O museu contemporâneo. Arquitetura, museografia e patrimônio imaterial.

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o museu contemporâneo arquitetura, museografia e patrimônio imaterial fau usp . trabalho final de graduação bianca manzon lupo prof. dr. luciano migliaccio julho 2015



o museu contemporâneo arquitetura, museografia e patrimônio imaterial fau usp . trabalho final de graduação bianca manzon lupo prof. dr. luciano migliaccio julho 2015


agradecimentos Ao prof. Luciano Migliaccio, por toda a diligência, competência e dedicação durante as orientações; Ao grupo do escritório GMAA, pelo apoio e compreensão durante o trabalho final; ao prof. Lúcio Gomes Machado e ao arquiteto José Alfredo Queiroz, pela riqueza do material de pesquisa fornecido e pelo auxílio técnico à execução do trabalho; Aos administradores do Museu da Língua Portuguesa, Museu do Futebol e Museu do Cinema, pelo fornecimento de dados, plantas e informações; Aos arquitetos Pedro Mendes da Rocha, Mauro Munhoz e Gianfranco Gritella; e ao curador Leonel Kaz, pela gentileza em concederem entrevistas a respeito dos estudos de caso apresentados; Aos amigos que forneceram imagens e depoimentos sobre os museus; e também aos visitantes dos museus que gentilmente aceitaram conceder sua contribuição;

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Aos meus pais, Cristina e Fernando, por sempre terem fomentado a minha vontade de aprender; ao meu avô Bruno por todo o auxílio prestado durante a graduação e em especial ao meu irmão Vitor, pela paciência e apoio ao desenvolvimento do trabalho final; Sobretudo a Deus, que me deu forças e me guiou até o fim desta jornada.


resumo O presente trabalho tem como objetivo estudar a relação entre arquitetura e museografia para o tratamento do patrimônio imaterial no museu contemporâneo, de acordo com as transformações que esses espaços vem sofrendo frente à utilização de novas mídias expográficas e recursos cenográficos.

O estudo se desenvolve em três capítulos. O primeiro traz considerações a respeito do processo de transformação do espaço do museu na contemporaneidade, levando em conta a atração de novos públicos, a diversificação do programa institucional e a utilização de recursos tecnológicos e cenográficos para a expografia.

Para tanto, foram selecionados três casos de análise: o Museu da Língua Portuguesa (São Paulo, 2006), o Museu do Futebol (São Paulo, 2008) e o Museu do Cinema (Turim, 2000). O estudo se estrutura a partir do trinômio concepção-espacialização-percepção, verificando aspectos de projeto, de sua execução e de sua recepção por parte do público.

Por sua vez, o segundo capítulo apresenta uma análise detalhada de cada estudo de caso, de acordo com os itens: concepção e proposta, implantação, projeto arquitetônico, percurso museológico e recepção do público.

Desse modo, a metodologia utilizada se baseia fundamentalmente em pesquisa bibliográfica, visitas a campo, levantamento fotográfico, análise de projetos de arquitetura e museografia, execução de entrevistas com arquitetos e profissionais envolvidos na criação dos museus e entrevistas não-dirigidas com visitantes.

A seguir, o terceiro capítulo propõe a execução de uma análise comparativa entre os museus estudados, avaliando as soluções expográficas utilizadas e o percurso museológico proposto. Para finalizar, é apresentada uma série de reflexões acerca do papel do museu na contemporaneidade, da preservação do patrimônio imaterial e do uso da tecnologia expográfica, baseando-se nos estudos de caso apresentados.

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sumário apresentação 8 o museu contemporâneo 8 arquitetura e museografia 10 objetos de estudo 11 metodologia e metas 13 capítulo 1. o museu contemporâneo . museografia e expografia 15 1.1. museu, acervo e memória 16 1.2. arquitetura, preservação e comunicação 18 1.3. museu e público 20 1.4. museografia e expografia 22 capítulo 2. estudos de caso 27 2.1. museu da língua portuguesa 31 2.1.1. concepção e proposta 32 2.1.2. implantação 34 2.1.3. projeto arquitetônico 36

2.1.4. percurso museológico 43 2.1.5. recepção do público 52

2.2. museu do futebol 55 2.2.1. concepção e proposta 56 2.2.2. implantação 58 2.2.3. projeto arquitetônico 60

2.2.4. percurso museológico 68 2.2.5. recepção do público 80

2.3. museu do cinema 83 2.3.1. concepção e proposta 84 2.3.2. implantação 86 2.3.3. projeto arquitetônico 88

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capítulo 3. análise comparativa 117 3.1. soluções expográficas 118 3.1.1. objetos 120 3.1.2. tecnologia e interatividade 120

2.3.4. percurso museológico 98 2.3.5. recepção do público 114


3.1.3. projeções e espetáculos de luz e som 122 3.1.4. ambientação e criação de cenários 124 3.2. percurso museológico 125 3.2.1. esquema de circulação 125 3.2.2. etapas do percurso 126 3.2.3. espaços do museu 128 reflexões finais 130 o culto aos objetos e a cultura material 131 acervo material ou digital? 132 a caminho do museu virtual? 133 espaço arquitetônico e espaço urbano 134 o edifício como objeto de memória 134 cultura de massas e espaços residuais 136 o museu-evento 137 a relação entre arquitetura e museografia 138 os espaços-síntese e seu caráter artístico 139 a questão da interatividade 140 os novos vocabulários no museu contemporâneo 141 composição do discurso e soluções arquitetônicas 141 o papel social dos museus 143 conclusões 145 entrevistas anexo 1. pedro mendes da rocha 146 anexo 2. mauro munhoz 148 anexo 3. leonel kaz 152 anexo 4. gianfranco gritella 154 bibliografia 156

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apresentação o museu contemporâneo A proposta de trabalho final de graduação aqui apresentada visa a compreender os espaços que surgem e se reinventam na sociedade em que vivemos; considerando, sempre, as diversas temporalidades presentes na concepção e utilização desses espaços em função da preservação da memória coletiva: a articulação entre o antigo e o novo e o desafio de se lidar com as novas tecnologias. Não há exemplo de instituição que se relacione de modo mais direto com as questões de tempo, espaço e memória que os museus – instituições permanentes cujo fundamento está pautado na preservação e conservação da memória para as gerações futuras; salvaguardando, divulgando e expondo testemunhos materiais e imateriais dos povos e de seu ambiente (Código de ética do ICOM, cf. FIGUEIREDO, 2011, 198).

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A preocupação com a preservação patrimonial é um assunto cuja importância se fortaleceu no século XX, após as duas guerras mundiais – e que vem abordando, cada vez mais,

novas questões na discussão sobre o que deve ser considerado objeto de preservação e quais as possibilidades no âmbito da preservação da memória e do patrimônio. Nesse sentido, as instituições museais possuem grande importância tanto na tutela como na difusão de patrimônios culturais. Não se pode negar, contudo, que tanto o conceito de patrimônio quanto a forma com a qual os museus lidam com essa questão estão passando por um forte processo de transformação na sociedade contemporânea. Tais transformações podem ser vistas tanto no âmbito da concepção, como da espacialização dos espaços museais e decorrente percepção pelo público. Em relação à concepção e à estruturação institucional dos museus, é possível observar que, desde sua abertura ao público no século XVIII, essa instituição vem passando a exercer um papel de integração cultural e fomento educacional na sociedade contemporânea. É notável, a partir do final da segunda guerra mundial, a adoção e

sistematização de políticas de inclusão social nas instituições museais, buscando torná-las cada vez mais acessíveis e compreensíveis às camadas sociais heterogêneas e diversificadas que compõem os públicos recebidos pelos museus. Tal questão se manifesta de modo ainda mais expressivo em países latino-americanos, nos quais a redução da desigualdade social e a busca pela democratização do acesso à cultura e educação constituem demandas de grande relevância. Assim, é possível observar que a relação do museu com o público vem assumindo um grau de importância cada vez maior na contemporaneidade – alavancado, também, pela grande escala que os fenômenos culturais de massas assumem na sociedade contemporânea. A globalização, a facilidade dos meios de transporte, o turismo de massas, as novas tecnologias e o advento dos meios de comunicação – principalmente a internet – aumentam amplamente as possibilidades de difusão e o raio de influência das instituições museais. Ao mesmo tempo, essas novas condições modificam profundamente as modalidades de ação de tais instituições.


A popularidade dos museus na sociedade contemporânea é, de fato, notória. Empresas, bancos e fundações encontram no fomento à arte e nos investimentos culturais uma forma de se aproximar da sociedade e de garantir sua autopromoção midiática – o que, associado à ampla divulgação nos veículos de comunicação, alavanca ainda mais a captação de novos públicos para as instituições museais. Nesse sentido, as mais diversificadas estratégias de divulgação – sites, redes sociais, publicações, periódicos, etc. – passam a fazer parte de museus que podem, em diferentes graus, se desvincular da materialidade do acervo ou do próprio espaço físico no qual se localizam e passam a assumir características que, cada vez mais, tendem à formação de um espaço virtual. Resta perguntar, diante deste contexto, de que maneira se configura o espaço do museu na contemporaneidade, de acordo com as transformações pelas quais essas instituições vem passando. Podemos pensar no museu como espaço de reestruturação e

requalificação urbana no território – constituindo polos de fomento à cultura e instrumentos de revitalização de áreas que exercem papel importante no contexto da cidade – configurando importantes atrativos relacionados ao turismo, entretenimento e cultura. Além da preservação do conteúdo proposto pela iniciativa museal, o próprio espaço do museu pode se apresentar como instrumento de garantir a preservação do patrimônio edificado – como se pode observar pelas iniciativas de restauração de edifícios históricos para a instalação de propostas museais. Por outro lado, é possível, também, verificar que o museu contemporâneo pode servir como campo de experimentação arquitetônica – como é o caso, por exemplo, do Museu Guggenheim, em Bilbao, de Frank Ghery; ou o MAC Niteroi, de Oscar Niemeyer. Os casos de espetacularização da arquitetura dos museus, que passam a configurar elementos de grande impacto plástico em seus contextos urbanos, não serão objeto de estudo proposto para este trabalho – embora constituam um interessante campo de

questionamento e reflexão a respeito dos museus na contemporaneidade. Ainda pensando na espacialização das propostas museais contemporâneas, é possível observar que o programa dessas instituições também vem passando por um processo de diversificação. Livrarias, restaurantes, cafés, lojas de souvenires, etc. compõem um espaço cada vez mais plural e diversificado, mesclando lazer, entretenimento e cultura no espaço do museu. Se a espacialização do museu demanda uma leitura do espaço urbano e do patrimônio edificado, por um lado; por outro, a percepção dessa arquitetura por parte do público vem passando por uma série de transformações guiadas pelas novas estratégias de comunicação nos campos da museografia e da expografia. A experiência museal por parte do visitante vem se tornando cada vez mais complexa ao ser acrescentada dos mais variados recursos expográficos – que variam do uso de suportes, luzes, cores, recursos sonoros e cenográficos – os quais, inclusive, podem

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adquirir valor estético, artístico e narrativo próprio.

co do museu na atualidade.

serviço de um mesmo programa museológico.

arquitetura e museografia Os diversos filtros de informação aos quais o visitante é submetido durante a experiência museal criam novas dinâmicas de percepção sensorial não só do conteúdo apresentado, mas do próprio espaço no qual o visitante imerge durante a experiência no museu. Tais transformações sofrem influência direta do uso de novas tecnologias e recursos cenográficos na área da experimentação expográfica – além de serem fruto, inclusive, de uma mudança de paradigma da própria instituição museal – que foca, cada vez mais, na relação e interação com o público como elemento fundamental da ação museológica.

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Deste modo, com base no trinômio concepção-espacialização-percepção, o estudo proposto tem como objetivo discutir a relação entre arquitetura e museografia no museu contemporâneo, a partir da execução de estudos de caso que suscitam discussões sobre a relação entre a cenografia expográfica e o espaço arquitetôni-

Em que medida é possível analisar a relação entre museografia e arquitetura, tendo em vista o trinômio concepção-espacialização-percepção? Do ponto de vista da concepção, podemos observar dois tipos de situação-chave que relacionam a museografia à arquitetura. A primeira delas considera a arquitetura como suporte de infinitas museografias, ao passo que a museografia e a arquitetura assumem distintas características de permanência temporal – e também uma certa independência no que se refere à sua concepção. A segunda situação se aproxima de uma fusão entre as propostas de arquitetura e museografia – sendo que as soluções museográficas podem tirar partido direto da arquitetura e vice-versa. Um exemplo claro desse tipo de situação é o Museo Castelvecchio, em Verona; mas também podemos lembrar do Museu de Arte de São Paulo, de Lina Bo Bardi, no qual a museografia e a arquitetura funcionam a

Ainda, pode-se observar situações museais mistas, que mesclam soluções de independência entre arquitetura e museografia a espaços de fusão entre os dois projetos. A espacialização das propostas de arquitetura e museografia, sejam elas concebidas separadamente ou uma em função da outra, constituem o percurso museológico pelo qual o visitante é conduzido e a partir do qual ele vive sua própria experiência museal. O papel desempenhado pela arquitetura durante a visita ao museu é bastante evidente, uma vez que constitui o próprio espaço no qual acontece a fruição da visita ao museu por parte do visitante. A museografia, contudo, insere novas escalas na percepção do espaço, ao estabelecer relações entre o conteúdo exibido e o espectador. A narrativa e o discurso transmitidos pelo museu – composto seja pelo acervo ou pelas experiências propostas para o visitante – apresentam-se como vários filtros pelos quais


o visitante vivencia a experiência museal, estabelecendo diferentes escalas de atenção visitante-espaço e visitante-conteúdo. O próprio percurso a ser transcorrido pelo visitante aparece como um híbrido entre os condicionamentos físicos dados pela arquitetura e o despertar de interesses do visitante que, condicionado pelas associações, memórias e fantasias evocadas durante o percurso no museu, conduz e compõe seu próprio percurso. No entanto, existe uma tensão entre a museografia e a arquitetura no espaço do museu – sejam elas concebidas em conjunto ou isoladamente. De acordo com Bruno Zevi, “a cenografia, a arquitetura pintada ou desenhada não são arquitetura (...); em outras palavras, a experiência espacial não é dada enquanto a expressão mecânica e fatual não tiver realizado a intuição lírica” (ZEVI, 2009, 24). Logo, se por um lado podemos dizer que o espaço museográfico é um espaço arquitetônico; por outro, o espaço cenográfico não é um espaço arquitetônico, embora o condicione –

e é exatamente esse o ponto principal de investigação do trabalho: avaliar em que medida as soluções museográficas se relacionam ao espaço arquitetônico, e de que modo interferem na percepção desse espaço.

Considerou-se que sim, visto que a expografia dos museus apresenta características bastante diferentes no que se trata, por exemplo, da preservação do patrimônio material em contraponto à preservação do patrimônio imaterial.

objetos de estudo Neste momento, coloca-se uma questão: como definir os objetos de estudo a partir dos quais se pretende avaliar a relação entre museografia e arquitetura, tendo em vista as transformações que vem ocorrendo no espaço do museu contemporâneo? Evidentemente, o tema é bastante amplo e abre caminho para diversas possibilidades de análise. Logo, explicitarei, a seguir, quais os pontos fundamentais considerados na composição deste estudo, e que levaram à formação da reflexão aqui proposta. A escolha dos objetos de estudo foi feita levando em consideração uma indagação fundamental: o tema desenvolvido pelo museu faz diferença quanto à relação entre arquitetura e museografia?

Ao se tratar do patrimônio imaterial, os recursos expográficos e cenográficos são utilizados de maneira bastante expressiva, assumindo grande parte da responsabilidade de transmitir o discurso museológico proposto. Assim, a utilização de recursos audiovisuais e tecnológicos utilizados para tornar tangíveis temas a princípio não materializáveis cria diversas camadas de percepção do usuário em relação à arquitetura e ao próprio discurso museológico. Deste modo, optou-se pelo estudo de intervenções de musealização do patrimônio imaterial – nas quais as novas mídias e tecnologias influenciam de modo ainda mais contundente na relação entre concepção-espacialização-percepção. Além disso, levou-se em consideração o desejo de investigar a relação tempo-espaço-memória no museu contemporâneo, em casos nos quais a

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tecnologia expográfica se apresenta em edifícios de reconhecida importância histórico-arquitetônica nas cidades nas quais se inserem. Por essa razão, optou-se por escolher casos de implantação de museus no patrimônio edificado, nos quais a escolha de edifícios de relevância para a memória das cidades assume papel fundamental na própria preservação do edifício, além do patrimônio em questão tratado pelo museu. Por fim, já que se trata de um fenômeno característico da sociedade contemporânea, gostaria de propor um estudo comparativo entre países com tradições museográficas distintas, verificando até que ponto o museu responde a desafios semelhantes ou carrega particularidades inerentes às sociedades e culturas que os produzem.

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Assim, propõe-se a realização de estudos de caso emblemáticos – exemplos de museus criados no século XXI, mas que celebram e preservam a memória relacionada ao patrimônio edificado ao se instalarem em edifícios de importância arquitetônica e urbanística para as cidades. Os exemplos

selecionados, ainda, constituem casos de musealização do patrimônio imaterial, e utilizam fortemente recursos tecnológicos e interativos em sua expografia. Logo, destacam-se dois casos emblemáticos que abordam a questão de modo criativo e experimental na sociedade brasileira – o Museu da Língua Portuguesa, inaugurado em 2006, e o Museu do Futebol, de 2008 – ambos em São Paulo – em contraponto ao Museu do Cinema, do ano de 2000, em Turim, na Itália. A partir da análise desses estudos de caso se propõe o desenvolvimento da monografia proposta para este trabalho.


metodologia e metas O trabalho proposto será dividido em três etapas fundamentais: 1. Apresentação do trabalho e discussão do tema; 2. Execução dos estudos de caso: Museu da Língua Portuguesa (São Paulo, 2006), Museu do Futebol (São Paulo, 2008) e Museu do Cinema (Turim, 2000); 3. Análise comparativa entre os estudos de caso, reflexões e conclusões. Para a problematização sobre a relação entre arquitetura e museografia no museu contemporâneo, prevê-se a execução de levantamento bibliográfico de autores que auxiliem na compreensão do museu contemporâneo e da expografia como elemento de comunicação. A seguir, no desenvolvimento dos estudos de caso, será de suma importância a análise de questões referentes a concepção, espacialização e percepção dos museus propostos. Deste modo, a metodologia proposta decorre desses objetivos.

Para avaliar a concepção dos museus, serão utilizadas pesquisas de publicações, entrevistas e artigos de jornais que esclareçam os objetivos da proposta museográfica e arquitetônica, bem como considerações feitas sobre os projetos por parte da crítica especializada. A pesquisa nos sites dos museus será fundamental na compreensão dos objetivos da concepção dessas instituições. Além disso, a metodologia proposta prevê a execução de entrevistas com arquitetos, curadores e profissionais relacionados à criação dos projetos. Com objetivo de compreender a espacialização das propostas executadas, propõe-se a execução de visitas a campo e de levantamento fotográfico das intervenções propostas. Para avaliar a percepção por parte do público das propostas executadas, a metodologia consiste na execução de entrevistas não-dirigidas com os visitantes e coleta de depoimentos publicados na internet.

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capĂ­tulo 1

o museu contemporâneo museografia e expografia


1.1.

museu, acervo e memória Pode-se dizer que a preservação da memória coletiva para as gerações futuras consiste no eixo fundamental da ação museológica, servindo como norte para a concepção das instituições e definindo seu papel perante a sociedade. Na verdade, essa relação vem sofrendo fortes transformações na contemporaneidade – que podem se refletir na existência ou não de um acervo material, na pluralização das atividades que ocorrem no museu e na ampla difusão dessas instituições com o advento das tecnologias de comunicação. A partir da segunda metade do século XX, a questão da preservação patrimonial passa a ser encarada de maneira cada vez mais abrangente, incluindo temas relacionados à cultura imaterial, por exemplo, que passam a constituir objetos de musealização. Os temas imateriais são encarados por uma perspectiva museológica bastante ampla, ao passo que não necessariamente se materializam numa coleção de objetos – a exemplo dos estudos de caso trazidos para análise: a língua portuguesa, o futebol e o cinema.

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Nesses casos, o tema a ser desenvolvido pelo museu apresenta papel fundamental na concepção e fundamentação das propostas museológicas. Assim, a escolha das mídias e tecnologias expográficas que melhor explicitem sua abordagem temática é muito importante, uma vez que os próprios temas enfrentados pelos museus apresentam a questão da sonoridade, do movimento e da relação com o corpo humano para se tornarem compreensíveis. É o caso do som das palavras em relação à língua portuguesa, do movimento do corpo no que se refere ao futebol e da própria projeção de filmes no caso do cinema. Por outro lado, o patrimônio imaterial pode, também, ser encarado a partir do ponto de vista da formação de um acervo. No caso da língua portuguesa, poderíamos pensar em manuscritos e livros. Para o futebol: chuteiras, troféus, camisas, bandeiras. Para o cinema: cartazes publicitários, câmeras e maquinário usado para projeções. Entretanto, vale ressaltar que trazer objetos para essa proposta de museu tem sentido ao passo que o

acervo organiza relações sociais, materializando valores e produzindo sentidos – não por sua fetichização em si. Ainda, podemos acrescentar que: “Mesmo os museus que privilegiam a cultura imaterial usam objetos para comunicar ideias ao público, ainda que tais objetos não sofram o processo de reificação de museus mais tradicionais e permitam substituição, devem ser preservados”. (BRANDÃO e LANDIM, 2011, 94).

Assim, podemos verificar que o papel dos objetos em museus que tratam do patrimônio imaterial muda consideravelmente em relação aos demais museus, nos quais os objetos são acrescentados de valor simbólico e reverencial – ao passo que são retirados de sua proposta original, descontextualizados e reificados. Ocorre, nesse caso, um processo de fetichização, no qual o visitante assume uma postura passiva e reverente diante dos objetos museológicos, possuidores de áurea de sacralidade. De acordo com Walter Benjamin, em A obra de arte na era da re-


produtibilidade técnica (BENJAMIN, 1936), a reprodução técnica insere o problema da arte nas sociedades de massa, ao passo que o objeto de arte passa por um processo de dessacralização. Logo, os objetos de arte não são mais valorizados pela sua unicidade, sendo passíveis de substituição. Mesmo assim, tais objetos assumem importância na composição do discurso museológico e na preservação de características da sociedade, contribuindo para a formação da memória social coletiva. Os objetos empregados no discurso são retirados de seu espaço operacional natural e adquirem novas funcionalidades, estando disponíveis para a criação de relações semânticas na composição do discurso expográfico, que os recontextualiza (ROQUE, 2010, 49). Segundo a autora: “O objeto não é, definitivamente, o elemento fulcral da mensagem, nem os elementos de informação adicional se limitam à comunicação textual. Nesse tipo de discurso, a poética que visa a esclarecer os objetos, a

meta-obra criada pela exposição é o fator dominante da comunicação centrada no público -receptor”. (ROQUE, 2010, 65). Assim, podemos ver que os objetos colocados em exposição apresentam a função de engendrar o discurso museológico, constituindo a “meta-obra” mencionada pela autora. Deste modo, são escolhidos e projetados para se relacionarem – podemos até dizer que seu peso no processo de comunicação se equipara aos demais recursos expográficos utilizados. Nesse sentido, o objeto funciona como elemento inserido numa instalação artística. Ainda, podemos considerar que os objetos em exposição, inclusive, podem ceder seu lugar a informações digitais, armazenadas em bancos de dados. Conforme o trecho: “Com o desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação, a reprodutibilidade, por meio do tratamento digital, cede lugar ao virtual”.

No entanto, vale enfatizar o fato de que o próprio objeto possui limitações enquanto agente comunicacional para desenvolver propostas temáticas relacionadas ao patrimônio imaterial. A exibição de um acervo, por exemplo, não exprime de forma clara questões como luz, sons e movimentos. Deste modo, a museografia temática acaba exigindo a abordagem multimídia e interativa para sua expressão, podendo, inclusive, abandonar a exibição de coleções em nome do uso de recursos tecnológicos. Observa-se, assim, que existe uma tensão entre a preservação patrimonial por meio de objetos e a preservação pelo viés tecnológico e multimídia. Qual o peso de cada uma delas na composição do discurso museológico nos estudos de caso propostos? É possível abandonar completamente a existência de um acervo material num museu? Quais as consequências dessa opção tanto em relação ao público quanto para a preservação do patrimônio?

(RODRIGUES, 2013, 29).

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1.2.

arquitetura, preservação e comunicação No museu contemporâneo, pode-se observar que o acervo material não é mais indispensável para a formação da instituição - que vem sendo acrescida de outras funções, e transformada num espaço que mescla lazer, cultura e entretenimento. Qual seria, então, o papel da arquitetura num contexto em que ocorre a desmaterialização do acervo do museu e o crescimento da importância de utilização de recursos tecnológicos e cenográficos na composição do discurso museológico? Em primeiro lugar, podemos dizer que o patrimônio edificado também constitui um bem a ser preservado pela instituição museal. No decorrer dos estudos de caso, será possível perceber que a implantação do museu em edifícios de relevância histórico-arquitetônica consiste numa estratégia para tornar públicos edifícios ou partes de edifícios que antes não eram acessíveis. Nesses casos, o edifício passa a assumir papel fundamental na composição do discurso do museu; sendo encarado, inclusive, como objeto a ser preservado.

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Por outro lado, podemos pensar que o discurso museológico transmitido a partir de uma série de relações estabelecidas entre o museu e seu público, seja por meio da expografia tecnológica ou da exibição de objetos, encontra-se fundamentalmente atrelado ao espaço no qual se insere. De acordo com Jean Davallon, o espaço assume peso tão importante no processo de comunicação quanto os objetos ou os visitantes. Segundo o autor, “A concepção [da exposição] é um processo de espaço e não de discurso. E por isso ela é determinante na criação de quase todos os dispositivos de comunicação cultural. Talvez mais ainda em mídia espacial, como a exposição, que em outras”. (DAVALLON, 2010, 23).

Ainda, o autor destaca a relação da exposição com o lugar em que foi montada, ressaltando que: “O visitante não pode levar a exposição para onde achar melhor. É ele quem deve se deslocar, pois ela está irremediavelmente atrelada ao espaço no

qual foi montada e onde se encontra”. (DAVALLON, 2010, 26).

Ou seja, o processo de comunicação que ocorre na exposição se relaciona tanto ao espaço por ela ocupado, quanto à postura ativa assumida pelo visitante, no decorrer do percurso e nas atividades de integração sensorial propostas para esses espaços – explorando recursos tecnológicos e interativos. De acordo com o trecho: “Os dispositivos ordenam, organizam, dizem, narram e interferem na apropriação da informação. Por este motivo, além da relação entre indivíduos, destaca-se o papel da arquitetura, da organização do ambiente, dos materiais utilizados, das classificações empregadas e de tudo o que possa influenciar no processo de comunicação”. (RODRIGUES, 2013, 23).

O formato multimídia utilizado nas exposições contemporâneas, segundo Davallon, cria novas relações entre objeto, linguagem expográfica e espaço – sendo que a exposição pas-


sa a constituir um laminado de mídias razoavelmente independentes. Isso porque são criadas várias camadas sobrepostas de informação – áudio, luz, projeções, efeitos visuais, vídeos interativos, etc. – que compõem um conjunto, influenciando diretamente na percepção do espaço por parte do visitante. Na verdade, a importância da comunicação com o público é tão grande nesse novo tipo de proposta que o espaço museográfico pode ser considerado um teatro de emoções, no qual o alvo é a reação de seus fruidores (ROQUE, 2010, 66).

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1.3.

museu e público A busca por uma democratização pelo acesso à cultura, o interesse de aproximar a instituição museal da sociedade e o fomento a ações culturais tornam o público dos museus na contemporaneidade cada vez mais amplo e diversificado. A heterogeneidade dos públicos é um dos elementos que condicionam a composição do espaço expositivo. Deste modo, conhecer os públicos do museu é necessário para garantir a eficácia da comunicação e do papel de difusão da instituição na sociedade atual – considerando a questão da inclusão social e da função educativa no museu contemporâneo.

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O público dos museus pode-se dividir em quatro categorias principais (DAVALLON, cf. FIGUEIREDO, 2011, 71): especialistas, que conhecem o assunto em profundidade e buscam por informações mais aprofundadas; turistas habituais, motivados pela curiosidade e pela divulgação do evento por meio de catálogos, sites, etc.; aventureiros, que não conhecem o assunto e demandam clareza de sinalização expográfica; e os desorientados, que encontram dificuldades para seguir o percurso expositivo.

Além disso, podemos pensar em outras categorias de públicos, agrupados por faixas etárias e necessidades especiais, por exemplo, os quais demandam diferentes tipos de comunicação. O papel educacional do museu contemporâneo muitas vezes tem como alvo o público infantil, buscando soluções que despertem o prazer pelo conhecimento nas crianças. Nesse sentido, cenografia e interatividade são propostas absolutamente sedutoras. Por outro lado, a busca por acessibilidade e por garantir a comunicação com deficientes físicos também é um dos desafios propostos para esses espaços – contando com sinalizações táteis, modelos palpáveis e outros recursos que visam a garantir a inclusão social. Assim, os recursos de cenografia expográfica surgem como respostas à atração dos diversificados públicos e transmissão dos conteúdos e de informação, sendo facilitadores da comunicação do museu. O objetivo principal é de propiciar um discurso inteligível e acessível a todos. Além disso, apresentam características próprias como criadores de discurso e da narrativa no percurso museológico.

Comunicar e seduzir o público podem ser, portanto, considerados os principais objetivos da cenografia expográfica – pautadas nos eixos de materialização de um tema (que pode, ou não, ocorrer por meio da exposição de objetos) e difusão de conhecimentos. As técnicas de sedução do público propiciam que o visitante vivencie a experiência como se fosse real, reforçando a lembrança do momento e deixando sensação de prazer – nem sempre relacionada à transmissão de conhecimento. Tais estratégias se utilizam da mobilização da memória afetiva do visitante, criando uma experiência estética com forte apelo emocional do público e frequentemente recorrem à criação de ambientes e imagens ilusórias a partir da idealização de cenários e uso de recursos interativos. Deste modo, constituem espaços imersos numa áurea de irrealidade e fantasia – fazendo o visitante recordar episódios da infância ou provocando associações à memória coletiva popular. Nesse sentido, as novas formas de cenografia expográfica remetem à criação de lugares temáticos – pro-


postas frequentes na sociedade contemporânea a partir da década de 1980 – sejam eles parques temáticos, restaurantes, galerias, centros de compras, resorts ou museus. Os lugares temáticos desenvolvem a criação de uma meta realidade de natureza sócio -psicológica e econômico-mercadológica – isso porque criam uma atmosfera ambiental de conotação subjetiva, estando, ao mesmo tempo, relacionadas à satisfação das necessidades de mercado (CASTELLO, 1997). Assumem, assim, características semelhantes às da indústria do entretenimento. O desenvolvimento do discurso expográfico de propostas temáticas se dá pautado em dois fatores (DAVALLON, cf. FIGUEIREDO, 2011, 60): a concepção da ambientação da exposição e o estabelecimento de um contrato comunicacional, por meio do qual o produtor da mostra indica sua chave de interpretação e estabelece uma relação de confiança com o visitante, cujos pressupostos são a veracidade das informações divulgadas e a autenticidade dos objetos expostos. Ainda, o percurso museológico é composto pelas seguintes etapas

(DAVALLON, cf. GONÇALVES, 2004, 92):

ruptura com o mundo cotidiano, por meio da qual o visitante imerge no mundo da exposição; condução ao “ato principal”, marcado pela aquisição de instrumental para atribuir significado à exposição, e a ação essencial – o ápice do percurso proposto, encarado de forma teatralizada.

No que se refere a técnicas expográficas, podemos citar duas categorias principais (ROQUE, 2010, 63-64). A primeira delas é a exposição ecológica, que consiste na recomposição de interiores, reconstituindo ambientes reais – o que se conecta com a ideia de ambientação discutida anteriormente. A segunda, exposição sistemática, na qual o objeto é acompanhado por imagem ou documento que esclarece a sua função – esta se refere à função didático-explicativa assumida pelo museu. Tais categorias serão utilizadas, adiante, para fundamentar a análise dos estudos de caso propostos.

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1.4.

museografia e expografia Além da busca por maior contato e interação com o público, pode-se pensar em outros fatores que influenciam nas transformações observadas na museografia e expografia contemporâneas – que passam a adquirir grande importância na montagem dos museus pelo caráter artístico, plástico e cenográfico das intervenções. O aumento da importância da expografia no espaço expositivo pode ser verificado em exemplos de exposições nos quais os objetos são colocados em função de um discurso expográfico – conforme, por exemplo, a montagem de Arnaldo Pomodoro, 1999, para a Sala das Armas no Museu Poldi-Pezzoli, em Milão (IMAGEM 1); ou a exposição Brasil + 500 anos, da cenógrafa Bia Lessa, em 2000, na Bienal de São Paulo (IMAGEM 2).

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Por esses exemplos, é possível identificar um processo de autonomização do discurso expográfico que vem se desenvolvendo nas últimas décadas. Nesse sentido, a expografia extrapola o papel de mediadora entre espectador e obra e passa a assumir características estéticas, narrativas e discursivas próprias.

IMAGEM 1 Sala das Armas - Museo Poldi Pezzoli - Milão acervo pessoal.

Esse processo de ganho de autonomia e do aumento do peso da expografia na composição das mostras é notavelmente influenciado pela arte contemporânea – principalmente no que se refere às instalações e às novas formas de ocupação do espaço. Podemos verificar semelhanças tanto pela construção de ambientes para comunicar ideias, quanto pelo desenvolvimento do conceito de interação do espectador com a obra, considerado como sujeito criador ativo, junto ao artista; e, também, pelo fato de a própria expografia constituir um campo de experimentação estética. A própria teatralização e dramatização do discurso expográfico demonstram a apropriação de recursos do teatro, cinema e artes cênicas no espaço expositivo – como podemos ver pelo uso da ambientação e criação de cenários como estratégias de exposição.

IMAGEM 2 Exposição Brasil + 500 anos Bienal de São Paulo, 2000 www.google.com.br, acessado em 07/10/14.

Vale destacar a influência dos museus de história natural no uso de cenários como recurso expográfico – o que remonta ao fim do século XIX e ao início do século XX (FIGUEIREDO, 2011, 37). Os dioramas consistem num


modo de representação artística que recriam cenários do mundo real, para reambientar os animais empalhados em exposição. Tal recurso é amplamente difundido em museus de história natural – como podemos ver pelo exemplo do Museu Cívico de História Natural, em Milão (IMAGEM 3). Evidentemente, a criação de cenários no espaço do museu pode nos remeter a diversos outros tipos de espaços que surgem na sociedade contemporânea – como os parques temáticos. Tanto espaços expositivos como parques de diversão apresentam uma áurea de deslumbramento e sedução propiciada pelos recursos cenográficos utilizados, fazendo o visitante imergir num espaço não-real, que remete ao imaginário coletivo ou apresenta forte conotação subjetiva. Um exemplo recente de criação de ambientes ilusórios na composição de espaços expositivos, seguindo a tendência das experiências de parques temáticos, é a Exposição Castelo RáTim-Bum, organizada no Museu da Imagem e do Som em São Paulo, em 2014 (IMAGENS 4 e 5).

IMAGEM 3 Museu Cívico de História Natural - Milão acervo pessoal.

IMAGEM 5 Exposição Castelo Rá-Tim-Bum MIS SP acervo Vanessa Fernandes.

Além disso, a proposição de atividades interativas no espaço museográfico também se aproxima das soluções utilizadas em parques temáticos (IMAGEM 6) – com objetivo de causar as mais variadas sensações no visitante.

IMAGEM 4 Exposição Castelo Rá-Tim-Bum MIS SP acervo Vanessa Fernandes.

23


24

IMAGEM 6 Exemplo de criação de ambientes em parques temáticos Walt Disney World www.voyage.com, acessado em 24/11/14.

IMAGEM 7 Exemplo de Museu de Ciências Science Museum, Londres www.sciencemuseum.org.uk, acessado em 24/11/14.

As primeiras experiências de proposição de atividades de espírito semelhante ao de parques temáticos em exposições se deram nos museus de ciências, para possibilitar a visualização de experimentos científicos – como ocorre, por exemplo, no Science Museum de Londres (IMAGEM 7) e no Deutsches Museum de Munique, criados no século XX. Evidencia-se, nesse caso, o caráter lúdico-didático desse tipo de intervenção, remetendo à função social de caráter pedagógico do museu contemporâneo.

Com o advento das novas tecnologias (vídeos, monitores, recursos audiovisuais, etc.), as possibilidades de expografia se multiplicam. Podemos verificar que os museus tendem a incorporar elementos que incorporam a linguagem virtual, da televisão, do marketing e da propaganda em sua expografia, tornando-se mais acessíveis e mais próximos às formas de linguagem que fazem parte da vida contemporânea, de modo a aumentar seu raio de difusão e incorporar novos públicos, cada vez mais heterogêneos e diversificados.

A ampliação dos públicos de influência do espaço do museu muda fortemente as soluções expográficas utilizadas, pois o museu se direciona a públicos com diferentes graus de conhecimento e também com diferentes expectativas em relação à visita, que incorpora aspectos de cultura, lazer e entretenimento. Nesse sentido, o museu passa a se inserir na lógica de distribuição da informação, oferecendo serviços e novos espaços para satisfazer a expectativa do visitante – como café, loja, restaurante e livraria. Conforme o trecho: “O museu e sua atividade acabam sendo avaliados não só pelo rigor de seu conteúdo de informação interna, mas também pela habilidade com que se apresenta o referido conteúdo. Muitas vezes, as questões de conhecimento da arte deixam de ser o centro único de atenção. Hoje, é notório que o público não especialista comparece ao museu por ele ser um lugar de lazer, onde pode ocupar seu tempo livre apreciando as novidades que lhe são apresentadas. Esse tipo de público tem prazer


em consumir experiências culturais que não lhe são tão familiares. Quer experimentar vivências especiais, na medida em que lhe oferecem possibilidades de aprender com elas. Tem também a expectativa e que sejam agradáveis e distraiam.” (GONÇALVES, 2004, 99).

Deste modo, vemos que novas demandas são geradas para o programa expográfico, que se desenvolve cada vez mais a partir de uma estratégia de sedução do público para a qual convergem as influências citadas no decorrer do texto: expografia como espaço de experimentação estética, constituição de um discurso, uso de recursos cenográficos e de propostas interativas. Nesse sentido, vale recordar uma experiência do Pavilhão Philips (IMAGEM 8), criado para a Exposição Universal de 1958 por Le Corbusier e Iannis Xenakis em Bruxelas, na Bélgica. De acordo com a proposta, a obra envolvia o visitante num espetáculo de luz e som, no qual era exibido um vídeo nas paredes do pavilhão – uma leitura do Poema Eletrônico, de Edgar

Varese. Pode ser considerado um dos precursores das exposições multimídia e interativas, a partir de uma proposta multissensorial, conforme palavras do próprio Le Corbusier: “Eu não vou fazer um pavilhão, mas um Poema Eletrônico e um vaso contendo o poema: luz, imagem, ritmo e som unidos numa síntese orgânica”. (CORBUSIER, in: www.archidaily. com.br, acessado em 26/10/14).

Como podemos ver pelo exemplo, as Grandes Feiras e as Exposições Universais do século XX consistiram num importante espaço experimental para soluções expográficas de interação com o público. Tais tendências se desenvolveram ao longo do século, de acordo com o processo de dinamização dos acervos de museus e da busca pelo estabelecimento de canais de comunicação com visitantes, fornecendo informação, estimulando novas ideias e interagindo com o público.

IMAGEM 8 Pavilhão Philips Le Corbusier e Iannis Xenakis, 1958. www.archidaily.com.br, acessado em 26/10/14.

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capĂ­tulo 2

estudos de caso


2.

estudos de caso Os estudos de caso escolhidos para analisar a relação entre arquitetura, museografia e o patrimônio imaterial são propostas do século XXI, que se inserem de modo contundente nas tendências de expografia cenográfica e interativa, a partir de um discurso sedutor e de forte apelo comunicacional em relação ao público. Os exemplos partem de países com tradições museográficas muito distintas, que suscitam questões ao mesmo tempo semelhantes e divergentes no que tange à preservação do patrimônio imaterial. Nesse sentido, foram escolhidos dois museus brasileiros – o Museu da Língua Portuguesa, de 2006, e o Museu do Futebol, de 2008, em São Paulo. Ambos partem de proposta financiada pela Fundação Roberto Marinho e foram instalados em edifícios de relevância histórico-arquitetônica da cidade: a Estação da Luz, que data do século XIX, e o Estádio do Pacaembu, construído na primeira metade do século XX.

28

Em contraponto, apresentamos o Museo del Cinema, de 2000, em Tu-

rim, na Itália – um caso particular do tratamento do patrimônio imaterial a partir da cenografia expográfica, instalado na Mole Antonelliana, edifício projetado como templo israelita no século XIX. Em todos os casos, os edifícios passaram por projeto de intervenção no patrimônio edificado voltado para a implantação das propostas museológicas. No decorrer do segundo capítulo, trataremos cada caso isoladamente, com o objetivo de investigar a relação entre concepção-espacialização-percepção. Assim sendo, são propostos os seguintes parâmetros de análise principais para a avaliação dos projetos: 1. Concepção e proposta 2. Implantação 3. Projeto arquitetônico 4. Percurso museológico 5. Recepção do público Em primeiro lugar, faremos a análise da concepção e proposta do museu, a partir de fatores como público-alvo e estratégias de comunicação


utilizadas, avaliados com base em de depoimentos de arquitetos envolvidos no projeto, diretores das instituições e trechos descritivos dos websites dos museus.

de ambientação e cenografia; observando, também, as propostas de interatividade e os recursos multimídia que estabelecem a comunicação com os visitantes.

A seguir, analisaremos o contexto de implantação do museu, investigando as razões que levaram à escolha dos edifícios mencionados para receber as propostas museais e sua relação com o espaço urbano adjacente e os demais equipamentos de interesse cultural existentes nos arredores.

Como um balanço geral, será investigada a relação do museu com o público a partir da análise de dados quantitativos sobre o número de visitantes do museu e de pesquisa de opinião a partir de entrevistas não-dirigidas e coleta de depoimentos publicados na internet.

Em seguida, será analisado o projeto arquitetônico executado para a instalação do museu, verificando soluções como acessos, entrada, delimitação do percurso, circulações horizontal e vertical e mudanças propostas para os edifícios pré-existentes. Para tanto, serão examinadas as plantas e cortes dos projetos, publicações de revistas e jornais especializados e crítica de arquitetos a respeito das propostas.

A partir desses pressupostos e da metodologia estabelecida, procederemos à execução dos estudos de caso.

Depois, procederemos à análise do percurso museológico proposto, verificando as soluções expográficas utilizadas e os espaços criados a partir

29



2.1.

museu da língua portuguesa são paulo, 2006 estação da luz


2.1.1.

concepção e proposta

Algumas das empresas e entidades que apoiaram a criação do Museu da Língua Portuguesa são: Secretaria de Educação do Governo do Estado de São Paulo, Ministério da Cultura, IBM, Petrobrás, TV Globo, Empresa Brasileira de Correios, Instituto Vivo, BNDES, Votorantim e Eletropaulo.

O Museu da Língua Portuguesa surgiu a partir de uma parceria entre o governo do Estado de São Paulo e a Fundação Roberto Marinho, tendo contado com o apoio de uma série de empresas e entidades1. Atualmente, é gerido pela Organização Social de Cultura IDBrasil – Cultura, Educação e Esporte a mesma responsável pela gestão do Museu do Futebol.

1

(www.museudalinguaportuguesa. org.br, acessado em 21/09/14).

A abordagem proposta tem como objetivo mostrar a língua portuguesa como elemento formador da cultura brasileira, aproximando o visitante de seu próprio idioma e evidenciando que a língua é “propriedade” de quem a usa (www.museudalinguaportuguesa.org.br, acessado em 21/09/14).

32

Tal modo de aproximação se insere perfeitamente na discussão a respeito do papel do museu na sociedade contemporânea, encarando a preservação como um tema associado à valorização e à difusão de conhecimento (SARTINI, cf. ARAÚJO, 2006). Dessa maneira, a preservação do patrimônio está diretamente relacionada à busca de canais de diálogo com o público – cujo foco está direcionado aos jovens,

aos quais é atribuída a responsabilidade pelo futuro e a quem se deve estimular o prazer e o fascínio pelo conhecimento. Assim, o estabelecimento de um discurso lúdico, didático e que facilite o aprendizado é um dos objetivos da instituição. Nesse sentido, o Museu promove cursos, palestras, seminários, apresentações gratuitas e realiza exposições temporárias sobre temas relacionados à língua e suas áreas de influência, abrindo vários canais de contato e aproximação do público. Um dos desafios principais enfrentados foi a intenção de criar um espaço plural e diversificado, a exemplo da própria língua, como mostra a própria composição multidisciplinar da equipe que concebeu o Museu, formada por sociólogos, museólogos, especialistas em língua portuguesa e artistas. Assim, a expografia tecnológica surge em função da apresentação dos conteúdos, uma vez que se refere à materialização do patrimônio imaterial. Conforme o trecho:

“Muito mais que aplicar as tecnologias ao espaço expositivo por puro deleite de modernidade, o Museu da Língua Portuguesa adota tal museografia a partir de um dado muito simples: seu acervo, nosso idioma, é um “patrimônio imaterial”, logo não pode ser guardado numa redoma de vidro e, assim, exposto ao público. A preservação do patrimônio imaterial é um tema extremamente importante e complexo, e que, só recentemente, começou a ser discutido no mundo. Hoje, o Brasil já dispõe de legislação específica, que permite o registro de tal patrimônio, reconhecidamente importante para a manutenção e valorização da nossa identidade cultural”. (in: www.museudalinguaportuguesa.org.br, acessado em 21/09/14).

Ainda, o atual diretor, Antônio Carlos Sartini, reforça a necessidade da experimentação quanto à tecnologia expográfica, de acordo com o trecho:


“Ferramentas tecnológicas diferenciadas devem ser colocadas à disposição em torno do objetivo de divulgação e comunicação do acervo. Todas as possibilidades, desde que coerentes e usadas de forma ordenada, podem e devem servir como valorização do acervo exposto. Assim, o museu entende que todo conhecimento acumulado e toda nova ferramenta deve ser experimentada”. (SARTINI, 2010, 271). Ou seja, busca-se enfrentar os desafios da contemporaneidade, no que se refere tanto à proposta museológica, quanto ao projeto expográfico. Vemos, assim, que a experimentação expográfica se apresenta como fio condutor de uma instituição de caráter permanente, responsabilizando-se pela materialização e difusão do tema imaterial. Em suma, pode-se dizer que o funcionamento do Museu gira em torno de uma grande exposição complementada por ações educativas (BITTENCOURT, 2005, 155), com apresentações teatrais e de contadores de histórias, oferecimento de cursos,

palestras e seminários. Por outro lado, vemos que não há vinculação a uma política de aquisição de acervos, sendo as atividades voltadas para a aproximação e contato com o público. De qualquer forma, a instituição publica periodicamente uma série de artigos relacionados ao tema da língua portuguesa em seu website. Contudo, não se compreende bem se essas publicações se articulam a alguma linha de pesquisa estruturada, conforme o trecho: “A única atividade que se aproxima da divulgação científica é uma página do site que divulga monografias de acadêmicos, embora não seja clara a relação entre essas produções e as atividades museais”. (BITTENCOURT, 2005, 115).

Ficha Técnica:

Local: Estação da Luz Endereço: Praça da Luz,

sem no, Centro, São Paulo, SP Início do projeto: 2000 Conclusão da obra: 2006

Data de inauguração oficial:

21.03.2006

Área construída: 7.240m² Supervisão e coordenação geral:

Fundação Roberto Marinho Arquitetura: Pedro e Paulo Mendes da Rocha (autores)

Projeto museográfico:

Ralph Appelbaum Associates Ralph Appelbaum, Andres Clerici e James Cathcart (autores), Caldeira Del Negro (detalhamento)

Produção executiva, expografia e pesquisa: Arte 3,

Ana Helena Curti (coordenadora)

Concepção tecnológica dos equipamentos museográficos:

Magnetoscópico

(GRUNOW, 2006, 40).

33


2.1.2.

implantação A Estação da Luz (IMAGEM 9) foi construída em 1867 pela Companhia São Paulo Railway, responsável pelo escoamento da produção de café em direção ao porto de Santos. Foi projetada pelo arquiteto inglês Charles Henry Driver e inaugurada em 1901. Sua construção utilizou uma série de materiais e componentes importados da Inglaterra. O edifício apresenta relevância histórico-arquitetônica no contexto da

pela importância do ciclo econômico ao qual está vinculada [...] pode ser considerada uma grande criação pelo seu valor histórico e artístico e é depositária de numerosas estratificações do conhecimento e da memória coletiva”.

cidade de São Paulo, sendo tombado em nível estadual (Condephaat, 1982), municipal (Conpresp/DPH, 1991) e federal (Iphan, 1996). Conforme o trecho: “A Estação da Luz, pela qualidade de sua construção e composição, pela sua importância como marco da cidade, sendo desde sua construção, um dos elementos caracterizadores da região e referencial da cidade;

(KÜHL, 2008, 183).

Em 2001, por ocasião da necessidade de restauração do edifício, foram discutidos possíveis novos usos 3

4

2 5

IMAGEM 9 Estação da Luz acervo pessoal.

34

IMAGEM 10 Localização www.googlemaps.com, acessado em 14/03/15.

1

1. Museu da Língua Portuguesa – Estação da Luz 2. Pinacoteca do Estado de São Paulo 3. Museu de Arte Sacra de São Paulo 4. Sala São Paulo – Estação Júlio Prestes 5. Memorial da Resistência de São Paulo – Estação Pinacoteca


para o prédio que até então funcionava como administração da Companhia de Transportes e Trens Metropolitanos (CPTM). Nesse contexto, surgiu a ideia de transformá-lo num centro de referência e valorização da língua portuguesa, dando origem ao Museu. Não é possível, porém, identificar nenhuma relação direta entre o tema da língua portuguesa e o edifício da Estação da Luz, embora seja justificável o fato de o Museu da Língua Portuguesa estar localizado na cidade de São Paulo, que conta com o maior número de falantes da língua portuguesa no mundo (www.museudalinguaportu-

de trem e metrô da cidade. A implantação do projeto nesta localidade parece seguir uma lógica de formação de polo de interesse cultural na cidade (IMAGEM 10). Afinal, nas proximidades da Estação da Luz existem a Pinacoteca do Estado, o Museu de Arte Sacra de São Paulo, a Sala São Paulo, na Estação Júlio Prestes e o Memorial da Resistência, na Estação Pinacoteca – o que configura a formação de um roteiro cultural facilmente acessível por transportes públicos e passível de ser percorrido a pé.

guesa.org.br, acessado em 20/04/15).

Por outro lado, o novo uso proposto para o edifício possibilitaria o acesso da população a um edifíciosímbolo da cidade, o que não era possível anteriormente. Além disso, pode-se acrescentar que o edifício-sede do Museu conta com localização privilegiada no bairro da Luz, bastante acessível pela rede de transportes públicos – uma vez que na Estação da Luz funciona um terminal de passageiros que interliga as linhas

35


2.1.3.

projeto arquitetônico

Arquiteto e urbanista brasileiro formado pela FAU Mackenzie e professor da FAU USP, Paulo Mendes da Rocha possui obras conhecidas nacional e internacionalmente. São exemplos o Pavilhão Brasileiro da Feira Internacional de Osaka, no Japão (1969); o Museu Brasileiro da Escultura, em São Paulo (1986); a intervenção na Pinacoteca do Estado, em São Paulo (1988-99); a reforma do Centro Cultural FIESP, em São Paulo (1996-98); a intervenção na Praça do Patriarca, em São Paulo (2002); o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo (2006) e o Museu Nacional dos Coches, em Lisboa (2008). Recebeu o Prêmio Mies Van der Rohe pelo restauro da Pinacoteca do Estado (2001) e o Pritszker (2006).

O Museu da Língua Portuguesa foi concebido pelos arquitetos Pedro e Paulo Mendes da Rocha2 como um projeto de intervenção no edifício da Estação da Luz.

O projeto de arquitetura apresentou o desafio de transformar um edifício no qual funcionava a administração da CPTM num espaço aberto ao público.

Em 1946, houve um incêndio que danificou principalmente a ala leste do edifício, o grande salão central e a torre do relógio. De 1947 a 1951, o edifício sofreu intervenções responsáveis pelo acréscimo de um pavimento na ala leste, construído em concreto armado. Tal intervenção alterou a volumetria e o sistema construtivo originais do edifício. Para sustentar o pavimento acrescido, foram acrescentados dois conjuntos de quatro colunas no salão principal.

Para tanto, diversas alterações foram executadas no edifício. Partiuse do desafio de transformar uma área de acesso restrito, configurada por pequenos gabinetes e circulações acanhadas, num espaço arquitetônico amplo, revelando o volume e a extensão da Estação da Luz.

(www.archidaily.com.br, acessado em 21/04/15).

Na década de 1970, o edifício passou por obras para a inserção de elevadores e modificação de ambientes internos na ala oeste. Depois disso, permaneceu sem significativas intervenções. Apenas em 2001 iniciou-se o processo de restauração do edifício, a partir do qual surgiu a iniciativa de convertê-lo no Museu da Língua Portuguesa3.

2

O projeto do Museu da Língua Portuguesa recebeu o prêmio categoria Obra construída, restauro e requalificação na premiação do Instituto de Arquitetos do Brasil - IAB 2006. 3

(entrevista com arquiteto Pedro Mendes da Rocha - anexo 1).

36

Uma das premissas de projeto, segundo entrevista com o arquiteto Pedro Mendes da Rocha (ANEXO 1) foi não conflitar o fluxo rápido de pessoas que utilizam os transportes públicos com o fluxo dos visitantes do Museu. Esse fator levou ao posicionamento da entrada e da saída nas extremidades do edifício, onde antes existiam pátios de carga. Nestes locais, foi proposta a instalação de marquises, pontuando o início e o fim do percurso. (IMAGENS 11 e 12). Para resolver a questão da circulação vertical, optou-se por abrir vãos nas lajes para inserir os elevado-

res, bem como elevar o nível do acesso aos elevadores para instalar o poço de molas no nível térreo (IMAGEM 13). No terceiro andar, para a instalação do auditório, o nível foi elevado em 1,10m – o que permanece visível pela alteração da altura dos peitoris em relação ao pavimento (IMAGEM 14). Além disso, foi proposta a abertura de vãos nas lajes do edifício, revelando a estrutura de sustentação da cobertura (IMAGENS 15 e 16). Outra alteração proposta pelos arquitetos foi o fechamento das janelas abertas no segundo pavimento – acrescentado por ocasião da reforma após o incêndio – e a retirada parcial das alvenarias, abrindo espaço para a instalação de um grande corredor expositivo, de 110m de comprimento. Essa proposta alterava substancialmente a concepção espacial original do edifício – o que provocou diversos debates com os órgãos de preservação.


IMAGEM 11 Marquise - modelo eletrônico de concepção www.vitruvius.com.br, acessado em 29/11/14.

IMAGEM 13 Alteração do nível de acesso Pavimento térreo acervo pessoal.

IMAGEM 15 Obras de abertura de lajes www.vitruvius.com.br, acessado em 29/11/14.

IMAGEM 12 Marquise de entrada www.estudiocarlosfontes.com, acessado em 28/09/14.

IMAGEM 14 Alteração do nível Terceiro pavimento acervo pessoal.

IMAGEM 16 Praça das Línguas www.estudiocarlosfontes.com, acessado em 28/09/14.

37


No primeiro pavimento, as alvenarias não portantes e as divisórias da ala leste foram removidas, abrindo espaço para a área de exposições temporárias. A ala oeste, em bom estado de conservação, concentrou as atividades administrativas do Museu e não sofreu grandes alterações. Algumas propostas dos arquitetos encontraram dificuldade para serem aprovadas pelos órgãos de preservação – que solicitaram que a ala oeste, não atingida pelo incêndio, não sofresse alterações substanciais. Isso levou os arquitetos a locar elementos do programa que exigiam espaços mais amplos na ala leste, enquanto espaços que exigiam maior compartimentação ficariam na ala oeste.

38

Essa porção do edifício passou, em 2003 e 2004, por obras de restauro das fachadas e, no ano seguinte, por um processo de recuperação de pinturas decorativas dos antigos gabinetes e restauração de forros, assoalhos e ladrilhos hidráulicos; recuperando as grades de ferro fundido e os paineis tipo pavês, que levavam iluminação zenital ao piso inferior. Conforme veremos adiante, é possível vislumbrar

esses elementos em alguns espaços do percurso proposto para o Museu. De um modo geral, pode-se verificar um conflito entre o partido arquitetônico adotado e as exigências dos órgãos de preservação. Algumas intervenções, como a demolição de alvenarias para a abertura da Grande Galeria e a instalação de elevadores na ala oeste do edifício – encontraram dificuldades na sua aprovação. Segundo o trecho: “Grande parte dos técnicos é visceralmente contrária à intervenção em bens tombados, e o projeto interferia muito na edificação original. Mas o importante é que não se prejudiquem os espaços essenciais, que efetivamente caracterizam o edifício, como a gare e a torre do relógio, por exemplo. Fomos favoráveis à mudança porque o tombamento não pode significar a mumificação”. (LEMOS, cf. GRUNOW, 2006, 4749).

Ainda, o próprio autor do projeto, Paulo Mendes da Rocha, acres-

centa: “Não se pode tocar o prédio só um pouquinho, sob pena de não se fazer uma boa intervenção. Nossa preocupação foi sempre a de constituir, além do passado, o patrimônio do amanhã”. (ROCHA, cf. GRUNOW, 2006, 49).

Por outro lado, a intervenção no edifício encarado como objeto de memória a ser preservado pode ser questionada, como mostra o trecho: “No entanto, o anteprojeto inicialmente apresentado desconsiderava amplamente os elementos do interior do edifício, eliminando-os em quase sua totalidade, e alterava a volumetria do edifício. Ademais, não foi formulado o conteúdo e o programa de utilização do prédio, ou seja, apresentava-se um projeto que implicava mudanças substanciais, com um uso nominal de centro de referência da língua portuguesa, mas o programa detalhado não existia”. (KÜHL, 2008, 187).


B

A A

38 C 19

37

B

D

A

E

pavimento térreo

B

A

19

F

36

A

primeiro pavimento 19. Árvore das Palavras 36. Exposição temporária 37. Vista para a Estação da Luz 38. Acesso à plataforma A legenda numérica corresponde à localização das imagens que compõem o item 2.1.4. da monografia.

A. Bilheteria B. Café C. Espaço Cyber D. Livraria E. Café F. Setor educativo

5

10

20 N

Fonte: Arte 3 – Pedro Mendes da Rocha.

39


DET. 1 pg. 42

B

28 A

19

G

29 33

32

31

34

A

35

segundo pavimento

DET. 2 pg. 42

A

19 20

B

22/23

21 26

H

A

25

terceiro pavimento

40

19. Árvore das Palavras 20. Foyer 21. Auditório e telão giratório 22. Praça da Língua 23. Praça da Língua durante espetáculo 25. Corredor lateral - retorno ao foyer 26. Vista do Parque da Luz 28. Grande Galeria 29. Palavras Cruzadas 31. Detalhe - totens 32. Linha do Tempo 33. Mapa dos Falares 34. O projeto de Restauro 35. Beco das Palavras

A legenda numérica corresponde à localização das imagens que compõem o item 2.1.4. da monografia. G. Edição de imagens . centro de controle H. Terraço

5

10

20 N

Fonte: Arte 3 – Pedro Mendes da Rocha.


20 19

36

21 28

22/23 29/31

34 37

38

corte A

34 5

10

20

Fonte: Arte 3 – Pedro Mendes da Rocha. corte B

41


DETALHE 1 - museografia Grande Galeria, Palavras Cruzadas e Beco dos Falares - segundo pavimento Fonte: Arte 3 - Pedro Mendes da Rocha.

10 N

42

DETALHE 2 - museografia Foyer, auditório e Praça da Língua - terceiro pavimento Fonte: Arte 3 - Pedro Mendes da Rocha.


percurso museológico A visitação do Museu da Língua Portuguesa segue o esquema de circulação dirigida (IMAGEM 17), na qual o percurso sugerido tem início no terceiro pavimento, e desce em direção à extremidade oposta do edifício. A ambientação do Museu da Língua Portuguesa, feita pelo escritório norte-americano Ralph Appelbaum4, apresenta forte caráter cenográfico. A estratégia utilizada principalmente no segundo pavimento cria um ambiente escuro, revestido de preto, no qual a luz alaranjada marca o percurso do visitante. Os elementos de comunicação visual – placas, totens, etc. – pontuam o percurso, orientam e explicam ao visitante a proposta das salas. É criada uma atmosfera virtual, na qual a escuridão e as luzes coloridas propiciam a desconexão do visitante em relação ao mundo exterior. Logo na entrada, o visitante é recepcionado por uma marquise, abaixo da qual se localizam as bilheterias. O percurso tem início num processo de ruptura com o mundo cotidiano (DAVALLON, cf. GONÇALVES, 2004, 92), propondo o desligamento da realidade e a imersão na atmosfera temáti-

2.1.4.

Ralph Appelbaum é designer de museus norte-americano e proprietário do escritório Ralph Appelbaum Associates, com sedes em Nova Iorque, Londres, Pequim, Berlim e Moscou. Entre seus projetos mais conhecidos estão o United States Holocaust Memorial Museum, em Washington (1993); a Royal Academy of Music Museum, em Londres (2002) e o London Transport Museum, em Londres (2007); além, é claro, do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. Recebeu diversos prêmios importantes em design nos EUA, como o AAM Excellence in Exhibitions Competition (2013) pelo Natural History Museum, em Utah (2011). O Museu da Língua Portuguesa rendeu ao escritório os seguintes prêmios: Society for Environmental of Lighting Desingners – Merit Award, International Association of Lighting Designers – Award of Merit e Event Design Awards – Best Museum Environment. 4

IMAGEM 17 Esquema de circulação dirigida Arte 3

ca do Museu. Essa ruptura começa a ocorrer dentro do elevador que leva o visitante ao terceiro piso do edifício. Trata-se de uma opção de arquitetura, que começa a indicar a volumetria do edifício, e também de uma proposta museográfica, pois dentro do próprio elevador o visitante ouve um arquivo de áudio de autoria de Arnaldo Antunes, na qual as palavras “língua” e “palavra” são repetidas em vários idiomas. Ainda, do elevador, é possível observar a Árvore das Palavras (IMAGENS 18 e 19), escultura do artista plástico Rafik Farah, que ‘cresce’ do térreo até o terceiro pavimento. Consiste em uma representação visual da diversidade de línguas e palavras que formam o português falado no Brasil,

servindo de metáfora para as ‘raízes’ do idioma. A árvore também pode ser vista dos patamares de acesso aos elevadores, através de divisórias transparentes de vidro.

(www.raany.com, acessado em 12/03/15).

IMAGEM 18 Árvore das Palavras - concepção Appelbaum, 2004, 3.

43


No terceiro andar, o visitante se depara com um foyer, no qual podem ocorrer exposições temporárias. Neste espaço, é possível ver a alteração do nível original do pavimento pela altura dos peitoris das janelas (IMAGEM 20).

“O Museu é fantástico. Valorizar a língua é fundamental para a formação cultural do Brasil“. depoimento de visitante

44

A seguir, encontra-se o auditório (IMAGEM 21), onde é possível assistir a um vídeo de dez minutos sobre a origem das línguas e da sua relação com a formação cultural das sociedades, inserindo o português falado no Brasil nesse contexto.

IMAGEM 19 Árvore das Palavras acervo pessoal.

A ideia de se iniciar o percurso pelo auditório, segundo a entrevista com o arquiteto Pedro Mendes da Rocha (ANEXO 1) surgiu do projeto museográfico, que pretendia considerar a experiência museológica como um ‘livro’, sendo o vídeo no auditório o seu ‘prólogo’. Assim, o vídeo assume a função de conferir aos visitantes uma base de conteúdo para subsidiar a visita, assumindo importância para a imersão do visitante na proposta temática da língua portuguesa. Embora ainda assuma uma postura passiva, o visitante se desliga totalmente do mundo real quando adentra no auditório.

IMAGEM 20 Foyer acervo pessoal.

IMAGEM 21 Auditório e telão giratório www.estudiocarlosfontes.com, acessado em 28/09/14.


A concepção de um auditório facilita e foca a atenção do visitante para a projeção em questão, tornando eficaz a proposta de comunicação. Além disso, o espaço do auditório revela uma das soluções arquitetônicas mais interessantes propostas pelos arquitetos: a abertura das lajes mostra a estrutura da cobertura original do edifício. Trata-se de uma solução que expõe a arquitetura do próprio edifício. Logo depois, o telão de nove metros, no qual foi projetado o vídeo, gira inesperadamente, revelando de modo surpreendente a próxima sala. Tal artifício impressiona e surpreende o visitante, introduzindo o prosseguimento do percurso. O espaço revelado se chama Praça da Língua (IMAGEM 22). A experiência proposta para este espaço começa e termina com um chão luminoso que acende, onde o visitante pode ler fragmentos de poemas ou trechos de livros. Em seguida, o visitante pode se sentar nos bancos laterais para apreciar o espetáculo de luz e som (IMAGEM 23), composto por imagens projetadas na estrutura exposta da cobertura da estação, com 13,5m de altura, e nas paredes do ambiente.

O espetáculo apresenta poesias e trechos de grandes nomes da música e da literatura na língua portuguesa, como Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Luís de Camões, Guimarães Rosa, Machado de Assis e Vinícius de Moraes. A narração usa a voz de artistas conhecidos, como Chico Buarque, Juca de Oliveira e Maria Betânia. Ao total, existem três apresentações de vinte minutos cada, que ocorrem alternadamente. IMAGEM 22 Praça da Língua www.estudiocarlosfontes.com, acessado em 28/09/14.

IMAGEM 23 Praça da Língua durante espetáculo www.estudiocarlosfontes.com, acessado em 28/09/14.

A “ Praça da Língua, com todas aquelas projeções, é sensacional. É o espaço de que eu mais me lembro depois da visita”. depoimento de visitante

Nessa atividade, é acionada a memória coletiva do visitante – uma vez que são apresentados trechos e autores muito conhecidos. Consiste em uma proposta que revela a fusão completa entre espaço museográfico e arquitetônico, pois mostra a estrutura original do edifício, filtrada pelo espetáculo multimídia. A ideia era de criar uma espécie de planetário, explorando a língua como elemento formador da cultura brasileira. A parte gráfica e a animação dos textos que colidem, surgem e desaparecem é fundamental na composição do espetáculo.

45


A “ tecnologia é bem empregada. Chama a atenção de vários públicos e traz uma abordagem não convencional, bastante diferenciada”. depoimento de visitante

Como podemos ver pelo modelo eletrônico de concepção da proposta (IMAGEM 24), estava prevista a inserção de cinco telas de formato circular sob o coroamento do edifício, nas quais seriam executadas as projeções. Posteriormente, de acordo com a entrevista (ANEXO 1), foi estudada a possibilidade de retirar a laje sob a grande mansarda, de modo que as projeções pudessem ser feitas diretamente na estrutura da cobertura do edifício. Tal solução potencializou os efeitos previstos para o espaço. Na saída da Praça da Luz, o visitante é conduzido novamente ao foyer por um corredor lateral (IMAGEM 25), no qual se depara com vistas que remetem ao entorno do edifício da Estação da Luz. É possível ver, emoldurados por uma sequência de janelas, o Parque da Luz e a Pinacoteca do Estado (IMAGEM 26).

46

IMAGEM 24 Praça da Língua - concepção Appelbaum, 2004, 3.

IMAGEM 25 Corredor lateral - retorno ao foyer acervo pessoal.

IMAGEM 26 Vista do Parque da Luz acervo pessoal.


O visitante, então, é conduzido novamente ao elevador, por onde tem acesso ao segundo pavimento – cujo foco está na relação entre a língua portuguesa e a cultura brasileira. Neste local, existe a Grande Galeria (IMAGENS 27 e 28), um corredor lateral escuro que ocupa toda a extensão da fachada posterior, mostrando o comprimento longitudinal da Estação da Luz. A grande empena, de 110m, serve para a projeção de onze filmes simultâneos. Essa foi uma opção da arquitetura, com objetivo de revelar o volume do edifício e de criar um percurso novo, articulando os três blocos principais que compõem o edifício. A solução foi aproveitada pelo projeto museográfico, que buscou fazer uma leitura da Estação da Luz enquanto estação de trem. Há 36 projetores que formam uma imagem longa e contínua de um trem veloz que chega, para e cujas portas se abrem. Em seguida, as projeções se dividem em onze partes, abordando temas cotidianos associados ao uso da língua viva – como música, danças, festas, futebol, religião, entre outros.

Isso é possível uma vez que os projetores são interligados a um centro de processamento de dados, comandados via software, que funde ou fragmenta as imagens, formando um painel único em movimento ou um mosaico composto por diversas cenas.

“O museu é bem montado, com recursos bem feitos. A parte audiovisual é muito rica e interessante. Porém, com baixa intensidade e pouco conteúdo informativo. O material é muito bonito, com espaço bem resolvido e limpo”.

É um espaço que induz ao movimento linear contínuo, seguindo as faixas de luz laranja que marcam o percurso. Entretanto, existe um banco linear que dá ao visitante a possibilidade de parar e apreciar as projeções.

depoimento de visitante

IMAGEM 27 Grande Galeria - concepção Appelbaum, 2004, 3.

IMAGEM 28 Grande Galeria acervo pessoal.

47


O próximo espaço que se apresenta ao visitante é chamado de Palavras Cruzadas (IMAGENS 29 e 30). A demolição das alvenarias criou um espaço marcado por doze pilares – cada um representando uma cultura que influenciou na formação do português falado no Brasil. Deste modo, vemos que o espaço é composto por um conjunto de totens triangulares cor de laranja, cada um envolvendo um pilar do edifício. Os totens apresentam uma série de telas interativas, nas quais o visitante, por meio do toque, pode pesquisar informações sobre a influência das culturas dos povos na

A “ maior parte dos visitantes reclama que o acervo é o mesmo de dez anos atrás, e por isso não surpreende. Apesar disso, o acervo digital é bom e agrada a crianças e adultos”. depoimento de funcionário do Museu

língua portuguesa. O funcionamento do dispositivo é semelhante ao de um website, que abre janelas com um clique – e se insere perfeitamente na proposta de estimular o interesse pelo conhecimento e a curiosidade. Há, também, a presença de bancos nos quais o visitante pode se sentar enquanto pesquisa. Do outro lado dos totens, existem paineis informativos e vitrines com objetos que remetem à cultura dos povos que influenciaram na formação da língua portuguesa (IMAGEM 31) – indígenas, africanos e europeus. Os objetos apresentados nas vitrines pertencem ao cotidiano e servem como elementos alegóricos relacionados às culturas dos povos tratados. O próprio Museu tenta explicar a exposição daqueles objetos, conforme o texto transcrito a seguir:

48

IMAGEM 29 Palavras Cruzadas acervo pessoal.

IMAGEM 30 Palavras Cruzadas - concepção Appelbaum, 2004, 69.

“Esta parte do museu é denominada palavras cruzadas. Aqui, há objetos de diversas culturas integrantes da aventura que nos envolve: a língua portuguesa. São lanternas que possibilitam espiar culturas que


formaram nosso modo de falar. Neste espaço, você não encontrará objetos típicos de museus: únicos, muito antigos e de valor monetário alto. Estão expostas peças cotidianas, coisas concretas feitas por falantes de mundos indígenas, africanos, europeus e asiáticos. Elas traduzem crenças, jogos, culinária e afeto. Estão vivas! Mais do que peças antigas, são pedaços da criatividade atual de muitos povos”. (KARNAL, cf. exibido no Museu da Língua Portuguesa).

A seguir, o visitante encontra a Linha do Tempo (IMAGEM 32). Segmentada em três partes, mostra as influências europeias, ameríndias e africanas na formação do idioma falado no Brasil. O dispositivo apresenta reproduções de capas de livros e manuscritos ilustrando os principais episódios que marcaram a formação da língua – como numa enciclopédia de conhecimento. A Linha do Tempo é pontuada por terminais multimídia nos quais se pode acessar a vídeos com explicações do professor Ataliba de Castilho a respeito dos temas tratados no percurso. As telas são interativas, sendo possível escolher o tema de interesse para aprofundamento.

IMAGEM 32 Linha do Tempo acervo pessoal.

“Eu fui com a expectativa de ver papeis, livros, objetos antigos sobre a língua portuguesa; mas me deparei com atividades muito modernas para mostrar a língua. Acho que tinham muito mais coisas a serem mostradas”. depoimento de visitante

No final da Linha do Tempo, encontra-se um equipamento chamado Mapa dos Falares (IMAGEM 33), no qual é possível selecionar na tela uma área do Brasil e assistir a vídeos mostrando as variações de sotaques regionais no território brasileiro. IMAGEM 31 Detalhe - totens acervo pessoal.

IMAGEM 33 Mapa dos Falares acervo pessoal.

49


“Gosto da interatividade porque tenho um contato direto com a proposta do museu”. depoimento de visitante

Depois de retomar o percurso pela Grande Galeria, há um espaço chamado O projeto de restauro (IMAGEM 34). É um corredor onde se encontram informações sobre o processo de restauração do edifício da Estação da Luz expostas em paineis. Neste espaço, é possível fazer uma leitura da arquitetura antiga do edifício administrativo e vislumbrar pisos e esquadrias originais. Trata-se de um espaço que sofreu pouca interferência museográfica, onde é possível apreender a concepção inicial do edifício.

Saindo do corredor, o visitante encontra o último espaço da exposição permanente, chamado de Beco das Palavras (IMAGEM 35). Nesta sala, é proposta uma atividade lúdica e interativa – um jogo que brinca com a formação de palavras a partir de radicais, prefixos e sufixos numa mesa eletrônica dotada de sensores de infravermelho que respondem ao movimento dos braços. É uma atividade voltada para o público infantil, com forte caráter didático, que parte do uso de recursos tecnológicos – permitindo interagir com a etimologia e com os conteúdos semânticos das palavras.

IMAGEM 35 Beco das Palavras acervo pessoal.

Descendo de elevador ao primeiro pavimento, é possível acessar as exposições temporárias, cujos temas geralmente se relacionam à literatura e ao idioma. Em março de 2015, estava em cartaz a exposição temporária Humor nos anos de chumbo. (IMAGEM 36).

50

IMAGEM 34 O projeto de restauro acervo pessoal.

IMAGEM 36 Exposição temporária acervo pessoal.


Na conclusão do percurso, o visitante poderia ser convidado a vislumbrar o espaço interno da Estação da Luz, pois a arquitetura oferece essa possibilidade, tanto pela presença de janelas (IMAGEM 37) como do acesso a uma parte da plataforma (IMAGEM 38), retomando o contato com o mundo real e mostrando o esplendor do próprio edifício da Estação da Luz. No entanto, o acesso à plataforma, uma bela surpresa proposta para a saída do Museu, é vetado aos visitantes. No pavimento térreo, o projeto de arquitetura previa café, espaço digital e livraria. De acordo com o depoimento do arquiteto Pedro Mendes da Rocha (ANEXO 1), o acesso a esses espaços seria público, sendo que as áreas sob as marquises configurariam zonas de passagem – contando com a abertura dos arcos não-estruturais localizados nas extremidades do edifício. Tais soluções não foram levadas adiante – sendo que os antigos pátios de carga permanecem fechados. Café, espaço digital e livraria nunca foram implantados.

“Eu me lembro mais de um cenário preto do que da Estação da Luz em si”. depoimento de visitante

IMAGEM 37 Vista para a Estação da Luz acervo pessoal.

IMAGEM 38 Acesso à plataforma acervo pessoal.

51


2.1.5.

recepção do público

A média mensal de público do Museu da Língua Portuguesa referente ao período de 2006 a 2008 é de 44.534 visitantes/mês - segundo cálculos a partir de dados fornecidos pelo Museu. O cálculo considerou os meses de abril a dezembro no ano de 2006.

Os três primeiros anos de funcionamento do Museu da Língua Portuguesa foram marcados por grande afluxo de visitantes, conforme mostra a tabela a seguir. Ao que parece, a proposta inovadora e tecnológica gerou bastante interesse e curiosidade por parte do público – que chegou a uma média de aproximadamente 45.000 visitantes/mês nos três primeiros anos5.

5

A média mensal de público do Museu da Língua Portuguesa referente ao período de 2006 a 2014 é de 34.545 visitantes/mês - segundo cálculos a partir de dados fornecidos pelo Museu. O cálculo considerou os meses de abril a dezembro no ano de 2006. 6

O público mensal do Museu do Futebol referente ao período de 2008 a 2014 é de 31.100 visitantes/mês, conforme será apresentado adiante no estudo. 7

Planilha anual de visitantes Museu da Língua Portuguesa 2006 491.031 2007 516.805 2008 461.775 2009 387.632 2010 385.025 2011 331.410 2012 355.951 2013 345.025 2014 352.565 TOTAL 3.627.219 Fonte: Museu da Língua Portuguesa.

52

Nos anos seguintes, de 2009 a 2014, o público se estabilizou para um número em torno de 360.000 visitantes/ano. Ou seja, se compararmos os

três primeiros anos de visitação do Museu em relação aos anos seguintes, vemos que houve uma queda grande na quantidade de visitantes. No entanto, o público médio mensal do Museu, considerando todo o período estudado, ainda fica em torno dos 35.000 visitantes/mês6 – um número bastante razoável no contexto de São Paulo, sendo superior inclusive à média mensal de visitantes do Museu do Futebol7. O fato de ser um sucesso de público, contudo, pode mascarar o fato de que a intervenção na Estação da Luz tenha sido demasiado invasiva em relação ao patrimônio edificado, como aponta o trecho a seguir: “A engenhosidade do partido arquitetônico, os êxitos figurativos e da proposta museográfica, transformaram o centro num grande sucesso de público. A questão é que o Museu da Língua Portuguesa tem sido julgado apenas pelos seus resultados. Isso é extremamente inquietante, pois [...] desconsiderando por completo a destruição dos documentos significati-

vos que a proposta causou”. (KÜHL, 2008, 195).

Dentre os depoimentos coletados com o público especializado, composto por profissionais e estudantes da área de arquitetura, vários comentários criticaram a intervenção arquitetônica por ter alterado muito o edifício histórico e a museografia por “cobrir” a Estação da Luz, desvinculando-se do edifício. Por outro lado, sem levar em consideração o patrimônio histórico, alguns depoimentos apontaram para a clareza e limpeza do partido arquitetônico. Para o público não-especializado, os comentários coletados variaram de acordo com a faixa etária. Jovens e adolescentes se sentem deslumbrados principalmente pelo espaço Praça da Língua e gostam de poder pesquisar informações de seu interesse. Alguns visitantes demonstram interesse pela proposta interativa – afirmando, inclusive, preferir esse tipo de proposta em relação aos “museus tradicionais”. Por outro lado, o público adulto aponta para a superficialidade dos conteúdos apresentados. Alguns vi-


sitantes criticaram a falta de acervo do Museu, dizendo-se frustrados em relação à expectativa que tinham em ver um acervo material relacionado ao tema. Porém, de um modo geral, as entrevistas elogiaram a criatividade e a originalidade da ideia de criar um museu que valoriza a língua portuguesa. O espaço mais recordado pelo público durante as entrevistas foi a Praça da Língua. Em segundo lugar, veio a Grande Galeria – como mostra o gráfico que sintetiza o resultado das entrevistas (GRÁFICO 1)8.

A amostra utilizada na pesquisa, em todos os gráficos apresentados, evidentemente é pequena se comparada ao público recebido pelos museus; estando, porém, de acordo com as possibilidades de execução do trabalho acadêmico. 8

24% 18% 12%

Praça da Língua

Grande Galeria

12%

Palavras Linha do Cruzadas Tempo

12%

9%

6%

6%

Auditório Exposição Beco das O projeto Temporária Palavras de restauro

GRÁFICO 1 Resultado das entrevistas Espaços recordados pelos visitantes.

53



2.2.

museu do futebol sรฃo paulo, 2008 estรกdio do pacaembu


concepção e proposta

2.2.1.

Ficha Técnica:

Local: Estádio Paulo

Machado de Carvalho

Endereço: Praça Charles

Müller, s/ no, Pacaembu, São Paulo, SP Início do projeto: 2005 Conclusão da obra: 2008 Data de inauguração oficial:

01.10.2008

Área construída: 6.900m² Supervisão e coordenação geral:

Fundação Roberto Marinho Arquitetura: Mauro Munhoz (autor) Curadoria: Leonel Kaz Projeto museográfico: Daniela Thomas e Felipe Tassara Áudio e vídeo: Loudness e KJPL Peter Linquidist

Comunicação visual:

Vinte Zero Um

Imagens: 3D Sputnik (CORBIOLI, 2008, 80-83).

56

O Museu do Futebol surgiu a partir de uma parceria entre o governo do Estado e a prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Esportes e da São Paulo Turismo. Sua concepção e realização foram iniciativa da Fundação Roberto Marinho. Atualmente, é gerido pela Organização Social de Cultura IDBrasil – Cultura, Educação e Esporte – a mesma responsável pela gestão do Museu da Língua Portuguesa. A abordagem proposta presta uma homenagem ao futebol, revelando-o como elemento fundamental na formação da cultura popular brasileira (www.museudofutebol.org.br, acessado em 02/11/14). Assim, o discurso narrativo insere o futebol na realidade histórica, social e cultural do país no decorrer do século XX. No que tange à comunicação com o público, são utilizados fortemente recursos tecnológicos e interativos. A própria instituição se apresenta da seguinte forma: “O Museu do Futebol foi concebido como uma sequência de experiências lúdicas, que relacionam o esporte e a vida brasileira no século XX. Um verdadei-

ro parque temático em torno da paixão que o futebol desperta. [...] Os pilares em que se formula seu projeto – arquitetura, conteúdo e museografia – foram integrados para transmitir ao público três conceitos que norteiam a visita: emoção, história e diversão”. (www.museudofutebol.org.br, acessado em 02/11/14).

Ou seja, o Museu é concebido como um espaço de lazer e entretenimento, que propõe uma série de experiências relacionadas ao futebol, com objetivo não só de transmitir conhecimento e cultura, mas também de emocionar e divertir o visitante. No entanto, optou-se pela desvinculação a uma política de acervos, voltando grande parte do investimento financeiro para a proposta expográfica tecnológica. Conforme o trecho: “O Museu do Futebol é um museu de história que trabalha para a preservação e difusão de um acervo de referências e indicadores da memória do fenômeno social futebol. Tem como missão, portanto, investi-

gar, preservar e difundir o futebol em suas múltiplas facetas e como expressão cultural significativa na história brasileira dos séculos XX e XXI”. (www.museudofutebol.org.br, acessado em 02/11/14).

Uma vez desvinculado de uma política de aquisição de acervos, foram utilizadas novas estratégias de pesquisa e documentação referentes ao tema – como, por exemplo, execução de pesquisa baseada na etnografia – com objetivo de recolher informações sobre a prática do futebol nos dias de hoje. Os dados recolhidos compõem um banco de dados acessível ao público com o resultado das pesquisas. Nesse sentido, foram criados o Núcleo de Tecnologia e o Núcleo de Recursos Humanos, responsáveis pela manutenção do acervo tecnológico. Alguns objetos, contudo, passaram a ser incorporados à coleção do Museu – como a camisa do Pelé. No entanto, os objetos são produtos de doações, desvinculando-se de políticas de aquisição de acervos.


Na verdade, a questão do acervo tecnológico parece ter sido decorrente de uma série de entraves que dificultaram a compra de coleções e objetos relacionados à memória do futebol. Conforme o trecho: “O fato é que a falta de objetos não foi exatamente uma opção conceitual. A curadoria tentou negociar raridades e esbarrou nos valores pedidos por colecionadores para ceder suas camisas, bolas e chuteiras. Acabou optando pelo caminho virtual”. (FILHO, 2008, 1).

De qualquer forma, a ideia desenvolvida no Museu do Futebol, segundo entrevista realizada com o curador Leonel Kaz9 (ANEXO 3), foi conceber um museu sem relíquias, cujo objetivo é de despertar percepções nos visitantes de modo livre e intuitivo. Assim sendo, o público poderia entrar em contato com objetos e raridades durante as exposições temporárias. Por outro lado, destaca-se a importância do papel educacional e da universalização do acesso a todos

os públicos nos eixos de concepção do Museu do Futebol, assim como no Museu da Língua Portuguesa. Constituem objetivos institucionais “executar programas para todos os públicos, promovendo a cidadania, além da inclusão social e cultural” e “preservar e difundir, com finalidade educativa, o patrimônio cultural e esportivo do Brasil” (www.museudofutebol.org.br, acessado em 12/10/14).

9 Leonel Kaz, curador do Museu do Futebol em São Paulo, já foi secretário estadual de cultura e esporte do Rio de Janeiro. Jornalista e professor de Cultura Brasileira na PUC RJ, trabalhou por mais de vinte anos na editora Abril. Foi editor e coautor de diversos livros da Aprazível Edições, como “Retrato Vivo da Grande Aventura” e “Cristo Redentor: história e arte de um Grande Símbolo do Brasil”. Além disso, publicou o livro “Brasil, um século de futebol, arte e magia”, ocasião em que começou a estudar o futebol como elemento formador da cultura brasileira – o que culminaria no trabalho do Museu do Futebol.

(www.imprensa.com, acessado em 12/03/15).

57


2.2.2.

implantação

Arquiteto paulistano, formado pela FAU USP, Mauro Munhoz é o atual diretor da Festa Literária Internacional de Parati e conhecido por seus projetos ambientalmente sustentáveis.

O local escolhido para a implantação do Museu foi o volume sob as arquibancadas frontais do Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho – o Pacaembu (IMAGEM 39). A proposta de arquitetura se desenvolve a partir dessa escolha, ao passo que todo o percurso museológico revela a estrutura de concreto do estádio.

10

(www.imprensa.spturis.com, acessado em 12/03/15).

Segundo entrevista concedida pelo arquiteto Mauro Munhoz10 (ANEXO 2), foram realizados diversos seminários analisando propostas de implantação do Museu do Futebol.

Foi, inclusive, cogitado instalá-lo no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Contudo, considerou-se que a cidade de São Paulo possuía melhores condições institucionais para receber o projeto na época. Em São Paulo, inclusive, discutiu-se locar o Museu na Casa das Retortas, no Parque Dom Pedro, ou numa antiga garagem da CMTC, no bairro da Luz. Tais opções ofereciam maior área útil para a exposição, além de se aproveitarem de melhor infraestrutura urbana de acesso, por estarem

localizadas no centro da cidade. Entretanto, a associação do futebol ao estádio é irrefutável – o que direcionou os debates para a implantação do projeto no Pacaembu. O estádio, por sua vez, apresenta grande importância para a memória do futebol em São Paulo, tendo sediado partidas importantes na década de 1940 e localizando-se em frente à Praça Charles Müller – que homenageia o responsável pela introdução do esporte no país (IMAGEM 40).

3 1 2

58

IMAGEM 39 Estádio do Pacaembu acervo pessoal.

IMAGEM 40 Localização www.googlemaps.com, acessado em 14/03/15.

1. Museu do Futebol 2. Estádio do Pacaembu 3. Praça Charles Müller


Inicialmente, no entanto, a ideia era de locar o Museu sob as arquibancadas do Tobogã, na extremidade oposta à entrada principal do estádio. Isso faria perder a potencial relação com a praça adjacente. Deste modo, as discussões se voltaram para a implantação do Museu na porção frontal do estádio, de modo que usos não diretamente relacionados ao percurso museológico – como bar, loja, auditório e bilheteria – poderiam possibilitar novas formas de apropriação da praça e do próprio estádio enquanto equipamento esportivo e cultural. Além disso, a porção dianteira do Pacaembu acessível ao público era apenas utilizada como bilheteria e entrada dos jogos – passando a maior parte do tempo sem utilização. Ainda, a praça Charles Müller se encontrava numa situação de deterioração e falta de gerenciamento de usos. Deste modo, o Museu do Futebol se apresentou como uma potencialidade para reativar a relação entre o estádio e a praça.

O Pacaembu apresenta a particularidade de ser gerido pelo município de São Paulo e não por nenhum clube de futebol particular. Mesmo assumindo caráter eminentemente público, “houve momentos em que o conjunto esportivo teve ameaçada sua permanência ou sua função de estádio municipal e espaço público”. (MUNHOZ e WENZEL, 2012, 82).

O uso do Pacaembu como estádio ainda continua ameaçado, se considerarmos a construção do Estádio do Corinthians e a finalização da reforma do Arena Palmeiras – o que acabou por reduzir a quantidade de jogos sediados no estádio municipal. Nesse sentido, cresce a importância da implantação do Museu do Futebol, no sentido de manter e potencializar a utilização do Pacaembu. Ao contrário do Museu da Língua Portuguesa e do Museu do Cinema, conforme veremos adiante, o Museu do Futebol não pertence a um circuito cultural definido. Na sua região, é o único equipamento cultural de relevância. A própria carência desse tipo de infraestrutura no bairro do Pacaembu justifica sua implantação e

evidencia que o Museu se relaciona profundamente com as dinâmicas urbanas da região. Em acréscimo, vale ressaltar que a instalação do Museu condicionou a restauração do edifício, ao passo que a exposição da estrutura exigiu a recuperação e tratamento do concreto. Também foi recuperada a fachada externa do edifício, que se encontrava descaracterizada pelo acréscimo inúmeras camadas de látex bege-amarelado. Desse modo, foi possível devolver a cor original da fachada ao estádio.

59


2.2.3.

projeto arquitetônico

“O projeto de arquitetura revela ao público as imponentes estruturas do Pacaembu e nos permitiu criar um Museu do Futebol no avesso da arquibancada, espaço tão fascinante quanto simbólico. Um museu sobre futebol num espaço em que se vive o futebol faz com que o objeto invada o tempo todo a sua representação”.

O Museu do Futebol foi concebido pelo arquiteto Mauro Munhoz sob as arquibancadas frontais do Estádio do Pacaembu, recuperando, preservando e dando uso a um edifício já existente. O estádio foi originalmente projetado pelos arquitetos Ricardo Severo e Arnaldo Dummont Villares, do escritório Ramos de Azevedo, na década de 30. É tombado em nível estadual (Condephaat, 1994) e municipal (Conpresp/DPH, 1988).

MARINHO, cf. KAZ, 2014, 19.

60

O projeto de arquitetura revela as estruturas do Pacaembu, deixando aparente o avesso das arquibancadas e mostrando seu interior em meio aos diversos níveis acessíveis por escadarias. Não foram utilizados forros desnecessários, nem quaisquer outros elementos que ocultassem a estrutura do estádio. Além disso, dutos de ventilação e aparelhos de ar condicionado foram deixados à mostra, descolados da estrutura original. No pavimento térreo, foi demolida a longa parede de alvenaria onde funcionavam as antigas bilheterias (IMAGEM 41), com objetivo de potencializar a relação das pessoas com a praça adjacente (IMAGEM 42).

IMAGEM 41 Bilheteria antes das obras MUNHOZ, 2012, 30.

IMAGEM 42 Bilheteria MUNHOZ, 2012, 31.


As premissas de projeto tinham como objetivo revitalizar o edifício, respeitando seu passado (MUNHOZ e WENZEL, 2012, 118). Assim, partiuse da ideia de valorizar a construção como parte integrante da exposição, enaltecendo vistas externas e internas do edifício e deixando a estrutura totalmente à mostra. Deste modo, o projeto arquitetônico e de restauro previu a retirada de lajes, alvenarias e revestimentos, tornando a estrutura da arquibancada visível quase por inteiro. A demolição das lajes deu lugar a longas alas longitudinais cheias de pilares, criando galerias sucessivas que conduzem o visitante. Algumas soluções adotadas tem como objetivo demonstrar as relações entre o espaço do museu e a arquitetura na qual está inserido – como o pé direito triplo adotado no hall de entrada (IMAGENS 43, 44 e 45), a passarela que une os dois blocos do edifício, a abertura que permite visita à arquibancada e a presença de janelas que filtram visuais do entorno. Veremos, a seguir, como essas soluções se articulam com o espaço museográfico.

IMAGEM 43 Croqui hall de entrada CORBIOLI, 2008, 81.

IMAGEM 44 Obras no hall de entrada CORBIOLI, 2008, 82.

IMAGEM 45 Hall de entrada com pé direito triplo acervo pessoal.

61


D C

A

B

A

47. Grande Área 48. Escadaria de acesso 81. Loja esportiva 82. Bar Brahma A legenda numérica corresponde à localização das imagens que compõem o item 2.2.4. da monografia.

A

H

E

B

62

C

47

48

81 F

A. Bilheteria do Museu B. Foyer C. Auditório D. Áreas técnicas E. Exposições temporárias F. Acesso ao Estádio G. Bar H. Vestiários do Estádio I. Bilheteria do Estádio

82

G I

15 N Pavimento térreo Fonte: Museu do Futebol.


A

54

B

74

C

53 52

48 51

50 49

79

78

75 76

A

77

80

DET. 1 pg. 67

48. Escadaria de acesso 49. Recepção do Rei Pelé 50. Percurso do museu 51. Pé na Bola 52. Anjos Barrocos 53. Gols 54. Rádio 55. Exaltação

DET. 4 pg. 67

74. Detalhe - dispositivo ótico 75. Jogo de Corpo 76. Detalhe - fichário com times do Campeonato Brasileiro 77. Chute a Gol - atividade interativa 78. Projeção de vídeo e arquibancada 79. Detalhe - exibição de vídeos 80. Homenagem ao Pacaembu A legenda numérica corresponde à localização das imagens que compõem o item 2.2.4. da monografia.

15 Primeiro pavimento Fonte: Museu do Futebol.

N

63


55 A

B

56

C

A

73

57/58

69/70

59 61 DET. 2 pg. 66

55. Exaltação 56. Origens 57. Herois 58. Herois 59. Rito de Passagem 61. Copas do Mundo 62. Detalhe – vitrine com camisa do Chico Buarque e bolas da Adidas 63. Pelé e Garrincha 64. Passarela Radialista Pedro Luiz

64

62

63

64/65

66

65. Detalhe – vista da passarela 66. Números e curiosidades 68. Detalhe – pebolim mostrando esquema tático 69. Visita à arquibancada 70. Vista do gramado 71. Dança do Futebol 72. Biblioteca e Midiateca 73. Detalhe – descida com bandeiras A legenda numérica corresponde à localização das imagens que compõem o item 2.2.4. da monografia.

72

71

68 DET. 3 pg. 67

15 Segundo pavimento Fonte: Museu do Futebol.

N

Obs: No terceiro pavimento do Museu do Futebol há áreas técnicas, administração e pesquisa. A planta não consta no estudo porque não pertence ao percurso expositivo.


ESTADIO - MUNICIPAL PAULO MACHADO DE CARVALHO

elevação frontal

corte A

15 corte B

corte C

Fonte: Museu do Futebol.

65


N

66

10 DETALHE 2 - museografia Exaltação . Origens . Herois . Rito de Passagem . Copas do Mundo . Pelé e Garrincha - primeiro pavimento Fonte: Museu do Futebol.


DETALHE 1 - museografia Jogo de Corpo . Anjos Barrocos . Gols. Rádio - primeiro pavimento Fonte: Museu do Futebol.

DETALHE 4 - museografia Jogo de Corpo . Homenagem ao Pacaembu - primeiro pavimento Fonte: Museu do Futebol.

N DETALHE 3 - museografia Dança do Futebol . Números e Curiosidades - segundo pavimento Fonte: Museu do Futebol.

10

67


2.2.4.

percurso museológico

A parceria entre o arquiteto e artista plástico paulista Felipe Tassara e a cenógrafa e diretora de cinema Daniela Thomas já produziu diversos filmes, projetos e exposições – como a expografia do Museu do Futebol. Além disso, a dupla participou de projetos como as exposições Picasso e Guerreiros de Xian, na Oca; Brasil índio: As artes dos ameríndios, nas Galeries Nationales du Grand Palais, em Paris, e Clarice Lispector: a hora da estrela, no CCBB RJ. Na área de cinematografia, Daniela Thomas dirigiu, em parceria com Walter Salles, os filmes Terra Estrangeira (1995) e O primeiro dia (1999).

O percurso proposto para o Museu do Futebol, assim como o Museu da Língua Portuguesa, segue o esquema de circulação dirigida (IMAGEM 46), partindo da porção central no nível térreo em direção ao terceiro pavimento e retornando ao espaço inicial.

11

(www.imprensa.spturis.com, acessado em 12/03/15.)

68

A estrutura do estádio aparente confere unidade ao percurso museal, constituindo um cenário que remete à atmosfera do futebol durante toda a visita. No caso do Museu do Futebol, os elementos de comunicação visual não apresentam forte impacto visual, mas orientam e guiam o visitante no decorrer do percurso, trazendo informações sobre a proposta dos ambientes. O projeto de museografia, desenvolvido por Daniela Thomas e Felipe Tassara11, apresenta o percurso como um espaço contínuo, que se desconstrói conforme o visitante passa por cada sala. As estruturas propostas para a exposição se inspiram no mobiliário urbano e de apoio à construção de edifícios, que dialogam os materiais brutos utilizados nas paredes (ferro, aço, metais e madeiras) e com as instalações prediais deixadas à

IMAGEM 46 Esquema de circulação dirigida Folder Museu do Futebol.

mostra. Assim, trata-se de uma leitura da proposta de se manter a visibilidade das estruturas do edifício (KAZ, 2014, 144).

O primeiro espaço proposto, após a compra do ingresso na bilheteria e da passagem pelas catracas, intitula-se Grande Área (IMAGEM 47). É um espaço de acolhimento do público, com pé direito triplo, que mostra integralmente o volume sob as arquibancadas. São exibidas 487 reproduções ampliadas de camisas, flâmulas e outros símbolos que remetem à memória afetiva das torcidas em relação aos clubes. A exposição ocupa toda a extensão das empenas e dialoga com o desenho das arquibancadas.

IMAGEM 47 Grande Área acervo pessoal.


Neste local, o visitante encontra uma escadaria de acesso ao primeiro pavimento (IMAGEM 48), onde é recepcionado por monitores com um vídeo gravado por Pelé (IMAGEM 49). A seguir, entra na sala Pé na Bola (IMAGENS 50 e 51), onde uma sequência de seis telas compõe um vídeo que mostra o movimento dos pés conduzindo a bola. O escurecimento do ambiente é grande em relação ao espaço anterior. Nota-se, também, a redução da escala do espaço – pois o visitante sai de um grande hall com pé direito triplo e entra numa sala acanhada, com pé direito simples. A partir deste ponto, marca-se a entrada do visitante no percurso museológico, perceptível pela redução do contato com a luz natural e pela valorização das luzes e sons trazidos pela proposta tecnológica.

IMAGEM 48 Escadaria de acesso acervo pessoal.

IMAGEM 50 Percurso do museu. acervo pessoal.

“Tudo no Museu do Futebol é pensado para proporcionar ao público uma vivência estimulante a todos os sentidos e à memória, especialmente a afetiva. Museus, afinal, só têm sentido enquanto espaços para o desenvolvimento das experiências humanas”. ARAÚJO, cf. KAZ, 2014, 7.

IMAGEM 49 Recepção do Rei Pelé acervo pessoal.

IMAGEM 51 Pé na Bola acervo pessoal.

69


A sala Pé na Bola serve de antecâmara para ao próximo espaço, Anjos Barrocos (IMAGEM 52). Nesta sala, são apresentadas projeções de vinte e cinco ídolos do futebol brasileiro em onze telões suspensos no ar. As imagens foram captadas em posições de jogo e no tamanho natural de cada jogador, tonalizadas de azul numa tentativa de “santificar” os jogadores como ídolos do esporte (www.museudofutebol.org. br, acessado em 02/11/14). Vale ressaltar que a projeção das imagens extrapola o espaço da tela, interagindo com o espaço arquitetônico. O som de atabaques africanos cria uma sensação de inquietação no visitante. Ainda, há uma prancha disponível para consulta com informações biográficas dos jogadores. Em maio de 2015, a jogadora Marta passou a compor a sala Anjos Barrocos, por ocasião da exposição temporária que homenageia o futebol feminino – uma atualização da proposta da sala.

70

Na sequência, o visitante percorre a sala Gols (IMAGEM 53), na qual é convidado a entrar em uma das dez

cabines existentes e escolher depoimentos que narram e mostram gols marcantes na história das Copas do Mundo e do futebol brasileiro. Mais do que os gols em si, a sala apresenta o olhar dos depoentes sobre a importância daqueles momentos. Dois vídeos foram acrescentados em 2009 (www.museudofutebol. org.br, acessado em 02/11/14), mostrando a necessidade de atualização e reinvenção dos conteúdos trabalhados por esse tipo de museu. Tal proposta apresenta forte apelo emotivo, mobilizando as recordações pessoais do visitante e fazendo-o reviver os momentos narrados. Proposta semelhante ocorre na sala adjacente, chamada de Rádio (IMAGEM 54), na qual o visitante entra em uma das nove cabines e é convidado a escolher narrações de famosos locutores de rádio por meio de um dispositivo dial. Na verdade, há uma videoanimação que intercala sons a imagens e palavras escritas. IMAGEM 52 Anjos Barrocos acervo pessoal.


IMAGEM 53 Gols acervo pessoal.

IMAGEM 54 Rádio KAZ, 2014, 109.

O próximo espaço se chama Exaltação (IMAGEM 55). O percurso na sala se inicia com a subida por uma escada rolante, que teatraliza, ainda mais, o espetáculo apresentado. Depois da subida, o visitante se detém numa plataforma, na qual assiste a projeções de cantos de torcidas brasileiras que se acendem e se apagam em telões e na estrutura do estádio. O espaço arquitetônico é impressionante, ao revelar os pilares que sustentam as arquibancadas. Além disso, a reverberação sonora do espaço, associada ao uso do sistema de som sorround, torna o espetáculo ainda mais impactante, fazendo o visitante se sentir como se estivesse no meio de uma torcida. Estruturalmente, a sala marca “o ponto em que a arquibancada deixa de estar diretamente apoiada sobre o solo do talude e passa a ser sustentada por pilares e vigas. [...] Determinados de um lado pelo avesso da arquibancada, de outro pelos limites da construção e, embaixo, pela terra do talude, esses espaços são altamente expressivos: neles, a estrutura do estádio está visível como em nenhum outro lugar.” (MUNHOZ e WENZEL, 2012, 151).

“Quando se gira a porta para entrar na Exaltação, a sensação é de estar em outra dimensão. Ali se conhecem as entranhas do Pacaembu. O visitante está em meio à estrutura do estádio, abaixo da arquibancada, na fundação. Um som grave de torcida toma conta de tudo. O cheiro é de terra, um leve abafamento. Subindo a escada rolante, se chega a uma plataforma metálica. E, ali, um espetáculo de som e luz”. XAVIER, cf. KAZ, 2014, 78. IMAGEM 55 Exaltação CORBIOLI, 2008, 82.

71


“Gostei da Sala das Origens, com várias fotos e imagens. Mostrou como o futebol Faz parte da cultura brasileira. Que lugar melhor para haver um Museu do Futebol que não no Brasil?”

A próxima sala que se apresenta é intitulada Origens (IMAGEM 56). Neste espaço, são mostradas 436 imagens emolduradas, incluindo fotografias e reproduções de obras de arte. Todas as imagens estão dentro de um recorte temporal que vai do final do século XIX até a década de 1930. A proposta da sala é de inserir o futebol no cotidiano brasileiro desse período, mostrando momentos importantes do início da profissionalização do esporte.

depoimento de visitante

A cenografia proposta buscou criar uma ambientação de casa de colecionadores de pinturas. O suporte expográfico permite a rotação das imagens, revelando ainda mais imagens. Vale lembrar que não só fotografias são apresentadas – há também nove monitores de vídeo e um catálogo para consulta.

72

Adiante, encontra-se o espaço Herois (IMAGEM 57). Trata-se de uma proposta que considera os ídolos do futebol no mesmo patamar de outras personalidades de importância na formação cultural brasileira. Um vídeo de dez minutos é projetado em uma tela arredondada, em frente à qual há bancos que convidam o visitante a um momento de pausa. Ao mesmo tempo, são feitas projeções no vidro do outro lado da sala (IMAGEM 58) com dados biográficos referentes às personalidades tratadas.

IMAGEM 56 Origens acervo pessoal.

IMAGEM 57 Herois acervo pessoal.


A “ sala de que eu mais gostei foi a que contava a história das Copas. É muito impactante. Mas em uma visita só não é possível ver tudo! Tem que voltar várias vezes”. depoimento de visitante IMAGEM 58 Herois acervo pessoal.

A seguir, após passar por uma cortina preta, o visitante se depara com um único vídeo projetado – que exalta a perda histórica da Copa de 50 da seleção brasileira para o Uruguai, no Estádio do Maracanã. Ao fundo, há um som grave de coração pulsante, que comunica com ênfase a mensagem da sala – de que o Brasil perdeu aquela final, mas depois, se consagrou como o único país pentacampeão mundial. Essa sala se chama Rito de Passagem (IMAGEM 59).

IMAGEM 59 Rito de Passagem acervo pessoal.

IMAGEM 60 Copas do Mundo - concepção KAZ, 2014, 145.

Depois, a sala Copas do Mundo

(IMAGENS 60 e 61) traz uma série de

fotos e vídeos relacionando a história das Copas a imagens que rememoram acontecimentos políticos, sociais, econômicos e culturais. A expografia se baseia em oito totens que trazem a história de quatro copas cada um, destacando as vitórias brasileiras na competição. Valoriza-se a importância da imagem para a composição da narrativa proposta para a sala. IMAGEM 61 Copas do Mundo acervo pessoal.

73


A “ chei o espaço um pouco claustrofóbico. Havia poucos momentos de contato com a luz natural. É o oposto da sensação de espaço aberto que se tem quando se está no estádio”. depoimento de visitante

Na sequência, duas vitrines são apresentadas expondo a camisa do Pelé e uma sequência de bolas da Adidas desde 1970. Às vezes, os objetos são substituídos por outras peças, como a camisa doada por Chico Buarque (IMAGEM 62). Em seguida, é feita uma homenagem aos ídolos Pelé e Garrincha (IMAGEM 63), atletas que nunca perderam uma partida jogando juntos pelo mesmo time. A exposição é feita por meio de dois dispositivos suspensos circulares que mostram vídeos e fotos dos jogadores. Há frases iluminadas na cor verde em paineis de LED que circundam o dispositivo. A seguir, o visitante passa por uma passarela de madeira (IMAGENS 64 e 65) suspensa por tirantes que divide em duas partes o percurso museológico. É um espaço interessante no qual se tem contato com a luz natural e com o ambiente externo, sendo possível avistar a Praça Charles Müller e o Bairro do Pacaembu. A passarela suspensa, ainda, aproxima o visitante de detalhes da arquitetura – como o forro do hall de entrada.

74

IMAGEM 62 Detalhe - vitrine com camisa do Chico Buarque e bolas da Adidas acervo pessoal.

IMAGEM 64 Passarela Radialista Pedro Luiz acervo pessoal.

IMAGEM 63 Pelé e Garrincha acervo pessoal.

IMAGEM 65 Detalhe - vista da passarela acervo pesssoal.


O uso da madeira para a execução da passarela remete à construção do edifício, na qual foram utilizadas formas de madeira para auxiliar na concretagem. Além disso, deixa evidente que se trata de uma intervenção posterior. A segunda parte do percurso se caracteriza pela exacerbação da proposta interativa. A primeira sala, Números e Curiosidades, apresenta um grande almanaque que comenta regras, estatísticas, movimentos de futebol, curiosidades, depoimentos e frases célebres de radialistas e personalidades em paineis coloridos (IMAGENS 67 e 68). A estrutura do dispositivo expográfico se assemelha tanto àquela utilizada na Sala das Origens, quanto na Sala das Copas – recordando andaimes e estruturas de construção. Nas placas, pode-se ressaltar o uso de cores fortes, letras grandes e desenhos didáticos. Em meio às placas, há vitrines com objetos do cotidiano relacionados ao tema – como bolas, chuteiras, cartões de árbitros, apitos, etc. – e pequenas telas onde são mostrados nove vídeos com depoimentos.

Em meio ao percurso, existem mesas de pebolim (IMAGEM 66) para mostrar os diferentes esquemas táticos utilizados pelos treinadores – uma proposta interativa e didática, embora não se utilize de alta tecnologia. A seguir, é possível acessar as arquibancadas, onde o visitante usufrui de uma bela vista do gramado (IMAGENS 69 e 70) e do contato com a luz natural, num momento do percurso que mostra a exuberância do edifício enquanto estádio de futebol.

IMAGEM 66 Detalhe - pebolim mostrando esquema tático acervo pesssoal.

“O Museu tem partes bem legais para quem quer aprender sobre futebol. É muito didática e divertida a sala que explica cada elemento que compõe a partida: escanteio, lateral, grande área, gol, tipos de gol...” IMAGEM 67 Números e Curiosidades - concepção. KAZ, 2014, 149.

IMAGEM 68 Números e Curiosidades acervo pessoal.

depoimento de visitante

75


“Há um terraço que nos permite ver a maravilhosa paisagem do interior do estádio. O verde do gramado; as arquibancadas vazias com suas cadeiras traçando um anel ao redor da original topografia; as torres de iluminação, o tobogã”.

Adiante, encontra-se um ambiente interno e escuro, chamado de Dança do Futebol (IMAGEM 71). A estrutura cenográfica é composta por três bolas gigantes – sendo que dentro de cada uma há três monitores de televisão que mostram vídeos referentes a gestos e movimentos do futebol – como defesa, dribles e gols.

O visitante, então, vislumbra a existência da biblioteca e midiateca (IMAGEM 72), onde pode acessar computadores e um pequeno acervo relacionado ao tema do futebol. À sua frente, encontra uma escada pela qual retorna ao primeiro pavimento. Essa descida é ritmada pela presença de bandeiras dos times brasileiros (IMAGEM 73) – outro exemplo de exposição de objetos do cotidiano.

IMAGEM 71 Dança do Futebol acervo pesssoal.

IMAGEM 72 Biblioteca e Midiateca acervo pesssoal.

IMAGEM 69 Visita à arquibancada acervo pessoal.

REIS, cf. KAZ, 2014, 7.

76

IMAGEM 70 Vista do gramado acervo pesssoal.


forma de um grande fichário (IMAGEM 76).

IMAGEM 73 Detalhe - descida com bandeiras acervo pessoal.

A “ velocidade chute ao gol e o bate-bola nos campinhos virtuais são atrações que a criançada adora. Saí de lá muito surpresa”.

Existe, também, uma a atividade Chute a gol, na qual o visitante é convidado a bater um pênalti num gol virtual. Há um dispositivo que mede a velocidade atingida pelo chute (IMAGEM 77). Além disso, o visitante pode acessar a sua foto durante a atividade no site do Museu. Essa sequência de experiências agrada muito ao público infantil, que consegue se divertir de forma lúdica com atividades relacionadas ao futebol.

depoimento de visitante

De volta ao primeiro pavimento, encontra-se a sala Jogo de Corpo – que apresenta a maior concentração de atividades interativas do Museu. Um dispositivo ótico (IMAGEM 74) mostra imagens relacionadas ao mundo do futebol seccionadas e espelhadas de modo a formarem a imagem de uma bola. Há pequenos campos virtuais projetados no chão nos quais é possível chutar e interagir com uma bola virtual (IMAGEM 75). Ainda, existe um catálogo com informações sobre os times brasileiros de futebol, exposto em

IMAGEM 74 Detalhe - dispositivo ótico acervo pesssoal.

IMAGEM 75 Jogo de Corpo - gramado interativo acervo pesssoal.

77


O percurso continua com uma espécie de sala na qual é possível assistir a um vídeo se sentando numa pequena arquibancada (IMAGEM 78). O fechamento desta sala, bem como da área Chute a gol, é feito com telas recordando ambientes de quadras de esportivas. Logo na saída, há a presença de mais três monitores (IMAGEM 79) que exibem detalhes de jogadores – apenas possíveis de serem captados com câmeras de alta tecnologia. IMAGEM 76 Detalhe - fichário com times brasileiros acervo pessoal.

IMAGEM 79 Detalhe - exibição de vídeos acervo pesssoal.

Próximo à escada que conduz novamente ao pavimento térreo, o Museu presta sua Homenagem ao Pacaembu (IMAGEM 80). São expostas reproduções do projeto original numa tela interativa, uma série de fotografias do edifício nas décadas de 1940 e 50, uma maquete e um filme sobre a inauguração do estádio, cedido pela Cinemateca Brasileira.

78

IMAGEM 77 Chute a Gol - atividade interativa acervo pesssoal.

IMAGEM 78 Projeção de vídeo e arquibancada acervo pesssoal.


Na saída, há uma loja de artigos esportivos (IMAGEM 81) e um bar (IMAGEM 82), no qual é possível assistir a partidas de futebol transmitidas pela televisão. O acesso a esses espaços é público e independe da visita ao Museu.

“É uma delícia o barzinho no estádio do Pacaembu. Mesmo quando não visito o Museu, assistir a jogos ali é muito agradável”. depoimento de visitante

IMAGEM 80 Homenagem ao Pacaembu acervo pesssoal.

IMAGEM 81 Loja esportiva acervo pessoal.

IMAGEM 82 Bar Brahma acervo pesssoal.

79


2.2.5.

recepção do público

A média mensal de público do Museu do Futebol referente ao período de 2008 a 2010 é de 33.664 visitantes/ mês - segundo cálculos feitos a partir de dados fornecidos pelo Museu. O cálculo considerou os meses de outubro a dezembro no ano de 2008.

A visitação do Museu do Futebol no ano de 2009 superou as expectativas e atingiu o número de 367,8 mil visitantes (www.esportes.estadao. com.br, acessado em 09/11/14). Nota-se que a abertura do Museu gerou grande interesse imediato por parte do público nos três primeiros anos de seu funcionamento, como mostra a tabela a seguir:

12

A média mensal de público do Museu do Futebol referente ao período de 2008 a 2014 é de 31.100 visitantes/ mês - segundo cálculos feitos a partir de dados fornecidos pelo Museu. O cálculo considerou os meses de outubro a dezembro no ano de 2008. 13

Planilha anual de visitantes Museu do Futebol: 2008 88.760 2009 403.516 2010 416.653 2011 324.019 2012 354.663 2013 325.680 2014 419.201 TOTAL 2.332.492 Fonte: Museu do Futebol.

80

Durante os três primeiros anos de funcionamento, o Museu do Futebol apresentou público mensal médio em torno de 34.000 visitantes/mês12. Após esse período, contudo, o público se estabilizou em torno dos 350.000 visitantes/ano.

A média de público recebido fica por volta dos 31.000 visitantes/ mês13, o que mostra um decréscimo não muito significativo em relação aos seus três primeiros anos de funcionamento. O ano de 2014 apresentou o maior afluxo de visitantes ao Museu do Futebol – provavelmente devido ao grande número de turistas que o país recebeu por ocasião da Copa do Mundo, pelo fato de São Paulo ter sido uma das cidades-sede do evento e pela renovação do interesse sobre o tema do futebol nessas circunstâncias. No que se refere à análise dos depoimentos coletados, pode-se dizer que há uma grande distinção de opiniões entre o público que gosta de futebol e o que não gosta. As pessoas que afirmam serem fãs do esporte apresentam tendência muito maior a executar comentários positivos em relação ao Museu. Para quem não gosta, podemos verificar aqueles que passaram a se interessar mais pelo tema depois da visita. Os depoimentos variaram, também, conforme a faixa etária dos en-

trevistados. A proposta interativa, de fato, agrada às crianças, que se divertem com os jogos e com as atividades propostas. No entanto, não as deslumbra tanto – talvez por já estarem acostumadas a experiências de video games e ao mundo digital. É provável que a expografia interativa cause maior impacto no público mais velho, menos acostumado às novas tecnologias e que geralmente espera de um museu outro tipo de abordagem. Outro fator que pode ser destacado é que a mobilização da memória afetiva do visitante é bastante forte na proposta museográfica. Fãs do esporte e pessoas de mais idade, que viveram os momentos recordados pela exposição, se relacionam de modo muito mais íntimo com os conteúdos apresentados que os demais visitantes. Além disso, podemos dizer que o apelo estético é evidenciado pelo público entrevistado, que descreveu a exposição com adjetivos como “bela” e “impressionante”. Uma das salas mais recordadas nos depoimentos foi a Exaltação – pelo fato de transmitir, de maneira impactante, a sensação


de se estar dentro de uma torcida. O gráfico exibido a seguir (GRÁFICO 2) demonstra que vários ambientes disputaram a preferência dos visitantes depois da Sala da Exaltação – como as salas Origens, Copas do Mundo e Números e Curiosidades. Alguns entrevistados acharam o percurso longo e um pouco cansativo, elencando elementos desnecessários para a exposição – como a sala Jogo de Corpo. Outros criticaram a falta de possibilidade de visitar ou se aproximar do gramado – percurso possível em outros museus localizados embaixo de arquibancadas de estádios, como o Museo San Siro, em Milão, e o Museu de la Pasión Boquense, em Buenos Aires. Em relação ao público especializado em arquitetura, não se observaram tantos comentários negativos sobre o projeto de arquitetura como em relação ao Museu da Língua Portuguesa. Os depoimentos, em geral, elogiaram o fato de o Museu mostrar a estrutura do estádio e valorizar as relações com o interior e exterior do edifício.

Por outro lado, alguns visitantes afirmaram achar o percurso proposto para o Museu do Futebol pouco confortável, por não apresentar relação com a luz natural e pouquíssimos momentos de contato com o exterior.

“O Museu se afirmou como lugar da família. Pesquisas demonstram que os visitantes se distribuem igualmente em todas as faixas etárias e classes sociais”. KAZ, 2014, 141.

24%

12%

12%

12%

12%

12%

12% 6%

Exaltação Copas do Origens Números e Jogo de Mundo Curiosidades Corpo

GRÁFICO 2 Resultado das entrevistas Espaços lembrados pelos visitantes.

Gols

Pelé e Rito de Garrincha Passagem

81



2.3.

museu do cinema turim, itรกlia, 2000 mole antonelliana


2.3.1.

concepção e proposta

O cenógrafo suíço François Confino possui trabalhos de grande notoriedade espalhados pelo mundo, como o Shuzou Science Museum, na China (2005); o Museu da Torre de David, em Jerusalém (2009), o Memorial da Escravidão, em Guadalupe (2014) e o Museu do Vinho, na China (2015). Em Turim, trabalhou tanto nas duas montagens executadas para o Museu do Cinema (2000 e 2006), quanto para o Museu do Automóvel (2011).

O Museu Nacional do Cinema se apresenta como “um lugar especial e único em seu gênero” (www.

14

(www.confino.com, acessado em 12/03/15).

E a partire dagli ambienti della Mole, lo scenografo svizzero François Confino ha lavorato d’ingegno e fantasia, moltiplicando i percorsi di visita per dare vita a una presentazione spettacolare, che investe il visitatore di continui e inattesi stimoli visivi e uditivi, proprio come capita quando si assiste alla proiezione di un film capace di coinvolgere ed emozionare”. 15 “

“Non si può pensare a un Museo del Cinema solo come un museo di oggetti e macchine, perchè l´essenza del cinema è il film”.

museocinema.it, acessado em 01/10/14),

devido à sua inovadora expografia e à sua proposta tecnológica e interativa. O cenógrafo suíço François Confino14 foi o responsável pelos projetos cenográficos do Museu do Cinema – um executado em 2000, e o segundo, em 2006. De acordo com o site do Museu, “E a partir dos ambientes da Mole, o cenógrafo suíço François Confino trabalhou com talento e fantasia, multiplicando os percursos de visita para dar vida a uma apresentação espetacular, que submete o visitante a contínuos e inesperados estímulos visivos e auditivos, como acontece quando se assiste à projeção de um filme capaz de envolver e emocionar15 ”. (www.museocinema.it, acessado em 01/10/14, trad. nossa).

perfeitamente no discurso de criação de lugares temáticos apresentado anteriormente – que usa a expografia interativa para materializar um tema imaterial. Para o cenógrafo, o tema do cinema apresenta componentes de movimento e imagem que não se encerram apenas numa coleção de objetos. Conforme suas próprias palavras, “Não se pode pensar num Museu do Cinema só como um museu de objetos e máquinas, porque a essência do cinema é o filme16”. (CONFINO, in: www.museocinema. it, acessado em 01/10/14, trad. nossa).

Assim, percebe-se que a opção pelo uso de recursos tecnológicos consiste numa opção fundamental adotada pelo projeto para lidar com o tratamento do patrimônio imaterial. Segundo o cenógrafo, a proposta consiste em:

16

84

O Museu, deste modo, promete uma verdadeira experiência sensorial ao visitante, cuja participação deve ser ativa de acordo com o percurso proposto. Sua concepção se encaixa

“Um mergulho de imersão total no mundo das imagens em movimento e da ficção. Num lugar de excepcional importância arquitetônica criamos um templo

do cinema, uma homenagem à Mole Antonelliana 17”. (CONFINO, in: www.museocinema. it, acessado em 01/10/14, trad. nossa).

De fato, como veremos mais profundamente adiante, a relação com o espaço arquitetônico é buscada em alguns ambientes do Museu, sendo que outros privilegiam a criação de cenários e a imersão do visitante num mundo não-real. Além disso, as zonas expositivas se misturam com propostas de experimentação e simulação do cinema, criando um espaço dinâmico e interativo. A aproximação do patrimônio imaterial é presente na proposta do Museu do Cinema, que se apresenta como “(...) guardião de uma matéria viva, como viva é a arte tecnológica do cinema, destinada a se renovar constantemente18” (VERGERIO, 2002, 8, trad. nossa). Ou seja, da mesma forma que os demais casos estudados neste trabalho, o Museu do Cinema se apresenta como uma proposta atual, viva e que necessita de renovação constante.


Além disso, existe o desejo de que o Museu do Cinema seja um espaço de entretenimento, que deve suscitar emoções positivas no visitante – a exemplo dos parques temáticos – como pode ser vislumbrado pelo trecho: “Há interesse e satisfação em ver as pessoas saírem felizes do Museu do Cinema 19”. (VERGERIO, 2002, 8, trad. nossa).

17 “Un tuffo in immersione totale nel mondo dell´immagine in movimento e della fiction. In un luogo di eccezionale levatura architettonica abbiamo creato un tempio del cinema, un ommagio complice e ammiccante alla Mole Antonelliana”.

“(...) custode di uma materia viva, come viva è l´arte tecnologica del cinema, destinata a rinnovarsi costantemente”

18

“È motivo di interesse e soddisfazione vedere le persone uscire felici dal Museo”. 19

No entanto, ao contrário dos demais casos tratados neste estudo, a preservação do patrimônio imaterial se desenvolveu em torno de uma coleção e da manutenção de acervos ligados ao tema. O desejo de preservar e salvaguardar a memória do cinema levou a fundadora, Maria Adriana Prolo, a coletar documentos cinematográficos, fotografias, revistas e máquinas desde a década de 1940. Atualmente, o Museu conta com um amplo acervo, composto por cerca de 8.500 filmes, 900 aparelhos e objetos de arte, 200.000 documentos fotográficos, 26.000 volumes e 300.000 manifestos e materiais publicitários (www.italiadiscovery.it, acessado em 15/10/14).

Ficha Técnica:

Local: Mole Antonelliana Endereço: Via Montebello, 20,

Turim, Itália

Início do projeto: 1994-95 Conclusão da obra: 2000 Data da inauguração oficial:

20.07.2000

Área construída: 3200m² Supervisão e coordenação geral:

Fundação Maria Adriana Prolo Projeto de restauro: Gianfranco Gritella e Antes Bortolotti Projeto estrutural: Paolo Napoli e Vittorio Nascè

Projeto museográfico:

François Confino

(ANGELINI, 2007,1).

85


2.3.2.

implantação

Circarama é uma sala cinematográfica com tela em 360°, construída pela FIAT próxima ao Museu do Automóvel de Turim, em ocasião das celebrações de 1961 pelo centenário da unificação da Itália. A sala Circarama foi incorporada ao Museu do Cinema em 1968, sendo considerada uma “relíquia cinematográfica”.

A primeira sede expositiva que recebeu o Museu do Cinema foi o Palazzo Chiablese, em Turim, no ano de 1958. Nesse espaço, era exposta parte da coleção de lanternas mágicas, objetos e maquinários de cena, organizados em torno de um percurso composto por dezesseis salas, uma galeria para mostras temporárias e uma sala de projeções.

20

(CAMPAGNONI e PACINI, 2008, 12).

Depois de sete anos, contudo, o Museu passou a ser reconheci-

do como Museu Nacional do Cinema e estava em plena expansão. Nesse contexto, considerou-se que o espaço arquitetônico do Palazzo Chiablese era inadequado para abrigar cenários cinematográficos, espaços interativos e a coleção de fotografias históricas – que faziam parte das novas diretrizes do Museu. Além disso, havia o desejo de se acrescentar novos programas: biblioteca, sala de leitura, cineteca, arquivo, fototeca e outras coleções – o que requeria acréscimo de áreas.

Nesse sentido, algumas alternativas foram estudadas para resolver a questão do espaço físico do Museu. No final da década de 1970, avaliou-se a possibilidade de instalá-lo num projeto de edifício novo, com trinta salas expositivas e espaço para exposições temporárias, adjacente ao Circarama20. Em 1977, cogitou-se a possibilidade de remontar o Museu do Cinema partes anexas do Museu do Automóvel. Além disso, pensou-se em adquirir novas salas expositivas no antigo Pala-

5

2

4 3

IMAGEM 83 Mole Antonelliana em Turim www.gritellaassociati.com, acessado em 12/03/15.

86

IMAGEM 84 Localização www.googlemaps.com, acessado em 14/03/15.

6

1

1. Museu Nacional do Cinema Mole Antonelliana 2. Palazzo Madama 3. Museu Egípcio 4. Museo Nazionale del Risorgimento 5. Palazzo Reale 6. Museu do Rádio e da Televisão


zzo Chiablese. Contudo, a Mole Antonelliana acabou sendo escolhida como nova sede do Museu do Cinema pelo próprio impacto cenográfico que o edifício apresenta na cidade de Turim (IMAGEM 83). O edifício da Mole é bastante impressionante em relação à arquitetura da cidade – dada a sua verticalidade acentuada e às suas próprias características arquitetônicas bastante singulares.

um roteiro cultural e turístico, com distâncias percorríveis a pé, composto pelo Museu do Rádio e Televisão, Museu Egípcio, Palazzo Madama, Museo Nazionale del Risorgimento e Palazzo Reale (IMAGEM 84). Além disso, relativamente próximos ainda estão a Galleria Sabauda e o Museu de Antiguidades. Um pouco mais distante, é possível visitar o Museu de História Natural.

Projetado originalmente como sinagoga pelo arquiteto Alessandro Antonelli, em 1863, o edifício nunca foi efetivamente utilizado por questões técnicas e administrativas. Assim sendo, a instalação do Museu do Cinema nesse edifício permitiu que o público não só conhecesse, mas também se relacionasse com um edifício que até então apenas compunha a paisagem da cidade. Pode-se, inclusive, considerar que a instalação do Museu nesse edifício acaba consolidando o já existente circuito de interesse cultural na cidade. A localização do Museu próximo ao centro histórico de Turim conforma

87


2.3.3.

projeto arquitetônico

O Studio Gritella começou suas atividades em 1985, ocupando-se principalmente de trabalhos na área do restauro e da recuperação de edifícios históricos. Em Turim, o escritório foi responsável pelo restauro da Mole Antonelliana e do Palazzo Reale.

A Mole Antonelliana (IMAGEM 85), edifício emblemático na cidade

21

(www.gritellaassociati.com, acessado em 12/03/15).

de Turim, abriga atualmente o Museu Nacional do Cinema. Construída em 1863, foi concebida pelo arquiteto Alessandro Antonelli originalmente como uma sinagoga. Em 1878, foi adquirida pela Comune di Torino para exercer a função de monumento à unificação nacional.

A obra só foi concluída em 1889 e, na época, era o edifício de alvenaria mais alto da Europa, atingindo 167m. Consiste, até hoje, num dos principais símbolos arquitetônicos de Turim, devido à sua grande altura e destaque em relação aos demais edifícios que compõem a paisagem da cidade.

88

Uma das principais características da Mole Antonelliana é a presença de um elevador panorâmico que rasga o centro do edifício, levando a um terraço no topo, a partir do qual pode se obter uma vista panorâmica da cidade. O elevador foi inserido no edifício em 1961, ocasião da celebração dos cem anos da unificação da Itália, e renovado em 1999, com as obras de restauro que permitiram a implantação do Museu. A subida é feita numa cabine de

vidro transparente, em um único arco a céu aberto sem planos intermediários entre a partida e a chegada. O referido projeto de restauro executado para o edifício em 1996 e concluído em 1999 é de autoria dos arquitetos Gianfranco Gritella e Antes Bortolotti21 (CAMPAGNONI e PACINI, 2008, 9). Tal projeto propunha a restauração do edifício e a estruturação interna do Museu do Cinema. As obras previam reforço estrutural, adequação às normas de segurança contra incêndio, recuperação das decorações da cúpula e das fachadas externas. De acordo com a entrevista executada com o arquiteto Gianfranco Gritella (ANEXO 4), o projeto de arquitetura desenvolveu dois princípios fundamentais: restaurar e requalificar o edifício da Mole Antonelliana e possibilitar o acesso interno aos pavimentos superiores do edifício – dada a ausência das escadas originais. Partindo dessas premissas, criou-se um percurso expositivo partindo do grande salão, com objetivo de possibilitar o acesso interior do edifício, destinado a receber as coleções.

IMAGEM 85 Mole Antonelliana em Turim acervo pesssoal.


As novas estruturas propostas foram projetadas utilizando aço associado a sistemas de construção préfabricados, apoiados sobre as bases de concreto armado que datam do período entre 1920 e 1950, aproximadamente. Isso permitiu que se executasse o restauro das partes antigas do edifício, destacando a intervenção posterior.

Com base nas indicações do projeto arquitetônico e do programa fornecido pela direção do Museu do Cinema foi executado o projeto de intervenção tecnológica e cenográfica de François Confino.

Os elementos principais instalados sobre as bases de concreto foram a escada helicoidal e um sistema de distribuição de rampas de aço suspensos (IMAGENS 87, 88 e 90) no grande salão do Museu, chamado de Sala do Templo (IMAGENS 89 e 91). Tais bases também sustentam as estruturas expositivas do primeiro pavimento e todas as estruturas no pavimento térreo. Também foi necessário executar a readequação do elevador panorâmico (IMAGEM 86). No pavimento enterrado, os arcos em tijolos originais de Alessandro Antonelli foram deixados à mostra de acordo com o projeto arquitetônico, compondo espaços como a sala dedicada à Mole Antonelliana e a loja de souvenires.

89


90

IMAGEM 86 Croqui - elevador www.gritellaassociati.com, acessado em 13/03/15.

IMAGEM 88 Croqui – rampa helicoidal e escada www.gritellaassociati.com, acessado em 13/03/15.

IMAGEM 90 Construção da escada www.gritellaassociati.com, acessado em 13/03/15.

IMAGEM 87 Croqui - detalhe do apoio das rampas www.gritellaassociati.com, acessado em 13/03/15.

IMAGEM 89 Croqui – Grande Salão www.gritellaassociati.com, acessado em 13/03/15.

IMAGEM 91 Grande Salão, 1988 CAMPAGNONI, 2006, 6.


A

B 94/95

92

92. Elevador 94. Cabiria Caffè e Museum Store 95. Cabiria Caffè 96. Área informativa sobre a Mole

96

E

A legenda numérica corresponde à localização das imagens que compõem o item 2.3.4. da monografia.

C

D

A. Administração B. Cafeteria . restaurante C. Bilheteria D. Guarda volumes E. Loja Planta nível +0 Fonte: Museu do Cinema.

2

5

10 N

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104 106

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DET. 1 pg. 96

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98. Teatro de Sombras 99. Ótica 100. Ótica 101. Ótica 102. Caixas Óticas 103. Panorama 104. Lanternas Mágicas 105. Movimento 106. Fotografia 107. Cronofotografia 108. O Nascimento do Cinema A legenda numérica corresponde à localização das imagens que compõem o item 2.3.4. da monografia. Planta nível +5 Fonte: Museu do Cinema.

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10 N

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DET. 3 pg. 97

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116 DET. 2 pg. 96

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109. Salão Central 110. Detalhe - telões, elevador e poltronas 111. Detalhe - telão de projeção 112. Cabiria - entrada 113. Detalhe - ambientação do espaço Cabiria 114. Turim 115. Detalhe - mesa e exibição de fotos e cartazes 116. Big Bang 117. Amor e Morte 118. Absurdo 119. Absurdo - entrada 120. Animação 121. Horror 122. Espelhos 123. Cinema Experimental 124. Verdadeiro e Falso 125. Detalhe - escada A legenda numérica corresponde à localização das imagens que compõem o item 2.3.4. da monografia. Planta nível +10 Fonte: Museu do Cinema.

2

5

10 N

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130 126. Exposições temporárias rampa helicoidal 127. Cenografia 128. Figurinos 129. Atores e Elenco 130. Roteiros 131. Estrelas 132. Diretores 133. Estúdios 134. Produção 135. O público e as salas 136. Chroma key 137. Truques e Efeitos Especiais 138. Montagem 139. Storyboard 140. Tomadas A legenda numérica corresponde à localização das imagens que compõem o item 2.3.4. da monografia. F. Laboratórios Planta nível +15 Fonte: Museu do Cinema.

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DET. 4 pg. 97

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136 F


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141. Galeria dos Cartazes A legenda numérica corresponde à localização das imagens que compõem o item 2.3.4. da monografia. Planta nível +18 Fonte: Museu do Cinema.

2

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5 N

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DETALHE 1 - museografia Teatro de Sombras, Ótica e Caixas Óticas - nível +5 Fonte: Museu do Cinema.

DETALHE 2 - museografia Capela do Amor e da Morte, Cabiria e Turim - nível +10 Fonte: Museu do Cinema.


5 DETALHE 3 – museografia Capela Verdadeiro e Falso, Ficcção Científica, Espelhos, Horror e Absurdo – nível + 10 Fonte: Museu do Cinema.

DETALHE 4 – museografia Estúdios, Produtores, Público e Chroma Key – nível + 15 Fonte: Museu do Cinema.

N

97


2.3.4.

percurso museológico

“Para chegar ao terraço, você entra num elevador de vidro com os cabos de aço totalmente expostos, dentro da sala principal do Museu. A sensação é de estar flutuando. É realmente impressionante. E a vista lá de cima é maravilhosa”.

Após comprar as entradas, o visitante é conduzido a uma fila no interior do edifício que leva diretamente ao elevador (IMAGEM 92) – com acessos separado da entrada do Museu. Durante a subida de 85m, que dura quase um minuto, é possível ter uma vista muito interessante do interior da Mole – uma vitrine para o próprio Museu do Cinema. A ausência de patamares intermediários e a visibilidade externa dos cabos de aço que levam os visitantes ao topo da Mole causam a impressão de que o elevador flutua, rasgando o edifício.

depoimento de visitante

98

A subida com o elevador alcança um terraço panorâmico, a partir do qual é possível ver a cidade de Turim e seus arredores, incluindo os Alpes (IMAGEM 93). Mesmo atingindo um espaço de total interação com o exterior, é nessa subida que o visitante se desconecta do ambiente externo, relaxa e aprecia as vistas da cidade. Além disso, tem a expectativa pela visita do Museu aguçada pelo vislumbre impactante de sua volumetria interna. Depois de descer com o elevador, quem adquiriu as entradas para o segue o percurso. De qualquer manei-

ra, existem acessos a alguns espaços independentes do ingresso: o Cabiria Caffé e a loja Museum Store (IMAGENS 94 e 95), localizados no pavimento térreo. Em tais lugares, é possível ver os arcos originais do projeto de Antonelli deixados à mostra pelo projeto de arquitetura e restauro. Este pavimento ainda conta com o Juke Box, espaço aberto ao público em 2013 que oferece audição gratuita das coleções sonoras cinematográficas do acervo. Ainda, no nível enterrado é possível acessar uma área informativa sobre a Mole Antonelliana (IMAGEM 96), na qual estão expostas uma maquete 3D e paineis com desenhos e relevos, mostrando as fases de construção do edifício. Neste espaço, também é possível ver a estrutura dos arcos de Antonelli.

IMAGEM 92 Elevador Folder Museu do Cinema.

Em seguida, os visitantes são conduzidos a uma escada lateral por onde acessam o percurso expositivo.

IMAGEM 93 Vista de Turim do topo da Mole acervo pessoal.


22 “Segue um percurso non rígido, lasciato alla sua libera scelta, che ha um prologo già al piano terra, dove si trova un´area espositiva dedicata alla storia della Mole accessibile anche al pubblico di non vedenti”.

IMAGEM 94 Cabiria Caffè e Museum Store www.spaghi.it, acessado em 18/10/14.

“O Museu é bonito e interessante! Talvez seja um pouco infantilizado, mas é bem estruturado e os ambientes são bem montados. Além disso, visitar a Mole já vale a pena. É estupenda por dentro”.

IMAGEM 96 Área informativa sobre a Mole www.brgstudio, acessado em 15/10/14.

Uma das principais diferenças entre o percurso no Museu do Cinema em relação aos demais casos é que o museu adota um sistema de circulação não-dirigida (IMAGEM 97), como mostra o trecho:

IMAGEM 95 Cabiria Caffè www.spaghi.it, acessado em 07/05/15.

“Segue um percurso não rígido, deixado à livre escolha, que tem um prólogo já no pavimento térreo, onde se encontra uma área expositiva dedicada à história da Mole acessível também ao público de deficientes visuais22 ”.

(CAMPAGNONI e PACINI, 2008, 13, trad. nossa).

depoimento de visitante

IMAGEM 97 Circulação não-dirigida CAMPAGNONI, 2008, 8.

99


A “ s legendas que ficavam em tablets funcionavam mal. Não tenho paciência para ficar apertando a tela várias vezes e ler um texto pequeno, sem informações relevantes”. depoimento de visitante

100

Assim, o visitante é deixado livre para percorrer as áreas do Museu de acordo com suas preferências. O interesse do visitante é estimulado durante todo o percurso, uma vez que a ambientação do Museu do Cinema possui forte apelo visual, sendo baseada em baixa luminosidade do ambiente, em contraponto a flashs de luzes que colocam alguns elementos em evidência. A escolha da cor vermelha para compor a comunicação visual do Museu, associada ao projeto de luminotécnica e aos demais elementos expográficos utilizados, cria uma atmosfera hollywoodiana no ambiente, fazendo o visitante se sentir como se estivesse no momento da entrega do Oscar. A cúpula da Mole, por outro lado, recebe iluminação diferenciada, acentuando o contraste entre as áreas expositivas e o espaço arquitetônico. Ela é iluminada como as obras que a expografia coloca em evidência, constituindo um exemplo da arquitetura tratada como elemento em exposição. O primeiro pavimento expositivo proposto (nível +5) se chama Arqueologia do Cinema. O percurso proposto é composto por oito salas temáticas que apresentam espetáculos

óticos e dispositivos que marcam etapas fundamentais do nascimento do cinema, mostrando as tentativas que precederam o surgimento da produção cinematográfica. A proposta busca estabelecer contato com o visitante por meio da interatividade. O público deve tocar e explorar com as mãos os aparelhos expostos, a fim de conhecer os princípios técnicos que possibilitam seu funcionamento. São usados, também, outros artifícios expográficos – como vitrines mostrando coleções de objetos (materiais de cena, esboços, fotografias) e projeções de vídeos. Legendas digitais e tags permitem o acesso a mais informações e curiosidades sobre as obras expostas, além de incentivar o contato digital com a instituição museal.

O primeiro espaço do percurso é o Teatro de Sombras (IMAGEM 98), que explora a projeção de sombras de folhas de papel recortadas em formas humanas e de animais sobre fundo branco. A expografia apresenta vitrines com objetos originais, monitores com informações e as próprias projeções de sombras. O percurso, contudo, não mostra a arquitetura da Mole, focando-se nos objetos e nas atividades propostas.

A sequência narrativa proposta nesse patamar apresenta teatros de sombras, caixas óticas e lanternas mágicas. São revelados, também, os segredos do movimento, fotografia, estereoscopia, cronofotografia e do cinema dos irmãos Lumière. IMAGEM 98 Teatro de Sombras www.daringtodo.com, acessado em 18/10/14.


A seguir, o visitante é conduzido ao espaço dedicado aos experimentos de Ótica (IMAGEM 99), no qual é possível interagir com sistemas baseados nos dispositivos óticos, compostos por lentes e espelhos. A expografia conta com paineis explicativos, projeções e atividades que exigem a participação do visitante – como os modelos da Mole Antonelliana, cuja visualização varia de acordo com as lentes (IMAGEM 100). Existe, também, um dispositivo que explica, de modo didático, o conceito de distância focal (IMAGEM 101) – no qual o visitante vê a própria imagem invertida.

Na sequência, encontram-se as Caixas Óticas (IMAGEM 102), máquinas que mostram imagens no fundo de aparelhos de visualização individual, associadas a paineis explicativos.

IMAGEM 100 Ótica www.media.tumblr.com, acessado em 18/10/14.

A próxima atração proposta se chama Panorama (IMAGEM 103), na qual o visitante se depara com imagem 360°, e entra em contato com desenhos de paisagens, tendo a ilusão de se encontrar em um ambiente real. Além disso, a componente temporal é inserida na proposta, ao passo que o visitante é submetido a uma variação progressiva de luminosidade, simulando a passagem do dia.

“Uma parte interessante foi a que explicava conceitos de ótica. Era possível vivenciar fisicamente as experiências propostas”. depoimento de visitante

Depois, há a sala Lanternas Mágicas (IMAGEM 104) – um dispositivo que projeta imagens aumentadas, possibilitando a realização de experiências coletivas relacionadas à projeção de imagens. O visitante fica fascinado pelas imagens sobrenaturais que surgem no escuro, projetadas por esses aparelhos.

IMAGEM 99 Ótica VERGERIO, 2002, 19.

IMAGEM 101 Ótica acervo Marcos Philipson.

101


A “ chei o Museu bem sucedido em contar a história do cinema e o processo de produção dos filmes ”. depoimento de visitante

Em seguida, existe a sala dedicada ao Movimento (IMAGEM 105), onde é possível ver dispositivos que permitem reproduzir o movimento a partir de uma sequência de imagens estáticas. O visitante é, então, convidado a rodar a manivela de uma máquina, podendo ver a imagem se formando a partir de uma série de fotos.

IMAGEM 103 Panorama VERGERIO, 2002, 22.

IMAGEM 105 Movimento VERGERIO, 2002, 29.

A seguir, no início do século XIX, surge o advento da Fotografia (IMAGEM 106), que permite a materialização de imagens capturadas. A sala que se segue apresenta uma iluminação diferente em relação às anteriores, contando com vitrines que expõem máquinas e exemplos de fotos estampadas do período.

102

IMAGEM 102 Caixas Óticas www.daringtodo.com, acessado em 18/10/14.

IMAGEM 104 Lanternas Mágicas VERGERIO, 2002, 25.


O próximo espaço apresenta ao visitante a Cronofotografia (IMAGEM 107) – que lida com estudos de movimento e de fotografia instantânea que se fundem para animar as imagens. Na sequência, existe a sala O nascimento do cinema (IMAGEM 108). É o primeiro espaço que apresenta pequenos filmes em aparelhos individuais, a exemplo da experiência das caixas óticas. A projeção em telas amplas marca o surgimento do cinema.

O Salão Central, localizado no nível +10, conta com o elevador panorâmico no centro, cujo vaivém constante pode ser apreciado pelo público. O efeito de suspensão propiciado pelos finos cabos expostos causa espanto e dramaticidade.

IMAGEM 107 Cronofotografia VERGERIO, 2002, 32.

IMAGEM 106 Fotografia VERGERIO, 2002, 30.

IMAGEM 108 O Nascimento do Cinema VERGERIO, 2002, 34.

Todo o salão é repleto de poltronas vermelhas para o visitante se reclinar e observar projeções que ocorrem diretamente na cúpula (IMAGEM 109) ou nos telões. As poltronas (IMAGEM 110) apresentam autofalante incorporado, não causando ruídos perturbadores para as demais atividades. É feita a projeção em telões de três filmes de vinte minutos cada: “Il cinema muto a Torino”, “Ballabile in bianco e nero” e “Ballabile a colori”, de Gianni Amelio (IMAGEM 111). A intervalos regulares, as projeções se interrompem para execução de espetáculo de luz e som na cúpula. O espaço é dominado pela presença da reprodução de Cabiria, o primeiro colossal italiano produzido em Turim. Ele faz parte de um conjunto de nichos que circundam o espaço, dedicados a temas e gêneros cinematográficos diversos: Animação, Absur-

103


“No térreo há dois telões onde se projetam filmes. Há também aquelas magníficas poltronas onduladas para deitar e assistir às projeções na cúpula. É realmente uma surpresa incrível”. depoimento de visitante

104

do, Amor e Morte, Big Bang, Cinema Experimental, Cinema 3D, Espelhos, Horror, Ficção Científica, Velho Oeste, Turim e Verdadeiro e Falso. Cada espaço apresenta uma cenografia própria, com forte apelo visual, e introduz um espaço adjacente que induz à surpresa do visitante. Cada tema é desenvolvido de um modo muito particular – o que gera um conjunto de espaços não uniforme no térreo. Nas capelas são expostos objetos referentes aos temas, como peças de figurinos, fazendo o visitante se sentir num set de filmagem. Ou seja, objetos que compõem o vasto acervo do Museu são, como estratégia expográfica, ambientados em cenários espetaculares. A Capela Cabiria, por exemplo, tem sua entrada marcada pelo “monstro devorador de crianças, Molok” (VERGERIO, 2002, 67) (IMAGEM 112), objeto não original que desempenha função cenográfica. Dentro da sala, pinturas, mobiliário e cortinas recriadas a partir da ambientação do filme compõem um cenário instigante, marcado por telas com projeções de trechos do filme (IMAGEM 113).

IMAGEM 110 Detalhe - telões, elevador e poltronas www.exhibit.com, acessado em 07/-5/14.

IMAGEM 109 Salão Central e projeções na cúpula www.exhibit.com, acessado em 07/05/15.

IMAGEM 111 Detalhe - telão de projeção VERGERIO, 2002, 78.


IMAGEM 112 Cabiria - entrada VERGERIO, 2002, 67.

IMAGEM 113 Detalhe - ambientação do espaço Cabiria VERGERIO, 2002, 68.

Por sua vez, a Capela Turim homenageia a cidade a partir de uma acolhedora ambientação de café (IMAGEM 114), na qual o visitante tem a possibilidade de se sentar nos balcões do bar enquanto assiste a trechos de filmes e admira fotografias e cartazes expostos nas paredes (IMAGEM 115). Da capela Cabiria, também é possível acessar o espaço dedicado ao Cinema 3D, bem como a Capela Big Bang (IMAGEM 116), local de explosões de emoções – sejam de felicidade, de lágrimas, de caminhões ou de bombas. A ambientação para essa capela conta com poltronas suntuosas que remetem a épocas passadas – objetos cenográficos, inseridas num cenário de demolição. Já a Capela do Amor e da Morte (IMAGEM 117) convida ao percurso por um longo corredor, chegando, no final, a quarto nupcial com luz suave, ambientado com cortinas vermelhas e uma grande cama redonda que gira sobre si mesma ao tiquetaquear de um relógio. O visitante pode se acomodar no colchão e nos travesseiros para assistir a projeções de cenas no teto do baldaquino.

A “ s salas temáticas eram bem legais, mas começaram a ficar desatualizadas. O ideal seria ter só filmes clássicos, ou atualizar constantemente”. depoimento de visitante

IMAGEM 114 Turim VERGERIO, 2002, 70.

IMAGEM 115 Detalhe - mesa e exibição de fotos e cartazes VERGERIO, 2002, 71.

105


A seguir, a capela do Absurdo

A “ capela do Amor e da Morte era muito bacana. Tinha uma cama onde dava para deitar e se sentir dentro do filme”.

(IMAGENS 118 e 119) sugere outro tipo

depoimento de visitante

IMAGEM 116 Big Bang VERGERIO, 2002, 81.

106

IMAGEM 117 Amor e Morte VERGERIO, 2002, 73.

de ambientação, partindo do pressuposto de que, no cinema, tudo é possível. Logo, trabalha no mundo do irracional e do imprevisível. A entrada da sala é marcada por uma enorme geladeira dotada de asas – elemento cenográfico – fora de escala e que estimula a fantasia e o imaginário. Um exemplo de espaço proposto nessa capela é a sequência de banheiros iluminados que possibilitam assistir a cenas absurdas da história do cinema.

IMAGEM 118 Absurdo - sala dos banheiros VERGERIO, 2002, 78.

IMAGEM 119 Absurdo - entrada VERGERIO, 2002, 77.


O próximo espaço proposto é a capela da Animação, dedicada ao mundo fantástico dos desenhos animados e que explora o universo dos cartoons (IMAGEM 120). Da Capela do Absurdo também é possível acessar a área Horror (IMAGEM 121), na qual o visitante é recepcionado por um caixão do Drácula com a tampa ligeiramente aberta e é convidado a reviver algumas das cenas mais pavorosas da história do cinema. Adiante, encontra-se a sala Espelhos (IMAGEM 122), na qual a imagem do visitante é refletida indefinidamente por espelhos que recobrem paredes, piso e teto. O visitante, nesse caso, torna-se o protagonista principal da atividade, vendo a si mesmo como num autorretrato surpreendente. A seguir, encontra um espaço dedicado ao Velho Oeste e, logo após, à Ficção Científica. Por sua vez, a área Cinema Experimental (IMAGEM 123) cria o ambiente de um laboratório de cientista maluco, a partir de filmes destruídos, acessórios fora de uso, agentes químicos empilhados, entre outros elementos cenográficos.

IMAGEM 120 Animação Folder Museo del Cinema.

IMAGEM 122 Espelhos VERGERIO, 2002, 82.

IMAGEM 121 Horror VERGERIO, 2002, 64.

IMAGEM 123 Cinema Experimental VERGERIO, 2002, 83.

107


Antes de entrar, o visitante passa por uma “sala de descontaminação”, depois da qual assume o papel de “cientista maluco”, sendo estimulado por pequenas telas escondidas em todos os cantos do laboratório – nas pias, no forno, abaixo da prateleira do balcão, no teto, nas vitrines, etc.

Depois de percorrer essas atrações – que remetem diretamente a atividades propostas em parques temáticos – o visitante tem a possibilidade de subir por uma escada suspensa (IMAGEM 125) e acessar os demais níveis, que se desenvolvem em torno de uma rampa helicoidal (IMAGEM 126) que percorre todo o volume interno da Mole.

Já a sala Verdadeiro e Falso

(IMAGEM 124) apresenta o cinema

como um jogo de ambiguidades entre verdadeiras aparências realizadas com falsos materiais. É esse o próprio jogo proposto pela sequência de capelas – criação de ambientes cenográficos irreais, que parecem verdadeiros. O primeiro espaço cria a ilusão de ser uma sala habitada pelas pessoas retratadas nas fotografias sobre os móveis. É possível se sentar nos sofás, como se o visitante estivesse num ambiente doméstico. No entanto, duas telas declaram o objetivo da sala: uma transmite ensaios de eventos que realmente aconteceram, enquanto a outra retrata os mesmos eventos, mas com abordagem cinematográfica.

108

A escada e a rampa apresentam grande plasticidade, remetendo formalmente a um filme desenrolado. Ambas são suspensas por cabos de aço – um sistema estrutural delicado e praticamente invisível – dando a impressão de que estão flutuando. No percurso das rampas ocorrem exposições temporárias, desde 2001, com exibição de cartazes de filmes dramaticamente iluminados por fachos de luz.

IMAGEM 124 Verdadeiro e Falso VERGERIO, 2002, 84.


IMAGEM 125 Detalhe - escada acervo pessoal.

IMAGEM 126 Exposições temporárias - rampa helicoidal www.exihibit.com, acessado em 07/05/15.

No seguinte pavimento (nível +15), A máquina do cinema, apresentam-se diversos componentes da indústria cinematográfica – como estúdios de produção, direção, roteiros, estúdios cinematográficos, atores, figurinos, cenografias, storyboard, máquina de filmagem, montagem do filme, truques e efeitos especiais. A sequência culmina na sala cinematográfica.

camarins das estrelas, etc.

Logo na entrada, o espectador se vê simbolicamente projetado na tela à sua frente, sendo colocado no centro de uma cena que o envolve num universo de ficção como o dos filmes. A seguir, é mostrado todo o percurso de idealização, produção e distribuição de um filme, a partir de inusitadas montagens cenográficas, incluindo documentos de produção, objetos de cena, fotografias e esboços.

A primeira sala trata da Cenografia (IMAGEM 127). Há desenhos e esboços que remontam ao espaço idealizado para o desenvolvimento da história. Esses materiais são associados a projeções em telas e papeis de parede.

A sequência de espaços proposta para esse nível parte do conceito da recriação de ambientes – nos quais se misturam fotografias, croquis originais, peças de figurinos e projeções de trechos de filmes em meio à cenografia. São reconstituídos ambientes de produção, gabinetes dos diretores,

Criam-se, assim, espaços ficcionais e desconectados da arquitetura, mas que remontam a ambientes externos e criam o percurso da sequência de etapas envolvidas na produção cinematográfica. O uso de papeis de parede e iluminação artificial compõe o conjunto dos espaços propostos para a sequência.

A seguir, encontra-se uma área dedicada aos Figurinos (IMAGEM 128), onde há peças em exposição que apresentam forte valor para a história do cinema – como os figurinos de Joan Crawford, Lawrence Olivier, Tyrone Power e o chapéu de Charles Chaplin. O tratamento dessas peças é diferenciado em relação aos elementos cenográficos – uma vez que são valorizadas em vitrines e identificadas com placas explicativas e legendas.

A “ chei linda a escada que se desenrolava dentro da Mole como se fosse um filme”. depoimento de visitante

109


O próximo espaço se chama Atores e Elenco (IMAGEM 129), e traz em exposição fotos, croquis e peças de figurinos de atores de importância. Na sala Roteiros (IMAGEM 130) foi criado um ambiente que remonta ao escritório no qual os roteiros são escritos. Há a exibição de documentos originais, como o roteiro original de Psycho, doado por Hitchcock.

”É muito legal imergir numa atmosfera retrô, feita de fotos e objetos de época que se fundem às novas tecnologias. Como fundo, a imponente e teatral visita da Mole Antonelliana”. depoimento de visitante.

IMAGEM 127 Cenografia VERGERIO, 2002, 47.

IMAGEM 130 Roteiros VERGERIO, 2002, 44.

Logo, a sala Estrelas (IMAGEM 131) traz o mito das divas – como

Greta Garbo, Rita Hayworth, Marilyn Monroe e Sophia Loren – a partir da reconstituição de seus camarins, com elementos cenográficos e fora de escala. Já a sala Diretores (IMAGEM 132) apresenta a coordenação dos elementos presentes no filme por meio de vitrines com croquis e ambientação de papeis de parede e projeções em telão.

110

IMAGEM 128 Figurinos VERGERIO, 2002, 46.

IMAGEM 129 Atores e Elenco VERGERIO, 2002, 44.


O seguinte espaço, Estúdios

(IMAGEM 133), remonta aos lugares

IMAGEM 131 Estrelas VERGERIO, 2002, 39.

IMAGEM 132 Diretores VERGERIO, 2002, 44.

onde se realiza a magia do cinema – estúdios cinematográficos como Warner, Columbia, Fox e Universal. A seguir, há uma sala dedicada à Produção (IMAGEM 134), que propõe a reconstituição do gabinete do produtor a partir de elementos cenográficos como a mesa de trabalho e da exposição de fotos nas paredes. Depois, existe o espaço O público e as salas (IMAGEM 135), que apresenta o surgimento e desenvolvimento da sala cinematográfica aos espaços Imax, 3D e digital.

IMAGEM 133 Estúdios VERGERIO, 2002, 41.

IMAGEM 134 Produção VERGERIO, 2002, 40.

IMAGEM 135 O público e as salas VERGERIO, 2002, 39.

111


“Uma das atividades de que eu mais gostei foi o chroma key. Tem uma câmera e uma televisão. Você pode selecionar um cenário e interpretar na frente de um fundo verde, enquanto na tv aparece o filme no cenário que você escolheu. É muito divertido. Você se sente parte do filme”.

A seguir, o visitante é submetido a uma sequência de experiências interativas: Chroma Key, Matte painting e Meliès. No Chroma Key (IMAGEM 136), o visitante se senta diante de uma câmera e de um monitor. É possível selecionar uma cena e interpretar na frente do fundo verde – localizado atrás do visitante. O filme produzido na hora aparece em tempo real na televisão. Depois, a sala Truques e Efeitos Especiais (IMAGEM 137) mostra o uso de maquiagens, modelos mecânicos e fantoches, que substituem elementos cenográficos em escala reduzida.

depoimento de visitante

112

IMAGEM 136 Chroma key acervo Marcos Philipson.

Há vitrines com fantoches e modelos, associadas a papeis de parede e projeções que mostram esses elementos. Como elementos originais em exposição, podemos citar o alienígena do filme Aliens – batalha final, de James Cameron. Por sua vez, a sala Montagem (IMAGEM 138) mostra o processo de seleção do material, montagem e composição do filme. Nesse processo é explicada a etapa do storyboard (IMAGEM 139) – estudos de sequências de enquadraturas cinematográficas. Há a exposição de exemplos clássicos, como o storyboard executado para Hitchcock. As reproduções de desenhos são acompanhadas de monitores que exibem a cena descrita nos paineis. Na sequência há uma sala dedicada às Trilhas Sonoras dos filmes seguida pela sala Tomadas. Ali, são mostradas câmeras de filmagem, paineis com fotos, papel de parede e projeções (IMAGEM 140). A última parte do percurso, Filme, apresenta o produto final de todo o processo tratado nas salas anteriores.

IMAGEM 137 Truques e Efeitos Especiais VERGERIO, 2002, 57.

IMAGEM 138 Montagem VERGERIO, 2002, 54.


O próximo pavimento (nível +18) apresenta a Galeria dos Cartazes (IMAGEM 141), que traz a história dos cinemas, dos filmes e dos atores. É mostrada a evolução do gosto figurativo, da gráfica e dos cartazes publicitários – agrupados por cinematografia, movimentos e períodos históricos. O visitante se diverte reconhecendo filmes, atrizes e personagens conhecidos, num espaço em que é mobilizada a memória coletiva e afetiva. IMAGEM 139 Storyboard VERGERIO, 2002, 48.

IMAGEM 140 Tomadas VERGERIO, 2002, 51.

É possível verificar a delicadeza dos suportes dos cartazes, levemente suspensos, e a estrutura da Mole aparente. Todo o aparato instalado para a expografia não se contrapõe à arquitetura existente, mostrando-a e se relacionando com ela a partir do princípio da reversibilidade da intervenção. Além disso, é possível ver o espaço-síntese, a Sala do Templo, do alto – um ponto de vista privilegiado da arquitetura do Museu.

IMAGEM 141 Galeria dos Cartazes VERGERIO, 2002, 59.

113


2.3.5.

recepção do público

Apenas a Galleria dell´Accademia, em Veneza; os Musei Vaticani e a Villa Borghese, em Roma; o Museo Egizio e o Museo del Cinema, em Turim; e o Cenacolo, em Milão, apresentaram mais visitantes em 2008 em relação ao ano anterior. (VAVASSORI, 2009, 10).

Inaugurado em 2000, em oito anos, a visitação do Museu do Cinema superou os 3,5 milhões de visitantes (www.museocinema.it, acessado em 29/11/14) – o que constitui um alto índice de visitação. Em 2008, foi o 13º museu mais visitado na Itália (VAVASSORI, 2009, 10), sendo um dos poucos que apresentou crescimento do número de visitantes em relação a 200723.

23

A média mensal de público do Museu do Cinema referente ao período de 2000 a 2014 é de 40.582 visitantes/mês - segundo cálculos a partir de dados fornecidos pelo Museu. O cálculo considerou os meses de agosto a dezembro no ano de 2000. 24

A média mensal de público do Museu do Cinema referente ao período de sua primeira montagem, de 2000 a 2005, é de 37.551 visitantes/mês segundo cálculos a partir de dados fornecidos pelo Museu. 25

A média mensal do público do Museu do Cinema referente ao período de sua segunda montagem, de 2006 a 2014, é de 46.578 visitantes/mês segundo cálculos a partir de dados fornecidos pelo Museu. 26

114

Ao analisar o público recebido pelo Museu do Cinema desde a sua inauguração, vemos que o público médio recebido pelo Museu fica em torno dos 40.000 visitantes/mês24, uma quantidade bastante superior em relação aos casos brasileiros estudados. Além disso, é possível destacar dois momentos principais em relação ao afluxo de público: a primeira montagem (2000) e a segunda montagem (2006) do Museu, ambas realizadas pelo cenógrafo François Confino.

Planilha anual de visitantes Museu do Cinema: 2000 194.797 2001 361.403 2002 339.767 2003 340.110 2004 369.488 2005 384.644 2006 534.665 2007 526.811 2008 532.196 2009 522.336 2010 565.798 2011 608.451 2012 566.842 2013 567.977 2014 605.321 TOTAL 7.020.606 Fonte: Museu do Cinema.

Na ocasião da primeira montagem do Museu, o público mensal médio recebido ficava por volta dos 38.000 visitantes/mês25. Com a reinauguração do Museu por ocasião da segunda montagem, vemos que o público mensal médio subiu para os quase 47.000 visitantes/mês26.

Em relação à análise dos depoimentos, podemos dizer que grande parte dos entrevistados afirmou ter gostado de conhecer a Mole Antonelliana por dentro e se declarou surpreendida após a visita ao Museu. O espaço mais lembrado durante os depoimentos foi o Salão Central, conforme mostra o gráfico a seguir (GRÁFICO 3). O elevador panorâmico, embora seja uma das experiências mais impactantes da proposta do Museu pela maior parte dos entrevistados, foi evitado por alguns visitantes por medo da segurança. A experiência recorda parques de diversão, de acordo com alguns depoimentos. Além disso, a paisagem alcançada é um dos pontos de vista mais privilegiados da cidade de Turim. Por outro lado, o próprio elevador incentivou alguns dos entrevistados a visitarem o Museu. Alguns dos visitantes afirmaram achar a questão da interatividade um pouco infantil. Contudo, a maior parte ficou deslumbrada com os projetos gráfico e cenográfico. Alguns itens, como o Chroma key, foram lembrados pelo público durante as entrevistas. A


reconstituição dos cenários dos filmes foi considerada interessante segundo a maior parte dos depoimentos, pois leva o visitante a vivenciar a atmosfera dos filmes. A reprodução de Molok também foi um elemento bastante recordado pelos visitantes. Alguns depoimentos afirmaram que a expografia foi feliz ao explicar, de maneira didática, o funcionamento das câmeras e das lentes. Não houve reclamação quanto à falta de acervo – problema identificado pelos visitantes nos casos brasileiros. Contudo, algumas reclamações foram feitas no que se refere ao uso de dispositivos tecnológicos para permitir o acesso a legendas e informações. Foi questionada a necessidade de existirem aqueles dispositivos – principalmente porque não funcionavam corretamente e tornavam a visita mais lenta e demorada.

22% 17% 13%

13% 9% 4%

Salão Central

4%

Produção Elevador Capelas do Filme

4%

Chroma Panorama Key

4%

4%

Ótica

Teatro de Sombras

4%

Fotografia Galeria dos Exposições Cartazes Temporárias GRÁFICO 3 Resultado das entrevistas Espaços lembrados pelos visitantes.

Além disso, a necessidade de renovação constante do acervo foi lembrada por alguns visitantes, que consideraram o Museu desatualizado em alguns aspectos.

115



capĂ­tulo 3

anĂĄlise comparativa


3.

análise comparativa O capítulo anterior apresentou os estudos de caso propostos, a partir da descrição e análise das soluções adotadas nos projetos de arquitetura e de museografia. Por sua vez, o presente capítulo tem como objetivo compreender como é feito o tratamento museo-

3.1.

Quanto à composição do percurso museológico, serão analisados o esquema de circulação, as etapas do percurso e os espaços do museu.

recursos interativos e tecnológicos, da criação de espetáculos de luz e som e da criação de ambientes e cenários. Em geral, os percursos propostos mesclam esses tipos de soluções, aprovei-

tando características do edifício, do acervo ou da tecnologia expográfica.

temática; - Reproduções de objetos, geralmente fora de escala, apresentadas como elementos ilustrativos e cenográficos.

Por isso não há nenhum objeto de acervo em exposição no Museu da Língua Portuguesa, tampouco no Museu do Futebol – salvo a camisa do Pelé e as bolas da Adidas, oriundas de doações.

objetos Nos casos estudados, podemos verificar a existência de três categorias de objetos colocados em exposição:

118

Para tanto, alguns itens foram selecionados de modo a conduzir a análise comparativa proposta. No que se refere às soluções expográficas, serão analisados a presença de objetos

em exposição, o uso de tecnologia e interatividade, o uso de projeções, a criação de espetáculos de luz e som, a ambientação e a criação de cenários.

soluções expográficas No tratamento do patrimônio imaterial, é possível verificar que as soluções expográficas utilizadas são bastante criativas e variadas – partindo, ou não, da presença de objetos, de

3.1.1.

gráfico e arquitetônico do patrimônio imaterial, analisando comparativamente os casos apresentados.

- Objetos pertencentes a acervos, exibidos em vitrines e devidamente legendados; - Objetos do cotidiano, exibidos em vitrines a título de ilustração

Os museus brasileiros não apresentam a aquisição de acervos como a frente principal de sua estruturação.

Por outro lado, o Museu do Cinema foi concebido a partir da coleção


de um vasto acervo de filmes, aparelhos, obras de arte, documentos fotográficos, volumes, manifestos e materiais publicitários. Uma parte desse acervo é mostrada ao público na exposição permanente, recebendo tratamento diferenciado pela expografia. Geralmente, são colocados dentro de vitrines e recebem legendas e etiquetas com informações – o que remete ao conceito de exposição sistemática (ROQUE, 2010, 63-64).

senrolados na entrada da sala Cinema Experimental.

Objetos do cotidiano, que não apresentam valor de historicidade ou autenticidade, também aparecem em exibição nos três casos estudados. Nos exemplos brasileiros, essas peças são tratadas de modo análogo a objetos que pertencem a acervos – dentro de vitrines e com legendas explicativas. Podemos citar como exemplo os totens na sala Palavras Cruzadas, no Museu da Língua Portuguesa; ou as vitrines com bolas nas sala Números e Curiosidades, no Museu do Futebol.

No Museu da Língua Portuguesa, são exibidas reproduções de capas de livros na Linha do Tempo. No Museu do Futebol, reproduções de objetos usados pelos torcedores na sala Grande Área. No Museu do Cinema, é possível ver a reprodução de Molok na entrada da Capela Cabiria.

Esse tipo de objeto também aparece no Museu do Cinema – porém, para compor uma instalação, ambientando o espaço. Como exemplo, é possível lembrar dos filmes de-

Os três museus também apresentam uma terceira categoria de objetos em exibição: reproduções de objetos. Nesses casos, não são objetos verdadeiros, mas cópias, fotos ou reproduções, geralmente fora de escala. São, na verdade, elementos evocativos de objetos que não estão presentes.

A presença de objetos no percurso museológico propõe ao visitante duas escalas de atenção: em relação ao espaço arquitetônico no qual se encontra e em relação ao objeto. Segundo as entrevistas realizadas, podese perceber que o visitante espera ver uma coleção de objetos num museu – o que justifica comentários sobre a ausência de acervo principalmente no

Museu da Língua Portuguesa. No entanto, a inserção de objetos do cotidiano em vitrines acaba criando uma atmosfera de museu, embora sejam objetos sem valor de historicidade e autenticidade. Ocasionalmente, esses objetos – assim como as reproduções de objetos – acabam deixando o visitante em dúvida sobre o que está, de fato, vendo durante a visita. Por outro lado, as reproduções de objetos apresentam um forte caráter plástico e cenográfico, podendo dialogar com a arquitetura e impressionar o espectador. É possível criar uma atmosfera de deslumbramento no visitante por meio da exposição de reproduções – de forte apelo visual e geralmente fora de escala – o que aproxima, mais uma vez, de soluções utilizadas em parques temáticos.

119


3.1.2.

tecnologia e interatividade Todos os museus estudados propõem atividades que exigem participação ativa do visitante – podendo, ou não, utilizar recursos de alta tecnologia. Em geral, são atividades que estimulam sua curiosidade – uma vez que oferecem a ele a possibilidade de escolher o que deseja ver. Podem, também, consistir em jogos e experiências lúdicas, com forte caráter pedagógico e educativo. É possível dividir essas atividades em três grupos: - Atividades interativas que não envolvem tecnologia; - Atividades interativas de alta tecnologia; - Monitores para navegação de acordo com os interesses do visitante.

120

É possível propor atividades interativas de caráter explicativo ou didático que não utilizem recursos tecnológicos. No Museu do Futebol, por exemplo, é possível citar a presença do pebolim com objetivo de explicar os esquemas táticos das equipes. Já no Museu do Cinema, existem equipamentos de ótica nos quais o visitante observa atrás das lentes para compreender como ocorre a distorção das

imagens. Por outro lado, as atividades interativas podem utilizar recursos tecnológicos. Geralmente, estão associadas a espaços escuros, de modo a valorizar as luzes dos equipamentos e a criar uma atmosfera digital no ambiente. Assim, ocupam espaços privados de iluminação natural ou com janelas bloqueadas pelo aparato expográfico. Como exemplo, pode-se lembrar da mesa interativa no Beco das Palavras (IMAGEM 142), no Museu da Língua Portuguesa; dos campos virtuais na sala Jogo de Corpo (IMAGEM 143), no Museu do Futebol; e da sala Ótica (IMAGEM 144) no Museu do Cinema. São atividades voltadas para os públicos jovem e infantil que associam aprendizagem a entretenimento. Embora a tecnologia utilizada seja cada vez mais comum na vida contemporânea, a proposta dos equipamentos é algo que só se encontra no museu (vale recordar o exemplo do sensor que mede a velocidade do chute no Museu do Futebol).

As propostas de monitores que oferecem a possibilidade de se escolher o que se deseja ver, por sua vez, se aproximam diretamente do cotidiano das pessoas no mundo de hoje – uma vez que seu funcionamento é muito semelhante ao de sites na internet, nos quais um clique faz abrir uma tela. Nesses casos, o visitante passa a ser responsável pela construção de seu próprio conhecimento. Por exemplo, no Museu da Língua Portuguesa, podemos citar o Mapa dos Falares; no Museu do Futebol, os dispositivos Gols e Rádio; no Museu do Cinema, as Lanternas Mágicas.


IMAGEM 142 Beco das Palavras acervo pessoal.

IMAGEM 143 Jogo de Corpo acervo pessoal.

IMAGEM 144 Ótica acervo Marcos Philipson.

121


3.1.3.

projeções e espetáculos de luz e som Soluções expográficas que envolvem projeções de vídeos são bastante comuns nos museus estudados, podendo se apresentar de quatro maneiras distintas: - Projeção de vídeos curtos em pequenas telas, assistidas pelo visitante em pé; - Projeção de vídeos associada a bancos; - Projeção de vídeos em auditórios; - Espetáculos de luz e som. Nos casos brasileiros, identificou-se que vídeos curtos pontuam alguns trechos do percurso museológico, a título de ilustração dos temas propostos. Por exemplo, na Linha do Tempo, no Museu da Língua Portuguesa, e nos paineis da sala Números e Curiosidades, no Museu do Futebol.

122

Para vídeos de maior duração, geralmente a expografia associa à projeção bancos para o público se sentar – o que favorece a permanência no espaço. Mesmo assim, na maioria das vezes, o visitante acaba vendo apenas trechos e fragmentos dos vídeos apresentados, de acordo com o momento

da visita em que se deparou com a projeção. No Museu da Língua Portuguesa, há um grande banco linear que acompanha as projeções na Grande Galeria. No Museu do Futebol, podese citar o exemplo dos bancos defronte ao telão na sala Herois. Já no Museu do Cinema, o visitante pode assistir a vídeos sentado nas cadeiras do café criado na capela Turim. É possível citar espaços que favorecem ainda mais a concentração para assistir ao vídeo ou à projeção: auditórios fechados, nos quais o visitante toma um assento e é obrigado a se deter no local durante a exibição do vídeo. Nesses casos, o vídeo é assistido por inteiro – não apenas fragmentos, como no caso anterior. No Museu da Língua Portuguesa, o auditório pertence ao percurso museológico, sendo utilizado na exposição permanente. O Museu do Futebol também conta com um auditório, mas que não pertence ao percurso principal – sendo utilizado apenas para eventos específicos. Por sua vez, o Museu do Cinema apresenta, num

edifício anexo, a Multissala Cinema, na qual funciona um cinema, com programação gerida pelo próprio Museu. Um dos espaços mais ricos dentre os observados nos estudos de caso é o que propõe espetáculos de luz e som revelando a estrutura do edifício. São propostas que exploram as potencialidades da tecnologia expográfica, revelando e tirando partido dos espaços mais relevantes da arquitetura. No caso do Museu da Língua Portuguesa, existe a Praça da Língua (IMAGEM 145). Por sua vez, no Museu do Futebol, o espetáculo acontece na sala Exaltação (IMAGEM 146). No Museu do Cinema, no Salão Central (IMAGEM 147). Esses espaços deslumbram e impressionam os espectadores, geralmente sendo os mais recordados pelo público depois da visita – conforme verificado pelas entrevistas. A experiência multissensorial remete ao Pavilhão Philips (Le Corbusier e Iannis Xenakis, 1958) – no qual ocorre a fusão entre o espaço arquitetônico, luz e som – constituindo um verdadeiro espetáculo.


IMAGEM 145 Praça da Língua JODIDIO, 2010, 245.

IMAGEM 146 Exaltação CORBIOLI, 2008, 82.

IMAGEM 147 Salão Central www.exhibit.com, acessado em 07/05/15.

123


3.1.4.

ambientação e criação de cenários A composição do percurso museológico é mantida principalmente pelos seguintes elementos: - Ambientação por meio do uso de luzes, cores, elementos plásticos e recursos tecnológicos; - Ambientação por meio da criação de cenários e ambientes ficcionais; - Comunicação visual; - Estratégias de iluminação. As estratégias de ambientação visam a possibilitar a imersão na proposta temática, sendo que o visitante se esquece do que acontece no mundo exterior e se desliga da passagem do tempo. Por isso, a maior parte dos espaços propostos é privada de luz natural. Esse tipo de concepção – característica de shoppings centers e de lugares temáticos (GHIRARDO, 2002, 122) – é rompida nos espaços em que o visitante tem contato com o exterior do edifício. Vale ressaltar que são momentos pontuais em que o museu exibe o próprio edifício como parte do percurso.

124

No entanto, a busca pela imersão pode ser o partido principal do

projeto museográfico – como no Museu da Língua Portuguesa, em que o revestimento de preto em espaços privados de luz natural cria uma atmosfera digital, valorizando a cor laranja dos elementos de comunicação visual, balizadores do percurso. No Museu do Futebol, o partido de projeto considerou que a melhor estratégia para promover a imersão seria recordar que o visitante está sob as arquibancadas do estádio durante todo o percurso. Assim, o fundo cenográfico utilizado foi a própria arquitetura – por meio da exposição da estrutura do edifício. As estratégias de ambientação utilizadas no Museu do Cinema apresentam duas ideias muito bem definidas. Uma delas é mostrar o edifício da Mole Antonelliana no Salão Central, a partir do uso de elementos plásticos como a rampa helicoidal e a escada. A segunda ocorre por meio da criação de cenários nos espaços adjacentes – como a sequência de capelas, por exemplo. Esses ambientes são desconectados da arquitetura na qual se inserem, visando à criação de espaços ficcionais. A questão da ambientação –

relacionada ao conceito de exposição ecológica (ROQUE, 2010, 63-64) – influencia diretamente na memória que o visitante tem do museu e do edifício em que se encontra. Ainda, deve-se ressaltar a importância da comunicação visual, responsável por manter o diálogo entre o museu e o público e orientar o visitante durante o percurso. No caso do Museu da Língua Portuguesa, nota-se o uso da cor laranja nos elementos comunicativos, tais como placas e totens. No Museu do Futebol, esses elementos apresentam menor impacto visual devido ao uso da cor cinza. Já o Museu do Cinema utilizou o vermelho para marcar esses elementos. Além do uso de cores e do design dos elementos comunicativos, pode-se destacar as estratégias de iluminação para a composição dos espaços. No Museu da Língua Portuguesa, a luz laranja pode ser considerada o principal fio condutor do percurso. Por sua vez, no Museu do Cinema, é possível destacar a clara intenção de criar uma atmosfera hollywoodiana, com a utilização de flashs e focos de iluminação bem definidos durante o percurso.


percurso museológico O percurso museológico é composto por uma sequência de etapas às quais o visitante é submetido – a partir de um discurso narrativo. Para tanto, um dos fatores principais é o esquema de circulação que deriva do projeto de arquitetura e condiciona o trajeto a ser feito durante a visita. Além disso, as etapas do percurso são importantes na concepção do discurso, a partir de elementos derivados do campo do teatro e das artes cênicas. Em geral, a concepção

das etapas do percurso visa a seduzir e convencer o visitante da própria experiência temática, valorizando os espaços mais interessantes da arquitetura como “espaços-síntese” da proposta museológica. Ainda, discorreremos sobre os espaços recorrentes no percurso dos três estudos de caso, e sobre os novos espaços que compõem os museus contemporâneos – dinamizando a proposta do museu e contribuindo para a atração de novos públicos.

esquema de circulação O esquema de circulação proposto deriva diretamente da solução de arquitetura adotada, condicionando e orientando o percurso do visitante dentro do museu. Existem dois tipos de esquemas:

orientar no espaço, tampouco há a possibilidade de conduzir seu próprio percurso. O Museu da Língua Portuguesa e o Museu do Futebol adotam ou ao menos sugerem esse princípio de circulação.

- Circulação dirigida; - Circulação não-dirigida.

Já no esquema de circulação não-dirigida, é o visitante quem monta seu percurso, explorando as atividades de acordo com sua curiosidade. O Museu do Cinema é um exemplo desse tipo de circulação. Nesse caso, a sinalização e a orientação do visitante

No esquema de circulação dirigida, o visitante segue de modo despreocupado a sequência de espaços propostos. Não há necessidade de se

3.2.

3.2.1.

por meio de mapas e placas indicativas devem ser feitas com mais cuidado – levando em conta que o visitante pode se perder ou deixar de ver partes da exposição.

125


3.2.2.

etapas do percurso Conforme tratado no item 1.3., o percurso do museu é composto por três etapas principais (DAVALLON, cf. GONÇALVES, 2004, 92): - Processo de ruptura com o mundo cotidiano; - Condução ao “ato principal” – aquisição de instrumental para atribuir significado à exposição; - Ápice do percurso. A ruptura com o cotidiano é o momento em que o visitante se desconecta do mundo externo para imergir na proposta do museu. Coincidentemente, no Museu da Língua Portuguesa e no Museu do Cinema, a ruptura com o cotidiano é feita pelo elevador. Já no Museu do Futebol, a ruptura ocorre na sala Pé na Bola, na qual tem início a proposta tecnológica e o escurecimento e redução do espaço. A condução ao ato principal é o percurso que leva ao ápice do percurso – o mais importante na transmissão do discurso museológico. Pressupõese, então, uma hierarquização dos espaços que compõem o percurso do museu.

126

No Museu da Língua Portuguesa, a condução ao ato principal é feita pela Grande Galeria, a partir da qual o visitante acessa o espaço Palavras Cruzadas (IMAGEM 148) – que pode ser considerado o ápice do percurso porque reúne a mais expressiva concentração dos elementos propostos e é onde o visitante passa a maior parte do tempo de sua visita. Já no Museu do Cinema, podese observar que o visitante é conduzido pela rampa helicoidal até acessar o Salão Central (IMAGEM 150), espaçosíntese, uma vez que confere unidade volumétrica aos níveis propostos. Trata-se do espaço mais valorizado pela proposta do museu, podendo ser avistado de diversos pontos da arquitetura – inclusive do elevador, que é o elemento de ruptura. No caso do Museu do Cinema, o espaço-síntese coincide com o espaço onde ocorrem os espetáculos de luz e som. Esse fator acentua sua importância no discurso, sendo o lugar mais recordado ao final da visita. De acordo com a análise executada, o Museu do Futebol não apre-

senta uma hierarquia bem definida entre os espaços apresentados. Assim, não é possível identificar um espaço que conduza a outro, de maior relevância no discurso expográfico. O espaço mais importante em termos de articulação arquitetônica é a Grande Área – o hall de entrada, que conta com pé direito triplo e marca tanto a entrada do museu, como a separação entre as duas partes do percurso (uma ascendente, outra descendente). No entanto, a Grande Área não pertence ao discurso museológico, sendo apenas um espaço de recepção. Possivelmente, o ápice do percurso seja a sala Copas do Mundo (IMAGEM 149), que é visível da sala Grande Área e que marca o fim da primeira parte do percurso. É um espaço de forte apelo visual pela tecnologia e pelo design dos aparatos expográficos.


IMAGEM 148 Palavras Cruzadas acervo pessoal.

IMAGEM 149 Grande Área acervo pessoal.

IMAGEM 150 Salão Central CAMPAGNONI, 2006, 25.

127


3.2.3.

espaços do museu Embora tratem de temas diferentes, alguns tipos de espaços foram identificados na composição do discurso expográfico dos três museus estudados: - Espaços que apresentam narrativas histórico-cronológica; - Espaços que homenageiam o edifício; - Espaços que se relacionam com o meio externo; - Criação de novos espaços – como restaurantes, lojas, cafés, livrarias, espaços cyber, etc. Narrativas cronológicas são recursos que aparecem em todos os casos estudados – uma vez que contextualizam o visitante sobre o período histórico tratado, além de ser um recurso extremamente didático. No Museu da Língua Portuguesa, o espaço principal onde acontece esse tipo de narrativa é a Linha do Tempo. Já no Museu do Futebol, vários espaços trazem cronologias, como a sala Origens e a sala Copas do Mundo. No Museu do Cinema, é possível citar como exemplo a Galeria dos Cartazes.

128

Outro tipo de espaço recorrente

são salas que homenageiam o edifício no qual o museu está instalado. São espaços que, de alguma forma, mostram a arquitetura original e o exaltam por meio da expografia – com placas, cartazes e maquetes sobre o edifício em questão. A sala O projeto de restauro é o único espaço no Museu da Língua Portuguesa em que se pode ver esquadrias e pisos originais do edifício – e a partir do qual é possível vislumbrar os gabinetes administrativos que existiam antes da instalação do Museu. No Museu do Futebol, a sala Homenagem ao Pacaembu enaltece o edifício por meio de fotos e maquetes do estádio. No entanto, o visitante se recorda o tempo todo de que está naquele local, pois a estrutura do estádio é mostrada em quase todas as salas do percurso. O Museu do Cinema também conta com um espaço que presta homenagem à Mole Antonelliana – no qual existem maquetes do edifício e é possível ver os arcos originais do projeto de Antonelli. Os três casos também apresentam espaços de relação com o meio externo, a partir dos quais é possível ter vistas do exterior do edifício. No Museu da Língua Portuguesa, há jane-

las de onde se pode vislumbrar o Parque da Luz e a Pinacoteca do Estado e o acesso à plataforma, mostrando o interior da Estação da Luz (IMAGEM 151). No Museu do Futebol, há uma passarela que permite avistar a Praça Charles Müller e o bairro do Pacaembu. Ainda, há o acesso à arquibancada por onde se pode ver o gramado e o interior do estádio (IMAGEM 152). Por sua vez, o Museu do Cinema apresenta a vista para a cidade de Turim num ponto privilegiado da arquitetura da cidade (IMAGEM 153). Por fim, faz-se oportuno discorrer sobre os novos espaços que compõem o museu contemporâneo, inseridos na perspectiva de ampliação de públicos e de transformação do museu num espaço que mescla cultura, lazer e entretenimento. O projeto do Museu da Língua Portuguesa previa livraria e espaço cyber, que não foram executados. O final do percurso do Museu do Futebol conta com loja de artigos esportivos e com o Bar Brahma. No Museu do Cinema, existe o Café Turim e a loja Museum Store, que possuem acessos independentes em relação ao percurso expositivo.


IMAGEM 151 Acesso Ă plataforma acervo pessoal.

IMAGEM 152 Vista do gramado acervo pesssoal.

IMAGEM 153 Vista de Turim do topo da Mole acervo pessoal.

129


reflexões finais A pesquisa executada teve como objetivo avaliar o tratamento do patrimônio imaterial no museu contemporâneo, a partir dos três estudos de caso selecionados. Para tanto, buscou-se compreender as relações existentes entre arquitetura e museografia, partindo da concepção dos projetos, de sua espacialização e avaliando sua recepção pelo público. Em linhas gerais, podemos observar que os três museus estudados partiram de uma proposta museográfica voltada para a sedução e o entretenimento do público.

130

Os três casos, ainda, constituem exemplos de intervenção em edifícios existentes de relevância histórico-arquitetônica nos contextos onde foram inseridos. Em todos os casos, foi a implantação dos museus que permitiu ao público conhecer áreas antes de acesso restrito, que abrigavam usos administrativos ou que não estavam em condições de uso por questões estruturais. Nesse sentido, os museus propiciaram a apropriação dos edifícios por parte da sociedade – condição que antes não era possível – além de favorecerem o investimento em obras

de reestruturação e requalificação dos edifícios, os quais se encontravam em diferentes níveis de degradação. Em todos os casos, os projetos de arquitetura se relacionaram às pré-existências desenvolvendo partidos arquitetônicos bastante claros. O Museu da Língua Portuguesa buscou constituir um espaço único e longilíneo, deixando evidente o volume da Estação da Luz. Já o Museu do Futebol optou pela preservação da estrutura do Estádio do Pacaembu, baseando sua intervenção no princípio da subtração, removendo elementos pré -existentes que impediam a fruição do espaço museal e deixando a estrutura do edifício à mostra. Em contraponto, a intervenção no Museu do Cinema teve como objetivo garantir a restauração da Mole Antonelliana e permitir novos percursos, partindo do princípio da adição – sendo as estruturas novas de aço apoiadas sobre as bases de concreto armado existentes. Nesse sentido, em todos os casos foram realizadas uma série de adequações – prevendo inserção de sanitários, circulação horizontal e vertical, saídas de emergência, entre outras

alterações – e criando percursos museológicos que em vários momentos aproximavam ou afastavam o visitante do edifício enquanto objeto de arquitetura. Sinteticamente, podemos dizer que três estratégias museográficas bastante diferentes foram utilizadas. O Museu da Língua Portuguesa trouxe fortemente a questão da imersão no espaço do museu – o que pode ser visto pela adoção de soluções expográficas que conformam um espaço com características próprias, na maior parte do tempo desvinculado da arquitetura existente. Por sua vez, a própria arquitetura serviu de cenário para a concepção do Museu do Futebol – que evidenciou a estrutura em todo o percurso museológico. O Museu do Cinema, por outro lado, adotou um sistema de soluções mistas: que mostrou claramente a arquitetura em alguns pontos, mas compôs cenários e ambientes autônomos em outros. De qualquer forma, o estudo permitiu avaliar que os artifícios museográficos e cenográficos adotados criaram diversas formas de percepção e apropriação do espaço. Todos os ca-


sos constituíram exemplos em que a interatividade e a tecnologia foram recursos amplamente utilizados, e que possibilitaram novas formas de aproximação e percepção do visitante em relação ao edifício e ao conteúdo museológico apresentado. Embora a linguagem e os recursos tecnológicos adotados sejam extremamente contemporâneos e amplamente utilizados na atualidade, foi possível apreender que o uso de tais recursos no espaço do museu é bastante controverso, causando estranhamento nos visitantes, por um lado, e deslumbramento, por outro. Conforme o trecho: “Geralmente, a interação exige contato físico ou uma postura ativa para que a obra aconteça, o que incomoda alguns visitantes pela ruptura com os valores e convenções tradicionalmente cultivados pelo espaço da arte”. (LAPA, 2011, 116).

o culto aos objetos e a cultura material De acordo com a coleta de depoimentos dos visitantes, foi possível perceber que a ideia de museu-relicário ainda está presente na cabeça das pessoas, configurando uma expectativa que os visitantes possuem. Referências ao culto aos objetos perpassaram a fala de muitos visitantes – o que justifica possíveis frustrações quando esses objetos-relíquia não foram encontrados. De certa forma, a evocação do antigo museu-relicário está presente também na composição das museografias propostas. Observa-se a presença de objetos-relíquia, como a camisa do Pelé e a coleção de bolas da Adidas, no Museu do Futebol, ou objetos-alegoria, como nos totens da sala Palavras Cruzadas, no Museu da Língua Portuguesa. Não foi possível verificar, contudo, uma concepção museológica clara que fundamente a presença desses objetos nos percursos propostos. O Museu do Cinema, por sua vez, apresenta uma série de objetos

-relíquia que satisfariam o desejo do público de observar coleções únicas no espaço museal. São expostos, por exemplo, os figurinos originais de Joan Crawford, Lawrence Olivier, Tyrone Power e o famoso chapéu de Charles Chaplin. Mais do que satisfazer a uma demanda, a presença desses objetos é desejável porque consiste numa importante maneira de preservar testemunhos materiais relacionados à memória do cinema. O estudo apresentado se propôs a pensar se é realmente possível abandonar a existência de um acervo material num museu e quais as consequências dessa opção em relação à preservação patrimonial. Sobre o assunto, destaca-se o trecho: “A cultura material é o suporte material, físico, concreto da produção e reprodução da vida social. Nesse sentido, conforme enfatiza Ulpiano Meneses, os artefatos são considerados sob duplo aspecto: como produtos e como vetores das relações sociais. Não seria exagerado dizer que mesmo uma instituição precisa de um suporte material,

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e este suporte seria sua primeira expressão e sua condição de continuidade”. (BITTENCOURT, 2005, 117).

José Bittencourt aponta, deste modo, para a problemática da inversão de sentido que pode ser verificada em casos que tentam transformar temas em acervos – justamente pela perda da materialidade como suporte da instituição museal. De acordo com o autor, existe um perigo em se colocar questões como materialidade e corporalidade em segundo plano num museu, ainda mais associando-se à hipertrofia da função pedagógica e à atrofia da pesquisa desenvolvida pelas instituições. Conforme o trecho:

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“Ainda que possamos e devamos transcender os limites da corporalidade e da materialidade, somos corpo e matéria também e estamos mergulhados num universo de coisas físicas. Eliminar o acervo no horizonte do museu é comprometer uma das possibilidades mais eficazes de consciência e compreensão dessa dimensão visceral de nossas vidas”. (MENESES, 2010, 5).

Ou seja, a questão do acervo não se trata apenas de uma demanda por culto a objetos, mas da própria preservação dos objetos enquanto documentos e fontes de informação. De acordo com José Bittencourt, não é preciso desvincular-se de uma política de acervos para tratar de temas imateriais – como exemplifica o caso do Museu do Cinema. Afinal: “Um museu de ‘patrimônio imaterial’ pode perfeitamente ter uma política de acervos, elaborada a partir de pesquisas voltadas para as temáticas abordadas pela instituição”. (BITTENCOURT, 2005, 115).

acervo material ou digital? A presença do acervo é uma das grandes diferenças entre o caso italiano e os casos brasileiros estudados – constituindo uma especificidade particular da sociedade que os produziu, na qual a relação entre memória e objetos assume grande potência em termos históricos e culturais. No Brasil, a questão do acervo se apresenta como secundária – sendo que os investimentos principais relacionados à

criação dos museus se voltaram para a proposta expográfica e tecnológica. Na verdade, os estudos de caso mostram uma situação de substituição do acervo físico por bancos de dados relacionados aos temas desenvolvidos pelos museus. Isto é, os esforços de pesquisa executados giram em torno de atividades como coleta de depoimentos, entrevistas, vídeos, filmes, etc. Não são prioridade, portanto, a execução de políticas de aquisição e manutenção de acervos materiais. Por outro lado, o caso italiano enfrenta o problema do museu temático tanto do ponto de vista do acervo material, quanto digital. Algumas questões, deste modo, se colocam: qual o significado de um museu que se alimenta exclusivamente da composição de um banco de dados digital? O acervo digital pode, de fato, constituir um campo de ação museológica nos termos em que são considerados neste estudo? Vídeos, depoimentos e outras formas de arquivos digitais podem vir a constituir um banco de dados, sem dúvidas, que faz parte da preserva-


ção da memória relacionada ao tema. Preservar filmes, por exemplo, é indispensável para garantir a perpetuação da memória do cinema. Ou seja, é perfeitamente possível pensar num núcleo de ação sistematizada que alimente continuamente as políticas de ação museal a partir de arquivos digitais. O grande problema que permeia essa questão é que um museu pautado única e exclusivamente em acervos digitais dispensaria a necessidade de uma visita presencial – uma vez que o indivíduo poderia perfeitamente ter acesso aos conteúdos do banco de dados por meio da internet. Conforme o trecho: “[...] nas exposições “didáticas” os objetos expostos são asfixiados por uma maré de informações audiovisuais – sobretudo verbais – sem que aquilo que é específico do museu – a materialidade das coisas – esteja em causa. Nessa linha, publicações bem cuidadas e ilustradas, vídeos, filmes, CD Roms projetados com competência seriam de longe a melhor solução – e

tornariam o museu de quase nenhuma serventia”. (MENESES, 2010, 9).

De acordo com essa linha de raciocínio, cabe questionar se poderiam websites, CDs ou DVDs substituir a própria existência física do museu, seguindo um processo de desmaterialização do acervo físico e do próprio espaço museal. a caminho do museu virtual? A própria virtualidade do acervo poderia levar a uma concepção de museu virtual, com conteúdos programados para o funcionamento na internet e, portanto, desvinculado da necessidade de um espaço físico (URURAHY, 2013, 17). Propostas como a sala Palavras Cruzadas, Rádio ou Lanternas Mágicas poderiam muito bem ser acessadas pelo público numa plataforma digital, em um website, por exemplo. O museu virtual ainda apresentaria a vantagem de atualizar mais rapidamente os conteúdos abordados. Nos exemplos estudados, nota-se que

há grande defasagem da atualização de conteúdos – o que pode ser visto pelo não atendimento ao acordo ortográfico no Museu da Língua Portuguesa, pela ausência da Copa de 2014 no Museu do Futebol e pela falta de referências a filmes recentes na exposição permanente do Museu do Cinema. Em todos os casos, vê-se que o aparato expográfico acaba servindo de suporte para conteúdos ocasionalmente desatualizados e que poderiam ser acessados pela internet pelos visitantes. Conforme o trecho: “[...] o funcionamento (do museu) depende de aparatos tecnológicos, cuja obsolescência se dará num prazo relativamente curto. Outra questão diz respeito aos próprios custos de funcionamento e da manutenção dos equipamentos ao longo do tempo”. (KÜHL, 2008, 188).

O envelhecimento rápido dos conteúdos apresentados pelos museus acabam, de certa maneira, enfraquecendo o discurso museológico – o que constitui uma questão que deve-

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ria ser ponderada durante o processo de formação das instituições.

do Pacaembu ou do cinema na Mole Antonelliana.

Se não são a unicidade do acervo ou a atualização de conteúdos que levam o visitante ao museu, resta questionar o que garante o interesse e a presença do público pelas propostas museológicas – dado que todos os estudos de caso constituem verdadeiros sucessos de público.

Além disso, o grande afluxo de público a esses museus demonstra que sua existência física gera interesse pela sua visitação, mantendo vivos os debates sobre os temas tratados.

espaço arquitetônico e espaço urbano

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A questão espacial pode indicar uma possível resposta para essa indagação. Afinal, a exposição é tão indissociável do espaço que ocupa quanto das mídias ou conteúdos apresentados. Nesse sentido, a arquitetura e a própria presença do edifício desempenham papel fundamental ao garantir a especificidade dos museus propostos – e a própria necessidade de uma visita presencial a esses espaços. Assim, a importância do edifício na criação dos museus cresce de proporção – ao passo que se torna uma oportunidade única para o visitante vivenciar a experiência da língua portuguesa na Estação da Luz, do futebol no Estádio

A inserção dos museus em circuitos culturais também auxilia na sua divulgação e captação de novos públicos – além de possuírem inquestionável importância urbana ao garantirem a requalificação dos edifícios – seja pela criação de circuitos culturais na cidade, como nos casos do Museu da Língua Portuguesa e do Museu do Cinema – ou pela revitalização de espaços públicos do bairro, como no caso do Museu do Futebol. o edifício como objeto de memória Além disso, a escolha de edifícios-símbolo para a implantação dos projetos museais aponta para a importância da revitalização do patrimônio edificado, dadas as especificidades arquitetônicas dos edifícios e sua importância para a preservação da memória

das cidades. Outro ponto a se considerar é que a existência física dos museus gera renda que financia o próprio desenvolvimento da instituição – seja pela venda de ingressos ou por patrocínios de empresas e parcerias com o governo. Isso não aconteceria, contudo, numa proposta de museu virtual. De certa forma, já se sabia que o website não substituiria o prédio físico do museu (URURAHY, 2013, 35). Afinal, “uma das maiores características do prédio físico do museu é ser um espaço social” (BANDELLI, cf. URURAHY, 2013, 61) – tanto por potencializar relações entre as pessoas, como pelos interesses da sociedade mobilizados na formulação do espaço do museu. Deste modo, vemos que os edifícios em questão apresentam reconhecido valor histórico-cultural para as sociedades que os produziram. Assim, vale questionar em que medida as intervenções de implantação dos projetos consideram o edifício como objeto de memória a ser preservado e exposto ao público.


A questão da memória edificada está presente nos três estudos de caso, como foi possível ver pelas existência de salas que celebram e enaltecem o próprio edifício: O projeto de restauro, Homenagem ao Pacaembu e Mole Antonelliana. Será isso, entretanto, suficiente para garantir a preservação da memória construída? O que significam as intervenções arquitetônicas executadas para a implantação dos museus? Estariam contribuindo para a formação de novas memórias ou obliterando fontes materiais de informação sobre a memória construtiva de sociedades passadas? De fato, a possibilidade de acesso público a edifícios ou partes deles antes inacessíveis cria novas possibilidades de apreensão e de contato da população com marcos da paisagem urbana das cidades, contribuindo para a formação de novas memórias coletivas e criando possibilidades originais de relação da sociedade com o edifício. No entanto, se tratarmos a edificação como objeto portador de elementos com valor documental e simbólico, suporte material do conhe-

cimento e da memória coletiva, podemos questionar se as intervenções para implantação dos percursos museológicos não implicaram em perdas de partes significativas do patrimônio construído e, portanto, da memória das cidades. Isso se relaciona diretamente aos partidos arquitetônicos desenvolvidos. Tanto o desejo de mostrar a volumetria da Estação da Luz, quanto de evidenciar a estrutura do Estádio do Pacaembu levaram a intervenções bastante invasivas em relação aos edifícios existentes. A fundamentação apresentada para o Museu do Futebol parece bastante coerente, justificando a demolição de alvenarias para revelar a estrutura do estádio. As tensões relatadas entre o projeto do Museu da Língua Portuguesa e os órgãos de preservação mostram que as soluções adotadas alteravam muito a concepção original do espaço em nome do projeto novo e geraram polêmica. Da outra parte, o depoimento de Gianfranco Gritella evidencia que o restauro do edifício foi o princípio que norteou a intervenção do Museu do Cinema. Ainda, o arquiteto deixou

claro que os acréscimos ao edifício foram feitos em material distinto, e que o próprio projeto aproveitou a compartimentação existente para compor o percurso museológico – o que pode ser visto pela sequência de capelas ou pelas saletas que contam a história do cinema. Por algum motivo, a compartimentação do edifício foi evitada nos projetos dos museus brasileiros em nome da necessidade de abertura de espaços amplos que permitissem a fluidez do percurso do visitante – o que justifica soluções como a demolição das alvenarias, gerando espaços cheios de pilares como a sala Palavras Cruzadas ou todo o percurso do Museu do Futebol. Poderíamos associar essas opções projetuais adotadas, por um lado, a uma tradição de “museus-galeria”, cuja disposição do percurso ocorre em uma sequência de salas – como a Galleria degli Uffizi, em Florença – em contraponto a “museus modernos” concebidos em espaços amplos – cita-se, como exemplo, o Museu de Arte de São Paulo. As intervenções que evocam, conscientemente ou não, es-

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ses tipos de modelo, acabam gerando projetos mais ou menos invasivos em relação ao patrimônio edificado. Do ponto de vista da restauração arquitetônica, deve-se atentar para o fato de que mesmo propostas que invocam o nome da “cultura”, amplamente divulgadas pela mídia e com enorme sucesso de público podem ir contra o objetivo da preservação de bens culturais (KÜHL, 2008, 194). cultura de massas e espaços residuais O grande afluxo de públicos recebido pelos casos estudados deixa evidente que o museu vem assumindo características de produto cultural relacionado às sociedades de massas. Como pudemos verificar principalmente nos casos brasileiros, em alguns momentos não houve clareza nos processos de formação institucional, o que se reflete diretamente na formulação museológica e expográfica dos museus.

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No caso específico da Estação da Luz, vê-se que as obras de restauro das fachadas externas foram executa-

das antes de se conceber a implantação do Museu da Língua Portuguesa. Depois, o projeto de arquitetura interveio fundamentalmente nas áreas internas do edifício, tendo precedido qualquer formulação do programa museológico. Esse processo gera uma certa fragilidade institucional, que pode ser observada pela não-conclusão de uma série de propostas de espaços previstos pelo projeto arquitetônico, como o espaço cyber e o café, por exemplo. No caso do Museu do Futebol, o processo ocorreu de modo diferente. O projeto de arquitetura e restauro teve, desde o início, o objetivo de implantar o Museu. Contudo, a formulação museológica começou a ser discutida posteriormente. Isso pode ter gerado algumas indefinições de prioridades, como o fato de o acervo ser declaradamente tecnológico, mas aceitar doações de objetos-relíquia, como a camisa do Pelé. Em ambos os casos, pode-se verificar que o problema da preservação da memória material não foi enfrentado, visto que as instituições se desvinculam de políticas de acer-

vos e sistematização de pesquisas, excluindo uma vertente fundamental da preservação do patrimônio, mesmo se tratando de temas imateriais. O processo de formação do Museu do Cinema ocorreu de modo mais estruturado, ao passo que a instituição já era bastante consolidada na ocasião da implantação da nova sede. Entretanto, a proposta do Museu cenográfico e interativo na Mole Antonelliana implicava em profundas mudanças principalmente nas soluções expográficas adotadas. Nesse ponto, os três estudos de caso podem ser equiparados, sendo que a proposta museográfica foi o último projeto a ser desenvolvido, após o início dos projetos de arquitetura. Como produto desse processo, em todos os casos, é possível observar um envelhecimento rápido dos conteúdos apresentados pela tecnologia expográfica, o que consiste num problema de difícil enfrentamento, ao passo que intervenções extremamente recentes sofrem rápida desatualização.


Além disso, em todos os casos, pode-se ver o uso generalizado de recursos tecnológicos e cenográficos, os quais encantam e deslumbram os visitantes, configurando situações de forte apelo estético em todos os casos. A composição do discurso, no entanto, muitas vezes se fundamenta na repetição de elementos gráficos ou conteúdos. Como exemplo, podemos citar a Praça da Língua, cujo espetáculo se baseia na multiplicação de palavras e frases; a Grande Galeria, com projeções repetidas que se proliferam por uma longa empena de 110m de extensão; a Sala das Origens, que mostra uma sequência enorme de fotos relacionadas ao tema do futebol; a Sala Números e Curiosidades, na qual se observa a multiplicação de paineis coloridos; ou as próprias entradas das capelas, no Museu do Cinema, apelando para grande diversidade de estímulos visuais e sensoriais. O foco na esteticidade da expografia é associado à proposta de fazer, do museu, um espaço lúdico e voltado não só à cultura, mas também ao lazer, diversão e entretenimento – o

que leva à apresentação de conteúdos leves e relativamente superficiais, conforme apontado em alguns depoimentos de visitantes. Tal abordagem privilegia o conforto e o prazer, em detrimento do estímulo à capacidade crítica, por exemplo. Trata-se de um discurso que alude a parques temáticos e a outros espaços de entretenimento contemporâneos, nos quais as sensações e reações dos visitantes já são premeditadas. É um exemplo claro a necessidade de transmitir euforia se pensarmos na sequência das salas Rito de Passagem e Copas do Mundo no Museu do Futebol. O visitante não é deixado à vontade para se recordar da tristeza do momento ou do significado da derrota na Copa de 1950 para a história do futebol brasileiro. Logo é engolido pela proliferação de cintilantes infraestruturas de luz, leds e vídeos apresentada na Sala das Copas, que induzem a uma sensação programada de satisfação instantânea. Tais questões se relacionam a processos comuns na produção da arquitetura contemporânea, conforme o conceito de junkspaces, ou “espaços

residuais”, enunciado por Rem Koolhaas (KOOLHAAS, 2000). Essa situação é demonstrada pela associação da preservação da cultura e do patrimônio à formulação de espaços de diversão e entretenimento – o que reitera a preocupação sobre a obliteração de testemunhos históricos do patrimônio edificado frente à intenção de se investir na área da cultura e ao grande sucesso de público que essas instituições recebem; esbarrando, contudo, em questões inquietantes como a própria preservação do patrimônio edificado ou a materialidade do acervo. o museu-evento Não restam dúvidas de que o espaço do museu contemporâneo vem sofrendo profundas transformações. Mesmo quando não se tratam de edificações novas, com arquitetura espetacularizada, os casos propostos mostram que até intervenções em edifícios existentes vem passando por um processo de espetacularização, acentuado pelo uso de mídias expográficas. De acordo com o trecho:

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[...] até então os museus tinham sido apenas depósitos de coisas; impunha-se agora, pôr o público no centro das atenções, não as coisas, e, portanto, o negócio doravante seria provocar interesse – o que significa transformar o museu num centro de lazer: a era do show business começava. (MENESES, 2000, 2). É possível vislumbrar o desejo de gerar interesse nos pressupostos de criação institucional dos casos estudados. Fato, este, que se confirma pela maior atração de público nos primeiros anos de funcionamento principalmente nas propostas brasileiras, seguida por um período de relativa decadência no número de visitantes.

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A euforia do público nos primeiros anos dos casos brasileiros, e no pós segunda-montagem do Museu do Cinema, mostra o papel social fundamental da inauguração das instituições, que assumem o papel de museus-evento. A própria criação do Museu do Futebol, seguindo a linha da exposição tecnológica do patrimônio imaterial, parece ter sido decorrente do “evento de sucesso” que foi a ex-

periência do Museu da Língua Portuguesa.

a relação entre arquitetura e museografia

Contudo, podemos observar alguns sinais de desinteresse pelas propostas em relação aos primeiros anos – a exemplo da não-conclusão de vários espaços previstos no projeto original do Museu da Língua Portuguesa, como o espaço cyber, o café e a integração dos pátios de carga à plataforma da Estação da Luz.

Se por um lado o discurso embutido nos espaços analisados pode trazer uma série de questionamentos acerca do caráter massificante desse tipo de intervenção, gerando espaços que se aproximam dos junkspaces de Rem Koolhaas; por outro, pode-se pensar que a relação entre arquitetura, museografia, cenografia e tecnologia expográfica pode gerar, também, espaços de forte expressividade plástica e artística.

A opção pela segunda montagem do Museu do Cinema por François Confino constituiu uma tentativa de reativar o interesse pela instituição – ao que tudo indica, bem sucedida devido ao público crescente que o Museu vem atraindo desde então. O grande desafio seria pensar em formas de renovar constantemente a curiosidade pelas instituições museais – seja pela agenda de exposições temporárias, atualização dos conteúdos da exposição permanente ou programação de atividades. De certa maneira, isso vem ocorrendo, visto o grande público que os casos estudados continuam atraindo nos últimos anos.

Em primeiro lugar, podemos nos questionar se a presença ou não de objetos e o uso ou não de recursos tecnológicos e interativos fazem diferença na concepção da arquitetura na qual se inserem. Num primeiro momento, pode-se dizer que não – considerando a arquitetura como suporte para infinitas museografias. Além disso, o fato de que o projeto de arquitetura geralmente precede os demais projetos também poderia apontar para uma resposta indicando que, na verdade, o projeto de arquitetura e de museo-


grafia são propostas independentes. Esse argumento se baseia no fato de que há uma grande diferença de temporalidade entre arquitetura e museografia – sendo que a arquitetura assume um caráter mais duradouro e a museografia se aproxima das velocidades virtuais, relacionadas aos novos meios de comunicação. Por outro lado, podemos dizer que nem sempre a museografia proposta para os espaços desenvolve a ideia de mostrar a especificidade do edifício em todas as etapas do percurso no museu. Observa-se uma tensão entre a criação de percursos que convidam o visitante a percorrer um espaço de imersão – criado pela cenografia como um espaço genérico (que poderia estar em qualquer lugar) – e o objetivo de criar uma experiência museográfica única, indissociável do espaço na qual se insere. Assim, podemos estabelecer o contraponto entre as paredes pretas no Museu da Língua Portuguesa, ou os pequenos cenários nas capelas no Museu do Cinema, a espaços nos quais ocorre a fusão sensorial completa entre a experiência museográfica e a vivência arquitetônica.

os espaços-síntese e seu caráter artístico Nesses momentos do percurso, é possível observar a criação de espaços-síntese que, ao aliar experiências audiovisuais, multissensoriais e toda a potência cenográfica do espaço arquitetônico – criam verdadeiros espaços de arte-total27. São exemplos claros desta concepção a Praça da Língua, a Sala da Exaltação e a Sala do Templo. De acordo com as entrevistas realizadas, de fato o processo de criação desses espaços articulou a colaboração de vários profissionais trabalhando em conjunto. Os espaços-síntese se aproximam da ideia de site specific art - corrente artística que surgiu na década de 1970, nos Estados Unidos, segundo a qual a obra de arte deve ser concebida de acordo com as especificidades do local (LAPA, 2011, 40). Assim, o museu começa a se definir como um espaço de integração máxima entre a arte e a arquitetura. A potência das experiências proporcionadas é realmente grande. Podemos ver que, de acordo com as

entrevistas realizadas com o público, os três espaços-síntese foram os mais recordados pelos visitantes em seus depoimentos. Ainda, vale ressaltar que o efeito cênico propiciado pelos espaços-síntese é potencializado quando há coincidência com o ápice do percurso – o que só acontece no Museu do Cinema.

O conceito arte-total foi utilizado pelo arquiteto Mauro Munhoz na entrevista que consta no anexo 2 deste estudo. 27

Outro fator de importância a ser lembrado é que o processo de criação dos espaços-síntese condicionou mudanças nos rumos dos projetos tanto de arquitetura como de museografia. Inicialmente, para a Praça da Língua, estava prevista uma estrutura de cinco telas circulares sob o coroamento do edifício para a execução das projeções. Em decorrência dessa intenção, foi estudada a possibilidade de retirar a laje sob a mansarda, para que as projeções fossem feitas diretamente na estrutura da cobertura. Por sua vez, a descoberta do espaço das fundações do Estádio do Pacaembu propiciou mudanças no percurso museológico, ao passo que considerou-se o espaço perfeitamente adequado para receber a proposta da

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Sala da Exaltação, antes prevista para o início do percurso, na atual sala Anjos Barrocos. Como visto, as mudanças de curso em face da integração entre os projetos de arquitetura e museografia demonstram o interesse potencial na criação de espaços densos e muito interessantes, que chamam a atenção e ficam retidos na memória do público. a questão da interatividade Nos exemplos estudados, verificou-se que a relação com o público consiste numa das prioridades do museu contemporâneo. Assim, a proposta tecnológica e interativa apresenta uma nova forma de abordagem que aproxima o público da obra ou do conteúdo exposto e da sua produção de significado. Desfaz-se, assim, a hierarquização do museu como detentor ou produtor do conhecimento, possibilitando que a sociedade e a instituição, em conjunto, passem a produzir novos significados para as questões da contemporaneidade.

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Os criadores dos museus, por sua vez, exaltam em seus depoimen-

tos que a tecnologia não deve ser utilizada por si só, mas como uma forma de linguagem e de expressão de conteúdos, devidamente fundamentada e justificada. O uso de novas mídias, isoladamente, não aproxima o visitante do público, mas pode abrir caminhos para a produção de outras relações entre o museu e o público. Mais do que uma mudança de meios, pode-se dizer que o uso de novas tecnologias reflete uma mudança de postura na concepção dos museus, a partir do enfoque da relação com os visitantes. De acordo com o trecho: “A ideia de interatividade altera profundamente a relação entre obra e espectador, a assimilação da obra passa a ser produto de uma troca de informações que a altera incessantemente”. (LAPA, 2011, 101).

De qualquer forma, interatividade não deve ser confundida com tecnologia. Afinal: “[...] a interatividade deve ser encarada como a possibilidade efetivar trocas que não se

limitam à simples aquisição de conhecimentos, ao clicar do mouse ou apertar os comandos do controle remoto, mas a uma atividade que permita a contribuição ativa do sujeito, interferindo no processo com ações e reações, intervindo e criando novos caminhos”. (LÉVY, cf. LAPA, 2011, 25).

A partir desse ponto, poderíamos nos questionar se o que acontece nos museus estudados é de fato interatividade ou mera informatização e uso de interfaces tecnológicas como recurso expográfico. Na verdade, grande parte das atividades propostas nos casos em questão não consideram o sujeito como participante ativo dos processos, de modo a contribuir para a formação de novos resultados no espaço museal. Um exemplo de atividade na qual isso ocorre é o chroma key, pois a atuação do visitante influencia diretamente na produção do vídeo sobre o cenário escolhido. Podemos, também, nos lembrar dos campos virtuais na


sala Jogo de Corpo – nos quais o jogo resulta da ação dos visitantes. Em relação aos demais conteúdos, o uso de recursos tecnológicos apenas permite que o visitante assuma uma postura ativa em relação ao que ele próprio deseja pesquisar – mas não interfere diretamente na produção de resultados. Assim, em linhas gerais, pode-se ver que a opção pela expografia tecnológica não necessariamente se relaciona à execução de atividades interativas participativas. os novos vocabulários no museu contemporâneo O capítulo 3 mostrou uma nova gama de possibilidades de articulação e composição dos espaços museais na contemporaneidade, que passam a conformar um novo léxico de soluções utilizadas para a transmissão do discurso – tanto em relação às soluções expográficas utilizadas, quanto à composição do percurso. Em linhas gerais, podemos dizer que o uso de recursos tecnológicos e interativos, de espetáculos de luz e som e de estratégias de ambientação

e criação de cenários puderam ser observados, de maneiras similares, nos três estudos de caso. Conforme o trecho a seguir: “A presença de instalações interativas e terminais multimídia se tornaram itens quase obrigatórios tanto nos museus novos como nos museus existentes”. (LAPA, 2011, 178).

Como vimos no decorrer do estudo, as novas estratégias expográficas, a partir de criação de cenários e uso de novas tecnologias, geram uma série de mudanças no espaço expositivo e na relação do museu com o público. Por outro lado, a composição do percurso também vem sofrendo uma série de alterações na contemporaneidade – que mesclam intenções de teatralização do discurso museológico a soluções arquitetônicas.

composição do discurso e soluções arquitetônicas Uma questão fundamental envolvida na espacialização do discurso museológico – e uma das primeiras que influencia no percurso transcorrido pelo visitante e, consequentemente, na sua percepção do espaço – é a adoção de sistemas de circulação dirigida, obrigatória ou sugerida nos casos brasileiros; ou não-dirigida, como no Museu do Cinema. De acordo com o trecho: “Os modelos tradicionais traçam um percurso único, que conduz o espectador através da história a ser contada. Existe, muitas vezes, um discurso linear a ser percorrido, que não oferece alternativas ou possibilidades de descontinuidade ou criação de um discurso não-linear. Por outro lado, existem modelos de organização curatorial mais abertos, que permitem uma fruição diferente e possibilitam a percepção do espaço de um modo menos linear e mais livre e subjetivo, o que permite a construção de diversas narrati-

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vas diferentes”. (LAPA, 2011,111).

Embora aparentemente mais livres, os modelos de circulação nãodirigida podem causar certa desorientação no visitante – que pode se sentir mais à vontade para prestar atenção nos conteúdos apresentados quando já tem seu percurso definido. Por outro lado, conceitualmente, a circulação não-dirigida se aproxima muito mais da proposta de museu que pressupõe postura ativa e investigativa do visitante. Tal postura pode ser vista tanto no momento de lidar com recursos interativos, quanto na composição do próprio percurso de acordo com os interesses e curiosidades suscitados.

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Vale, contudo, ressalvar que percursos dirigidos podem apresentar partes nas quais a circulação é livre – como, por exemplo, na sala Palavras Cruzadas. No entanto, quando a intenção é de transmitir a ideia de uma narrativa histórica, foi possível perceber que soluções lineares – como a Linha do Tempo, foram recebidas pelo público com maior clareza em relação

a soluções não-lineares – como a Sala das Copas. No que se refere à composição do discurso, observamos que os três casos se aproximam à estrutura identificada por Jean Davallon: ruptura com o cotidiano, condução ao ato principal e ápice do percurso. Como essa estruturação se relaciona à presença dos espaços-síntese dos museus, dos espaços de conexão com o meio externo e com os espaços de celebração do edifício? No Museu do Cinema, o trajeto com elevador que atinge a vista panorâmica assume o papel de ruptura, potencializando seu caráter teatralizante. O espaço que recorda a Mole Antonelliana precede a visita ao museu, não interferindo no discurso temático sobre o cinema, mas subsidiando reflexões sobre o edifício por parte do visitante. As rampas e a escada helicoidal, soluções que sintetizam o partido arquitetônico utilizado e possibilitam o acesso ao volume interno da Mole, servem de condução ao ato principal que levam ao ápice do percurso – que coincide com o espaço-síntese: a Sala do Templo, na

qual ocorre a fusão completa entre a proposta arquitetura e a museografia. Vemos que os espaços propiciados pela arquitetura foram articulados de modo absolutamente coerente ao discurso museológico. No Museu da Língua Portuguesa, o elevador também assume o papel de ruptura – ao passo que é um dos elementos responsáveis pela apreensão volumétrica do edifício. O auditório pode ser considerado o ‘prólogo’, ou espaço que precede a visita ao museu, instrumentalizando o visitante acerca do tema a ser enfrentado. O espaço-síntese, Praça da Língua, é o primeiro que se apresenta, sendo devidamente valorizado pela abertura do telão giratório e recebendo posição de destaque. A seguir, o outro elemento que demonstra a volumetria do edifício – a Grande Galeria – serve de espaço condutor ao ato principal: a sala Palavras Cruzadas, na qual o visitante encontra os pilares de sustentação do edifício e também da língua portuguesa. Até então, o percurso parece bem coerente. Há, contudo, duas ressalvas a se fazer: o espaço de memória


do edifício, O projeto de restauro, aparece desconectado do discurso museológico, interrompendo a atmosfera virtual criada pela ambientação do segundo andar. Ainda, o espaço de conexão com o meio externo – o acesso à plataforma – poderia ter sido utilizado como um gran finale, devolvendo ao visitante o contato com a Estação da Luz e finalizando o percurso. No entanto, o acesso à plataforma é vetado ao público. No Museu do Futebol, o espaço que precede a visita, Grande Área, é arquitetonicamente relevante, pois revela o pé direito triplo escondido sob as arquibancadas, recebendo luz natural. O elemento de ruptura é a sala Pé na Bola, que marca a entrada na proposta de imersão no museu. O espaço-síntese, Exaltação, está instalado no ponto mais interessante da arquitetura e é devidamente valorizado pela ascensão com as escadas-rolante. Entretanto, o longo percurso torna difícil identificar qual seria seu ápice. Possivelmente a Sala das Copas, cuja entrada é valorizada pela tristeza evocada no espaço anterior, Rito de Passagem. Contudo, os pon-

tos de valorização do meio externo – a passarela e a visita à arquibancada – estão totalmente desvinculados do percurso. A sala de memória do edifício conclui a visita – embora talvez sua localização no início fosse mais eficaz para instrumentalizar o visitante antes de iniciar o percurso. o papel social dos museus Café, loja, restaurante, auditório, bar, livraria, biblioteca e espaços cyber são novos programas que passam a se associar ao espaço expositivo. Além de se vincularem à já discutida proposta de entretenimento, mostram que o museu assume um papel de importância social cada vez maior, dada a ampliação do raio de influência dessas instituições. O papel didático e pedagógico assumido pelos museus revela a preocupação social envolvida na formulação das instituições, sobretudo no contexto brasileiro, em que estimular o interesse nas áreas da educação e cultura consistem em verdadeiros desafios. Nesse sentido, é justificada a ênfase das propostas direcionadas ao público infanto-juvenil, tentando,

contudo, abranger e encantar todos os públicos, transformando o espaço cultural num polo de atração para todas as idades. No entanto, devemos ponderar se a espetacularização do espaço expositivo responde à função social exigida pelo museu na contemporaneidade – não só em termos educativos, mas de preservação patrimonial, de sistematização de pesquisas, etc. – num contexto em que o público e a instituição, em conjunto, assumem papel fundamental na produção do conhecimento. Conforme o trecho: “A museografia deveria fomentar as perguntas: [...] ‘isso merece fazer parte de um museu’? considerando que há muitas respostas legítimas. A questão chave seria [...] como dar recursos para que muitos possam responder a essas perguntas”. (CANCLINI, cf. URURAHY, 2013, 106).

A ampla difusão dos museus em termos quantitativos só aumenta a responsabilidade dessas instituições em relação à sociedade, sendo o prin-

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cipal desafio não ceder à sedução da sociedade do espetáculo digital, que precisa satisfazer seus consumidores com efeitos especiais cada vez mais sofisticados (PAUL, cf. URURAHY, 2013, 115), visto que não se pode tratar o público dos museus como simples consumidores, mas efetivamente como usuários e participantes (LEWIS, cf. URURAHY, 2013, 115).

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conclusões Os estudos de caso e as análises realizadas nos mostraram que o processo de transformação pelos vem passando os museus na contemporaneidade são muito profundos e envolvem uma pluralidade de questões – de cunho institucional, acerca da presença ou não do acervo, dos recursos tecnológicos expográficos e de sua relação com a arquitetura. Conforme o trecho: “De edifícios sem coleção a programações de grande prestígio sem mesmo possuir edifício próprio, encontra-se hoje uma pluralidade e diversidade de museus e instituições culturais cada vez mais híbridas”. (LAPA, 2013, 53).

O hibridismo de soluções e a diversificação de espaços e de atividades que passam a compor o museu contemporâneo demonstram não só o aumento de importância dessas instituições perante a sociedade, mas também evidenciam a necessidade de se refletir criticamente sobre que tipo de espaços estão sendo criados, sobre como os museus estão enfrentando a questão da preservação patrimonial e

do edifício, em que passo a museografia pode ser considerada uma intervenção artística, entre uma série de outras questões que o trabalho proposto buscou apontar. Afinal: “Museus (vem se transformando em) espaços de inovação e experimentação, além de repositório do patrimônio material. Devem estar em contato com a sociedade, ser instituições educativas e interativas [...]. Devem ser capazes de sintetizar a arte, a experiência humana e a tecnologia, criando novas formas de comunicação e expressão”. (CASTELLS, cf. URURAHY,

Deste modo, finalizo assim o trabalho final de graduação, pensando na formação multidisciplinar do arquiteto formado pela FAU USP e nos desafios de sua atuação profissional, cujas responsabilidades atendem a uma gama variada de demandas sociais, que devem ser encaradas, sempre, de maneira crítica e inovadora, buscando responder às questões que surgem e se reinventam na contemporaneidade.

2013, 120).

Muito mais do que fornecer respostas, acredito que a monografia apresentada buscou problematizar, estabelecer relações e levantar perguntas e inquietações a respeito dos objetos de estudo propostos. Assim, no capítulo 2, uma série de informações de caráter objetivo-descritivo foram levantadas, subsidiando a análise comparativa no capítulo 3 e as reflexões finais.

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anexo 1

entrevista28 pedro mendes da rocha

Entrevista concedida pelo arquiteto Pedro Mendes da Rocha no dia 28/04/15.

BL Como se encontrava o edifício da Estação da Luz na ocasião do projeto para implantação do Museu da Língua Portuguesa?

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PMR O edifício da Estação da Luz, originalmente, era segmentado em três partes principais, sendo a torre do relógio a única assimetria em sua fachada. O saguão central ia até a mansarda – não existiam as oito colunas que podemos ver hoje. O trem passa entrincheirado, e a cidade se sobrepõe a ele. O edifício apresentava uso administrativo, e se divide numa planta longilínea com duas sequências de salas de seis metros de largura, separadas por corredores de dois metros. Uma fachada era voltada para a gare, e a outra se abria para a Praça da Luz. Em 1946, porém, houve um incêndio que se alastrou por toda a ala leste do edifício, consumindo dois terços de sua extensão. A torre do relógio funcionou como chaminé naquela ocasião e impediu que o fogo se alastrasse para a ala oeste.

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Foi executado, então, um projeto de intervenção que acrescentou o primeiro pavimento ao edifício. Utili-

zou-se concreto armado como sistema construtivo, e as intervenções alteraram profundamente as proporções do edifício. Esse foi o contexto encontrado na ocasião da execução do projeto. Na década de 70, houve o acréscimo da plataforma central. Os antigos pátios de carga, localizados nas extremidades do edifício, eram espaços públicos e era possível cruzá-los. Foram executadas obras de articulação entre a linha de metrô e CPTM, permitindo a conexão da plataforma central com o metrô. Tal situação aumentaria o fluxo de pessoas na Estação da Luz em três vezes, provocando profundas transformações no espaço. BL O edifício da Estação da Luz é tombado pelo Condephaat, 1982; Conpresp, 1991 e Iphan, 1996. Como foi a relação com os órgãos de tombamento na execução do projeto do Museu? PMR Os órgãos de preservação foram bastante condescendentes com as intervenções na ala destruída pelo incêndio, enquanto a ideia era de que a ala oeste fosse preservada o máximo possível. Assim, elementos do progra-

ma que exigiam espaços mais amplos foram locados na ala leste, enquanto espaços que exigiam maior compartimentação ficaram na ala oeste. No entanto, considerou-se que o projeto deveria levar em conta o edifício como um todo, sem segmentá-lo. Por isso, insistimos em demolir as alvenarias em toda a extensão do edifício, para criar o espaço da Grande Galeria. Os órgãos também não estavam favoráveis à inserção de elevadores na ala oeste, mas era indispensável para manter a circulação dirigida e os fluxos previstos. Por outro lado, o Iphan estava de acordo com a abertura dos arcos localizados nos pátios de carga – o que não foi executado. Havia a proposta de se fazer um restaurante no terraço, com vista para o Parque da Luz e acessível ao público, que não foi aprovada pelo Conpresp. BL Por que locar o Museu da Língua Portuguesa no edifício da Estação da Luz? PMR Na ocasião do restauro do edifício, foi pensada a possibilidade de se dar novos usos àquele espaço. Cogitou-se manter a função administrati-


va do edifício. Por outro lado, surgiu a ideia de transformar a Estação da Luz num centro de cultura relacionado à celebração da língua portuguesa. Optou-se por levar a administração da CPTM para um edifício na Rua Boa Vista. BL Quais foram as principais ideias que nortearam o projeto de arquitetura? PMR Os fluxos foram uma das questões principais consideradas para o projeto de arquitetura. A ideia era de não conflitar os fluxos relacionados aos transportes públicos com a circulação de visitantes do museu, turistas, e famílias. Os antigos pátios de carga, então, foram utilizados como acesso, separando o fluxo de entrada do fluxo de saída. Outra ideia importante foi a de remover as alvenarias do edifício, de modo a criar um grande corredor de 6 X 110m, para ser utilizado como uma grande tela de projeção. O fato de ser um Museu da Língua Portuguesa trouxe muita liberdade para o projeto, uma vez que não haviam modelos a serem seguidos. A proposta era de tratar a língua através de imagens, valorizando a oralidade.

Além disso, pensou-se num sistema de elevadores soltos e transparentes, localizados dentro das torres principais, no início e no final do percurso. Havia, ainda, a proposta de se abrir os salões de circulação ao público e os arcos, de modo a melhorar a relação do museu com a cidade e tornar o espaço permeável. Essa ideia, infelizmente, não foi executada. O acesso ao restaurante e livraria seria público, feito por meio dos pátios de carga. Pensava-se em garantir maior convivência no espaço público da cidade. Essa proposta não foi levada adiante. BL Como se deu a articulação entre o projeto de arquitetura e o de museografia, realizado pelo escritório estrangeiro Ralph Appelbaum Associates? PMR Foram realizados vários seminários para se discutir o que seria o Museu. Foi chamado o escritório multidisciplinar norte-americano Ralph Appelbaum para o projeto de museografia. Pensava-se no que mostrar e em como ocupar o espaço. Por outro lado, o Ministério da Cultura quis participar da concepção dos conteúdos,

articulando-se com o projeto museográfico. A museografia sugeriu que o percurso se iniciasse com um auditório, no qual haveria uma espécie de aula introdutória sobre o assunto, que funcionaria como o prólogo de um livro. A ideia era de garantir que os visitantes tivessem uma base mínima de conteúdo para subsidiar a visita. Depois, o espaço Praça da Língua foi concebido como um planetário. É o coração do Museu. É um espaço para ouvir os maiores poetas, os maiores escritores da língua portuguesa, a partir da oralidade. É um museu da língua falada, não da norma culta. Todos os que o frequentam são especialistas no assunto. Foi possível, graças a uma obra de reforço estrutural, retirar a laje embaixo da grande mansarda para potencializar os efeitos previstos para aquele espaço. No piso inferior, a sala Palavras Cruzadas aproveitaria os pilares do edifício como pilares do idioma, mostrando as influências sofridas pela língua portuguesa. A Linha do Tempo tinha a ideia de mostrar as três matrizes principais que formaram o idioma.

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anexo 2

entrevista29 mauro munhoz

Entrevista concedida pelo arquiteto Mauro Munhoz no dia 16/03/15.

BL Como o senhor entrou em contato com o projeto do Museu do Futebol?

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MM O Museu do Futebol foi iniciativa da Fundação Roberto Marinho. Foram feitos vários seminários nos quais se avaliaram as hipóteses possíveis para a sua implantação, que incluíam estudos para instalá-lo no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Porém, considerou-se que a cidade de São Paulo possuía melhores condições institucionais para a instalação do Museu. Devido à minha experiência com projetos culturais, como a FLIP, em Parati, recebi um convite da Fundação para desenvolver o projeto. No início, foram cogitadas três possibilidades para a locação do Museu: uma garagem da CMTC, atrás da Pinacoteca do Estado; a Casa das Retortas e o Estádio do Pacaembu. Esta, porém, era inicialmente considerada uma possibilidade restrita – considerando-se, num primeiro momento, a locação do Museu sob o Tobogã.

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BL Por que, então, optou-se pela escolha do Estádio do Pacaembu para a implantação do Museu? MM Considerou-se que o Estádio do Pacaembu estava realmente necessitando de novas atividades – devido às suas próprias dinâmicas de ser um estádio municipal e não pertencer a nenhum clube de futebol. Além disso, optou-se por encarar o futebol do ponto de vista cultural, relacionando o esporte à cultura. Sem dúvidas, o Estádio do Pacaembu é um equipamento esportivo de grande importância para a memória do bairro do Pacaembu, e está intimamente ligado à história do futebol, tendo sediado importantes jogos na década de 1940. A própria relação com a Praça Charles Müller – quem trouxe o esporte para o Brasil – justifica esse argumento. Instalar o Museu do Futebol no estádio, além do mais, buscou levar um assunto de cunho mais popular a um bairro de elite, enquanto o Museu da Moda, por exemplo – que era uma discussão que havia na época – foi levado a áreas mais populares.

BL Como se dá a relação do Estádio do Pacaembu e do Museu do Futebol na escala urbana? Em que medida isso explica a locação do Museu na parte frontal do estádio, em detrimento do Tobogã? MM O desenho do bairro do Pacaembu, de Barry Parker e da Companhia City, respeita a topografia e as linhas de drenagem do sítio de implantação. Geralmente, um estádio é uma obra monumental muito grande, que nem sempre convive de maneira harmônica com o tecido urbano. No entanto, o Estádio do Pacaembu está perfeitamente inserido na topografia do terreno, sendo que não possui o avesso da estrutura. As arquibancadas estão apoiadas diretamente no talude. O único momento em que a estrutura do estádio se mostra para a cidade é na fachada – que recebeu tratamento extremamente qualificado. A única conexão existente entre o estádio e a Praça Charles Müller, contudo, era na bilheteria. Porém, os momentos de utilização dessa estrutura eram escassos – apenas para a compra dos ingressos. Verificou-se, portanto, que havia uma subutilização


do espaço na escala urbana, ocioso na maior parte do tempo. Considerou-se que o Museu, sendo um equipamento público, não poderia estar intramuros – como estaria instalado sob o Tobogã – mas deveria estar conectado aos espaços públicos da cidade. Por isso, foi uma opção sugerida pelo grupo de arquitetos levar a ocupação da porção frontal do estádio. A implantação do Museu buscou potencializar a relação do estádio com a praça. Assim, atividades não diretamente relacionadas à experiência museográfica – como a loja, o auditório, a área institucional e a área destinada a exposições temporárias – possuem entrada direta aberta para a galeria, possibilitando diálogo muito mais próximo com a praça adjacente. Busca-se, assim, que a cidade se desenhe de modo mais orgânico entre espaços públicos, semi-públicos e privados.

BL Quais os principais desafios enfrentados para o projeto de arquitetura em um edifício tombado pelo Condephaat, em 1992, e pelo Conpresp, em 1988? MM Em geral, há muita preocupação com as restrições sugeridas pelos órgãos de preservação do patrimônio. No entanto, a parceria entre o Condephaat e o Conpresp esteve bastante de acordo com o partido arquitetônico proposto para a implantação do Museu. Os órgãos de preservação se mostraram sensíveis à argumentação e às mudanças propostas – mesmo se tratando de um partido ousado nas intervenções que propunha. Considerou-se que o grande bem a ser preservado era a engenharia dos anos 1930 – potencializando, portanto, a relação entre museu, espaços públicos e estrutura. Propôs-se, então, a demolição da parede frontal, onde antes funcionavam as bilheterias, e das divisórias de alvenaria interna. Era, sem dúvida, uma intervenção radical, porém desejável e necessária para transformar a estrutura numa experiência museográfica. É interessante ressaltar que a demolição de pa-

redes internas e lajes foi devidamente documentada. Propôs-se uma transformação nos fluxos que antes ocorriam apenas no sentido de entrada do público no estádio. O projeto busca, nesse sentido, fomentar a permanência do público na área transversal ao fluxo original. A argumentação foi bem acolhida pelos técnicos dos órgãos de preservação, que apoiaram a decisão da preservação da estrutura de engenharia da década de 1930. BL De que maneira o projeto de arquitetura dialogou com as questões de museografia? MM Antes de tudo, considerou-se que o edifício chegou em boas condições aos setenta anos depois da construção, e que a intervenção para a inserção do Museu do Futebol deveria possibilitar sua durabilidade por mais setenta anos. Assim, pensamos em articular as temporalidades da arquitetura, em escala mais ampla, e da museografia, que necessitaria de intervenções mais frequentes. Podemos usar o paralelo da construção de um teatro, estrutura temporalmente mais

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duradoura, sendo os cenários passíveis de serem modificados e substituídos com mais flexibilidade. Substancialmente, pode-se dizer que as intervenções propostas para o Museu do Futebol foram transformações radicais feitas por subtração – como se pode ver pela ausência de forros e de revestimentos. A ideia era de que a estrutura permitisse várias museografias, como ocorre com a estrutura de um teatro de ópera. Possivelmente, isso só será percebido pelo público com as mudanças que acontecerão nos equipamentos museográficos. Por exemplo, podemos ver que as instalações hidráulicas, elétricas e de ar condicionado foram construídas utilizando-se eletrocalhas. Assim, a substituição por novas fibras óticas permitiria infinitas experiências museográficas.

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É indispensável, para tanto, a articulação de políticas públicas com diversos horizontes de prazos, permitindo uma flexibilidade natural das atividades contemporâneas. A arquitetura, nesse sentido, possibilita tanto uma análise histórica do passado quanto uma prospecção do tempo fu-

turo. O projeto de arquitetura entrou dois anos antes em relação ao projeto de museografia. Na verdade, foram compatibilizadas vinte e três áreas de especialidades diferentes para a viabilização do projeto – como consultores, engenheiros, técnicos de iluminação, diretores institucionais, entre outros. BL De que modo a articulação com diversas especialidades modificou ou influenciou o projeto de arquitetura? MM A articulação com outras especialidades influenciou no projeto de arquitetura, mas não nos pressupostos essenciais. Um exemplo de modificação do projeto, contudo, é a atual Sala da Exaltação – um espaço no qual a arquibancada deixa de estar apoiada no talude lateral. A descoberta do vazio que existe naquela área foi feita a partir dos desenhos originais. No início, contudo, cogitou-se fazer o auditório nesse espaço – ideia inviabilizada devido a questões orçamentárias. A proposta original, discutida com Daniela Thomas, Felipe Tassara e Leonel Kaz, era de fazer a Exaltação no lugar onde hoje está a sala Anjos Barrocos. A ideia seria de evocar a lem-

brança de subir por elevadores no Estádio do Maracanã e ser surpreendido pela explosão da torcida. Estabelecer essa relação na área das fundações do estádio por meio da subida por uma escada rolante seria mais barato do que instalação do auditório – além de aproveitar os aspectos interessantes daquele local: a umidade da terra, o avesso da arquibancada, as fundações do estádio – constituindo, aliada à proposta audiovisual, uma experiência de arte total. BL Como o senhor encara a questão das novas tecnologias utilizadas no espaço museográfico contemporâneo – como no caso do Museu do Futebol? Quaisquer recursos utilizados como “muletas” não levam muito longe. Não é porque existem novas técnicas que a linguagem não deve ser sustentada, fundamentada. No Museu do Futebol, não se fecha os olhos para as novas técnicas. Podemos dizer que esse é o papel fundamental da arquitetura: articular de maneira profunda todas as dimensões, sem ceder a reduções fáceis.


BL Além da Sala da Exaltação, gostaria de perguntar sobre o momento da visita à arquibancada – uma possibilidade muito interessante propiciada pelo projeto de arquitetura. Como foi sua concepção? MM Principalmente com o uso das tecnologias, o visitante se envolve muito profundamente com a representação do objeto. A visita se pauta num processo de imersão total. Com o acesso à arquibancada, o desejo era de propiciar uma vivência física do estádio em sua dimensão monumental como antídoto à imersão tecnológica. Além disso, a visita à arquibancada solucionava uma questão arquitetônica importante, pois funciona como uma saída de emergência. No projeto, considerou-se que os quatro pavimentos do edifício possuíam saída para o exterior, o que possibilitou a dispensa das escadas enclausuradas – que limitariam, em grande parte, a fluidez do percurso museográfico.

BL E quanto à passarela de madeira? Quais foram as ideias que levaram à sua criação? MM A passarela, como estrutura de madeira, faz referência aos carpinteiros que executaram as formas para as estruturas de concreto. Os dois edifícios, à direita e à esquerda em relação à Praça Charles Müller, eram originalmente separados, e precisavam de um elemento de conexão que possibilitasse a circulação longitudinal ao longo da estrutura. Considerando, também, a imersão proposta pela experiência museográfica, a passarela funciona como um espaço no qual o visitante sai do ambiente climatizado por ar condicionado e com iluminação controlada e se conecta com o meio externo. Há uma pausa fundamental para evitar cansaço e permitir a continuidade do percurso. É importante, inclusive, na questão da conexão com o espaço público ao redor. A passarela pode ser observada a partir da praça. Quando o visitante entra no Museu e chega à passarela, passa por um processo de compreensão, orientação e articulação com o mundo exterior.

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anexo 3

entrevista30 leonel kaz

Entrevista concedida pelo curador Leonel Kaz no dia 18/03/15.

BL Como o senhor entrou em contato com o projeto do Museu do Futebol? O que o motivou a desenvolver esse projeto?

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LK A concepção do Museu do Futebol se deu com uma parceria entre o prefeito José Serra, Juca Kfouri e a Fundação Roberto Marinho. Eu tinha publicado o livro “Brasil, um século de futebol, arte e magia”, em parceria com João Máximo, no qual recontava a história do Brasil através da paixão pelo futebol. Sempre tive motivação por fazer coisas. Embora não entenda nada de futebol, levo em consideração o que o esporte representa para a cultura brasileira. O futebol foi introduzido no Brasil pelos ingleses em 1896, época em que era um esporte de elite. Inclusive no século XX, o Botafogo do Rio de Janeiro proibiu a presença de trabalhadores braçais no time. Os negros só foram aceitos no futebol profissional em 1927. O futebol representa uma rara batalha em que o povo brasileiro entrou e ganhou.

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BL Como foi a interação entre o processo de curadoria, arquitetura e cenografia no Museu do Futebol? Quais as principais ideias que nortearam a concepção da exposição? LK O Museu conta a história do Brasil pelo viés do futebol. É uma experiência lúdica, na qual houve uma rara aproximação entre a arquitetura, de Mauro Munhoz; a cenografia, de Daniela Thomas e Felipe Tassara; e a vestimenta do designer Jair de Souza. Não houve predominância da curadoria ao projeto de arquitetura ou de cenografia – foi concebido tudo junto. O encontro multidisciplinar foi muito enriquecedor. Foi concebido um museu multimídia, o que é uma exigência da própria dinâmica do futebol: que envolve ritmo, movimento, música. Inicialmente, a exposição foi criada com base em três eixos: emoção, história e diversão. Ela se inicia com um container silencioso, que se abre para a sala Anjos Barrocos. Na sequência, vem a sala do Rádio; depois, a Exaltação, um salão majestoso, as “Termas de Caracala” do futebol brasi-

leiro. Depois, vem a sala Origens, com mais de 450 fotos e vídeos. Em seguida, a sala Herois – em 1930, Brasil cria seus herois na música, nas artes, na literatura regionalista. O futebol é considerado no mesmo patamar dos demais elementos formadores da cultura. É um “museu da palavra”, como disse Mário Moutinho, onde as pessoas falam umas com as outras. Antes de tudo, é um local de encontro, de convívio. É um “museu da família”, não apenas dos torcedores. Pesquisas mostram núcleos de visitantes na mesma proporção, incluindo diversas faixas etárias. BL Existe algum exemplo claro em que a interação da curadoria, arquitetura e cenografia no decorrer do percurso do Museu? LK A Sala da Exaltação é um exemplo claro – com a animação de Tadeu Jungle, o videomaker, e o mezanino criado pelo Mauro Munhoz. Foi um momento muito feliz, em que várias personalidades se juntaram pelo propósito de criação do Museu.


Mas a integração ocorreu em todo o projeto – não só na Exaltação. A sala das Copas, com seus totens remetendo a baianas rodando, a sala Números e Curiosidades, em tudo. Não é um museu acadêmico, mas um museu lúdico concebido com toda a seriedade – envolvendo a colaboração de muitos profissionais em conjunto. BL Por que foi feita a escolha de criar um museu sem acervo físico? Que possibilidades essa escolha abriu? LK Acho insuportáveis as exposições boring. Não precisa ser um museu iluminista, com objetos e descrições. Hoje, o mundo é outro, é permeável. A ideia era de contar a paixão pelo futebol, propondo uma nova sistemática de museu, onde as pessoas mexem e tocam nas coisas. Foi concebido um museu sem relíquias. Esses objetos estão reservados para as exposições temporárias. Considerou-se que dentro do percurso a coleção de objetos não caberia. Adorar relíquias é uma forma de concepção de museus, mas não é a única. O Museu do Futebol tem uma pegada mais educacional, não só de entreteni-

mento. O objetivo é de despertar percepções livremente, não de fomentar a adoração de relíquias. O Museu do Futebol possui um rigoroso papel educacional – o que deveria haver em todos os museus – constituindo uma escola do olhar, mais do que uma sucessão de objetos a serem cultuados. BL Qual a importância da utilização de recursos tecnológicos na aproximação do Museu com seu público? LK A ideia era de criar uma exposição digna e decente. Não necessariamente o audiovisual aproxima o visitante do público. A forma de apresentação deve se justificar – a mídia não precisa ser exatamente nova. Esse tipo de exposição começou com o Museu da Língua Portuguesa, e atingiu um caráter arrebatador no Museu do Futebol.

BL Uma proposta como a do Museu do Futebol exige renovação constante de seus conteúdos para se manter atualizada – como, por exemplo, na Sala das Copas. Como o Museu empreende essas políticas de renovação? LK A Sala das Copas buscou relacionar os tempos históricos das Copas do Mundo. A escolha das fotos não é gratuita – elas foram escolhidas por seus elementos anímicos. Novos elementos devem ser inseridos com o passar do tempo. A conclusão do percurso contava com uma sala que não foi feita: para mostrar as evoluções tecnológicas no mundo do futebol – camisas, chuteiras, etc. – envolvendo cada vez mais áreas do conhecimento, como a física, a medicina, a engenharia genética.

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anexo 4

entrevista31 gianfranco gritella

Entrevista concedida pelo arquiteto Gianfranco Gritella no dia 13/03/15 - trad. nossa.

BL Gostaria de perguntar quais foram as principais ideias desenvolvidas no projeto de arquitetura e como foi feita a relação com a cenografia, de François Confino.

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Soprintendenza são órgãos periféricos do Ministério para os Bens e Atividades Culturais (MIBAC), cujas atribuições se relacionam à custódia dos bens culturais, paisagísticos, museais, pertencentes a arquivos e afins do território 32

GG Brevemente, posso dizer que o projeto preliminar de montagem do Museu do Cinema foi desenvolvido pelo meu escritório com base nas indicações do projeto científico fornecidas pelo Museu. Isso permitiu dividir com a Soprintendenza32 uma primeira linha de projeto de restauro e de montagem, levando em conta dois fatores: o restauro e a requalificação do edifício, recuperando, onde possível, o espaço arquitetônico da Mole Antonelliana e eliminando todos os acréscimos posteriores; e fornecer ao edifício um percurso de acesso interno que tivesse também a função de levar o público aos pavimentos mais elevados, dada a falta das escadas originais. Isso levou a imaginar um percurso expositivo dentro do grande salão, dando acesso aos espaços antigos internos sobrepostos uns sobre os outros e destinados a receber as coleções do Museu.

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Então, buscou-se unir três funções: visita ao monumento, visita ao Museu e percursos de segurança e de acesso aos espaços da Mole não destinados ao Museu do Cinema. Todas estas novas estruturas foram projetadas utilizando aço e sistemas de construção pré-fabricados, apoiando-se somente sobre as bases de concreto armado executadas entre os anos 1920 e 1950, aproximadamente. Isso permitiu a execução de um restauro arqueológico das partes antigas da Mole que foram mostradas no percurso do visitante. Sobre essas bases foram, então, construídas a escada suspensa, as rampas, as passarelas, as bases expositivas no primeiro plano e todas as estruturas no piso térreo. Analogamente, sobre as bases do nosso projeto de montagem foram feitas as intervenções tecnológicas. Com base nessas estruturas, Confino realizou a cenografia e dispôs os objetos da coleção (trad. nossa).


BL Vorrei chiedere quale sono state le principale idee sviluppate nella progettazione architettonica del Museo del Cinema e com´è stata fata la relazione tra l´architettura e la scenografia, di François Confino. GG Brevemente le posso dire che il progetto dell’allestimento museale preliminare è stato svolto dal mio studio sulla base delle indicazioni del progetto scientifico fornito dal Museo. Questo ha consentito di condividere con la Soprintendenza una prima linea del progetto di restauro e di allestimento tenendo conto di due fattori: il restauro e la riqualificazione dell’edificio, ripristinando ove possibile lo spazio architettonico antonelliano ed eliminando tutte le aggiunte posteriori, e dotare l’edificio di un percorso di accesso interno che avesse anche la funzione di portare il pubblico ai piani alti data la mancanza delle scale originarie. Questo ha portato a immaginare un percorso espositivo interno all’Aula grande, percorso che dà l’accesso agli spazi antichi interni sovrapposti uno sull’altro e destinati ad accogliere le collezioni del Museo.

Si è quindi cercato di unire tre funzioni: visita al monumento, visita al Museo, percorsi di sicurezza e di accesso agli spazi della Mole non destinati a Museo del Cinema. Tutte queste nuove strutture sono state progettate utilizzando acciaio e con sistemi di costruzione prefabbricati appoggiandosi solo sulle opere in cemento armato eseguite tra il 1920 e il 1950 circa. Questo ha permesso di attuare un restauro archeologico delle parti antiche della Mole che sono coinvolte nella visita del Museo. Su questa base sono state quindi costruite la scala sospesa, le rampe, le passerelle al “piano dei matronei”, le basi espositive al piano primo e tutte le strutture del piano terra. Analogamente sulla base del nostro progetto di allestimento si sono eseguiti gli impianti tecnologici. Su queste strutture Confino ha realizzato le scenografie e disposto gli oggetti (texto original).

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