ARQUITETURA EM PROCESSO por uma abordagem possível
Bianca Feijão de Meneses orientação de Daniel Ribeiro Cardoso coorientação de Bruno Melo Braga
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará Biblioteca Universitária Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
D32a
de Meneses, Bianca Feijão Arquitetura em processo: por uma abordagem possível / Bianca Feijão de Meneses. -2018 260 p. : il. color. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) - Universidade Federal do Ceará, Centro de Tecnologia, Curso de Arquitetura e Urbanismo, Fortaleza, 2018. Orientação: Prof. Dr. Daniel Ribeiro Cardoso. Coorientação: Prof. Me. Bruno Melo Braga. 1. habitação de interesse social. 2. processo. 3. flexibilidade. 4. assessoria técnica. I. Título CDD 720
Universidade Federal do Ceará Curso de Arquitetura e Urbanismo trabalho final de graduação
ARQUITETURA EM PROCESSO por uma abordagem possível
banca examinadora
prof. dr. Daniel Ribeiro Cardoso orientador - dau ufc
prof. me. Bruno Melo Braga coorientador - dau ufc
prof. dr. Carlos Alberto Batista Maciel professor convidado - ea ufmg
Bianca Feijão de Meneses fortaleza, dezembro de 2018
AGRADECIMENTOS neste constante processo de construção de ser quem sou, trago em mim um pouco das tantas pessoas com quem tenho a sorte de conviver, uma maneira de mantê-las sempre por perto. e neste processo que foi caminhada, agradeço a todos os que cruzaram meu caminho e, principalmente, aos que caminharam comigo: àquilo que não se pode ver ou tocar,
admiráveis. por acreditar nos recomeços
mas que se faz presente nos pequenos
e pela humildade de buscar ser melhor
detalhes, todos os dias. por ser, ao
em cada um deles: por me despertar a
mesmo tempo, motivo e apoio para
vontade de ser assim também.
acreditar e permanecer neste caminho. ao vinícius e à pietra, por nossas ao professor daniel, por aceitar seguir
diferenças e por todos os momentos
junto neste processo, mesmo quando
desafiadores
era tudo ainda incerto, e por todos os
proporciona. ao theo e à gabi, pela
sacrifícios para que isso fosse possível.
companhia silenciosa durante as tardes
por acreditar, às vezes mais do que eu
em casa.
que
a
rotina
nos
mesma, no que eu trago aqui. aos meus avós, pela leveza das pausas, ao bruno, exemplo pra mim desde
aqui e em qualquer lugar. pelo cuidado,
o
pela doação e pela generosidade.
primeiro
trabalho,
que
na
sua
tranquilidade me instiga a ser melhor sempre; por somar como coorientador.
ao tio júnior, por me fazer crer cada vez
ao carlos alberto maciel que aceitou, com
mais que o saber nada significa sem
tanta gentileza e prontidão, contribuir
a entrega ao outro, principalmente a
ainda mais neste processo ao compor a
quem mais precisa. ao tio neto, por ser
banca.
exemplo de entrega.
à minha mãe, por ser por mim mesmo
ao querido daniel, a quem o apreço
quando eu não sabia, e mesmo nas
vai tão além das palavras. por confiar
vezes em que eu não fui. por todas as
em mim e caminhar junto. por ser
certezas. ao meu pai, pela determinação
calmaria e amparo neste momento tão
e pela solicitude tão genuínas quanto
turbulento.
à brenda, à carol, à mai e à mari, por
às tantas trocas enriquecedoras que este
tornarem esta caminhada mais leve,
trabalho me possibilitou. à ocupação raízes
engraçada e doce. pela companhia nos
da praia, à dona rosa, ao seu assis, por serem
dias de aula, nas noites de trabalho e nos
fortaleza. à ocupação gregório bezerra, à
planos para o futuro.
rita, por serem persistência. aos moradores das ocupações que acreditaram em mim e
ao lehab e ao professor renato pequeno,
nas minhas ideias, e que aceitaram compor
por dar nome, rosto e voz a quem, por
esta
tantas vezes, tem sido silenciado. aos
possível a proposta aqui apresentada.
construção
conjunta,
tornando
laços feitos, por todos os momentos inspiradores e os cafés despretenciosos
às pessoas que transpassaram este
da cantina.
processo, por somarem e construírem este trabalho comigo: igor, do mcp;
aos vínculos construídos nestes últimos
jefferson, da unidade classista; andré,
anos, dentro e fora da universidade. à
felipe, renata e larissa, do sinduscon;
consultec, ao victor e à raíssa, primeiros
joão neto, da federação de bairros e
exemplos na busca por uma arquitetura
favelas; eduardo, da habitafor.
mais acessível. ao ricardo fernandes e à márcia cavalcante, por me receberem em
aos amigos que, principalmente na reta
seus escritórios. ao escritório donald insall
final, se fizeram presentes e dedicaram
e, principalmente, ao peter (in memoriam),
seu tempo para somar neste processo:
cujos gestos de gentileza ficarão para
bela, breno, font, macedo, maiara, raíssa,
sempre guardados comigo. às amizades
raquel e raviolo.
da certare, por compartilharem a rotina - e os seus aperreios, os almoços, as
às marcas de afeto que permeiam estas
brincadeiras e o jeito de falar. por tornarem
páginas e este trabalho: felicidade por
o dia a dia mais leve.
saber que não estou só.
partida
narrativas
transiçþes
10
17
68
novos processos
precedentes
partida
referĂŞncias
90
113
137
254
ordem de leitura proposta ordem percorrida
PARTIDA Este caderno nada mais é do que o
capaz de mudar - a desigualdade que
registro de um processo. Aqui, referir-
estampa casas e, se formos além, ruas,
se à arquitetura enquanto processo é
bairros, cidades.
reconhecer que há ponto de partida, mas não de chegada. É também inserir a
Esta inquietação tem sustentado uma
arquitetura - e seu fazer - num contínuo
busca constante por soluções, e é então
processo de mudança e aperfeiçoamento.
nas idas e vindas entre investigação e desenho, entre imersão e diálogo, que
10
Um olhar ligeiramente mais atento à
um cenário futuro passa a ser delineado,
cidade revela uma desigualdade latente,
menos desigual e mais justo. Esse cenário,
em momentos forçosamente silenciada e,
no entanto, pode parecer ainda muito
em outros, resistente a qualquer controle.
distante para o que vivemos hoje: surge
Deste olhar emergiu uma inquietação que
então a ideia de transição, onde se finca
pede respostas para a moradia, reflexo
o propósito primeiro deste processo, que
edificado desta disparidade. O desenrolar
não intenta uma produção arquitetônica
deste processo aponta uma questão que
completamente inovadora, mas que
me acompanha até aqui: de que maneira
enxerga, nas pequenas mudanças, uma
o fazer arquitetônico mantém - ou, sob
abordagem possível para direcionar-se
uma perspectiva mais esperançosa, é
ao cenário que se almeja.
11
figura 01. sobre desigualdades visíveis e diferentes apropriações do espaço: quadra santa cecília, classificada como assentamento precário em fortaleza (à esquerda) e relação com colégio santa cecília (à direita) acervo pessoal
PROCESSO A capacidade de mudar o porvir
A flexibilidade em arquitetura aparece
requer, antes de tudo, conhecer o hoje.
neste
Assim, a proposição é precedida por
reconhecer a matéria edificada não
uma investigação do nosso contexto
como um produto único, mas como uma
atual. A fim de entender a produção de
série de contribuições que a modificam
moradias, em um primeiro momento,
e dão vida, em constante transformação.
explora-se
quem
participa
momento,
uma
maneira
de
desta
produção, por diferentes narrativas,
Partindo de todas essas compreensões
relativas
e
ao
Estado,
ao
mercado
apoiado
no
estudo
de
alguns
imobiliário e à população. A temática da
precedentes, o ensaio deste novo
informalidade transpassa a abordagem
processo se dá em dois momentos: o
dos três agentes, levantando outros
primeiro em um projeto de um novo
questionamentos a respeito da produção
edifício,
arquitetônica: afinal, o que significa uma
norteadoras
boa moradia?
segundo em um edifício subutilizado,
que
traga desde
estas o
questões
princípio;
o
cuja adequação nos permite testar a
12
Aos poucos, a investigação sobre os
aplicabilidade do processo proposto a
agentes conduz à discussão sobre
contextos predefinidos.
como o arquiteto e urbanista se insere nestes processos, e do modo como se
A noção de processo em arquitetura
dá o fazer arquitetônico, na tentativa de
presente aqui reconhece que o edifício
desenvolver um olhar crítico a respeito
não chega a um produto final, pois
e caminhos para estruturar possíveis
isto seria reduzir seu potencial a um
transições.
recorte de tempo específico, alheio a imprevisibilidades - e possibilidades -
O embasamento teórico amadurece
futuras. A sua potência reside, portanto,
e
uma
na possibilidade de mudar, adequar-se
proposta para novos processos de
e aperfeiçoar-se ao longo do tempo e
produção arquitetônica, que busquem
das suas demandas. Portanto, não se
conciliar aspectos importantes destes
compreende partida, caminho e chegada;
agentes,
alimenta
a
elaboração
conforme
seus
de
potenciais,
as partidas não chegarão ao fim. Talvez
reinterpretando o papel do arquiteto
estas possibilitem novos caminhos, que
frente ao processo e resultando em
conduzirão a novas partidas, rumo ao
um sistema de corresponsabilidades.
cenário delineado.
quadro 01. sistematização das etapas, objetivos específicos e procedimentos metodológicos adotados no trabalho elaborado pela autora
OBJETIVOS Da curiosidade de explorar o potencial da
de um edifício novo e da adaptação
arquitetura como gerador de mudanças
do processo proposto em um edifício
sociais, busca-se elaborar um novo
existente.
precedentes
novos processos
transições
narrativas
processo da prática arquitetônica que abrace a sua não-linearidade, sem que
Assim como a proposta, o caminho
se sobreponha a outros processos e que
trilhado até aqui não foi linear. Para
seja permeável o suficiente para receber
torná-lo
contribuições externas, assumindo a
uma sistematização das suas etapas,
ausência de um estágio de produto final,
vinculando-as aos objetivos específicos
ou acabado. Este novo processo orienta
e aos procedimentos metodológicos
e culmina em dois ensaios, do projeto
adotados.
objetivos específicos
metodologia
explorar
produção
habitacional
claro,
entrevistas e visitas
mercado imobiliário e população, suas
coleta de dados
potencialidades e fraquezas
cartografia temática
aprofundar
a
inserção
do
fazer
arquitetônico nas produções estudadas
optou-se
por
levantamento bibliográfico
atual relativa à atuação de Estado,
13
levantamento bibliográfico coleta de dados estudos de caso
estruturar uma prática arquitetônica
levantamento bibliográfico
que busque conciliar as potencialidades
elaboração de um processo
dos diferentes agentes investigar
referências
projetuais
e
elencar questões norteadoras
estudo de referências projetuais elaboração de um quadro com questões norteadoras
ensaiar, partida
a
mais
a
partir
da
demanda
de
verificação
do
processo
proposto
Fortaleza, duas propostas projetuais,
por meio de dois projetos junto a
uma para um novo edifício, outra em um
comunidades
edifício existente
partida
narrativas
transiçþes
novos processos
precedentes
partida
referĂŞncias
PANORAMA A vivência do espaço urbano nos
mediante o acúmulo de capital político,
permite
multiplicidade
institucional ou simbólico. A segunda
que o compõe, em diversos sentidos.
perceber
a
lógica, de mercado, é unidimensional
Essa multiplicidade se reflete muito
e utiliza-se das relações de troca de
claramente no espaço edificado, que
recursos monetários para viabilizar este
buscamos aprofundar por diferentes
acesso.
narrativas, vinculadas à atuação de atores distintos e suas respectivas
Abramo (2009) faz uma ponderação
singularidades.
importante ao identificar a emergência de uma terceira lógica na realidade
Não apenas múltiplas, as cidades são
dos países latino-americanos. Diante
verdadeiros territórios de desigualdade
de uma urbanização acelerada após a
(ABRAMO, 2009). Esta desigualdade
Segunda Guerra, as disparidades sociais
estabelece vínculo estreito com o acesso
e as dificuldades financeiras dos Estados
às riquezas, tema aprofundado por Pedro
Nacionais que permearam esse período
Abramo. Assim, emerge o conceito de
motivaram o surgimento da “lógica
lógicas de coordenação social das ações
da necessidade”, onde não se requer
individuais e coletivas, por meio das
acúmulo de capital, seja ele político,
quais é possível ter acesso a riquezas,
institucional ou monetário. Para o autor,
que, para este estudo, dizem respeito
a necessidade de dispor de um lugar
inicialmente ao solo urbano. De início,
na cidade basta para acionar a terceira
duas lógicas podem ser percebidas. A
lógica de coordenação social, que é ao
primeira é a lógica do Estado, ou tradição
mesmo tempo motivo e instrumento
contratualista, que atribui ao Estado o
de acesso ao solo. Desta forma, na
papel de coordenador social. Sua função
estrutura
de mediador social determina o modo
latino-americanas,
de acesso à riqueza, que pode ocorrer
simultaneamente as três lógicas.
intraurbana
das
cidades
materializam-se
figura 02. sobre desigualdades visíveis e diversas narrativas contadas no espaço: quadra santa cecília e edifícios residenciais ao fundo acervo pessoal
17
O autor nos conduz à compreensão de
nomeia estes contextos como posições
três importantes agentes na produção
sociais, que se dão pela combinação
habitacional:
de diferentes recursos, divididos em
Estado,
mercado
e
população. Em uma outra abordagem,
financeiros
(recursos
econômicos),
mais voltada ao fazer arquitetônico,
culturais
Silke Kapp (2016) explora as questões
sentido amplo do termo) e políticos
da assessoria técnica ao traçar um
(rede de relações pessoais através da
panorama da atuação destes agentes.
qual se consegue ter acesso aos outros
(conhecimento
em
um
recursos). A autora divide o cenário de produção ou melhoria habitacional ou urbana
Dentre os agentes e os recursos
em
posições:
abordados, o Estado é apontado como
movimentos sociais (que abrangem tanto
um lugar social onde se concentram
beneficiários quanto lideranças), o Estado
os
(prefeituras e demais órgãos públicos), os
concentram os recursos financeiros e
capitais (construtoras, empreendedores,
os técnicos, por sua vez, concentram
bancos)
os recursos culturais. Os movimentos
quatro
e
“partidos”
os
ou
técnicos
(arquitetos,
engenheiros, sociólogos, entre outros). 18
recursos
políticos.
Os
capitais
sociais, por fim, enfrentam maiores dificuldades de acesso aos três recursos.
A produção habitacional e urbana tem
Apesar da noção desta dificuldade
sua complexidade por uma série de
no acesso ao solo, considera-se a sua
questões que envolvem os agentes,
força de trabalho como um importante
para além desta divisão preliminar. As
recurso na produção habitacional, em
práticas desta produção são precedidas
consonância com Ferro (2006) Maricato
por contextos distintos, que de certa
(1982).
maneira condicionam a atuação de cada partido, com as perspectivas que
Por esta contextualização, percebe-
lhes cabe e as pressões que sofre. Kapp
se
a
produção
habitacional
como
um campo onde todos estes agentes
tomam espaço cooperações em certos
participam com o mesmo intuito, mas
momentos e desacordos em outros.
partindo de contextos distintos e por
Abordá-los individualmente é muito
meio de diferentes lógicas. Kapp (2016)
mais uma decisão metodológica (ainda
acrescenta ainda as prioridades de cada
que suas interações venham à tona em
agente na produção habitacional: para
certos momentos) do que suposição de
os movimentos, são o tempo e a boa
uma atuação isolada. Posteriormente,
condição da moradia; para o mercado,
aborda-se a inserção do técnico neste
o lucro; para o Estado, o controle
cenário, o quarto agente, com foco no
burocrático e os recursos políticos
arquiteto e urbanista.
oferecidos pelo processo (discursos e imagens) e, por fim, os técnicos
O panorama traçado é sintetizado
priorizam a remuneração, bem como
no quadro a seguir, e considera, por
a qualidade do resultado final, a partir
fim, uma divisão da atuação dos
de suas áreas de atuação e convicções.
agentes em dois grandes grupos,
Estas divergências de condicionantes,
provisão convencional/formal e não
lógicas de coordenação e prioridades
convencional/informal (WERNA et al.,
fazem das políticas habitacionais um
2004). A partir desta sistematização,
“lugar de disputa” (KAPP, 2016).
busca-se aprofundar cada agente e sua respectiva atuação, a fim de observar
Para o presente estudo, portanto,
suas potencialidades e fragilidades.
consideram-se três agentes: Estado
Partindo
(prefeituras e demais órgãos públicos),
estruturas podem ser discutidas e
mercado (construtores, incorporadores)
modificadas (KAPP, 2016), o desenrolar
e população (seja de movimentos
das
sociais ou não). O contexto em que
o entendimento da maneira como
estes atuam é complexo, múltiplo,
estamos hoje, frente às perspectivas
repleto de sobreposições, no qual
que desejamos alcançar.
da
ideia
diferentes
de
que
narrativas
estas
embasa
quadro 02. síntese sobre agentes, respectivas atuações, suas prioridades na produção habitacional elaborado pela autora com base em Abramo (2009), Kapp (2016) e Werna et al. (2004)
19
agentes e recursos
Estado
prioridades
controle burocrático e os recursos políticos oferecidos pelo processo (discursos e imagens) provisão convencional/formal
(recursos políticos)
20
mercado
lucro
população (força de trabalho)
tempo e boas condições de moradia e urbana
provisão não convencional/informal
(recursos financeiros)
atuação
campo
regulação
programas de urbanização políticas públicas
associação
programas habitacionais
novos imóveis
formal 21
estoque imobiliário
produção habitacional loteamentos periféricos
informal
associação
estoque imobiliário
novos imóveis
autoconstrução intervenções em imóveis existentes
SISTEMÁTICAS Dentre os agentes estudados, o Estado é o primeiro abordado. Sua atuação ocorre sobretudo por meio de recursos políticos
e
materializa-se,
para
o
presente estudo, de duas maneiras: por meio da regulação, normatizando e controlando o uso do solo, e por meio de políticas públicas que, no âmbito da moradia, direcionam-se à construção ou melhoria de moradias através de programas habitacionais e/ ou programas de urbanização. Como mostra Kapp (2016), partindo da função primeira de manter a sociedade coesa,
o
Estado
necessariamente
controla e planeja, em maior ou menor grau. Desta condição decorre um aparato 22
burocrático, obrigatoriamente. Assim, o aprofundamento do Estado se inicia da regulação, uma de suas principais atribuições, na tentativa de compreender sua relação com as desigualdades. Algumas pistas já nos são dadas: A distinção entre cidade formal e informal está por definição ligada à regulação, mas está intrinsecamente conectada a uma carga simbólica que condiciona e é condicionada pela falta de visualização da cidade informal. - COSTA LIMA, 2017, P. 23
A reflexão sobre regulação e direito à
A
moradia remonta ao início dos anos
destes conceitos no espaço urbano
2000,
ocorre
quando
pensamento espaço,
emergiu
para
a
repercutindo
um
produção na
novo
perspectiva
de
por meio
materialização das
legislações
do
municipais, norteadas pelo Estatuto.
elaboração
Desta forma, ao transferir para as
de importantes documentos nacionais
gestões dos municípios a definição
como o Estatuto da Cidade (lei nº 10.257
dos parâmetros e demais regulações
de 2001) e políticas como o Sistema
relativas ao uso do solo, assume-se
Nacional de Habitação, regulamentado a
que estas gestões têm propriedade
partir da lei nº 11.124 de 2005 (FREITAS;
para estabelecer o que corresponde
PEQUENO, 2015, p. 45).
aos três conceitos de acordo com as especificidades locais. Na cidade
O Estatuto da Cidade fundamenta-
de Fortaleza, portanto, a produção
se sobretudo na função social da
do espaço e o uso do solo passam
propriedade, no direito à moradia
a ser amparados pelo Plano Diretor
digna, à terra urbanizada e à cidade,
Participativo (PDP), elaborado pela
e na participação nos processos de
Prefeitura Municipal de Fortaleza
planejamento, bem como uma gestão
(PMF) e aprovado em 2009.
democrática, três principais conceitos da lei federal (PEQUENO, 2017). Assim,
Compreendendo o vínculo entre o
por meio do combate à especulação
Plano Diretor e o Estatuto da Cidade,
imobiliária, da regularização fundiária
buscou-se verificar de que modo
e da gestão democrática e participativa,
os conceitos do Estatuto têm sido
viabilizados
de
aplicados na realidade de Fortaleza.
instrumentos direcionados a estes
Para isso, optou-se por espacializar
conceitos, seria possível a apropriação
onde eles não são garantidos, ou
do espaço urbano “em prol do bem
seja, quanto do espaço construído no
coletivo, da segurança e do bem-estar
território não está em conformidade
dos cidadãos, bem como do equilíbrio
com o PDP, uma delimitação espacial
ambiental”
preliminar
pela
(BRASIL,
Cidade, 2001).
aplicação
Estatuto
da
para
abordagem
decorrer desta investigação.
no
23
limites municípios delimitação das quadras assentamentos precários
24
2.5
0
2.5
5km
N
A
territorialização
856
ao saneamento ambiental, à infra-
assentamentos precários (mapa 01)
estrutura urbana, ao transporte e
permite-nos
que
aos serviços públicos, ao trabalho e
a produção em conformidade com
ao lazer, para as presentes e futuras
os parâmetros do Plano Diretor, na
gerações” (BRASIL, Estatuto da Cidade,
prática, não acontece em uma porção
2001) prevista em lei. Esta garantia
significativa do território - porção esta
torna-se restrita, acessível a uma
que abrange mais de 40% da população
minoria que tem condições de seguir a
(FORTALEZA, 2016). Quase metade
regulação vigente e não contempla as
da população, portanto, não atende à
variadas realidades socioeconômicas
regulação jurídica e/ou urbanística, além
da população. Assim como afirma
da parcela informal que apresenta boas
Maricato
condições de habitabilidade, não incluída
nacional, Fortaleza mostra-se como
neste parâmetro.
mais uma cidade onde Plano Diretor
então
dos visualizar
(2014)
para
o
contexto
segue uma tradição, na qual se realiza Uma vez
que
certa
o que favorece uma minoria, ao passo
de
em que se ignora o que os contraria.
informalidade a uma condição de
Deste modo, a quem está fora desta
precariedade, subjetiviza-se a noção
minoria e não tem condições de pagar
da “garantia do direito a cidades
para estar em conformidade com a lei,
sustentáveis,
resta, com maiores chances, a condição
correspondência
se do
encontra conceito
entendido
como
o
direito à terra urbana, à moradia,
de precariedade.
mapa 01. assentamentos precários em Fortaleza Fortaleza em Mapas sobre base da SEFIN
25
Desta abordagem emerge o conceito de
PDP
enquadram
uma
edificação
informalidade, cuja definição estabelece
como
informal.
Esta
percepção
um vínculo estreito com a regulação
possibilita, por sua vez, uma outra
e, consequentemente, com a atuação
noção acerca da informalidade: se por
do Estado. Freitas (2018) e Costa Lima
um lado há uma série de parâmetros
(2017) adotam para a informalidade a
e regulações a se cumprir para que
definição de Castells e Portes, na qual
um
o atributo central consiste em ser uma
formal, por outro lado, a produção
atividade “não regulada pelas instituições
informal do espaço abrange inúmeras
da sociedade, em um ambiente legal e
possibilidades de “não conformidades”
social em que as atividades similares
com a regulação existente, de modo
são reguladas” (CASTELLS; PORTES,
que uma generalização tornaria sua
1989 apud COSTA LIMA, 2017, p. 31).
definição imprecisa e multidimensional
Qualquer atividade em que haja regulação
(FERNANDES,
é passível de estar em condição informal,
a
sendo a moradia uma delas.
informalidade, que perpassa diferentes
edifício
extensa
contextos,
26
seja
reconhecidamente
2011).
abrangência classes
Isto
reitera
relativa
sociais,
à
bairros,
Desta forma, em Fortaleza, o não
sem estar restrita a algum recorte ou
cumprimento
contexto específico.
aos
parâmetros
do
27
As
muitas
enquadrar
possibilidades
uma
construção
para
os bairros geralmente carecem de
neste
serviços básicos e de infraestrutura, e as
conceito entravam o estabelecimento
habitações podem não cumprir com os
de um parâmetro que o caracterize com
regulamentos vigentes de planejamento
clareza e precisão. Para possibilitar no
e construção, podendo ainda localizar-
território uma noção aproximada de
se em áreas de risco (ONU-Habitat III,
onde as definições do PDP não se fazem
2015, p. 1). Em Fortaleza, este conceito
presentes,
mapa
aproxima-se do que se define por
anterior, utilizou-se como parâmetro os
assentamentos precários, a partir Plano
assentamentos precários, consciente da
Local de Habitação de Interesse Social
limitante de que estes não englobam este
(PLHIS), de 2016. Segundo o PLHIS,
cenário por completo. Esta decisão partiu
são
da definição do Habitat III, conferência
- sob o viés jurídico ou urbanístico
da ONU realizada em 2016 em Quito,
-
que considerou como assentamentos
de
informais áreas residenciais onde os
morfologia destoante do entorno e cujos
moradores não têm segurança da posse,
moradores são de baixa renda.
representadas
no
áreas e
que
ocupadas
irregularmente
apresentam
infraestrutura
e
deficiências acessibilidade,
O contexto de restrição do aparato
facilidades
regulatório explorado anteriormente e
(SANTOS, 1988, p. 42), ou seja, têm
seus reflexos no território nos permitem
acesso aqueles que possuem recursos,
questionar a quem suas definições
enquanto os demais são excluídos
realmente interessam e quais seus
daquilo que, em teoria, seria um direito
impactos: a falta de alternativas acessíveis
básico. Os assentamentos precários
impossibilita parcela significativa da
são ainda restritos da liberdade e da
população de acessar o mercado formal,
proteção do Estado (COSTA LIMA,
induzindo a busca da informalidade como
2017), o que significa submetê-los a
uma solução tangível para suas demandas
diversas inseguranças, como risco de
(COSTA
desapropriações ou de realocações.
LIMA,
2017,
FERNANDES,
“privilégios
distintivos”
2011) e fomentando o “ciclo vicioso da
(FREITAS,
A informalidade no campo da moradia,
PEQUENO, 2015, p. 50). Desta maneira,
informalidade
urbana”
portanto, é sujeita a inúmeros prejuízos
para além dos números, a condição
espaciais,
‘informal’
causados e mantidos pelas próprias
precisa
ser compreendida
também a partir das suas limitações:
sociais
e
econômicos,
definições inacessíveis da regulação, que se torna um instrumento de segregação
28
Ao definir o limiar entre padrão
ao restringir os direitos a quem pode
legal e o ilegal, empurra-se para a
pagar, tornando-os privilégio.
ilegalidade e/ou para a periferia um grande contingente populacional que
É preciso reconhecer também que
não tem acesso ao padrão vigente na
estes prejuízos extrapolam a parcela da
cidade ‘planejada
população atingida diretamente pois, ao mesmo tempo em que significam
- FREITAS, 2018, P. 24
um alto custo para os residentes (insegurança
da
posse,
perigos
O não acesso ao padrão vigente da cidade
ambientais e para saúde, desigualdade
planejada, ressaltado por Freitas (2018),
dos direitos civis), são também onerosos
vincula-se
aplicação
para os governos locais, tanto para a
restrita e concentrada das facilidades
realização de programas de melhoria
do
habitacional
diretamente
consumo
coletivo
à
urbanístico
e
urbanização,
quanto
(infraestrutura e serviços básicos, por
impactos indiretos da informalidade,
exemplo). Assim como afirma Santos
como problemas de saúde pública e de
(1988), é essa restrição que torna tais
violência (FERNANDES, 2011).
Por meio do estreito vínculo com a regulação, é possível atribuir um maior papel desta na manutenção da produção informal do espaço, contrariando a noção de que a informalidade seria um resultado de um desenvolvimento rápido e desordenado. Evidencia-se,
29
ainda, não a regulação como motivo da informalidade, mas a “rede de arbitrariedade e exclusão que a envolve” (COSTA LIMA, 2017, p. 47).
Em um primeiro momento, aprofundar a participação do Estado no espaço construído permite perceber uma inadequação do aparato regulatório às diferentes realidades socioeconômicas, que condiciona parcela da população a uma situação de inseguranças e restrições de direitos, uma resposta possível moradia.
diante
da
demanda
por
fortaleza
5
0
5 10km
N
municípios da região metropolitana demais municípios
ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS 856 assentamentos 248.258 imóveis calculados em Fortaleza
30
DEFICIT HABITACIONAL 124.661 domicílios calculados em toda a região metropolitana
FALSOS CONTROLES A função de manter a sociedade coesa
quais deve haver uma maior produção
faz do Estado um agente importante
habitacional para suprir a demanda
na regulação, que, para o nosso estudo,
derivada de coabitações, altos aluguéis
se desenrola enquanto norteadora do
ou habitações com altas densidades).
uso e ocupação do solo. Ballegooijen e Rocco (2013) enfatizam o papel
Segundo o relatório da Fundação João
do Estado também como relevante
Pinheiro (FJP), em 2014, dentre as
provedor de desenvolvimento urbano.
regiões metropolitanas destacadas, a
Esse lembrete traz junto uma cautela, da
Região Metropolitana de Fortaleza (RMF)
importância do olhar crítico de perceber
ocupa a 5ª posição quanto ao déficit,
- e questionar - o quanto as políticas
compreendendo
urbanas têm priorizado esta questão.
No entanto, os 856 assentamentos
Para uma aproximação da atuação do
precários apenas na capital, previamente
Estado enquanto ação materializada no
mapeados, englobam um valor estimado
espaço, abordam-se as políticas públicas
de 248.258 imóveis (FORTALEZA, 2016).
de moradia, sobretudo os programas
Este levantamento (mapa 2) nos permite
voltados à provisão de habitações.
inferir que provavelmente boa parte
124.661
domicílios.
do déficit é oriunda de uma produção Outro conceito se faz pertinente para
informal, mas o contrário não se constitui
nossa abordagem: parte das políticas
uma verdade (o déficit compreende,
habitacionais têm buscado suprir a
em números, próximo da metade das
deficiência do estoque de moradias,
moradias dos assentamentos precários).
quantificada
déficit
Assim, uma vez que parcela significativa
habitacional. A Fundação João Pinheiro
das habitações informais não se enquadra
(2016) divide o déficit em reposição de
no contexto de inadequabilidade adotado
estoque (moradias cuja precariedade
pela FJP para calcular o déficit, reitera-
as
se que a produção informal não ocorre
inviabiliza
por
de
meio
serem
do
habitadas,
que necessitam de substituição) e
necessariamente
vinculada
a
uma
incremento de estoque (situações nas
precariedade de qualquer tipo (mapa 02).
mapa 02. comparativo entre assentamentos precários e déficit habitacional PLHIS; Fundação João Pinheiro 1 A relação proposta entre a produção habitacional informal e déficit habitacional não pretende
sugerir correspondência entre os dois conceitos. No entanto, compreendendo o estigma que abrange a informalidade e a associa necessariamente a condições de precariedade, busca-se utilizar o comparativo entre os critérios adotados pela FJP relativos à carência habitacional para desvincular tais conceitos necessariamente à informalidade, onde a produção por parte da população, por exemplo, tem mais espaço.
31
o Ministério das Cidades, a partir de 2015 houve uma maior instabilidade no programa. Entre 2016 e 2018, o número de unidades habitacionais entregues no país por ano caiu em torno de 85,85%
2 Segundo
32
Entende-se, então, que há dois grupos:
O primeiro recorte, das décadas de
uma produção informal precária e uma
70 e 80, corresponde a um momento
outra em relativas boas condições (não
em que, em paralelo a uma forte
se pode afirmar com propriedade dada
segregação centro-periferia, as políticas
a falta de registro sobre a situação
habitacionais
destas
parte pelo BNH (Banco Nacional de
moradias).
possibilita
Tal
dividir,
segmentação
por sua vez,
providas
em
grande
a
Habitação) aumentavam tal segregação
postura do Estado em duas: provisão
ao passo em que expandiam a malha
de habitações de interesse social com
urbana para além da área ocupada, por
vista a suprir o déficit habitacional
meio dos empreendimentos em áreas
existente, melhorando as condições de
não dotadas de infraestrutura (mapa 03).
moradia da população; e urbanização de
com
O segundo momento, durante a década
regularização das habitações informais
assentamentos
informais,
de 90, compreende um enfraquecimento
em boas condições (com possíveis
do forte distanciamento entre centro
melhorias habitacionais) e melhorias do
e
espaço urbano.
condomínios fechados de alto padrão
periferia
pela
emergência
dos
na periferia, em paralelo à estruturação Freitas e Pequeno (2015), em uma
de assentamentos precários espalhados
análise sobre a produção habitacional
em áreas mais centrais, as quais eram
recente na Região Metropolitana de
dotadas de infraestrutura e, muitas
Fortaleza, discorrem sobre as políticas
vezes, ambientalmente frágeis.
habitacional e urbana nos últimos 50 anos: ao longo desse tempo, a postura
Neste momento, após o fim do Sistema
do Estado frente a estas necessidades
Financeiro de Habitação, na década de
apresentou
nos
80, houve uma elitização do mercado
permitem uma leitura em três recortes
alternâncias
imobiliário formal, ao passo em que, no
temporais - décadas de 70 e 80, década
campo das políticas públicas, investiu-
de 90 e, por fim, anos 2000 até 2015.
se mais em urbanização de favelas.
Considerando
contexto,
O programa Habitar Brasil BID deste
acrescenta-se o recorte 2016-2018,
período foi, de certo modo, uma forma
que compreende a contenção em curso
de conduzir o olhar às favelas não
o
presente
dos investimentos nestas explorado neste estudo.
que
políticas2,
não
mais como uma criminalização a ser removida das cidades.
mapa 03. conjuntos habitacionais sobre esgotamento sanitário LEHAB; Fortaleza em Mapas; graduação do esgotamento sanitário por quebras naturais (jenks)
2.5
0
2.5
5km
N
33
conjuntos habitacionais esgotamento sanitรกrio 0 - 16,33% 16,34 - 37,04% 37,05 - 64,67% 64,68 - 88,61% 88,62 - 100%
Por fim, com o novo modo de pensar
redução dos processos de exclusão urbana
a produção do espaço no Brasil, que
das camadas menos favorecidas.
emergiu nos anos 2000 e possibilitou uma mudança sensível nas políticas
A produção habitacional dos últimos anos
públicas,
houve
programas
uma
de
compunham
o
dos
nos mostra que uma atuação limitada à
urbanização
redução
(que
construção de conjuntos não será eficaz
programa
PAC
se não atuar, em paralelo, com o aparato
Urbanização de Favelas), em paralelo
regulatório que mantém as disparidades e
à consolidação do programa federal
aumenta a produção informal no território.
Minha Casa Minha Vida (PMCMV), de
O
estímulo à produção habitacional para
investimentos, significou uma produção
classes intermediárias, visando reduzir
habitacional periférica com um processo
a elitização do mercado imobiliário de
de dispersão urbana semelhante ao do
períodos anteriores.
BNH, acrescentando-se o fato de que,
PMCMV,
apesar
dos
volumosos
quanto menor a renda a qual se destina,
34
Freitas e Pequeno, ao longo do artigo,
mais distante o empreendimento; não há,
expõem como a produção habitacional
ainda, a relação da média a que se destina
da
e a renda média onde se insere (mapa 04).
RMF
nesse
período
significou
muito mais um descolamento entre os investimentos da habitação e os objetivos
A não utilização de instrumentos de
da política urbana do que uma real
controle do preço da terra, em paralelo
solução para a demanda de moradias.
a uma ativação do mercado imobiliário,
O
questão
inviabilizou a construção em terrenos
fundiária, possível por meio do combate
não
enfrentamento
da
mais centrais devido ao seu alto valor
à especulação e não empreendido pelo
(FREITAS, PEQUENO, 2015, MARICATO,
programa, acabou pondo em risco o
2014). Desta maneira, “apesar da base
objetivo de conter a proliferação dos
legal para fazer mudanças, a propriedade
assentamentos informais na cidade. O
fundiária
simples aumento da produção imobiliária
fomentar a desigualdade social e urbana”
não significa, segundo os autores, a
(MARICATO, 2014, p. 77).
e
imobiliária
mapa 04. empreendimentos do PMCMV sobre renda média por domicílio LEHAB; censo 2010; caixa econômica federal
continua
a
empreendimentos mcmv
2.5
0
2.5
5km
N
faixa 1 faixas 1 e 2 faixas 1, 2 e 3 faixa 2 faixas 2 e 3 faixa 3
35
renda média por domicílio R$ 0 - 1.800 (faixa 1) R$ 1.801 - 2.600 (faixa 1,5) R$ 2.601 - 4.000 (faixa 2) R$ 4.001 - 7.000 (faixa 1) > R$ 7.001
empreendimentos mcmv
2.5
0
2.5
5km
faixa 1 faixas 1 e 2 faixas 1, 2 e 3 faixa 2 faixas 2 e 3 faixa 3
36
deficit habitacional 237 - 745 746 - 1153 1154 - 1698 1699 - 2384 2385 - 3366
N
Pequeno e Rosa (2015), em uma análise
do programa sobre o déficit habitacional
sobre o PMCMV em Fortaleza, ressaltam
em Fortaleza (mapa 05) revela que não
o descolamento entre a implantação
há uma relação tão clara entre as regiões
dos empreendimentos e o zoneamento
de maior déficit e empreendimentos
existente, tanto em Fortaleza quanto
nas proximidades que possam suprir a
em municípios da região metropolitana.
carência de moradias.
Sobretudo no início do programa, as construções se davam em zonas
Por
fim,
Freitas
(2018)
evidencia
menos recomendadas pela ausência
como o incremento da produção de
de infraestrutura e de equipamentos,
habitações de interesse social (HIS) dos
tais como de ocupação restrita e de
últimos 20 anos também provocou
requalificação urbana.
um crescimento da informalidade por três motivos: o aumento da demanda
Quanto à periferização dos conjuntos
habitacional
decorrente
do
grande
habitacionais do PMCMV, Maricato em
volume de remoções para as obras da
seu livro “O impasse da política urbana
Copa de 2014 (Fortaleza foi uma das
no Brasil” ressalta, empiricamente, que
cidades-sede do megaevento); retomada
“apesar da maior parte dos recursos e
da produção imobiliária de HIS e sua
das unidades se concentrarem entre 0
contribuição para o enfraquecimento
e 3 s.m. é provável que sua localização
das iniciativas públicas de urbanização
não se dê nas regiões que concentram o
de favelas de períodos anteriores e, por
déficit” (MARICATO, 2014, p. 81). De fato,
último, o aumento do preço da terra pela
a espacialização dos empreendimentos
ativação do mercado imobiliário.
mapa 05. empreendimentos do PMCMV sobre déficit habitacional por incremento de estoque LEHAB; Fundação João Pinheiro; graduação do déficit por quebras naturais (jenks)
37
ENTRE ESCALAS Para além do viés urbanístico, na
a homogeneidade do tecido urbano
tentativa de compreender a produção
construído
habitacional de programas do Estado,
comércio informal, seja no entorno
busca-se
ou
investigar
os
programas
os motiva a expandir o
mesmo
dentro
das
unidades
públicos de HIS também como matéria
habitacionais, apesar das proibições
construída, partindo da escala do
neste último caso.
edifício e aproximando-a, até que se possa adentrar o módulo habitacional.
Os prejuízos da monofuncionalidade vinculam-se também a uma crescente
Em Casa
38
uma
análise
Minha
Vida
sobre em
o
Minha
reclusão
dos
moradores.
Como
Fortaleza,
mostram Pequeno e Rosa (2015), o
Pequeno e Rosa (2015) estudam três
conteúdo programático cada vez mais
empreendimentos específicos, exploram
reduzido, somado à falta de espaços
características dos projetos e de suas
públicos coletivos nas proximidades
construções que põem em cheque
dos empreendimentos, não estimula
sua qualidade. Em primeiro lugar, a
qualquer integração entre as famílias,
distância dos edifícios de áreas com
comprometendo
serviços condiciona seus moradores a
destas e remontando a problemas de
enfrentar grandes deslocamentos para
programas habitacionais dos períodos
atender suas necessidades. Além disso,
anteriores.
a
sociabilidade
39
figura 03. cidade jardim - fase 2: um dos principais empreendimentos do PMCMV em fortaleza Diรกrio do Nordeste
Aproximar o olhar para entender
O modo como a estruturação da planta
melhor a qualidade a nível do módulo
habitacional tem se baseado no espaço
habitacional também levanta pontos
mínimo tornou-a engessada, de modo
relevantes: plantas similares (senão
a
iguais) com área inferior a 40 m² geram
pelos
insatisfações tanto pelas reduzidas
espacial também causa conflitos com
dimensões
moradores.
personalização Sua
limitação
quanto
os mobiliários e equipamentos, que nem sempre equivalem ao espaço
conforme relatam os autores. Além
disponível e que se sobrepõem a
disso, nos casos estudados, mais de 8%
outros usos ao serem transferidos
das habitações abrigam seis ou mais
para outros cômodos. Fala-se também
moradores, consistindo em tentativas
em problemas como patologias na
de combate ao déficit que se enquadram
estrutura e nas instalações (PEQUENO,
no cálculo do déficit habitacional por
ROSA, 2015), além de questões como
incremento de estoque, dada à alta
má aeração, mau isolamento acústico
densidade.
e
uma
cômodos
qualquer
inadequada,
por
dos
impedir
distribuição
má
iluminação
(LIMA,
BARROS
NETO, 2011). Ressalta-se ainda os
40
A lógica da habitação mínima, adotada
casos de intervenções - informais -
em projetos para habitações de interesse
nas habitações, seja para melhoria da
social e fortemente limitada para caber
unidade ou alterações no layout previsto
nos custos, reduz os ambientes de
para adequação a necessidades diante
modo a torná-los inadequados às suas
das dimensões reduzidas.
próprias funções, à sua atribuição essencial. A inadequação surge não
O
argumento
do dimensionamento mínimo, mas de
assentamento
precário
uma falta de racionalização que impede
habitação
de
os ambientes de se adequarem tanto
qualidade
da
às suas próprias funções, quanto de
encontra correspondência na realidade.
atender a demandas não previstas que
Contrapor
possam surgir por parte dos moradores
os assentamentos informais e seus
(LIMA, BARROS NETO, 2011).
resultados
as na
de
migrar
de
um
para
uma
interesse
social
pela
moradia,
então,
não
tentativas prática
de
nos
conter permite
visualizar que estas não se estruturam como respostas adequadas ao problema que visam solucionar: a base construída até aqui revela inadequações que partem da escala do território (localização periférica, preços elevados) e alcançam escala do edifício (falta de flexibilidade, isto é, não adaptação às necessidades dos moradores, má qualidade construtiva e
de
condicionamento
ambiental),
motivando ainda intervenções informais, as quais teoricamente seriam sanadas. Em suma, a produção de HIS tem ocorrido muito mais sob o interesse dos agentes ligados ao mercado imobiliário do que interesses coletivos (FREITAS, PEQUENO, 2015). Debruçar-se
sobre
os
programas
habitacionais e suas consequências, partindo do território até a edificação, possibilitou a percepção de que estes não têm sido capazes de sanar os problemas habitacionais aos quais se propuseram porque, sobretudo, não se voltam a estes, da concepção à pós ocupação. Neste segundo momento, portanto, percebe-se uma inadequação dos programas habitacionais às reais demandas dos moradores, do território ao edifício.
41
plantas similares e engessadas
engessamento dos programas habitacionais
mau condicionamento ambiental
patologias na estrutura e nas instalações
má qualidade de projeto e/ou construção
ausência de espaços públicos coletivos
conteúdo programático reduzido
programa de necessidades restrito
inadequação às reais demandas dos moradores
políticas habitacionais
inadequação dos cômodos e conflitos de usos
monofuncionalidade do tecido urbano
42
não relação entre a implantação de his e o déficit
espraiamento da malha urbana
implantação em áreas sem infraestrutura/serviços
redução da urbanização de assentamentos
marginalização da produção informal
regulação
insegurança da condição informal (remoções)
alto custo do mercado formal
zoneamento restrito
alto custo para obedecer a regulação
inadequação aos diferentes padrões socioeconômicos
periferização de his e dispersão da malha urbana
ESTADO E INADEQUAÇÕES A
sistematização
das
informações
previamente apresentadas possibilitou a elaboração de um quadro que gera uma leitura de uma escala a outra (regulação a políticas habitacionais, ou vice-versa). Por este quadro, diversos fatores foram listados e posteriormente agrupados em características mais abrangentes. O levantamento desses grupos nos permitiu a leitura de duas inadequações distintas - porém simultâneas. A atuação do Estado acontece, portanto, atrelada a um contexto de inadequação que transita entre diferentes escalas, resumido
no
Inicialmente,
quadro a
uma
a
seguir.
inadequação
do aparato regulatório às diferentes realidades
socioeconômicas
da
população e, depois, a uma inadequação dos programas habitacionais às diversas necessidades de seus moradores.
quadro 03. síntese sobre a produção do Estado, abordando regulação e políticas habitacionais elaborado pela autora
43
44
ATUAÇÃO MERCANTIL O
estabelecimento
capitalista
e
o
do
sistema
funcionamento
p. 26). Por este conceito, percebe-se que
de
a regulação não se comporta como um
uma lógica mercantil para o acesso a
condicionante para que ocorram as
bens propiciaram um cenário onde
transações mercantis, o que dá abertura
os recursos financeiros ocupam uma
para compreender, em alinhamento
posição central na realização das
com o autor, que existe um mercado
atividades da sociedade. A partir da
compatível com as definições do aparato
lógica de mercado, como mostra
regulatório, nomeado por mercado
Abramo (2009), o acúmulo de capital
formal, e um mercado incompatível, ou
monetário torna-se um condicionante
mercado informal. O nosso campo de
para o acesso à terra urbana. Dentre
estudo investiga os dois mercados.
os agentes estudados, o mercado é compreendido como o principal
No mercado formal é possível a
atuante sob esta lógica, tanto por se
identificação de dois submercados: o
constituir um lugar social onde se
primário, abrangendo imóveis novos,
concentra este capital, quanto por
recém produzidos ou na planta, e o
priorizar sua obtenção por meio do
secundário, de estoque, ou de imóveis
lucro na produção arquitetônica e em
usados. Abramo (2009) encaixa as
outras produções.
práticas
mercantis
informais
no
conceito de submercados. Desta forma, O economista define mercado como
no âmbito informal o mercado primário
“um encontro regular de compradores
corresponde
e vendedores de bens e serviços, cujas
periferia urbana e periurbana (fundiário),
transações mercantis se reproduzem a
enquanto o mercado secundário refere-
partir de certa liberdade de ação e decisão
se à venda e aluguel de imóveis em
dos seus participantes” (ABRAMO, 2009,
assentamentos populares (imobiliário).
aos
loteamentos
na
45
MERCADO FORMAL Por muito tempo o alcance do mercado
em dois submercados, sendo um de
imobiliário
restrito
imóveis novos (recém-lançados ou na
às classes mais altas. Retomando a
formal
esteve
planta), ou mercado primário, e outro de
abordagem
ao
imóveis do estoque existente, ou mercado
Estado, com o fim do BNH, em 1986, a
secundário. No que tange à produção
falta de programas habitacionais mais
habitacional, prioriza-se a compreensão
abrangentes fez com que houvesse
de como o mercado influencia o fazer
uma atuação estatal mais limitada à
arquitetônico neste âmbito.
histórica
referente
parcela de renda superior a 5 salários
46
mínimos, onde está apenas 8% do
Com a perspectiva de empreendimentos
déficit habitacional. Naquele momento,
habitacionais regulados ou financiados
a prioridade do mercado privado recaía
pelo Estado, como o PMCMV, emerge
sobre a produção de luxo, em paralelo a
um significativo interesse de diversos
um cenário de crescimento progressivo
capitais,
dos assentamentos precários em todo
bancos
o país (MARICATO, 2005). Nos anos
ali oportunidade de grandes lucros
2000, o Programa Minha Casa Minha
garantidos. A busca por aumentar o lucro
Vida, resumidamente, buscou reativar a
faz deste processo o mais padronizado,
participação do mercado privado para a
rápido e barato possível, sem muito
classe média, abrindo espaço para uma
espaço para interferências. Prioriza-se
atuação mais forte do Estado na produção
tudo o que pode reduzir o tempo ou os
habitacional destinada à parcela de
custos do processo. Assim, qualquer
renda abaixo de 5 salários mínimos, que
tentativa de incluir os futuros moradores
concentra 92% do déficit.
no processo decisório ou da construção,
seja ou
de outros,
construtoras, que
de
enxergam
em grande parte dos casos, torna-se Esta
mais
mera formalidade, visando muito mais
coerente a abordagem do mercado
contextualização
torna
um retorno publicitário do que um real
imobiliário formal, sem que o foco
impacto nos empreendimentos (KAPP,
recaia sobre a produção de luxo, mas
2016).
justamente a participação em programas habitacionais de maior abrangência.
A reduzida participação no processo
Abramo (2009) divide o mercado formal
decisório extrapola os futuros moradores
e influencia também o papel do
é confiada a função de otimizar todo
arquiteto,
Alberto
o projeto para a maior produtividade
Maciel (2013) mostra ao discutir as
como
Carlos
dentro do que é permitido na lei.
interferências que a prioridades do
Atuando dentro destas limitações e
mercado imobiliário podem exercer
baseando-se em uma planta quase que
sobre este fazer. Partindo da sequência
padrão, cabe a ele realizar pequenas
de
e
diferenciações entre seu projeto e o que
comercialização, o autor identifica dois
planejamento,
implantação
é visto no entorno, utilizando sempre
tipos de condicionantes: pragmáticos
de artifícios com venda garantida, tanto
e
nas áreas privadas e quanto coletivas.
não-pragmáticos.
Dentre
estes
últimos, destaca-se o tempo: a busca por sua otimização tem resultado na
Assim como revelam os estudos acerca
simplificação das formas dos edifícios,
da atuação do Estado, certas prioridades
que, no entanto, não pode ser dita
dos agentes por vezes entram em
racionalização dos processos, pelo
conflito com o fazer arquitetônico,
contrário.
provocando
Geram-se
edifícios
sem
inadequações
com
modulação, com uma planta rígida
prejuízos para além da concepção e da
e engessada, poucas possibilidades
construção, impactando diretamente
de
no uso que o edifício pode vir - ou não
adequação
e
quase
nenhuma
racionalização a não ser a própria
- a ter.
repetição da planta por meio da verticalização.
O aprofundamento sobre o mercado imobiliário formal reafirma, em um
A prioridade de otimização dos custos
primeiro momento, a preponderância
ocorre em paralelo à busca pela
que o capital monetário adquire
maior comercialização possível. Neste
no
contexto, inserem-se agentes como
consequência, tal centralidade reduz
incorporadores e corretores de imóveis,
interferências
dotados de autonomia suficiente para
ou negativas, que o processo pode
determinar premissas como público-
vir a ter, mantendo-se ao máximo
alvo, tipologia e tecnologias construtivas
dentro dos resultados com maior
dos empreendimentos. Ao arquiteto
produtividade e mais vendas.
processo
e
no
edifício.
externas,
Em
positivas
47
MERCADO INFORMAL Da mesma maneira como há uma
por mais que esteja fora dos marcos de
relevância da atuação do mercado na
direitos, o mercado informal conta com
provisão
convencional,
uma estrutura institucional própria,
o cenário de autoprodução não está
ou instituição informal, que garante
alheio à existência de práticas mercantis
a reprodução temporal das práticas
informais.
aponta
mercantis, de compra, venda e aluguel
a emergência do mercado informal
de solo e imóveis (ABRAMO, 2009a).
como uma resposta a uma legislação
A eliminação da impessoalidade e a
urbanística cujo diálogo é reservado
personalização das relações contratuais
aos estratos de renda mais elevados.
(através de relações familiares e de
A repetição em grande parte das
amizade), por exemplo, atuam como
cidades
garantia para que ocorram as relações
habitacional
Abramo
(2009b)
latino-americanas
faz
crer
que esta lógica - a emergência de uma
mercantis no meio informal.
legislação urbanística restrita seguida
48
do estabelecimento de um mercado
Para o aprofundamento do mercado
informal - comporta-se como uma das
informal,
principais características da formação
parâmetros
socioespacial dessas cidades.
mercantis informais, como o conceito
Abramo formais
encaixa as
em
práticas
de submercados. No âmbito informal, No
entanto,
a
não
conformidade
destacam-se dois, um mercado primário
com o aparato regulatório não faz do
relativo aos loteamentos na periferia
mercado informal uma prática sem
urbana e periurbana (fundiário)3 e um
padrão ou relativa ordem. Quando a lei
mercado secundário vinculado à venda
não funciona como uma garantia nas
e aluguel de imóveis em assentamentos
relações de mercado, outras formas de
populares (imobiliário). Na dinâmica do
garantia devem se desenvolver para
funcionamento destes, há momentos
estabelecer as relações de confiança
de
entre as partes envolvidas. Deste modo,
complementaridade, isto porque os dois
concorrência,
mas
também
de
3 Além do mercado, o Estado, bem como movimentos sociais e associações populares, inserem-
se como agentes loteadores (KAPP et al, 2014), mas este estudo concentra-se na atuação do mercado como agente loteador.
podem ser identificados na estrutura
projeto seja aprovado ou conforme
urbana em áreas bastante precisas e
as exigências legais. Há ainda o não
de funcionalidades distintas (ABRAMO,
atendimento às exigências de provisão
2009b)
de infraestrutura, que por vezes consistem apenas em promessas aos
O primeiro submercado, de loteamentos,
moradores.
volta-se para o fracionamento de glebas na periferia das cidades, constituindo-se
Os
autores
levantam
no principal vetor de expansão da malha
loteamentos
urbana, que se direciona para áreas
ocupação mais tolerada pelo Estado do
carentes de infraestrutura e serviços
que as invasões, por não interferirem
públicos, porém dentro do poderaquisitivo
em questões de propriedade privada.
informais
ainda como
os uma
de parcela significativa da população. Os produtos desse submercado são
O segundo submercado, ou mercado
relativamente
sendo
imobiliário informal, se faz presente
suas distinções relativas a dimensões
homogêneos,
em pontos por toda a cidade, não
físicas, topográficas, e às externalidades
restrito às periferias, mas sobretudo
exógenas de urbanização (ABRAMO,
onde há assentamentos populares
2009a).
informais. Neste caso, o relativo acesso à infraestrutura acompanha muitas
O caráter informal destes loteamentos,
vezes a vulnerabilidade ambiental e
segundo Werna et al. (2004), está
os riscos que dela decorrem. A partir
sobretudo
de
aos
no
índices
não
atendimento
urbanísticos,
porém
uma
infinidade
individualizados,
de
processos
descentralizados
e
respeitando a propriedade do terreno.
autônomos, cresce o estoque edificado
Trata-se,
informal, ou imóveis usados, principal
assim,
de
um
terreno
privado que o proprietário realiza
produto
deste
submercado.
Neste
seu parcelamento, mas sem que este
contexto, a construção visa atender
49
inicialmente a demanda habitacional
verticalização, através de uma produção
das famílias, e não a comercialização
compacta da cidade. Esta dinâmica
imediata dos imóveis. Assim como
propicia a manutenção de um ciclo
expõe o autor:
extremamente prejudicial para a cidade:
(...) a comercialização de habitações
O mercado informal, ao promover um
informais, em sua grande maioria,
território cada vez mais difuso, impõe
se dá a partir de imóveis do estoque
custos de transportes crescentes
imobiliário informal. Os imóveis
aos trabalhadores que vivem nesses
novos informais produzidos para
loteamentos, mas, quando o mesmo
serem comercializados, geralmente,
mercado produz uma compactação
representam
fracionamento
nos assentamentos consolidados, ele
familiar,
do
lote
um
seja
causa uma precarização do habitat
verticalizando, seja ocupando parte
original
popular com o aumento da densidade
do lote e/ou casa (produção de
(predial e domiciliar) e verticalização
quartos), mas com a manutenção
com
da residência (ou parte) da unidade
indicadores
familiar original).
(escassez de ar, sol, etc.) que essa
todas
as de
implicações
dos
habitabilidade
compactação promove.
50
- ABRAMO, 2009A, 28 - ABRAMO, 2009B, P. 72
A distinção
dos
dois
submercados
a que o autor se refere tem reflexos
Dentro dos moldes estudados, o mercado
também distintos no espaço construído.
informal produz o espaço sob uma lógica
Resumidamente, enquanto o mercado
duplamente inadequada, submetendo as
fundiário expande a malha urbana, sob
famílias a más condições de salubridade,
uma lógica difusa, nos assentamentos
a nível da habitação, e de difícil acesso a
informais há uma densificação crescente,
serviços básicos e infraestrutura, a nível
seja por fracionamento dos lotes ou
do território.
mercado formal
otimização do processo com simplificação das formas e racionalização limitada
preponderância da obtenção de lucro
inadequação às reais demandas dos moradores
redução das interferências externas
51
mercado informal
difusão da malha urbana com reduzido acesso à infraestrutura e aumento do custo de vida duas lógicas prejudiciais complementares compactação de assentamentos e consequente precarização do habitat
quadro 04. síntese sobre a produção do mercado em suas duas configurações, formal e informal elaborado pela autora
52
figura 04. quem, afinal, produz a cidade? - “as cidades são as pessoas”: intervenção do projeto narrativas possíveis na travessa quixadá, no benfica acervo pessoal
53
PRÁTICAS PARALELAS É
preciso
práticas
temática possível para esta aproximação.
microscópicas, singulares e plurais
Para o presente estudo, entende-se por
que
autoconstrução:
um
‘analisar
as
sistema
urbanístico
deveria controlar ou suprimir e que (no entanto) sobrevivem à sua
(...) provisão de moradia onde a
caducidade.’ (...) Há práticas no e
família, de posse de um lote urbano,
sobre o espaço que jogam e vencem
obtido
o jogo viciado da disciplina; que
informal, decide e constrói por conta
tecem,
própria a sua casa, utilizando seus
efetivamente,
determinantes
da
condições
vida
no
mercado
formal
ou
social.
próprios recursos e, em vários casos,
Nas cidades se vê, de fato, uma
mão-de-obra familiar, de amigos ou
contradição
ainda contratada.
contínua
entre
‘o
modo coletivo da gestão e o modo individual de uma reapropriação.’
- MORADO, 2016, P. 19
- CERTEAU, 1980,
Apesar de presente na maior parte do
APUD SANTOS, 1988, P. 28
território, por muito tempo a temática da produção do espaço pela população
54
Estudar a moradia sob o viés da regulação
não foi debatida. As discussões sobre a
ou a partir da produção formal nos torna
real atuação do profissional arquiteto na
parciais por limitar nossa visão a um
cidade - e a percepção de seu alcance
lado, apenas. Santos, através de Certeau,
limitado - ganharam espaço a partir
instiga a exercitar o olhar, tentar imergir
da segunda metade do século XX,
na realidade das práticas microscópicas
firmando-se até a década de 70. É neste
para tentar compreender - apesar
momento, também, que emerge a busca
das limitações - como é estar em seu
por uma postura mais ativa do usuário
lugar. A tentativa de assimilar estas
no fazer arquitetônico.
práticas permitiu reconhecer na “outra produção arquitetônica” (KAPP, 2008),
Neste contexto, estrutura o Team X,
representada pela autoconstrução, uma
dentro dos Congressos Internacionais
momento muito particular, marcado por
de perguntar “por que” a moradia
pós-guerra, recuperação econômica e
deve ser o mais barata possível, e
reestruturação de cidades destruídas,
não, por exemplo, relativamente
o grupo questionava o funcionalismo
cara; “por que”, em vez de fazer
modernista frente às complexidades
todo esforço possível para reduzi-
da situação urbana e à necessidade de
la a níveis mínimos de superfície,
um aprofundamento sobre identidade,
de espessura, de materiais, não
transpondo o foco do projeto para
deveríamos tentar torná-la espaçosa,
a matéria construída e vivida por
protegida, isolada, confortável, bem
pessoas. O pluralismo defendido pelo
equipada, rica em oportunidades
Team X ampliou o debate para além
de
da prática arquitetônica, alcançando
intercâmbio, criatividade pessoal.
privacidade,
comunicação,
inevitavelmente uma reflexão de cunho político e gerando questionamentos que,
- DE CARLO, 1968,
de certa forma, conduziram ao fim dos
APUD FRAMPTON, 2008, P. 338
congressos, no final dos anos 50 . Como escreve Giancarlo De Carlo a respeito da
A discussão sobre a transferência da razão
declaração do CIAM de 1928:
dos técnicos para os usuários também compõe alguns trabalhos disciplinares.
Hoje, 40 anos depois do Congresso,
A exposição Arquitetura sem Arquitetos
constatamos que aquelas propostas
(Architecture without Architects) em
transformaram-se em casas, bairros
1964, de Bernard Rudofsky, ressignifica
e subúrbios, e depois em cidades
o olhar para o vernacular, por registros
inteiras, manifestações palpáveis de
fotográficos
um abuso perpetrado de início com os
questionando a capacidade dos arquitetos
pobres e em seguida com os nem tão
frente a uma arquitetura que, “longe de
pobres assim: álibis culturais para a
ser acidental (...) dá evidências tangíveis
especulação econômica mais feroz e
de modos de vida mais humanos e
a incapacidade política mais obtusa.
inteligentes”4 (MOMA, 1964).
de
diversas
culturas,
livre a partir do original: “Far from being accidental, this non-pedigreed architecture gives tangible evidence of more humane, more intelligent ways of living”
(...) Ao mesmo tempo, temos o direito
4 Tradução
de Arquitetura Moderna (CIAM). Em um
55
56
57
figura 05. instalações da exibição architecture without architects - MoMA, 1964 DIGITAL IMAGE © 22 jun. 2018, The Museum of Modern Art/Scala, Florence
VELHAS QUESTÕES Em
paralelo
a
estas
reflexões,
o
espaço, com poder de decisão sobre a
arquiteto e planejador britânico John
habitação (ESPINOZA; GRAPPI, 2017;
Turner introduziu aos países ocidentais
BALLEGOOIJEN; ROCCO, 2013).
a temática da urbanização informal em países em desenvolvimento, através de
Em suma, tais liberdades e, sobretudo,
numerosas publicações no periódico
a possibilidade das habitações de se
“Architectural Design”. O seu trabalho
expandirem
com as Barriadas, em Lima, trouxe à tona
progressivamente,
uma questão que ainda hoje perdura no
Turner
tecido urbano. Contrário às habitações
integração socioeconômica” (TURNER,
- projetadas e produzidas - em massa
1968, p. 19).
um
e
serem
aperfeiçoadas
significam
“poderoso
agente
para de
disponibilizadas pelo Estado, ele enxerga
58
na autoconstrução uma maneira de a
Conduzindo esta temática para o
comunidade exercer o poder de decisão
cenário brasileiro, muito da produção
sobre o seu próprio espaço, onde, a
de Carlos Nelson Ferreira dos Santos
partir de sua vivência, tem propriedade
se volta à autoprodução. Entusiasta
para adequá-lo às suas preferências e
das teorias de Turner, o arquiteto e
demandas específicas.
antropólogo é um dos pioneiros no país a defender o urbanismo como
Ao
aprofundar
a
produto de um processo participativo
produção autoconstruída, o arquiteto
(ESPINOZA; GRAPPI, 2017). Em seu
estrutura a noção de liberdade, que se
livro “A cidade como um jogo de cartas”,
divide em três: a primeira trata-se da
do final da década de 80, o arquiteto traz
liberdade para uma escolha própria
um desdobramento teórico inicial que
da comunidade, sem depender da boa
o permite contrapor os processos de
vontade da administração local ou de
planejamento do espaço às suas reais
aluguel social; a segunda é a liberdade de
apropriações. Em seguida, questiona
administrar o processo de acordo com o
a dicotomia que transpassa as cidades
recurso próprio, ou seja, a possibilidade
brasileiras e toma este contexto como
de
a
mote para uma proposta que possa
habitação ao longo dos anos; e, por
“retomar e rever linguagens” (SANTOS,
fim, a liberdade de moldar o próprio
1988, p.17).
desenvolver
a
noção
sobre
gradualmente
Um
dos
atuação
pontos a
de
sua
A aproximação do arquiteto à realidade
compreensão
da
da maioria da população na tentativa de
habitação autoconstruída para além
superar o caráter elitista da profissão,
do objeto arquitetônico. Defendendo
no entanto, teve um caráter pontual no
a ideia de que “a desordem é só uma
século passado, que logo perdeu espaço
ordem que exige uma leitura mais
(MONTANER, 2001). Décadas depois,
atenta” (SANTOS, 2009), o arquiteto
a
busca
simplificações
uma das grandes questões do espaço
assentamentos
urbano construído: possivelmente sua
informais, ressaltando que não há
permanência instigou um retorno desta
como desconsiderar seu contexto. Em
temática
sua abordagem, o problema da moradia
teórica
é discutido em um quadro mais
estabilizado. Temas como a participação
abrangente, reforçando a relação entre
dos usuários, a recuperação da cultura
informalidade,
popular, a abordagem do urbanismo
do
é
centrais
combater
significado
as dos
regulação,
políticas
públicas e escala de interesses.
informalidade
à e
permanece
produção prática,
de
como
arquitetônica, modo
mais
informal e a continuidade das críticas da década de 60 ganham mais espaço nas
É de surpreender a contemporaneidade
discussões - e nas cidades. Como afirma
da abordagem sobre a autoconstrução,
Montaner ao abordar a passagem do
mesmo se considerarmos o longo
século XX para XXI:
recorte temporal: não fossem as datas, as produções de Turner e Santos
Outra transformação importantíssima
poderiam estruturar-se a partir da
nessa virada de século foi a inclusão
conjuntura
definitiva
atual.
Especialmente
da
arquitetura
do
dentro
da
as soluções apontadas - moradia
urbanismo
vinculada
teoria e da prática da arquitetura
ao
desenvolvimento
informais
e
e
erudita. Livros, revistas e escolas
necessidade de projetos participativos
de arquitetura têm incorporado a
e valorização da cidade informal -
informalidade e os bairros marginais
mostram-se ainda coerentes para as
a seus temas e projetos.
das
atividades
dos
moradores
demandas de habitação social do nosso contexto (ESPINOZA; GRAPPI, 2017).
- MONTANER, 2016, P. 103
59
60 figura 06. sobre o potencial de adequação ao longo do tempo - campo do américa acervo pessoal
61
Entre as abordagens contemporâneas,
demandas imediatas em paralelo às
Denise
e
possibilidades de mudança futura por
coordenadora do laboratório PRAXIS,
Morado,
arquiteta
adaptações e aprimoramentos, e, por
da UFMG, reúne em Saberes [auto]
fim, a autonomia dos moradores para
construídos
experiências
decidirem sobre o espaço. O potencial
de diálogo entre a Universidade e os
inúmeras
de modificação destas moradias revela
autoconstrutores de ocupações de Belo
a autoconstrução como um processo
Horizonte. Ao tratar de outra lógica
dinâmico e constante, e que precisa
da prática, Morado discorre sobre a
ser reconhecido como tal (MORADO,
complexa questão habitacional frente
2016).
aos interesses econômicos e políticos,
62
os quais geralmente se sobressaem.
Mais do que uma qualidade formal
Além disso - ou por causa disso - parcela
ou inovação construtiva, a beleza da
expressiva da população encontra-se
autoconstrução, valorizada por Turner,
numa situação de ilegalidade urbana,
Santos,
sendo “não mais a exceção, mas a regra”
das soluções e em sua capacidade de
(MORADO, 2016, p. 18), motivando a
responder a demandas emergenciais
necessidade de repensar os meios de
sem
intervenção no espaço.
adaptações que atendam a demandas
Morado,
inviabilizar
está
na
potência
flexibilizações
e
futuras, materializando o poder de A autora diferencia a autoconstrução
decisão sobre a moradia, o poder de ação
em três universos: os loteamentos
no espaço. A autoconstrução representa,
periféricos, as favelas e as ocupações
portanto,
urbanas. Como pontos comuns entre
intenção em ato, em estética e política
os três, ela destaca a transformação
hibridadas” (LOPES, 2016, p. 41).
“forma-ação,
conteúdo
e
da moradia ao longo do tempo, valores como dos
cooperação envolvidos,
e
cumplicidade
atendimento
das
Acrescenta-se que, além do potencial de
modificação
característico,
esta
prática significa sobretudo um forte
O
perigo
mecanismo de resistência e denúncia
a
desigualdade
de inadequações e disparidades que
autoconstrução exige um olhar que não
transpassam o espaço urbano. Ao
a romantize, distanciando-se de uma
tratar destas disparidades, Ananya
conduta neoliberal que possibilite uma
Roy (2013) ressalta que enquanto
ausência ainda maior do Estado. É preciso
o rico tem ajuda do Estado, resta ao
reconhecer seu potencial, mas sem
pobre a sua própria ajuda. Então, se
deixar de lado suas fragilidades, afinal,
por uma lado a autoconstrução retrata
trata-se muito mais de necessidade do
a capacidade de grande parcela da
que de escolha (KAPP; BALTAZAR DOS
população suprir suas demandas por
SANTOS; MORADO, 2008). A valorização
si, por outro ela evidencia a ausência
da autonomia dos moradores não basta
de esforços institucionais na garantia
se não a apreender como consequência
de
população
direta da posição marginal no sistema
por inteiro. Assim como alertam
econômico e em decorrência da exclusão
Ballegooijen e Rocco:
da arquitetura produzida formalmente.
direitos
A partir
básicos
de
uma
à
de
desconsiderar que
toda
envolve
a
compreensão
Assumindo o relevante papel do poder
progressista e empoderadora de
público na promoção do desenvolvimento
como as bases são capazes de levar
urbano, reafirma-se que, se existe uma
suas vidas com as próprias mãos,
parcela
esta tem se tornado uma ferramenta
demanda por conta própria, é porque a
para
discursos
população
suprindo
sua
que
atuação deste poder tem sido ineficiente,
defendem a rejeição do Estado
não contemplando tal parcela como deveria.
como um articulador válido de
Neste contexto, a solução encontrada
desenvolvimento
neoliberais
da
urbano.5
por ela, apesar de suas vantagens, não necessariamente provê uma condição de
- BALLEGOOIJEN; ROCCO, 2013, P. 1794
5 Tradução
vida satisfatória (MARICATO, 1982).
livre a partir do original: “From a progressive and empowering understanding of how the grassroots are able to take their lives into their own hands, it has become a tool for neoliberal discourses defending the dismissal of the state as a valid articulator of urban development.”
63
AUTOCONSTRUÇÃO E INSEGURANÇAS A falta de conhecimento sobre as reais
alheias ao aparato regulatório podem
condições da produção autoconstruída,
significar expor a vida dos moradores
uma vez que geralmente não há
a
fiscalização ou controle do Estado,
insegurança, sem que haja um controle
vincula
destes
a
ela
uma
invisibilidade,
condições
de
insalubridade
parâmetros.
Como
e
mostra
dificultando a garantia de que atenda
Costa Lima (2017), estas condições
às demandas de seus moradores e
perpassam
que esteja em conformidade com os
(instabilidade
padrões de salubridade. A inadequação
mal
da regulação às diferentes realidades
instalações insuficientes) até o espaço
socioeconômicas
primeiro
urbano (ocupação de espaços públicos,
entrave à produção do espaço dentro
ocupação de áreas ambientalmente
do processo formal; assim, edificações à
frágeis,
margem das normas ou completamente
carroçáveis).
é
um
a
escala
resolvidas,
poucas
da
habitação
estrutural,
plantas
escadas
calçadas
íngremes,
e
vias
Percebe-se, a partir do quadro a seguir, que mesmo tratando-se de uma poderosa ferramenta de ação no espaço, em meio à falta de alternativas 64
para morar, autoconstruir também pode significar submeter-se a diversas inseguranças na tentativa de assegurar um lugar na cidade (COSTA LIMA, 2017). Sob outro olhar, a possibilidade de modifição da produção autônoma, se vista como qualidade, pode ser potencializada com novas alternativas técnicas que considerem-na no lugar de negá-la (KAPP, 2008).
rede de exclusão - invisibilização
atendimento a demandas imediatas e futuras
poder de ação sobre o espaço
administração a partir dos próprios recursos
liberdade de autonomia sobre a moradia
agente de integração socioeconômica
condições de insalubridade e insegurança edificação
instabilidade estrutural plantas mal resolvidas
território
ocupação de espaços públicos ocupação de áreas ambientalmente frágeis
escadas íngremes instalações insuficientes
poucas calçadas e vias carroçáveis
quadro 05. síntese sobre autoconstrução elaborado pela autora
65
partida
narrativas
transiçþes
novos processos
precedentes
partida
referĂŞncias
ENTRE MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS É da prática arquitetônica que esta
permite antever um cenário desejado.
investigação se origina: a investigação
Santos (1988), ao remeter o projeto à
sobre os demais agentes é um breve
origem da palavra, encontra em pro-
percurso que nos possibilita voltar ao
jectus um mote que reitera o constante
início com diferentes perspectivas e
processo de aperfeiçoamento no qual se
vontades. Repensar o projeto pode ser
insere a arquitetura.
um bom começo: O desenho, que se lança antes, baseiaÉ
68
certo
que
nossos
“projéteis”
se em precedentes e anseia materializar
jamais atingirão os alvos em cheio.
um cenário que não necessariamente
Não importa; o fundamental é que
- e muito provavelmente não - será
permitam
contínuas
concretizado, em maior ou menor
feitas por nós e pelos outros, até que
grau. Porém, à medida em que a
se chegue a um consenso sobre o que
cidade é construída, criam-se bases
é mesmo o alvo e sobre a direção em
para avaliação e reformulação desta
que se pode supor que esteja. [...] É
matéria construída, tanto por quem
mais oportuno, portanto, retomar e
elaborou o projeto, quanto por quem
rever linguagens.
o vivencia. Como nos mostra Santos
reavaliações
(1988), é nesta capacidade de avaliação - SANTOS, P. 17, 1988
e aperfeiçoamento que se ampara significativa potência da arquitetura, a
O arquiteto e urbanista tem no desenho
possibilidade de ser flexível o suficiente
uma comunicação própria, uma abstração
para absorver as contribuições de seus
provida de códigos e simbologias que
colaboradores.
69
É preciso aprofundar, no entanto, o
condição
de
autoridade
significado relativo ao desenho quando
do processo como todo, por mais que
inserido no processo da produção
seus produtos se deem principalmente
arquitetônica e, assim como quando
de maneira abstrata (desenhos) e não
implantado no território. O Renascimento
necessariamente
é um recorte temporal onde relevantes
(KAPP; BALTAZAR DOS SANTOS, 2004).
questões deste tema são levantadas:
O estabelecimento desta preponderância
através das formalizações de direitos
e seus reflexos percorrem o canteiro
autorais, o trabalho arquitetônico foi
de obras e o extrapolam, contribuindo
mais claramente vinculado a um trabalho
para a emergência e a manutenção das
intelectual, provendo ao arquiteto uma
desigualdades, aqui exploradas.
concreta,
intelectual
edificada
Em um primeiro momento, o desenho
Através desta centralização do arquiteto
se insere no processo de produção
no processo, compreende-se que em
de
convencionalmente
um primeiro momento ele recebe as
adotado, fragmentado em quatro etapas:
demandas e, durante a concepção, as
demanda,
arquitetura
e
codifica em forma de programa de
uso. Ainda que o arquiteto se debruce
concepção,
construção
necessidades e, posteriormente, de
muito mais sobre uma das etapas, de
desenho. Avançando para a construção,
concepção, sua atribuição como detentor
esses desenhos são decodificados e
do conhecimento o torna mediador
tornam-se matéria construída, com o
entre todas etapas, coordenando os
mínimo possível de interferências. Por
demais agentes e intervindo para que
fim, é entregue para uso um edifício
se concretize o mais próximo do que foi
que provavelmente retrata muito mais
pensado no projeto. Assim, aquilo que
os anseios do arquiteto que do usuário,
contraria ou foge ao desenho perde sua
que fica sem grande liberdade mesmo
validade, é visto como ruído no processo
para modificá-lo ao longo do tempo e
(KAPP; BALTAZAR DOS SANTOS, 2004).
das diferentes demandas.
70
desenho
codificação
demanda
decodificação
concepção
cliente
construção
uso
construtor
cliente
arquiteto
quadro 06. processo de produção de arquitetura convencionalmente adotado elaborado pela autora com base em Kapp e Baltazar dos Santos (2004) e Santos (1988)
Sob esse olhar, o desenho adquire
Porém,
até
centralidade e valida o processo em sua
preponderância
totalidade, tornando-se uma mediação
arquiteto se deu de modo mais
necessária (FERRO, 2006), e o arquiteto,
contido, sobretudo por estar restrita
um articulador do início ao fim. A
aos
fragmentação do processo em quatro
abastadas. Até o surgimento das
etapas fragmenta também os agentes e
metrópoles industriais, as moradias
estabelece uma hierarquia muito clara,
eram
na qual um agente específico detém o
pelos próprios habitantes, artesãos
conhecimento da totalidade e coordena
e oficiais. Frente à industrialização
os demais, que limitam-se a cumprir
e os consequentes crescimento e
sua função em momentos pontuais,
adensamento das cidades, fracassaram
tornando-se muito mais reprodutores
os meios arquitetônicos e urbanísticos
do desenho, sem muito espaço para
tradicionais, abrindo então um maior
intervir:
campo de atuação para o arquiteto.
projetos
o
século do
de
concebidas
XX,
profissional
famílias
e
a
mais
empreendidas
Dentro da divisão do trabalho imposta
É nesta conjuntura que a perda
no canteiro pela manufatura, aparece
de
a figura do arquiteto. A concepção de
sistema de produção capitalista tem
totalidade do produto é entregue a
a produção do espaço incorporada na
ele que, com seu desenho, separa e
mesma lógica, legitimando a produção
segrega os diversos trabalhos. No
arquitetônica
canteiro de obras a fragmentação e a
profissional dotado de conhecimento
hierarquização criam uma ‘pirâmide’
técnico. Por outro lado, reiterando a
que define o grau de acesso a
realidade na qual o mercado formal
informações, partindo do mestre
não é acessível, não se extingue e nem
capacitado a ler os desenhos até
se controla a produção autoconstruída,
os inúmeros serventes que apenas
que permanece no tecido urbano,
transportam cargas sem saber de
desta vez excluída do cenário de
nada.
legitimidade anterior e exposta a
autonomia
condições - ARANTES, 2002, P. 114
de
dos
indivíduos
assumida
por
precariedade
no
um
(KAPP,
BALTAZAR DOS SANTOS, 2004).
71
percentual dos que construíram ou reformaram nunca construiu ou reformou
já construiu ou reformou
46%
54%
imóvel residencial 51%
reformou 31%
imóvel comercial 3%
construiu 20%
3%
percentual dos que utilizaram serviço de arquiteto e urbanista e/ou engenheiro entre os que construíram ou reformaram 72
utilizou
não utilizou
14,60%
85,40%
razões porque não contratou/contrataria serviço de arquiteto e urbanista não contratou, mas contrataria
não contratou e não contrataria
70%
24%
financeiras
45%
46%
não houve/haverá necessidade
38%
19%
outras
23%
37%
quadro 07. parte dos resultados relativos ao diagnóstico sobre arquitetura e urbanismo no Brasil CAU/BR, Datafolha, 2015.
Esta nova lógica que emergiu durante
enxergar
necessidade.
Confirma-se,
o século XX remonta às reflexões sobre
assim, que o serviço de arquitetura ainda
o contexto atual: uma produção formal
é restrito tanto economicamente quanto
inacessível estimula e mantém uma
em termos de conhecimento sobre sua
produção informal, que acontece de
atuação.
maneira precária, com graves prejuízos à população e ao território, gerando o
Kapp e Baltazar dos Santos (2004)
“ciclo vicioso da informalidade urbana”
possibilitam a estruturação de uma linha
(FREITAS; PEQUENO, 2015). Já as
que tem em seu princípio as mudanças
tentativas de reduzir a informalidade
no processo de produção arquitetônica
têm sido em sua maioria inadequadas,
e uma consequente centralização do
não solucionando as demandas às quais
desenho - e do arquiteto - neste cenário.
se propõem e alimentando este ciclo.
Estas mudanças recaem inicialmente sobre o canteiro de obras, até que podem
Em 2015, o Conselho de Arquitetura e
ser percebidas na cidade, conduzindo
Urbanismo do Brasil (CAU/BR) realizou
à
uma pesquisa de nível nacional, a
associada a condições de insegurança
fim de analisar as percepções da
e
sociedade
Os
ao potencial percebido por Santos
resultados obtidos têm enorme relação
(1988), o desenho, a partir dos casos
com
os
sobre
a
profissão.
questionamentos
sobre
manutenção precariedade.
da Em
informalidade contraposição
a
explorados, insere-se em uma relação
preponderância do arquiteto e sua real
na qual a possibilidade de avaliação e
participação na produção do espaço, e
intervenção por uma multiplicidade
confirmam seu alcance restrito. Entre
de agentes perde espaço à medida em
os mais de 50% entrevistados que já
que o arquiteto adquire maior poder no
construíram ou reformaram, apenas
processo (KAPP, 2008). Este maior poder
15% utilizaram serviço de arquiteto e
adquirido, no entanto, não se reflete
urbanista e/ou engenheiro (no caso da
em maior atuação no território, pelo
região Nordeste, em específico, esse
contrário: o serviço de arquitetura ainda
valor cai para 7%). Já entre os 85% que
se mostra profundamente restrito para
não utilizaram, é interessante ressaltar
as variadas realidades socioeconômicas,
que o principal motivo levantado é de
distante de onde recaem suas maiores
cunho financeiro, e o segundo, por não
demandas.
73
TRAJETÓRIAS O percurso realizado até
aqui nos
arquiteto torna-se um ponto-chave no
abre o olhar para perceber que as
processo, compreendido como o agente
atuações estudadas - e suas linguagens
que tem a competência necessária
materializadas no espaço - perpassam o
para a elaboração dos projetos nos
mesmo território e, junto a elas, tantas
moldes “ideais” e, teoricamente, de
outras linguagens que influenciam e
maior
se deixam influenciar, compondo a
bagagem técnica e formal que carrega
multiplicidade que é o espaço urbano.
consigo. Assim, cabe a ele identificar as
Tal
necessária
necessidades e realizar todo o projeto
para desvincular a matéria edificada
para o usuário, que perde quase que
necessariamente a uma só linguagem:
integralmente seu poder de decisão
talvez estes momentos de confluência
sobre o próprio espaço.
percepção
se
faz
qualidade,
diferenciado
pela
enriqueçam nosso tecido urbano e tragam novos discursos e materialidades
Esta
ruptura,
como
se
viu,
não
à cidade, sem o propósito de negar as
extingue e nem controla a produção
múltiplas linguagens em defesa de uma
autoconstruída, mas a exclui do cenário
só, mas de equilibrá-las.
de legitimidade anterior, expondo-a a condições de precariedade (KAPP,
74
Entretanto, os momentos de confluência
BALTAZAR DOS SANTOS, 2004). Nestas
são poucos quando comparados aos
condições sobrevivem as favelas, os
conflitos, diante de um contexto em
cortiços, as ocupações, os loteamentos
que só uma arquitetura é reconhecida:
informais, tantas denúncias da atuação
aquela em conformidade com o aparato
fragmentada dos agentes e como esta
regulatório e em moldes específicos,
fragmentação não tem sido, na prática,
por mais
a melhor resposta.
inacessível
que
seja.
O
75
O espaço perde por ora a condição somente de abrigo, vai além, torna-se um forte instrumento de comunicação e expõe em tantas ruas, em tantos bairros, que a multiplicidade do espaço não pode se resumir a apenas uma de suas linguagens: ela não é capaz de conter as demais. É desse pensamento que se estrutura a intenção de entender as convergências entre as diferentes linguagens.
Traçados o contexto e a problemática
qualquer conhecimento em detrimento
enfrentada, é delineado um cenário
dos demais, considerando sua validade
desejado e, no decorrer do processo,
particular no contexto em que se
estruturam-se maneiras que intentam
originou. A superioridade de um saber
alcançá-lo. A centralização do arquiteto
perde então seu vínculo necessariamente
nesta abordagem, ciente do emaranhado
a um nível de institucionalização e
de outros agentes que compõem este
profissionalização,
tema,
desconsiderar
contribuição programática a práticas
responsabilidade
específicas. Desta maneira, será possível
ou
não
pretende
reduzir
uma
e
de qualquer um destes, mas tenta
entrelaçar
compreender como estruturar novos
para promover práticas sociais:
processos
que
partam
da
diferentes
migra
para
conhecimentos
prática
arquitetônica e se direcionem a este
Este descentramento dos saberes
cenário.
é fundamental para que a ecologia dos saberes atinja os seus objectivos:
Esta reflexão encontra coerência na
a promoção de práticas sociais
ecologia
eficazes e libertadoras a partir da
saberes,
desenvolvida Santos
interpelação cruzada dos limites e
(2009). Pautada sobretudo em uma
das possibilidades de cada um dos
ressignificação
saberes em presença.
por 76
dos
se
Boaventura
em
dos
um
desconstruir
de
Sousa saberes,
primeiro a
busca-
momento
superioridade
de
a
- SANTOS, B., 2009, P. 473
Para o autor, o terreno para a ecologia
algumas divergências foram reveladas,
dos saberes é o da vida prática: a ecologia
mas também pontos de encontro dos
dos saberes acontece na artesania das
quais podem emergir novos processos,
práticas, onde se planejam ações e se
nossa intenção inicial.
pesam oportunidades, riscos, prós e contras. O espaço urbano, no nosso
Surge
a
necessidade,
estudo, torna-se campo de experimentos,
investigar
base onde conhecimento técnico e
encontro, momentos em que diferentes
popular tecem novos conhecimentos,
linguagens dialogam. Para isso, o mutirão
desta vez sem conotação de formal ou
autogerido, o Minha Casa Minha Vida
informal, válido ou não.
Entidades e a Lei da Assistência Técnica
os
possíveis
portanto,
de
pontos
de
e programas de concessão de subsídios Assim, voltamos ao discurso de Carlos
são práticas cujo aprofundamento trouxe
Nelson Ferreira dos Santos quanto ao
aspectos relevantes, sejam positivos
potencial de retomar e rever linguagens
ou negativos, para a proposta que se
a partir do desenho. Em consonância
delineia.
com a ecologia dos saberes, ele ressalta a necessidade de “encontrar os meios para fazer com que conhecimento popular e erudito se encontrem e dialoguem” (1988, p. 17). Nesse sentido, ao olhar para as diferentes produções habitacionais,
77
DIÁLOGOS MUTIRÃO AUTOGERIDO: ENTRE ATO E POLÍTICA A estruturação do mutirão autogerido
diferente. Primeiro, como já vimos,
deriva dos questionamentos sobre as
por introduzir a política e romper
contradições do canteiro de obras. De
o “círculo de ferro” que isolava a
maneira programada (FERRO, 2006), a
reprodução da classe trabalhadora.
ruptura entre arquiteto e canteiro faz do
Segundo, porque estabelece uma
desenho uma mediação fundamental.
nova relação de produção, sem
Cabe ao arquiteto o domínio do projeto,
patrões e alienação. Terceiro, porque,
seguido de uma hierarquização onde
auxiliado
os operários apenas seguem ordens
restituir um saber e uma estética,
sem que tenham consciência de sua
permitir o “engenho programado e
participação no processo. A edificação
escolhido” e assim uma “poética da
vira mercadoria.
economia” que extraia dos poucos
por
arquitetos,
quer
recursos o máximo arquitetônico.
78
A autoconstrução, por outro lado,
Nesse caso, o desenho volta a ser
permite novamente este encontro ao
fundamental, não como abstração-
materializar no espaço um “valor de
alienação, mas como instrumento de
uso” que suprirá as necessidades de
um projeto coletivo.
quem tanto desenhou quanto construiu a edificação, ainda que viabilizada em
- ARANTES, 2002, P. 191
tantos casos por um trabalho não remunerado. No entanto, está sujeita
A Usina CTAH (centro de trabalho para
a
e
o ambiente habitado) há quase 30
inadequações. Um outro ponto de
anos tem voltado-se para experiências
encontro seria possível através do
sociais, espaciais, técnicas e estéticas,
mutirão
viabilizadas através da autogestão. Sua
precariedades,
insalubridades
autogerido,
como
explica
Arantes:
atuação perpassa planejamento, projeto e
construção,
englobando
também
Tal como a autoconstrução, o mutirão
o contato junto ao poder público na
autogerido é reencontro, uma vez
mobilização de fundos, estimulando uma
que o mutirante é ao mesmo tempo
maior preponderância das comunidades
autor, produtor e futuro usuário,
neste processo, utilizando-se de práticas
mas pretende ser um reencontro
alternativas e contra-hegemônicas.
figura 07. uniĂŁo da juta: conjunto de 160 unidades habitacionais e centro comunitĂĄrio acervo usina ctah
79
O mutirão autogerido, porém, não está
O trabalho não pago dos mutirões,
alheio a tender para certos aspectos
abordado logo antes, diz respeito à
do canteiro tradicional, ao qual se
sobreacumulação de capital, ou seja,
contrapõe. As práticas vivenciadas na
uma situação na qual o empregador
Usina enfrentam questões de teor mais
reduz o custo da moradia na previsão de
prático, tais como prazo, sobreposição de
salário de seu empregado, que recorre
lideranças e isenção de responsabilidades,
à autoconstrução como uma maneira
que inevitavelmente surgem no decorrer
de suprir esta demanda dentro do seu
da obra. Além disso, nem todos os
poder aquisitivo (FERRO, 2006; LOPES,
mutirões atingiram o processo desejado,
2006).
contemplando um desenho democrático e qualidade espacial desejada.
Chico de Oliveira (2005) traz a questão da sobreacumulação como um ponto
80
Infelizmente, ao envolver poder público,
chave para as contradições do mutirão:
assistência técnica e mutirantes, é
ao invés de solucionar o problema
necessário um grande empenho por
habitacional pelos meios do capital, ou
parte dos três que possibilite ultrapassar
seja, combatendo a sobreacumulação, ele
as
urgentes,
o soluciona por meio dos trabalhadores,
adentrando em aspectos mais estruturais
necessidades
mais
ao propor o mesmo trabalho não
do processo. Na escala urbana, ainda
remunerado. Além disso, a produção
há o desafio de incorporar o mutirão à
voltada ao valor de uso e executada por
cidade, expandindo-se para além de suas
seus próprios moradores inviabiliza,
próprias fronteiras (ARANTES, 2002).
para ele, um mercado imobiliário, que fica restrito à classe média.
Deste modo, o mutirão autogerido não está resguardado de certas contradições.
Lopes (2006) e Ferro (2006), por outro
Chico de Oliveira (2005), João Marcos
lado, levantam pontos distintos sobre a
Lopes (2006) e Sérgio Ferro (2006)
autogestão, primeiramente ao deslocar o
constroem
debate,
foco do produto (objeto construído) para
questões
o processo, ressaltando as mudanças
um
evidenciando deste processo
importante
importantes
estruturais possíveis pela autogestão,
em concordância com Arantes (2002).
A migração de ação política para
Posteriormente, os autores admitem a
programa, abordada por Lopes, abre
viabilidade de um mercado imobiliário
caminho para aprofundar o Programa
no contexto de autoconstrução, também
Minha Casa Minha Vida Entidades
percebido por Abramo (2009).
(PMCMV-E),
uma
modalidade
do
PMCMV. O programa foi uma conquista A transição entre os ideais do mutirão
de
autogerido para suas práticas é outro
populares,
cenário que levanta questionamentos
autogestionárias
e contradições. Lopes (2006) ressalta
recursos do programa.
o
modo
como
questões
reivindicações
dos
englobando na
movimentos as
práticas
provisão
de
práticas,
tais como as diferentes prioridades
A diferenciação desta vertente para
entre arquitetos e construtores e as
o
dificuldades da rotina, geram conflitos e,
participação
de
de certo modo, abrem espaço para um
associações
e
esgotamento das concepções originais:
governamentais (ONG’s), que tornam-
programa
tradicional
está
entidades, organizações
na
como não
se responsáveis pela viabilidade dos Parece que é no momento em que
empreendimentos, gerindo o dinheiro
a “ação política” vira “programa”
público e todo o processo, nas esferas
que seu conteúdo político se esvai,
jurídica, de engenharia e social, frente
transformando o que era ação em
ao órgão financiador. Dessa forma,
pura ação instrumental.
o PMCMV-E representa um passo importante de inserção das entidades no
- LOPES, 2006, P. 225
processo da produção de HIS.
Ainda assim, a vivência autogestionária
Apesar da relevância já mencionada,
torna-se
fundamental
sua aplicação teve caráter limitado,
(ARANTES, 2002), uma vez que permite
destinando apenas 1,85% (ou 60.000
o enfrentamento destas questões - e de
unidades) dos empreendimentos a esta
outras não previstas -, aprimorando o
modalidade, comparado à produção
processo para o que há por vir.
total.
um
ponto
81
figura 08. fase 1 do residencial luiz gonzaga, no bairro ancuri, em fortaleza: o maior do pmcmv-e no paĂs (3.520 UH; em obras) acervo pessoal
82
Nesta
modalidade,
Organizadoras
(EO)
as
Entidades
passam
em cinco contratos, abrangendo três
por
entidades: Cearah Periferia, Habitat para
requerimentos similares aos das empresas
a Humanidade e Federação de Entidades
do mercado formal de construção civil, em
de Bairros e Favelas, e duas construtoras.
termos jurídicos e financeiros, impondo às entidades uma adequação para que
A visita ao empreendimento esclareceu
participem do programa, incoerente com
mais sobre o desenrolar do processo
sua realidade. De certo modo, o PMCMV-E
no
foi um distanciamento do que se propunha
dos engenheiros da obra, o trabalho é
no mutirão autogerido no sentido de não
dividido em dois focos: a construção e o
respeitar as particularidades da prática
trabalho social. Este segundo é realizado
autogestionária, como explica Teixeira:
por meio do Programa Técnico Social
empreendimento.
Segundo
um
(PTS), que se dá por oficinas, reuniões Um programa habitacional voltado
e visitas às obras com os futuros
para Entidades com a autogestão,
moradores, mensalmente. Além disso, os
com ou sem mutirão, deve ser
beneficiários compõem dois conselhos, o
específico e estar de acordo tanto
CAO (Conselho de Acompanhamento de
com
produzidos
Obra) e o CRE (Conselho de Representação
(atendimento a famílias com perfis
os
produtos
do Empreendimento). Inseridos nestes
diferenciados) quanto ao processo
conselhos, participam dos processos
de produção autogestionário (tempo
decisórios relativos às obras e à alocação
de construção, reajustes adequados),
dos recursos.
que não se equiparam ao modo de produção do mercado formal da
A experiência na obra, no entanto,
construção civil.
não
revelou
tantas
diferenças
do
canteiro tradicional. As plantas das - TEIXEIRA, 2018, P. 27
unidades seguem o padrão dos outros empreendimentos do MCMV, com blocos
O
desta
H, bem como métodos construtivos
modalidade, o residencial Luiz Gonzaga,
maior
empreendimento
semelhantes. No canteiro, trabalham
localiza-se em Fortaleza, no bairro Ancuri.
funcionários contratados pelas próprias
A primeira fase, de 1.760 UH, é dividida
construtoras.
83
BLOCOS DE APARTAMENTOS - 1:500 UNIÃO DA JUTA USINA CTAH
RESIDENCIAL LUIZ GONZAGA MCMV-E
2,5 0 2,5 5
10m
PLANTA UNIDADE - UNIÃO DA JUTA - 1:75 0,5
área de serviço
0
0,5
84
banheiro cozinha
sala de estar
circulação
quarto 1
quarto 2
1
2m
A
comparação
entre
as
unidades
um comparativo mais claro: no União
habitacionais propostas esclarece outras
da Juta, percebe-se cômodos espaçosos,
questões acerca da transição de ação
amplas aberturas e separação entre
para programa político. O União da Juta,
diferentes funções das áreas de serviço.
construído pela Usina junto aos mutirantes,
O Residencial Luiz Gonzaga, por outro
apresenta unidades que variam entre 63 e
lado, apresenta restrições de espaço, que
68m², enquanto a unidade do Residencial
também restringem as disposições dos
Luiz Gonzaga, com mesmo programa de
móveis a poucas opções. As aberturas são
necessidades, apresenta uma diferença de
menores e, em alguns momentos, entram
20m², com aproximadamente 44m² de
em conflito com o layout proposto. Por fim,
área.
principalmente na área de serviço e na sala de estar, nota-se um conflito com o
Através da inserção de mobiliário de
mobiliário, como se vê na mesa de jantar e
mesma medida nas duas plantas, é possível
na área de serviço, que fica junto à cozinha.
PLANTA UNIDADE - RESIDENCIAL LUIZ GONZAGA - 1:75 0,5
0
0,5
1
2m 85
área de serviço cozinha
sala de estar
banheiro circulação
quarto 1
quarto 2
figura 09. fase 1 do residencial luiz gonzaga, no bairro ancuri, em fortaleza: o maior do pmcmv-e no país (3.520 UH; em obras) acervo pessoal
86
A experiência do MCMV-E em Fortaleza,
caminho para reinventar o processo
portanto,
gradativamente,
evidencia
um
relativo
partindo
do
olhar
descolamento do que se propunha nos
crítico ao que foi realizado, para então
ideais do mutirão autogerido, assim
aprimorá-lo:
como mostrou Lopes (2006), com produtos similares ao que é visto no
É
MCMV, diferenciando-se apenas pela
percorrido, verificar as reduções e
gestão por entidades e pelas pontuais
sínteses equivocadas, olhar melhor para
participações dos beneficiários. No
a lacuna entre oposições irredutíveis e
entanto, o mesmo autor permite uma
reinventar a própria ação.
reinterpretação a
inserção
deste de
necessário
aclarar
o
caminho
pensamento:
entidades
abre
- LOPES, 2006, P. 226
ASSISTÊNCIA TÉCNICA: APROXIMAÇÃO POR SUBSÍDIOS De maneira mais individualizada, o
Mesmo 10 anos após o decreto da lei, sua
esforço para aproximação do arquiteto
concretização tem se dado de maneira
à população não amparada por seus
pontual. Em Fortaleza, por exemplo, sua
serviços tem como um de seus produtos
aplicação tem ocorrido sobretudo dentro
a Lei da Assistência Técnica (Lei nº
da universidade, por meio de escritórios
11.888/2008) que, como parte da
modelo e de tecnologia social (ETecS)
garantia do direito à cidade, assegura
e por algumas entidades, sem grande
o acesso à assistência técnica pública
abrangência de profissionais atuantes
e gratuita a famílias com renda de até
no mercado.
três salários mínimos, para o projeto e a construção de habitação de interesse
São então os programas de subsídios
social, com financiamento público.
que, nesta conjuntura, podem fomentar a procura pela assistência técnica.
O reconhecimento do poder público
A sanção da lei que institui o Cartão
do
do
Reforma (Lei nº 13.439/2017) prevê
mercado formal, diante da discrepância
serviço prestado por arquiteto como
das
fração
difícil
acesso
condições
aos
padrões
socioeconômicas
da
do
subsídio
fornecido,
de
população, é um grande passo para
R$5.000,00, destinado a investimentos
democratização deste mercado, mas
em habitação para conclusão, ampliação
vale ainda compreender seus moldes.
ou reforma.
Baltazar e Kapp (2016), ao distinguir assistência de assessoria, evidenciam
No sentido inverso às políticas de provisão
como uma postura assistencialista pode
habitacional, o apoio governamental
abrir margem para uma relação de
por subsídio dá mais autonomia aos
dominação, na perspectiva de encaixar
beneficiários, que decidem de que
as pessoas em necessidades e padrões
maneira alocar os recursos, sem ter que
pré-estabelecidos
presta
moldar-se a padrões estabelecidos. No
assistência. Em contramão, a assessoria
por
quem
entanto, este tipo de programa tem se
assume a relação assimétrica entre os
dado muito mais no âmbito da melhoria
agentes envolvidos, mas busca realizá-la
habitacional, sem exemplos expressivos
sem dominação.
na construção de moradias.
87
partida
narrativas
transiçþes
novos processos
precedentes
partida
referĂŞncias
QUESTIONAMENTOS Compreender o espaço urbano a partir
à confirmação da grande lacuna entre
dos diversos agentes que o compõem
estes dois cenários.
tem trazido inseguranças, de certo modo. Inseguranças por perceber a
Diante desta lacuna, anseios para um
imposição do arquiteto e as limitações
novo cenário começam a dar-lhe forma:
que decorrem deste posicionamento.
busca-se uma prática arquitetônica
Surge então uma dúvida de até onde
mais
propor, a partir de quando não intervir.
parcela da população que alcança, da
abrangente,
em
termos
da
participação dos usuários no processo e
90
A partir de algumas conclusões com base
dos aperfeiçoamentos que comporta. Ao
na própria vivência na cidade, e agora
buscar uma abordagem possível para
também pela investigação teórica, tem
esta problemática, não se pretende negar
sido cada vez mais clara a percepção das
outras abordagens, muito menos propor
diversas inadequações que perpassam o
uma solução definitiva: isso nos faria
espaço, e como a produção reconhecida
contradizer todo o aprendizado exposto
não tem significado necessariamente a
aqui. Ora, se estamos em um ponto
garantia do cenário otimista esboçado
inicial, cientes de nossas limitações, e
pelo Estatuto da Cidade. Na verdade,
sabemos onde queremos chegar, existe
podemos agora afirmar que, mais do
um caminho a ser trilhado entre um
que assegurar boas condições do espaço,
ponto e outro. As investigações deste
a formalidade em arquitetura tem
trabalho intentam, portanto, percorrer
sobretudo sustentado uma disparidade
caminhos,
muito clara.
delinear respostas ao cenário traçado.
investigar
possibilidades,
São, portanto, uma transição: É díspar, assim, o cenário que se pretendemos chegar frente ao cenário
Se é preciso criar uma cultura
que vivenciamos
hoje.
arquitetônica
questionamentos
sobre
Diante
dos
processo,
arquitetos
comum e
mutirantes,
entre ela
dimensões distintas foram levantadas: o
deve ser francamente debatida e
processo de produção da arquitetura, o
experimentada até consolidar um
processo de participação dos usuários, o
novo imaginário do que seja o habitat
processo de constante aperfeiçoamento
popular numa grande cidade.
da arquitetura, do projeto ao uso. Estes questionamentos têm nos conduzido
- ARANTES, P. 209, 2002
Esta
reflexão
nos
permite
trazer
novamente o pensamento de Santos (1988), quando afirma que, ao mirarmos o alvo, não o acertaremos em cheio. Seria muita presunção assumir o projeto aqui apresentado como uma solução única: mais do que isso, busca-se desconstruir este pensamento em detrimento de uma proposta em constante processo de
91
avaliação e aperfeiçoamento, que permita novos
processos.
Esta
proposição,
ainda, não significa negar os processos atuais. Como mostra Boaventura de Sousa Santos (2009), é o cruzamento entre diferentes conhecimentos que nos permite promover práticas sociais efetivas e libertadoras.
As inseguranças, aos poucos, dão lugar a hipóteses, pequenas ideias que começam a clarear dúvidas, fechar raciocínios, visualizar possibilidades.
DECISÕES COMPARTILHADAS Diversos agentes permeiam o território
uma rede de exclusão e invisibilização, a
e o produzem e organizam por meio da
autoconstrução submete os moradores
materialidade construída. A abordagem
a condições de precariedade, presentes
por diferentes narrativas permitiu a
da escala do território à arquitetônica,
visualização de potenciais e limitações
e reforçadas com a existência de um
relativos a cada um, expostas a seguir.
mercado informal.
Da produção convencional ou formal,
A partir do que foi levantado, é possível
inicia-se pelo Estado que, através
inferir que, mesmo compreendendo
das
tem
processos distintos, tanto a produção
investido recursos volumosos no setor
políticas
convencional quanto a não convencional
habitacional (apesar de reduzidos nos
têm
últimos três anos), exemplificado pelo
moradores a condições inadequadas.
programa Minha Casa Minha Vida, de
Um ponto chave neste pensamento a
nacional6.
abrangência
92
habitacionais,
submetido
parcela
de
seus
No entanto,
ser evidenciado é que, embora ambas
como se viu, tal produção habitacional
gerem inadequações, estas ocorrem por
têm se mostrado inadequada, desde
razões distintas: entende-se aqui que
a inserção urbana às condições das
o Estado e o mercado formal possuem
unidades. O mercado formal, por sua
recursos para investir em moradia,
vez, ao priorizar o lucro também põe
mas não têm voltado suas propostas às
em risco a adequação da moradia às
reais demandas da população; por outro
demandas das famílias.
lado, os autoconstrutores têm maior poder de decisão sobre a habitação,
Por outro lado, a produção autoconstruída
porém, por motivos como a falta de
representa um importante poder de
conhecimento técnico e dificuldade de
decisão
(LAMOUNIER;
acesso a recursos, esta produção não
NASSIF SALOMÃO, 2016), por meio
no
espaço
necessariamente tem ocorrido em boas
do qual os autoconstrutores moldam
condições.
o espaço às suas reais necessidades, garantindo
ainda
possibilidades
de
O
quadro
a
seguir sintetiza
este
adequações futuras, por alterações ou
raciocínio e permite a visualização de
expansões. No entanto, inserida em
que há uma relativa complementaridade
6 No
período entre 2009 e 2015, foi aplicado um investimento superior a R$ 244 bilhões no PMCMV, relativos a mais de 3,76 milhões de moradias contratadas, segundo a Secretaria de Governo da Presidência da República. Disponível em: <http://www.secretariadegoverno.gov. br/iniciativas/internacional/fsm/eixos/inclusao-social/minha-casa-minha-vida>. Acesso em: 21 jun. 2018.
entre os dois agentes. Assim, a proposta
entre agentes que constroem o espaço
parte da ideia de que Estado e mercado,
e agentes que decidem, em coerência
aplicando seus recursos em edificações
com a divisão entre suporte e recheio, de
de cunho genérico, podem prover
Habraken (2000). Para ele, esta divisão
melhores condições à população de
no edifício estabelece uma relação
moldar o espaço interno à sua maneira,
intrínseca com os níveis de decisão:
a partir das suas demandas individuais,
enquanto o recheio é decidido com base
a custos mais baixos e a condições
na vivência individual, a decisão dos
mais adequadas do que no cenário de
suportes é coletiva. Suporte e recheio
autoconstrução. Para isso, propõe-se
não
inicialmente um processo decisório
a quem constrói o espaço e, como
compartilhado, de modo que diferentes
esclarece Lamounier (2017), também
agentes participem em um mesmo
não referem-se necessariamente ao
processo somando suas potencialidades,
uso (coletivo e individual), mas ao
diferindo da separação anterior.
controle sobre o espaço. O processo de
necessariamente
correspondem
decisão compartilhado entre os agentes O reconhecimento de mais de uma
resulta, portanto, da noção quanto à
agente decisor sobre o espaço se dá por
importância do controle sobre o espaço,
um entendimento inicial da distinção
independente da construção e do uso.
maior disponibilidade de recursos
inadequações às diferentes demandas dos moradores
provisão convencional/formal provisão não convencional/informal
inseguranças devido à dificuldade de acesso a recursos
respostas individualizadas
quadro 08. complementaridade entre a produção convencional/formal e a não convencional/informal elaborado pela autora
93
FRAGMENTAÇÃO E FLEXIBILIDADE A divisão da edificação em genérico e
migra do edifício como todo para o uso
específico (a partir de suas demandas)
do edifício no tempo (LAMOUNIER,
encontra coerência na flexibilidade. Para
2017).
isso, o aprofundamento na composição do edifício apresenta-se como uma
Frank Duffy, arquiteto especializado
maneira inicial para posterior atribuição
em projetos de escritórios, desenvolveu
dos agentes no que tange a demandas e
uma categorização apoiada no tempo
potencialidades.
de depreciação do setor de escritórios. Por esta lógica, ele dividiu a edificação
Bernard Leupen (2006), ao investigar
em quatro camadas, ou 4s: casca (shell),
as relações entre frame7 e espaço
serviços
genérico, opta por uma ferramenta de
e conjunto (set). Em sua divisão, é
classificação que permita a análise desta
estabelecida uma relação inicial entre
relação. Assim, ele divide os elementos
as camadas e um tempo de vida útil
do
referente a cada uma.
edifício
em
grupos,
chamados
(services),
cenário
(scenery)
camadas. Outras divisões em camadas
94
já foram feitas: no nosso caso, destacam-
Stewart Brand desenvolve uma divisão
se as divisões de Frank Duffy, de Stewart
similar a partir do seu trabalho com
Brand e de Leupen.
reforma de edifícios, expandindo a divisão de Duffy: o edifício passa a ser
As
Brand,
compreendido em seis camadas, ou 6s,
estruturadas durante a década de
divisões
de
sendo terreno (site), estrutura (structure),
90, pautam-se na noção de que o
pele ou fachada (skin), serviços ou
edifício não compreende um todo: ele
instalações (services), planta (space plan)
abrange, na prática, diversas camadas
e objetos (stuff). Assim como Duffy, ele
de
atrela tempos de vida útil às camadas,
longevidade
Duffy
de
e
componentes
construídos. Assim, o objeto de estudo
destrinchados em um esquema.
quadro 09. sistema de camadas 6s estruturado por Stewart Brand elaborado pela autora com base em BRAND, 1994, apud. LEUPEN, 2006; LAMOUNIER, 2017 7 Em
seu livro Frame and Generic Space, Leupen explora uma relação na qual o permanente (ou frame) dá condições para que ocorram mudanças no espaço que delimita, sendo este espaço mutável denominado espaço genérico. Para evitar confundir os termos, optou-se por manter o termo frame e não traduzi-lo para estrutura, por exemplo.
“shearing layers of change”
(fragmentação das camadas mutáveis) em consequência dos diferentes períodos de mudança dos componentes, o edifício está em um processo constante de fragmentar-se.
objetos 1 dia - 1 mês objetos não arquitetônicos; mobiliário
planta 3 - 30 anos layout interior: paredes, forros, pisos, portas, etc.
serviços 7 - 15 anos instalações, cabeamentos, tubulações compreende escadas e elevadores
pele 20 anos superfícies exteriores
estrutura 30 - 300 anos fundações e elementos portantes
terreno eterno configuração geográfica, localização urbana e o terreno legalmente definido (lote)
95
serviços (instalações) suprimento e descarga de água, energia, informação, ar etc.
estrutura (sistema estrutural) o que transmite a carga ao chão
pele (fachada) o que separa dentro e fora
96
cenário (paredes e acabamentos) organiza o espaço interno
acessos (escadas, elevadores etc) garante acesso dos espaços coletivos e individuais
quadro 10. sistema de camadas proposto por Bernard Leupen elaborado pela autora com base em Leupen (2006)
Destaca-se das divisões de Duffy e Brand
A partir do levantamento de diferentes
a relação entre flexibilidade e tempo
sistemas de camadas, a convergência
de vida útil: interpreta-se neste estudo
das abordagens de Brand e Leupen
que, para além da compreensão da
embasa a proposta de um sistema que
flexibilidade como potencial de adequação
reconheça diferentes tempos atrelados
do edifício ao longo dos anos (e dos usos),
às camadas, bem como as articule sob
esta contempla também a percepção
uma lógica de diferenciação entre fixo
dos diferentes períodos para demandas
(frame) e mutável (espaço genérico). Não
dos componentes construtivos, como
incluindo a camada de objetos, de Brand,
manutenção ou modificações.
e reiterando a camada de acessos, adotase um sistema de seis camadas: terreno,
Leupen posteriormente desenvolve um
estrutura, pele, planta, serviços e acesso.
sistema em camadas propondo uma adição que compreenda os edifícios
Acrescenta-se, em seguida, a separação
de
contemporâneos:
entre coletivo e individual abordada
acrescenta-se a camada de acessos, dada
apartamentos
anteriormente e embasada por Habraken
a importância de escadas, corredores,
(2000): o coletivo pode ser interpretado
elevadores e galerias nestas edificações.
como um frame, e o individual, como
Assim, ele chega em um sistema de
espaço genérico.
97
cinco camadas, que abrange estrutura, pele, cenário, serviços e acessos.
Assim,
uma
atribuição
preliminar
começa a estruturar o edifício. O frame, Para o autor, uma camada torna-se
de uso coletivo, pode compreender
frame quando provê liberdade à camada
terreno, estrutura e acessos (os mais
que enquadra, que se torna espaço
duráveis e, de certo modo, menos
genérico. Por consequência, é o projeto
mutáveis). Já o espaço genérico passa a
do fixo (frame), que abre espaço para que
abranger planta, serviços e pele (mais
mutável, ou o imprevisível, aconteça.
passíveis de modificações).
processo decisório compartilhado
coletivo suporte frame estrutura genérica provido pelo estado
individual recheio espaço genérico demandas específicas desenvolvido pela população
terreno estrutura acessos
98
quadro 11. incorporação do sistema de camadas ao processo decisório compartilhado elaborado pela autora
planta serviços pele
serviços e pele. No entanto, a citada
disponibilidade de recursos como um
divisão
forte condicionante em relação às suas
total não contempla o terreno, que
contribuições na construção. Assim,
empiricamente podemos afirmar que
buscou-se compreender de que modo
significa um custo considerável. Esta
estes recursos seriam alocados no
informação foi encontrada no trabalho
processo, divididos pelas camadas.
de Maciel (2013), que divide os valores
Mascaró (2014) elaborou em uma
relativos
tabela a participação de cada elemento
imobiliário,
no custo total de uma edificação
terreno e os diversos agentes que
residencial,
A
participam deste processo (investidor,
elementos
construtor, corretor e arquiteto)8. Para
foram alocados conforme as camadas
os fins do nosso estudo, a porcentagem
adotadas. Como não havia elementos
dos
vinculados diretamente à camada de
e
acessos, somado ao fato de que ela
compreender terreno e construção.
em
porcentagem.
partir desta tabela,
os
a
dos
a
agentes
elementos
um
no
empreendimento
incluindo
não
custo
foi
construção,
a Belo Horizonte. Devido às restrições de acesso a esse tipo de informação, não foram encontrados dados relativos à cidade de Fortaleza.
A abordagem dos agentes revelou a
8 Os valores adotados nesta tabela são referentes
CAMADAS E RECURSOS
considerada,
porcentagem total
passou
a
está sendo interpretada como coletiva, necessariamente, optou-se por não
Como resultado, a partir da divisão
incluí-la nesta categorização.
inicial entre terreno e construção, incorporamos também as porcentagens
A
em
relativas às demais camadas, incluídas
quatro camadas e suas respectivas
divisão
resulta,
portanto,
na porcentagem total referente à
porcentagens:
construção, que se encontram a seguir:
estrutura,
planta,
99
participação de cada elemento (%) no custo total da obra edifício padrão simples sem elevador fundações estrutura telhado alvenarias
6,55% 17,45%
estrutura
5,91% 10,95%
pisos
6,55%
pintura
5,02%
instalações elétrica e telefônica
6,62%
instalações sanitária e de gás
8,12%
aparelhos sanitários
4,30%
aberturas
8,20%
revestimentos externos
6,10%
vidros
1,54%
revestimentos internos
8,28%
instalações provisórias
2,82%
acabamento e outros
1,59%
planta
serviços
pele
desconsiderado
100
proporção de valores relativos em um empreendimento imobiliário em Belo Horizonte, MG (2010) arquiteto
0,39%
corretor
8,00%
construtor
9,00%
investidor
35,80%
terreno
21,21%
obra
60,40%
desconsiderado
total terreno + obra
quadro 12. valores em percentual dos elementos construtivos na obra9 e do empreendimento como todo Mascaró (2014) e Maciel (2013) 9 Instalações provisórias e acabamento foram desconsiderados por não remeterem a nenhuma camada,
especificamente. Já os revestimentos internos não foram incluídos, assumindo que as áreas molhadas podem conter apenas aplicações pontuais destes revestimentos, reduzindo consideravelmente este percentual.
participação de cada elemento considerando obra e terreno edifício padrão simples sem elevador terreno
terreno 26%
26,00%
fundações
5,55%
estrutura
14,79%
telhado
5,01%
alvenarias
9,28%
pisos
5,55%
pintura
4,26%
instalações elétrica e telefônica
5,61%
instalações sanitária e de gás
6,88%
aparelhos sanitários
3,65%
aberturas
6,95%
revestimentos externos
5,16%
vidros
1,31%
estrutura 25,35%
planta 19,09%
construção 74%
serviços 16,14%
pele 13,42%
101
divisão final vinculando valor em porcentagem às camadas adotadas terreno 26%
construção 74% estrutura 25,35%
planta 19,09%
serviços 16,14%
pele 13,42%
quadro 13. valor em porcentagem do sistema de camadas na construção elaborado pela autora com base em Mascaró (2014) e Maciel (2013)
flexibilidade planta serviços
pele
estrutura
102
terreno pele
serviços
planta
estrutura
quadro 14. cruzamento das informações dos sistemas de camadas e seus custos na obra elaborado pela autora com base em Leupen (2006), Mascaró (2014) e Maciel (2013)
custo terreno
PROPOSIÇÕES INICIAIS A abordagem do edifício em camadas
uma etapa de decisão coletiva, de modo
nos permitiu, em um primeiro momento,
a elaborar um produto maior e sem
desconstruir a percepção dele como
especificidades, seguida de uma etapa
um todo, mas como um conjunto de
de decisão individual, na qual o produto
elementos construtivos. Em seguida, foi
da etapa anterior atua como frame e
possível entender que este se insere em
possibilita aos agentes moldar o espaço
um processo constante de modificação,
interno conforme suas demandas e
que ocorre em períodos diferentes, a
preferências específicas.
depender das camadas. Os momentos de decisão coletivo e Relacionar a abordagem em camadas
individual também estabelecem relação
com o custo delas na construção
com a escala: enquanto coletivamente
possibilita uma outra compreensão
são decididas questões como a inserção
acerca
Quando
urbana e a articulação dos módulos
cruzamos os percentuais obtidos com
(edifício), individualmente são tratadas
a longevidade estabelecida por Stewart
as unidades habitacionais. Assim, o
Brand, conclui-se que elementos que
passo seguinte foi estabelecer uma
possuem maior durabilidade são mais
ordem lógica entre as escalas, que
dispendiosos, e o contrário, portanto,
inicia na inserção urbana até chegar à
também é verdadeiro. Esta conclusão
unidade.
da
flexibilidade.
reforça nossa ideia em encarregar os moradores de desenvolver a parte
Compreendendo que os agentes podem
mais flexível, mais específica para suas
participar em momentos distintos, de
demandas, bem como onde há menor
acordo com suas potencialidades, foi
demanda de aplicação de recursos.
pensada uma alocação inicial destes em cada uma das escalas abordadas, mas
Assim, chega-se a uma proposta de
mantendo uma assessoria técnica do
abordagem para o projeto, síntese
início ao fim, não para intervir e sobrepor
do raciocínio estruturado até aqui. O
suas decisões, mas atuar na integração e
processo se divide inicialmente em
nos diálogos destes agentes.
103
O processo, portanto, é dividido em três etapas: 1. inserção urbana Em um primeiro momento, há um diagnóstico para um levantamento inicial da demanda junto à disponibilidade de terrenos livres nas proximidades. Este levantamento, apesar de prever a participação apenas do Estado junto às assessorias, deve ser levado à fase seguinte como diferentes possibilidades a serem decididas junto à população
2. articulação dos módulos
104
Uma vez realizado o levantamento das
Estas
demandas e dos terrenos, aproxima-
posteriormente
se o olhar para a escala do edifício.
compor
Compreendendo que o edifício base
conciliar os desejos de seus futuros
abrange as partes mais custosas da
moradores
construção, e resulta, na nossa proposta,
legislação e às restrições relativas ao
em um frame, esta fase conta com
Estado que possam surgir em cada
participação do Estado junto à população.
caso. A segunda etapa traz como
Assim, após a escolha do sítio, a população
resultado a construção de um edifício-
pode
demandas
base, ou frame, junto aos espaços
quantitativas (em termos de área desejável
públicos que a ele são vinculados, para
para cada habitação) e relacionadas a
que posteriormente a população ocupe
espaços livres e institucionais.
o seu interior.
apresentar
suas
demandas um
serão
então
articuladas edifício,
às
que
para busque
determinações
da
Na última etapa, as decisões são de
Levanta-se ainda a possibilidade de
caráter
referem-se
um subsídio do Estado para a unidade
especificamente à unidade habitacional,
individual,
pois
habitacional10, que pode se dar por meio
sobre a qual os moradores devem ter
de um instrumento similar a um cartão
total controle. Definida a área para
reforma, para que os moradores possam
as unidades a partir das demandas
decidir a maneira como investir os
levantadas, as famílias podem, junto à
recursos na unidade, se contratarão um
assessoria técnica, elaborar os projetos
serviço para construção, se comprarão o
das habitações, caso a caso.
material, ou qualquer outro investimento.
+adaptação para edifícações existentes Por fim, acrescenta-se a possibilidade da
adaptação
do
processo
para
edifícios subutilizados: a partir de uma reconfiguração inicial do edifício de modo a gerar um frame utilizando a estrutura existente, o processo segue a partir da etapa de decisão individual,
10 Vale
com as devidas adequações de caso a
ressaltar que o levantamento de custos para cenário, serviços e pele considera o edifício como todo. No caso da nossa proposta, cada família deve arcar apenas com os próprios custos, ou seja, uma fração do valor.
3. flexibilidade da unidade
caso.
quadro 15. síntese do processo proposto elaborado pela autora
105
processo decisório coletivo
inserção urbana 106
articulação dos módulos
processo decisório individual
flexibilidade da unidade
usos e modificações tempo
107
processo decisório coletivo
assessoria técnica + estado
inserção urbana
assessoria técnica + estado + população
articulação dos módulos
108
levantamento do número de famílias
levantamento de possíveis terrenos
levantamento demanda de moradia em números e equipamentos
através da fragmentação do processo em dois momentos de decisão, coletivo e individual, é possível orientar a adaptabilidade desta base para aplicação em vazios construídos. Assim, se em um primeiro momento houver uma adaptação de edifícios desocupados para estruturação de um frame (desde que a estrutura esteja consolidada) , é possível dar sequência a partir do processo decisório de caráter individual
projeto frame e equipamentos
processo decisório individual
assessoria técnica + população
flexibilidade da unidade
usos e modificações tempo
construção frame e equipamentos pelo Estado e/ou mercado
definição de um subsídio às famílias
projeto das unidades habitacionais
construção decidida pelas famílias
adaptação do frame sobre construção existente
tempo
flexibilidade da unidade
usos e modificações
109
partida
narrativas
transiçþes
novos processos
precedentes
partida
referĂŞncias
112
PRECEDENTES A proposição de um cenário desejado
Entre os projetos estudados ao longo do
gerou outras necessidades: foi preciso
processo, sete são aprofundados aqui.
fincar
referências,
Este estudo se desenrola em consonância
maneiras de entender como as questões
com o diagnóstico, transitando entre
levantadas nesta investigação foram
escalas. Deste modo, entre edifício e
articuladas e espacializadas em outros
território, três critérios são evidenciados:
contextos.
inserção
bases,
buscar
urbana,
articulação
dos
módulos e flexibilidade da unidade O passo seguinte foi então conduzir
aspectos também presentes no processo
o olhar para precedentes que nos
proposto. Ao mesmo tempo em que se
pudessem esclarecer estas questões.
buscou compreender os projetos em
Com este objetivo em mente, diversos
sua completude, a categorização destes
exemplos foram explorados: de outros
significou abrir o olhar para questões
períodos, da atualidade, de outros
específicas e relevantes para o nosso
lugares, do nosso lugar.
objetivo.
inserção urbana
território
articulação dos módulos
flexibilidade da unidade
113
edifício
Ao final deste aprofundamento, alguns elementos vinculados aos três aspectos foram evidenciados em cada projeto. Estes elementos são trazidos, então, como questões norteadoras. A partir delas, surge um raciocínio que parte do módulo habitacional e alcança o território, orientando a proposta por vir.
quadro 16. categorização dos precedentes elaborado pela autora
inserção urbana
114
sistema dom-ino
unidade de habitação
quinta monroy
tila housing project
le corbusier
le corbusier
elemental
talli
1914
frança - 1946-52
chile - 2003
finlândia - 2010
flexibilidade da unidade
articulação dos módulos
tempo
solid 11
moradia estudantil unifesp
transformação de 530 habitações
tony fretton architects
arquitetos associados
lacaton vassal
holanda - 2010
brasil - 2014
frança - 2016
intervenção em edifício existente
115
SISTEMA DOM-INO le corbusier 1914 Um sistema estrutural foi projetado -
um
frame
-
completamente
gerador
de
esqueleto
outros contínuo.
edifícios,
um
Identificado
independente da planta da casa:
com a definição de Leupen (2006), o
o frame compreenderia apenas os
sistema comporta-se como um frame
pavimentos e as escadas. Deveria
a partir do momento em que a pele e o
ser
cenário tornam-se independentes da
fabricado
padronizados,
por
componentes para
estrutura. Assim, não carece de um
permitir uma grande variedade de
programa de necessidades de base
conjuntos de
montados
casas.11
e nem necessariamente implica em resultados formais pré-estabelecidos.
- LE CORBUSIER APUD. BOESIGER, 1972, P.10
A flexibilidade tem repercussões para O 116
desenvolvimento
sistema
além do âmbito estético, por meio da
inicialmente
diferenciação do processo de concepção
para suprir a demanda habitacional
e construção em dois momentos: o
após a Primeira Guerra Mundial e
primeiro em que se debruça sobre a
resultou em uma estrutura base
construção de um elemento estrutural
para a reconstrução de casas que
e um equipamento para circulação
compreendia a redução do custo por
(nesse
meio da pré-fabricação. Apesar de
momento posterior no qual a liberdade
sua famosa perspectiva nos sugerir
para definir os complementos que
que ele em si é o edifício, o Dom-
conformam espaços habitáveis e os
ino foi elaborado como um princípio
qualificam para uso (MACIEL, 2015).
Dom-ino
motivou-se
do
caso,
as
escadas),
e
um
figura 10. perspectiva do sistema e utilização do módulo em edifícios fonte: http://www.fondationlecorbusier.fr/ 11 Tradução
livre a partir do original: “A structural system was designed - a frame - completely independent of the plan of the house: the frame carried only the floors and the stairs. It was to be made of standard components, put together to allow great variety in the grouping of houses.”
-
inserção urbana
-
articulação dos módulos
-
flexibilidade da unidade
-
princípio gerador de edifícios
117
articulação do sistema dom-ino no projeto de edifícios racionalizados em termos de projeto, construção e custo
UNIDADE DE HABITAÇÃO le corbusier frança - 1946-52 Um dos mais emblemáticos projetos de
Na torre, as unidades habitacionais
Le Corbusier, a Unidade de Habitação
articulam-se
em
de Marselha foi o primeiro protótipo,
pavimentos,
compostos
seguido
de
cinco
outras
pares
de
três
por
dois
unidades
duplex em L e, entre os dois, uma rua
construídas, quatro situadas na França e
interna de acesso às unidades e às
uma na Alemanha. Muitas das principais
circulações
ideias do arquiteto, aperfeiçoadas ao
longitudinalmente
longo da carreira, foram materializadas
apenas cinco ruas conectam todo o
nestes projetos, como as ruas internas e
edifício. Nos 7º e 8º pavimentos, é feita
os apartamentos em duplex.
uma diferenciação do pavimento-tipo
verticais, o
que
atravessa
bloco.
Assim,
para abrigar diversos estabelecimentos Ressalta-se,
inicialmente,
a
verticalização dessas habitações como 118
comerciais e de serviços. Há ainda um terraço e uma pequena piscina.
um aspecto positivo do projeto, uma vez que proporcionou uma otimização
A
do espaço ao abrigar aproximadamente
preenchimento proposta no edifício
separação
entre
estrutura
e
2.500 pessoas em cada edificação, ainda
reitera o aprimoramento de ideias de
disponibilizando boa parte do terreno
Corbusier, como a distinção explorada
para circulação de pedestres e espaços
anteriormente no sistema Dom-ino.
livres.
No caso da Unidade de Habitação, cada unidade habitacional tem uma estrutura
A organização espacial do edifício
própria, porém não independente, como
consiste em um pilotis livre para
se elas fossem alocadas na estrutura
estacionamento de carros, bicicletas
principal, do prédio como todo. Apesar
e circulação de pedestres, com o hall
de as unidades serem pré-definidas, o
de entrada. A transição entre o pilotis
princípio do esqueleto de concreto e sua
e o primeiro pavimento abriga alguns
separação do cenário permite projetos
maquinários do edifício, como os dos
de habitações diferentes, combinados de
condicionadores de ar e geradores.
maneiras diversas (LEUPEN, 2006).
figura 11. perspectiva externa e cortes esquemáticos fonte: acervo pessoal; pinterest
-
inserção urbana
-
articulação dos módulos
-
flexibilidade da unidade
-
corte com duas unidades habitacionais em duplex e rua interna
corte com destaque para os pavimentos de comércio e serviços (em vermelho)
119
edifício multifamiliar 337 unidades de 23 tipos programa definido vista externa da unidade de habitação
QUINTA MONROY elemental chile - 2003 Quinta Monroy era o nome de um
um processo de expansão orientado no
assentamento em Iquique, no Chile, que
qual as famílias podem decidir sobre
teve início na década de 60 e ampliou-
função e materialidade. A construção é,
se ao longo do tempo, abrangendo 97
portanto, permeável o suficiente para
famílias. Por muito tempo se tentou
receber intervenções dos moradores ao
resolver a situação de precariedade
longo do tempo.
enfrentada pela comunidade, porém o valor do terreno consistia em um grande
As casas são implantadas através da
empecilho naquele contexto.
criação de pátios com agrupamentos menores
120
das
100
famílias,
de
Em 2001, ao Elemental foi entregue
aproximadamente 20 famílias cada,
a demanda de projetar 97 habitações
gerando uma escala social intermediária,
em um terreno próximo, de 5.000 m²,
suficiente para que as famílias estejam
pressupondo uma moradia dinâmica
de acordo entre si e mantenham laços
sem dívida e por meio de um processo
sociais.
participativo.
Além
disso,
havia
a
intenção de valorizar a propriedade, de
Em
modo que as famílias se apropriassem
construir apenas metade da casa, o
paralelo
à
economia
ao
e tivessem interesse em se manter ali
desenvolvimento de uma tipologia que
(ARAVENA, 2011).
permitisse atingir uma densidade alta foi uma maneira inicial de enfrentar o
Na escala da habitação, frente às
valor elevado do terreno, mantendo as
limitações orçamentárias, o investimento
famílias em uma região bem localizada
foi direcionado sobretudo às partes mais
e de fácil acesso às oportunidades
onerosas e passíveis de problemas às
da
famílias, tais como banheiros, escadas
transporte
e cozinha. A casa construída, então,
(2017) considera este projeto, dentre as
compreende metade do seu potencial
experiências estrangeiras e sob aspectos
construtivo e, quanto à outra metade,
socioeconômicos e culturais, o que mais
esta
própria
se aproximaria do caso brasileiro em um
edificação, porém não controlada: existe
horizonte possível de arquitetura aberta.
é
emoldurada
pela
cidade,
como e
saúde,
trabalho.
figura 12. processo de expansão e inserção no terreno fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-28605/quinta-monroy-elemental
educação, Lamounier
inserção urbana
-
articulação dos módulos
-
flexibilidade da unidade
-
térreo + duplex 93 unidades programa definido parcialmente
121 dezembro - 2004 | 2006 - julho
10
0
10
30m
N
-
planta de situação, com destaque para os quatro pátios
TILA HOUSING PROJECT talli finlândia - 2010 O Tila Housing Project é um projeto
Assim como explica Lucchesi (2012), os
piloto do escritório finlandês Talli, no
moradores têm acesso a um guia para
qual o apartamento é vendido vazio e os
os apartamentos, feitos pelo arquiteto
moradores produzem o espaço interior
em colaboração com o departamento
conforme a preferência e a necessidade.
de construção e planejamento. Este guia
reconhece
alterações
futuras
O edifício se desenvolve em 5 andares.
pelos moradores e traz informações
Destes, o térreo é mais voltado para
estruturais e de instalações, orientando
serviços, tais como lavanderia e lixo,
modificações
e a cobertura destina-se a espaços de
construção do segundo andar.
ou
expansões
pela
lazer coletivos, sauna e terraço. Cada
122
apartamento tem uma varanda própria,
Em uma visita ao edifício em 2010,
5m de pé-direito e área interna de 50m²,
Habraken considerou o Tila Housing
podendo ampliar para 100m² através
Project um exemplo bem sucedido
da criação de um novo andar dentro da
da teoria dos suportes. Para ele, o
própria unidade, em conformidade com
experimento
a legislação. Os banheiros são os únicos
fabricadas dá ao morador um produto
elementos fixos internos aos apartamentos.
de consumo completo.
em
figura 13. fachada principal e apartamentos fonte: https://www.talli.fi/en/projects/loft-building-tila-housing-block
habitações
pré-
-
inserção urbana
-
articulação dos módulos
-
flexibilidade da unidade
-
edifício multifamiliar 39 unidades programa indefinido
123
estrutura da fachada (construção base) que não evidencia as adaptações internas
apartamento entregue e pós ocupação
SOLID 11 tony fretton architects holanda - 2010
124
O Solid 11 faz parte dos solids,
O edifício é construído como um sólido -
edifícios nos quais o morador não
o nome solid associa-se a uma tipologia
é previamente conhecido e onde há
altamente durável e sustentável - e
uma metodologia por diferentes níveis
permite
de decisão, coletivo e individual, que
sobre tamanho, configuração e uso do
correspondem
ao
espaço interno. Um diferencial são os
suporte e ao recheio (LAMOUNIER,
shafts para instalações distribuídos no
2017). Sua construção se dá em
pavimento-tipo, que deixam o resto da
duas fases: o suporte, fornecido pelo
planta livre para definições posteriores.
empreendedor imobiliário, e o recheio,
Assim, os moradores terão liberdade
responsabilidade do inquilino. Essa
de deixar o espaço à sua maneira,
divisão torna o investimento rentável
optando por sistemas padronizados ou
ao reduzir os custos de manutenção
contratando um projetista.
respectivamente
aos
moradores
decidirem
e reformas para o empreendedor, ao passo em que dá maior liberdade ao
Por
morador (MONTANER, 2016).
recheio,
meio os
da
divisão
moradores
suportetornam-se
proprietários do seu recheio e pagam A
configuração
torres
o aluguel correspondente à área do
central
suporte. Além disso, com a divisão
respeita o masterplan já existente e
de responsabilidades, a inclusão dos
gera um espaço público no interior.
moradores no processo de decisão e o
As torres foram concebidas de modo
seu reconhecimento como produtores
a permitir modificações no interior,
e controladores no espaço, foi possível
mas ainda preservando seu aspecto
uma apropriação do edifício por eles,
externo, tais como revestimento e
tanto espacialmente como afetivamente
esquadrias.
(LAMOUNIER, 2017).
separadas
por
em um
duas pátio
figura 14. vista da rua, dos acessos aos apartamentos e dentro da área dos apartamentos fonte: http://www.platform31.nl/uploads/media_item/media_item/8/52/P31_Evaluatie_Solids-1371030821.pdf
-
inserção urbana
-
articulação dos módulos
-
flexibilidade da unidade
-
edifício multifamiliar número indefinido programa indefinido
125
modulação da fachada que disfarça as diferenças internas
corredores de acesso aos apartamentos e vão livre do pavimento tipo
5
0
5
10
20m
segundo pavimento | unidades habitacionais
126
primeiro pavimento | unidades habitacionais
figura 15. apesar do programa livre, as moradias ocupam um espaรงo delimitado e modulado fonte: https://www.architonic.com/en/project/talli-architecture-and-design-tila-housing/5103963
O Tila Housing Project e o Solid 11
ocupe como desejar, porém, enquanto
encontram-se em consonância com a
o primeiro apresenta uma modulação
teoria dos suportes, na qual o edifício
muito clara que se reflete na planta, o
oferece um suporte ao usuário, que
segundo, ao definir apenas os shafts
o complementa com o recheio. Entre
internos, vai além ao dar suporte para
eles, porém, emerge uma diferença
divisões internas distintas e mutáveis,
inerente
contemplando um universo maior de
à
concepção:
ambos
são
estruturados de modo que o usuário o
5
possibilidades de ocupação.
0
5
10
20m
127
o edifício é entregue apenas com estrutura, shafts e circulação vertical (esquerda) os moradores adquirem a área que lhes convém para o apartamento (direita)
figura 16. pavimento tipo ocupado de maneira mais irregular fonte: http://www.platform31.nl/uploads/media_item/media_item/8/52/P31_Evaluatie_Solids-1371030821.pdf
MORADIA ESTUDANTIL arquitetos associados brasil - 2014 O conceito para a moradia estudantil
cômodos de permanência estão voltados
parte da compreensão do edifício como
para leste, enquanto as áreas de
um elemento estruturador da paisagem.
serviço e cozinha voltam-se para oeste,
Elencando e sobrepondo três elementos
resguardadas da forte radiação solar
principais - um sistema modular regular,
pelo espaço de circulação e pelos brises
um vazio articulador e um redesenho da
verticais externos.
topografia - o projeto se realiza a partir
128
de dois sistemas construtivos distintos:
Utiliza-se ainda um núcleo duro de
um sistema modular e industrializado,
instalações, que permite um rearranjo
que organiza os espaços típicos em que
das unidades a longo prazo. Ao núcleo
há ordem e repetição, e uma construção
duro se sobrepõe uma diversidade
em concreto armado, redesenhando o
ambiental referente ao sistema de
chão e a paisagem, abrigando os espaços
circulações, que gera uma variedade
atípicos
espacial e ambiental nas áreas de convívio.
A partir da estruturação de um módulo de 4,80 x 4,80m e da articulação de
À racionalidade do projeto soma-se uma
quatro destes módulos (9,60 x 9,60m),
racionalidade construtiva, que se reflete
abrigam-se moradia e circulação coletiva.
em vários aspectos: para o presente
Os núcleos de moradia articulam-se a
estudo, destaca-se a estrutura por
partir de nós de circulação vertical, que
um sistema metálico modulado e com
também abrigam os espaços de uso
pequenos vãos, módulos hidráulicos
coletivo intermediário a cada pavimento.
industrializados, modulação de vedações e caixilhos, escadas metálicas e divisões
Um critério do projeto é prover às
internas em gesso acartonado, que
moradias
rigorosamente
permitem
de
integração das unidades num plano
iguais
em
condições termos
condicionamento
área
ambiental.
e Os
reorganização
interna
futuro.
figura 17. moradia estudantil: perspectiva externa e lógica dos módulos habitacionais fonte: http://www.arquitetosassociados.arq.br/?projeto=moradia-estudantil-unifesp-sao-jose-dos-campos
e
-
inserção urbana
-
articulação dos módulos
-
flexibilidade da unidade
-
módulo habitacional compreendido inicialmente como estrutura, em seguida com o núcleo duro de instalações e vedações e, por fim, com mobiliário
edifício multifamiliar 67 unidades de 5 tipos programa definido
perspectiva da moradia, ressaltando os dois sistemas construtivos
129
TRANSFORMAÇÃO DE 530 HABITAÇÕES lacaton vassal frança - 2016 Entre as diferentes apropriações da
habitacional
frase “menos é mais”, de Mies van der
unidades, do início da década de 60.
Rohe, Lacaton & Vassal buscam aplicá-
O principal ganho parte da decisão
la por meio da constante busca em
de manter a edificação original com
realizar, na prática arquitetônica, o
poucas alterações, compreendendo que
máximo com o mínimo, em custo, em
seus residentes já haviam construído
área e em uso. Criticando a visão da
seu próprio espaço a partir de seus
cidade como uma massa inerte para
diferentes anseios. Assim, foi possível
modelar, eles a apreendem como uma
concentrar esforços na extensão das
coleção de capacidades e energias para
unidades
expandir, cenário no qual o ordinário
de grandes varandas e jardins de
torna-se
inverno em todos os pavimentos. O
extraordinário
(LACATON;
VASSAL, 2015).
de
mais
habitacionais,
de
por
4.000
meio
projeto também contou com outras intervenções, sobretudo para adaptação
130
Deste pensamento derivam projetos
do edifício em termos de instalações e
como o plus, que crê em uma cidade
acessos, bem como melhorias nas áreas
em constante mudança, mas que busca,
comuns.
em respeito à vida que a permeia, uma maneira de mudá-la mais por adição
Talvez esteja na extensão das unidades
que por subtração. Sua concretização se
a maior materialização do discurso de
dá na adaptação de edifícios existentes.
gentileza e generosidade dos arquitetos, não necessariamente no aumento da
A transformação de 530 habitações
área, mas em abrir possibilidades para
intervém parcialmente em um projeto
um espaço imprevisível, de desejos.
figura 18. comparação pré/pós intervenção em perspectiva isométrica e fotografia fonte: http://www.lacatonvassal.com quadro 17. síntese dos precedentes, acrescido das questões norteadoras elaborado pela autora
-
inserção urbana
-
articulação dos módulos
-
flexibilidade da unidade
-
131
intervenção em edifício existente 530 unidades acréscimo de varandas
antes da intervenção | após da intervenção
sistema dom-ino
unidade de habitação
quinta monroy
le corbusier
le corbusier
elemental
1914
frança - 1946-52
chile - 2003
inserção urbana
área de ocupação reduzida com a verticalização
permanência em área central
articulação dos módulos
separação entre estrutura e preenchimento
expansão orientada da habitação
132
flexibilidade da unidade
princípio gerador de edifícios
tila housing project
solid 11
moradia estudantil unifesp
530 habitações
talli
tony fretton architects
arquitetos associados
lacaton vassal
finlândia - 2010
holanda - 2010
brasil - 2014
frança - 2016 133
diferenciação entre modular (típico) e redesenho do terreno (atípico)
unidade definida programa livre
unidade e programa livres
espaço para o imprevisível
partida
narrativas
transiçþes
novos processos
precedentes
partida
referĂŞncias
136
PARTIDA (…) ao se interpretar o “problema
Assim como expõe o autor, o problema da
habitacional”
déficit
habitação vai muito além de um número.
de unidades de moradia de um
O seu pensamento, descrito acima, serve
determinado padrão ao invés de um
de síntese para tudo o que se investigou,
déficit de localizações adequadas,
bem como orienta nossa proposta. Para
de acomodações de baixo aluguel,
além de um novo processo ou abordagem
de
terrenos,
como
de
um
equipamento
para a problemática levantada, o próximo
comunitário e de serviços públicos,
passo é sua materialização, uma proposta
fixamos políticas impossíveis de
arquitetônica a ser testada.
atingir. Turner - TURNER, P. 18, 1968
(1968)
define
ainda
três
prioridades para a habitação:
- abrigo - segurança - localização -
O autor esclarece que o grau de prioridade entre estes três pode variar, com base na realidade e nas expectativas das famílias. A dificuldade - ou a potência - de propor para o desconhecido reside então na elaboração de uma base que possibilite o cumprimento às três prioridades, sendo adequada aos diferentes cenários. Em consonância com as questões norteadoras levantadas pelo estudo de precedentes, a proposta articula diferentes escalas, entre inserção urbana, articulação dos módulos e flexibilidade da unidade. Longe de ser algo fechado, esta proposta é uma nova partida, desta vez um pouco mais consciente, em direção ao cenário delineado.
137
-
abrigo
-
segurança
-
localização
-
A busca por conciliar os diversos
conjunto a priori de entidades fixas.
interesses inevitavelmente começa a
Neste processo, na tentativa de reduzir a
ser desenhada, em linhas, que passam
lacuna entre arquiteto e outros agentes,
a
esquadrias,
o desenho de um tipo busca orientar
telhados, casas. Tal busca, no entanto,
uma proposta futura, não condicioná-la.
representar
paredes,
não será efetiva se não incorporar o poder de decisão dos agentes no
Assim, por um módulo mínimo de 3x3m
processo. Ainda assim, entende-se a
(9m², capaz de abrigar um cômodo12),
importância de desenhos preliminares
define-se
se nos permitirem um diálogo inicial, que
mínimo com dois módulos iniciais
levante alterações e melhorias. As ideias
que, quando combinado com outro
iniciais conduziram ao desenvolvimento
habitacional,
de um tipo, não um modelo, capaz de
construtivo. O módulo construtivo é o
abrigar o recheio das famílias.
que aqui se considera como tipo. Estando
um
módulo
estrutura
habitacional
um
módulo
o abrigo intrinsecamente relacionado a O
138
conceito
de
tipo
definido
por
demandas de famílias que não se pode
Quatremère de Quincy, trazido por
generalizar, buscou-se condicionar ao
Argan (2008), é pertinente ao esclarecê-
mínimo o espaço interior ao edifício base.
lo como um elemento que serve de base para um modelo. Este “objeto vago e
Algumas indicações em termos de usos
indistinto” remete a outras experiências
e medidas acabam por ser esboçadas,
que, apesar de estarem vinculadas a
tendo em mente prover melhores
conjunturas específicas, suprem uma
condições às unidades habitacionais.
lacuna para solucionar questões de
No entanto, cabe aos futuros moradores
novos cenários, ou seja, são adaptações
optarem ou não por segui-las. Por fim,
de formas que derivam de necessidades
compreende-se que, no que tange aos
do passado às necessidades do presente
módulos, o tempo de ocupação pode
(COLQUHOUN, 2008).
variar ao longo tempo; soma-se a isso a definição preliminar de módulos
O tipo torna-se imagem ou signo, parte
para expansão das unidades, a serem
de qualquer processo de criação que não
articulados no edifício. Estas questões -
a mimese; é muito mais um princípio
e outras - são exploradas nos desenhos
passível de inúmeras variações que um
seguintes.
12 Segundo a Minuta de Lei do Código da Cidade (2016), nas áreas mínimas para Habitação de
Interesse Social e Casas Populares, a sala de estar é o único cômodo que escapa a esta lógica, sendo necessário um mínimo de 10m², o que pode ocorrer com a combinação dos módulos.
módulo mínimo: 9m² (3x3m) possibilidade de abrigar confortavelmente um cômodo
módulo habitacional mínimo: 18m² agrupamento de 2 módulos de 3x3m maior probabilidade de prover ventilação e iluminação naturais aos cômodos
3m
3m
sacada
3m
shaft
circulação
3m
139
módulo construtivo sugerido: 52,20m² agrupamento de 4 módulos de 3x3m (com adição de circulação e varanda)
posicionamento dos pilares nos cantos shaft entre duas unidades sugestão de circulação e sacada
figura 19. lógica para estruturação de um módulo construtivo mínimo elaborada pela autora figura 20. isométrica do módulo construtivo elaborada pela autora
140
corredor de acesso em toda a extensão das habitações maior liberdade para proposição de aberturas
posicionamento do shaft entre duas habitações dada a proximidade do shaft, acredita-se que deste lado ficarão os cômodos de serviço acesso externo para facilitar manutenção
estrutura que resolve o módulo por si possibilidade de verticalização (proposta inicial de até 5 pavimentos)
141
possível divisão entre duas habitações os módulos podem ser combinados de acordo com a demanda das famílias
possibilidade de sacada ou varanda de certo modo, é mais fácil de induzir os cômodos de permanência para este lado indica-se a priori a sacada voltada para leste
estrutura margeando o espaço destinado às moradias menor interferência possível na planta
142
figura 21. planta preliminar com questões norteadoras para aplicação no edifício escala 1:175
1,5
0
1,5
3m N
143
figura 22. diferentes possibilidades de ocupação dos módulos escala 1:175
3
0
3
6m
144
módulos ocupados
módulos para expansão das unidades
figura 23. corte transversal e elevação com possíveis ocupações escala 1:250
145
bloco habitacional | individual
acessos horizontal e vertical | coletivo
figura 24. testes de articulaçþes das partes coletiva e individual em edifĂcios sem escala
-
abrigo
-
segurança
-
localização
-
Turner define a segurança da posse
desvinculado do direito à propriedade.
como
Assim,
uma
maneira
essencial
de
é
possível
ressignificar
o
prover o pertencimento das famílias às
aluguel, que passa a ser uma forma de
moradias, somada à estabilidade que se
posse da moradia, não de propriedade.
conquista. Esta pode ser uma primeira
No caso de um edifício dividido em
maneira de garantir que a família não
suporte e recheio, acrescenta-se ainda a
tenha problemas como altos aluguéis ou
possibilidade de variação entre compra
falta de perspectivas para a habitação.
e aluguel: pode-se comprar o suporte
No entanto, os programas habitacionais
e comprar o recheio, alugar o suporte
como o PMCMV mostram que só o papel
e comprar o recheio ou alugar tanto o
da casa não é suficiente para assegurar
suporte quanto o recheio (VAN ZIJL,
que
2016 apud. LAMOUNIER, 2017).
as
necessidades
das
famílias
sejam atendidas e que estas de fato se apropriem do espaço.
A apropriação das famílias é um fator crucial para que tanto a propriedade
146
Lamounier (2017) mostra que, além
quando o aluguel social sejam efetivos no
da propriedade da habitação, existe
edifício: a divisão de tarefas junto a um
a alternativa do aluguel social: por
poder de decisão delas tende a prover
esta modalidade, o direito à moradia é
este sentimento de pertencimento.
-
abrigo
-
segurança
-
localização
-
A localização é a última prioridade
(IPTU progressivo, desapropriação com
definida por Turner. Para ele, uma boa
pagamento em títulos públicos, direito
localização das habitações significa uma
de preempção).
redução do custo de vida e a garantia de maior acessibilidade das famílias (a
A
transporte público, trabalho, serviços),
resposta em um edifício subutilizado
possibilidade
de
ensaiar
uma
bem como maior acesso a infraestrutura,
requer respostas para sua viabilização,
equipamentos e serviços básicos.
considerando o contexto de alto custo para permanecer em áreas centrais
A
produzir
da cidade. O FICA (Fundo Imobiliário
moradia bem localizada é respondida
dúvida
sobre
como
Comunitário para Aluguel), é um fundo
de maneira muito sucinta por Rolnik
gerido pela Associação pela Propriedade
(2010) ao afirmar que a utilização dos
Comunitária, que trabalha com doações
instrumentos do Estatuto da Cidade
e receitas de projetos para a aquisição
é a resposta. O Estado tem a seu favor
de imóveis do centro de São Paulo e seu
instrumentos que possibilitam o maior
aluguel por preços não especulativos.
controle dos preços da terra, bem como
Assim, o fica associa-se a políticas
maneiras de desapropriar os terrenos
públicas para garantir moradias bem
bem localizados que estão parados
localizadas e mais acessíveis.
Pouco
a
pouco,
os
147
momentos
de imersão dão espaço para que aconteçam diálogos, momentos em que as bases construídas até aqui servirão para fomentar trocas, na tentativa de conciliar este conhecimento com tantos outros válidos e importantes.
da imersĂŁo 148
ao diรกlogo 149
2.5
0
2.5
5km
N
NOVO EDIFÍCIO processo aplicado desde o princípio raízes da praia 2009 bairro: vicente pinzon 84 famílias
150
EDIFÍCIO EXISTENTE testar a aplicabilidade em cenários predefinidos ocupação centro não iniciada bairro: centro número indefinido de famílias
ESTUDOS DE CASO O processo desenvolvido abriu portas
no campo da vivência, incorporando
para dois ensaios: um projeto para um
outros
novo edifício, que trouxesse a lógica
imprevisibilidade passou a compor este
proposta desde o início, e um projeto
percurso, interferindo negativamente
para um edifício existente, que testasse a
em certos momentos (sobretudo no
aplicabilidade da proposição em contextos
tempo), e potencializando a proposta em
pré-determinados.
tantos outros.
Das
premissas
deste
processo,
a
Os
atores.
dois
Inevitavelmente,
ensaios
ocorreram
a
em
permeabilidade tem sido uma constante,
diferentes ocupações: para a proposta
de modo que, além de desejadas, as
do novo edifício, o trabalho se deu na
contribuições externas fossem possíveis.
ocupação Raízes da Praia; já a aplicação
Os momentos de troca - as oficinas -
do processo em um edifício existente
tornaram-se maneiras de investigar a
se deu junto à ocupação do movimento
real potência da proposição enquanto
Unidade Classista, no centro de Fortaleza.
instrumento de base e de diálogo para
Aqui a abordagem é dada em sequência,
o fazer arquitetônico, com o anseio de
primeiro desenvolvendo um ensaio e
construir um processo aberto.
posteriormente o outro; na prática, o desenrolar em conjunto dos dois ensaios
Assim,
aos
transitar
poucos,
entre
passou-se
imersão
e
a
foi tanto necessário quanto positivo,
diálogo,
à medida em que foram possíveis
trocas embasadas pela teoria e testadas
contribuições e trocas entre ambos.
Aplicar
Assim,
reais
o
exigiu
processo
em
constantes
situações
tirando
partido
do
caráter
adequações
técnico da arquitetura, entende-se como
para que não se tratasse de projetos
maior contribuição nos dois estudos de
hipotéticos de cunho exclusivamente
caso a produção de discursos para as
acadêmico. Tais adequações consistiram
ocupações, transformando os projetos
em tentativas de gerar contribuições
em instrumentos de diálogo e de
práticas e palpáveis às comunidades.
argumento com outros agentes.
mapa 06. localização dos estudos de caso elaborado pela autora
151
INTERFACES E INTERAÇÕES - AS OFICINAS Moradias não podem ser produtos de designers. Mas moradias podem ser um resultado de pessoas comuns tomando decisões sobre coisas feitas por especialistas e quem, ao fazê-lo, cria.
13 Programa
152
de Educação Tutorial do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC)
- HABRAKEN, 2016
Entre todos os momentos de troca -
O trabalho em duas ocupações diferentes
reuniões, conversas, visitas - realizar as
e, portanto, duas realidades diferentes,
oficinas junto às comunidades foi dos
significou também diferentes modos de
mais difíceis de todo o processo. Se a
trabalhar em cada uma. Na ocupação
imprevisibilidade é algo característico,
Raízes da Praia, já acompanhada pelo
foi nas oficinas onde tudo esteve mais
ArqPET13 e por outras assessorias, há
imprevisível.
uma postura mais ativa dos moradores, as
atividades
propostas
ocorreram
Baltazar dos Santos e Kapp (2016)
com maior fluidez. Por outro lado, na
estabelecem algumas diretrizes para
ocupação do centro não houve tanto
a
importante
envolvimento no início, com atividades.
reconhecer a assimetria que há entre
assessoria
técnica:
é
Conversar sobre experiências, relatar o
técnicos e assessorados e pensar em
comum geravam maior participação do
aberturas para algum ganho de autonomia.
que maquetes e desenhos.
Ocupar a condição de técnica exigiu um
Mesmo difíceis, as oficinas fizeram
preparo antes de cada oficina, de material
dos projetos o que são. Foram os
e de discurso. Apesar de nem sempre ter
diálogos entre técnica e moradores que,
as respostas, existe uma expectativa por
gradativamente,
elas: a assimetria é clara, e nem sempre os
e formas, que também são reflexos
meios pensados para ganho de autonomia
de anseios meus e deles, nossos. Este
foram tão efetivos quanto desejados.
percurso é contado a seguir.
tornaram-se
linhas
figura 25. oficina com maquetes na ocupação raízes da praia e exposição de fotos das oficinas na ocupação do centro acervo pessoal
153
OCUPAÇÃO RAÍZES DA PRAIA Na madrugada do dia 3 de julho de
ao mercado imobiliário. Novamente, em
2009, sob organização do Movimento
2014, foi feita uma proposta de inclusão
dos Conselhos Populares (MCP), cerca de
no MCMV, desta vez na modalidade
80 famílias que residiam no entorno da
Entidades, que também foi recusada.
Praia do Futuro ocuparam um terreno vazio próximo à faixa de praia, no bairro
Por nove anos, a comunidade tem
Vicente Pinzón. Esta foi a origem da
mantido sua postura e persistido no
ocupação Raízes da Praia, que tem
terreno que, além da boa localização,
naquele momento um marco simbólico,
dispõe de fácil acesso a comércios
dia em que fincou raízes em forma de
e serviços, bem como ao transporte
resistência e por um objetivo maior: a
público. Isto não significa, no entanto,
conquista do direito à terra e à moradia.
condições adequadas de moradia: a falta de saneamento gerou um acúmulo
154
O percurso trilhado até então tem sido
de efluentes em um trecho de cota
de resistência aos proprietários dos
mais baixa do terreno, propiciando o
terrenos ocupados, em um cenário
surgimento de doenças que afetam
de vazios vigiados por especuladores
cotidianamente
(MENESES et al., 2016). Utilizando-se da
Há
estratégia de manter um grande número
condicionamento ambiental no interior
de pessoas no terreno, enfrentaram
das casas. A recusa das propostas
destruição
de
suas
estruturas
também
os reclamações
moradores. de
mau
e
aparenta significar, portanto, muito
intimidação por milícias armadas, que
mais a busca por uma alternativa que
foram incapazes de expulsá-los.
garanta a permanência da comunidade no terreno do que uma satisfação com
Muitas foram, também, as propostas
as condições de moradia.
feitas à comunidade, tanto por órgãos públicos quanto construtoras: além
A noção da importância do terreno tem
de projetos feitos por escritórios, em
reflexos importantes: a ocupação Raízes
2010, a proposta feita pela Secretaria
da Praia foi responsável pela primeira
Municipal
Desenvolvimento
entrada de processo de usucapião
Habitacional (Habitafor) para a inclusão
coletivo no país, ainda em curso. Assim,
no Programa Minha Casa Minha Vida
com parcela dos terrenos desapropriada,
foi recusada pelos moradores, frente
busca-se
ao receio de instabilidade do processo,
parcela, uma solução ao entrave do
que poderia implicar na perda daquele
terreno e uma perspectiva mais otimista
terreno e sua posterior reincorporação
para propostas habitacionais futuras.
do
a
incorporação
de
outra
155
figura 26. ocupação raízes da praia acervo pessoal
156
figura 27. ocupação raízes da praia acervo pessoal
157
ira ilve s lo
s óvi
cl av.
uri
m rua
ais arr
158
ia
ma
sar
cé av. s
cal
1
ro
nei
ar io c
rua
ôn ant . r d
2
OCUPAÇÃO E PLANEJAMENTO A ocupação Raízes da Praia localiza-
favela. Segundo o plano, ela fica fora
se no bairro Vicente Pinzon, adjacente
da área de risco e, somando-se o fato
à orla de Fortaleza, entre as avenidas
de estar fora de ZEIS, não consta nas
Clóvis Arrais Maia e César Cals (leste-
prioridades de intervenção para a
oeste), e entre as ruas Murilo Silveira e
prefeitura.
dr. Antônio Carneiro (norte-sul). Há no entorno inúmeros terrenos vazios ou
O mesmo plano aponta como solução
subutilizados, e pequenas edificações de
para a Raízes da Praia a consolidação
habitação, comércio e serviço. A presença
com
significativa de vazios no entorno é
características físicas e ambientais
reiterada pela delimitação de uma Zona
do terreno permitem urbanização no
Especial de Interesse Social (ZEIS) tipo 3,
todo ou em parte do terreno, mas seria
de vazio, próxima à ocupação.
necessária a remoção de parte dos
reassentamento,
ou
seja,
as
domicílios (por ocupação em áreas de Nomeada no plano Fortaleza 2040 como
risco, em áreas com restrições legais
como Antonio Carneiro, a ocupação
à ocupação, ou por necessidade de
é incluída nos 856 assentamentos
desadensamento), a serem reassentados
precários da cidade, classificada como
em outros terrenos. 159
zeis 3 - vazio edificações raízes da praia edificações do entorno terrenos vazios/subutilizados pontos de ônibus 1
terreno passível de desapropriação
2
areninha praia do futuro
50
0
50
100m N
1
implantação raízes da praia esc. 1:2500
PANORAMA À parte do que trata o aparato normativo, existem outras informações levantadas na Raízes da Praia, com destaque para o levantamento das famílias realizado pelo ArqPET. Este outro levantamento é abordado com o intuito de não apenas dispor de mais informações, mas de transpor o olhar, de modo a não se limitar à abordagem do conjunto nomeado “assentamento precário”, mas de compreender melhor as famílias que compõem a Raízes, aproximando-se de suas realidades e demandas específicas. 25
0
25
50m N
O levantamento foi sistematizado e permitiu obter informações relevantes, como a expressiva representatividade 160
feminina (onde 84% das famílias têm uma mulher enquanto titular), e a relevante demanda por acessibilidade, seja por famílias com idosos (11%)
60+
4%
11%
ou com portadores de necessidades especiais (4%).
MORADIAS
Foram ainda levantadas informações sobre a quantidade de pessoas por moradia,
complementadas
pelo
levantamento das moradias a partir de
80 moradias
satélite. Com base neste levantamento,
+ 1 centro comunitário
60% das casas têm até 40m². Além disso, a maioria das famílias (56%) tem até três integrantes.
quadro 18. panorama da ocupação em termos de família e moradia elaborado pela autora com base no levantamento realizado pelo ArqPET e no Google Earth
INTEGRANTES POR MORADIA
18,67%
21,33%
ocupação raízes da praia
84 famílias
75 famílias levantadas (244 pessoas no total)
16% 12 famílias cujo titular é homem
84% 63 famílias cujo titular é mulher
161
85%
60% 48 moradias de até 40m² 39,58m² área média
40% 32 moradias de mais de 40m²
+ 16,00%
20,00%
13,33%
10,67%
PROPOSTA 01 - BLOCOS DE APARTAMENTOS 144 unidades habitacionais
conjunto
PROPOSTA 02 - CASAS SOBREPOSTAS 86 unidades habitacionais
162
conjunto
PROPOSTA 03 - BLOCOS DE APARTAMENTOS 160 unidades habitacionais
conjunto
N 25
0
25
50m
5
0
5
10m
PROJETOS EXISTENTES 2014 ~46,5 m²
O longo percurso da Raízes da Praia tem sido compartilhado com outros agentes, por meio do acompanhamento e da assessoria aos seus moradores. Estes agentes incluem assessorias de direito,
de
arquitetura,
estudantes,
funcionários públicos, entre outros, cujo acompanhamento tem como seus produtos várias propostas de moradia já realizadas para/junto da ocupação. Assim, antes de qualquer proposta,
unidade
optou-se por primeiramente entender 2015
os projetos previamente elaborados.
~43m²
Tanto a Habitafor quanto o ArqPET desenvolveram propostas habitacionais para a ocupação. Destes, três foram disponibilizados integralmente, todos pela secretaria de habitação, e são expostos ao lado. As
diferentes
propostas
permitem
inferir que: primeiramente, não há uma definição clara da solução para a demanda unidade
da Raízes, uma vez que duas propostas 2018
~43m²
apresentam blocos verticais nos moldes do PMCMV, enquanto a proposta de casas sobrepostas se volta para a possibilidade de mutirão. Em segundo lugar, ainda assim, o maior contato dos moradores com projetos arquitetônicos, sejam apenas expostos ou desenvolvidos em conjunto (como é o caso do trabalho do ArqPET), provavelmente já gerou um importante ganho de autonomia, potencializando o desenvolvimento de uma nova alternativa,
unidade 2,5
0
2,5
5m
no caso deste estudo. quadro 19. propostas habitacionais elaborado pela autora a partir dosprojetos disponibilizados pela Habitafor
163
A abordagem na Ocupação Raízes da
novo processo proposto, considerando
Praia se deu por meio da aplicação do
três principais escalas, a seguir:
1. inserção urbana As duas primeiras oficinas realizadas
As maquetes utilizaram como unidade o
voltaram-se
à
módulo construtivo proposto, e foi dada
implantação do edifício no terreno. A
em
maior
parte
aos moradores a liberdade de encaixar
primeira delas considerou o terreno
os módulos no terreno a partir de suas
como está hoje, até que partiu da
preferências, mas também considerando
comunidade a demanda de elaborar
condicionantes como os recuos e a taxa
também uma alternativa para um
de ocupação. As propostas obedecem os
cenário de desapropriação do terreno
índices urbanísticos, bem como parte das
vizinho: a segunda alternativa, então,
exigências do MCMV (distância mínima
foi pensada na segunda oficina.
entre blocos, via de manutenção etc).
2. articulação dos módulos Partindo 164
das
duas
propostas
de
má intenção de parte dos moradores
implantação decididas nas oficinas, o
para incluir pessoas de fora no cadastro
passo seguinte foi o estudo da articulação
a fim de receber uma moradia maior. Ao
dos módulos habitacionais no edifício.
questionar sobre famílias muito grandes em casas muito pequenas, a resposta dos
A priori, a intenção era de propor
moradores foi muito clara: “ora, se a família
unidades habitacionais de tamanhos
é muito grande, divide em duas casas!”
diferentes, uma
relação
que
estabelecessem
proporcional
com
o
Para
adequar-se
a
diferentes
número de moradores. Com base no
possibilidades, a articulação dos módulos
levantamento das famílias, viu-se que
é feita por cenários, mas sempre com
essa alternativa exigiria menos área
uma unidade habitacional padrão para
do que em um cenário de módulos
as famílias (de até 4 pessoas). Entre os
iguais. No entanto, para os moradores a
cenários, aprofunda-se neste estudo
diferença de área pode dar margem para
uma proposta de moradia com espaço
injustiças entre as famílias, bem como
para expansão.
3. flexibilidade da unidade Devido ao tempo, a proposta para a
A unidade habitaiconal tipo, portanto,
unidade habitacional não pôde ser
conta com estes três espaços, e todo
realizada em oficina. Para responder a
o restante da área é um vazio a ser
diferentes - e imprevisíveis - demandas,
preenchido, inclusive uma área de
priorizou-se no projeto a definição
expansão junto à unidade habitacional.
de elementos mais duráveis e mais
Ao fim deste estudo, três possibilidades
onerosos
áreas
são testadas para o módulo, buscando
molhadas, correspondendo ao banheiro,
na
construção:
as
conciliar diferentes realidades e diferentes
à cozinha e à área de serviço.
usos da expansão (total, parcial).
165
quadro 20. processo proposto na Ocupação Raízes da Praia elaborado pela autora quadro 21. encontros e oficinas em paralelo ao desenvolvimento do processo elaborado pela autora
processo decisório coletivo
movimento social movimento dos conselhos populares
inserção urbana
assistência técnica + estado + população
articulação dos módulos
166
84 famílias duas possibilidades de terreno: 1. terreno atual 2. terreno atual + terreno adjacente
84 habitações + centro comunitário + pontos comerciais diferentes cenários para a articulação dos módulos
processo realizado em oficinas
processo decisório individual
assistência técnica + população
flexibilidade da unidade
usos e modificações tempo
proposição de uma unidade habitacional tipo predefinido: banheiro, cozinha e área de serviço diferentes apropriações da unidade
proposição sem oficinas
167
reunião sinduscon 06.09.2018
conversa sobre a situação da ocupação para o mercado e afirmativa de interesse por parte do sinduscon em construir o conjunto reunião assessoria jurídica popular (EFTA) 27.08.2018
reunião habitafor 13.09.2018
conversas iniciais e orientações para o MCMV Entidades junto à secretaria
informações sobre o terreno e o processo de usucapião coletivo em curso
168
oficina 01 13.10.2018 conversa com lideranças 01.09.2018
primeira oficina realizada, com introdução aos índices urbanísticos e arranjo da implantação no terreno 01 (sem desapropriação)
apresentação às lideranças e conversa sobre a história da ocupação assembleia popular da cidade 9 anos raízes da praia
reunião ocupação
14.07.2018
08.09.2018
primeiro contato
reunião para decisão à participação no programa MCMV, junto do MCP, do EFTA e do PET da arquitetura
reunião pet 21.10.2018
perspectivas das eleições e definição de prioridades para a ocupação
reunião habitafor 21.11.2018
direcionamentos para a realização do MCMV na ocupação
tempo
oficina 02
oficina 03
25.10.2018
17.11.2018
segunda implantação proposta, considerando a possibilidade do terreno atual acrescido do terreno adjacente (em caso de desapropriação)
apresentação do dois estudos preliminares para a ocupação (a partir das implantações propostas nas oficinas)
reunião habitafor 26.11.2018
comparação da proposta das oficinas com as exigências do PMCMV junto ao arquiteto da secretaria
169
170
figura 28. oficinas realizadas na ocupação raízes da praia acervo pessoal
171
172
173
figura 29. oficinas realizadas na ocupação raízes da praia acervo pessoal
1. implantação proposta em oficina
2. disposição das circulações verticais
Partindo
Considerando as distâncias máximas
da
implantação
decidida
durante as oficinas, pequenas adequações
exigidas
foram feitas, tendo em vista ajustar a
posicionou-se
implantação dos blocos aos recuos, bem
vertical, que passam a atuar como
como garantir boas distâncias entre eles
elementos articuladores dos blocos de
(6m entre cada bloco)
moradia
terreno 01 1:2500
174
terreno 02 1:2500
nas
normas caixas
de de
incêndio, circulação
inserção urbana
3. separação entre coletivo e individual
4. separação entre cheios e vazios
Da articulação por meio das caixas de
Por fim, para a proposição do frame, os
escada partem os corredores de acesso
blocos de moradia foram preenchidos
aos blocos. Assim, configura-se uma
com a estrutura e os shafts, porém sem
separação entre coletivo e individual no
planta. A priori, as caixas de escada
edifício, bloco habitacional e acessos,
passam a constituir-se cheios, e os
respectivamente
blocos, vazios a serem preenchidos
terreno atual - sem desapropriação
175
com desapropriação
moradias - individual acessos - coletivo
176
figura 30. implantação do estudo para o terreno 01 elaborada pela autora + francisco macedo sobre base 45° imagery
inserção urbana
177
POSSIBILIDADE 01 - TERRENO ATUAL (SEM DESAPROPRIAÇÃO) parâmetros área total do terreno taxa de ocupação índice de aproveitamento
projeto
5033,33 m² max. 50%
36,49%
0,10 - 2,00
1,46
taxa de permeabilidade
min. 40%
40,53%
gabarito
max. 36m
12m
fonte: Projeto de Lei Complementar do Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do Município de Fortaleza
178
inserção urbana
habitações 3 pavimentos + coberta
179
pontos comerciais
rampa comunicação entre diferentes níveis do terreno associação comunitária
pontos comerciais trechos planos no mesmo nível dos blocos articulação entre as rampas faixa de pedestres elevada ligação entre edifícios e a faixa de praia
2
2
2
A +7,34 inc: 1,88% 180
1
5
1
unidades habitacionais
2
pontos comerciais
3
associação comunitåria
0
5
10m N
inserção urbana
1
2 3
A
+6,27 +6,27
181
B
B
inc: 4,00%
2
+6,77 inc: 2,18%
1
+6,27
1
1
planta térreo - estudo 01 esc. 1:500
A 182
5
0
5
10m N
inserção urbana
A 183
B
B
2
planta pavimento tipo - estudo 01 esc. 1:500
inc: 10%
A 184
5
0
5
10m N
inc: 10%
inserção urbana
inc: 10%
inc: 10%
inc: 10%
A 185
B
inc: 10%
B
inc: 10%
3
planta coberta - estudo 01 esc. 1:500
186
figura 31. implantação do estudo para o terreno 02 elaborada pela autora + francisco macedo sobre base 45° imagery
inserção urbana
187
POSSIBILIDADE 02 - TERRENO ATUAL + DESAPROPRIAÇÃO parâmetros área total do terreno taxa de ocupação índice de aproveitamento
projeto
5033,33 m² max. 50%
35,28%
0,10 - 2,00
1,40
taxa de permeabilidade
min. 40%
40,15%
gabarito
max. 36m
12m
fonte: Projeto de Lei Complementar do Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do Município de Fortaleza
188
inserção urbana
habitações 3 pavimentos + coberta
189
pontos comerciais
rampa comunicação entre diferentes níveis do terreno associação comunitária
pontos comerciais trechos planos no mesmo nível dos blocos articulação entre as rampas faixa de pedestres elevada ligação entre edifícios e a faixa de praia
2
2
A inc: 1,88%
+7,36
190
1
1
2
+6,77
2
1 2
5
1
unidades habitacionais
2
pontos comerciais
3
associação comunitåria
0
5
10m N
2
inserção urbana
1
2 3
A
+6,27
191
+6,27
B
B
inc: 4,86%
2
inc: 1,55%
+6,27
+6,77
1
1
1
planta térreo - estudo 02 esc. 1:500
A 192
5
0
5
10m N
inserção urbana
A 193
B
B
2
planta pavimento tipo - estudo 02 esc. 1:500
inc: 10%
inc: 10%
A 194
inc: 10%
inc: 10%
inc: 10%
5
0
5
10m N
inserção urbana
inc: 10%
inc: 10%
inc: 10%
A 195
B
B
inc: 10%
3
planta coberta - estudo 02 esc. 1:500
caixa d'água sobre as caixas de escada
blocos referência quanto aos níveis mesma cota da rua adjacente
196
+19,27 coberta +16,27 3º pvto +13,27 2º pvto +10,27 1º pvto +7,27 térreo
5
0
5
10m
inserção urbana
nivelamento do terreno por aterro eliminação da vala existente
conjunto de blocos de cota 1m abaixo adaptação à topografia existente e à cota da rua
197
1
corte AA
figura 32. perspectiva externa do conjunto elaborada pela autora + maiara lacerda
198
inserção urbana
199
200
inserção urbana
ACABAMENTOS PROPOSTOS existente
pisos
piso cimentício piso cimentício pigmentado forração
vedações
concreto aparente bloco de concreto bloco de concreto pintado
201
figura 33. perspectiva dos corredores internos elaborada pela autora
coberta + caixa d'água
terceiro pavimento
202
segundo pavimento
primeiro pavimento
térreo
figura 34. estudos de diferentes apropriações possíveis para o edifício base (frame) elaborada pela autora
articulação dos módulos
edifício base
203
ocupação inicial - módulos alternados + comércio no térreo
ocupação inicial + expansões + comércio no térreo
edifício base, ou frame unidades habitacionais
cenário 01
cenário 02
204
cenário 03
cenário 04
edifício base, ou frame unidades habitacionais
articulação dos módulos estudo 01 (terreno atual - sem desapropriação)
estudo 02 (com desapropriação)
76 unidades habitacionais 5 caixas de escada 18 pontos comerciais 1 associação comunitária 23 vagas para veículos
101 unidades habitacionais 6 caixas de escada 26 pontos comerciais 1 associação comunitária 31 vagas para veículos
unidade 36 + 18 m² (com expansão) pontos comerciais/associação comunitária/pilotis no térreo
84 unidades habitacionais 5 caixas de escada 23 vagas para veículos
112 unidades habitacionais 6 caixas de escada 31 vagas para veículos
unidade 36 + 18 m² (com expansão) moradias no térreo
205
114 unidades habitacionais 5 caixas de escada 18 pontos comerciais 1 associação comunitária 23 vagas para veículos
153 unidades habitacionais 6 caixas de escada 26 pontos comerciais 1 associação comunitária 31 vagas para veículos
unidade 36m² (sem expansão) pontos comerciais/associação comunitária/pilotis no térreo
132 unidades habitacionais 5 caixas de escada 23 vagas para veículos
174 unidades habitacionais 6 caixas de escada 31 vagas para veículos
unidade 36m² (sem expansão) moradias no térreo figura 35. estudos de diferentes apropriações possíveis para o edifício base (frame) elaborada pela autora
cobertura em telha metálica | inc: 10% cobertura em telha metálica | inc: 10%
porta de correr porta de correr guarda-corpo metálico guarda-corpo metálico
206
folha projetante folha projetante folha pivotante folha pivotante venezianas venezianas
porta de correr porta de correr guarda-corpo metálico guarda-corpo metálico rebaixo na laje para instalações rebaixo na laje para instalações
1
corte BB
0,75
0
0,75 1,5m
pontos comerciais fechamento com painel de vidro pontos comerciais fechamento com painel de vidro
articulação dos módulos
figura 36. vista frontal do bloco habitacional elaborada pela autora + francisco macedo
207
0,90
0,90 1,65
208
2,25
1,50
2,25
6,00
3,00 9,00
1
unidade habitacional tipo esc. 1:75
figura 37. estudos de diferentes apropriações possíveis para a unidade habitacional proposta elaborada pela autora + raquel carvalho
6,00
3,00
área de expansão 18 m²
3,00
unidade habitacional 36 m²
flexibilidade da unidade
36 + 18 m² 1 quarto cozinha banheiro espaço de estética +1 expansão
45 + 9 m² 2 quartos sala de estar cozinha banheiro área de serviço +1/2 expansão
54 m² 2 quartos sala de tv cozinha banheiro área de serviço comércio
2
diferentes apropriações esc. 1:125
209
210
figura 38. perspectiva interna da unidade habitacional elaborada pela autora
flexibilidade da unidade
211
212
figura 39. processo de desenvolvimento do bloco de moradias: projeto, construção e uso elaborada pela autora
ARQUITETURA EM PROCESSO Abrir o processo de arquitetura para o
ao Estado ou ao mercado, apontando
imprevisível é negar que se chegue a um
abordagens possíveis para a demanda
final. O projeto apresentado aqui não
habitacional; seja para a discussão da
termina, pelo contrário, sua forma é ainda
arquitetura e sua abertura para um
um começo para quem for vivenciá-la: é
contínuo aperfeiçoamento.
na modificação, na apropriação, que o projeto ganha sentido.
Assim, entre projeto, construção e uso, entre inserção urbana, articulação dos
Mesmo que apenas no campo das
módulos e flexibilidade da unidade,
ideias, o projeto tem sua potência
o que se busca por este projeto é o
enquanto gerador de discusos, seja
reconhecimento da permanência por
para os moradores da ocupação junto
meio da transição.
213
figura 40. ocupação no centro acervo pessoal
214
OCUPAÇÃO NO CENTRO A antiga Escola Jesus Maria e José, no
Em paralelo a este processo, outras
centro de Fortaleza, tem sua história
pessoas se instalaram no edifício, à
marcada por algumas ocupações. Os
espera de também conseguir uma
traços de abandono estão nas paredes,
moradia. Este momento tem sido de
no forro a cair, em alguns telhados
transição: uma ocupação está em
que desabaram. Mesmo assim, frente
conclusão, em paralelo à estruturação
à necessidade de ter um lugar para
de uma nova. Uma vez que a Gregório
morar, a ocupação da escola tem sido
Bezerra teve sua demanda atendida, o
uma alternativa.
projeto foi voltado às pessoas da nova ocupação.
Entre as ocupações que passaram pelo prédio, a última foi a Gregório
Existe uma indefinição em diversos
Bezerra,
Unidade
aspectos quanto à nova ocupação: não
Classista. Em março deste ano ocorreu
do
movimento
há ainda um número estável de famílias,
o dia da conquista, quando o prefeito
nem perspectiva do que farão a seguir. A
reconheceu a demanda habitacional da
aplicação do processo se deu, portanto,
ocupação para que as famílias possam
muito mais a partir dos anseios das
receber as casas pelo PMCMV. Uma
novas famílias do que com base em
parte já recebeu, outra parte saiu da
números e demandas específicas. O
escola e está com parentes ou com
resultado não se justifica em números,
conhecidos enquanto aguarda o sorteio,
mas justamente na adaptação de um
e uma minoria ainda está na ocupação.
prédio existente a novas funções.
215
216
figura 41. ocupação no centro acervo pessoal
217
218
figura 42. intervenção realizada no edifício ocupado acervo pessoal
219
220
1
implantação cemja esc. 1:2500
221
CEMJA edificações do entorno imóveis vazios imóveis subutilizados pontos de ônibus teatro josé de alencar
1
praça josé de alencar
2
praçacapistrano de abreu
3
hospital geral dr. césar cals
4
shopping metro
5
A abordagem na Ocupação do Centro
processo proposto, considerando três
se deu por meio da aplicação do novo
principais escalas, a seguir:
1. inserção urbana A escolha de um edifício subutilizado
edifício definido não fosse divulgado,
se deu com base, principalmente, na
o que dificultaria qualquer escolha
disponibilidade de informações e de
em conjunto. A partir dos dados
desenhos. Deste modo, não houve
disponibilizados, optou-se por trabalhar
uma
moradores
com o Centro de Especialidades Médicas
nesta etapa. Por se tratar de uma
participação
dos
José de Alencar, na rua Guilherme
ocupação, foi sugerido pelo movimento
Rocha, junto à praça José de Alencar, no
que o acompanha que o endereço do
centro de Fortaleza.
2. articulação dos módulos
222
As primeiras oficinas ocorreram com
então apresentar a proposta para que
o edifício já definido. Diferente dos
os moradores analisassem. Entre as
moradores da ocupação Raízes da Praia,
decisões, destaca-se a dos pontos de
não há uma mobilização tão forte no
comércio no térreo: nas conversas
centro. Além disso, houve uma maior
sobre a importância de ter outras
dificuldade para conseguir uma postura
funções no edifício e a sugestão de
mais ativa dos moradores: muitos deles
pontos comerciais, responderam “ponto
ficavam desconfiados, outros limitavam-
comercial é muito caro para pagar
se a concordar.
aluguel, box é melhor que é menorzinho, cada um tem o seu”. Assim, o comércio
A diferença na postura dos moradores
no térreo segue essa orientação e pode
do
mudança
servir tanto aos moradores quanto aos
de postura também nas oficinas. Os
vendedores ambulantes que hoje ficam
relatos, presentes desde o primeiro
do lado de fora.
centro
motivou
uma
contato, geravam discussões e, ainda que não refletissem imediatamente em
Os módulos habitacionais seguem uma
decisões projetuais, embasaram muitas
lógica parecida com a proposta para a
decisões posteriores. Assim, ao invés de
Raízes da Praia, exceto por não contarem
encontros com vista a propor junto com
com expansão. Em cada pavimento, na
a comunidade, buscava-se entender
parte que não se encaixa nos módulos
quais as preferências para a moradia,
optou-se por propor espaços coletivos
propor em um segundo momento e
escolhidos pelos moradores.
3. flexibilidade da unidade Assim como na Raízes da Praia, a
todo o restante da área é um vazio a ser
proposta para a unidade habitacional
preenchido. Neste caso, a unidade tem
não pôde ser realizada em oficina
uma área maior, porém não há espaço
por
unidade
para expansão. Ao fim deste estudo,
habitacional tipo da proposta segue
três possibilidades são testadas para o
uma lógica semelhante e conta com
módulo, buscando conciliar diferentes
cozinha, área de serviço e banheiro:
realidades em cada uma.
conta
do
tempo.
A
223
quadro 22. processo proposto na Ocupação do Centro elaborado pela autora quadro 23. encontros e oficinas em paralelo ao desenvolvimento do processo elaborado pela autora
processo decisório coletivo
assistência técnica + estado
inserção urbana
assistência técnica + estado + população
articulação dos módulos
224
número indefinido de famílias edifício definido: cemja
24 habitações + espaços comunitários + pontos comerciais
proposição sem oficinas
processo realizado em oficinas
processo decisório individual
assistência técnica + população
flexibilidade da unidade
usos e modificações tempo
proposição de uma unidade habitacional tipo predefinido: banheiro, cozinha e área de serviço diferentes apropriações da unidade
proposição sem oficinas
225
encontro na ocupação 22.10.2018
primeiro contato e apresentação da proposta do projeto na ocupação
226
oficina 01 27.10.2018
conversa com liderança unidade classista 01.09.2018
apresentação das demandas da ocupação e decisão sobre planejar uma alternativa de habitação em um edifício subutilizado
introdução à noção de camadas e diferentes tempos vinculados ao edifício; primeiras impressões e preferências sobre moradia
tempo
oficina 02
oficina 03
oficina 04
03.11.2018
10.11.2018
17.11.2018
definição de núcleos estruturantes em todos os andares, com base nas áreas molhadas do prédio existente; pré definição das unidades habitacionais
decisão acerca dos espaços que fugiam à área padrão das unidades habitacionais; levantamento de possíveis espaços coletivos nestes espaços
apresentação do estudo preliminar para a ocupação (a partir das decisões das oficinas anteriores)
227
228
figura 43. oficinas realizadas na ocupação do centro acervo pessoal
229
figura 44. oficinas realizadas na ocupação do centro acervo pessoal
230
231
232 figura 45. implantação do edifício em estudo no centro elaborada pela autora sobre base 45° imagery
inserção urbana
233
O EDIFÍCIO O edifício proposto para o ensaio é
Tendo em vista compreender a aplicação
o CEMJA - Centro de Especialidades
do
Médicas José de Alencar, situado na rua
intervenção se dá no térreo e nos cinco
Guilherme Rocha, no centro de Fortaleza.
pavimentos superiores. Para isso, prioriza-
Projetado por Sylvio Jaguaribe Ekman,
se a permanência de tudo o que é mais
o engenheiro Luciano Pamplona Filho, no dia 13.11.2018
234
14 esta informação foi confirmada durante em conversa com
calculado por Luciano
Pamplona14
processo
no
edifício,
a
maior
e
durável, sobretudo a estrutura e as áreas
construído em meados da década de 50,
molhadas. Estas passam então a orientar
o prédio abrigava inicialmente a sede do
uma nova planta, abrigando unidades
INSS. Em 2014 foi fechado para reforma
habitacionais.
e, sob o argumento de falta de recursos, permanece abandonado.
Por tratar-se de um edifício histórico, não se propõe nenhuma alteração significativa
O prédio é composto por térreo,
nas fachadas, à exceção de algumas janelas
cinco pavimentos, casa de máquinas
propostas no quinto pavimento.
e
um
subsolo.
Sua
estrutura
é
modulada com transição de pilares
A intervenção no CEMJA extrapola a
em alguns pavimentos. O pé direito
discussão sobre vazios construídos e
consideravelmente mais alto (de 3,60m)
alcança outros temas, como a intervenção
possibilita esta transição ao permitir
em patrimônio para abrigar moradias e
vigas mais robustas sem prejudicar as
a adequação de diferentes usos em um
atividades em seu interior.
mesmo edifício.
inserção urbana
235
figura 46. Centro de Especialidades Médicas José de Alencar - CEMJA acervo pessoal
existente levantamento de todas as รกreas molhadas e pilares, elementos a serem preferencialmente mantidos
236
N รกreas molhadas existentes
após demolição definição de núcleos de áreas molhadas com base no levantamento anterior, orientando a divisão das unidades habitacionais
proposto proposição de unidades habitacionais com 3 áreas padronizadas a partir da modulação, e de espaços de uso coletivo externos aos núcleos quinto pavimento
quarto pavimento
terceiro pavimento
segundo pavimento
primeiro pavimento
térreo
núcleos de áreas molhadas
núcleos de áreas molhadas espaços de uso coletivo
237
proposição de um novo núcleo de circulação vertical
B
238
A
B
espaço de comércio com estruturas montadas o aluguel deste espaço pode gerar recursos para o edifício
2.5
0
2.5
5m
N
articulação dos módulos
239
A
espaço de coworking/proposta de uma assessoria técnica o aluguel deste espaço pode gerar recursos para o edifício
entrada principal mantida
1
planta térreo - proposta esc. 1:200
B
UH tipo 5 45,83 m²
A UH tipo 4 31,90 m²
FG
UH ti 31,90
FG
B B
240
UH tipo 1 50,10 m²
FG
UH tipo 1 53,70 m²
FG
A
UH 50,1
B
2.5
0
2.5
5m
N
articulação dos módulos
A UH tipo 4 31,90 m²
ipo 4 0 m²
FG
planta quinto pavimento - proposta
3
esc. 1:200 241
UH tipo 3 65,60 m²
FG
UH tipo 1 50,10 m²
2
FG
A
FG
tipo 1 10 m²
FG
planta pavimento tipo - proposta esc. 1:200
nĂşcleo de ĂĄreas molhadas proposto
242
2.5
0
2.5
5m
articulação dos módulos
núcleo de circulação vertical proposto
+28,59
+26,25 terraço
+22,74 casa de máquinas
+19,14 5º pvto 243
+15,54 4º pvto
+11,94 3º pvto
+8,34 2º pvto
+4,74 1º pvto
+1,14m térreo -1,93m subsolo
4
corte AA esc. 1:250
5
corte BB esc. 1:250
figura 47. perspectiva do corredor interno elaborada pela autora
244
articulação dos módulos
245
3,93 2,07 1,85
246
6,00
unidade habitacional 50,10 m²
1,80
6,55 8,35
1
unidade habitacional tipo esc. 1:75
figura 48. estudos de diferentes apropriaçþes possĂveis para a unidade habitacional proposta elaborada pela autora + raquel carvalho
flexibilidade da unidade
50,10 m² 2 quartos sala de estar sala de jantar cozinha área de serviço banheiro
50,10 m² 1 quarto sala de estar cozinha área de serviço banheiro lan house
50,10 m² 2 quartos sala de estar sala de jantar cozinha banheiro área de serviço
2
diferentes apropriações esc. 1:125
247
248
flexibilidade da unidade
figura 49. perspectiva interna da unidade habitacional elaborada pela autora
249
POR NOVAS PARTIDAS O processo traçado até aqui se inicia por
que não precisamos ficar inventando,
uma problemática e, partindo do fazer
que não podemos fazer diferente. E
arquitetônico, intenta estruturar uma
então, em meio ao desânimo, aparecem
abordagem possível para respondê-la.
motivos para continuar tentando:
Neste percurso, entende-se que não há solução definitiva: a demanda por
Acho que invento a felicidade para
moradia existe e permanecerá existindo.
compor todas as coisas e não haver
Entre o cenário atual e um futuro
preocupações
desejado, o foco recai então sobre a ideia
inventar algo bom é melhor do que
de transição.
aceitarmos como definitiva uma
desnecessárias.
E
qualquer realidade má. A felicidade deste
também é estarmos preocupados
processo: entre formal e informal,
só com aquilo que é importante. O
entre imersão e diálogo, uma proposta
importante é desenvolvermos coisas
começa a se delinear e é então ensaiada,
boas, das de pensar, sentir ou fazer.
Muitas
foram
as
transições
conciliando projetos ideais e cenários
250
reais, conhecimento técnico e popular.
- TRECHO DE “O PARAÍSO SÃO OS
A proposta pouco a pouco ganha forma,
OUTROS”, DE VALTER HUGO MÃE
representando não apenas um edifício, mas anseios de um futuro mais justo.
Este não é um fim. Que uma qualquer realidade má nunca seja definitiva.
As trocas, no entanto, nem sempre são
Que sempre haja ânimo para novas
fáceis: em uma das reuniões, ouvimos
partidas.
251
partida
narrativas
transiçþes
novos processos
precedentes
partida
referĂŞncias
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a capa faz referência à arte ‘empena viva’, do escritório nitsche arquitetos
capa, diagramação e brochura feitas por:
AMARRILHO @caderno.amarrilho caderno produzido com capa em kraft 420g e miolo em papel pólen creme 90g