre cinco e nove pixels, foi usado o Maximum Entropy (MaxEnt) (Phillips et al., 2006); entre dez e 19 pixels, foram usados três modelos: 1) MaxEnt; 2) Genetic Algorithm for Ruleset Prediction – Best Subsets (GARP BS) (Anderson et al., 2003); e 3) o modelo de consenso entre esses dois primeiros, de acordo com o proposto pelo Biogeo. Com o número de pixels maior ou igual a vinte, foi possível gerar seis modelos: 1) MaxEnt; 2) GARP BS; 3) distância Mahalanobis (DM) (Farber & Kadmon, 2003); 4) Ecological-Niche Factor Analysis (ENFA) (Hirzel et al., 2002); 5) Support Vector Machines (SVM) (Schölkopf et al., 2001); e 6) o modelo de consenso entre os cinco primeiros modelos.
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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 75-89, jan.-abr. 2017
Com exceção do modelo da dissimilaridade ambiental, todos os demais foram transformados em modelos binários, por meio de um corte baseado no limiar de presença mínima (LPT), também chamado de limite da menor presença (lowest presence threshold). Essa técnica identifica e seleciona o menor valor de adequabilidade ambiental atribuído pelo modelo a um ponto de presença do conjunto de pixels, ou seja, os pixels que apresentam valores acima do limite de corte são considerados como possíveis áreas de presença (Phillips et al., 2006; Pearson, 2007). O modelo de consenso foi baseado no valor médio dos diferentes algoritmos, conforme recomendado por Marmion et al. (2009), e mostra as áreas onde há sobreposição de ocorrência de pelo menos dois outros modelos; ele apresenta níveis de concordância entre os algoritmos descritos em cores diferentes: vermelha (para cinco algoritmos), laranja (para quatro), amarelo (para três) e azul (para menos do que três). Este modelo tem sido útil para apoiar tomadas de decisões sobre a distribuição de várias espécies (Chen, 2009; Hassemer et al., 2016).
A omissão é um tipo de erro que ocorre quando o modelo não prevê áreas com variáveis ambientais adequadas para a espécie. A omissão interna foi calculada com os mesmos pontos utilizados na geração do modelo, e a externa foi calculada com pontos que não foram utilizados na geração do modelo. A omissão externa não é calculada para o modelo MaxEnt. Normalmente, sugere-se que a omissão interna não ultrapasse 5% e a externa não ultrapasse 20% (Peterson et al., 2008). A AUC é a relação entre a área do modelo e a área de estudo para cada limiar da curva; seus valores foram calculados com validação cruzada do tipo 5-fold, recomendado para as espécies que apresentam entre 20 e 199 pixels (Phillips et al., 2006). Os valores de AUC foram considerados muito bons (> 0,9), bons (> 0,8) e razoáveis (> 0,7), conforme recomendado por Swets (1988).
ENDEMISMO, CONSERVAÇÃO E RARIDADE A situação de endemismo das espécies no Brasil foi analisada por meio da comparação entre a classificação da lista da flora do Brasil (LFB) (JBRJ, s. d.) e os dados encontrados nos herbários virtuais, nacionais e internacionais. O estado de conservação foi avaliado com base em três critérios: (1) na lista vermelha de espécies ameaçadas da IUCN (2015); (2) na lista vermelha da flora do Brasil LVFB (JBRJ, 2015); e (3) na classificação de raridade de Rabinowitz et al. (1986). Esta última sugere oito categorias de raridade, baseadas nas informações simultâneas de alcance geográfico (largo ou estreito), de especificidade de habitat (amplo ou restrito) e de tamanho das populações locais (abundante ou escassa). Para categorizar a raridade das espécies de Aiouea, foram modificados os critérios de Serrato et al. (2004): o alcance geográfico foi definido pelo número de pixels nos quais as espécies foram encontradas – espécies com estreito alcance geográfico foram aquelas localizadas em menos de 17 pixels, equivalente a no máximo 25% do número de pixel ocupados por A. saligna (69 pixels, maior quantidade entre as espécies de Aiouea). Para determinar a categoria de especificidade de habitat, foi considerado
AVALIAÇÃO DOS MODELOS A avaliação da qualidade dos modelos foi realizada em concordância com o Biogeo, quais sejam: modelos com menos de 5 pixels de ocorrência não foram testados, servem apenas para indicar áreas relativamente próximas, com variáveis ambientais semelhantes, onde deveriam ser realizadas novas coletas botânicas; modelos com 5 a 19 pixels de ocorrência foram avaliados com a omissão interna e testados com o procedimento de leave-one-out, seguido do cálculo da probabilidade associada ao número de acertos, isto é, para cada ponto, um novo modelo é gerado com todos os outros pontos, sendo, em seguida, testado com o ponto em questão. Depois de fazer isso para todos os pontos, é calculada a probabilidade de se obter o número de sucessos usando um teste de Poisson-binomial unicaudal. Para os modelos com 20 ou mais pixels, além da omissão interna, também foram consideradas a omissão externa e a área sob a curva (area under the curve – AUC).
79
Distribuição e conservação das espécies de Aiouea Aubl. (Lauraceae Jussieu) no Brasil
o número de tipos de vegetação nos quais as espécies foram encontradas: espécies com habitat restrito foram as que ocorreram em apenas um tipo de vegetação. As informações sobre os habitats foram extraídas de Kubitzki & Renner (1982) e Quinet et al. (2015), bem como dos rótulos das exsicatas dos herbários. A categoria do tamanho das populações locais foi definida pelo número do total de registros encontrados no SpeciesLink (Rt): espécies com populações pequenas foram aquelas com menos de 111 registros, equivalente a no máximo 25% dos registros de A. saligna (444, maior quantidade de registros entre as espécies de Aiouea) (Tabela 2).
corrobora essa informação, portanto a LFB foi uma boa fonte para seleção das espécies. Quanto às sinonímias de Aiouea, no entanto, esta lista cita 24 nomes válidos, sendo que, em nosso estudo, encontramos mais 29, de forma a totalizar 53 sinônimos para as 14 espécies do gênero no Brasil. Entre as espécies, Aiouea trinervis Meisn. apresenta o maior número de sinônimos (12), seguida de Aiouea laevis (Mart.) Kosterm. e de Aiouea guianensis Aubl., ambas com oito sinônimos cada. Não foram encontrados termos correspondentes apenas para Aiouea macedoana Vattimo-Gil (Tabela 3). Inicialmente, foram encontrados 1.119 registros de Aiouea para o Brasil, porém 95 foram pré-excluídos, seja pelos nomes inválidos, por dados inconsistentes ou identificados apenas em nível de gênero. Dos 1.024 restantes, outros 623 foram excluídos pela falta de georreferenciamento ou de identificador. Portanto, nosso estudo foi realizado com 401 registros filtrados e agrupados em um total de 200 pixels (Tabela 2).
RESULTADOS E DISCUSSÃO NOMES, SINÔNIMOS E REGISTROS DAS ESPÉCIES BRASILEIRAS DE AIOUEA TAUB. Na relação de espécies da lista da flora do Brasil (JBRJ, s. d.), constam 14 espécies do gênero. O presente estudo
Tabela 2. Registro de Aiouea no Brasil, encontrados nos bancos de dados (SpeciesLink e Biogeo) e utilizados para confecção dos modelos de distribuição das espécies no país. Legendas: Rt = número total de registros; Rv = registros com nomes válidos; Rgi = registros georreferenciados e com determinador; Px = número de pixels para Rgi; F1 = porcentagem de perda no filtro 1; F2 = porcentagem de perda no filtro 2; % = porcentagem de perda total. Espécies
Rt
Rv
Rgi
Px
Perda F1(%)
Perda F2(%)
Perda total (%)
A. acarodomatifera
88
71
37
14
19,3
47,9
58,0
A. benthamiana
10
8
4
2
20,0
50,0
60,0
A. bracteata
9
9
2
2
0,0
77,8
77,8
A. guianensis
31
26
16
10
16,1
38,5
48,4
A. impressa
9
8
1
1
11,1
88,9
88,9
A. laevis
40
37
18
5
7,5
55,0
55,0
A. lehmannii
3
3
2
1
0,0
33,3
33,3
A. macedoana
3
3
0
0
0,0
100,0
100,0
A. maguireana
55
55
32
14
0,0
41,8
41,8
A. myristicoides
35
32
17
10
8,6
51,4
51,4
A. piauhyensis
42
40
12
8
4,8
71,4
71,4
A. saligna
444
411
137
69
7,4
69,1
69,1
A. tomentella
5
5
0
0
0,0
100,0
100,0
A. trinervis
345
316
123
64
8,4
64,3
64,3
Total
1.119
1.024
401
200
8,5
60,8
64,2
80
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 75-89, jan.-abr. 2017
Tabela 3. Nomes e sinônimos das espécies brasileiras de Aiouea Taub. (Lauraceae). Legenda: * = sinônimos ampliados por este estudo. 1. A. acarodomatifera Kosterm. 8. A. macedoana Vattimo-Gil Sem sinônimo
= Aiouea barbellata Kosterm. = Aiouea schwackeana var. bullata Kosterm. = Aiouea schwackeana Mez
9. A. maguireana (C.K. Allen) S.S. Renner
2. A. benthamiana Mez
10. A. myristicoides Mez
= Aiouea brasiliensis var. glabriflora Meisn
= Aiouea pernitida C.K. Allen = Aiouea mocambensis Coe-Teixeira* = Aiouea multiflora Coe-Teixeira*
3. A. bracteata Kosterm.
11. A. piauhyensis (Meisn.) Mez
= Aiouea severini Mez*
= Aiouea severini Mez = Aydendron piauhyense Meisn.*
4. A. guianensis Aubl.
12. A. saligna Meisn.
= Endlicheria maguireana C.K. Allen
= Aiouea guianensis Griseb. ex Meisn. = Aiouea rubra A.C. Sm. = Aiouea demerarensis Kosterm. = Aiouea schomburgkii Meisn. = Laurus hexandra Willdenow* = Laurus difformis Richard* = Aiouea tenella Nees* = Aiouea densijlora Nees*
= Aiouea gaudichaudii Mez = Aiouea elliptica Meisn.* = Aiouea gardneri (Meisn.) Bentham ex Mez* = Aiouea meissneri Mez* = Aiouea warmingii Mez* = Aiouea chapadensis Kosterm.*
5. A. impressa (Meisn.) Kosterm.
13. A. tomentella (Mez) S.S. Renner
= Cinnamomum impressum (Meisn.) Kosterm. = Endlicheria impressa (Meisn.) Mez = Phoebe impressa Meisn. = Aiouea minutiflora Coe-Teixeira*
= Endlicheria tomentella Mez
6. A. laevis (Mart.) Kosterm.
14. A. trinervis Meisn.
= Aiouea scandens Ducke = Aiouea densiflora Nees = Cryptocarya laevis Mart. = Aiouea brasiliensis Meisn. var. glabrifolia Meisn.* = Aiouea brasiliensis Meissner var. attenuata Meisn.* = Aiouea brasiliensis Meisn. var. nitida Meisn.* = Laurus maxima Salzmann ex Meisn.* = Aiouea riedelii Mez*
= Aiouea hassleri Mez = Aiouea hassleri Mez ex Chodat = Aiouea marginata Mez = Cinnamomum sabanae Vattimo-Gil = Aydendron goyazense Meisn.* = Aiouea goyazensis (Meisn.) Bentham ex Mez* = Aiouea burchelliana Mez* = Aiouea hirtella Mez* = Aiouea pruinosa S. Moore* = Aiouea farinosa Mez* = Aiouea rondoni Sampaio* = Aiouea luetzelburgii Mez*
7. A. lehmannii (O.C.Schmidt) S.S. Renner = Nectandra granatensis Mez = Aniba lehmannii O. C. Schmidt* = Aniba granatensis (Mez) Kostermans*
Considerando as 14 espécies, o percentual de perda total foi alto (64,2%), devido principalmente à perda no segundo filtro, ao georreferenciamento e ao determinador (60,8%). No primeiro filtro (F1),
A. bracteata, A. lehmannii e A. maguireana tiveram perda zero e os maiores valores foram para A. benthamiana (20,0%) e A. acarodomatifera (19,3%). No segundo filtro (F2), quatro espécies apresentaram perda muito alta (≥ 70%):
81
Distribuição e conservação das espécies de Aiouea Aubl. (Lauraceae Jussieu) no Brasil
A. impressa, A. piauhyensis, A. macedoana e A. tomentella, sendo que essas duas últimas apresentaram 100% de perda (Tabela 2).
apresentou Oi alta (12,5%), porém bom resultado para o MaxEnt (p < 0,01); e A. laevis, que apresentou valores altos tanto para Oi (20%) quanto para a probabilidade do MaxEnt (p = 1,0). Entre as quatro espécies com 10 a 19 pixels, A. acarodomatifera e A. myristicoides apresentaram bons resultados para os modelos GARP BS e MaxEnt, assim como para o modelo de consenso; para A. maguireana, o MaxEnt não apresentou bons resultados (Oi = 7,1; p = 0,37), porém os modelos de consenso e GARP BS apresentaram resultados melhores. Os resultados para A. guianensis foram ruins, com Oi de 10% e probabilidades muito altas, tanto para o modelo de consenso (p = 0,72) quanto para
AVALIAÇÃO DOS MODELOS Para as quatro espécies com menos de 5 pixels, foi gerado apenas o modelo de dissimilaridade ambiental (valor da distância euclidiana máxima = 0,1) e, por insuficiência de registros qualificados, não foi possível processar a modelagem de A. macedoana e A. tomentella (Tabela 4). Nossos resultados mostraram que os maiores valores de omissão interna (Oi) foram para as espécies com menor número de pixels (entre 5 a 9): A. piauhyensis, que
Tabela 4. Indicadores de qualidade dos modelos aplicados às espécies de Aiouea no Brasil - porcentagem da omissão interna (Oi) e omissão externa média (Om) e área sob a curva (AUC). Para as espécies com menos de 20 pixels, é apresentado o valor da probabilidade oriundo do teste de Poisson-binomial unicaudal. Legendas: DM = distância Mahalanobis; ENFA = Ecological-Niche Factor Analysis; GARP = Genetic Algorithm for Ruleset Prediction; MaxEnt = Maximum Entropy; SVM = Support Vector Machines. Modelos (algoritmos) Espécies
Oi
Consenso
DM AUC
ENFA
(%)
AUC
Om
Om
AUC
A. saligna
1,4
0,95
2,9
0,86
2,9
0,93
A. trinervis
1,5
0,97
3,1
0,89
7,7
0,92
GARP
Om
MaxEnt
SVM
AUC
Om
AUC
Om
AUC
Om
1,4
0,91
8,6
0,86
5,7
0,81
34,6
4,6
0,97
3,1
0,94
3,1
0,87
21,5
Espécies com 20 ou mais pixels
Espécies com 10 a 19 pixels A. acarodomatifera
7,1
< 0,01
-
-
-
-
-
< 0,01
-
< 0,01
A. maguireana
7,1
< 0,01
-
-
-
-
-
< 0,01
-
= 0,37
A. guianensis
10
= 0,72
-
-
-
-
-
= 0,75
-
= 0,22
A. myristicoides
10
< 0,01
-
-
-
-
-
< 0,01
-
< 0,01
A. piauhyensis
12,5
-
-
-
-
-
-
-
-
< 0,01
A. laevis
20
-
-
-
-
-
-
-
-
= 1,0
Espécies com 5 a 9 pixels
Espécies com 1 a 4 pixels A. benthamiana
Modelo de dissimilaridade ambiental: valor da distância euclideana máxima = 0.1
A. bracteata
Modelo de dissimilaridade ambiental: valor da distância euclideana máxima = 0.1
A. impressa
Modelo de dissimilaridade ambiental: valor da distância euclideana máxima = 0.1
A. lehmannii
Modelo de dissimilaridade ambiental: valor da distância euclideana máxima = 0.1 Espécies com zero pixel
A. macedoana
Sem modelo
A. tomentella
Sem modelo
82
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 75-89, jan.-abr. 2017
GARP BS (p = 0,75) e MaxEnt (p = 0,22). Para este grupo de espécies, a Oi revelou ser o melhor discriminador para a geração e a qualidade dos modelos (Tabela 4). Para as duas espécies com 20 ou mais pixels, os resultados da Oi foram excelentes, sendo de 1,4% para A. saligna e 1,5% para A. trinervis. A omissão externa média (Om) e a area under curve (AUC) foram mais harmônicas para A. trinervis e pouco menos para A. saligna. Entretanto, todos os modelos foram bons, exceto SVM, cujos valores de omissão externa média foram muito altos: 34,6% para
A. saligna e 21,5% para A. trinervis. O modelo de consenso mostrou bons resultados para essas espécies (Tabela 4).
SOBRE A DISTRIBUIÇÃO DE AIOUEA NO BRASIL A distribuição geográfica das espécies de Aiouea no Brasil mostra um padrão predominante na Amazônia, sendo que, das 14 espécies consideradas, apenas A. bracteata não tem registro de ocorrência real na Amazônia. A modelagem, no entanto, indica probabilidade da espécie ocorrer neste bioma (Tabela 5).
Tabela 5. Distribuição geográfica das espécies de Aiouea do Brasil. Legendas: DA = dissimilaridade ambiental; MaxEnt = Maximum Entropy. (Continua) Distribuição real
Distribuição potencial
Habitat
Endereço do modelo no Biogeo
MG, RJ, SP, PR, SC
O modelo de consenso de dois algoritmos não extrapolou os limites da ocorrência real
Floresta estacional semidecidual, floresta ombrófila (= floresta pluvial)
http://biogeo.inct.florabrasil. net/txn/23354 (Figura 2A)
AC
O modelo DA ampliou o potencial de ocorrência ao longo de parte do rio Amazonas
Floresta ombrófila (= floresta pluvial)
http://biogeo.inct.florabrasil. net/txn/23355 (Figura 3A)
Mata Atlântica; cerrado
SP
O modelo DA ampliou o potencial de ocorrência nos estados de GO, MS e TO
A. guianensis
Amazônia
AC, AM, AP, RO, RR
A. impressa
Amazônia
AM, PA
O modelo DA ampliou a ocorrência para a Amazônia central
Floresta de terra firme, floresta ombrófila (= floresta pluvial)
http://biogeo.inct.florabrasil. net/txn/23358/? (Figura 3D)
Floresta de terra firme, floresta ombrófila (= floresta pluvial), restinga
http://biogeo.inct.florabrasil. net/txn/23359/? (Figura 2C)
Espécies A. acarodomatifera
A. benthamiana
A. bracteata
Bioma
Estados
Mata Atlântica
Amazônia
Cerrado (lato sensu), http://biogeo.inct.florabrasil. floresta ciliar ou galeria, net/txn/23356 floresta estacional (Figura 3B) semidecidual
O modelo de consenso de dois Floresta de terra firme, algoritmos indicou potencial floresta de várzea, para a Mata Atlântica entre BA floresta ombrófila (= e RN floresta pluvial)
http://biogeo.inct.florabrasil. net/txn/23357 (Figura 2B)
A. laevis
Amazônia, Mata Atlântica
AC, AM, AP, BA, ES, RJ
O modelo MaxEnt ampliou a área de ocorrência na faixa litorânea desde o RS até o extremo do AP. Manchas no MS e RO e em grande parte do PA e do MA
A. lehmannii
Amazônia
AC
O modelo DA ampliou apenas uma faixa do AC em direção ao AM
Floresta de terra firme, floresta ombrófila (= floresta pluvial)
http://biogeo.inct.florabrasil. net/txn/23360/? (Figura 3C)
A. macedoana
Cerrado
TO, GO
Dados insuficientes para a predição
Cerrado (lato sensu)
Sem modelo
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Distribuição e conservação das espécies de Aiouea Aubl. (Lauraceae Jussieu) no Brasil
Tabela 5. Espécies
A. maguireana
(Conclusão) Distribuição real Bioma
Amazônia
Estados
AM
A. myristicoides
Amazônia
AC, AM, AP, PA, MA
A. piauhyensis
Amazônia, cerrado
AM, PA, TO, PB, PI, DF, MS, MT, SP
A. saligna
A. tomentella
A. trinervis
Amazônia, AM, PA, Mata TO, CE, Atlântica, PB, PI, DF, caatinga, MS, MT, SP cerrado
Distribuição potencial
Habitat
Endereço do modelo no Biogeo
O modelo de consenso de dois algoritmos ampliou áreas potenciais em todo AM, parte de RR e de AP; focos em PA, RO e MT
Campinarana, floresta de terra firme, floresta ombrófila (= floresta pluvial), savana amazônica
http://biogeo.inct.florabrasil. net/txn/23362/? (Figura 2D)
O modelo de consenso de dois algoritmos indicou potencial de Floresta de terra firme, ocorrência na Mata Atlântica floresta ombrófila (= do ES até CE e manchas em floresta pluvial) RO e TO
http://biogeo.inct.florabrasil. net/txn/23363/? (Figura 2E)
O MaxEnt apenas ampliou as áreas potenciais próximas aos pontos de coleta
Cerrado (lato sensu), http://biogeo.inct.florabrasil. floresta ciliar ou galeria, net/txn/23364/? floresta estacional (Figura 2F) semidecidual
O consenso de cinco Caatinga (stricto sensu), algoritmos ampliou bastante cerrado (lato sensu), http://biogeo.inct.florabrasil. as áreas potenciais para floresta estacional net/txn/23365/? todo o Brasil, com menor semidecidual, floresta (Figura 1A) probabilidade em outros ombrófila (= floresta estados do Nordeste e de pluvial), restinga parte do AM, MT, PA, RR e TO
Amazônia
AM, PA
Dados insuficientes para a predição
Amazônia, cerrado
PA, TO, GO, MS, MT, SP, PR, RS
O consenso de cinco algoritmos ampliou bastante as áreas potenciais para todo o Brasil, com menor probabilidade apenas na região Sul e em grande parte da Amazônia
A. saligna é a espécie com maior distribuição geográfica. Ela apresentou ocorrência real registrada na Amazônia, na Mata Atlântica, em caatinga e no cerrado, tendo ainda potencial para ocorrer em todo o território brasileiro, com menor probabilidade apenas em parte da caatinga nordestina. Segundo Santos & Alves (2013), a espécie é exclusiva de áreas montanhosas (Tabela 5). A. guianensis, A. laevis e A. myristicoides tiveram ocorrência potencial ampliada para Mata Atlântica; a distribuição potencial de A. trinervis também foi ampliada
Floresta de terra firme, floresta de várzea, floresta ombrófila (= floresta pluvial)
Sem modelo
Cerrado (lato sensu), floresta ciliar ou galeria, http://biogeo.inct.florabrasil. floresta estacional net/txn/23367/? semidecidual, floresta (Figura 1B) ombrófila (= floresta pluvial)
para grande parte do território brasileiro, exceto para a Amazônia e para os pampas sulinos. Tanto a ocorrência real quanto a potencial de A. acarodomatifera estão restritas à Mata Atlântica. A. macedoana tem ocorrência real em Goiás e em Tocantins, porém os dados foram insuficientes para a distribuição potencial. Nos pampas sulinos, não existem, até o momento, registros de ocorrência real de Aiouea, porém a modelagem indica potencial para ocorrência de A. benthamiana, A. laevis, A. lehmannii e A. saligna.
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Figura 1. Distribuição potencial das espécies de Aiouea com 20 ou mais pixels: A) A. saligna (n = 69 pixels); B) A. trinervis (n = 65 pixels). As cores representam áreas de concordância entre os algoritmos: vermelho = 5 algoritmos; laranja = 4 algoritmos; amarelo = 3 algoritmos; azul = menos de 3 algoritmos.
Figura 2. Distribuição potencial das espécies de Aiouea com 5 a 19 pixels: A) A. acarodomatifera (n = 14 pixels); B) A. guianensis (n = 10 pixels); C) A. laevis (n = 5 pixels); D) A. maguireana (n = 14 pixels); E) A. myristicoides (n = 10 pixels); F) A. piauhyensis (n = 8 pixels). As cores representam áreas de concordância entre os algoritmos: vermelho = 2 algoritmos; azul = menos de 2 algoritmos.
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Distribuição e conservação das espécies de Aiouea Aubl. (Lauraceae Jussieu) no Brasil
Figura 3. Distribuição potencial das espécies de Aiouea com menos de 5 pixels: A) A. benthamiana (n = 2 pixels); B) A. bracteata (n = 2 pixels); C) A. lehmannii (n = 1 pixel); D) A. impressa (n = 1 pixel).
ENDEMISMO, RARIDADE E CONSERVAÇÃO Cerca de 43% das espécies (6 spp.) de Aiouea deste estudo são endêmicas do Brasil, cinco delas já constatadas na LFB (JBRJ, s. d.) (A. acarodomatifera, A. bracteata, A. macedoana, A. piauhyensis e A. saligna). A. myristicoides não está relatada como endêmica do Brasil na LFB (JBRJ, s. d.), contudo não foram encontradas amostras em outros países entre os dados analisados (Tabela 6). A. saligna e A. trinervis não apresentaram nenhum nível de raridade, pois possuem distribuição larga,
habitat amplo e populações abundantes. Esse resultado corrobora a classificação dessas espécies na IUCN (2015) e na LVFB (JBRJ, 2015), onde constam na categoria de ‘pouco preocupante’. A. benthamiana, A. bracteata e A. macedoana apresentaram o maior nível de raridade, com distribuição estreita, habitat restrito e populações escassas (Tabela 6); esses resultados corroboram a presença dessas espécies nas duas listas vermelhas consultadas (JBRJ, 2015; IUCN, 2015); contudo, é necessário elevar o grau de
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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 75-89, jan.-abr. 2017
Tabela 6. Situação de endemismo, conservação, raridade e modelos de distribuição potencial gerados para as espécies brasileiras de Aiouea. Legendas: DD = dados insuficientes; EN = em risco; LC = pouco preocupante; VU = vulnerável; NE = não avaliada. Endemismo
Vulnerabilidade Distribuição
Habitat
Populações
Classificação deste estudo
LC
Estreita
Amplo
Escassa
Raridade preocupante
LC
Estreita
Restrito
Escassa
Maior nível de raridade
Populações/sp.
LFB (JBRJ, s. d.)
Este estudo
LVFB
IUCN
A. acarodomatifera
Sim
Sim
LC
A. benthamiana
Não
Não
EN
A. bracteata
Sim
Sim
VU
VU
Estreita
Restrito
Escassa
Maior nível de raridade
A. guianensis
Não
Não
NE
NE
Estreita
Amplo
Escassa
Raridade preocupante
A. impressa
Não
Não
NE
NE
Estreita
Amplo
Escassa
Raridade preocupante
A. laevis
Não
Não
NE
NE
Estreita
Amplo
Escassa
Raridade preocupante
A. lehmannii
Não
Não
EN
LC
Estreita
Amplo
Escassa
Raridade preocupante
A. macedoana
Sim
Sim
DD
VU
Estreita
Restrito
Escassa
Maior nível de raridade
A. maguireana
Não
Não
NE
NE
Estreita
Amplo
Escassa
Raridade preocupante
A. myristicoides
Não
Sim
NE
NE
Estreita
Amplo
Escassa
Raridade preocupante
A. piauhyensis
Sim
Sim
LC
NE
Estreita
Amplo
Escassa
Raridade preocupante
A. saligna
Sim
Sim
NE
NE
Larga
Amplo
Abundante
Sem raridade
A. tomentella
Não
Não
NE
NE
Estreita
Amplo
Escassa
Raridade preocupante
A. trinervis
Não
Não
LC
NE
Larga
Amplo
Abundante
Sem raridade
preocupação referente à A. benthamiana, na IUCN, e à A. macedoana, na LVFB. Esta última espécie possui dois únicos registros, bem restritos, sendo um para Goiás e outro para Tocantins. As outras nove espécies apresentaram distribuição estreita, habitat amplo e populações escassas, o que indica alto grau de preocupação em relação às situações de conservação. Todavia, essas espécies são classificadas como ‘pouco preocupantes’ ou ‘não avaliadas’ pela LVFB (JBRJ, 2015) e pela IUCN (2015), com exceção para A. lehmannii, considerada ‘em risco’ pela LVFB (JBRJ, 2015) (Tabela 6). O confronto desses resultados sugere uma revisão dessas espécies nas listas vermelhas, aumentando, assim, o potencial de conservação para cada uma delas.
que, das 14 espécies consideradas, apenas A. bracteata não tem registro de ocorrência real na Amazônia, entretanto a modelagem indica probabilidade de ela ocorrer neste bioma. Os modelos de distribuição geográfica potencial ampliaram as áreas de ocorrência para A. saligna, A. guianensis, A. laevis, A. myristicoides e A. trinervis. Todas as espécies de Aiouea no Brasil possuem algum grau de raridade, exceto A. saligna e A. trinervis, que possuem larga distribuição geográfica, ampla utilização de diferentes habitats e populações grandes.
AGRADECIMENTOS À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), pelo apoio financeiro e por concessão de bolsa de doutorado ao primeiro autor; ao Centro de Referência em Informação Ambiental (CRIA), na pessoa de R. Giovanni, pelo apoio com a modelagem; e ao Programa de Pós-Graduação da Rede Bionorte, núcleo Belém, Pará.
CONCLUSÃO A distribuição geográfica das espécies de Aiouea no Brasil mostra um padrão predominante na Amazônia, sendo
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Distribuição e conservação das espécies de Aiouea Aubl. (Lauraceae Jussieu) no Brasil
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Contextualização geológica da porção sudoeste do Sistema Aquífero Boa Vista, estado de Roraima, Brasil, a partir de sondagens elétricas verticais rasas Geological setting of the Southwestern Boa Vista Aquifer, State of Roraima, Brazil, from shallow vertical electric sounding Lena Simone Barata SouzaI, Franklin Williams Silva de CarvalhoI I
Universidade Federal de Roraima. Boa Vista, Roraima, Brasil
Resumo: A configuração de zonas permoporosas na porção sudoeste do Sistema Aquífero Boa Vista, no estado de Roraima, localizada no campus Paricarana, da Universidade Federal de Roraima, a partir da execução de vinte sondagens elétricas verticais, distinguiu eletricamente o comportamento do conteúdo litológico da Formação Boa Vista, amplamente distribuído na área (argilitos com ρa < 1.000 Ω.m, arenitos com 1.000 < ρa < 20.000 Ω.m e concreções lateríticas ferruginosas com ρa > 50.000 Ω.m). Estes resultados permitiram identificar sete padrões geoelétricos, entre os quais os padrões 1 e 3 (SW e WNW) configuraram as melhores zonas permoporosas da área, devido aos indícios de concentrações lateríticas porosas, que são circundadas por materiais argilosos de regiões com evidências quanto à presença de paleolagos e de lagos sazonais, extremamente arenosos. Os padrões 2, 4 e 6 (NW, centro-oeste, N e NE) representaram as zonas de moderada expressividade, pois indicaram presença de materiais areno-argilosos com até 10 m de profundidade. Os padrões 5 e 7, por sua vez, embora estejam amplamente distribuídos no campus (NW, NE, SE e SW), configuraram zonas permoporosas com pouco potencial aquífero, pois apontaram para maior predominância de materiais argilosos, os quais podem funcionar como camada selante, protegendo a possível zona detentora de água da contaminação superficial. Palavras-chave: Zonas permoporosas. Sistema Aquífero Boa Vista. Sondagem elétrica vertical. Padrão geoelétrico. Abstract: Twenty vertical electrical sounding profiles were executed during the dry season in the Paricana campus of the Federal University of Roraima. Three geoelectrical units were identified: (a) the lower resistivity unit with values ρa< 1,000 Ω.m attributed to mudstone layers; (b) the middle resistivity unit with values 1,000 Ω.m < ρa < 20,000 Ω.m attributed to sandstone layers; and (c) higher resistivity unit with values ρa > 50,000 Ω.m attributed to lateritic ferruginous concretions and/or ferruginous sandstones. From these three units, seven geoeletrictal patterns can be seen. Patterns 1 and 3 (located in the SW and WNW of the study area) configure the best permoporosity zone in the area because the pore-bearing lateritic concretions are neighboured by paleolakes and actual seasonal lakes. In addition, these patterns 1 and 3 display an extremely sand-grained character. Patterns 2, 4 and 6 (NW, mid-eastern, N and NE) present moderate permoporosity because clay-bearing materials are interpreted as reaching to 10 m depth. Patterns 5 and 7 are attributed to a predominance of clay-bearing material in such a way that it acts as a sealant material to the aquifer protecting it from contamination from the surface. Keywords: Permoporosity zones. Boa Vista Aquifer. Vertical electrical souding. Geoelectrical pattern.
SOUZA, L. S. B. & F. W. S. CARVALHO, 2017. Contextualização geológica da porção sudoeste do Sistema Aquífero Boa Vista, estado de Roraima, Brasil, a partir de sondagens elétricas verticais rasas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais 12(1): 91-107. Autora para correspondência: Lena Simone Barata Souza. Universidade Federal de Roraima. Instituto de Geociências. Departamento de Geologia. Campus Paricarana. Av. Cap. Ene Garcez, 2413 – Aeroporto. Boa Vista, RR, Brasil. CEP 69310-000 (lenabarata@yahoo.com.br). Recebido em 05/01/2017 Aprovado em 24/03/2017 Responsabilidade editorial: Fernando da Silva Carvalho Filho
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Contextualização geológica da porção sudoeste do Sistema Aquífero Boa Vista, estado de Roraima, Brasil, a partir de sondagens elétricas verticais rasas
INTRODUÇÃO A falta de água é uma dificuldade cada vez mais severa mundialmente, em virtude do consumo excessivo de água bruta, das mudanças climáticas, da poluição da água e do consumo insustentável dos recursos hídricos (Lima et al., 2011). A partir de meados do século XX, houve aumento desenfreado pela busca por água, fato este vinculado ao crescimento inadequado da população nos grandes centros urbanos (May, 2004; Tucci, 2008). Embora haja elevados índices de precipitação, a disponibilidade hídrica na Amazônia ocidental tem decrescido em 43%, entre 1980 e 2007, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA, 2013). Os aquíferos têm demonstrando papel primordial no suprimento de água para as cidades brasileiras, onde é crescente a demanda de abastecimento, uma alternativa viável que garante o fornecimento contínuo de água para a sociedade. O uso deste recurso de forma desordenada e sem planejamento pode comprometer esta provisão, tendo em vista que os reservatórios de águas subterrâneas, uma vez contaminados, podem inviabilizar o consumo de sua água para o abastecimento humano. Desta forma, o conhecimento das propriedades físicas e/ou químicas de cada aquífero é necessário para que haja melhor planejamento e gerenciamento destas reservas, visando ao menor impacto e à sua conservação (Ellert, 2013; Rebouças, 2013; Braga, 2016). O uso de reservatórios subterrâneos para o abastecimento em áreas urbanas e rurais tem se tornado cada vez mais constante, haja vista que as fontes superficiais, como rios e lagos, já não conseguem atender à necessidade em relação a este recurso (Gallas, 2003). Somada a este fator, a introdução de métodos geofísicos na investigação de zonas aquíferas tem se tornado mais frequente, entre os quais o levantamento elétrico, por meio da eletrorresistividade (ER), possui destaque neste quesito de investigação, permitindo otimizar custos e tempo para a detecção de regiões de maior favorabilidade hídrica na alocação de poços tubulares (Mendes & Verma, 2002; Madrucci et al., 2005; Souza & Verma, 2005). Os dados elétricos insinuam o contexto
geológico em subsuperfície, que, combinados com dados de sensoriamento remoto, geológicos e de poços, possibilitam maior confiabilidade ao estudo realizado. No contexto do município de Boa Vista, capital do estado de Roraima, o Sistema Aquífero Boa Vista (SABV) é responsável pelo abastecimento de 70% da população local, que, por meio de diversos poços tubulares, garante o suprimento hídrico aos boavistenses (Wankler et al., 2012). Apesar de ter grande parcela no fornecimento urbano e rural, o conhecimento deste aquífero ainda é bastante limitado, o que reforça a necessidade de estudos voltados ao estabelecimento da geometria das zonas permoporosas que o constituem. Desse modo, este estudo tem a finalidade de distinguir e de caracterizar tais zonas que demonstrem o potencial aquífero no referido município.
ÁREA DE ESTUDO A capital Boa Vista, no estado de Roraima, limita-se a norte, com Amajari; a leste, com Bonfim e Cantá; a oeste, com Alto Alegre; e a sul, com Mucajaí. As vias de acesso à capital podem ser feitas pelas rodovias BR-174, BR-401 e RR-205. A cidade está situada à margem esquerda do rio Branco, que é o principal manancial hídrico regional; entre seus afluentes, destaca-se o rio Cauamé (Figura 1A). A parte urbana boavistense, segundo Souza et al. (2010), é subdividida hidrograficamente em seis microbacias: igarapés Caranã, Caxangá, Grande, Mirandinha, Pricumã e Frasco (Figura 1B). A porção noroeste do perímetro urbano desta cidade é o foco da presente pesquisa, realizada na área do campus Paricarana, da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Esta área, por sua vez, é cortada pelo igarapé Frasco, podendo ser, ocasionalmente, um dos agentes contribuidores para as zonas permoporosas ao SABV. Foi realizado estudo eletrorresistivo nos perímetros da UFRR (Figuras 1B-1C). A área abrange cerca de 1 km², sendo possível observar a presença de paleolagos; também se verificou que nos contornos da região em estudo existe maior influência da microbacia do igarapé Frasco, onde sua drenagem alimenta alguns lagos sazonais.
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Figura 1. Área de estudo. A) Limites municipais da cidade de Boa Vista; B) microbacias hidrográficas urbanas de Boa Vista, com destaque para a área de estudo (modificado de Souza et al., 2010); C) fotografia aérea da cidade de Boa Vista, demonstrando o igarapé que corta a área de estudo (modificado de MEPA, s. d.).
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Na área de estudo, o nível freático tem, em média, 6,3 m de profundidade, apresentando, na região do campus, nível de 3,5 m (Ávila, 2007). No inverno, esta configuração muda e o nível chega a aflorar em algumas porções.
SISTEMA AQUÍFERO BOA VISTA (SABV) A gama de informações sobre o Sistema Aquífero Boa Vista é extremamente baixa e pontual. A Agência Nacional de Águas (2013) o coloca nos países da Guiana (40%) e no Brasil (60%). Na porção brasileira, está localizado no extremo Norte. Wankler et al. (2012) retratam o sistema como dominantemente intergranular, ocorrendo na maior parte do município de Boa Vista (Figura 2). A espessura dele varia de 15 m (Reis et al., 2003) até 120 m (Vaz et al., 2007). Geologicamente, é constituído pelas formações Serra do Tucano (Cretáceo), Boa Vista (Terciário), Areias Brancas (Quaternário) e por depósitos fluviais coluvionares e aluvionares (Quaternário). A Formação Boa Vista alonga-se por toda a extensão do aquífero e, consequentemente, perfaz todo o município. Ela é caracterizada por ambiente sedimentar flúvio-aluvionar, composta por intercalações de argilitos, siltitos, arenitos, conglomerados e concreções lateríticas, apresentando espessura média no município e no entorno de cerca de 40 m. Rochas basálticas e andesíticas associadas ao Complexo Vulcânico Apoteri do Triássico compõem a base do aquífero e da deposição dos sedimentos mesozoicos e cenozoicos na área do Hemigraben Tacutu (CPRM, 2002; Reis et al., 2003). Perfurações de poços na área de Boa Vista demonstraram gradação normal sedimentar (areias grossa e fina, argila e silte), sendo a porção leste predominantemente arenosa e a oeste, dominada por camadas argilosas. A associação desta sedimentação à vazão específica (média de 3,5 m3/h/m) mostrou maior produtividade do aquífero na região leste em comparação ao centro-oeste do município. Essa anisotropia dá ao aquífero caráter majoritariamente livre a semiconfinado ou, ainda, confinado (CPRM, 2002). Segundo a CPRM (2002), as características químicas do aquífero na área urbana de Boa Vista são de águas
Figura 2. Sistema Aquífero Boa Vista (SABV) no município de Boa Vista (modificado de Wankler et al., 2012).
cloretadas sódicas, ácidas, com pH de 3,6-4,9, e condutividade elétrica variando de 8,3-119,5 µS/cm. Valores superiores a 50 µS/cm foram registrados na zona leste, a qual possui maior densidade populacional. Tais valores são indicativos de contaminação, em virtude de
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infiltração de águas servidas e das fossas domésticas para o aquífero sotoposto. O nível freático deste sistema é elevado, aumentando, portanto, sua vulnerabilidade à contaminação. É válido mencionar que na zona leste foram registrados os maiores valores de nitrato (> 2 mgN/L), mesmo que com resultados abaixo do máximo permitido (10 mgN/L). A potencialidade à contaminação das águas subterrâneas inclui, ainda, as zonas sul e sudoeste da cidade, uma vez que ali o subsolo mostra-se permeável, sendo que o lençol freático é mais raso no período de estiagem (1,4-4,0 m de profundidade) (Ávila, 2007).
sendo amplamente eficiente no estudo de aquíferos (Mendes & Verma, 2002; Souza & Verma, 2005). O desenrolar da coleta foi feito de modo sistemático, a fim de se alcançar um levantamento correto, observando a integridade dos cabos utilizados e as distâncias entre os eletrodos, cujos espaçamentos foram regularmente distribuídos em escala métrica. O dispositivo de medida é composto de dois eletrodos metálicos de corrente (A e B), ambos conectados por cabos a uma fonte de corrente elétrica contínua ou alternada, de baixa frequência, disposta em série a um amperímetro, e por dois eletrodos de potencial (M e N), conectados em série a um voltímetro. Os quatros eletrodos são cravados no solo (Figura 3, A-B). Em seguida, mede-se a diferença de potencial (∆V) natural/espontâneo do terreno, para estabilização do equipamento, até zerá-lo completamente. Após a estabilização, mede-se o valor de resistência elétrica (R) através da fórmula R = ∆V/I, com medida em Ω (sendo ∆V = diferença de potencial elétrico entre os eletrodos de potencial e I = corrente contínua aplicada entre os eletrodos de corrente), a qual é anotada na ficha de campo para auxiliar no cálculo da resistividade aparente (ρa), utilizando-se, para isto, a equação ρa= k.R, dada em Ω.m (onde k = coeficiente geométrico dependente do arranjo dos eletrodos na superfície e R = resistência elétrica). Ao término deste cálculo, foram plotados os valores de ρa na ficha, configurando-se, assim, o esboço da curva de campo (em escala bi-log) para uma avaliação inicial do comportamento do terreno (camadas resistivas e/ou condutivas). Ruídos culturais locais foram cuidadosamente registrados, com o intuito de avaliar a sua interferência nas informações obtidas (tubulações de ferros, fiações elétricas/telefônicas). A técnica foi baseada na aquisição de vinte SEV, com distâncias mínimas entre os eletrodos de corrente igual a 2 m (AB/2 = 1 m) e a máxima correspondente a 48 m (AB/2 = 24 m). As ρa foram processadas usando-se o programa de inversão IPI2Win, desenvolvido pela GEOSCAN-M Ltd. No entanto, devido à rasa
MATERIAIS E MÉTODOS O mapeamento das zonas permoporosas na área do campus Paricarana, da UFRR, pertencentes ao SABV em sua porção SW, tomou como principal ferramenta o ensaio eletrorresistivo (ER), além das imagens de sensoriamento remoto (SR), de dados litológicos de poço e da geologia local. Os produtos de SR empregaram imagens do satélite Landsat 8, disponibilizados pelo Serviço Geológico americano (dos Estados Unidos) (USGS, s. d.) e pelo software Google Earth Pro. As imagens Landsat foram adquiridas em 15 de setembro de 2014, georreferenciadas e corrigidas em relação à cena 232/058 (órbita/ponto). Os produtos das imagens resultaram da composição de bandas Red Green Blue-RGB (R4G3B2), com resolução espacial de 30 m, e da fusão das bandas R4G3B2, com a banda 8 (pancromática), derivando na resolução espacial de 15 m. Os produtos do Google Earth Pro consistiram nas imagens feitas em janeiro de 2015. O processamento das imagens de SR ocorreu com auxílio dos softwares ArcGis e ENVI. A coleta dos dados geofísicos na região do campus Paricarana tomou como base a técnica de levantamento de ER, a partir da sondagem elétrica vertical (SEV), com arranjo Schlumberger, fazendo-se uso do aparelho do resistivímetro Megger Biddle 63241 Earth Tester (Null Balance), pertencente ao Instituto de Geociências, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Esta técnica foi aplicada na área de estudo em razão da existência de terrenos sedimentares,
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Figura 3. Coleta de dados em campo exemplificando o dispositivo de leitura Schlumberger.
PADRÕES GEOELÉTRICOS
profundidade investigada, não foram feitas inversões das curvas de ρa, mas os valores de resistividade elétrica serviram de base para fornecer uma visualização geoelétrica local da distribuição litológica dos depósitos do Terciário e do Quaternário (Formação Boa Vista e terraços aluvionar e coluvionar atuais), além de possibilitar inferir, mesmo que de forma hipotética, sobre a expressão das zonas permoporosas do SABV em subsuperfície.
Padrão 1 (SEV 1) Presente na região SW, próximo ao Complexo do Insikiran (Figura 4). A sondagem alcançou 24 m de profundidade e valores de ρa elevados, variando de 7.000 a 62.000 Ω.m. De início, entre 1,0-1,8 m, o gráfico apresenta convexidade sem denotar muita suavidade; posteriormente, de 1,8-10 m de profundidade, é visível o crescimento progressivo muito proeminente dos valores de resistividade, atingindo pico de 62.790 Ω.m. Em seguida, de 10-13 m, percebe-se queda bastante acentuada, para valores de 10.614 Ω.m, com variação em torno de 52.176 Ω.m; em um último momento, de 13-24 m, o gráfico demonstra novamente variação, apresentando crescimento de 13-18 m (10.000 ≤ ρ a≤ 20.000 Ω.m); com as profundidades superiores a 18 m, a ρ a decai e atinge valores de 16.000 Ω.m (Figura 5A).
CONTEXTUALIZAÇÃO GEOÉLETRICA O mapeamento geofísico executado na porção noroeste do SABV, região do campus de Paricarana, da UFRR, distinguiu eletricamente sete padrões geoelétricos, em função da similaridade do comportamento da maioria das curvas de resistividade, além da analogia moderada dos valores médios de ρa e, por fim, da localização da SEV (Figura 4). A distinção destes padrões implica a disposição e a dinâmica das possíveis zonas permoporosas na porção sudoeste do SABV.
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Figura 4. Mapa de ponto das SEV (campus Paricarana/UFRR).
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Padrão 2 (SEV 3) Localizado na porção NW, próximo ao Bloco VII (Figura 4). A profundidade máxima de alcance da sondagem foi de 5,5 m. O gráfico gerado a respeito deste padrão apresenta geometria serrilhada não contínua e com tendência decrescente, com ρa elevadas, variando de 7.000-19.000 Ω.m. A geometria da curva reflete alternância dos valores de ρa, ora cresce e ora diminui. De início, nas profundidades de 1,0-1,3 m, observa-se variação de 8.168 Ω.m (iniciando em 19.614 Ω.m e caindo para 11.446 Ω.m). No intervalo de 1,8-3,2 m, há diminuição do valor de ρa, aspecto observado também em profundidade de 5,5 m, situação em que a leitura atingiu valores inferiores a 8.000 Ω.m (Figura 5B). Segundo Kearey et al. (2009), materiais argilosos (argilito) e arenosos (siltitos e arenitos) mostram resistividades baixa e alta, respectivamente. Desta forma, podemos deduzir que o comportamento serrilhado da curva reflete a intercalação de argilitos e arenitos, os quais são predominantes na Formação Boa Vista.
O quadro elétrico do padrão 1 oferece analogia aos depósitos sedimentares da Formação Boa Vista, a qual é constituída basicamente por sedimentos arenosos com cimento argiloso, intercalados a camadas conglomeráticas, sendo que em toda a sequência sedimentar são encontrados níveis lateríticos (Beserra Neta & Tavares Junior, 2008; Pinto et al., 2012; Reis et al., 2003). Assim, os respectivos valores de resistividade demonstraram que, nas camadas inferiores a 10 m de profundidade, há granodecrescência dos sedimentos arenosos (arenitos e siltitos), indicando crescimento desses valores. É importante salientar que os maiores valores de resistividade registrados no campus foram deste padrão (em torno de 60.000 Ω.m). Esta condição elétrica pode ser relacionada ao arenito ferruginoso/ concreções lateríticas ferruginosas observado no mapeamento geológico local, bem como a seixos milimétricos e dessimétricos dispostos in situ e/ou rolados (Figura 6A). O paleossolo laterítico caracterizado eletricamente na região nordeste do estado do Pará apresentou elevado valor de resistividade elétrica, devido à alta porosidade e por se encontrar fraturado (Souza, 2010; Souza et al., 2013). Esta condição física foi também observada nas concreções lateríticas do campus Paricarana. O fraturamento deste material está relacionado às reativações do sistema Hemigraben do Tacutu, por falhamentos transcorrentes e normais, refletidos na presença de zonas de concreções lateríticas sobre as rochas das formações Apoteri e Boa Vista (Pinto et al., 2012). Assim, o processo da laterização sobre as rochas pré-existentes consolidou as concreções destas formações, dando, consequentemente, um caráter altamente poroso, corroborando os altos índices de resistividade, associados ao padrão geolelétrico 1. Em relação à expressiva queda dos valores de ρa, entre 10-13 m, infere-se que seja uma possível franja capilar, denotando a presença de sedimentos extremamente arenosos a esta profundidade. Essa especulação é amplamente difundida na literatura (por exemplo, em Braga, 2016).
Padrão 3 (SEV 15, 9 e 12) Localizado nas faixas WNW (SEV 15) e SW (SEV 9 e 12) (Figura 4), destaca-se por apresentar resistividades elevadas e constantes, com valores em torno de 7.00010.000 Ω.m. Nem todas as sondagens que estão contidas neste padrão atingiram as profundidades máximas de 24 m, exceto pela SEV 9; já as SEV 12 e 15 alcançaram profundidades correspondentes a 4,2 m e 10 m, respectivamente. Entre as três sondagens realizadas, as SEV 9 e 12 foram as que exibiram comportamento elétrico com mudanças pouco acentuadas, onde demonstram alternância decrescente das ρa a profundidades de 1,0-4,2 m, com variações em torno de 3.000 Ω.m, sendo que a geometria da SEV 9 mostra concavidade bastante suave, entre 4,2-24 m. No entanto, a curva da SEV 15 tem comportamento predominantemente retilíneo quando exposta à profundidade de 1,0-7,5 m; somente aos 7,510 m expõe queda de resistividade pouco proeminente, saindo de 8.679 Ω.m para 5.375 Ω.m (Figura 5C).
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Padrão 5 (SEV 2, 13, 16, 17 e 20) Presente nas zonas NW (SEV 2, 16, 17 e 20) e SW (SEV 13) (Figura 4), o padrão apresenta ρa em torno de 800-6.000 Ω.m, e o cume extremo da profundidade investigada foi de 24 m, com exceção apenas da SEV 13, que atingiu 18 m. As SEV 2 e 16 possuem ρa elevadas em relação à SEV 20, já as SEV 13 e 17 são as mais baixas (Figura 5E). Ao analisarmos as cinco sondagens, a SEV 20 apresenta leve concavidade, com valores entre 1,02,4 m de profundidade. A partir de 2,4 m até 24 m, observa-se decrescimento suave da ρa, de 5.012 Ω.m para 760 Ω.m. Logo, as SEV 16 e 17 têm geometrias similares, ambas iniciando na faixa de 4.000 Ω.m, a 1,0 m de profundidade, e terminando em 3.000 Ω.m, aos 24 m. Vale destacar que a SEV 17 tem convexidade mais resistiva na faixa de 1,8-18 m, onde as ρa chegam a valores em torno de 6.000 Ω.m, enquanto a SEV 16 apresenta formato convexo menos acentuado no intervalo de 2,4-18 m, cuja resistividade aparente fica próxima a 4.000 Ω.m. As SEV 2 e 13 mostram geometrias semelhantes, no entanto os valores de ρa na SEV 13 são moderadamente elevados, com médias entre 2.946-5.713 Ω.m. Todavia, a SEV 2 fica com médias de 2.462-4.395 Ω.m. A SEV 13, portanto, ainda possui comportamento mais acentuado em relação à SEV 2 (Figura 5E). De modo geral, o padrão 5 apresenta o formato que lembra uma cunha em direção ao norte da área, sendo seus flancos associados às SEV 13 e 17, as quais são mais resistivas às primeiras profundidades, inferindo o comportamento arenoso ao material; à medida em que aumenta a profundidade de investigação, a resistividade diminui, supondo-se a presença de material areno-argiloso (Figura 6B). Nas proximidades da extremidade da cunha, referentes às SEV 2 e 16, denotam-se resistividades medianas, sugerindo-se que o material tenha caráter areno-argiloso em todas as profundidades, isto é, de 1,0-24 m. A SEV 20 representa a charneira da cunha, onde foi discriminado o menor valor de ρa (760 Ω.m), na
Em geral, o conteúdo elétrico do padrão 3 tem comportamento levemente retilíneo, com variações de ρa discretas ao longo da profundidade. Os valores de resistividade denotam caráter relacionado a materiais resistivos típicos de sedimentos arenosos (Figura 6B). Ávila (2007), por meio dos trabalhos de perfurações de poços realizados na cidade de Boa Vista, identificou maior predominância de níveis arenosos em relação aos argilosos no campus Paricarana; o presente mapeamento elétrico confirma isto.
Padrão 4 (SEV 10) Posicionado na região centro-oeste. Nele, as resistividades aparentes ficaram entre 2.000-9.000 Ω.m e a profundidade máxima do estudo foi de 13 m. O delineamento da curva de ρa, entre 1,0-4,2 m, demonstra forma serrilhada decrescente, saindo de 9.424-2.013 Ω.m. Posteriormente, de 4,2-13 m, o gráfico tem crescimento progressivo bastante suave, atingindo 8.480 Ω.m (Figuras 4 e 5D). Apesar de este padrão estar intimamente posicionado na região do padrão 3, existem duas situações que impossibilitaram agrupar a SEV 10 nele. A primeira diz respeito à geometria serrilhada da curva (profundidades ≤ 4,2 m), e a segunda, aos valores de resistividade de 7.000 ≤ ρa ≤ 10.000, que são peculiares às sondagens do padrão 3. A variação inicial dos valores de resistividade nas profundidades inferiores a 4,2 m mostra provável intercalação de materiais arenosos e argilosos. Subsequentemente, o crescimento das ρ a em profundidades maiores que 4,2 m mostra predominância de material com características mais arenosas. Estas implicações estão embasadas na literatura geofísica, através das observações feitas, por exemplo, por Parasnis & Orellana (1970), Parasnis (1971) e Braga (2016). O comportamento geofísico deste padrão sugere a ciclicidade de deposição de sedimentos arenosos e argilosos (Figura 6B) em ambiente flúvio-aluvionar, amplamente distribuída ao longo da Formação Boa Vista (Reis et al., 2003; Wankler et al., 2012).
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profundidade de 24 m. Este valor pode estar relacionado à proximidade com antigas planícies de inundação do igarapé Frasco, que tem caráter sazonal (Figura 6C). Assim, esta feição geomorfológica engloba sedimentos que variam a granulometria de fina a grosseira, ou seja, materiais argiloso e arenoso (Suguio, 1980; Grotzinger & Jordam, 2013). É de suma importância retratar ainda que o perfil litológico construído próximo ao restaurante universitário (RU) do campus demonstra que, até 3 m de profundidade, o material predominante é de granulometria de areia, ora argilosa ora siltosa, cuja a porção basal é marcada pela presença de nódulos avermelhados (resquícios de concreções lateríticas ferruginosas), que distam de 10 a 15 cm uns dos outros (Figuras 7A e 7B). Essa litologia corrobora a ideia de que pelo menos até os primeiros 3 m há material com características resistivas, conforme identificado nos dados de sondagem elétrica. A partir desta profundidade, o nível do lençol freático começa a aflorar (Figuras 7A e 7C). Logo, o comportamento elétrico descrito e o aparecimento do nível d’água comprovaram que o subsolo é permeável e que, em períodos de estiagem, a água começa a brotar em torno de 4 m de profundidade, legitimando os dados de Ávila (2007), mas fazendo uso de metodologias indiretas de investigação.
Padrão 6 (SEV 4, 5 e 6) Este padrão está localizado no extremo norte e na região nordeste (SEV 4, 5 e 6, com ρa entre 2.000-6.000 Ω.m) da área estudada. As SEV 4 e 6 atingiram 24 m de profundidade, e a SEV 5 foi investigada até 7,5 m de profundidade (Figuras 4 e 5F). Os gráficos das SEV 4 e 6 têm geometrias semelhantes, iniciando com ρa na faixa de 4.000 Ω.m; posteriormente, as curvas mostram formatos côncavos, sendo que, na SEV 4, são mais acentuadas nos intervalos de 1,3-7,5 m de profundidade e, na SEV 6, nos intervalos de 1,8-4,2 m. Ambas configuram quedas acentuadas, na SEV 4 ocorre aos 7,5-10 m, com valores entre 3.530-1.067 Ω.m, e na SEV 6 esse declínio é observado entre 4,2-5,5 m, com ρa indo de 3.202-1.518 Ω.m. Sucessivamente, nota-se o aumento progressivo dos valores de resistividade atingindo
resultados inferiores a 4.500 Ω.m. Entretanto, na SEV 6, esta progressão não é tão expressiva a partir dos 13 m. A SEV 5 evidencia queda abrupta nas profundidades inferiores a 2,0 m, com ρa entre 6.715-1.796 Ω.m. Em seguida, a curva apresenta convexidade no intervalo de profundidade entre 1,8-5,5 m e, aos 7,5 m tende a elevar os valores de resistividade, finalizando em 4.253 Ω.m. Analisando os comportamentos das curvas de resistividade, verificou-se a alternância de níveis argiloso e arenoso, com exceção da SEV 5, onde essa variação corresponde a uma porção mais arenosa e, consequentemente, mais resistiva, com valores alcançando 6.000 Ω.m. A intercalação desses sedimentos está associada aos intervalos (ora resistivo, ora condutivo) ao longo das profundidades geoelétricas investigadas, fato confirmado através do poço tubular localizado no extremo norte da área de estudo (Figura 7D). Logo, o ensaio elétrico executado ratifica a natureza litológica argilosa e arenosa do SABV descrito por Neres & Wankler (2012) e Wankler et al. (2012).
Padrão 7 (SEV 7, 8, 11, 14, 18 e 19) Presente nas regiões NE, SE e SW, representado pelas SEV 7, 8, 11, 14, 18 e 19, as quais tiveram alcance de 24 m de profundidade e registraram os menores valores de ρa entre todos os padrões geoelétricos da área estudada (8004.000 Ω.m) (Figura 4). As curvas das SEV 7, 11 e 18 têm geometria incipientemente serrilhada, onde tal oscilação é de 500 Ω.m, sendo mais perceptível na SEV 11, em todas as profundidades investigadas. Contudo, as SEV 7 e 18 apresentam suave retilinearidade nas profundidades 4,218 m e 2,4-24 m, e resistividade com média de 100 Ω.m e 200 Ω.m, respectivamente. Na SEV 8, são verificados dois momentos de oscilação da curva nas profundidades 1,0-1,8 m e 5,5-13 m, correspondendo aos picos máximos de resistividade de 2.545 Ω.m e 3.139 Ω.m. Entre esses picos, é notória a planaridade do gráfico, com valores de ρa na faixa de 2.000 Ω.m. O comportamento inicial do gráfico da SEV 14 tem o aspecto planar até a profundidade de
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1,8 m, com ρa de 825-780 Ω.m. Após esta profundidade, a curva registra escalonamento de 1,8-18 m, com cimos de 1.038 Ω.m, 1.698 Ω.m e 1.522 Ω.m. O cimo máximo da SEV 19 foi observado na profundidade de 7,5 m,
com ρa de 7.025 Ω.m, decrescendo para 2.701 Ω.m até 24 m. É importante enfatizar a idiossincrasia inicial desta sondagem, pois tem tendência côncava até 4,2 m e ρa de 2.415-3.930 Ω.m (Figura 5G).
Figura 5. Curvas de resistividade elétrica. Padrões geoelétricos: A) padrão 1; B) padrão 2; C) padrão 3; D) padrão 4; E) padrão 5; F) padrão 6; G) padrão 7.
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Figura 6. Fotos dos aspectos geológicos de campo: A) concreções lateríticas in situ e/ou roladas; B) sedimentos arenosos típicos da Formação Boa Vista e/ou terraços aluvionares recentes; C) planície de inundação do igarapé Frasco.
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Figura 7. Perfis litológicos: A) perfil 1 localizado nos entornos do restaurante universitário, relacionado ao padrão geoelétrico 5; B) foto de detalhe dos nódulos avermelhados (círculos pretos); C) foto do nível do lençol freático aflorante em período de estiagem (círculos brancos); D) dados de poço do perfil 2 (modificado de Neres & Wankler, 2012) próximo ao padrão geoelétrico 6. Ver localização dos perfis na Figura 4.
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A partir da investigação das sondagens que compõem o padrão 7, foi possível observar que nas SEV 18 e 19 há intercalação de camadas areno-argilosa e arenosa. Na SEV 11, o material é predominantemente areno-argiloso; já na SEV 8, ocorre o acréscimo de sedimentos arenosos. Contudo, a SEV 14 é a menos resistiva entre o contexto geofísico da área do campus, com valores de ρa entre 652948 Ω.m. Essa situação também pôde ser refletida pela SEV 7, nas profundidades inferiores a 2,0 m, apontando para ρa ≤ 1.100 Ω.m. Segundo Souza et al. (2010), a região do campus sofre influência dos terraços aluvionares dos canais e paleocanais provenientes da microbacia do igarapé Frasco (Figuras 6B e 6C). Logo, a sazonalidade climática proporciona a esta porção da área, e na época de realização do levantamento, o caráter extremamente condutivo, conforme visto nos dados elétricos.
MODELO HIPOTÉTICO GEOELÉTRICO DA PORÇÃO SW DO SABV Os ensaios eletrorresistivos efetuados nos entornos dos blocos de Música e de Direito, no Colégio de Aplicação (CAP) e no Centro Amazônico de Fronteira (CAF), designados de padrões 5 e 7, mostram-se amplamente distribuídos no campus (NW, NE, SE e SW) (Figura 4), contudo, configuraram zonas permoporosas com pouco potencial aquífero, pois apontam para maior predominância de materiais argilosos, os quais podem funcionar como camada selante, protegendo a possível zona detentora de água da contaminação superficial, uma vez que mostram espraiamento desse conteúdo litológico na profundidade de 3,2-13 m (Figuras 8A e 8B). Já os padrões 2, 4 e 6, nas porções NW, centrooeste, norte e NE, executados nas imediações do Bloco VII, centros de convivência e o de Ciências e Tecnologia (CCT) (Figura 4), são as zonas de moderada expressividade, pois detêm possível presença de materiais areno-argilosos e/ou argilo-arenosos desde aproximadamente os 4 m de profundidade, tendo maior concentração no intervalo de 5-13 m (Figura 8). Os padrões 1 e 3, porções SW
e WNW, próximos ao Complexo do Insikiran e do Bloco I (Figura 4), configuraram-se como as melhores evidências de zonas permoporosas da área, devido aos indícios de concentrações lateríticas porosas e, ainda, em virtude de apresentarem caráter extremamente arenoso, mostrando-se intensamente distribuídos tanto nas metragens iniciais, bem como além dos 13 m de profundidade (Figuras 8).
CONCLUSÃO O estudo geofísico executado na faixa sudoeste do Sistema Aquífero Boa Vista, no campus Paricarana, da UFRR, possibilitou tecer inferências relacionadas à subsuperfície no que se refere ao comportamento elétrico do conteúdo litológico da Formação Boa Vista (i. e., arenitos, argilitos e concreções lateríticas ferruginosas) e dos depósitos coluvionares e aluvionares do Quaternário, embora estes últimos não exerçam papel importante no aquífero. Constatou-se, assim, que a porção sudoeste do SABV possui as zonas permoporosas mais significantes para a locação de poços tubulares, localizadas nas regiões WNW e SW do campus Paricarana. É importante ressaltar que estas, apesar de representarem as melhores potencialidades aquíferas, já mostram indícios pontuais e visíveis de possível contaminação superficial, a exemplo do restaurante universitário. O mau cheiro exalado, advindo das caixas de gordura e das fossas sépticas construídas de forma equivocada, dá a esta zona, mesmo que de forma pontual, caráter disseminador para o contaminante, pois a alta porosidade do material (arenoso) facilitará a percolação dos fluídos em direção às zonas detentoras de água subterrânea. Portanto, sugere-se que, caso seja construído um poço tubular nesta região, este deve ter profundidade superior a 20 m e afastamento lateral de agentes contaminantes com, ao menos, 50 m. O relevo plano na região do campus e os valores de resistividade elétrica aparente evidenciaram que os menores relevos (confluência de rios) estão associados, na maioria das vezes, às porções que retrataram os
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Figura 8. Modelo hipotético do SABV (porção sudoeste): A) Sistema Aquífero Boa Vista (modificado de Wankler et al., 2012); B) curvas de isovalores mostrando a variação das zonas permoporosas em profundidade.
baixos valores de resistividade. Estas regiões com leves declives também se relacionam aos paleolagos e aos lagos sazonais, localizados nas porções NE-SE e a NW do campus. É visível que estes lagos ainda sofrem a influência da microbacia do igarapé Frasco, a qual é abastecida pelo rio Cauamé, e consequentemente propiciam a alimentação das zonas permoporosas na área de estudo. Em períodos chuvosos, as porções de menor elevação tornam-se saturadas e o nível freático fica extremamente próximo à superfície, podendo aflorar, enquanto nos períodos secos o nível freático encontra-se entre 3,03,5 m de profundidade.
A conexão de diversas metodologias na pesquisa tem se mostrado eficaz nos estudos ambientais. Assim, o uso do produto das imagens de sensoriamento remoto, associado aos dados geológico e geofísico, permitiu configurar as zonas permoporosas sudoeste do SABV, mesmo que este ainda esteja em fase de delimitação no estado de Roraima. Destaca-se, ainda, que a presente pesquisa tem caráter inédito no estado, tornando-se necessária sua continuidade, pois a metodologia geofísica empregada apresenta baixo custo operacional e tempo de resposta imediato, permitindo-se, assim, mapear e compreender melhor o aquífero.
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AGRADECIMENTOS Ao Instituto de Geociências da UFAM, em nome do professor Dr. João da Silva Carvalho, por ceder o resistivímetro Megger Biddle 63241 Earth Tester. À professora Maria Lorena Malta Feitoza e aos graduandos, Ana Paula Gauger, Fernando Guareschi, Guilherme de Andrade Gonzaga e Thiago Falcão Soares, do curso de Geologia da UFRR, pelo auxílio nas etapas de campo. REFERÊNCIAS AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (ANA), 2013. Água e desenvolvimento sustentável: recursos hídricos fronteiriços e transfronteiriços do Brasil: 1-140. Secretaria de Assuntos Estratégicos Presidência da República (Série de Estudos Estratégicos), Brasília. ÁVILA, I. C. S. S., 2007. Caracterização preliminar do subsolo da área urbana de Boa Vista-RR, a partir de sondagens de simples reconhecimento: 1-91. Dissertação (Mestrado em Recursos Naturais) – Universidade Federal de Roraima, Boa Vista. BESERRA NETA, L. C. & S. S. TAVARES JUNIOR, 2008. Geomorfologia do estado de Roraima por imagens de sensores remotos. In: P. R. F. SILVA & R. S. OLIVEIRA (Org.): Roraima 20 anos: as geografias de um novo Estado: 168-192. EdUFRR, Boa Vista. BRAGA, A. C. O., 2016. Geofísica aplicada: métodos geoelétricos em hidrogeologia: 1-159. Oficina de Texto, São Paulo.
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Da Academia Real Militar ao Departamento de Geologia, do Instituto de Geociências, da Universidade Federal do Rio de Janeiro: a trajetória de uma coleção de minerais From the Military Royal Academy to the Geology Department in the Institute of Geosciences of the Federal University of Rio de Janeiro: the trajectory of a mineralogical collection Cristina Moura BastosI, Marcio Ferreira RangelII, III, Cícera Neysi de AlmeidaI I
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
II III
Museu de Astronomia e Ciências Afins. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Resumo: Este trabalho aborda a formação da coleção de minerais da antiga Escola Nacional de Engenharia (ENE) que, nos dias atuais, encontra-se parcialmente sediada no Museu da Geodiversidade, localizado no Instituto de Geociências, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IGEO/UFRJ). A formação desta coleção foi motivada pela transferência da coleção mineralógica Werner das dependências da Academia Real Militar (ARM) para o Museu Real (atual Museu Nacional), em 1818, ano de sua inauguração, ficando a ARM sem amostras minerais que servissem ao ensino prático das cadeiras de Geologia e de Mineralogia do curso de Engenharia. Em 1824, foram solicitadas ao Museu amostras em duplicata para a ARM, constituindo, assim, o núcleo inicial dessa coleção. Esse núcleo, ampliado através de compra e de doações, atingiu mais de 5.000 exemplares em 1883. Ao longo do tempo, a ARM recebeu diversas denominações, até que em 1937 foi batizada com o nome de Escola Nacional de Engenharia. Durante o período da ditadura militar, o IGEO/UFRJ recebeu parte do acervo mineralógico da ENE. O recadastramento, ora em curso, demonstrou que a instituição não abriga, hoje, mais de 1.000 exemplares, ignorando-se o destino do restante dessa coleção, que se destaca por sua relevância histórica e científica. Palavras-chave: Museu. Museologia. Patrimônio. Mineralogia. Coleções mineralógicas. Ensino de Engenharia. Abstract: This paper treats the formation of the mineral collection of the former National School of Engineering (ENE), which today is partially incorporated in the Museum of Geodiversity of the Institute of the Geosciences of the Federal University of Rio de Janeiro (IGEO/UFRJ). The collection was formed with material of the Werner Mineralogical Collection, transferred from the Royal Military Academy (ARM) for the inauguration of the Royal Museum (currently the National Museum) in 1818, leaving the ARM without minerals used in the practical teaching of Geology and Mineralogy classes of the Engineering course. In 1824, samples were requested in duplicate from the Museum for the Academy, constituting the initial nucleus of this mineralogical collection. This nucleus was expanded through purchase and donations, reaching more than 5.000 exemplars in 1883. As time went by, the Royal Military Academy has been given different names. In 1937, it was renamed as the National School of Engineering. During the military dictatorship, the IGEO/UFRJ received part of the mineralogical collection of the ENE. A new inventory, in the progress of elaboration, shows that the number of samples in the institution is less than 1,000 units. The location is not known of the rest of this collection, of great historical and scientific relevance. Keywords: Museum. Museology. Heritage. Mineralogy. Mineralogical collections. Engineering teaching. BASTOS, C. M., M. F. RANGEL & C. N. ALMEIDA, 2017. Da Academia Real Militar ao Departamento de Geologia, do Instituto de Geociências, da Universidade Federal do Rio de Janeiro: a trajetória de uma coleção de minerais. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais 12(1): 109-127. Autora para correspondência: Cristina Moura Bastos. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Geociências. Departamento de Geologia. Centro de Ciências da Matemática e da Natureza. Avenida Athos da Silveira Ramos, 274 – Cidade Universitária. Bloco G. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP 21941-116 (cristina.bastos@igeo.ufrj.br). Recebido em 12/02/2016 Aprovado em 16/04/2017 Responsabilidade editorial: Fernando da Silva Carvalho Filho
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Da Academia Real Militar ao Departamento de Geologia, do Instituto de Geociências, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
INTRODUÇÃO O acervo mineralógico do Museu da Geodiversidade (MGeo), pertencente ao Instituto de Geociências, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IGEO/UFRJ), alcança um número aproximado de quatro mil exemplares. Nesse momento, o acervo passa pelo processo de tratamento técnico, o que impede maior precisão de dados acerca do quantitativo já tratado e do quanto ainda falta para a conclusão desta etapa. Nascido como Museu de Geologia, ligado inicialmente ao Departamento de Geologia do IGEO/UFRJ, teve seu nome modificado por iniciativa dos professores envolvidos no projeto de sua criação, os quais concluíram que este espaço serviria não apenas para divulgar a Geologia, mas também as Geociências de uma forma geral (Aracri, 2013). De acordo com o Regimento Interno do Museu da Geodiversidade, documento concluído em 2010, no capítulo I, intitulado “Da natureza jurídica do Museu”, está determinado no artigo 1º:
perceber uma lacuna de informações mais consistentes acerca da formação e da trajetória desse acervo, cuja origem remonta a duas conceituadas instituições de ensino: à Escola Nacional de Engenharia (ENE) e à Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), ambas sediadas no Rio de Janeiro. Também integram este acervo as coleções formadas pelos professores do Departamento de Geologia da UFRJ, Jacques Pierre Cassedane e Othon Henry Leonardos; a coleção da Ward’s1, que no século XIX, e ainda hoje, abastece museus e instituições de ensino, com a comercialização de coleções de História Natural; além de outras coleções comerciais que serão citadas ao longo deste trabalho. Em razão da impossibilidade de investigação da totalidade deste acervo em uma única etapa e como a coleção mineralógica da ENE se destaca por sua relevância histórica e científica, os autores optaram por torná-la objeto de sua pesquisa, ora divulgada neste artigo.
MATERIAL E MÉTODOS A pesquisa foi baseada em fontes documental e bibliográfica, valendo-se de documentos existentes no Arquivo Nacional (AN), na Seção de Memória e Arquivo (SEMEAR), do Museu Nacional (MN/UFRJ), e no IGEO/UFRJ. A investigação foi ainda facilitada pelo fato de a primeira autora ser museóloga, servidora do MGeo, e ter contato direto e cotidiano com o acervo em questão. O embasamento teórico foi feito por meio de pesquisa em documentos primários encontrados no AN, por antigos documentos de controle da coleção e por bibliografia que abordasse os seguintes tópicos: história da Engenharia, história institucional, formação e preservação de coleções de geociências, museus universitários, patrimônio natural, documentação museológica, museologia, memória e identidade. Documentos primários, como memorandos e ofícios
O Museu da Geodiversidade (MGeo), instituído como órgão suplementar do Instituto de Geociências, o qual está inscrito no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica sob o n. 33663683/0032-12, constitui uma das Unidades pertencentes ao Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza da Universidade Federal do Rio de Janeiro, reger-se-á segundo o disposto neste Regimento Interno e no seu Plano Museológico correspondente (UFRJ, 2010, p. 2).
No que se refere ao acervo de minerais e de rochas do MGeo, as ações de preservação, de documentação e a consequente disponibilização desse patrimônio cultural-científico-geológico são de vital importância para a produção da pesquisa, para a divulgação do conhecimento científico e para a ampliação das atividades educacionais. Vale ressaltar que o recadastramento destas coleções (fechadas por décadas em salas da universidade) nos fez
Ward’s Natural Science Establishment, empresa comercial americana que, por volta de 1880, foi uma das responsáveis por abastecer os museus de História Natural com grande número de espécimes (Barrow, 2000 apud Grola, 2012, p. 210).
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depositados no AN, deram suporte a esta pesquisa, assim como alguns documentos em poder do IGEO/ UFRJ, como um antigo livro de registro das amostras, que pertenceu à ENE, e algumas etiquetas oriundas tanto da primitiva Escola Politécnica, como da já referida ENE. Os documentos primários encontrados foram revelados na íntegra, sendo atualizada a grafia da época. Usando os diversos enfoques de Pomian (1984), Baudrillard (2002) e Possas (2005), trabalhou-se o conceito de coleção. Sob a perspectiva de Figueirôa (1997) e de Lopes (2009), abordou-se a institucionalização das ciências naturais no Brasil, já que ambas as autoras convergem no sentido de atribuir à criação dessas instituições a organização e a consolidação de uma cultura científica no país. A massa documental exigiu maior cautela e acuidade nas interpretações, mas pode revelar e responder a importantes questões que se impuseram à pesquisa: como foi constituído inicialmente o acervo mineralógico da ENE? Como se deu a ampliação desse acervo ao longo de sua trajetória? Quais perdas foram se sucedendo pela ausência de uma política adequada de conservação desse conjunto? Qual a relevância histórica e científica desse patrimônio? Valeu-se ainda de arquivos em mídia eletrônica e também de publicações em revistas especializadas, anais, periódicos, manuais, dissertações e teses.
O fluxo de sentidos e imagens que os objetos veiculam através dos canais de comunicação é capaz de despertar aspectos singulares das reminiscências dos indivíduos, recordações de vivências passadas que alternam tensões entre esquecimentos e lembranças, a partir do contato da materialidade do objeto com os sentidos e sensações possíveis que ele encerra. [...] O objeto é, portanto, prova documental que imprime suas marcas nos indivíduos, criando interna e externamente um processo dinâmico, comunicativo e intercultural.
Pomian (1984, p. 51) assim definiu o que considerava como objeto de coleção: [...] qualquer conjunto de objetos naturais ou artificiais, mantidos temporária ou definitivamente fora do circuito das atividades econômicas, sujeitos a uma proteção especial num local fechado preparado para esse fim, e expostos ao olhar do público.
Este autor afirma ainda que todos os objetos são manipulados, exercem ou sofrem modificações físicas e consomem-se. Para ele, de um lado estão os semióforos, objetos que se expõem à contemplação, que não apresentam utilidade prática, mas sim um significado, e que, desse modo, representam o invisível. Do outro, estão os objetos inseridos em uma composição, que se oferecem ao uso e que, portanto, representam o visível. Pomian (1984) conclui que essas duas orientações, embora possam coexistir em certos casos excepcionais, são, todavia, opostas na maioria das vezes. Nas palavras de Pomian (1984, p. 72):
RESULTADOS E DISCUSSÃO FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA DA COLEÇÃO DE MINERAIS DA ENE Na perspectiva de Dohmann (2010), os valores simbólicos atribuídos pelos homens aos objetos os tornam fartos de sentidos e de significados. No começo, tudo eram coisas, enquanto, na atualidade, tudo inclina-se ao objeto. Os objetos vinculam-nos ao mundo, ativam nossas lembranças, remetem a memória às recordações de pessoas, fatos ou lugares e, na condição de artefatos produzidos pelo homem, comunicam experiências culturais. Ainda no entendimento de Dohmann (2010, p. 72):
Existem pelo menos três situações possíveis: uma coisa tem apenas utilidade sem ter significado algum; um semióforo tem apenas o significado de que é o vetor sem ter a mínima utilidade; mas existem também objetos que parecem ser ao mesmo tempo coisas e semióforos. Note-se que tanto a utilidade quanto o significado pressupõem um observador, porque não são senão relações que, por intermédio dos objetos, os indivíduos ou grupos mantêm com os seus ambientes visíveis ou invisíveis. Posto isto, nenhum objeto é ao mesmo tempo e para um mesmo observador uma coisa e um semióforo. Porque é uma coisa só quando é utilizado, mas então ninguém se diverte a decifrar-lhe o significado, e quando o faz, a utilidade torna-se puramente virtual. Embora coexistindo uns com os
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ou dominar. Uma coleção reflete simultaneamente a realidade/história de uma parte do mundo onde foi constituída e também daquele indivíduo ou da sociedade que a coletou e a converteu em coleção. Na visão de Lopes (2009, p. 12):
outros, os traços da forma que permitem que um objeto seja útil e aqueles que o fazem um portador de significado sugerem dois comportamentos diferentes e reciprocamente exclusivos.
Para Baudrillard (2002), todo objeto apresenta duas funções: a de ser utilizado e a de ser possuído, as quais encontram-se em ordem inversa uma em relação à outra. Para este autor, um objeto utilizado no nosso cotidiano – por exemplo, uma geladeira, que tem o propósito de refrigerar – devolve o homem ao mundo, por meio de uma mediação prática. Já o objeto puro, privado de sua função ou abstraído de seu uso, passa a ser qualificado pelo indivíduo e torna-se objeto de coleção. O primeiro, estritamente prático, toma um estatuto social; o segundo, não mais especificado por sua função, toma um estatuto subjetivo.
As origens longínquas dos museus estão associadas ao fenômeno social do colecionismo, sendo os gabinetes renascentistas os marcos fundamentais do que foram os processos de consolidação ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX de alguns dos aspectos básicos do perfil dessas instituições, que se mantêm até nossos dias.
Ainda na compreensão desta autora, os objetos recolhidos aos gabinetes de curiosidades formavam semióforos, pois eram subtraídos de seu contexto original e ressignificados, perdendo sua utilidade e passando a representar o invisível.
O meio habitual conserva um estatuto ambíguo: nele o funcional desfaz-se continuamente no subjetivo, a posse mistura-se ao uso, em um empreendimento sempre carente de total integração. A coleção, ao contrário, pode nos servir de modelo, pois é nela que triunfa este empreendimento apaixonado de posse, nela que a prosa cotidiana dos objetos se torna poesia, discurso inconsciente e triunfal (Baudrillard, 2002, p. 95).
As viagens que se multiplicam a partir do século XV deslocam as fronteiras do invisível e atingem locais até então impensados, levando dos novos mundos para os gabinetes dos príncipes e sábios não só mercadorias altamente lucrativas, mas também todo um novo saber (Lopes, 2009, p. 12).
Segundo Ribeiro (2010), quando o colecionador retira de um objeto seu valor de uso e associa a ele um valor simbólico, está atribuindo um caráter de excepcionalidade a esse objeto. Para esta autora, as coleções apresentam em si valores imputados pelos colecionadores, os quais, ampliados e vinculados às construções coletivas, recuperam as lembranças de um determinado grupo social e refletem os valores das sociedades em que estão inseridos. Segundo a sua compreensão, um colecionador é sempre um interlocutor a presentificar a memória de um indivíduo ou de um grupo, lutando contra a dispersão das coisas e o esquecimento delas. Para Suano (1986), o colecionismo é uma prática quase tão antiga quanto a existência do homem. O ato de recolher objetos e coisas de diferentes lugares representaria juntar pedaços de um mundo que se pretende compreender e ao qual se deseja pertencer
Segundo Delicado (2009), o que se desejava exibir era um microcosmo do excêntrico, do peculiar e do incomum, constituído pelos exemplares provenientes das artes mecânicas, químicas, dos diversos espécimes botânicos, das armas, de monumentos e de antiguidades. Para Schwarcz (2008), a criação de museus no século XVIII, na Europa, exemplificados pelos Museu do Louvre (1773) e Museu do Prado (1783), acontece em caráter estritamente comemorativo: “Essas primeiras instituições, mais conhecidas como cabinets de curiosité, eram, como o termo parece indicar, formadas antes para expor objetos à admiração pública do que pensadas enquanto espaços para o ensino e pesquisa científicos” (Schwarcz, 2008, p. 68). De acordo com Possas (2005), o ato de colecionar transforma-se em entendimento acerca de tudo o que existe no mundo. A criação dos gabinetes de curiosidades
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da Europa, tão em voga nos séculos XVI e XVII, demonstra preocupação com a memória, bem como necessidade de criação de mecanismos voltados ao não esquecimento. Esses gabinetes, a princípio, revelavam apenas o desejo de juntar objetos vindos de lugares remotos e desconhecidos, e se apossar deles, sem uma preocupação clara em classificar e nomear o que se amealhava. Ainda conforme Schwarcz (2008, p. 68), somente a partir do século XIX são criados os museus etnográficos,
todos os cargos da Casa dos Pássaros, recomendando, ainda, que todos os produtos naturais fossem transferidos para a Academia Real Militar (ARM): Constando na real presença de Sua Alteza Real o Príncipe Regente Nosso Senhor a pouca utilidade que se tira da despesa feita com os empregados no denominado Museu; foi o mesmo Senhor servido ordenar, que se hajam por extintos os diferentes empregos de semelhante repartição, cessando os ordenados e vencimentos das pessoas a ela adidas, e sendo-lhes pago o que se lhes estiver devendo. Outrossim, foi o mesmo Senhor servido ordenar, que sejam entregues à Academia Real Militar todos os produtos naturais que ali se acharem e tudo quanto pertencer à Real Fazenda, expedindo-se as ordens a esse fim necessárias (Brasil, 1813, p. 26).
[...] instituições dedicadas à coleção, preservação, exibição, estudo e interpretação de objetos materiais. A curiosidade renascentista que havia marcado a exploração do Novo Mundo e do Oriente encontrava aconchego nesses estabelecimentos, que se firmavam enquanto lares institucionais de uma antropologia nascente.
O prédio da Casa dos Pássaros foi derrubado para dar lugar à construção do edifício do erário. Todos os móveis e produtos existentes, entre os quais as peles de pássaros, os exemplares de insetos e de alguns mamíferos, foram armazenados em caixões e guardados por um período aproximado de um ano, quando, então, foram transferidos, por ordem do tenente-general Napion, para o Arsenal de Guerra. A coleção mineralógica, conhecida como Coleção Werner, foi armazenada junto a esse material (Lopes, 2009).
Apesar de somente no século XIX ter sido criado oficialmente o primeiro museu no Brasil, o Museu Real (atual Museu Nacional), instituído em 1818, o precedente deste órgão foi a antiga Casa de História Natural, mais conhecida como Casa dos Pássaros, denominada desta maneira por conta da grande quantidade de aves empalhadas, a qual foi concebida em 1784, pelo vice-rei D. Luiz de Vasconcellos e Sousa, e por mais de vinte anos colecionou, armazenou e preparou produtos naturais e adornos indígenas para enviar a Lisboa (Lopes, 2009). Com o falecimento de Francisco Xavier dos Pássaros, mais de duas décadas após a criação da Casa de História Natural, todas as coleções pertencentes a esse museu foram encaixotadas e entregues à vigilância extramuros dos dois ajudantes de Costa Barradas, então inspetor desta instituição, os quais nunca mais puseram os olhos no quarto onde as haviam emparedado e cuja entrada lhes foi formalmente vedada. Era o sarcófago no qual se decidiu por bem sepultar os restos mortais daquele mal vingado e tão cedo asfixiado começo do nosso primeiro museu (Netto, 1870 apud Papavero & Teixeira, 2013). Em 22 de junho de 1813, pela decisão de número 20, o príncipe regente D. João determinou a extinção de
Mais tarde, no ano de 1816 [...] como fosse inconveniente, para os estudantes a distância em que se achava colocado este pequeno gabinete de ciências físicas e naturais, confiado então à direção do próprio lente de mineralogia, Fr. José da Costa Azevedo, transportaram-no para a Academia, ficando apenas no Arsenal o resto da coleção ornitológica da antiga Casa de História Natural (Netto, 1870, p. 11-16 apud Papavero & Teixeira, 2013, p. 203).
A coleção mineralógica, destinada aos estudos práticos dos alunos da Academia Real Militar, em 1810, denominada de Coleção Werner, foi comprada por doze contos de réis de Karl Eugen Pabst von Ohain, assessor de minas da Academia de Freiberg, por volta de 1805. O destino dela seria o Museu de História Natural de Lisboa, e a ordem para sua compra partiu de Antônio de Araújo
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de Azevedo, Conde da Barca, que, à época, era ministro dos Estrangeiros e da Guerra (Lopes, 2009).
De acordo com Lopes (2009), o decreto de criação do Museu Real, datado de 6 de junho de 1818, constituiu a base da nova instituição. Nele, além dos detalhes de compra das casas que passariam a abrigar o Museu, havia também uma autorização para que fossem transferidos os instrumentos, as máquinas e os gabinetes que estivessem em outros locais. Com a transferência da coleção de minerais para o Museu Real, os alunos da Academia, para não serem privados do aprendizado prático, deslocavam-se até o Museu e, com a permissão do Frei José da Costa e Azevedo, que acumulava as funções de lente da Academia e diretor do Museu, obtinham o imprescindível contato com as amostras, situação que se manteve inalterada até a morte do frei, ocorrida em 1822. A partir desse momento, o acesso às coleções mineralógicas do Museu passou a ser dificultado aos alunos da Academia. Em ofício da Junta Diretora da Academia Militar, datado de 23 de março de 1824, há solicitação a João Gomes da Silveira Mendonça, ministro dos Negócios da Guerra, para que fossem cedidas à Academia amostras de minerais com duplicatas no Museu, para que as aulas práticas de Mineralogia tivessem a sua continuidade. Na observação de Moreira (2014, p. 157):
A classificação e organização desta coleção foi anteriormente realizada pelo pai da mineralogia moderna, A. G. Werner, que lecionava em Freiberg. Este cientista foi o introdutor do primeiro sistema racional no mundo mineral. A coleção assim organizada, catalogada e ligeiramente descrita pelo maior mineralogista de sua época é conhecida ainda hoje por Coleção Mineralógica Werner. Contava originalmente cerca de 3.200 peças representando praticamente todas as espécies de minerais então conhecidas. Ainda possuía exemplares representativos das variações de cores, hábitos, formas etc. [...]. Quando a coroa portuguesa transferiu sua sede de Lisboa para o Brasil em 1807, veio com a vasta bagagem a grande coleção. A chamado do governo português, o Barão Ludwig von Eschwege chegou ao Brasil. A primeira incumbência do grande geólogo foi a instalação desta coleção. Seu destino inicial foi o Arsenal de Guerra, onde os alunos da antiga Academia Militar usavam-na nos estudos até a organização do novo Museu Real (Leinz, 1955, p. 2).
Segundo o relato de Lopes (2009), a coleção Werner foi integrada à ARM desde a sua fundação, em 1810, mas somente em 1816 foi transferida do Arsenal de Guerra para o prédio da Escola Militar, onde permaneceu até a sua transferência definitiva, em 1818, para o então recém-criado Museu Real. Frei José da Costa e Azevedo foi nomeado, por Carta Régia de 25 de março de 1815, lente proprietário da cadeira de História Natural da ARM; quase três anos após essa nomeação, tornou-se lente proprietário da cadeira de Mineralogia da ARM. Por esse tempo, assumiu também a administração do Gabinete de Produtos de Mineralogia e História Natural, que foi criado oficialmente na ARM.
Percebe-se, por essa citação, como o ensino experimental não era considerado prioritário. Além de toda a coleção de minerais ter sido retirada da Academia Real Militar, o que deixou o gabinete de mineralogia da instituição desprovido de qualquer tipo de mineral, ao solicitar a doação de alguns exemplares o Diretor se restringe aos mais comuns e, mesmo assim, aquele que houvesse em duplicata. Assim, o Diretor da Academia Real Militar fez uma solicitação de parte de um material que já havia sido da própria Academia, e o fez de forma acanhada e submissa. Pode-se concluir que, por parte das autoridades governamentais, a exposição do material no Museu era considerada mais importante que o aprendizado prático dos alunos.
A criação do Museu Real deu-se menos de cinco meses após a criação do Gabinete de Produtos de Mineralogia e História Natural na Academia Militar, e esse foi integralmente absorvido pela nova instituição, incluindo seu diretor. Frei José da Costa e Azevedo passou a ser o primeiro diretor do museu, ocupando o cargo até sua morte em 1822 (Figueirôa, 1997, p. 68).
Essas amostras constituem o núcleo inicial da coleção de minerais da ENE.
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Em ofício de 8 de abril de 1828, enviado ao Sr. Pedro de Araújo Lima, ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império, pela direção do Museu Nacional e Imperial, referindo-se à solicitação de doação de uma coleção mineralógica em favor da Academia, a orientação foi de que não se doasse, mas que se cedesse em empréstimo, até que no ambiente do Museu pudessem ser ministradas as aulas das Ciências da Observação aos alunos da Academia2. Percebemos, nesses dois documentos, produzidos em um intervalo de quatro anos, como as recomendações são divergentes. No primeiro exemplo, as aulas no Museu, permitidas e até ministradas por Frei José da Costa e Azevedo, foram consideradas contrárias à lei e ao costume; no segundo exemplo, no entanto, a recomendação é de que as amostras minerais fossem cedidas em forma de empréstimo, e não em doação, até que possam se estabelecer essas mesmas aulas no espaço do Museu. De toda forma, a discussão mais premente e que constitui o cerne deste artigo é a tentativa de recompor a formação do acervo mineralógico da Escola Nacional de Engenharia (ENE), que hoje integra o patrimônio geológico do Museu da Geodiversidade, da UFRJ. As informações que dão contorno a este trabalho foram encontradas na bibliografia selecionada; em documentos primários, localizados tanto no Arquivo Nacional (AN) como na Seção de Memória e Arquivo do Museu Nacional (SEMEAR-MN); e em um antigo livro de registro de amostras da ENE, hoje em poder do IGEO/UFRJ. A Academia Real Militar, criada por D. João VI em 1810, sucedendo a Real Academia de Artilharia, nasceu com uma dupla finalidade: preparar os oficiais para o Exército e os engenheiros para o Brasil (Mormêllo, 2010). A ARM, responsável pelo ensino das ciências exatas e de engenharia, transferiu-se, em abril de 1812, da Casa do Trem, onde funcionava o Arsenal de Guerra, para as novas instalações, ainda inacabadas, localizadas no Largo de São Francisco.
Com a instituição da ARM, o ensino militar no Brasil assumiu características científicas de um curso de nível superior (Moreira, 2014). Com a independência proclamada em 1822, a Real Academia Militar passou a se chamar Imperial Academia Militar; em 1832, foi rebatizada como Escola Militar da Corte; em 1840, o nome mudou para Escola Militar; e a partir de 1858 foi alterado para Escola Central. Em 24 de maio de 1873, pela Lei de nº 2.261, o governo passou a Escola Central para o Ministério do Império, separando, assim, o ensino militar do civil. Em 25 de abril de 1874, pelo Decreto nº 5.600, a Escola Central mudou a sua denominação para Escola Politécnica, recebendo novos estatutos e passando a ser frequentada somente por alunos civis (Brasil, 1874). Em pleno Estado Novo, dentro de um projeto de reforma universitária do governo do Presidente Getúlio Vargas, oficializado pela Lei nº 452, de 5 de julho de 1937, a Escola Politécnica recebeu nova denominação, passando a integrar a Universidade do Brasil, como Escola Nacional de Engenharia (ENE) (Brasil, 1937; Bastos, 2016). O acervo de minerais e de rochas da ENE foi constituído por várias coleções adquiridas por compra ou por doação ao longo de sua trajetória, em diversos períodos atravessados por ela e denominações que adquiriu no decorrer do tempo. Figueirôa (1997) informa que Henri Gorceix, quando desembarcou em julho de 1874 no Rio de Janeiro, teve como primeira incumbência a realização de uma viagem ao Rio Grande do Sul. Dela, ele retornou com uma excelente e já formada coleção de minerais, e teria cedido ao acervo da Escola Politécnica as duplicatas dessa coleção: Em 1876, o Gabinete de Mineralogia e Geologia contava 750 amostras de minerais (sendo 82 de Minas Gerais e 79 do Rio Grande do Sul, colhidas e doadas por Henri Gorceix, e o restante adquiridas no estrangeiro), 2.939 amostras de rochas (quase todas da Coleção Kramer), 300 fósseis e mais 668 modelos cristalográficos de madeira (Figueirôa, 1997, p. 112).
Ofício de 8 de abril de 1828. Livro de Ofícios - Correspondência Oficial 1819/1842. p. 48-49. Seção de Memória e Arquivo do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (SEMEAR-MN-UFRJ), Rio de Janeiro.
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Importante registrar que, em 1978, a Escola Nacional de Engenharia, da UFRJ, remeteu para o Arquivo Nacional documentos produzidos ao longo da trajetória da Escola. O acervo então constituído foi dividido em duas séries, denominadas de Série Educação-Ensino Superior e Série Guerra-Escolas, representadas pelas siglas IE (Educação) e IG (Guerra). A consulta aos documentos primários permitiu uma visão mais abrangente a respeito da composição desse acervo. Alguns poucos processos de aquisição estavam fartamente documentados, outros nem tanto. Em 4 de maio de 18593, o opositor substituto da aula de Geologia e Mineralogia, Miguel Antonio da Silva, comunicou ao diretor da Escola Central, Marechal de Campo Firmino Herculano de Moraes Ancora, a doação de amostras minerais, oferecidas ao Gabinete da Escola pelo Dr. Charles Joseph Frédéric Carron Du Villards (18011860), médico oftalmologista, pedindo que em nome da mesma fosse feito agradecimento ao ilustre doador. Outra referência à doação de uma coleção de minerais ao Gabinete de Mineralogia e Geologia da Escola foi comprovada em ofício datado de 5 de setembro de 1868, remetido ao conselheiro Barão de Muritiba, ministro e secretário de Estado dos Negócios da Guerra Manuel José Vieira Tosta, e assinado por José Maria da Silva Bitencourt, marechal do Exército, professor e diretor da Escola Central:
conselheiro João José de Oliveira Junqueira, que, à época, ocupava o cargo de ministro e secretário de Estado do Negócio de Guerra, com um parecer da comissão composta por lentes da Escola sobre a conveniência ou não em se adquirir por compra a coleção de amostras minerais de Thomas Rodenas, que as oferecia pelo valor de 7:000$000.
Ilmº Exmº Sr Cons. Barão de Muritiba, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra. Tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Exª que foram recolhidas ao Gabinete de Mineralogia e Geologia desta Escola quarenta amostras de minerais do Brasil oferecidas pelo Bacharel José de Saldanha da Gama Filho ao mesmo Gabinete4.
Coleção de Minerais argentíficos do Sr. Thomas Rodenas. Esta coleção contém 140 amostras, sendo as mais importantes de prata nativa, sulfureto de arsênico e prata, cloretos [...], bromuretos [...] e sulfuretos de prata. São poucas de sabido valor mineralógico por causa da perfeição dos cristais. As outras, na maior parte grandes, são de espécies que se encontram com frequência em muitos lugares, de modo que pouco mais valem do que o valor intrínseco. O valor da quantia de prata contida em todas as respectivas amostras pode se computar aproximadamente 2:000$000. Há uma série de amostras auríferas que, contudo, para o Brasil não tem muito valor porque nele encontram-se milhares de variedades. As amostras de minerais de cobre são escolhidas, porém essas são de custo moderado. Conquanto a coleção seja muito útil para estudo e a desejar que a Escola Central a adquira para este fim, a Comissão é de parecer que não se deve despender com ela maior quantia que seis a oito contos, porque não convém que para uma especialidade se distraia maior soma de dinheiro que deve ser também aplicado a outras que são igualmente indispensáveis, como o de completar a coleção geológica, e principalmente na parte paleontológica que ainda está muito em princípio, mesmo os minerais ainda muitos há por comprar para completar a respectiva coleção. Se, pois, o proprietário fizer proposta para vender as 140 amostras à Escola, dentro do limite assinado, a Comissão insiste sobre a conveniência de comprá-la para a Escola, quando não, ela lembra a oportunidade de se pôr à disposição da Escola essa quantia, para por ocasião da Exposição Internacional de Viena, poder-se fazer a aquisição de amostras que ali se apresentarão, trocando outras por produtos do Brasil 5 .
Em 30 de julho de 1872, o diretor da Escola Central, Sr. José Maria da Silva Bitencourt, enviou um ofício ao
Em 9 de agosto de 1872, José Maria da Silva Bitencourt, diretor da Escola Central, acusou o recebimento
Ofício datado de 4 de maio de 1859. Vale registrar que a relação anexada a este documento apresenta um total de 34 amostras. Arquivo Nacional, IG3-14, Rio de Janeiro. 4 Ofício datado de 5 de setembro de 1868. Arquivo Nacional, IG3-21, Rio de Janeiro. 5 Ofício datado de 30 de julho de 1872. Arquivo Nacional, IG3-22, Rio de Janeiro. 3
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das cento e quarenta amostras de minerais da coleção Rodenas, enviadas ao Gabinete de Mineralogia da Escola (Figuras 1A e 1B). No dia seguinte, em 10 de agosto de 1872, o diretor da Escola Central comunicou o envio da conta ao ministro dos Negócios de Guerra, pela compra desta coleção feita pela Escola. Avançando um período de nove anos, em 17 de agosto de 1881, encontramos um ofício do diretor da Escola Politécnica (EP), Ignacio da Cunha Galvão, ao conselheiro Barão Homem de Mello, atestando a necessidade de aquisição de diversos objetos para os gabinetes da Escola, incluindo duas coleções mineralógicas.
da cadeira que chegasse a segunda, a fim de fazer a relação de ambas. Demorando-se, porém, a remessa dessa segunda coleção, organizou o Lente o catálogo da primeira sobre cuja aquisição insiste com urgência. Junto tenho a honra de remetê-la a V. Exª e oportunamente remeterei a da Coleção Halfeld, cuja aquisição, aliás, a vista da exiguidade de verba respectiva, talvez tenha que ser adiada para o exercício financeiro próximo6.
Em 3 de setembro de 1881, o mesmo diretor da Escola Politécnica enviou ao ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império um ofício, solicitando o pagamento à viúva do conselheiro Miguel Antonio da Silva pela compra de uma coleção de minerais, e se queixou da verba insuficiente para outras aquisições destinadas aos Gabinetes da Escola:
Com o Ofício nº 27 de 30 de março do corrente ano, tive a honra de levar à presença de V. Exª o orçamento das despesas a fazerem-se com a aquisição de vários objetos para os gabinetes desta Escola, entre os quais figuravam duas coleções mineralógicas: uma pertencente ao falecido Conselheiro Miguel Antonio da Silva avaliada em 1:500$000 e outra do Engenheiro Halfeld, avaliada em 3:000$000. Determinando V. Exª que fosse remetida à Secretaria uma relação das amostras que constituíam aquelas coleções, e achando-se na Escola somente a primeira coleção mencionada, aguardava o Lente
Peço a V. Exª que se digne dar suas ordens para ser paga pelo Tesouro Nacional a Srª Maria Candida de Sepúlveda e Silva, viúva do Conselheiro Miguel Antonio da Silva, a quantia de 1:500$000, importância de uma coleção de amostras de minerais conforme consta da inclusa conta em duplicata, comprada para o Gabinete de Mineralogia e Geologia, de conformidade com a autorização contida no Aviso nº 25 de agosto próximo findo. [...] A verba votada para
Figura 1. Amostra da coleção Thomas Rodenas: A) cobre nativo e calcita, procedentes de Cerro do Pazco (Peru); B) prata proveniente do Chile. Destaque para lastro original da antiga Escola Politécnica. Foto: Cícera Neysi de Almeida. Ofício datado de 17 de agosto de 1881. Arquivo Nacional, IE3-83, Rio de Janeiro.
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de enriquecer o Gabinete de Mineralogia, Geologia e Paleontologia, aperfeiçoando, portanto, o ensino destas matérias no único curso de Ciências Físicas e Naturais que o Brasil possui me parecem suficientes para demonstrar a V. Exª a necessidade de instar perante o Governo Imperial pelas vantagens dessa preciosa aquisição. O estudo das Ciências Físicas e Naturais como V. Exª perfeitamente reconhece não pode prescindir da observação dos fatos naturais e de experiências tendentes a reproduzi-los ou a facilitar a sua compreensão, e esse tem sido o alvo dos nossos esforços desde que ocupei a cadeira de Mineralogia e Geologia desta Escola. Na parte relativa à experenciar, já possuímos ou devem chegar brevemente aparelhos que não possuímos entre os quais cumpre mencionar goniômetros como o de Babinet, a moderna balança de Jolly para avaliar densidades, esclerômetros para o estudo comparativo da dureza dos minerais em lâminas cristalinas, finalmente o microscópio polarizante, a fim de analisar a microestrutura das rochas e melhor classificá-las por sua dureza interna. Entretanto, como ao lado das experiências devíamos desenvolver a observação pelo aperfeiçoamento do estudo descritivo dos minerais e rochas aumentando as nossas coleções, requeri há algum tempo ao Governo Imperial a aquisição da coleção Halfeld, hoje em mãos de um filho do Exmº Senador Jaguaribe, o qual consta de 12 caixas de minerais quase todos do Brasil, contendo valiosíssimas amostras de ouro extraídas das minas exploradas em nosso país, coleção avaliada pelo proprietário atual apenas na quantia de 3:000$000. Infelizmente, porém, a Escola Politécnica não possui esses interessantes minerais, visto que o proprietário ainda não resolveu a despender o elevado frete do transporte de Juiz de Fora para a Corte na incerteza do bom resultado dessa negociação e apenas com o fim de me permitir a elaboração da lista ou relação completa de todas as amostras, segundo a decisão do governo por ocasião da proposta8.
extraordinários e eventuais inclusive compra e conserto de móveis, que é de 2:000$000, é também insuficiente, atenta a necessidade de montar os novos gabinetes criados; tendo sido preciso sustar a execução da despesa autorizada com vitrinas indispensáveis para o Gabinete de Mineralogia, o qual tem de continuar ainda este ano, com as interessantes coleções quase inutilizadas por não poderem ser convenientemente expostas, e ficando por atender as necessidades dos gabinetes de Engenharia Civil, Química Orgânica, Metalurgia e Exploração de Minas. Rogo, portanto, a V. Exª com o maior empenho, se digne no próximo orçamento reforçar estas três verbas [...] a fim de que não pare o salutar progresso que tem tido os gabinetes da Escola7.
Com a compra da coleção do conselheiro Miguel Antonio da Silva concretizada, ainda faltava realizar a aquisição da coleção Halfeld para o gabinete mineralógico da Escola. Na data de 3 de novembro de 1881, o lente Oscar Nerval Gouvêa escreveu uma carta ao diretor da Escola, Ignacio da Cunha Galvão, solicitando não só a compra da coleção Halfeld, como também a de uma coleção paleontológica. Apesar deste artigo estar voltado exclusivamente para coleções de minerais e de rochas que compõem o acervo da Escola Politécnica, a autora achou por bem incluir este documento na íntegra, por considerar – sendo profissional de um Museu de Geociências –, que esse registro seria pertinente: Consultado por V. Exª sobre a proposta do geólogo holandês Casimiro Ubaghs relativa à aquisição de sua coleção paleontológica apresso-me em declarar a V. Exª que a considero vantajosa pelo fato de possuírem numerosos e mui interessantes fósseis da fauna cretácea.
A resposta veio rápida: em 7 de novembro de 1881, o diretor da Escola Politécnica reportou-se, em ofício, ao conselheiro Manoel Pinto de Souza Dantas, ministro e secretário de Estado dos Negócios da Justiça e interino do Império, documento no qual reconhece a importância das coleções, entretanto as verbas para a Escola não comportam tais aquisições9.
Cumpre-me, outrossim, fazer notar a V. Exª que essa coleção apresenta sobretudo o interesse de completar por assim dizer a desta Escola, preenchendo aí a lacuna observada com referência aos [...] e quelônios tão importantes nos terrenos jurássico e cretáceo. Estas razões além do desejo
Ofício datado de 3 de setembro de 1881. Arquivo Nacional, IE3-83, Rio de Janeiro. Ofício datado de 3 de novembro de 1881. Arquivo Nacional, IE3-83, Rio de Janeiro. 9 Ofício datado de 7 de novembro de 1881. Arquivo Nacional, IE3-83, Rio de Janeiro. 7 8
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O lente Oscar Nerval de Gouvêa insiste no pedido de se adquirir a coleção Halfeld para o Gabinete da Escola. Em outro documento, datado de 21 de setembro de 1882, novamente recomenda ao diretor da Escola Politécnica a compra da coleção:
da aquisição da coleção por questão orçamentária da Escola 11. Finalmente, a compra da coleção Halfeld foi autorizada em 27 de outubro de 1882, sendo essa transação comprovada pelo ofício de Ignacio da Cunha Galvão, datado de 7 de novembro de 1882, solicitando ao conselheiro Pedro Leão Velloso o pagamento a Joaquim Nogueira Jaguaribe pela aquisição desta coleção. Segundo esse mesmo ofício, foi pago por essa coleção o valor de três contos de réis (3:000$000)12. Em pasta datada de 9 de fevereiro de 1883, há um documento com a informação acerca da origem da verba usada na compra da coleção Halfeld.
De acordo com o pedido feito para o Gabinete de Mineralogia e Geologia e aplicado pela Congregação desta Escola, em que se fundamentara a necessidade e vantagens da aquisição da Coleção Halfeld, pertencente ao Sr. Jaguaribe, venho comunicar a V. Exª que essa coleção se acha no dito Gabinete e que consta dos minerais que resumidamente enumero na lista que ora remeto a V. Exª. A organização dos catálogos detalhados, sendo assunto de um trabalho muito longo e minucioso, depende de análises que só convém fazer depois de adquirida a coleção, limitei-me a enumerar sumariamente os minerais que constam do ensaio de catálogo junto às amostras de que ela se compõe, podendo assegurar a V. Exª que por sua extensão e importância, essa coleção poderá ser considerada como a mais completa que se conhece entre as formadas exclusivamente de minerais brasileiros. A necessidade de aumentar o Gabinete pela aquisição de amostras de minerais do Brasil, coleção que anualmente deverá progredir pelas excursões realizadas pelos alunos, já se fazia sentir a quem quer que visite as nossas coleções onde avultam minerais de países estrangeiros principalmente da Europa e do Chile, e onde poucos espécimes representavam a riqueza natural do nosso solo. Oficiando, pois, a V. Exª, que empenho a que se represente perante o Governo Imperial e com a necessária instância, a fim de não perder esta ocasião de beneficiar o ensino, fornecendo-lhe esses documentos, que outras coisas não são as Coleções em Ciências Naturais, em que se buscam ou que comprovam todas as ilações teóricas10.
Verba donativos. Em vista da exiguidade das verbas do orçamento da Escola, V. Exmº Sr. Ministro autorizou por conta da verba “donativos” as despesas para os serviços mais urgentes dos diversos gabinetes e aulas. Por conta dessa verba foi feita a aquisição para o Gabinete de Mineralogia e Geologia de interessante coleção mineralógica de Halfeld que compreende perto de 5.000 amostras. Autorização: 24 de outubro de 1882 – 3:000$000 com a compra para o Laboratório de Mineralogia e Geologia da coleção organizada pelo Engenheiro Halfeld13.
Conforme Figueirôa (1997), a coleção Halfeld era composta por 4.679 amostras, agrupadas em seis seções. O destaque desta coleção eram os exemplares brasileiros, sobretudo os originários das minas de ouro de Minas Gerais (Figuras 2A e 2B). Heinrich Wilhelm Ferdinand Halfeld (1797-1873) foi um engenheiro alemão, natural de Hanôver, que chegou ao Brasil em 1825 e se naturalizou brasileiro em 1840. Trabalhou na companhia de mineração São João d’el Rei, nas minerações que havia em Minas Gerais. Segundo documento encontrado no Arquivo Nacional, a coleção Halfeld assim se distribuía:
Ignacio da Cunha Galvão, diretor da EP, remeteu ofício ao conselheiro Pedro Leão Veloso, ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império, em 29 de setembro de 1882, confirmando a impossibilidade
Ofício datado de 21 de setembro de 1882. Arquivo Nacional, IG3-84, Rio de Janeiro. Ofício datado de 29 de setembro de 1882. Arquivo Nacional, IG3-84, Rio de Janeiro. 12 Ofício datado de 7 de novembro de 1882. Arquivo Nacional, IG3-84, Rio de Janeiro. 13 Documento datado de 9 de fevereiro de 1883. Arquivo Nacional, IG3-84, Rio de Janeiro. 10 11
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1ª seção: Aurífera do Brasil – 179 amostras de ouro catalogadas, tudo indicando as proveniências que abrangem todas as minas exploradas no Brasil, como Morro Velho, Gongo Soco, Taquaryl e outras ainda não exploradas. 2ª seção: Minerais diversos do Brasil – 335 amostras de minerais como piritos de ferro, calcários, ágatas e calcedônias, etc. 3ª seção: Rochas Brasileiras: 130 amostras de diferentes rochas catalogadas, abrangendo gnaisse e suas variedades, xistos, calcários, conglomerados, etc. 4ª seção: Minerais da Europa, Chile e México: 86 amostras catalogadas abrangendo minerais de ouro, prata, chumbo, cobre, etc. 5ª seção: Fósseis – 22 fósseis diversos, abrangendo os gêneros belemnites, nautilus, etc., um peixe fóssil e um dente de mastodonte. 6ª seção: Minerais não classificados – 3.927 amostras de minerais e rochas brasileiras não classificadas (encerradas em 12 caixões)14.
Em poder do Departamento de Geologia, do IGEO/ UFRJ, há um antigo caderno de registro de amostras que pertenceram à Escola Politécnica, no qual 1.045 exemplares estão anotados, cada um com sua respectiva numeração, nome do mineral, proveniência e coletor. Não há, porém, nenhuma anotação no caderno que nos ajude a precisar com exatidão quando esse documento foi produzido, mas certamente foi nas primeiras décadas do século XX. Algumas das coleções descritas no caderno
foram referenciadas no presente artigo, como as coleções Rodenas e Halfeld, mas o número de exemplares registrados é infinitamente mais reduzido do que a totalidade original da coleção, fazendo supor que esse caderno deveria ser o primeiro de uma série existente no assentamento das amostras em poder da ENE. A coleção Rodenas, que continha 140 exemplares, foi reduzida a 31, e a coleção Halfeld, com seus quase 5.000 itens, consta no caderno com somente 83 exemplares.
IMPORTÂNCIA HISTÓRICA E CIENTÍFICA DA COLEÇÃO Como descrito anteriormente, a coleção de minerais e rochas da Escola Nacional de Engenharia tem sua origem vinculada ao episódio da transferência da coleção Werner para o recém-criado Museu Real, em 1818, fator determinante para que a Academia Real Militar iniciasse a formação de uma coleção mineralógica útil à ilustração e ao aprendizado aos seus alunos. O pedido de amostras minerais duplicadas feito no ano de 1828 pelo lente da cadeira de Química, Daniel Gardner, substituto de Frei José nas aulas de Mineralogia, ilustra bem essa preocupação.
Figura 2. Amostra da coleção Halfeld: A) malaquita proveniente do estado de Minas Gerais. Destaque para o lastro em forma de etiqueta da Escola Nacional de Engenharia e para o lastro atual; B) pirita limonitizada proveniente de Minas Gerais. Destaque para o antigo lastro em forma de etiqueta. Fotos: Cícera Neysi de Almeida. Documento anexado ao ofício datado de 7 de novembro de 1882. Arquivo Nacional, IE3-84, Rio de Janeiro.
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As coleções mineralógicas que originaram as coleções didático-científicas foram criadas com o objetivo de complementar as atividades teóricas. Em seu relatório de exercícios práticos, de 1877, o lente de Mineralogia da Escola Politécnica, Dr. Miguel Antonio da Silva, descreveu com alguns detalhes como se realizavam as aulas de campo15. Importante notar que, além da apreciação dos minerais e das rochas in situ, havia também a preocupação de prover o gabinete mineralógico da Escola com as amostras recolhidas. Para Figueirôa (1997), ainda que com caráter de ilustração da teoria, o certo é que o ensino prático passou a adquirir a cada dia mais importância na Politécnica do Rio de Janeiro. Além da constante inquietação por formar um acervo mineralógico próprio, havia também uma preocupação permanente com a atualização e a manutenção dos gabinetes da Escola. Em ofício de 14 de junho de 1883, Ignacio da Cunha Galvão, diretor da Escola Politécnica, remete ao conselheiro Francisco Maciel, ministro do Império, cobrança relativa à aquisição de utensílios para o Gabinete de Mineralogia16. Na nota de compra do Armazém e Oficinas de Ótica e Instrumentos Científicos José Hermida Pazos, consta a seguinte relação:
Na ótica de Figueirôa (1997), os professores da Politécnica também estavam atualizados no que se referia às aquisições da Biblioteca da Escola. Entre as obras de Mineralogia adotadas18, a autora cita “System of mineralogy”, de Dana & Brush (1875), e os “Sistemas Cristalinos de Naumann” (1872 apud Blake, 1899). Nos programas para o estudo da Mineralogia na Politécnica, a subdivisão adotada obedecia aos seguintes critérios: Morfologia Mineral (na qual se incluía a Cristalografia), Fisiologia Mineral (que abrangia o estudo das propriedades físicas e químicas) e Taxonomia Mineral (essencialmente Mineralogia Descritiva). Quanto ao ensino teórico, a autora assinala a atualização dos conteúdos programáticos em relação à ciência que se fazia na época (ano de 1862), contemplando, por exemplo, os seguintes temas: cristalografia; determinação de minerais pelos caracteres pirognósticos; ensaios químicos; classificação e enumeração das principais espécies com referência à petrografia; composição de veeiros; geognosia envolvendo estudos petrográficos sobre as principais espécies paleontológicas; condições de acamamento, perturbações de equilíbrio da crosta terrestre; ações ígneas e aquosas; coralinas; terremotos; vulcões; rios e lagos; águas represadas; caracteres das principais formações. Outros recursos empregados nas aulas de mineralogia, em apoio ao ensino prático e que aqui merece ser assinalado, eram os modelos de madeira. Usados em caráter pedagógico ainda na atualidade para a verificação da simetria externa dos minerais, estes modelos têm um papel particularmente importante na visualização dos conceitos inerentes à cristalografia (Amaral, 2011). Apenas para ilustração, em ofício de 1825, assinado pelo então diretor do Museu Nacional e Imperial, Sr. João da Silveira Caldeira, e remetido ao Sr. Estevão Ribeiro de
1 coleção de lâminas de minerais destinadas ao estudo das propriedades óticas no aparelho de Solleil – 65$000; 1 aparelho destinado a preparação de lâminas de rochas para microscópio polarizante e acessórios – 600$000; 1 coleção de lâminas de minerais e rochas para estudo micrográfico – 78$000; 1 coleção de lâminas de minerais para a apreciação da dureza do esclorômetro – 40$000; 1 estojo de investimentos para estudos práticos da geologia contendo: um martelo, uma serrela, um clinômetro com régua de 2 m de comprimento, uma bússola e duas serras de diferentes dimensões – 540$000; 1 goniômetro de aplicações – 50$00017.
Documento datado de 20 de abril de 1877. Arquivo Nacional, IE3-262, Rio de Janeiro. Ofício datado de 14 de junho de 1883. Arquivo Nacional, IE3-85, Rio de Janeiro. 17 Ofício datado de 14 de junho de 1883. Arquivo Nacional, IE3-85, Rio de Janeiro. 18 Os títulos das obras aqui citadas por Figueirôa (1997, p. 114) têm como fonte o catálogo da biblioteca da Escola Politechnica, de 1882. Ressalvas: O título “System of mineralogy”, de 1875, é de autoria de Dana & Brush, e o título “Sistemas cristalinos de Naumann”, de 1872, remete às “Apostillas para estudo dos systemas crystalinos de Naumann”, 1872, de autoria de José de Saldanha da Gama, 2º, citado por Augusto Blake no “Diccionário Bibliographico Brazileiro”, 1899, v. 5, p. 177. 15 16
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Rezende, ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império, a autora encontrou uma descrição da utilização e relevância desses modelos no que se refere à prática do ensino da cristalografia. Achando-se arranjado a coleção mineralógica na Europa pela classificação do célebre e nunca assaz louvado Abade Haüi, classificação esta que se funda inteiramente sobre a composição química e sobre as formas poliédricas, que os diferentes produtos mineralógicos a cada [...] apresentam, e para completar no Museu esta bela parte da História Natural tão útil pelos serviços que de contínuo faz as artes, e pelas relações íntimas que tem com a química e com a geometria, sendo necessário uma série completa de modelos em madeira de diferentes variedades e formas cristalinas, segundo as medidas e ângulos dados pelo sábio autor do Tratado de Mineralogia assim como uma coleção completa da marcha dos decrescimentos relativos às diferentes formas secundárias, tem a liberdade de levar a V. Ex. para se dignar pôr os pés de S.M.I. que torna-se extremamente necessário e útil a este estabelecimento estes modelos, sem os quais os estudantes não poderão dar passos avantajados no estudo desta ciência [...]19.
No último quartel do século XIX, mais especificamente a partir de 1870, o Brasil conquistou avanços em atividades científicas, como nunca visto antes. Dentro desse contexto, o país experimentou uma série de iniciativas no âmbito científico-cultural, que envolveram tanto a criação de novos espaços institucionais quanto a reformulação dos preexistentes (Figueirôa, 1997). O século XIX foi um período de grande efervescência científica e de progresso tecnológico; e em consequência dessa nova ordem, ocorreram mudanças significativas no padrão de formação e transmissão de conhecimentos. No que diz respeito especificamente às coleções mineralógicas abordadas nesse estudo, quer tenham sido obtidas por compra, doação ou coletadas em trabalhos de campo, têm se revelado importantes registros do patrimônio geológico, que, inseridos no espaço do museu, produzem novas perspectivas em termos
comunicacionais, dilatando, desse modo, a abrangência educacional, cultural e científica dessas coleções.
O ACERVO DE MINERAIS E ROCHAS E O MGEO O Museu da Geodiversidade (MGeo), criado em 2007, mas só inaugurado em 2008, em comemoração aos 50 anos do curso de Geologia, está localizado nas dependências do Instituto de Geociências (IGeo), da UFRJ, na Ilha do Fundão, possuindo uma das maiores coleções de fósseis do país, com cerca de 20 mil itens em seu acervo, constituído também por minerais, rochas, fotografias, mapas, documentos, objetos histórico-científicos e livros raros. Ele está dividido em coleções variadas, a saber: de minerais; de rochas; de fósseis; de icnofósseis; didática; de reconstituições (referente a reconstituições artísticas de animais extintos); arqueológica e histórico-científica (Barroso et al., 2008). A criação de um museu da geodiversidade no espaço do Instituto de Geociências, da UFRJ, foi motivada não somente pela comemoração dos 50 anos do curso de Geologia no Brasil, mas também pela possibilidade de melhor compreensão e consequente popularização das informações acerca das ciências geológicas junto à sociedade. Existia, ainda, preocupação com a integridade física e a segurança desses conjuntos, que poderiam se deteriorar e se perder ao longo do tempo, causando enorme prejuízo ao desenvolvimento acadêmico dos alunos, ao conhecimento em geociências e à sociedade em geral. Para Castro (2014), a comunidade geocientífica começou a se empenhar na divulgação do patrimônio geológico quando percebeu que grande parcela da sociedade estava distante dos conceitos relacionados à Geologia. Referindo-se especificamente às coleções mineralógicas, Silva et al. (2008) observam que, para uma formação acadêmica de qualidade na área das ciências geológicas, são fundamentais a criação e a manutenção de acervos técnicos, didáticos e históricos de minerais e de rochas.
Ofício datado de 13 de maio de 1825. Livro de Ofícios-Correspondência Oficial 1819/1842, p. 14. SEMEAR-MN-UFRJ, Rio de Janeiro.
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A possibilidade da existência de uma cultura universitária presume, portanto, a necessidade de difundi-la, torná-la acessível aos não universitários, de maneira a trabalhar também no fortalecimento da universidade como lócus portador de características, peculiares e privilegiadas, da sociedade atual (Ribeiro, 2013). Quanto à composição do acervo de minerais e rochas do MGeo, este é formado por variadas coleções, entre as quais ganham destaque as amostras trazidas da Escola Nacional de Engenharia (ENE) e as da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi). Por meio de vestígios de antigas etiquetas, constatamos que foram incorporadas aos acervos da ENE e da FNFi coleções mineralógicas comerciais, assim distribuídas: coleções Krantz, Emílio Schupp & Cia. e Anette Gutknecht (ENE) e Coleção W. D. Johnston Jr. (FNFi). No que concerne especificamente ao acervo mineralógico da ENE, não apenas integraram esse conjunto coleções comerciais, mas também outras, adquiridas por meio de compra ou de doação, como já descrito neste artigo. Ainda compõem o acervo de minerais e rochas do MGeo a Coleção Ward’s, adquirida por compra; a Coleção de Geologia Econômica, organizada pelo professor Jacques Pierre Cassedane (aposentado do Departamento de Geologia/UFRJ); a Coleção de Minerais Metálicos representantes de minas brasileiras; e as amostras do Laboratório Didático de Mineralogia, formando um conjunto de aproximadamente quatro mil exemplares.
A INCORPORAÇÃO DA COLEÇÃO DA ENE AO MGEO Os museus, para além da coleta, da seleção, do registro, da documentação e da exibição de peças, preocupam-se com a salvaguarda de seus acervos, com a integridade física de suas coleções. Na compreensão de Chagas (1994), a preservação não se justifica por si mesma, sendo necessário que, ao lado da preservação, seja instaurado o processo de comunicação.
Para Castro et al. (2011, p. 42), os museus são fontes perenes de atualização ao longo do tempo e configuram-se como excelentes ferramentas para o embasamento das informações a serem transferidas em todas as áreas do conhecimento. Nos museus científicos, as ciências e as tecnologias são apresentadas, refletidas e desmitificadas, tornando a informação acessível à sociedade.
Cury (1999) compreende o processo de musealização como uma valorização seletiva, mas contínua, no conjunto de ações que visam à transformação do objeto em documento e voltadas à sua comunicação. Esse processo tem seu início ao selecionarmos um objeto dentro de seu contexto, e é finalizado quando o apresentamos ao público, seja por meio de exposições, de atividades educativas etc. Na visão de Santos & Loureiro (2012, p. 51), como estratégia de preservação, a musealização aponta para essas duas direções, objetivando não apenas garantir a integridade física de uma seleção de objetos, mas também promover ações de pesquisa e documentação voltadas à produção, ao registro e à disseminação das informações a eles relacionadas, com vistas à transmissão a gerações presentes e futuras.
Quanto à incorporação da coleção de minerais e rochas da ENE e de outras mais antigas ao IGEO/UFRJ, não foram encontrados documentos que respaldassem a informação verbal que circula entre docentes e técnicos de longa trajetória profissional, ao afirmarem que elas vieram transferidas (de maneira negligenciada) do velho prédio do Largo de São Francisco, onde funcionou a ENE, à época do regime militar. A preservação de uma coleção de minerais é fundamental para manter um registro, muitas vezes o único, de depósitos e afloramentos que definem a história da Terra (Almeida et al., 2014). Faculdades, universidades e museus que têm patrocinado a criação de coleções geológicas também possuem a responsabilidade de mantê-las, sendo que esta obrigação inclui a manutenção física e a acessibilidade para pesquisa científica e educação (Howie, 1992).
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Para atender a todas estas demandas, concluiu-se que, nas dependências do IGeo, um museu seria o melhor modelo institucional de pesquisa, de preservação e de divulgação. Nesse âmbito, o Departamento de Geologia/ IGEO/UFRJ vem realizando um trabalho com o objetivo de tornar visível e de permitir o acesso ao seu acervo de minerais e rochas, em grande parte fechado em armários e distribuído em salas trancadas, sendo apenas colocados em disponibilidade os exemplares expostos no MGeo ou no Laboratório Didático de Mineralogia. Em 2008, foi iniciado um trabalho de reorganização das diversas coleções de minerais e rochas que compõem o acervo do Museu. A respeito do processo de tratamento técnico (higienização, identificação, classificação, registro, acondicionamento, organização física e comunicação), as amostras que compõem o acervo de minerais e rochas do MGeo estão sendo organizadas para que se tornem acessíveis e utilizadas como fonte de consulta e de pesquisa, tanto pelo público especializado (corpo docente e discente do IGeo e demais pesquisadores em geociências) quanto pelo público em geral (alunos da educação básica da rede pública e privada, além de outros visitantes). Vale registrar que a organização dessas coleções está sendo feita por tipologia de jazidas, segundo o método de Routhier (1963), que classifica as jazidas minerais conforme o ambiente geológico nos quais estas foram formadas – a saber, ciclo exógeno (concentrações ligadas à superfície da crosta) e ciclo hipógeno (concentrações ligadas ao interior da crosta). Acerca do tratamento e da disseminação informacional e em relação às ações de revitalização desse acervo, podemos incluir a criação de um banco de dados digital, que facilitará a consulta por acesso remoto às coleções mineralógicas, rompendo, assim, os limites impostos pela localização. Na organização dessas informações, os itens contemplados no banco de dados para cada amostra são: 1) nome do mineral; 2) número de registro; 3) variedade; 4) fórmula; 5) procedência; 6) coletor; 7) data da coleta; 8) origem histórica; 9) dimensões da amostra; 10) imagens
(cada mineral é fotografado em diferentes ângulos, em um total de quatro imagens por mineral); 11) observações.
CONCLUSÕES Na tentativa de restabelecer, por meio de documentos primários, a constituição da coleção mineralógica da Escola Nacional de Engenharia, seguiram-se as pistas apontadas aqui e ali no emaranhando de papéis que atravessou o tempo e que repousa nos arquivos públicos, à espera de ser revelado e interpretado. Vale observar que não existe no Instituto de Geociências nenhuma documentação referente às coleções mineralógicas, além do antigo livro de registro de amostras da ENE e das etiquetas (Figuras 3A e 3B) correspondentes às diversas coleções. A documentação disponível serve apenas para uma identificação sucinta das amostras, tais como o nome do mineral ou da rocha, sua proveniência e seu coletor. Essa economia de informações e tal carência de mais conhecimento acerca das coleções comprometem consideravelmente as atividades desenvolvidas pela equipe do museu. Para Wanderley & Ribeiro (2011), a não documentação das coleções de um museu o transforma em depósito de objetos; um museu que não tem acesso pleno às suas coleções não pode ser qualificado como uma instituição museológica. Na concepção de Barbuy (2008, p. 35), a organização da informação sobre os acervos de museus que denominamos como documentação museológica serve como base para todos os demais trabalhos institucionais, bem como para tornar a informação acessível a pesquisadores e públicos externos.
Segundo Loureiro (2008), a informação é um componente de suma importância para o desenvolvimento de toda e qualquer ação no âmbito do museu. Para este autor, os objetos/documentos musealizados não estão limitados unicamente por sua materialidade, pelo palpável, mas principalmente por seus contextos históricos e socioculturais.
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Figura 3. Fichas de identificação da antiga Escola Politécnica (A) e da Escola Nacional de Engenharia (B). Fotos: Cícera Neysi de Almeida. Assim considerando, é preciso assinalar que os objetos/documentos processados a partir da musealização não se detêm unicamente nos aspectos descritivos da materialidade, do concreto, mas remete-nos sempre aos contextos históricos e socioculturais de sua produção e uso. Estes dois níveis, para se tornarem úteis, devem ser integrados em uma instância significativa cuja construção é inviável sem os pressupostos da documentação. [...] No caso dos museus, não obstante os esforços que vêm sendo realizados, é essencial e urgente o aprofundamento radical de pesquisas relacionadas à gestão e à transmissão da informação tendo como pano de fundo a documentação (Loureiro, 2008, p. 27-28).
Os desafios do processamento técnico deste acervo mineralógico passam pelas ações corriqueiras de
etiquetagem, de assentamentos em livros de registros, de alimentação do banco de dados digital, de organização física, mas essencialmente pelo aprofundamento da pesquisa documental. Passa, enfim, por todo um aparato de medidas que visem, além da organização e da segurança, também a ampliação das possibilidades de estudos dessas coleções. As fontes primárias aqui citadas foram localizadas no Arquivo Nacional, local que recebeu da UFRJ, em doação, essa massa documental ainda na década de 1970. Este trabalho, também apoiado por bibliografia, fruto da dedicação de renomados pesquisadores, levou a alguns resultados. O conjunto de minerais e de rochas que compõe o acervo da extinta Escola Nacional de Engenharia incorpora um valor histórico e científico ímpar. A coleção teve o seu núcleo inicial formado em 1824, quando da doação dos exemplares em duplicata do Museu Nacional, com o objetivo de fornecer aos alunos da Academia Real Militar a continuidade dos estudos práticos em Mineralogia. Nos anos posteriores, esse núcleo foi ampliado, por meio de compra e de doações, por exemplo: 1859, doação de Carron du Villards (número desconhecido); 1868, doação do bacharel José de Saldanha Gama Filho (40 exemplares); 1872, compra da coleção de minerais argentíferos de Thomas Rodenas (140 exemplares); 1874, doação de Henri Gorceix; 1881, compra da coleção do conselheiro Miguel Antônio da Silva (número desconhecido); 1883, compra da coleção Halfeld. Esta última destaca-se por ser uma coleção de exemplares brasileiros, principalmente oriundos de Minas Gerais, sendo composta por 4.679 amostras. Entretanto, o número de exemplares registrados é drasticamente reduzido em relação à totalidade original da coleção. Podemos citar a coleção Rodenas, que foi reduzida a 31 exemplares; a coleção Halfeld, a apenas 83 exemplares; e a coleção Gorceix, que não é sequer referenciada. O processo de recadastramento do acervo mineralógico do Departamento de Geologia, da UFRJ, está em curso, por isso não se pode precisar o quanto foi perdido ao longo do tempo e as sucessivas mudanças
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da ENE, mas se pode afirmar que ocorreu um grande encolhimento desse conjunto, que se destaca por sua relevância histórica e científica e que reflete as diferentes épocas e os avanços no ensino em Geociências no país.
AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), pelos recursos financeiros obtidos através dos projetos E-110.125/2008, E-26.111637/2012 e E.30 FAPERJ.2012, que tornaram possível o desenvolvimento deste trabalho. Nosso especial agradecimento ao editor deste periódico, cuja esmerada revisão aperfeiçoou de forma significativa a qualidade deste artigo. REFERÊNCIAS ALMEIDA, C. N., K. L. MANSUR, C. M. BASTOS, P. M. GUIMARÃES, B. R. MIRANDA, J. V. REBOUÇAS & R. V. ROCHA, 2014. Preservando 55 anos de história e cultura: a Coleção de Minerais do Departamento de Geologia/IGEO/UFRJ. Anais do Congresso Brasileiro de Geologia 47: 1 CD-ROM. AMARAL, R. F. A., 2011. Modelos didáticos na Museologia e ensino da botânica da Universidade de Coimbra: 1-137. Dissertação (Mestrado em Museologia e Patrimônio Cultural) – Universidade de Coimbra, Coimbra. ARACRI, E. M. R. P., 2013. Professores no Museu da Geodiversidade: o capital cultural nas percepções e expectativas da relação museu x escola: 1-160. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. BARBUY, H., 2008. Documentação museológica e pesquisa em museus. In: MUSEU DE ASTRONOMIA E CIÊNCIAS AFINS (MAST). Documentação em museus: 33-43. MAST (MAST Colloquia, v. 10), Rio de Janeiro. BARROSO, E. V., J. A. BARROSO, A. E. D. G. HORTA & I. S. CARVALHO, 2008. 2008: retrospectiva dos 50 anos na Geologia e olhar crítico para o futuro. Anuário IGEO 31(1): 9-23. BASTOS, C. M., 2016. A Coleção de Minerais e Rochas da Escola Nacional de Engenharia pertencente ao Museu da Geodiversidade/UFRJ: formação e trajetória: 1-112. Dissertação (Mestrado em Museologia e Patrimônio) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/Museu de Astronomia e Ciências Afins, Rio de Janeiro. BAUDRILLARD, J., 2002. O sistema dos objetos: 1-230. Editora Perspectiva, São Paulo.
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Micropaleontologia ou paleomicrontologia? Ajustando a morfologia da palavra Micropaleontology or paleomicrontology? Adjusting the morphology of the word Sandro Monticelli Petró Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil
Resumo: A linguagem é dinâmica e novas palavras são criadas por meio de correção morfológica, quando comprovada a existência de uma forma mais eficiente para elucidar o seu significado. A palavra micropaleontologia, utilizada para definir a ciência que estuda os microfósseis, foi cunhada de forma equivocada, pois, analisando a morfologia desta palavra, tal disciplina retrataria uma área científica em escala microscópica ou diminuta, e não uma ciência cujo objeto de estudo é microscópico. Ao contrário do microfóssil, que é um fóssil microscópico, o micropaleontólogo não é um profissional microscópico que estuda fósseis. Portanto, a palavra micropaleontologia e suas derivadas não possuem significado morfológico satisfatório. O objetivo deste trabalho é propor um termo que caracterize mais adequadamente o estudo dos microfósseis. Comparando o caso da palavra microfotografia, que foi corrigida para fotomicrografia, conclui-se que o prefixo ‘micro’ pode ser colocado no meio da palavra, tornando-se um infixo. Assim, também seria possível transferir o prefixo ‘micro’ para o meio da palavra micropaleontologia. Neste artigo, é proposta a palavra paleomicrontologia: palaiós (antigo) + mikrós (pequeno) + óntos (ser) + lógos (estudo). Mesmo se a palavra micropaleontologia ainda for considerada correta, a palavra paleomicrontologia deveria ter seu uso aceito em trabalhos científicos. Palavras-chave: Paleontologia. Língua Portuguesa. Neologismo. Abstract: Language is dynamic, and new words should be created, through morphological correctness, when a more accurate and better way is found to communicate meaning. The word micropaleontology was coined wrongly, because it apparently portrays a microscopic scientific area, not a science whose object of study is microscopic. Unlike the microfossil, that is a microscopic fossil, a micropaleontologist is not a microscopic human being studying fossils. So, the word micropaleontology and others derived from it do not have a satisfactory morphology. The objective of this work is to propose a term that better characterizes the study of microfossils. Comparing the case of the word microphotography, which has been corrected for photomicrography, it is possible to conclude that the prefix ‘micro’ could be put in the middle of the word, as an infix. Thus, it would be also possible to transfer the prefix ‘micro’ to the middle of the word micropaleontology. So, herein the word paleomicrontology is proposed: palaiós (old) + mikrós (little) + óntos (being) + lógos (study). Therefore, even if the word micropaleontology is still considered correct, the word paleomicrontology should be also accepted in scientific studies. Keywords: Paleontology. Portuguese Language. Neologism.
PETRÓ, S. M., 2017. Micropaleontologia ou paleomicrontologia? Ajustando a morfologia da palavra. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais 12(1): 129-134. Autor para correspondência: Sandro Monticelli Petró. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Geociências. Av. Bento Gonçalves, 9500 – Agronomia. Porto Alegre, RS, Brasil. CEP 91501-970 (sandro.m.petro@gmail.com). Recebido em 07/04/2017 Aprovado em 24/08/2017 Responsabilidade editorial: Fernando da Silva Carvalho Filho
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Micropaleontologia ou paleomicrontologia? Ajustando a morfologia da palavra
INTRODUÇÃO E HISTÓRICO Nos estudos de uma língua escrita, a morfologia faz parte da gramática e analisa as palavras de modo isolado. Faz parte da morfologia o estudo da estrutura e da formação, das flexões e da classificação das palavras. A semântica, por sua vez, é um ramo da linguística que perscruta o significado e a interpretação do significado de uma palavra, de uma frase ou de uma expressão em determinado contexto. Neologismos são comuns em todos os idiomas e fazem parte da construção da comunicação vernacular. Novas palavras podem ser inseridas ou substituídas, quando constatada uma forma mais correta e que melhor elucide o seu significado. A versão de 2010 do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (Ferreira, 2010) registrou, por exemplo, um aumento de 6% em novas palavras, acepções, locuções e abonações em relação à edição anterior. Os primeiros estudos sistematizados feitos com microfósseis, com a finalidade de caracterizá-los como objetos de ciência, foram atribuídos a Alcide d’Orbigny (1802-1857), que, entre 1826 e 1857, publicou trabalhos sobre distintos grupos de organismos microscópicos. Alcide d’Orbigny cunhou o termo foraminífero, grupo por meio do qual estudou a morfologia, a distribuição e a classificação, tanto de organismos atuais como de remanescentes fósseis, embora inicialmente tenha o considerado como cefalópodes. Felix Dujardin, em 1835, descobriu a verdadeira natureza unicelular dos foraminíferos, cunhando o termo Rhizopoda (Molina, 2004). Posteriormente, Christian Gottfried Ehrenberg, em 1854, separou o ramo de estudos de microfósseis das demais disciplinas, tendo, porém, batizado a área com o termo microgeologia, utilizado no título de seu trabalho. Enfim, o termo micropaleontologia (em inglês) foi primeiramente utilizado por Arthur H. Foord, em 1883 (Molina, 2004), como título de sua obra sobre briozoários do Canadá: “Contributions to the micro-palæontology of the Cambro-silurian rocks of Canada” (Foord, 1883). O estudo de microfósseis nasceu na Europa, mas teve maior desenvolvimento na América. Frederick Chapman,
em 1900, estudou foraminíferos de perfurações petrolíferas na Califórnia, originando a micropaleontologia econômica. Um dos grandes pioneiros nestes estudos, todavia, foi Joseph Augustine Cushman, que, devido à grande dedicação aos estudos em botânica e em foraminíferos, foi considerado o primeiro micropaleontólogo. A partir de 1923, os cursos de paleontologia dedicaram-se a formar especialistas nesta área, dando origem à micropaleontologia acadêmica (Molina, 2004). Assim, a palavra micropaleontologia, por décadas, vem sendo utilizada para definir a ciência que estuda microfósseis calcários, orgânicos, silicosos ou fosfáticos, que habitam desde ambientes continentais a espaços lagunares, estuarinos e marinhos. Entre os microfósseis calcários, destacam-se foraminíferos bentônicos e planctônicos, ostracodes, cocolitoforídeos (pertencentes ao grupo dos nanofósseis, devido à sua escala nanométrica) e pterópodes. Entre os orgânicos, têm-se esporos, grãos de pólen, acritarcos, dinoflagelados, entre outros. No grupo dos fosfáticos, destacam-se conodontes. Os microfósseis silicosos são representados fundamentalmente pelas diatomáceas e por radiolários. Porém, o próprio conceito de microfóssil pode ser um pouco confuso (Bergue, 2017), pois, em essência, trata-se de um fóssil que precisa de recursos de microscopia para ser estudado. Todavia, nem sempre são microscópicos e, em muitos casos, podem não ser organismos completos, mas partes pequenas de organismos relativamente maiores, por exemplo, de conodontes e palinomorfos. Contudo, todos estes grupos são utilizados para estudos paleontológicos, incluindo paleoecologia, paleoceanografia, paleoclimatologia, bioestratigrafia, correlações estratigráficas de bacias sedimentares, entre vários outros de caráter acadêmico e econômico. O estudo dos microfósseis é o maior ramo da paleontologia, assim como microfósseis são, de longe, os fósseis mais abundantes. Embora quase imperceptíveis, devido ao seu pequeno tamanho, são (e foram) microrganismos da base da cadeia alimentar, compondo quase 90% da biomassa em oceanos e lagos. A maioria dos microfósseis ocupa o
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ambiente marinho, tanto os bentos quanto o plâncton, e é a principal fonte de sedimento do fundo oceânico, exceto em zonas onde a dissolução dos restos esqueletais predomina sobre a deposição (Kennett, 1982). A palavra micropaleontologia, que nomeia este ramo da ciência, foi, no entanto, cunhada de forma equivocada. Este fato pode ser observado ao se interpretar a palavra a partir do prefixo, pois micropaleontologia aparentemente retrata uma área científica microscópica, ou seja, uma ciência diminuta, em escala microscópica, e não uma ciência cujo objeto de estudo é algo de tamanho microscópico. Ainda, derivando -se esta palavra, observa-se que o profissional desta área é classificado como micropaleontólogo. Sabendo-se que um microfóssil é um fóssil microscópico, pode-se interpretar equivocadamente que um micropaleontólogo é um ser microscópico que
estuda fósseis, o que, de fato, não é verdade (Figura 1). Portanto, a palavra micropaleontologia e suas derivadas não possuem um significado semântico satisfatório. Assim, o objetivo deste trabalho é propor um termo que designe, de forma mais coesa, esta importante área das geociências.
MÉTODO A morfologia estuda a estrutura e a formação, as flexões e a classificação das palavras. Os elementos que formam a palavra são chamados de mórficos ou morfemas. Entre os morfemas, temos o radical, a desinência, os afixos, a vogal temática e o tema: radical é o elemento comum a palavras da mesma família (e.g. ‘estud’ em estudar, estudante, estudo); desinências são os elementos que se adicionam ao radical para indicar aspectos gramaticais (e.g. desinências nominais: martel[o][s]; desinências verbais: trabalhá[va][mos]);
Figura 1. Representação de como deveria ser um micropaleontólogo e de como é um paleomicrontólogo. Observar a diferença de magnitude entre as as barras de escalas. Foto: João Carlos Coimbra.
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Micropaleontologia ou paleomicrontologia? Ajustando a morfologia da palavra
afixos são elementos que se acrescentam ao radical para formar palavras novas, podendo ser prefixo, se ocorrer antes do radical (e.g. [anti]didático), ou sufixo, se depois do radical (e.g. honesti[dade]), ainda existem os infixos, que são afixos que ocorrem no meio das palavras (e.g. met[an]o); vogal temática é a vogal que ocorre logo após o radical e indica a conjugação em verbos, representadas por ‘a’, ‘e’ e ‘i’ (e.g. jog[a]va, beb[e]ra, part[i]sse); tema é o radical somado à vogal temática (e.g. joga, bebe, parti). A soma destes morfemas, ou de alguns deles, é responsável pela formação das palavras (Cunha & Cintra, 2013). Para embasar a mudança morfológica aqui proposta, foi comparada a palavra em questão neste artigo com outro termo. Assim, foram utilizadas como base para analogia as palavras microfotografia e fotomicrografia. Microfotografia é uma imagem extremamente pequena de um objeto (Delly, 1981), que, para ser observada e estudada, necessita de uma ampliação (Bradbury et al., 1989) (Figura 2). Já fotomicrografia é um registro fotográfico de uma imagem formada por um microscópio (Bradbury et al., 1989), ou seja, uma imagem ampliada de um objeto microscópico, possível de ser observada a olho nu por um ser humano (Figura 2). Assim, em uma microfotografia, não há diferença na observação do objeto diretamente e do objeto na foto. Em vista destas definições, utiliza-se o termo fotomicrografia para representar uma fotografia impressa (em periódicos, revistas, jornais etc.) de algum objeto em escala microscópica. Esta palavra é importante para a comparação, pois é possível observar que o afixo ‘micro’ pode ser utilizado como infixo, do mesmo modo que se observa na palavra geomicrobiologia.
RESULTADO E DISCUSSÃO Comparando a palavra que define a ciência em questão com outras terminologias da paleontologia, como paleontologia de vertebrados e paleontologia de invertebrados, seria mais sensato utilizar o termo paleontologia de microrganismos. Paleontologia de microfósseis também deveria ser descartada, pois há um pleonasmo, repetindo
Figura 2. Comparação de microfotografias com fotomicrografias. Na parte superior, constam sete microfotografias. Na parte inferior (A a F), constam fotomicrografias de (A) grãos de areia, (B, C e D) ostracodes e (E e F) foraminíferos planctônicos.
afixos com o mesmo significado: ‘paleo’ e ‘fóssil’. Porém, um substantivo composto não se torna prático para ser utilizado em nomes de laboratórios e títulos de periódicos, então busca-se uma única palavra que defina a ciência que estuda os microfósseis. Ao se observar todos os ramos da paleontologia, percebe-se que todas as subáreas, exceto a micropaleontologia, têm o afixo ‘paleo’ agindo como prefixo, como é observado em paleopalinologia, paleontologia de vertebrados e paleontologia de invertebrados. Ainda, as subdivisões das áreas que definem os objetivos da paleontologia, independente do grupo fóssil utilizado, também têm o prefixo ‘paleo’, como paleoceanografia, paleoclimatologia, paleoecologia, paleogeografia e paleobiologia.
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Utilizando-se a lógica apresentada nos métodos, aplicada na palavra fotomicrografia, na reformulação da palavra micropaleontologia, destaca-se que também é possível passar o prefixo ‘micro’ para o meio da palavra, tornando-o um infixo. Assim é criada a palavra paleomicrontologia. Para entender melhor a consistência desta proposta, ao desmembrar esta palavra pelos termos em grego que a originaram, tem-se: palaiós (antigo) + mikrós (pequeno) + óntos (ser) + lógos (estudo). Ou seja, a paleomicrontologia representa o estudo de seres pequenos antigos (Figura 3). Geralmente, o tipo de pesquisa que nomeia a área mantém-se contínuo, ou seja, sem infixos, como em radioastronomia, microcirurgia e etnobotânica. Porém, em paleomicrontologia o termo que determina o tipo de pesquisa (paleontologia) é dividido, como também ocorre na palavra utilizada como analogia (fotomicrografia), onde o núcleo da palavra (fotografia) recebe um infixo. Diferentemente de micropaleontologia, a palavra microcirurgia tem a sua morfologia mais satisfatória, pois se trata de uma cirurgia em escala microscópica. Embora aqui seja destacada a morfologia das palavras segundo as regras da língua portuguesa, provavelmente em outros idiomas possa ser possível alterar este termo, por exemplo: paleomicrontology/ palaeomicrontology (inglês), paleomicrontología (espanhol), paläomikrontologie (alemão), paléomicrontologie (francês), palaeomicrontologie (holandês) e paleomicrontologia (italiano). Independentemente de os termos originais (e.g. micropaleontology, em inglês, ou nos outros idiomas aqui mencionados) estarem corretos ou não, segundo suas próprias regras gramaticais, não pode ser descartada a possibilidade de o termo paleomicrontology (e demais versões) também estar(em) correto(s) em outros idiomas. Uma breve pesquisa na rede mundial de computadores revela que já houve uma tentativa de utilizar o termo paleomicrontologia por Rueda-Gaxiola (1975), embora sem uma argumentação quanto à consistência morfológica
Figura 3. Fragmentação e interpretação dos termos em grego que formam a palavra paleomicrontologia.
do uso, como se o termo já fosse amplamente utilizado. No texto de Rueda-Gaxiola (1975), em espanhol, é destacado: [...] la Paleomicrontología dentro del programa de Licenciatura de Geología [...] la paleontologia se divide en dos partes: la Paleomacrontología y la Paleomicrontología. La primera estudia organismos, órganos y fragmentos orgánicos fósiles de más de 1 cm; la segunda de menos de 1 cm. [...] la Palinología es llamada Paleopalinología y es parte directa de la Paleomicrontología. [...] Poco a poco la Paleomicrontología ha ido ganando importancia desde hace apenas unos años y actualmente es mucho más importante que la Paleomacrontología por sus fines y posibilidades de aplicación (RuedaGaxiola, 1975, p. 2, 3 e 5).
CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES Recomenda-se o uso do termo paleomicrontologia para definir o ramo da paleontologia que estuda os microfósseis. Como já mencionado, a palavra é formada pelos termos, em grego: palaiós (antigo) + mikrós (pequeno) + óntos (ser) + lógos (estudo), sendo, portanto, o estudo de seres pequenos antigos (Figura 3). Embora, em um primeiro contato, a palavra cause estranheza, após uma análise crítica, é possível perceber a sua coerência. Como é usual em várias áreas do conhecimento, costuma-se abreviar o nome dos domínios (e.g. paleontologia: ‘paleonto’), neste caso também é possível abreviar a palavra paleomicrontologia por ‘paleomicro’, facilitando
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o primeiro contato com o novo termo, até a completa assimilação do termo reformulado. A proposta de substituição da palavra micropaleontolgia por paleomicrontologia tem coerência ao se analisar a estrutura da língua portuguesa, sendo que, em análises futuras, poderá ser constatada a sua correta aplicação ou não nas versões em outros idiomas. A comparação entre os termos microfotografia e fotomicrografia e a subsequente preferência pela segunda forma comprova que é possível optar por um termo mais coerente, e também demonstra a viabilidade desta análise no idioma inglês, onde originalmente ocorreu este apuro. Finalmente, caso a palavra micropaleontologia ainda seja considerada correta, o termo paleomicrontologia precisa ter seu uso aceito em trabalhos científicos.
AGRADECIMENTOS Agradeço a María Alejandra Gómez Pivel, pelas discussões sobre a proposta e pelo incentivo em colocar esta ideia no papel. Ao amigo Lucas Teixeira, pela revisão das normas da língua portuguesa. À colega Nathália Carvalho da Luz, pela discussão sobre a aplicação da proposta em outros idiomas. Ao colega Cristianini Trescastro Bergue, pela revisão do texto em inglês. Finalmente, agradeço a todos aqueles que contribuíram a favor e contra esta ideia e, de alguma
forma, colaboraram com discussões, críticas e sugestões úteis ao aprimoramento deste trabalho.
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Nota de pesquisa
Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 12, n. 1, p. 137-140, jan.-abr. 2017
Predação de Columbina squammata Lesson, 1831 (Aves: Columbidae) por Cariama cristata Linnaeus, 1766 (Aves: Cariamidae) Predation of Columbina squammata Lesson, 1831 (Aves: Columbidae) by Cariama cristata Linnaeus, 1766 (Aves: Cariamidae) Sandro Gonçalves Moreira Pesquisador independente. Uberlândia, Minas Gerais, Brasil
Resumo: O presente trabalho relata o primeiro registro de predação de fogo-apagou (Columbina squammata Lesson, 1831) por seriema (Cariama cristata Linnaeus, 1766), na zona rural do município de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. Palavras-chave: Seriema. Fogo-apagou. Relações ecológicas. Abstract: The present paper reports the first record of predation of the scaled dove (Columbina squammata Lesson, 1831) by red-legged seriema (Cariama cristata Linnaeus, 1766), in the countryside of the municipality of Uberlândia, Minas Gerais, Brazil. Keywords: Red-legged seriema. Scaled dove. Ecological relations.
MOREIRA, S. G., 2017. Predação de Columbina squammata Lesson, 1831 (Aves: Columbidae) por Cariama cristata Linnaeus, 1766 (Aves: Cariamidae). Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais 12(1): 137-140. Autor para correspondência: Sandro Gonçalves Moreira. Rua José Maria Malva, 38 – Nova Uberlândia. Uberlândia, MG, Brasil. CEP 38412-630 (sandroechoavis@hotmail.com). Recebido em 21/06/2017 Aprovado em 26/08/2017 Responsabilidade editorial: Fernando da Silva Carvalho Filho
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Predação de Columbina squammata Lesson, 1831 (Aves: Columbidae) por Cariama cristata Linnaeus, 1766 (Aves: Cariamidae)
Columbina squammata Lesson, 1831, popularmente conhecida como fogo-apagou, rolinha-carijó, rola-pedrês, paruru, galinha-de-deus ou rola cascavel, é um columbídeo comumente encontrado em praticamente todo o Brasil, desde ambientes preservados a altamente antropizados (Wikiaves, 2017). Espécie granívora, com cerca de 20 centímetros de comprimento, facilmente reconhecida pelo canto onomatopeico característico (“ú gu-gú”), por possuir cauda com retrizes externas mais longas, com laterais brancas, bem como por apresentar plumagem escamosa clara, barrada de preto (Sick, 1997). Apesar de empiricamente se saber que se trata de uma espécie que faz parte da dieta de muitos predadores, há poucos registros disponíveis na literatura sobre tal interação (Miranda et al., 2013). A seriema (Cariama cristata Linnaeus, 1766) é endêmica da América do Sul, sendo uma das duas únicas espécies vivas da família Cariamidae. Possui de 75 a 90 cm de comprimento e pesa cerca de 1,5 kg (Gonzaga & Kirwan, 2017). A plumagem nas aves adultas possui coloração acinzentada, com tonalidade levemente parda ou amarelada; o bico, assim como os tarsos, é vermelho e de sua base cresce um feixe de penas eriçadas (Sick, 1997), característica exclusiva entre as aves sul-americanas (Hallager, 2013). A região perioftálmica possui coloração em tons de azul, e a íris é amarela. Possui discreto dimorfismo sexual, sendo que o macho possui penas da crista maiores, com tamanho ligeiramente maior do que o da fêmea (AZA, 2013; Hallager, 2013). Esta espécie ocorre tipicamente em regiões campestres, principalmente em áreas de cerrado, de campos sujos e de planaltos no sudeste do Brasil, no Paraguai, no Uruguai, na Bolívia e na Argentina (Hallager, 2013). No entanto, ela vem ocupando outras regiões, em decorrência do desmatamento progressivo de áreas florestais, que lhe cria hábitat favorável, em razão do aumento das regiões de campo aberto (AZA, 2013; Sick, 1997), sendo observada inclusive em propriedades rurais (Gonzaga & Kirwan, 2017).
Normalmente, esta espécie forrageia solitariamente ou aos pares, podendo eventualmente formar pequenos grupos familiares. Ela também se desloca lentamente à procura de presas no solo, ou permanece camuflada na vegetação baixa, à espreita das mesmas (Gonzaga & Kirwan, 2017). Possui hábito alimentar onívoro/insetívoro, incluindo itens vegetais, como grãos, sementes, frutos silvestres e gomas, e também animais, como artrópodes, anelídeos, roedores e pequenos répteis, sendo que no período reprodutivo, momento em que o casal parental se mostra altamente territorialista, há prevalência para a captura de pequenos vertebrados com a finalidade de alimentar os filhotes (Almeida, 1994; Sick, 1997; AZA, 2013; Folly et al., 2015; Silva et al., 2016; Gonzaga & Kirwan, 2017). Embora seja uma ave muito comum em várias regiões da América do Sul, pouco tem sido publicado sobre esta espécie. A maioria das informações sobre seriemas está relacionada a espécimes de cativeiro (Brooks, 2014). Ao dia 26 de junho de 2016, às 10:55 h, no condomínio de chácaras Eldorado, situado a 15 km do perímetro urbano de Uberlândia, em Minas Gerais, foram observadas, de maneira direta, e registradas em fotografia a captura e a predação de um indivíduo adulto da espécie Columbina squammata por uma seriema. O indivíduo predado incubava os ovos em um ninho localizado sob o telhado de uma edificação (Figura 1A). A ave saiu do ninho, sobrevoou uma região gramada e pousou, provavelmente para forragear; após alguns segundos, foi capturada pela seriema, que estava forrageando sozinha no local, provavelmente capturando pequenos artrópodes. A seriema aproximou-se lentamente por trás da fogo-apagou e, quando próxima, alinhou a cabeça com o corpo, esticou lentamente o pescoço, capturando-a, em seguida, com o bico em um movimento rápido, comportamento similar ao descrito por Silva et al. (2016).
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Figura 1. A) Ninho de Columbina squammata; B e C) Cariama cristata durante predação a Columbina squammata no condomínio de chácaras Eldorado, em Uberlândia, Minas Gerais. Fotos: Sandro Gonçalves Moreira, obtidas em junho de 2016.
Não foi possível notar a maneira como a presa foi morta, mas, provavelmente, não ocorreu da forma frequentemente relatada na literatura, em que ela é batida várias vezes contra o solo (Gonzaga & Kirwan, 2017). Neste caso, a morte ocorreu de algum modo mais rápido, por bicadas na cabeça ou na região cervical, como observado por Cardoso & Santos (2012). Após a captura, a seriema pisou sobre a presa e, com auxílio do bico, arrancou e ingeriu pequenos pedaços, inclusive com penas (Figura 1B), comportamento equivalente ao descrito por Gonzaga & Kirwan (2017), a respeito da forma de manipulação da presa. Depois de cerca de 20 minutos após a captura, o restante da espécie predada (que representava quase toda a sua massa) foi ingerido, sendo a deglutição iniciada pela cabeça (Figura 1C), com movimentos verticais da cabeça da ave predadora, como observado por Silva et al. (2016), ao registrarem a ingestão de presas maiores (roedores e répteis) por C. cristata. O evento teve duração de aproximadamente 25 minutos.
A proximidade humana durante a atividade não pareceu interferir no evento relatado, como também observado por Cardoso & Santos (2012), em seus relatos de predação da Philodryas patagoniensis por seriemas. De acordo com Hallager (2013), C. cristata pode se alimentar de filhotes de aves se houver oportunidade, no entanto, a predação de espécies adultas é algo pouco relatado na literatura.
REFERÊNCIAS ALMEIDA, A. C. C., 1994. Nota sobre biologia reprodutiva de seriema Cariama cristata (Linnaeus, 1766) (Gruiformes - Cariamidae). Revista Nordestina de Biologia 9(1): 49-59. ASSOCIATION OF ZOOS AND AQUARIUMS (AZA), 2013. Redlegged seriema (Cariama cristata) care manual. Association of Zoos and Aquariums, Silver Spring. Disponível em: <https://www.aza.org/ assets/2332/red_legged_seriema_care_manual_2013.pdf>. Acesso em: 15 janeiro 2017. BROOKS, D. M., 2014. Ecological notes on seriema species in the Paraguayan Chaco, with observations on Chunga biology. Revista Brasileira de Ornitologia 22(2): 234-237.
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Predação de Columbina squammata Lesson, 1831 (Aves: Columbidae) por Cariama cristata Linnaeus, 1766 (Aves: Cariamidae)
CARDOSO, S. R. T. & S. M. A., SANTOS, 2012. Observações sobre predação da serpente Philodryas patagoniensis por aves. Biologia Geral e Experimental 12(2): 7-9. Disponível em: <https://www.researchgate. net/profile/Silvia_Travaglia-Cardoso/publication/284731997_ Observacoes_sobre_predacao_da_serpente_Philodryas_ patagoniensis_por_aves/links/5658a46108ae4988a7b77f8d/ Observacoes-sobre-predacao-da-serpente-Philodryas-patagoniensispor-aves.pdf>. Acesso em: 11 julho 2016. FOLLY, H., M. O. NEVES, E. A. PEREIRA, P. HOTEL, R. A. SOUZA & D. J. SANTANA, 2015. Predation on Leposternon microcephalum Wagler, 1824 (Squamata, Amphisbaenidae) by Cariama cristata Linnaeus,1766 (Cariamiformes, Cariamidae). Herpetology Notes 8: 465-466 GONZAGA, L. P. & G. M. KIRWAN, 2017. Red-legged seriema (Cariama cristata). In: J. DEL HOYO, A. ELLIOT, J. SARGATAL, D. A. CHRISTIE & E. DE JUANA (Ed.): Handbook of the birds of the world alive. Lynx Edicions, Barcelona. Disponível em: <http://www. hbw.com./node/53710>. Acesso em: 15 junho 2017.
HALLAGER, S., 2013. North American Studbook for the redlegged seriema: 1-84. Smithsonian’s National Zoological Park, Washington. MIRANDA, J. P., J. C. L. COSTA, F. M. SCARPA & C. F. D. ROCHA, 2013. Predation on Columbina squammata (Aves: Columbidae) by the Green Vine Snake Oxybelis fulgidus (Serpentes: Colubridae) at the Lençóis Maranhenses National Park, Maranhão. Brazil Herpetology Notes 6: 187-188. SICK, H., 1997. Ornitologia brasileira: 2 ed.: 1-912. Nova Fronteira, Rio de Janeiro. SILVA, A. N., R. NUNES, D. C. ESTRELA, G. MALAFAIA & A. L. S. CASTRO, 2016. Behavioral repertoire of the poorly known Red-legged Seriema, Cariama cristata (Cariamiformes: Cariamidae). Revista Brasileira de Ornitologia 24(2): 73-79. WIKIAVES, 2017. Fogo-apagou. Disponível em: <wikiaves.com. br/fogo-apagou>. Acesso em: 15 junho 2017.
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BOLETIM DO MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI. CIÊNCIAS NATURAIS INSTRUÇÕES AOS AUTORES Objetivos e política editorial O Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais tem como missão publicar trabalhos originais em biologia (zoologia, botânica, biogeografia, ecologia, taxonomia, anatomia, biodiversidade, vegetação, conservação da natureza) e geologia. A revista aceita colaborações em português, espanhol e inglês (Inglaterra) para as seguintes seções: Artigos Científicos – textos analíticos originais, resultantes de estudos e pesquisas com contribuição efetiva para o avanço do conhecimento. Até 50 laudas. Notas de Pesquisa – relato preliminar sobre observações de campo, dificuldades e progressos de pesquisa em andamento, ou em fase inicial, enfatizando hipóteses, comentando fontes, resultados parciais, métodos e técnicas utilizados. Até 15 laudas. Memória – seção que se destina à divulgação de acervos ou seus componentes que tenham relevância para a pesquisa científica; de documentos transcritos parcial ou integralmente, acompanhados de texto introdutório; e de ensaios biográficos, incluindo obituário ou memórias pessoais. Até 15 laudas. Resenhas Bibliográficas – texto descritivo e/ou crítico de obras publicadas na forma impressa ou eletrônica. Até cinco laudas. Teses e Dissertações – descrição sucinta, sem bibliografia, de dissertações de mestrado, teses de doutorado e livre-docência. Uma lauda.
Apresentação de originais Os originais devem ser encaminhados ao Editor Científico por meio de mensagem eletrônica (boletim.naturais@museu-goeldi.br), contendo, obrigatoriamente, o título do trabalho, o nome completo, por extenso, do autor principal e dos demais autores, a indicação de autor para correspondência (com endereço completo, CEP, telefones, fax, e-mail) e uma declaração de que o autor principal se responsabiliza pela inclusão dos coautores. A revista possui um Conselho Científico. Os trabalhos submetidos são primeiramente avaliados pelo Editor ou por um dos Editores Associados. O Editor reserva-se o direito de sugerir alterações nos trabalhos recebidos ou devolvê-los, caso não estejam de acordo com os critérios exigidos para publicação. Uma vez aceitos, os artigos seguem para avaliação por pares (peer-review). Os artigos são analisados por dois especialistas, no mínimo, que não integram a Comissão Editorial. Caso haja discordância entre os pareceres, o trabalho é submetido a outro(s) especialista(s). Caso mudanças ou correções sejam recomendadas, o trabalho é devolvido ao(s) autor(es), que terá(ão) um prazo de trinta dias para elaborar nova versão. Os arquivos referentes a artigos não aprovados para publicação são deletados. A publicação implica cessão integral dos direitos autorais do trabalho à revista. A declaração para a cessão de direitos autorais é enviada juntamente com a notificação de aceite do artigo. Deve ser impressa e devolvida assinada via correios. Todos os autores devem assinar uma declaração. Aos Editores, ao Conselho Científico e aos consultores científicos ad hoc cabe a responsabilidade ética do sigilo e da colaboração voluntária para garantir a qualidade científica das publicações e da revista. Aos autores, cabe a responsabilidade da veracidade das informações prestadas, do depósito dos materiais estudados em instituições legais, quando couber, e o cumprimento das leis locais que regem a coleta, o estudo e a publicação dos dados.
Preparação de originais Os originais devem ser enviados com texto digitado em Word, com fonte Times New Roman, tamanho 12, entrelinha 1,5, em laudas sequencialmente numeradas. Na primeira folha (folha de rosto) devem constar: título (no idioma do texto e em inglês); nome(s) completo(s) do(s) autor(es); filiação institucional (por extenso); endereço(s) completo(s); e-mail de todos os autores. Na página dois, devem constar: título (no idioma do texto e em inglês), resumo, abstract, palavras-chave e keywords. Não incluir o(s) nome(s) do(s) autor(es). Tabelas devem ser digitadas em Word, sequencialmente numeradas, com claro enunciado. Ilustrações e gráficos devem ser apresentados em páginas separadas e numeradas, com as respectivas legendas, e em arquivos à parte em formato TIFF (preferencialmente) ou JPEG, com resolução mínima de 500 dpi, tamanho mínimo de 3.000 pixels de largura. O texto deve, obrigatoriamente, fazer referência a todas as tabelas, gráficos e ilustrações. Chaves devem ser apresentadas no seguinte formato: 1. Lagarto com 4 patas minúsculas..............................................................................................................................................2
Lagarto com 4 patas bem desenvolvidas.................................................................................................................................3
2. Dígitos geralmente sem unhas, dorsais lisas.....................................................................................................Bachia flavescens Dígitos com unhas, dorsais quilhadas.................................................................................................................Bachia panoplia 3. Mãos com apenas 4 dedos....................................................................................................................................................4
Mãos com 5 dedos................................................................................................................................................................5
4. Escamas dorsais lisas....................................................................................................................Gymnophthalmus underwoodii
Escamas dorsais quilhadas.................................................................................................................Amapasaurus tetradactylus
5. Cabeça com grandes placas...................................................................................................................................................6
Cabeça com escamas pequenas............................................................................................................................................7
6. Placas posteriores da cabeça formam uma linha redonda.........................................................................Alopoglossus angulatus
Placas posteriores da cabeça formam uma linha reta...................................................................................... Arthrosaura kockii
7. Etc. Etc. Pede-se destacar termos ou expressões por meio de aspas simples. Apenas termos científicos latinizados ou em língua estrangeira devem constar em itálico. Observar cuidadosamente as regras de nomenclatura científica, assim como abreviaturas e convenções adotadas em disciplinas especializadas. Citações e referências a autores no decorrer do texto devem subordinar-se à seguinte forma: sobrenome do autor (apenas com inicial maiúscula) e ano (exemplo: Weaver, 1989). Em trabalhos com dois autores, os nomes devem ser separados por “&”. No caso de mais de dois autores, menciona-se somente o nome do primeiro autor seguido por “et al.”. Todas as obras citadas ao longo do texto devem estar corretamente referenciadas ao final do artigo.
Estrutura básica dos trabalhos Título – No idioma do texto e em inglês (quando este não for o idioma do texto). Deve ser escrito em caixa baixa, em negrito, centralizado na página. Resumo e Abstract – Texto em um único parágrafo, ressaltando os objetivos, métodos e conclusões do trabalho, com, no máximo, duzentas palavras, no idioma do texto (Resumo) e em inglês (Abstract). A versão para o inglês é de responsabilidade do(s) autor(es). Palavras-chave e Keywords – Três a seis palavras que identifiquem os temas do trabalho, para fins de indexação em bases de dados. Introdução – Deve conter uma visão clara e concisa de conhecimentos atualizados sobre o tema do artigo, oferecendo citações pertinentes e declarando o objetivo do estudo.
Material e métodos – Exposição clara dos métodos e procedimentos de pesquisa e de análise de dados. Técnicas já publicadas devem ser apenas citadas e não descritas. Termos científicos, incluindo espécies animais e vegetais, devem ser indicados de maneira correta e completa (nome, autor e ano de descrição). Resultados e discussão – Podem ser comparativos ou analíticos, ou enfatizar novos e importantes aspectos do estudo. Podem ser apresentados em um mesmo item ou em separado, em sequência lógica no texto, usando tabelas, gráficos e figuras, dependendo da estrutura do trabalho. Conclusão – Deve ser clara, concisa e responder aos objetivos do estudo. Agradecimentos – Devem ser sucintos: créditos de financiamento; vinculação do artigo a programas de pós-graduação e/ou projetos de pesquisa; agradecimentos pessoais e institucionais. Nomes de instituições devem ser por extenso, de pessoas pelas iniciais e sobrenome, explicando o motivo do agradecimento. Referências – Devem ser listadas ao final do trabalho, em ordem alfabética, de acordo com o sobrenome do primeiro autor. No caso de mais de uma referência de um mesmo autor, usar ordem cronológica, do trabalho mais antigo ao mais recente. No caso de mais de uma publicação do mesmo autor com o mesmo ano, utilizar letras após o ano para diferenciá-las. Nomes de periódicos devem ser por extenso. Teses e dissertações acadêmicas devem preferencialmente estar publicadas. Estruturar as referências segundo os modelos a seguir: Livro: WEAVER, C. E., 1989. Clays, muds and shales: 1-819. Elsevier, Amsterdam. Capítulo de livro: ARANHA, L. G., H. P. LIMA, R. K. MAKINO & J. M. SOUZA, 1990. Origem e evolução das bacias de Bragança – Viseu, S. Luís e Ilha Nova. In: E. J. MILANI & G. P. RAJA-GABAGLIA (Eds.): Origem e evolução das bacias sedimentares: 221234. PETROBRÁS, Rio de Janeiro. Artigo de periódico: GANS, C., 1974. New records of small amphisbaenians from northern South America. Journal of Herpetology 8(3): 273-276. Série/Coleção: CAMARGO, C. E. D., 1987. Mandioca, o “pão caboclo”: de alimento a combustível: 1-66. Icone (Coleção Brasil Agrícola), São Paulo. Documento eletrônico: IBGE, 2004. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: <http//www.ibge. gov.br/home/estatistica/indicadores/agropecuaria/lspa/defaut.shtm>. Acesso em: 23 janeiro 2004.
Provas Os trabalhos, depois de formatados, são encaminhados em PDF para a revisão final dos autores, que devem devolvê-los com a maior brevidade possível. Os pedidos de alterações ou ajustes no texto devem ser feitos por escrito. Nessa etapa, não serão aceitas modificações no conteúdo do trabalho ou que impliquem alteração na paginação. Caso o autor não responda ao prazo, a versão formatada será considerada aprovada. Cada autor receberá, via Correios, dois exemplares do Boletim. Os artigos são divulgados integralmente no formato PDF no sítio da revista, com acesso aberto.
Endereço para correspondência Museu Paraense Emílio Goeldi Editor do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais Av. Perimetral, 1901 - Terra Firme CEP 66077-530 Belém - PA - Brasil Telefone: 55-91-3075-6186 E-mail: boletim.naturais@museu-goeldi.br
Lembre-se: 1- Antes de enviar seu trabalho, verifique se foram cumpridas as normas acima. Disso depende o início do processo editorial. 2- Após a aprovação, os trabalhos são publicados por ordem de chegada. O Editor Científico também pode determinar o momento mais oportuno. 3- É de responsabilidade do(s) autor(es) o conteúdo científico do artigo, o cuidado com o idioma em que ele foi concebido, bem como a coerência da versão para o inglês do título, do resumo (abstract) e das palavras-chave (keywords). Quando o idioma não estiver corretamente utilizado, o trabalho pode ser recusado.
Boletim do museu paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais INSTRUCTIONS FOR AUTHORS Goals and editorial policy The mission of the Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais is to publish original works on Biology (zoology, botany, biogeography, ecology, taxonomy, anatomy, biodiversity, vegetation, nature conservation) and Geology. The journal accepts contributions in Portuguese, Spanish, and English (UK) for the following sections: Articles – Scientific and original analytical papers stemming from studies and research, which effectively contribute to building knowledge in the field. Maximum length: 50 pages. Short Communications – Preliminary reports on field observations, problems and progress of current research, emphasizing hypotheses, mentioning sources, partial results, methods and techniques used. Maximum length: 15 pages. Memory – Section intended to report on museum collections, that are relevant for scientific issues; and biographical essays, including obituaries or personal memories. Maximum length: 15 pages. Book Reviews – Text discussing recently published books in the field of natural sciences, in print or electronically. Maximum length: 5 pages. Theses and Dissertations – Theses and dissertations abstracts, with no references section. Maximum length: 1 page.
Submitting a manuscript Manuscripts should be sent to the Scientific Editor by e-mail (boletim.naturais@museu-goeldi.br), with a letter containing: title, full name (no abbreviations) of the main author and other authors, mailing address (complete address, zip code, phone number, fax, e-mail), and declaration stating the main author is responsible for the inclusion of the co-authors. The journal has a Scientific Board. The manuscripts are first examined by the Editor or by one of the Associate Editors. The Editor has the right to recommend alterations be made to the papers submitted or to return them when they fail to comply with the journal’s editorial policy. Upon acceptance, the manuscripts are submitted to peer-review and are reviewed by two specialists who are not members of the Editorial Commission. In the event of disagreement, the manuscript is submitted to other(s) referee(s). If changes or corrections need to be made, the manuscript is returned to the authors who will have thirty days to send a new version. Files related to not accepted manuscripts will be deleted. Publication means fully assigning and transferring all copyrights of the manuscript to the journal. The Liability Statement and Assignment of Copyrights will be enclosed with the notice of acceptance. All the authors must sign the document and return it to the journal. The editors, the Advisory Body and ad hoc scientific advisors are responsible for the ethical duty of confidentiality and their voluntary collaboration to ensure the scientific quality of papers published in the journal. Authors are responsible for the veracity of the information provided, the deposition of the materials studied in recognised institutions (where applicable) and compliance with local laws that govern the collection, study and publication of data.
Preparing manuscripts The manuscripts should be sent in Word for Windows formats, in Times New Roman, font 12, 1.5 spacing between lines, and pages must be sequentially numbered. First page (cover page) must include: title (in the original language and in English); author(s)’s full name; affiliation
(no abbreviations); complete address (es); and e-mail(s) for all authors. A following printed page must include: title, abstract, and keywords (in the original language and in English). Do not mention the name(s) of the author(s). Tables should be in Word format, sequentially numbered, and with clear captions. Images and graphs should be on separate and numbered pages, with their respective captions. They should also be sent in separate files. Digitized images should have a minimum resolution of 500 dpi, minimum size of 3,000 pixels, in TIFF (preferably) or JPEG format. All tables, graphs and images must be necessarily mentioned in the text body. Keys have to be presented in the following format: 1. Lizard with 4 small limbs…………………………………………………………………………………….........…………2
Lizard with 4 well developed limbs……………………………………………………………………...................………..3
2. Fingers and toes generally without nails, dorsals smooth…………….....................................................…….Bachia flavescens Fingers and toes with nails, dorsals keeled……………………………………..........................................……Bachia panoplia 3. Hands with only 4 fingers………………………………………………………………………………...........…………….4
Hands with 5 fingers……………………………………………………………………………………………........……….5
4. Dorsal scales smooth………………………………………………...................................……Gymnophthalmus underwoodii Dorsal scales keeled………………………………………….................................……………….Amapasaurus tetradactylus 5. Head with large scales……………………………………………………………………………………………….......….6
Head with small scales…………………………………………………………………………………….........……………7
6. Posterior scales of head forming a rounded line...........................................................…………………Alopoglossus angulatus
Posterior scales of head forming a straight line………………………...............................................………..Arthrosaura kockii
7. Etc. Etc. To highlight terms or phrases, please use single quotation marks. Only foreing language words and phrases, and latinized scientific names should be in italics. Texts must fully comply with naming rules, abbreviations and conventions adopted in specific fields. To quoting or mentioning authors throughout the text, please use the following format: author’s last name (capitalize only the first letter) and year (example: Weaver, 1989). Publications with two authors are cited with an “&” between the names. In cases where there are more than two authors only the name of the first author is mentioned followed by “et al.”. All quotations in the text body must be accurate and listed at the end of the paper.
Basic text structure Title – The title must appear both in the original language of the text and in English (when English is not the original language). Title must be centralized and in bold. Do not use capitals. Abstract – This section should be one paragraph long and highlight the goals, methods, and results of the study. Maximum length: 200 words. The abstract should be presented both in Portuguese/Spanish and in English. The authors are responsible for the English translation. Keywords – Three to six words that identify the topics addressed, for the purpose of indexing the paper in databases. Introduction – The introduction should contain a clear and concise description based on state-of-the-art knowledge on the topic addressed. It should provide relevant quotations, and express the goals of the study clearly. Materials and Methods – This section contains clear information on methods, procedures and data analysis. Previously published studies should not be described, only mentioned. Scientific terms, including the names of plants and animals, should be provided correctly and accurately (name, author, year of description).
Results and Discussion – The results and discussion can be comparative or analytical, or emphasize new and important aspects of the study. They can be addressed together under the same topic, or separately according to the logical order of the paper by using tables, graphics and pictures depending on the structure of the text. Conclusion – The conclusion should be clear and concise, and should mirror the goals of the study. Acknowledgements – Acknowledgements are brief and can mention: support and funding; connections to graduate programs and/or research projects; acknowledgement to individuals and institutions. The names of institutions should be written in full, those of individuals with initials and family name, indicating what motivated the acknowledgement. References – References should appear at the end of the text in alphabetical order according to the last name of the first author. In the event of two or more references to the same author, please use chronological order starting with the earliest work. In case there are several publications by the same author in the same year, use lower case letters behind the year to differentiate them. Theses and academic dissertations preferably must have been published. References should follow the examples below: Book: WEAVER, C. E., 1989. Clays, muds and shales: 1-819. Elsevier, Amsterdam. Chapter in book: ARANHA, L. G., H. P. LIMA, R. K. MAKINO & J. M. SOUZA, 1990. Origem e evolução das bacias de Bragança – Viseu, S. Luís e Ilha Nova. In: E. J. MILANI & G. P. RAJA-GABAGLIA (Eds.): Origem e evolução das bacias sedimentares: 221234. PETROBRÁS, Rio de Janeiro. Article in journal: GANS, C., 1974. New records of small amphisbaenians from northern South America. Journal of Herpetology 8(3): 273-276. Series/Collection: CAMARGO, C. E. D., 1987. Mandioca, o “pão caboclo”: de alimento a combustível: 1-66. Icone (Coleção Brasil Agrícola), São Paulo. Electronic document: IBGE, 2004. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Available at: <http//www.ibge.gov.br/ home/estatistica/indicadores/agropecuaria/lspa/defaut.shtm>. Accessed on: 23 January 2004.
Proofs Authors will receive their paper in PDF format for final approval, and must return the file as soon as possible. Authors must inform the Editors in writing of any changes in the text and/or approval issues. At this stage, changes concerning content or changes resulting in an increase or decrease in the number of pages will not be accepted. In the event the author does not meet the deadline, the formatted paper will be considered approved by the author. Each author will receive two printed copies of the journal. The papers will be disclosed in full, in PDF format in the journal website.
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Membracidae diversity (Hemiptera: Auchenorrhyncha) in an Atlantic Forest area, Paraíba, Brazil, with preliminary comments on collection methods, spatial distribution and estimated species richness Diversidade de Membracidae (Hemiptera: Auchenorrhyncha) em uma área da Mata Atlântica, Paraíba, Brasil, com comentários preliminares sobre métodos de coleta, distribuição espacial e riqueza estimada Antonio José Creão-Duarte, Alessandre Pereira-Colavite, Wellington Emanuel dos Santos, Suênia Alcântara Barbosa, Valberta Alves Cabral, Aline Lourenço, Izabela Souza Braga, Wylma Regina da Silva.................................................................11 .
Ordenamento participativo do turismo com botos no Parque Nacional de Anavilhanas, Amazonas, Brasil Participatory planning in tourist activities with Amazon River Dolphins at the Anavilhanas National Park, Amazonas, Brazil
Marcelo Derzi Vidal, Priscila Maria da Costa Santos, Josângela da Silva Jesus, Luiz Cláudio Pinto de Sá Alves, Maria do Perpétuo Socorro Rodrigues Chaves....................................................................................................................23
Produção de compostos bioativos por Aspergillus mantidos sob duas condições de preservação Production of bioactive compounds by Aspergillus kept under two preservation conditions Fabiano Brito Prado, Waldireny Caldas Rocha, Salomão Rocha Martim, Mircella Marialva Alecrim, Larissa de Paiva Silva, Larissa Svetlana Cavalcante Silva, Taciana de Amorim Silva, Maria Francisca Simas Teixeira.....................................................37
Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) dos cursos superior e médio do rio Negro e de tributários, Amazonas, Brasil Pinnularia (Bacillariophyta, Pinnulariaceae) from the upper and middle courses of the Rio Negro and its tributaries, Amazonas, Brazil Andreia Cavalcante Pereira, Lezilda Carvalho Torgan, Sérgio de Melo...................................................................................49
Distribuição e conservação das espécies de Aiouea Aubl. (Lauraceae Jussieu) no Brasil Distribution and conservation of Aiouea Aubl. (Lauraceae Juss.) species in Brazil Carlos Henrique Franciscon, Izildinha de Souza Miranda....................................................................................................75
Contextualização geológica da porção sudoeste do Sistema Aquífero Boa Vista, estado de Roraima, Brasil, a partir de sondagens elétricas verticais rasas Geological setting of the Southwestern Boa Vista Aquifer, State of Roraima, Brazil, from shallow vertical electric sounding Lena Simone Barata Souza, Franklin Williams Silva de Carvalho..........................................................................................91
Da Academia Real Militar ao Departamento de Geologia, do Instituto de Geociências, da Universidade Federal do Rio de Janeiro: a trajetória de uma coleção de minerais From the Military Royal Academy to the Geology Department in the Institute of Geosciences of the Federal University of Rio de Janeiro: the trajectory of a mineralogical collection Cristina Moura Bastos, Marcio Ferreira Rangel, Cícera Neysi de Almeida............................................................................109
Micropaleontologia ou paleomicrontologia? Ajustando a morfologia da palavra Micropaleontology or paleomicrontology? Adjusting the morphology of the word Sandro Monticelli Petró.......................................................................................................................................................129
Predação de Columbina squammata Lesson, 1831 (Aves: Columbidae) por Cariama cristata Linnaeus, 1766 (Aves: Cariamidae) Predation of Columbina squammata Lesson, 1831 (Aves: Columbidae) by Cariama cristata Linnaeus, 1766 (Aves: Cariamidae) Antonio José Creão-Duarte, Alessandre Pereira-Colavite, Wellington Emanuel dos Santos...............................................137