reabilitação urbana | centro de campinas

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reabilitação urbana no centro de campinas



reabilitação urbana no centro de campinas

Beatriz Crocco Caderno-memorial da primeira entrega referente ao Trabalho Final de Graduação do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Orientadora: Profª Drª Gisela Cunha Viana Leonelli Julho, 2014



“A arquitetura como construir portas, de abrir; ou como construir o aberto; construir, não como ilhar e prender, nem construir como fechar secretos; construir portas abertas, em portas; casas exclusivamente portas e tecto. O arquiteto: o que abre para o homem (tudo se sanearia desde casas abertas) portas por-onde, jamais portas-contra; por onde, livres: ar luz razão certa. [...]” João Cabral de Melo Neto, Fábula de um Arquiteto



sumário

introdução

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conceituação

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intervenções urbanas: períodos e re’s

19

experiências

31

aproximações

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desenvolvimento urbano do centro de campinas

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dados geográficos e estatísticos

65

perceber o centro

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caminhos diretrizes bibliografia

103 106 110




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introdução REABILITAR um centro urbano significa recompor, através de políticas públicas e de incentivos às iniciativas privadas, suas atividades e vocações, habilitando novamente o espaço para o exercício das múltiplas funções urbanas, historicamente localizadas naquela área, que fizeram de sua centralidade uma referência para o desenvolvimento da cidade. (MINISTÉRIO DAS CIDADES, Manual de Reabilitação em Áreas Urbanas Centrais, 2008, p.5) A reabilitação urbana de uma área no centro de Campinas será o tema deste trabalho, que tem como finalidade apresentar os primeiros estudos para o desenvolvimento e elaboração do Trabalho Final de Graduação do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unicamp. Podemos considerar os centros das cidades como os locais mais dinâmicos das mesmas. Os diversos tipos de fluxos que ali se entrelaçam e se relacionam de alguma maneira – fluxos de pessoas, de transportes, de produtos e mercadorias – são consequência da intensa presença de atividades terciárias nestas regiões, que as tornam extremamente ativas, especialmente em horário comercial. Em muitas cidades, ou na maioria delas, o centro carrega um sentido de identidade da cidade, possui um valor específico para a população. Isto muito se deve ao fato de terem sido os pontos de partida de onde as cidades se expandiram, onde tiveram as primeiras ocupações de assentamentos. Sendo assim, carregam um valor histórico, que geralmente vem atrelado ao valor de identidade da população, que se intensifica quando levamos em conta que o centro também é o 11


lugar onde se estabeleceram e, muitas vezes, permaneceram, as primeiras instituições públicas e religiosas das cidades. Contudo, a noção de centro começou a se diluir quando um acelerado processo de expansão das áreas urbanas incentivou o surgimento de novos subcentros, na maior parte das vezes, em regiões periféricas das cidades, por volta de 1950. Este processo promoveu um êxodo da população e das atividades ditas nobres para estes locais, acarretando uma aceleração no processo de degradação e deterioração dos centros urbanos. Os centros passaram, então, a concentrar outros segmentos de atividades, em geral, de menor rentabilidade e informais, que passaram, então, a atrair usuários e moradores de menor poder aquisitivo, diminuindo a arrecadação de impostos nestes locais e, assim, diminuindo também os investimentos públicos nestas áreas (VARGAS; CASTILHO, 2006, p. 4). Sobre os conceitos de deterioração e degradação urbana [...] estão frequentemente associados à perda de sua função, ao dano ou à ruína das estruturas físicas, ou ao rebaixamento do nível do valor das transações econômicas de um determinado lugar. Deteriorar é equivalente a estragar, piorar e inferiorizar, Já a palavra degradação significa aviltamento, rebaixamento ou desmoronamento (VARGAS; CASTILHO, 2006, p. 3). O que pode ser facilmente observado é que os centros das cidades são dotados de uma infraestrutura completa, quando comparamos com as novas áreas periféricas da cidade em expansão. Possuem rede de abastecimento de água, esgoto, vias pavimentadas, transporte público, enfim, toda uma malha urbana de relações já consolidadas. O fato destes centros 12


terem se tornado área predominantemente comercial faz com que pouco se aproveite desta infraestrutura em horários nãocomerciais, pela ausência de moradores, contribuindo para seu estado de abandono. Um contraponto, segundo Maricato (2001), ao abandono das áreas centrais em detrimento do estabelecimento de novas centralidades urbanas nas regiões periféricas das cidades é que: [...] a extensão horizontal das redes de infraestrutura resulta mais cara nas grandes metrópoles. A circulação se torna muito complexa e impõe pesado ônus aos moradores da periferia que são obrigados a dedicar parte do dia e dos rendimentos mensais aos transportes (MARICATO, 2001, p. 138). Do ponto de vista da sustentabilidade urbana, faz-se clara, então, a necessidade de um melhor aproveitamento da infraestrutura potencial presente nos centros urbanos. O entendimento da complexidade das estruturas sociais estabelecidas nestas regiões deve servir para evitar que a intervenção acarrete um processo de enobrecimento, ou gentrificação¹. A reabilitação de centros urbanos em processo de decadência, de maneira geral, deve sempre servir a favor da população – da melhoria da qualidade de vida de seus moradores e frequentadores, da inclusão e diversidade social e da preservação do patrimônio cultura produzido socialmente. ¹ processo

que consiste na expulsão da população residente de uma área, geralmente substituída por uma de maior poder aquisitivo

Para a compreensão da proposta criada para este trabalho, se faz necessário o pré-entendimento de dois processos, que constarão nos capítulos que seguem: 1. de intervenções urbanas em áreas centrais e suas definições; 2. de ocupação histórica da cidade de Campinas e da sua região central, objeto principal. 13



conceituação

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intervenções urbanas: períodos e re’s

Como já discutido, os centros das cidades carregam uma importância urbana que vai além de seu patrimônio físico ou econômico – eles são capazes de alimentar um sentimento de pertencimento da população, e carregam valor histórico e social. Além disso, o centro é o lugar de uma verdadeira dinâmica de fluxos dos mais diversos tipos: de pessoas, de transportes, de mercadorias, econômico, entre outros. Assim: O centro é a expressão de uma infinidade de funções de uma cidade e cada cidade tem um tipo de centro, expressando práticas, maneiras de fazer, histórias e formas próprias daquele local, daquela cultura e daquele conjunto de pessoas (MINISTÉRIO DAS CIDADES, Manual de Reabilitação em Áreas Urbanas Centrais, 2008, p.5). Considerando que as áreas centrais foram o ponto de partida da maioria das cidades históricas brasileiras, podemos afirmar que sempre tiveram fundamental importância nas relações urbanas. Ali se estabeleceram as primeiras instituições públicas e privadas, os edifícios religiosos e outros civis de grande valor simbólico. Contudo, a partir do processo de expansão urbana das cidades para os subúrbios, o centro passou a ter suas atividades modificadas. Isto se deveu ao fato de que novos centros, os subcentros, foram surgindo nestes novos locais em expansão, diluindo a importância de um centro único centralizador de funções. Assim, à medida que se desenvolviam estes novos centros, os antigos centros urbanos sofriam um processo de aceleração da degradação e deterioração. 19


Assiste-se ao êxodo de atividades ditas nobres e à saída de outras grandes geradoras de fluxos, como as implementadas pelas instituições públicas. A substituição faz-se por atividades de menos rentabilidade, informais e, por vezes, ilegais e praticadas por usuários e moradores com menor ou quase nenhum poder aquisitivo. Consequentemente, a arrecadação de impostos diminui e o poder público reduz a sua atuação nos serviços de limpeza e segurança públicas (VARGAS; CASTILHO, 2006, p. 4). Desde a década de 1950, estes processos de degradação e deterioração dos centros são discutidos na Europa e na América do Norte e, no Brasil, a partir de 1980. Buscando reverter tais processos negativos, foram estudadas e implantadas diferentes vertentes de intervenções urbanas, de acordo com seu período e contexto histórico. Assim, buscaremos entendê-las em sua essência, para que não haja engano quanto ao tipo de proposta que será discutido neste trabalho. PERÍODOS Vargas e Castilho (2001) falam a respeito de diferentes períodos de intervenções em centros urbanos, de acordo com o contexto histórico de cada um. Segundo as autoras, podemos falar de três períodos principais, que – importante salientar – não são rigorosos e nem excludentes entre si: Renovação Urbana – décadas de 1950 e 1960; Preservação Urbana – décadas de 1970 e 1980; e Reinvenção Urbana – década de 1980 até os dias atuais. É sobre este trabalho das autoras que faremos uma conceituação teórica a seguir. 20


RENOVAÇÃO URBANA (1950 – 1970) Na Europa, este período foi bastante caracterizado pelo processo de reconstrução do pós-guerra. Com diversas áreas das cidades arrasadas pela guerra, a Renovação Urbana surgiu, basicamente, como um processo que buscava a reconstrução destes locais. Outro motivo para seu desenvolvimento foi a melhoria do sistema viário, que apresentava problemas de congestionamento. Na América do Norte, especialmente nos Estados Unidos, as cidades estavam se expandido em direção aos subúrbios, diluindo a importância e a movimentação dos centros urbanos, que passaram a sofrer um processo de decadência e degradação. Como uma tentativa de mudança deste cenário, áreas consideráveis do tecido urbano foram demolidas para reconstrução, num processo que foi definido por alguns estudiosos como bulldozer days , ou seja, um arrasamento de quarteirões. As reconstruções, em geral, eram feitas seguindo princípios modernos, com torres e edifícios isolados inseridos em um grande jardim, adotando o modelo de Le Corbusier. Neste período, o sucesso dos empreendimentos imobiliários de expansão urbana planejada para os subúrbios reafirmava a crença de que a solução para as áreas centrais seria também o planejamento empresarial. Assim, numa combinação de investimentos públicos e privados, empresários, profissionais da área de planejamento e poder executivo de diversas cidades desenvolveram projetos para estas áreas, onde a 21


participação popular era praticamente nula e muito dos interesses envolvidos respondiam às expectativas do setor imobiliário. As áreas onde seriam permitidas as demolições para a reconstrução deveriam corresponder a critérios estabelecidos pelo poder público. Contudo, na prática, os critérios não eram totalmente obedecidos, e o que acabava predominando era o interesse de lucratividade dos agentes imobiliários. Um exemplo da influência do setor imobiliário no planejamento destas áreas foi utilizá-las como um instrumento de higiene social, no processo de “desfavelização” das áreas centrais, que ocorreu por meio da demolição da habitação subnormal, sendo que, em seguida, foram construídas, espalhadas pelo país, unidades de habitação popular, que iam de encontro com os interesses de agentes imobiliários. Essa expulsão da população residente, substituída por uma classe de maior poder aquisitivo, é conhecida como gentrificação , ou enobrecimento, e foi uma característica recorrente nos projetos de Renovação Urbana dos Estados Unidos.

PRESERVAÇÃO URBANA (1970 – 1990) O período da Preservação Urbana chega como negação dos princípios do momento anterior, de Renovação. A Reconstrução, que seguiu princípios modernistas, havia defendido a igualdade (limitada, contudo), em contraponto, neste novo período, a elite detentora de capital busca uma diferenciação simbólica de sua classe social, utilizando a preservação de edifícios significativos como símbolos de 22


status. A elite cultural e a população local também se apropriaram do discurso preservacionista, com a justificativa de servir para resguardar elementos afetivos que faziam parte da história local, como símbolos de identidade. Nas décadas anteriores, a criação de um novo “conceito de morar”, criado pelo setor imobiliário em referência às novas área suburbanas e que havia sido difundido para a população, fez com que os centros urbanos procurassem novas estratégias para atrair a população novamente. Basicamente, três ações resumem tais estratégias: implantação de novos projetos arquitetônicos; estabelecimento de políticas urbanas; e a experiência da gestão compartilhada. Neste período, os tipos e os propósitos das intervenções urbanas começam aparecer com maior frequência entre os pesquisadores e críticos. POLÍTICAS URBANAS Na Europa, as intervenções urbanas apresentavam mais controle do estado. Nos centros urbanos, além do comércio, eram pauta das políticas urbanas o fornecimento de habitação de baixa renda, a qualidade e abrangência dos sistemas de transporte, os espaços públicos e o ambiente urbano. Para o comércio, políticas de auxílio e subsídio aos pequenos comerciantes se tornou uma estratégia para conter a deterioração das áreas centrais. Na América Latina, eram criados órgãos responsáveis por salvaguardar o patrimônio cultural e desenvolviam-se ações normativas afim de estabelecer parâmetros de proteção para estes bens. Em 1979, no Brasil, foram criadas duas 23


entidades voltadas a estes fins: a Secretaria de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e a Fundação Pró-memória, ambas pertencentes ao Ministério de Educação e Cultura. Como exemplo deste período, em 1985, o Pelourinho foi proclamado Patrimônio da Humanidade pela Unesco, e suas bases para recuperação desta área central de Salvador já haviam sido lançadas em 1967, com a Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia. NOVOS PROJETOS ARQUITETÔNICOS A implantação de políticas de preservação proporcionou um investimento maior em processos de intervenção urbana com este caráter, o que certamente incentivou empreendedores a pensar a reutilização de áreas e edifícios históricos, principalmente nos Estados Unidos. Houve, por exemplo, uma ocupação significativa destes edifícios pelo comércio varejista, com shoppings centers centrais, como uma estratégia mercadológica. Estes shoppings buscaram promover a sensação de autenticidade pela a herança história de seus edifícios, buscando se contrapor ao grande comércio padronizado dos shoppings centers dos subúrbios. De maneira geral, a implantação destes núcleos de comércio funcionou como catalisadora do processo de recuperação urbana. Assim, pode-se dizer que a regeneração econômica dos locais em decadência era dada por um processo de regeneração simbólica dos edifícios. Com outra abordagem, mas buscando a mesma simbologia de autenticidade e pertencimento, estava o processo de construção de novos projetos arquitetônicos atrelados 24


à cultura. Utilizando-se de materiais contemporâneos e instalações aparentes, procuravam exercer fascinação sobre a população. São construídas neste período, por exemplo, as pirâmides do Museu do Louvre, o Centro Pompidou e o Parc de La Villete, todos na França; o Museu Guggenhein Bilbao, na Espanha. GESTÃO COMPARTILHADA Neste período, observa-se uma maior organização da população em torno de assuntos relacionados ao ambiente urbano. Surgem organizações de bairros, de distritos, de ruas, com foco nos procedimentos de gestão. Inicia-se uma ligação entre empreendedores, gestores urbanos e comissões de cidadãos e de pequenos proprietários envolvidos com o centro.

REINVENÇÃO URBANA (1980 – 2000) No contexto deste período, observamos um processo bastante importante de alteração do conceito de cidade: de local da produção e das trocas para o local do consumo e dos fluxos. Isto se deveu principalmente ao novo modo de produção que, com a microeletrônica, permitiu gerar uma diversidade de consumo relativa aos muitos estilos de vida que se apresentavam em escalas menores: hippies, atletas, vegetarianos, ambientalistas, entre outros. Essa segmentação do mercado, aliado a instrumentos como a propaganda e ao maior poder de alcance dos meios de comunicação permitiu que se despertassem desejos que antes não poderiam sequer serem conhecidos, ou seja, surgiram demandas por meio 25


de ofertas. Esse processo permitiu que a produção fosse cada vez mais desvinculada ao espaço físico ( foot loose ), ao mesmo tempo em que a comunicação proporcionou uma maior visibilidade do território. O território se tornava, então, mercadoria, e os principais envolvidos neste processo foram o capital imobiliário e o poder público. O último, com ajuda da propaganda, procurou a valorização da imagem da cidade, visando a obtenção de recursos externos com o objetivo de recuperar economicamente as cidades, ao mesmo tempo em que o capital imobiliário foi capaz de criar localizações privilegiadas no território. Desta parceria, foram introduzidos o planejamento de mercado e o marketing urbano (city marketing). Além da recuperação econômica das cidades, como mencionado, outro objetivo predominante deste período de intervenções foi a promoção político-partidária, utilizando como instrumento o grande projeto urbanístico. Desta maneira, a gestão urbana passava a ser assumida como política de governo. Tendo práticas cada vez mais difundidas, as intervenções urbanas passaram a focalizar outras partes da cidade, que também passavam por um processo de degradação, como antigas zonas portuárias, áreas industriais desativadas, entre outras. Para o centro urbano se designou, cada vez mais, papel de importância histórica. Seguindo esta lógica estão muito dos projetos de incentivo à recuperação dos centros urbanos no Brasil, como o projeto Monumenta, por exemplo. 26


Um fato muito importante deste período é o aumento do número de associações e grupos engajados com a discussão da temática urbana. Da mesma maneira, aumentou-se a participação do poder privado nos projetos de planejamento urbano, o que iniciou uma mudança na ideia de planejamento urbano como prerrogativa do Estado. Uma política de destaque nas cidades da Europa Ocidental foi a Town Centre Management (TCM), que se baseia na política de gestão comercial centralizada dos centros urbanos, tendo como base empreendedores nacionais e comerciantes locais, e buscam estratégias para enfrentar a concorrência de outros centros. Entre essas estratégias estão: melhoria do ambiente construído, sinalização urbana, acessibilidade e segurança, incentivo ao uso comercial, controle das atividades noturnas, entre outras. [...] durante o período de reinvenção das cidades, diferentemente dos períodos anteriores, não é o cidadão a razão do urbanismo ou da intervenção nos centros históricos. Ela é feita para a população flutuante. Sendo assim, a cidade, que outrora refletiu o contexto social, agora valoriza exacerbadamente a imagem, a estética e a maquilagem (VARGAS; CASTILHO, 2006, p. 44 apud CARRION, 1998) Neste sentido, o principal problema desta valorização da imagem passa a ser, mais uma vez, a gentrificação. Muitos projetos passam a utilizar a requalificação do centro como ferramenta de montagem de um cenário ideal de urbanidade, de onde a população original local ou de classes mais baixas são automaticamente expulsas. Por outro lado, para 27


a maioria dos cidadãos, o projeto ganha uma visibilidade positiva, de modo a gerar o suporte político necessário para minimizar a oposição.

A CARTA DE LISBOA (1995) Em 1995, Brasil e Portugal se dispuseram a fazer uma reflexão conjunta a respeito dos programas de intervenções urbanas, no 1º Encontro Luso-Brasileiro de Reabilitação Urbana, em Lisboa, de 21 a 27 de Outubro de 1995. O produto deste encontro foi a Carta de Lisboa, que teve por finalidade “o estabelecimento dos grandes princípios que deverão nortear as intervenções, bem como dos caminhos para a sua aplicação” (Carta de Lisboa). A Carta assume que a Reabilitação Urbana utiliza técnicas variadas e, sendo assim, foram extraídas deste documento as definições e conceitos que são interessante para a proposta deste trabalho, descritos a seguir. Referente a definição e conceitos, Artigo 1º: Renovação Urbana: implica na construção de novas edificações, utilizando-se de projetos de arquitetura e urbanismo contemporâneos, atribuindo uma nova estrutura funcional à área. Devem ser implantados “sobre tecidos urbanos degradados aos quais não se reconhece valor como patrimônio arquitetônico ou conjunto urbano a preservar.” Reabilitação Urbana: busca “valorizar as potencialidades sociais, econômicas e funcionais a fim de melhorar a 28


qualidade de vida das populações residentes”. Não propõe a mudança de função, como pode acontecer na Renovação, mas, sim, a manutenção da identidade e das características da área. Revitalização Urbana: diz respeito a trazer novamente à vida um local em decadência, com ou sem características e identidade marcadas. Requalificação Urbana: são operações nas quais se procura adaptar uma atividade ao local e ao contexto atuais. Ainda, a respeito da identidade dos núcleos históricos, Artigo 2º, diz que as operações de reabilitação urbana devem ser apoiadas por pesquisas de nível histórico e sociológico, de maneira que busquem coerência entre o proposto e o que ali existe. No Artigo 3º, onde trata das tipologias de intervenção, descreve uma importante premissa a respeito da prioridade das intervenções: “A reabilitação deverá colocar o Homem no centro das suas preocupações procurando melhorar as condições de vida nos Centros Históricos”. Outra consideração interessante é trazida pelo Artigo 6º: A melhoria das condições de vida exige uma atuação que não se limita à função habitacional, mas, antes, deverá abranger igualmente o reforço das atividades culturais e sociais, bem como a dinamização das atividades econômicas [...] (Carta de Lisboa, 1995).

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experiências: estudo de casos

Buscando entender melhor os processos de intervenções urbanas, serão investigados, neste capítulo, três importantes projetos, que, de certa maneira, foram emblemáticos em seus próprios contextos. São eles: o caso de Les Halles, em Paris; Convent Gardem, em Londres; e o centro histórico de Bologna. 1. LES HALLES, PARIS Na década de 1950, havia sido iniciada uma discussão a respeito de uma transferência do antigo mercado, localizado na região central de Paris, conhecida como Les Halles. Por fim, esta transferência acabou sendo decretada em 1962, quando foi dado início a um plano de renovação desta área de 470 hectares. O projeto consistia em um grande complexo comercial de uso misto e uma estação de transportes urbanos, prevendo a demolição de toda estrutura existente. Foram apresentados alguns projetos para o local visando a permanência da antiga estrutura, mas não foram acatados pela municipalidade, levando à sua demolição, em 1971. Após a demolição, com a troca da gestão administrativa, o projeto foi modificado. Ao invés do grande complexo comercial, o projeto consistia em um grande espaço aberto, onde, no local de antigos edifícios demolidos, seria construído o Centro Georges Pompidou. O centro cultural foi o elemento âncora para o projeto, que agregava estratégias urbanas em relação ao seu entorno, como diminuição das densidades visando uma população de maior faixa de renda e a remoção da população e do comércio locais para instalação de novos bares e boutiques. Desta maneira, o projeto acabou 31


Mercado central em Les Halles antes da demolição. Foto de Roger Henrard. Fonte: http://robertgiraud. blog.lemonde. fr/2007/11/25/bobgiraud-paris-leshalles_olivier-bailly/

Centro George Pompidou. Fonte: http://www.bc.edu/ bc_org/avp/cas/ fnart/arch/20thc/ pompidou08.jpg

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desembocando num processo de gentrificação da região, típico dos projetos de Renovação Urbana. 2. CONVENT GARDEN, LONDRES Situado na área central londrina, próximo ao Picadilly Circus, o mercado de Convent Garden tinha sido determinado como área a fazer parte de um processo de renovação urbana da região, em 1963, considerada deteriorada física e socialmente pelo poder público. Em 1971, o projeto foi finalizado, com diretrizes para conservação de uma parte próxima ao mercado, considerada histórica, e uma ampla renovação do restante da área, visando atrair novos investidores imobiliários, como forma de pagar pelas obras, a maioria viária. No mesmo ano de 1971, a população, que já havia vivenciado experiências de renovação urbana com princípios modernistas, organizou-se para instalar um processo de consulta popular sobre o projeto, que claramente estaria beneficiando os setores imobiliários. Com isso, a população conseguiu que o projeto fosse novamente desenvolvido, mas agora com participação de instâncias populares de associações do bairro organizadas. Foi proposta a reciclagem do antigo mercado e sua adaptação para novos usos, como bares e restaurantes, além de um programa de recuperação do entorno, ao invés de sua destruição. O processo foi finalizado em 1983, e, apesar da participação popular, teve resultados próximos aos de um projeto de renovação, tendo seu comércio local pouco a pouco sendo substituído por boutiques, lojas e ateliers, visando um comércio mais 33


voltado ao turismo, com expulsão da população local. 3. CENTRO HISTÓRICO DE BOLOGNA Iniciado em 1969, representou um marco no que diz respeito à integração entre intervenção urbana em patrimônio e a população residente em centros históricos. A experiência de Bologna, diferente do que se praticava até então relacionado a patrimônio, deixou de se limitar à construção edificada e passou a ser relacionada ao tecido urbano, e, por isso, a cidade inaugurou o que ficou conhecido por Conservação Integrada. O contexto administrativo pelo qual passava o município teve importância, já que estava bastante ligado às demandas da população. O projeto de reabilitação do centro histórico já fazia parte do plano diretor, e todos os aspectos do plano de intervenção foram inspirados pelos mesmos princípios, como: limitar e controlar o crescimento da cidade; buscar o equilíbrio entre residências e equipamentos públicos; priorizar e desenvolver participação popular e democracia; e buscar a conservação cultural, não apenas física ou patrimonial, dando importância à população local. A população foi deslocada apenas durante as obras de intervenção, retornando ao centro após o processo. Contudo, com a troca da gestão administrativa e das orientações políticas do país, a política de manutenção da população não perdurou, e acabou sendo substituída, como em outros processos de intervenção analisados.

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aproximações

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estação fepasa

terminal rodoviário de campinas

escola estadual culto à ciência

mercado municipal de campinas


PREFEITURA escola municipal de estadual campinas carlos gomes

hospital irmĂŁos penteado

centro de convivĂŞncia


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desenvolvimento urbano do centro de campinas Campinas teve sua origem como consequência da exploração do ouro no interior do país, em meados do século XVII. Surgiu, da mesma forma que muitas cidades próximas, como local de pouso e comércio no caminho que ligava as áreas de exploração à vila de São Paulo. Assim como a maioria dos assentamentos da época, a povoação de Campinas se deu próxima às margens de rios – mais precisamente, entre os córregos do Serafim e do Tanquinho, que constituem o ribeirão Anhumas (CARPINTERO, 1996, p. 22). Três assentamentos foram estabelecidos pelos componentes da bandeira do Anhanguera, Bartolomeu Bueno da Silva, na região das campinas do mato grosso: Um, às margens do córrego Proença, aproximadamente onde está hoje o estádio do Guarani F.C., outro, que se fixou depois como pouso de tropas, em uma elevação à margem direita do córrego Tanquinho, correspondendo, mais ou menos, ao atual largo de Santa Cruz, o terceiro, finalmente, localizado em um platô à margem esquerda do mesmo córrego e não muito distante, que veio a constituir, posteriormente, o núcleo da povoação. Estes núcleos uniam-se por um caminho, que nada mais era que parte daquele que ligava São Paulo às minas de Goiás (CARPINTERO, 1996, p. 28). No século XVIII, com o declínio da mineração e o advento da expansão da produção açucareira, Campinas (na época, na condição de Freguesia) e os povoados do Oeste Paulista experimentaram um crescimento, sobretudo em sua última década. Neste contexto de expansão, no início do século XIX foram surgindo novas povoações e vilas na região 41


Em 1797, o governo da capitania concedeu à Freguesia o estatuto de Vila de São Carlos representando o reconhecimento civil da vida urbana do lugar. [...] embora com o caráter que tinham as vilas brasileiras da época, de sentinelas do Estado Português, de ponto de reunião – de missa aos domingos, festas de vez em quando e, o principal, da feira, do comércio dos produtos vindos da terra e dos vindos de fora. A vida cotidiana era ainda no campo, nas roças, nos engenhos (CARPINTERO, 1996, p. 29). Por volta de 1820, havia um núcleo que funcionava como apoio rural. Era constituído pela malha ortogonal e três largos – o da Matriz, o do Rosário e o da Matriz Nova. Embora, na década de 1840, a Vila ainda fosse um lugar de reuniões eventuais, já haviam elementos que refletiam o despontar de uma vida urbana. Em 1847, houve a construção do Teatro São Carlos e com ele o Largo do Teatro; no ano seguinte, a antiga rua do Meio passou a se chamar rua do Comércio – uma clara indicação de sua função. Antes, em 1842, Campinas havia recebido o título de Cidade. A partir da década de 1840, o café, que antes aparecia apenas como planta medicinal, ornamental e de caráter doméstico, passou a ser cultivada em maior escala. O crescimento da produção cafeeira na região a elevou ao status de pólo dinâmico da economia brasileira A cana de açúcar foi a base da gênese da rede urbana regional, povoando a região, o café foi, contudo, a sua expressão econômica, transformando os povoados em Cidades (CARPINTERO, 1996, p. 25). 42


Assim, Campinas entrava no ciclo do café. Em decorrência da expansão do cultivo, foi implantada uma rede de ferrovias na região, sobretudo após a década de 1850. Nesta época, à Campinas havia sido conferida uma importância de capital regional, sobretudo pela facilidade de transporte dada pelas ferrovias. Além dos investimentos em transporte, também foram instalados outros serviços e equipamentos urbanos, como Bancos, casas Comissárias, colégios. Fato interessante para a área que é objeto de estudo deste trabalho é que, em 1881, próximo às áreas pantanosas das nascentes do córrego Serafim, denominada, então, Largo do Jurumbeval e atual Largo do Mercado, fora inaugurada uma escola. Projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo, a escola recebeu o nome de Correa de Melo. Neste mesmo período, algumas outras obras eram concluídas: a Matriz Nova (1883), o jardim Carlos Gomes (1883), o Mercado das Andorinhas (1886), o Palácio dos Azulejos (1878), o Solar dos Alves (1882), o Solar Itapura (1890), os escritórios centrais da Companhia Mogiana (1896) e a nova estação da Companhia Paulista (1892). Embora ainda não se pudesse falar de um centro urbano, a economia cafeeira de Campinas pode prover os elementos que viriam, mais tarde, a constituir este centro urbano da cidade. PRIMEIRA CRISE URBANA Nos anos de 1889 a 1897, Campinas passou, pela primeira vez, por uma crise urbana, provocada por uma epidemia de febre amarela. Aconteceu ao mesmo tempo que se abolia a escravatura e durante a migração de trabalhadores livres europeus. Do ponto de vista da infraestrutura urbana, a 43


Mapa de Campinas em 1878

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epidemia desencadeou uma série de mudanças no que diz respeito a higiene e saneamento. Foram realizadas diversas obras de saneamento: pavimentação de ruas, drenagem, canalização e tratamento de água, coleta e destinação de esgoto (CARPINTERO, 1996). No Largo do Jurumbeval, atual Largo do Mercado, as áreas pantanosas das nascentes do córrego Serafim foram aterradas, sendo deixado, contudo, um chafariz, localizado na esquina das ruas Álvares Machado e Marechal Deodoro. No mesmo período em que a cidade procurava sair da crise, novos investimentos também eram feitos, fomentando sua industrialização. No início do século XX, foram inauguradas, na cidade, a energia elétrica e a iluminação pública, assim como os bondes elétricos, posteriormente. Com a instalação de fábricas, uma nova demanda urbana surgia – a da necessidade de construção de moradia para o operariado, o que refletiu na expansão urbana da cidade. Carpintero (1996) aponta, neste momento, para a criação de um mercado imobiliário: O desenvolvimento industrial verificado, sobretudo na década de 20, seria, entretanto, acompanhado por um novo padrão de urbanização com base, no que tange aos problemas urbanos, na constituição de um mercado imobiliário (CARPINTERO, 1996, p.36). Nos anos de 1917 e 1919, foram organizados movimentos grevistas de ferroviários, que reivindicavam melhores condições salariais e de trabalho. Estes foram os primeiros sinais de uma nova crise urbana. SEGUNDA CRISE URBANA 45


Durante toda a década de 20, vinte e um novos loteamentos foram aprovados, e a expansão da cidade definitivamente passara à iniciativa particular. A área urbana que entre 1900 e 1925 praticamente não se expandira, limitando seu crescimento a poucas complementações viárias executadas pela municipalidade, sofreu a partir de 1925, um notável alargamento, duplicando em alguns anos suas dimensões (BADARÓ, 1996, p. 36). Ao mesmo tempo em que a cidade se expandia, ocorria o adensamento do centro, principalmente em decorrência da instalação de cortiços e da subdivisão de antigos terrenos. Desta maneira, o centro se tornava um referencial dos valores do mercado imobiliário que nascia. Alguns novos investimentos eram realizados na região central: a construção do Mercado Municipal, em 1908, tendo ao lado a plataforma da Estrada de Ferro Funilense; o Clube Campineiro, um dos maiores prédios da época, com três pavimentos, em 1910; o novo prédio para a Escola Normal, no local do antigo Mercado Grande, em 1918; o Teatro Municipal, em 1922, sendo erguido no mesmo lugar após a demolição do Teatro São Carlos; além das reformas das igrejas da Matriz Velha, a Catedral e a do Rosário. Carpintero faz um panorama de uso das principais ruas: As funções comerciais se tinham ampliado, acompanhando o crescimento da população. A rua Barão de Jaguara detinha o comércio mais tradicional e a rua Treze de Maio se firmava como 46


a do comércio mais popular. Os serviços financeiros se localizavam principalmente nos arredores da rua Barão de Jaguara. O Largo de Catedral e o Largo do Rosário tinham, também, comércio. Os escritórios e consultórios se mesclavam com aquele comércio, nas mesmas áreas. Mais do que isso, contudo, os cortiços haviam proliferado por toda a cidade, inclusive na sua área central, tornando-se, pois, um problema social e higiênico. [...] (CARPINTERO, 1996, p.55) Sobre a morfologia da área central, afirma que: A largura das ruas dificultava, por um lado, a circulação dos veículos e, por outro, dava-lhes um aspecto sombrio quando os sobrados se confrontavam. No centro esses sobrados haviam aumentado de número, embora não fossem dominantes na paisagem. Afora as igrejas, as edificações mais altas na cidade eram ainda o edifício dos escritórios da Companhia Mogiana e o Clube Campineiro. No centro se mantinha o princípio de edificações construídas junto a rua, constituindo a linha contínua das fachadas. A feição não-clássica ainda predominava, ainda que reformas acrescentassem elementos diversos dando ao conjunto o tom eclético. (CARPINTERO, 1996, p.56) Uma nova crise foi se tornando iminente. Segundo Carpintero: Esta segunda crise configura-se por dois aspectos: a forma de organização territorial – ocupação e apropriação do solo urbano – e a produção de condições gerais para o processo de industrialização – a expansão da urbanização, a valorização das terras 47


urbanas e a implantação de unidades industriais. (CARPINTERO, 1996, p.57) As condicionantes que levaram à esta crise acabaram por exigir uma solução com políticas de cunho mais amplo. Assim, a partir de 1934, começava a ser elaborado o Plano de Melhoramentos Urbanos. PLANO DE MELHORAMENTOS URBANOS No mesmo ano, em 1934, a prefeitura aprovou o Código de Construções, que estabelecia o seguinte zoneamento para o município: 1ª zona – Centro Comercial; 2ª zona – área já edificada; 3ª zona – novos loteamentos; 4ª zona – área de expansão. Para o que é do interesse deste trabalho, este Código estabeleceu, ainda, que no Centro Comercial fossem construídos no mínimo dois pavimentos. Deste ano até 1938, após a contratação do urbanista Prestes Maia, foram estabelecidos ou reestruturados órgãos dentro da prefeitura para dar suporte ao Plano de Urbanismo que estava sendo desenvolvido, como, por exemplo, a criação da Seção de Arquitetura e Urbanismo. Depois de uma série de estudos e da redução dos trabalhos, em 1938, o que se aprovou foi, então, um Plano de Melhoramentos Urbanos, sob a prefeitura de João Alves dos Santos. Sobre o sistema viário da área central, Prestes Maia afirmava que os problemas ali detectados eram todos sem grande importância – apesar das ruas estreitas, os fluxos eram baixos; e o terreno possuía uma topografia que não influenciava de maneira decisiva nos traçados. O que ressaltou, contudo, foi a estética destes locais, que deveriam ser melhorados 48


Vista parcial do centro de Campinas e do Mercado, 1910. Fonte: CMU/ UNICAMP

Avenida Francisco GlicĂŠrio, 19361944. Fonte: CMU/ UNICAMP

49


para o futuro. Assim, do que é de importância para nossa contextualização, listamos algumas disposições do Plano: 1. Avenidas Centrais, com largura de 22 metros: Francisco Glicério e Campos Salles. 2. Avenida de ligação, entre a praça Marechal Floriano de Peixoto e a rua 11 de Agosto; e entre a praça circular e o ponto de cruzamento da rua General Osório com a av. Andrade Neves, simetricamente com a primeira. 3. Alargamento das ruas para 14 metros: General Osório, Conceição, Benjamin Constant, Irmã Serafina, Conego Scipião, Proença, Padre Vieira, José Paulino, Major Solon. 4. Prolongamento: da avenida Thomaz Alves até a Francisco Glicério; da rua Delfino Cintra, até a rua Francisco Glicério; entre outras. O resultado final do trabalho de Prestes Maia, depois de passar pelas instâncias de decisão municipal, confrontado com os interesses políticos e econômicos, foi, efetivamente, uma proposta voltada inteiramente para a constituição do centro. O sistema viário visava o acesso e a circulação mas, tinha como resultado, de um lado, uma intensa renovação do centro mas permitia também a constituição de uma periferia, criando-lhe condições de acesso (CARPINTERO, 1996, p.43). Entre os anos 1930 e 1945, devido às circunstâncias políticas do país – Revolução de Trinta, ditadura Vargas – e internacionais – a Segunda Guerra Mundial – a grande expansão urbana, que vinha antes ocorrendo, estagnou. No 50


final da década de 40, quando os preços dos materiais de construção voltam a se normalizar, as construções retomam seu ritmo anterior e o setor industrial se firma como sendo o mais relevante para a economia brasileira. Grandes indústrias instalaram-se no município, novas lojas e escritórios começaram a ocupar o centro, edifícios públicos foram construídos e o sistema de transportes colocou em funcionamento as primeiras linhas de ônibus. Mais importante, contudo, foi a expansão exacerbada da área loteada a partir de então. Em dez anos o município multiplicou aproximadamente 3,5 vezes sua área urbana total (CARPINTERO, 1996, p.44). Além da expansão horizontal, muitos edifícios foram construídos com caráter de verticalização na área central. Os edifícios passam a ter mais andares, chegando a ter onze pavimentos. A morfologia da cidade vinha sendo modificada também pela estética: “As novas edificações vinham eliminando os ornamentos, ou quando os mantinha, dando-lhes um aspecto geométrico” (CARPINTERO, 1996). Com o crescimento da população e a modificação do caráter econômico da cidade para industrial, houve um crescimento do comércio de consumo imediato. A rua Treze de Maio era a principal rua do comércio popular, tendo em suas ruas adjacentes – José Paulino, Regente Feijó – os seus excedentes. O Mercado Municipal e seu largo concentravam os produtores e intermediários de hortifrutigranjeiros, e era onde havia também um frigorífico público. Por volta da década de 50, uma série de demolições 51


acontecia, sobretudo em prédios de salas de cinema – Cine Rink (1952), Cine São Carlos (primeiros anos da década de 50), Cine República (1944), entre outros. Neste período, a verticalização é ainda mais acentuada, com a construção de diversos edifícios tanto de função comercial e de serviços quanto residenciais. É desta época a construção do edifício Itatiaia, do arquiteto Oscar Niemeyer, na rua Irmã Serafina junto ao jardim Carlos Gomes. Em meio a todo este processo de construção de edifícios na cidade, o Plano de Melhoramentos de 1938 era colocado em prática. Em 1956, com a posse do novo prefeito Ruy Novaes, houve um processo de aceleração destas obras públicas, que culminou na demolição da Igreja do Rosário para o alargamento da avenida Francisco Glicério. A demolição da Igreja foi o ponto mais polêmico do Plano de Melhoramentos. Outras demolições fizeram parte deste mesmo contexto: uma parte dos Escritórios Centrais da Companhia Mogiana; o Palacete Armbrust; o Mercado das Andorinhas; além de toda edificação que se encontrasse fora do novo alinhamentos proposto para o alargamento das ruas. Estas transformações do aspecto da cidade prosseguiram até meados do ano de 1962, quando foi inaugurado o novo viaduto sobre a ferrovia e, para isso, foram executadas obras de alargamento das ruas Moraes Sales e Senador Saraiva. Para esta obra, foram demolidos uma totalidade de vinte e sete quarteirões inteiros – seis para a construção do viaduto, doze na rua Moraes Sales e nove na rua Senador Saraiva. A região do Mercado Municipal também sofreu demolições, devido à interligação entre essas duas avenidas com as radiais. 52


Acima: vista parcial do centro de Campinas, 1947. Ao lado: Igreja Nossa Senhora do Rosรกrio, 1950-1960. Fonte: CMU/ UNICAMP

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O conjunto de modificações executado neste período resultou em uma profunda transformação do Centro de Campinas. O centro mudara seu aspecto. No início da década dos cinquenta os edifícios com mais de cinco pavimentos eram poucos. A morfologia do centro se marcava pelas casas térreas ou assobradadas e as torres das igrejas eram ainda visíveis. Dez anos depois, já não se viam as torres e o centro eram um aglomerado de edifícios. O centro se verticalizara. Esta é, talvez, a transformação mais visível que ocorrera (CARPINTERO, 1996, p. 81). Além da transformação dita mais visível – a de verticalização – o centro mudara também em seus princípios estéticos. Os edifícios que eram erguidos utilizavam o concreto desenhos geométricos, sem ornamentos; as esquadrias e outros elementos da espécie eram industrializados, contrastando com os edifícios que haviam sido demolidos. A respeito das atividades que eram reafirmadas no centro, Carpintero faz uma importante colocação: Vemos que dos quarenta e sete edifícios com mais de cinco pavimentos levantados no centro naquele período, vinte e dois são exclusivamente comerciais, vinte e um residenciais e três tem parte residencial e parte comercial. Isso significa uma diminuição relativa da função residencial frente às funções centrais, criando uma área de predomínio de função complexa típica de um centro urbano. As residências se limitaram, então, aos apartamentos. As casas anteriormente existentes foram, pouco a pouco, desaparecendo, ocupadas com outras funções ou demolidas para substituição, por novas edificações (CARPINTERO, 1996, p. 83). 54


Vale ressaltar que, neste período, os cortiços haviam sido erradicados do centro, em nome de condições adequadas de higiene para seus moradores. Se somarmos a isto alguns outros fatores, como: a substituição do transporte coletivo na cidade de bondes para ônibus (que permitem alcançar maiores distâncias); os novos loteamentos em áreas periféricas e a nova estruturação viária, podemos perceber que a transformação do centro, além do aspecto de renovação urbana de seus edifícios e ruas, havia mudado em sua constituição – havia expulsado as camadas mais pobres, revelando uma segregação espacial e social. A partir da década de 60, as modificações urbanas que Campinas passou, em geral, foram pautadas pela viabilização do uso do automóvel em meio urbano. Com a chegada da indústria automobilística no Brasil, os transportes sobre trilhos foram praticamente desativados até o final da mesma década, e a disseminação da cultura do automóvel foi amplamente incentivada. As transformações em nome da melhora do sistema viário frequentemente passavam por cima dos espaços públicos da cidade, como é o exemplo da implantação dos dois terminais de ônibus na região central – um, em frente ao Mercado, que tomou o lugar da Praça Correa de Melo, e outro, construído junto com o Viaduto Vicente Cury, extinguindo mais uma praça pública. A partir de então, todo o transporte da cidade passou a ser feito por automóveis, particulares ou públicos.

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Colégio Culto à Ciência

Matriz Velha

Palácio dos Azuleijos

Estação FEPASA

Mercado Municipal

Liceu de Artes e Ofícios


Edifício Itatiaia

Praça Carlos Gomes

Catedral Metropolitana

Palácio das Andorinhas


O MERCADO MUNICIPAL A inauguração do Mercado Municipal de Campinas data de 1908, na gestão do prefeito Orosimbo Maia, sob a alegação, segundo jornais da época, de que o antigo Mercado de Hortaliças já não se adequava ao porte da cidade de Campinas. A administração pública determinou o local onde seria construído o edifício: fora do perímetro urbano, em um terreno pantanoso. O urbanismo sanitarista da época permitiu obras de aterro e drenagem do local, para que se efetivasse a construção. O novo mercado foi, então, projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo, que também foi autor de vários edifícios ligados à administração pública na cidade, inclusive o da Escola Correa de Melo, de 1881, em frente ao terreno onde o Mercado seria construído. Junto com a construção do Mercado, foi implantada a Estação Carlos Botelho, em frente ao edifício, que foi desativada no ano de 1925. A Escola Correa de Melo funcionou até 1888 como uma escola gratuita para crianças órfãs, e a partir deste ano passou a ser de administração pública. Funcionou até 1962, ano em que foi demolida e o local passou a funcionar como uma praça – Praça Corre de Melo, até 1980, quando foi construído o Terminal de Ônibus, mantido até hoje. Dentro das mudanças geradas no contexto rodoviarista da década de 60 está a implantação da Avenida Senador Saraiva, próxima ao Mercado, e, com ela, a construção de uma alça de ligação entre esta avenida e as avenidas Orosimbo Maia e João Penido Burnier. Estas transformações urbanísticas mudaram a relação do Mercado com os bairros vizinhos, pois a nova avenida se tornou um fator segregador entre eles. 58


Mercado Municipal, 1908. Fonte: CMU/ UNICAMP

Outra transformação que modificou a relação do Mercado com seu entorno foi a construção, em 1980, de um terminal de ônibus no local onde se situava a praça Correa de Melo, em frente ao edifício. Além de convergir um enorme fluxo de usuários do transporte público, a intensificação do fluxo de ônibus para o local fez com que a hierarquia viária das ruas do entorno se modificassem, criando mais um empecilho de comunicação imediata do Mercado com o seu entorno. Em 1983, o edifício foi tombado pelo Condephaat e, em 1995, pelo Condepacc. De acordo com o órgão, edifícios pontuais no entorno, assim como alguns quarteirões que foram definidos como Zona de Preservação, ficam proibidos de serem demolidos ou modificados sem autorização prévia. O edifício do Mercado passou por duas reformas – uma em 1994, onde foram trocados, principalmente, a parte elétrica e hidráulica do edifício; e em 2005, quando teve sua fachada pintada e o telhado trocado, entre outras intervenções pontuais. 59


Mercado Municipal e vista parcial do centro de Campinas, 1930. Fonte: CMU/UNICAMP

Mercado Municipal, 1947. Fonte: CMU/ UNICAMP

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Mercado Municipal e vista parcial do centro de Campinas, 1930. Fonte: CMU/ UNICAMP

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dados geográficos e estatísticos Campinas

Macrozona 4 Área de investigação

A área delimitada como objeto de investigação deste trabalho localiza-se na região central do município de Campinas, SP. A região, correspondente à macrozona 4, é a mais antiga e mais adensada do município, e, por isso, abrange bairros tradicionais do município, como Botafogo, Vila Industrial e Cambuí, que fazem fronteira com o Centro, onde localiza-se nossa área de estudo. Com aproximadamente 213 mil m², a área circunda um dos tradicionais edifícios de Campinas - o Mercado Municipal. Para buscar entender a situação do local e da vida dos que ali frequentam e habitam, foram levantados dados estatísticos e geográficos, que serão apresentados neste capítulo. Os dados utilizados neste capítulo referem-se ao Censo 2010 do IBGE. 65


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Referências do local e do entorno

arret Rua B

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Mercado Municipal de Campinas

Museu da Imagem e do Som

Tribunal da Justiça

Prefeitura Municipal de Campinas

Terminal de Ônibus do Mercado

Praça Carlos Gomes

Catedral Metropolitana de Campinas

ESAMC unidade I

t

PUCCAMP campus central

2

Colégio Técnico de Campinas COTUCA

4

E.E. Carlos Gomes

6 2

Hospital Vera Cruz

1

SENAC Campinas

3

E.E. Culto à Ciência

5 1

Hospital e Maternidade Santa Tereza

3

Hospital Beneficiência Portuguesa de Campinas 67




Densidade demográfica (hab/km²)

0 - 1999 2000 - 4999 5000 - 9999 20000 - 52999 perímetro da área de investigação 70

70


Razão de sexo

0 - 84.14 84.15 - 90.38 90.39 - 95.6 95.61 - 102.05 102.06 - 120 perímetro da área de investigação 71

71


Média de moradores por domicílio ocupado

1 2 - 3 perímetro da área de investigação 72

72


Número de habitantes entre 0 e 5 anos de idade

0 - 9 10 - 19 20 - 29 perímetro da área de investigação 73

73


Número de habitantes entre 20 e 24 anos de idade

0 - 29 30 - 49 50 - 100 perímetro da área de investigação 74

74


Número de habitantes com 60 anos de idade ou mais

0 - 44 45 - 89 90 - 134 perímetro da área de investigação 75

75



Uso atual do solo

Assim como a grande maioria dos centros urbanos brasileiros, a área em estudo tem presença dominante do uso comercial. O comércio é atividade praticamente exclusiva nos lotes lindeiros ao Terminal, caracterizado por ser térreo, de passagem e com fluxo rápido, já que tem como público-alvo os usuários do transporte público. Aproximando-se da avenida Francisco Glicério, os usos tornam-se mais variados, e a presença do tipo misto (residencial e comercial) é equilibrada com o uso exclusivamente comercial. É também significativa a presença de lotes destinados a estacionamentos pela área, sobretudo na rua Regente Feijó, paralela à avenida Francisco Glicério. Na parte norte da área, onde o fluxo de pessoas e veículos é menor, nota-se a presença de alguns lotes exclusivamente residenciais. É interessante observar que existem lotes vagos, que tiveram seus edifícios demolidos, assim como edifícios aparentemente ociosos. Outro fato que chama a atenção é a incidência de apenas uma única área, voltada ao sistema viário, que pertence ao viaduto que liga as avenidas Orosimbo Maia e Senador Saraiva.

comércios e serviços

institucionais

uso misto (r + c)

área verde

residencial

estacionamentos

educacionais

sem uso atual

culturais

lotes vagos

igrejas 77



Morfologia: gabaritos

A área, de maneira geral, apresenta baixa verticalização. Observando os lotes lindeiros ao Terminal e ao Mercado, pode-se notar que é grande o número de edifícios térreos ou de poucos pavimentos. Na medida em que nos aproximamos da avenida Francisco Glicério, notamos o aumento do número de pavimentos dos edifícios. É notável uma grande frequência de lotes com ausência de pavimento construído, o que muito se deve por terem seus edifícios demolidos para dar lugar a estacionamentos privativos, atividade altamente rentável em regiões centrais.

ausência de pavimento construído pavimento térreo 2 a 4 pavimentos 5 a 9 pavimentos 10 a 14 pavimentos 15 a 19 pavimentos 79



Áreas com potencial de intervenção

Foram aqui consideradas como áreas com potencial de intervenção, até o momento, lotes que hoje podemos considerar como subutilizados, ou seja, lotes vagos, edifícios sem uso atual e estacionamentos. Além de apresentarem dimensões relativamente grandes (principalmente as que se referem aos estacionamentos), estas áreas apresentam vantagem por estarem espalhadas de maneira relativamente equilibrada pela área de intervenção.

lotes com potencial de intervenção lotes restantes área verde 81


T

T


Legislação: zoneamento e área envoltória

De acordo com a Lei de Uso e Ocupação do Solo de Campinas (Lei nº 6.031 de 29 de dezembro de 1988), a área em estudo apresenta três diferentes zoneamentos: Z18 - no quarteirão correspondente ao edifício do Mercado - Z17, na maioria quadras e áreas públicas. As áreas públicas compreendem o Terminal de Ônibus e a área que envolve o viaduto que liga as avenidas Orisimbo Maia e Senador Saraiva. O zoneamento Z18 é previsto para áreas ou espaços de interesse ambiental e à preservação de edificações de interesse sócio-cultural, como é o caso do Mercado, e é bastante restritiva. A Z17 é a zona destinada basicamente à área central. Permite uso residencial e variados usos de comércio, serviços e institucionais. Em geral, é pouco restritiva no que diz respeito aos parâmetros de ocupação (alta taxa de ocupação e recuos não-obrigatórios). Os círculos na imagem referem-se à área envoltória de 300 metros aos edifícios considerados patrimônio histórico pelo CONDEPACC (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Cultural de Campinas). Na área em estudo, estão localizados 2 edifícios tombados pelo órgão: o Mercado Municipal e o edifício situado na rua Bernardino de Campos, 989. A área envoltória prevê que toda alteração em imóveis situados dentro deste limite deve ser previamente autorizada pela prefeitura. No caso, praticamente toda a área de interesse é abrangida pela delimitação.

T

bem tombado pelo CONDEPACC área pública Z18 Z17 83


+5m

C贸rr

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fim

0m

+10m

+15m

+20m

+25m

+30m


Topografia: curvas de nível

A área encontra-se em uma região com alguma declividade, variando 20 metros da extremidade norte à sul. Por sua proximidade à nascente do córrego Serafim, a área onde hoje se localiza o Mercado, como já mencionado, era pantanosa, tendo passado por obras de drenagem no período sanitarista do município (que acabaram sendo conhecidas como Canal do Saneamento).

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Avenida Senador Saraiva

Mercado e Terminal

Avenida General Os贸rio


Avenida Orosimbo Maia

Mercado Municipal de Campinas

Avenida Francisco Glicテゥrio

Terminal de テ馬ibus do Mercado


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percebeR O CENTRO Quando se trata de lidar com as cidades, trata-se de entender a complexidade que relações das mais diferentes naturezas podem desenvolver sobre um território. Hoje a cidade é entendida como o local dos fluxos, onde diferentes escalas dinâmicas se entrelaçam de modo a produzir um cenário misto, que demanda profundidade em sua compreensão. Com isso, podemos acreditar que os centros urbanos são a expressão máxima da complexidade urbana, tal a diversidade e dinâmica de fluxos que converge. Como instrumento auxiliador desta compreensão, além dos dados estatísticos e geográficos apresentados no capítulo anterior, faz-se necessário um olhar atento sobre o objeto de estudo, buscando captar o que chamamos de aspectos qualitativos da área. Descobrir apropriações do espaço, perceber o que se sente quando inserido naquele território, conhecer os principais fluxos e entrar em contato com o cotidiano dos frequentadores daquele local foram alguns dos objetivos das experiências na região do Mercado. Ou seja, ver o que se parece invisível. O LOCAL E AS ESCALAS Por se tratar de uma área antiga, nota-se que muitas das ruas são estreitas, principalmente as tranversais à avenida Francisco Glicério, originárias de uma época em que o fluxo de veículos não demandava o espaço que hoje demanda. Quando nos infiltramos na área pela avenida Francisco Glicério no sentido do Mercado, é notável o contraste entre as dimensões de ruas. Nestas ruas estreitas, a iluminação é prejudicada devido à verticalidade, e o fluxo de veículos e de pessoas é menor. Apesar disso, nestas ruas, a sensação de proximidade com a cidade é maior, já que muitos estabelecimentos comerciais têm seus acessos voltados à 89


Relação entre pedestres, carros e as dimensões da via. Rua Ernesto Khulman. Foto: Beatriz Crocco

Dimensões estreitas da via. Rua Barreto Leme. Foto: Beatriz Crocco

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rua abertos, sem recuos, e as janelas e portas ficam ao nível dos olhos. Essa sensação de proximidade é quebrada muitas vezes pela ocorrência de grandes extensões muradas que, na maioria das vezes, cercam os estacionamentos. Sem os “olhos das ruas” de Jane Jacobs², cria-se uma sensação de insegurança, sobretudo em ruas com baixo movimento. Aproximando-se em direção do Terminal e do Mercado, as ruas ficam mais iluminadas devido ao menor número de pavimentos dos edifícios (a maioria sobrados). A sensação de “respiro” representado pela ausência de edifício construído no largo onde fica o Terminal é maior com a presença de algumas árvores que trazem sombra natural aos que esperam pelo transporte coletivo. Contudo, a visão é interrompida pela sequência de bancas de comerciantes de pequenos objetos, que circundam praticamente todo o Terminal, deixando livre apenas o lado voltado ao Mercado.

² Em seu livro Morte e Vida das Grandes Cidades , a autora aponta que, para se manter a segurança nas ruas das cidades, faz-se importante a presença constante de usuários nas mesmas, ou daqueles que costumam contemplá-las de suas casas pelas janelas e portas.

Assim, as ruas no entorno do Terminal são tomadas pelo comércio, tanto das bancas improvisadas quanto das lojas nos lotes lindeiros. A escala continua sendo a do pedestre, com as lojas de portas abertas para as ruas, algumas áreas de calçamentos de paralelepípedos e o fluxo de carros sendo de baixa velocidade, já que o fluxo de pedestres é grande e muitas vezes acaba tomando as ruas. Seguindo em direção à avenida Senador Saraiva, as edificações assobradadas continuam sendo dominantes, e nota-se uma grande frequência de lojas de móveis de segunda mão e serviços como advogados e dentistas, sendo comuns no segundo pavimento destas casas, enquanto algum comércio é exercido no térreo. 91


Os lotes murados. Foto: Beatriz Crocco

Em toda a área, as calçadas são bastante estreitas, fazendo com que os pedestres utilizem, como já foi dito, as vias de automóveis para se deslocar, muitas vezes. Percebe-se, então, uma certa incompatibilidade entre os tipos de fluxos e os espaços destinados a cada um, e sempre a priorização do automóvel, de maneira que os pedestres devem, com frequencia, alterar suas rotas em benefício das vias de carros, como é o caso, por exemplo, do viaduto que liga as avenidas Orosimbo Maia e Senador Saraiva. Neste viaduto, para se atravessar a avenida, a via de pedestres foi desviada para um túnel, enquanto os carros seguem direto pela rua, num trajeto menor e mais natural que o dos pedestres. Além de competir espaço com os pedestres, os automóveis mudam a paisagem do centro. As ruas ficam tomadas por automóveis estacionados, que acabam por interferir no campo de visão daquele que anda pela rua. Por muitas ruas serem estreitas, a presença dos carros é ainda mais poluidora. 92


Relação entre pedestres, carros e as dimensões da via. Rua Bernardino de Campos, 2014. Foto: Beatriz Crocco

APROPRIAÇÕES DO ESPAÇO Para um conhecimento mais profundo da dinâmica do local e da relação das pessoas com o ambiente, foram mapeadas as atividades ou ocorrências que chamam atenção. Algumas envolvem problemas socioeconômicos, como a incidência de pontos de prostituição e locais onde há constante presença de moradores de rua. A presença de crianças brincando na rua, à primeira vista, não parece ser um problema e até pode causar simpatia, mas pode refletir carência em infraestrutura urbana, já que não notamos um espaço adequado de lazer por toda a área de investigação. É grande o número de comerciantes informais pela área e no entorno, que acabam por trabalhar sem as condições mínimas de infraestrutura, como proteção das chuvas, sanitários, entre outras. 93


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Panorâmica feita a partir do Terminal, mostrando a entrada principal do Mercado. Foto: Beatriz Crocco

Panorâmica feita a partir da esquina da avenida Benjamin Constant com a rua Álvares Machado, mostrando um dos acessos laterais do Mercado. Foto: Beatriz Crocco

Panorâmica feita dentro do Terminal. Feita num domingo, a imagem mostra a falta de movimento típica dos fins de semana. Foto: Beatriz Crocco

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É interessante notar o comércio de produtos das culturas do umbanda e do candomblé, muito provavelmente herdado da presença de escravos que viviam nesta região. Na rua Barreto Leme, em frente ao Mercado, existe uma série de lojas com esta especialidade. Fotos: Beatriz Crocco

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Atividades exercidas por dentistas e advogados são muito comuns nos sobrados próximos ao Mercado. Foto: Beatriz Crocco

É frequente o número de placas “aluga-se” ou “vende-se”, revelando uma alta rotatividade dos imóveis na área. Foto: Beatriz Crocco

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As fotos representam duas das ruas da área de estudo nos fins de semana, quando o fluxo é estremamente mais baixo que nos dias de semana, em horário comercial. À esq., a rua Bernardino de Campos; à dir. ac., a avenida Benjamin Constant, uma das vias mais movimentadas, e, abaixo, a rua Álvares Machado, todas em um domingo à tarde. Fotos: Beatriz Crocco

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Apropriações do espaço


Presença de moradores de rua Ponto de prostituição Comércio informal Comércio informal ambulante Local com caráter cultural Aglomeração por transporte coletivo Barraca de flores Presença de crianças brincando



CAMINHOS

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Diretrizes de intervenção 106


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1ª etapa do Trabalho Final de Graduação do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de CampinaS JULHO|2014


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