Contextual ou itinerante? Aproximações projetuais ao design de exposições imersivas

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CONTEXTUAL OU ITINERANTE? APROXIMAÇÕES PROJETUAIS AO DESIGN DE EXPOSIÇÕES IMERSIVAS NA CONTEMPORANEIDADE

Resumo A interatividade tem se tornado uma questão central para a estruturação de exposições e arquitetura museal na atualidade. As narrativas imersivas frequentemente utilizam ambientes interativos de aprendizagem, propiciando experiências significativas, especiais e únicas. O espaço expositivo tem um papel fundamental, possibilitando a criação de atmosferas sensoriais e imersivas por meio da mediação tecnológica. Deste modo, o artigo se propõe a investigar experiências expositivas brasileiras recentes, analisando duas perspectivas projetuais distintas: uma focada na adaptação da museografia tecnológica à especificidade contextual da arquitetura, tomando como base o Museu da Língua Portuguesa; e outra buscando a criação de espaços expositivos flexíveis e itinerantes, proposta no MISExperience. Pretendemos analisar de que forma as estratégias de aproximação projetual estão vinculadas às exposições imersivas e refletir sobre as reverberações dessa abordagem no que tange à conservação do patrimônio edificado Palavras-chave: Ambiente Imersivos, Design de Exposições, Arquitetura de museus Abstract Interactivity has become a central issue for contemporary exhibition design and museum architecture. Immersive narratives often adopt interactive learning environments, providing meaningful, special, and unique experiences. The exhibition space has a fundamental role, enabling the creation of immersive sensory atmospheres through technological mediation. In this way, the article proposes to investigate recent Brazilian exhibitions, analyzing two distinct design perspectives: one focused on the adaptation of technological museography to the contextual specificity of architecture, based on the Museum of the Portuguese Language; and another seeking the creation of flexible and itinerant exhibition spaces, proposed in MIS-Experience. We intend to analyze how design strategies are linked as immersive exhibitions and how this discussion reflects on the conservation of built heritage.

Meriellen Nuvolari Pereira Mizutani Mestre, UNINOVE, merinuvolari@gmail.com

Keywords: Immersive Environment, Exhibition Design, Museum Architecture

Contextual or itinerant? Design approaches to immersive exhibitions in contemporaneity

Bianca Manzon Lupo Doutoranda, FAU USP, bianca.lupo@usp.br

As estratégias empreendidas para o design de exposições dependem de uma série de fatores partindo do estabelecimento de objetivos claros que norteiem os processos de tomada de decisão, da disponibilidade orçamentária e das características do espaço arquitetônico que sediará a mostra. O próprio desenvolvimento de tecnologias interativas e imersivas adaptadas ao espaço museológico parte de experimentações realizadas por grandes empresas da comunicação, informática e eletrônica, que demonstram interesse pela criação de ambientes multissensoriais, tais como Philips, IBM e Sony.

Patrimônio 4.0: conectando dimensões da realidade UFG Goiânia/GO, março de 2022 362 1 INTRODUÇÃO

O design de exposições ocupa papel central na cultura visual contemporânea, tornando-se uma importante ferramenta de comunicação entre museu e público, permitindo a criação de ambientes interativos de aprendizagem. A crescente profissionalização do campo insere-se num contexto de sobreposição das camadas informacionais na vida cotidiana, considerando a progressiva conversão da sociedade do consumo na chamada “sociedade do cansaço”. Segundo Byung-Chul Han (2017), o excesso de estímulos, informações e impulsos suscitam o desenvolvimento de uma atenção rasa, periférica e distribuída entre diversas atividades. Como os signos visuais de comunicação tem se tornado menos eficazes, é recorrente a busca pela configuração de experiências multissensoriais que estimulam também a audição, olfato, tato e paladar. Essa exploração dos cinco sentidos pode ser considerada uma estratégia importante para ampliar a acessibilidade física e intelectual dos espaços expositivos adequando-se a perfis de aprendizagem visual, auditivo e sinestésico (HUGHES, 2015). Os objetivos atribuídos ao design de exposições deslocam-se progressivamente para a construção de experiências significativas para o visitante, potencializando seu processo de descoberta e exploração Dianteespacial.desse contexto, o uso das tecnologias da comunicação se torna um recurso frequente aplicado ao design de exposições, criando narrativas museais ocasionalmente desvinculadas de coleções museais que buscam configurar atmosferas sensorialmente estimulantes que potencializem a fruição do visitante no espaço expositivo, reproduzindo histórias e incentivando o compartilhamento de experiências em grupo. Em produções em larga escala, torna-se recorrente a incorporação de diversos recursos tecnológicos, como o uso do vídeo mapping ou projeção mapeada, telas touch screen, criação de espetáculos de luz e som, efeitos especiais ou até mesmo a combinação entre variados formatos de mídias interativas. Conforme pontua Philip Hughes (2015), as estratégias de interatividade podem assumir objetivos variados, permitindo a consulta de informações (find out more), criando jogos entre os visitantes (gaming interactives) ou relacionando-se diretamente com o ambiente (environmental interactive).

Desde os anos 1970, verifica-se a criação e proliferação global de escritórios dedicados à realização de projetos cenográficos espetaculares, com alto padrão de acabamento, cujo campo de atuação profissional alterna a realização de exposições museológicas, layouts comerciais e equipamentos voltados ao entretenimento cultural. Como exemplo, podemos citar a atuação de Ralph Appelbaum Associates, François Confino, Ateliê Brückner, MET Studio, entre outros. Em sua abordagem a interrelação entre arquitetura e museografia se torna uma questão fundamental para garantir a

O espaço expositivo passa a incorporar simultaneamente experimentações tecnológicas e soluções desenvolvidas no campo das artes plásticas, cinema e teatro; ampliando-se consideravelmente o léxico de possibilidades aventadas para a construção da narrativa museal.

Patrimônio 4.0: conectando dimensões da realidade UFG Goiânia/GO, março de 2022 363 especificidade das intervenções, ampliando o potencial de criação de narrativas espaciais impactantes e memoráveis. O desafio não é mais inserir tecnologias expográficas no invólucro arquitetônico museal, mas criar uma arquitetura intrinsecamente integrada à museografia tecnológica. Conforme sugere Peter Hall (2001), trata-se de museografias “altamente arquitetônicas”, cuja projetação demanda o trabalho multidisciplinar conjunto entre arquitetos, curadores, cenógrafos, programadores visuais, designers, historiadores, antropólogos, engenheiros, entre outros profissionais. Em contraponto a essa perspectiva, em que há uma clara ênfase à espacialidade do lugar; algumas iniciativas mais recentes de design expositivo têm se afastado da criação de experiências essencialmente vinculadas à arquitetura, privilegiando o desenvolvimento de módulos expositivos flexíveis e itinerantes que podem ser adaptados a variados ambientes, mediante o atendimento a requisitos espaciais mínimos. Alguns escritórios internacionais recentes têm assumido destaque na difusão desse modelo expositivo, como Imagine Exhibitions e Grande Exhibitions. A abordagem em questão possibilita o deslocamento de experiências expográficas que podem ser instaladas por todo o mundo; interpretando, em certa medida, a ideia de “Museu portátil” proposta por Marcel Duchamp nos anos 1940. As exposições-container, cuja instalação mobiliza a interpretação da arquitetura como invólucro (MONTANER, 2003), possibilitam uma abordagem flexível e adequada à comercialização de mostras concebidas como produtos audiovisuais de circulação global.

Oprecedentes.presenteartigo pretende analisar estratégias de aproximação projetual ao design de exposições imersivas na contemporaneidade, investigando o contraponto estabelecido entre a abordagem contextual da museografia tecnológica, vinculada ao espaço arquitetônico; e a abordagem flexível, voltada à itinerância global dos módulos expográficos. Como objetivo, temos o intuito de refletir criticamente sobre a implicação do paradigma tecnológico para a discussão do patrimônio edificado, criando formas híbridas de conexão entre edifícios antigos e museografia tecnológica. Em particular, o campo brasileiro nos oferece exemplos de grande interesse para a análise do problema proposto, considerando-se a atuação de escritórios internacionais para a criação de experiências tecnológicas no país e o disseminado interesse pelo desenvolvimento de projetos de readaptação de edifícios existentes para usos culturais. Adotaremos o estudo de caso como metodologia de pesquisa, partindo da seleção de dois casos exemplares: o projeto museográfico elaborado por Ralph Appelbaum para o Museu da Língua Portuguesa e a implantação da exposição itinerante “Leonardo da Vinci 500 anos de um gênio”, produzida pelo escritório Grande Exhibitions no recém-inaugurado MIS-Experience. O

Frequentemente, a aura de alta tecnologia que emana desses espaços cria relações contrastantes e ambíguas com invólucros arquitetônicos de interesse histórico. A sobreposição de diversas temporalidades altera profundamente a percepção espacial de edifícios concebidos em épocas

A versatilidade do modelo e a possibilidade de criação de narrativas desvinculadas de acervos materiais permite inclusive a instalação de narrativas imersivas em arquiteturas efêmeras implantadas no estacionamento de shopping centers; mostrando claramente a articulação entre patrimônio histórico e consumo cultural na contemporaneidade. A mediação tecnológica abre diferentes perspectivas para o tratamento de temas relacionados ao patrimônio cultural imaterial, possibilitando novas formas de interação com o público a respeito dos mais variados temas. Ademais, a museografia high tech tem se tornado uma frequente estratégia de revitalização de edifícios existentes, com o intuito de reativar o interesse por sua frequência e reinseri-lo nos fluxos da cultura contemporânea.

Suas intervenções buscam conceber o museu como um lugar de encontro e experiência dotada de estratégias para incorporar elementos familiares aos visitantes, tais como monitores de televisão, telas touch screen e outros gadgets comuns no espaço doméstico urbano contemporâneo. Segundo Appelbaum, “o design e a tecnologia ajudam o visitante a se sentir vivendo o passado. É como se saísse da plateia e entrasse no palco, com a diferença de que aquele espetáculo é real” (APPELBAUM, cf. CAVALCANTE, 2016) O escritório busca criar experiências lineares fortes, que narram histórias claras e permitem aos visitantes aprofundarem diversos aspectos da exposição se desejarem. RAA possui vários projetos dedicados à construção da memória cívica, como o National Constitution Center (Filadélfia), o Hayden Planetarium (Nova Iorque) e o Country Music Hall of Fame (Nashville); e à museologia da ciência, como o National Museum of Prehistory (Taiwan) e Rose Center for Earth and Space (Nova Iorque).

Desde os anos 1990, Appelbaum tem realizado uma série de intervenções no Brasil a convite da Fundação Roberto Marinho (FRM), instituição privada sem fins lucrativos vinculada ao Grupo Globo,

Patrimônio 4.0: conectando dimensões da realidade UFG Goiânia/GO, março de 2022 364 primeiro caso pode ser considerado uma interpretação contextual da museografia tecnológica ao edifício da Estação da Luz, a partir de projeto elaborado em conjunto com os arquitetos Pedro e Paulo Mendes da Rocha. Já o segundo consiste na readaptação de um antigo armazém da TV Cultura, situado na região da Água Branca, a partir de projeto dos arquitetos Roberto Rolnik e Renato Theobaldo, para a criação de um espaço expositivo flexível, vocacionado a receber mostras audiovisuais de caráter itinerante. 2. RALPH APPELBAUM ASSOCIATES E O MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA

Um dos principais escritórios internacionais especializado no design de exposições imersivo é a empresa nova-iorquina Ralph Appelbaum Associates (RAA), pioneira na criação de narrativas museais fortemente conectadas à arquitetura, dotadas de elevada carga de dramaticidade e apelo persuasivo. As exposições de Appelbaum se dedicam à apresentação de temas variados, podendo voltar-se tanto à criação de narrativas temáticas, como à mediação de coleções materiais. Especializado no design de museus, atrações turísticas, exposições e ambientes educacionais, RAA tornou-se popular por “criar seu próprio campo de atuação” (McKEE, 2002, p. 62), caracterizado pelo trabalho interdisciplinar envolvendo arquitetos, cineastas, escultores, historiadores, educadores, tecnólogos, especialistas em mídia e outros profissionais. Inaugurado em 1978, Appelbaum valeu-se da experiência adquirida durante anos trabalhando com o designer industrial Raymond Loewy, criador da garrafa da Coca-Cola e do ônibus Greyhound. Depois, foram abertas outras filiais do escritório em Londres, Moscou, Berlim, Pequim e Dubai o que contribuiu para a difusão internacional da criação de experiências espaciais de imersão capazes de ativar a imaginação e as emoções do indivíduo. Conforme esclarece o designer:

Tudo começa com muita pesquisa, colaboração de especialistas, enfim, busca de informação. O que nós fazemos é transformar essa informação em uma narrativa e depois essa narrativa em uma experiência de imersão. A arquitetura e o design do museu são fundamentais para provocar essa experiência. Museus modernos, na maioria das vezes, são museus de interpretação, precisam de um contexto, de um entorno. São mais parecidos com uma peça de teatro, com a diferença de que você pode caminhar pelo palco (APPELBAUM, cf. CAVALCANTE, 2016).

A não apresentação de acervos materiais do museu acentuou o papel assumido pela produção de conteúdos audiovisuais que interpretassem o tema proposto. A concepção da narrativa foi produzida a partir da criação de um roteiro ou storytelling, isto é, um texto de aproximadamente 40 páginas chamado “Estação da Luz da Nossa Língua” (RISÉRIO, 2020). O objeto museológico foi construído pelo trabalho de uma equipe multidisciplinar, incluindo antropólogos, sociólogos, museólogos, especialistas em língua portuguesa e artistas. Logo, a opção pelo uso das tecnologias da comunicação sugeriu a incorporação de aspectos do patrimônio imaterial que não poderiam ser alcançados pela exibição de coleções materiais: oralidade, sonoridade e pluralidade dos modos de falar. O diálogo estabelecido entre o designer e os arquitetos foi determinante para o desenvolvimento de soluções projetuais, algumas das quais questionáveis do ponto de vista da preservação do edifício histórico. Conforme indica o seguinte depoimento:

Patrimônio 4.0: conectando dimensões da realidade UFG Goiânia/GO, março de 2022 365 um dos principais conglomerados midiáticos do país, que se interessou por alguns casos de referência de grande notoriedade internacional, ambos localizados em Washington: o Museu Memorial do Holocausto (1993) e o Museu das Notícias (1997). Contratando RAA, a FRM pretendia trazer ao Brasil “um novo conceito museográfico, que alia tecnologia e educação” (FRM, acesso em 2020). Appelbaum realizou no país a consultoria para o Memorial e Arquivo Histórico de Porto Alegre (1998-2000), a exposição “50 anos de TV e +” (2000) e o Museu da Língua Portuguesa (2006), implementado no edifício da Estação da Luz a partir de projeto elaborado pelos arquitetos Pedro e Paulo Mendes da Rocha. Projetada pelo arquiteto inglês Charles Henry Driver e inaugurada em 1867, a Estação da Luz foi tombada em nível estadual (Condephaat, 1982); municipal (Conpresp/DPH, 1991) e federal (IPHAN, 1996) (SOUKEF, 2000). O Museu da Língua Portuguesa (Figura 1) se aproxima às tecnologias da comunicação como estratégia para a musealização do idioma, entendido como patrimônio imaterial. A concepção do museu pretendia criar um ambiente high tech, em que o conteúdo fosse transmitido de forma lúdica e interativa a partir da mediação tecnológica.

Figura 1: Museu da Língua Portuguesa. Fonte: RAA, acesso em 02 nov. 2020.

O processo de projeto integrado implicou na adoção de soluções arquitetônicas específicas, como o posicionamento do auditório no início do circuito. Como indica o seguinte depoimento, “a museografia sugeriu que o percurso se iniciasse com um auditório, no qual haveria uma espécie de ‘aula introdutória’ sobre o assunto, que funcionaria como o prólogo de um livro” (ROCHA, cf. LUPO, 2020).

Muito da expertise do Ralph Appelbaum foi a base conceitual desse museu. Ele não é arquiteto, mas o teatro tem essa figura, o mise-en-scène. Ele, estudando o edifício, identificou quais seriam os espaços com maior potencial de experiência. [...] Ele fez essa análise muito perspicaz de como seria possível tirar partido daquele arcabouço e aquilo balizou, junto com a arquitetura, a caracterização do espaço (ROCHA, cf. LUPO, 2020).

No projeto está presente também a dimensão do spatial editing (MIGLIORE, 2020), prevendo a antecipação de efeitos como estratégia para o engajamento emocional do visitante. A rotação inesperada da tela do auditório, revelando o próximo ambiente, converte-se num efeito cênico de grande impacto A Praça da Língua por sua vez, foi adaptada a partir da iniciativa dos arquitetos de removerem a laje embaixo da grande mansarda, de modo que o show audiovisual fosse projetado diretamente na estrutura de cobertura do edifício, acrescentando novas camadas de significação para o espaço. A Grande Galeria surgiu a partir de iniciativa dos arquitetos que criaram uma enorme tela de 106m de comprimento, revelando a volumetria da Estação da Luz na sua integralidade. A arquitetura serviria de suporte para projeções audiovisuais, exibindo em alguns momentos imagens da própria estação de trem como estratégia para enfatizar a experiência do visitante no lugar.

O resultado alcançado suscita no visitante a sensação dúbia de adentrar um edifício antigo, mas cujos interiores escurecidos e dramaticamente iluminados criam uma ambiência pós-moderna de caráter high tech. A abordagem adotada privilegia a restauração do invólucro arquitetônico, revelando um certo espírito de “fachadismo” que, segundo Georg Mörsch, é o ato de “desventrar, estripar e desossar o edifício histórico” (MÖRSCH, cf. KÜHL, 2008, p. 215). Ao desconsiderar as especificidades do interior do edifício, a intervenção causou uma inquietante ruptura na legibilidade de seus espaços, fazendo preponderar, como tônica principal da intervenção arquitetônica, a dimensão da museografia tecnológica.

A sobreposição do paradigma tecnológico sobre o edifício histórico desencadeou a realização de mudanças radicais no interior do edifício, baseadas na premissa de que “não se pode tocar o prédio só um pouquinho, sob a pena de não se fazer uma boa intervenção” (ROCHA, cf. GRUNOW, 2015). O projeto arquitetônico seguiu diretrizes estabelecidas pelos órgãos de preservação competentes: a não alteração da volumetria externa do edifício e a preservação integral de sua ala oeste, que conservava características originais do século XIX. As alterações propostas pelo projeto arquitetônico, sobretudo a abertura da Grande Galeria, implicou na destruição de alvenarias originais e no comprometimento da organização espacial interna do edifício, composta por duas alas articuladas por um corpo central.

O escritório australiano Grande Experiences, fundado por Bruce Peterson, dedica-se à missão de estimular pessoas a compartilhar experiências de arte e cultura. Trabalhando inicialmente com a criação de exposições interativas de caráter permanente, a empresa se consolidou com a criação de mostras sobre Leonardo da Vinci baseadas em artefatos (manipuláveis ou não), enfrentando a questão dos acervos ausentes. Segundo Peterson, “isso nos levou a um caminho de explorar a tecnologia de

3. GRANDE EXPERIENCES E O MIS EXPERIENCE (SP)

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Patrimônio 4.0: conectando dimensões da realidade UFG Goiânia/GO, março de 2022 367 projeção como um meio para contar histórias e envolver ainda mais o nosso público. Na época, a tecnologia estava se tornando mais robusta e acessível” (PETERSON, cf. TICKET MASTER, 2021). A partir de 2010, a empresa mudou seu eixo de atuação para a criação de experiências imersivas itinerantes que exploram a abordagem multissensorial integrada. Conforme narra Peterson, o diferencial do modelo expositivo foi a criação de “um sistema que podia viajar, que podia entrar em locais de todas as formas e tamanhos com diferentes alturas de teto, levando em consideração colunas, luz, pisos... um sistema econômico e durável ao longo dos meses em que ocorre a exposição” (PETERSON, cf. TEN, 2015). Conforme consta em seu website, “a arte de contar histórias ganha vida, envolvendo todos os sentidos simultaneamente, mergulhando o visitante num oceano de imagens em movimento, música, luz, som e até cheiro” (GRANDE EXPERIENCES, acesso em 27 ago. 2021).

O novo modelo expositivo partiu do desenvolvimento da tecnologia imersiva SENSORY-4 (software e hardware), que combina animações digitais, sistema som surround e uso de projetores em alta definição para a concepção de ambientes multi-tela de caráter imersivo, criando narrativas ao mesmo tempo pedagógicas e de forte caráter espetacular. Segundo a empresa, o modelo expográfico tem amplo potencial de democratizar o acesso à cultura devido a seus baixos custos em comparação a outros formatos criando experiências culturais em lugares que provavelmente não teriam condições para receber acervos originais. Em casos de exposições relacionadas a temas artísticos, a tecnologia torna possível a visualização e interpretação de aspectos das obras físicas que não são visíveis a olho nu. Outra possibilidade aberta é juntar, em uma mesma experiência, reproduções de obras que dificilmente estariam fisicamente presentes na mesma exposição. O hiper-realismo das mostras não pretende mimetizar as obras originais, mas provocar a interpretação sobre temas e dinamizar a difusão de conteúdo. Tais operações se tornam possíveis através da produção de imagens e vídeos em altíssima resolução. As narrativas frequentemente incorporam curiosidades biográficas e informações complementares sobre os artistas, apresentando acentuado potencial didático-pedagógico.

Como exemplo, podemos citar a criação das mostras Leonardo da Vinci Collection, Monet & Friends, Planet Shark: predator or prey, Alice: uma aventura maravilhosa, Street Art, Van Gogh Alive, Grande 360, Digital Nights. O grande interesse está na criação de mostras audiovisuais que podem se adaptar a diferentes espaços expositivos e orçamentos. Para receber a exposição é necessário atender a requisitos espaciais mínimos em termos de altura, largura e profundidade. As mostras podem ocupar áreas adaptáveis abrindo-se a possibilidade de implantar apenas partes de seus módulos. A instalação de pisos elevados permite adaptar a exposição a variados sítios de implantação, resolvendo eventuais desníveis do local.

No Brasil, a recente requalificação do galpão industrial na região da Água Branca, em São Paulo, buscou criar uma nova sede do MIS-SP que estivesse apta ao recebimento de exposições itinerantes modulares. Inaugurado em 2019, recebeu a mostra “Da Vinci: 500 Anos de um Gênio” (Figura 2), produzida pela Grande Exhibitions. Criado a partir de uma parceria entre Museu da Imagem e do Som, Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de SP e TV Cultura, o projeto de arquitetura foi realizado pelos arquitetos Roberto Rolnik e Renato Theobaldo. Em contraponto à espetacularização da mostra a intervenção arquitetônica foi extremamente simples, incluindo a substituição do telhado, a inclusão de um mezanino e a reforma infra estrutural para dotar o ambiente

Patrimônio 4.0: conectando dimensões da realidade UFG Goiânia/GO, março de 2022 368 de isolamento acústico e luminotécnico. A experiência imersiva ocorre de maneira completamente independente da arquitetura, de modo que “os limites espaciais físicos se tornam imperceptíveis no interior do contêiner em função dessa experiência perceptiva e fenomenológica em torno à área das imagens, reproduções, instalações, monitores, dioramas, mecanismos e virtualidades” (MONTANER, 2012, p. 44-45).

A criação do MIS-Experience pode ser considerada uma resposta às tentativas de inserir bens culturais nos circuitos da economia pós-industrial globalizada, na qual se torna frequente a difusão de programas arquitetônicos voltados ao entretenimento e ocupação do tempo livre. A conversão de um antigo galpão industrial em espaço expositivo cria uma experiência espacial híbrida, em que o caráter ordinário da arquitetura, sobre a qual não incidiam legislações específicas de tombamento, contrasta com a ambiência altamente tecnológica de seus interiores. Apesar do relativo baixo custo, a espacialidade arquitetônica aliada ao modelo expográfico adotado permite elevado grau de rotatividade das exposições, alinhando-se às demandas do capitalismo transestético, em que o hiperconsumo estetizado se torna a tônica do capitalismo experiencial, orientado por uma certa “lógica de performance” (LIPOVETSKY & SERROY, 2015, p. 67) que demanda a participação corporal do visitante na experiência espacial. Ainda que não se trate de uma intervenção inserida em um edifício patrimonializado, os interiores do galpão industrial são completamente anulados pela experiência imersiva, desencadeando uma percepção espacial descontextualizada por parte do visitante.

Figura 2: MIS Experience. Exposição “Da Vinci: 500 anos de um gênio”. Fonte: Acervo pessoal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Além das questões pontuadas, é importante destacar diferenças fundamentais observadas no que diz respeito às relações estabelecidas entre arquitetura e design de exposições em ambos os casos. No MLP, o fato de a museografia estar intimamente atrelada à arquitetura colabora para a cristalização da narrativa numa condição tempo-espacial pré-determinada. Por um lado, essa abordagem se alinha à intenção enunciada pelos organizadores do museu, que pretendiam criar uma exposição de longa duração mediada pelas tecnologias da comunicação. Em contrapartida, a forte aproximação entre museografia tecnológica e arquitetura museal acabou dificultando, em alguma medida, a atualização e dinamização dos conteúdos apresentados ao público. O projeto de arquitetura buscou conectar a museografia tecnológica à Estação da Luz e alguns ambientes se mostram capazes de reinterpretar, de modo high tech, o edifício histórico. Principalmente na Grande Galeria e na Praça da Língua, o público se depara com experiências de caráter ao mesmo tempo tecnológico e indissociável da arquitetura do lugar.

Na cultura contemporânea globalizada, observa-se que o museu assume lugar de destaque como novo templo cultural da atualidade, afirmando-se como local de descobrimento e interação espetacular. A centralidade da comunicação no mundo e a expansão das tecnologias digitais têm transformado os modos de pensar e projetar as instituições museológicas. Ambos os casos estabelecem novas formas de percepção e visibilidade de narrativas orais, textuais e visuais, dotadas de forte apelo ao sensível e às emoções. Os processos interativos proporcionam uma mudança de atitude do visitante que vivencia uma experiência mais participativa, lúdico e permeada por imagens, suscitando certo reencantamento tecnológico. O conjunto de indagações que retrata esse “museu vivo” convoca a uma revisão da própria noção do espaço do museu, conjugando de maneira sincrônica passado, presente e futuro. Nota-se a aproximação à vivência cotidiana da sociedade contemporânea que, num cenário permeado pelas mídias, imagens e pelo imaginário tecnológico, em seu conjunto, remetem ao contexto próprio da cultura contemporânea. Os casos analisados revelam estratégias projetuais distintas que transformam radicalmente a percepção interna de edifícios existentes, assinalando a predominância da museografia tecnológica como condição paradigmática para o pensamento dos museus no século XXI. A crítica apresentada ao Museu da Língua Portuguesa se fundamenta, sobretudo, nas problemáticas relações que o projeto implantado estabelece com a materialidade do edifício existente, cujo valor histórico e estético é legalmente reconhecido pela instituição do tombamento, em diferentes níveis, e deveria ser preservado e transmitido às próximas gerações. No entanto, essa discussão não se apresenta de maneira análoga no que tange à reconversão do galpão industrial em MIS-Experience. Sua adequação a usos culturais teria inclusive contribuído para a preservação de uma tipologia frequente na região. Apesar de não tombado, o galpão apresenta interesse para a preservação patrimonial dada a sistemática ameaça de demolição de edifícios semelhantes em função do processo de adensamento e verticalização estimulados pela Operação Urbana Água Branca, instituída pela Lei nº 11.774/1995. Por essa razão, a implantação do MIS-Experience pode ser considerada uma ação que favorece a preservação da materialidade do edifício.

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O MIS-Experience, entretanto, adota um modelo que incorpora a arquitetura como suporte para variadas mídias e narrativas, adequando-se aos fluxos globais das megaexposições itinerantes e abrindo novas possibilidades para a interpretação imersiva de temas relacionados à cultura audiovisual contemporânea. O modelo expositivo adotado prescinde da existência de exposições permanentes, como ocorre no Museu da Língua Portuguesa. A cada exposição, os espaços do MIS-Experience se reinventam radicalmente, dada a inexistência de ambientes que favoreçam a cristalização da memória e o desenvolvimento de laços afetivos entre público e instituição a longo prazo. Desse modo, vemos que o caso do MIS-Experience reflete a emergência de processos de aceleração dos fluxos de capital, que passa a se reproduzir com maior velocidade e demandando menor investimento em Outrainfraestrutura.questão importante a ser assinalada é a relativa dependência tecnológica e cultural desse modelo expográfico a escritórios estrangeiros que produzem exposições itinerantes, cujos temas são geralmente definidos em função de pesquisas de mercado e apresentados como produtos comercializáveis, notadamente alinhados a interesses de grupos hegemônicos. Se alguns escritórios oferecem a seus clientes a possibilidade de desenvolvimento de mostras em parceria com curadores de instituições locais, vinculadas a temas de interesse propostos pelo museu sede (como é o caso do Imagine Exhibitions, por exemplo); essas relações ainda ocorrem de maneira pontual e tímida atualmente. Deste modo, o presente artigo pretendeu contribuir para a reflexão acerca dos processos de transformação dos espaços expositivos na contemporaneidade, analisando as diferentes possibilidades de articulação entre arquitetura, design de exposições e patrimônio que se delineiam a partir da mediação tecnológica, criando novas possibilidades de experimentação espacial.

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