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José Pacheco Pereira

murais grafitados e esculpidos por essas paredes de casas, bairros, ruas e vielas gastas e consumidas pelo tempo. Palavras, imagens gráficas-visuais, vozes e manifestos que foram denunciando, não apenas, o estado e a natureza das coisas, e a sua efetiva trajetória histórica, como, também, as grandes Inquietações na Primeira 6Pessoa . Inquietações que se foram manifestando ao longo destas últimas décadas de um século que passou, quase meio século de História Democrática, que continuam a interrogar e a inquietar quem sente e narra um mundo, em permanente construção. Através de extricadas e ténues tiradas de papel e cartão, alicerçadas por paus e hastes, e mãos em punho, os cartazes artesanais de protesto, que nos chegam pelas mãos da Associação Cultural 7EPHEMERA - Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira , convidam-nos a uma observação expositiva de LIBERDADE (a SÉRIO)!

Fazendo eco das vozes que refletem algumas dessas memórias do protesto coletivo, nascidas no seio dos movimentos de contestação sociopolítica, económica, ativista e ambientalista das primeiras décadas do século XXI, em Portugal, (e algumas no Mundo), serão retratados e explorados, por meio dos conteúdos expositivos agora expostos, temas tão vastos, como: A Paz, o Pão, Habitação, Saúde, 8Educação . Estes, apresentam-nos as cores e as demais nuances da LIBERDADE, numa trajetória que é de ontem, mas também de hoje, dada a contemporaneidade dos temas. Trajetórias que nos revelam, nalguns casos, tragédias há muito anunciadas. Umas, são tragédias líricas. Outras, desfraldam o radicalismo. Muitas tendem a ser soltas, rebeldes, apelativas, verdadeiras e, jocosamente, divertidas. Algumas são mais ideológico-partidárias e diretas, apelando ao partidarismo democrático, o que em democracia, «bate tudo certo!». Outras, são tragédias tímidas, assertivas, viscerais, e tão sinceras pela dor que transportam. No entanto, todas elas nos ressaltam a olhos nus com imensa profundidade e

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6Subtítulo retirado da edição da Revista MAMUTE que tem, precisamente, Inquietações na Primeira Pessoa, como subtítulo nas suas edições. Acessível em hps://www.revistamamute.pt/sobre 7Que chegam pelas mãos das próprias pessoas envolvidas nas manifestações, que os produzem para o efeito, e que a EPHEMERA recolhe, e salvaguarda no seu acervo documental. 8Ilustradas no tema e refrão da célebre canção (já referida) de Sérgio Godinho, LIBERDADE, do álbum À Queima Roupa, 1974.

dissenso, despojando desejos, anseios e frustrações que, ousadamente, acabam por desmascarar alguns dos sentimentos e dos afetos, que são bem demonstrativos desses grandes inquietantes dilemas que teremos pela frente, por resolver.

Na ausência de empatia, o peso das grandes opções de hoje conduz e transporta, inevitavelmente, estes grandes dilemas para as próximas gerações. E esse é um sentimento difícil de entender para as gerações que herdam, no futuro, as opções de hoje. Nesse sentido, por detrás dos ideais e dos conceitos que, nevralgicamente, dignificam (ou não) as nossas democracias, os cartazes artesanais de protesto do núcleo documental da EPHEMERA anunciam ao mundo, não apenas, os ideais da Liberdade democrática e participativa, que geram, (re)produzem, e humanizam no 9presente as sociedades livres contemporâneas, como também refletem o seu profundo e sistémico processo de desumanização, em curso.

Face ao progressivo consumo do imediatismo/distopia, em que as sociedades contemporâneas se movimentam, mas motivados, também, pelas circunstâncias de uma produção artesanal, e pelo uso de um material expositivo bastante frágil, efémero, que nos impele à sua salvaguarda e divulgação, pretendemos, por um lado, através destes documentos históricos artesanais, dar a conhecer ao publico académico, e em geral, um documento histórico de arquivo que nos dá conta de uma parte significativa do tecido socioeconómico da população portuguesa das primeiras décadas do XXI, mas por outro lado, prolongar-lhes a sua vida, para lá da sua génese. Desse modo, ao serem preservados, e divulgados, os cartazes artesanais de protesto da EPHEMERA tornam-se objetos de análise e interpretação histórica e sociológica (e antropológica), uma vez que nos permitem, com toda a “Liberdade a sério”, observar e

9No que respeita a contribuição da Nova História, implícita nos conceitos de longa duração, História global e História total, ver o trabalho desenvolvido por Jacques Le Goff (19242014) na década de 1970, em torno da investigação da nova antropologia histórica, que partia do presente para interpretar o passado (no contexto da História Medieval). Uma ideia já defendida pela crítica que fez a Marc Bloch (1886-1944) - e ao conceito de origem, analisando e interpretando, para o efeito, na Nova História, a seleção de novos objetos, ignorados até então pela história mais tradicional. Le Goff capta e entrevê, também, através do diálogo e da crítica que Michael Foucault (1926-1984) estabelecia com a Psicanálise (com as suas teorias que abordavam a relação entre o poder e o conhecimento, e como estes eram usados como uma forma de controle social pelas instituições sociais), uma análise que recupera, no fundo, uma das mais importantes lições para a História: e que tem que ver com a própria Inquietude do Ser.

analisar o percurso e as mutações de temas tão vastos, como:

A PAZ - Cartazes relacionados com a Climática estudantil, as questões Ambientais, as Reivindicações LGBTI e de Igualdade de Género-Interseccional, as Reivindicações pelo Direito dos Refugiados e dos Emigrantes, o Racismo estrutural e a BlakeLivesMatter, as Marchas Feministas, as Manifestações contra a Violência Doméstica e Sexual, de Injustiça Patriarcal e Sexista, e as Manifestações de Protesto internacional O PÃO - Cartazes relacionados com Troika e a Austeridade, a Precariedade Laboral, a Cultura, os Protestos contra as medidas Governamentais, a Concertação Social e a Concentração da Riqueza, as Greves Nacionais HABITAÇÃO - Cartazes relacionados com as Questões Urbanísticas dos centros históricos, e as medidas de Habitação Social, e de Gentrificação SAÚDE – Cartaz da Pandemia -Covid 19 e da Saúde Mental EDUCAÇÃO – Cartazes relacionados com as Lutas Estudantis, e com os Profissionais da Educação, e as medidas governamentais

Contra a ausência de empatia, na dificuldade de olhar o outro (nós próprios), e uma vez que é possível convocarmos a história no presente, e resgatarmos algumas dessas tensões e contradições, proporemos, através dos conteúdos expositivos, refletir sobre estas que são já as grandes questões fraturantes que assombram e dividem as nossas sociedades. Questões bastante polarizadas, que poderão acabar por agudizar no perigo de uma passividade se generalizar, e nos deixarmos cair cúmplices nos caminhos incertos das narrativas de ódio. Reféns de uma comunicabilidade e de uma dialética que, ao invés de privilegiar o substrato e a essência do outro, procura antes uma base de confronto, que estabelece padrões de comportamento que visam acentuar, não o que, efetivamente, o outro propõe, mas aquilo que desejamos e queremos, por força, que lá esteja. Em suma, contra a ausência de alteridade, com os cartazes artesanais de protesto da EPHEMERA – Biblioteca e Arquivo de

José Pacheco Pereira, agora expostos pelos corredores e cisterna da Universidade de Évora, procuraremos, precisamente, estimular esse espaço privilegiado de uma Universidade, onde o Saber não se apresenta segmentado em gavetas, mas é antes compartilhado e confrontado, através do diálogo e do debate transdisciplinar, na esperança de traduzir uma participação crítica de todos, sobre os diferentes níveis da vida em sociedade.

O resultado é bem demonstrativo, tendo em conta que os impulsos subjetivos, éticos, ideológicos e morais dos cartazes de protesto acabam por dialogar e confrontar um núcleo de princípios e valores, diferentes entre si, que na realidade nos permitem percecionar a palavra no seu sentido mais lato, 10através da simbiose ação/pensamento , como uma arma para transformar o mundo, que procura captar a esperança e a coragem. Ou a falta destas.

RuteMarchantePardal Novembro 2021

Dinamização Cultural | SBID - Serviços de Biblioteca e Informação Documental

10Para a tradição do pensamento político, ver ARENDT, Hannah (ed.). (2001). A Condição Humana. Relógio D'Água, abril de 2001 Relógio d'Água, Lisboa.

Crédito da Fotografia © Orlando Almeida/Global Imagens. Armazéns da Ephemera Ephemera – Biblioteca e Arquivo José Pacheco Pereira, no Barreiro. In reportagem, "Não deite nada fora!" Pacheco Pereira guarda todos os papéis”, de Maria João Caetano, 22 FEV 2020. Acessível em https://www.dn.pt/edicao-do-dia/22fev-2020/nao-deite-nada-fora-pachecopereira-guarda-todos-os-papeis11848327.html

ARQUIVO EPHEMERA - DEZ ANOS AOS PAPÉIS "THE TWO OFFICES OF MEMORY ARE COLLECTION AND DISTRIBUTION." (SAMUEL JOHNSON)

1. O Arquivo-Biblioteca Ephemera há dez anos que “anda aos papéis”. Tem mais de 200.000 títulos de livros e brochuras, dezenas de milhares de periódicos, vários milhares de cartazes, posters, imagens, faixas, outdoors, panos, cartazes artesanais de manifestações e de protesto, fotografias, milhares de objetos, centenas de milhares de panfletos, folhetos, tarjetas, etc., milhares de emblemas e pins, dezenas de milhares de autocolantes, mais de 6 quilómetros lineares de estantes e armários. Compreende um conjunto de espólios, coleções e acervos única pela sua dimensão e pela importância dos seus fundos, sendo, sem dúvida, o maior arquivo privado em Portugal e um dos maiores da Europa. 2. É uma coleção nacional e internacional com cerca de 100 países representados, embora este número nalguns casos seja pouco mais do que um pin. Mas há boas coleções de Espanha, da

Irlanda, do Brasil, dos PALOPs, etc. e, dado que não existe paralelo em arquivos nacionais, é o único sítio onde, por exemplo, um estudioso da propaganda política pode encontrar cartazes eleitorais do Irão ou da Colômbia, de Angola ou da Noruega. Tudo isto se encontra em seis casas adaptadas e um armazém na Vila da Marmeleira, dois armazéns no Barreiro e mais depósitos nos nossos locais de recolha. Neste momento há postos de recolha em Viana do Castelo, Porto,

Lamego, Guarda, Coimbra, Figueira da Foz, Santarém, Lisboa, Barreiro, Lagoa, e nos próximos meses abrirão Viseu, Portalegre, Leiria, Braga. Há dois locais de recolha fora de Portugal, no

Luxemburgo e em Luanda em Angola.

3. O impacto público do Arquivo é considerável. Estão publicadas online mais de 24.000 pastas de documentação, com mais de 100.000 imagens e textos, quer no blogue e no site Ephemera, quer na página do Facebook que divulga as publicações e as atividades do arquivo, quer no canal do

YouTube (311 vídeos). Nas redes sociais há quase 15.000 seguidores (cerca de 10.023 no

Facebook + 4.941 no Twitter), e mais de 4.000.000 visitas ao blogue. Os filmes produzidos em colaboração com a TVI24, de que já foram exibidos 45 episódios, têm boas audiências.

Exposições organizadas pelo Arquivo tiveram milhares de visitantes, em Viana do Castelo, Porto,

Óbidos, Coimbra, Lamego, Ponte de Sor, Torres Vedras, Barreiro, Lagoa, Condeixa, Lisboa,

Barreiro, etc. Vários livros, artigos e trabalhos académicos usaram materiais do Arquivo, no qual estão a decorrer atualmente várias investigações. Artigos e reportagens na imprensa portuguesa e espanhola foram feitos sobre o Arquivo e os seus fundos. Em colaboração com a editora Tinta da China, existe uma coleção gerida pelo Arquivo com sete livros publicados, e estão editados três Cadernos do Ephemera, com edição própria. 4. O arquivo é gerido pela Associação Cultural Ephemera, uma associação cultural sem fins lucrativos fundada em 2017, a quem foi reconhecida a utilidade pública em 2019. A associação tem hoje cerca de 450 associados. Foram assinados protocolos de colaboração com o Museu de

Lamego, a Câmara Municipal do Barreiro, a Baía do Tejo, o Museu de Peniche e outros estão em fase de assinatura.

5. O Arquivo tem uma prioridade: salvar, salvar, salvar tudo o que faz parte da nossa memória coletiva. Depois de salvar há que conservar, organizar, inventariar, disponibilizar, investigar, publicar. Toda esta sequência é importante, mas primeiro há que salvar e, embora não pareça, nem sempre esta é a prioridade noutros arquivos. Acreditamos que, aconteça o que acontecer, salvo a peste, a fome e a guerra, o que cá entra está mais seguro do que o que fica em casa, que o interesse ou a falta dele, os recursos ou a falta deles, a morte, os divórcios, as mudanças de casa, ou os dias de destruição coletiva como as segundas-feiras depois das eleições, ajudam a eliminar.

E todos os dias milhares de fragmentos da nossa memória coletiva desparecem, cartas, fotos, papéis, manuscritos, objetos, cartazes. Daí uma política ativa de recolhas, assente numa pedagogia da memória (que compreende os programas de televisão, artigos, palestras, exposições, etc.), numa rede fina de recolhas por todo o país e fora dele, e na ação dos voluntários assente na ideia de que “não deite nada fora”. Não se preocupem, nós, se for caso disso, deitamos. 6. O Arquivo é omnívoro, come de tudo. Compreendemos que tal não possa ser feito pelos grandes arquivos, que têm que ser seletivos, mas a nossa experiência diz-nos que surge sempre alguma coisa de único no que recebemos, mesmo que se perca mais tempo na triagem. Foi assim

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