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Kvlt Visions Magazine | N.01 Dezembro/ 2018

Moda :

• Alt Trend: pentagrama invertido, baphomet e a moda alternativa

Entrevistas: • ocvlta atêlie - Mary Rose • A Subcultura Gótica Brasileira Henrique Kipper • O BlackWork Tattoo de Liz Minelli

Cvltura:

• Rpg: Vampiro A Máscara e sua relação com as Subculturas

Cinema:

• Filme A Bruxa: Uma análise crítica do filme acerca da Polêmica, Satanismo e a Ascensão da Mulher

Foto: Liz Minelli

Música:

• A Definição Indecifrável do Metal Extremo: O Black Metal • Witch House: Música para Bruxas com uma pitada de Ocultismo

Arte:

• Sarcasmo, Feminismo e Satanismo nas artes de Nattskfitet


Ficha Técnica

Direção/ Dir. Criativa: Bianca Santiago

Design e Diagramação: Bianca Santiago

2a CAPA / CRÉDITOS

Colaboradores/Redação: Moda: Lauren Scheffel | ModadeSubculturas.com.br Cvltura: Bruno Pessoa | Twitter @brunopessoamelo Instagram: @bruno_people Cinema: Nano Fregonese | UpdateorDie.com Música: Frater Dion | Arcanorum.com.br Música: Elaine Z | MorteSubitainc.org Arte: Bianca Santiago | Behance.net/BiancaSantiago

Entrevistas Bianca Santiago

Fotografias Ashley Joncas Acervo Pessoal

Ilustrações Bill Crisafi Art | billcrisafi.com Nattskfitet | www.nattskiftet.tictail.com Wikimedia Commons Tim Bradstreet Henrique Kipper | gothicstation.com.br


Carta ao Leitor

Kvlt Visions® é um editorial que trás um conteúdo voltado para o público alternativo. Público este que tem interesses em assuntos que não são tão vistos em outras revistas mais populares e sobretudo na mídia mainstream em geral. O editorial visa tratar de assuntos pensando neste público, não necessariamente à uma única tribo e ou subcultura, mas todas existentes. Ela é direcionada à pessoas que se interessam por moda alternativa, música underground, o cinema alternativo de horror, as artes obscuras e também que se interessam por ocultismo e tudo o que à ele é relacionado. Desta forma, quebrando também alguns tabus e estigmas acerca de cada tema tratado na revista. Além de tratar tanto da cena metal underground, como também da subcultura gótica atual. Sendo assim, um editorial para todos que se identificam ou que gostam do que é diferente e alternativo. Espero que ao ler este editorial, você possa ter se identificado com cada assunto tanto quanto eu, e que lhe possa ter sido útil e de grande aprendizado de alguma forma. :)


ìndice

Moda Alt Trend: Pentagrama Invertido & Baphomet

RPG

Lifestyle Mary Rose Ocvlta Atêlie

Vampiro: A Máscara & as subculturas

20 06

Arte

Cvltura

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Cinema Filme

Feminismo, Satanismo e Sarcasmo nas artes de Nattskiftet

A Bruxa: Polêmica, Satanismo &A ascensão da Mulher

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K v l t

Mvsica

Mvsica Witch House

A Definição Indecifrável do Metal Extremo: O Black Metal

Música eletrônica para bruxas com uma pitada de ocultismo

Lyfestyle

Tattoo O BlackWork Tattoo de Liz Minelli

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Bate Papo A Atual Subcultura Gótica Brasileira Na visão de Henrique Kipper

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v i s i o n s


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Moda

Alt Trend: Por: Lauren | Modadesubculturas.com

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Moda

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É sempre bom lembrar que a moda possui várias conexões e entre elas o comportamento. Isso ajuda a entender o desenvolvimento de alguns modismos. O mundo tem passado por momentos bastantes obscuros, de muita insegurança, principalmente em relação ao futuro. Crises econômicas que resultam em maiores desigualdades, terrorismo, intolerâncias, motivos que consequentemente refletem nas criações de moda. O ocultismo tem se sobressaído nos últimos anos (aqui, aqui), talvez como uma forma de buscar respostas para tantas mazelas - ao menos na visão mainstream, e símbolos do paganismo, em especial a bruxaria, ganham evidência. Em pesquisas recentes, uma quantidade significativa de marcas alternativas apresentaram o pentagrama invertido nas suas coleções. Às vezes o desenho vem acompanhado do Baphomet, outras surge sozinho ou de forma satírica.

FOTO: ASHLEY JONCAS

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O pentagrama com a ponta para cima, tem o elemento espírito no aspecto positivo/luz. Até em tempos medievais, representava as cinco chagas de Cristo na cruz, um contraste gritante com hoje, onde o pentagrama é criticado pelos cristãos fundamentalistas. Ainda na Era Medieval, a Igreja retirou o pentagrama e escolheu a cruz como um símbolo mais significativo para o cristianismo, pois lembra não as chagas, mas a dor de Cristo. Assim, o uso do pentagrama como um símbolo cristão cessou e foi gradualmente esquecido.

O Pentagrama Invertido No paganismo, o pentagrama invertido representa as energias masculinas dos deuses solares e o Deus da caça. Na Wicca Gardneriana e na Alexandrina, é símbolo da segunda iniciação, representando a necessidade da bruxa aprender a enfrentar a escuridão para mais tarde tomar o controle em direção à iluminação. O centro de um pentagrama implica um sexto elemento formador: amor/vontade que controla a partir de dentro, governando a matéria e o espírito.

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Foto: Ashley Joncas

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Foto: Reprodução

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uso do pentagrama invertido como um símbolo associado com o satanismo não ocorreu até o século XIX. Satanistas não acreditam em um céu (ou um inferno), assim, o símbolo com as três pontas para baixo representa a negação ou a descrença na santíssima trindade. O pentagrama quando desenhado na testa do bode representa os elementos da terra (Belial), ar (Lúcifer), fogo (Satanás), água (Leviathan), e do Espírito (o Celebrante). As duas pontas acima do pentagrama com o bode (Baphomet), representam a individualidade e inteligência; os pontos do meio representam o Adamantine Gates of Hell mantido aberto por duas forças opostas equilibradas, e a ponta de baixo representa a manifestação e o poder físico, o equilíbrio das forças opostas da existência. A palavra Baphomet vem do grego e junta as palavras "Baphe" e "Metis" e significa "Batismo de Sabedoria". A versão do pentagrama invertido com com um círculo em torno dele (o círculo indica o espaço sagrado oferecendo proteção e simboliza a espiritualidade) não é amplamente usado pelos satanistas, mas sim por outras crenças e práticas (como feitiçaria negra, magia negra etc), pois essas pessoas traçam um círculo de proteção em seus rituais.

Foto: Moletom da loja Toxic Vision

Como toda subcultura, é criado uma estética de identificação e logo surgem marcas que atraiam o público alvo. A Toxic Vision é uma das pioneiras nesse segmento, trazendo o pentagrama de Baphomet nas suas estampas desde 2006.

Na Moda Alternativa Apesar dos estereótipos, o Rock não possui uma religião definida, aliás, há pessoas que nem possuem. Por quebrar padrões moralistas, o Rock foi logo associado ao satã e muitos músicos se aproveitaram da polêmica para fazer mídia, porém outros de fato acabaram se interessando e aprofundando no tema. Nisso surgiram vertentes que se interligam a religião, é o caso do Black Metal.

Foto: Legging da loja Toxic Vision

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Enquanto para a marca canadense este é um conceito fixo, para outras o símbolo surge em coleções pontuais. Nos últimos meses,veja a quantidade. E não são poucas!

Vestidos da Poison Industries e Spin Doctor

Bolsa da Too fast

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Vestido e Bolsas Pentagrama da loja Kreepsville 666

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Peรงas da Kill Star

Peรงas da Kill Star

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Peรงas da Kill Star

Peรงas da Kill Star

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Foto divulgação

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“ A paixão pelas sombras das árvores, os aromas das flores, folhas e raízes pelo caminho, nos trouxeram até aqui. Bem vindos à nossa casa. O ato de dedicarmos nosso tempo para preparar um banho, acender um incenso e até mesmo apreciar uma música com as chamas das velas balançando suavemente, é em si, um ato ritualístico. Dedique um tempo com a pessoa mais importante da tua vida. Você! “ Ao adentrar pelo site da loja, podemos ter este primeiro contato de boas vindas de Mary e uma boa perspectiva de como ela define seu trabalho. Com uma pegada obscura e com uma certa dose de mistério, Mary consegue mostrar através de seu trabalho, a magia e a essência do Misticismo, criando de forma artesanal, velas, acessórios, estamparia e demais produtos de forma bastante artística e maravilhosamente exótica, que nos fazem adentrar por esse mundo tão mágico e misterioso que é o mundo místico.

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ary é do interior do Rio de Janeiro, admiradora da subcultura gótica há mais de 20 anos, tendo estado mais dentro do movimento quando se mudou para a capital e fez algumas amizades com pessoas envolvidas em projetos da cena. Alguns anos atrás, Mary costumava organizar festas de temática obscura com amigos, levando um pouco de terrorismo filosófico e apresentações artísticas além da música. Inclusive, chegou a organizar um pequeno evento de Witch House estilo de música que chegou a ser mais popular em 2014, onde pôde reunir alguns fãs do estilo. Logo após essas atividades, ela criou o Ocvlta, onde até hoje ela vende produtos de temática ocultista feitos de forma artesanal.

Foto divulgação: Mary Rose com a camiseta Lilith

Velas rústicas da loja com simbolos pagãos.

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onte nos um pouco sobre você, como tudo começou, de onde veio seu interesse na criação do ateliê? :) O ateliê foi se moldando praticamente sozinho. A ideia começou com a festa, e nela disponibilizaríamos a camisa com a logo, logo outras ideias foram surgindo e com o encerramento da produção festiva, ficou apenas a loja. Você tem alguma referência, seja musical,

Vela Primaveril | Fonte: Elo7.com.br/OcvltaAtelie

visual, literária ou qualquer outra para a criação dos seus trabalhos?

Música e poesia são minhas inspirações para praticamente tudo que faço. Gosto muito de ouvir Dark Atmosphere quando estou produzindo algo para decoração obscura, Coph Nia, Lamia Fox,Of The Wand And The Moon, Lapis Niger, Die Sonne Satan, Treha Sektori, Diamanda Galas estão no topo na lista. Na literatura gosto muito de Poe, Baudalaire, poesia ultrarromântica, entre tantos outros. Trabalho também com terapias holísticas, e nesses momentos prefiro ouvir mantras ou o silêncio.

Vela Baphomet | Fonte: Elo7.com.br/OcvltaAtelie

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Vela Bird Skull

É pertencente de alguma religião ou tem

alguma crença específica? Para qual público geralmente seu trabalho se direciona? Felizmente, hoje em dia não pertenço a nenhuma religião. O meu publico, geralmente são amantes do obscuro, não apenas do ocultismo e misticismos. Você havia me dito uma vez que já

realizou um projeto de Witch House na sua cidade. Porque parou com o projeto? Pretende voltar com o mesmo em um futuro próximo?

Como falei mais acima, foi uma ideia maravilhosa, mas que não se encaixou bem por diversos motivos, inclusive público. o Witch House foi uma onda muito virtual. Não foi eu quem encerrou as atividades festivas da oCvlta, foi acontecendo, e agora morando na Serra, fica bem mais complicado, já que o público aqui seria de zero. Quem sabe...

O que pensa a respeito da cena alternativa

atual? Você se auto declara pertencente à alguma subcultura específica? Do que mais gosta de ouvir ou com o que mais se identifica? Falar sobre isso remeteria a um debate logo. Não me declaro absolutamente nada que me limita, o movimento Gótico e suas vertentes são algo que me atrai desde quando o conheci através da estética e literatura, o que eu tenho visto é as pessoas pararem na etapa visual e não irem adiante, não se aprofundando num gênero tão profundo, rico e diverso. Gosto muito do Gothic Rock, Dark Ambient, DSBM, Doom Goth, W.H, Música Tradicional Árabe... nossa, eu ouço e me identifico com muitas coisas.

Tem algum projeto ou trabalho que pretende lançar? Alguns...

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Vela Coruja | Elo7.com.br/OcvltaAtelieloja

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Qual a sua opinião a respeito desse mercado de vendas de produtos ocultistas aqui no Brasil? Acredita que está se tornando um mercado cada vez mais crescente? Sente que as pessoas estão cada vez mais interessadas pelo oculto? Qual a sua opinião sobre? Tenho visto uma tendência crescente para o ocultismo, puxando muito pelas pessoas que seguem a Wicca e falam sobre o assunto nas mídias sociais, por mais que não seja o meu segmento, e eu não cultue nada disso, acaba pairando no meu trabalho, porque muitos vem até a mim por esse motivo. Essa abertura que a internet proporciona tem sido bem interessante para limpar um pouco o preconceito dos olhos de quem via de forma negativa a pratica de magia. O movimento #witchesofinstagram por mais que pareça superficial, tem conseguido romper algumas barreiras, alguns assuntos que antes eram tabus, hoje são expostos abertamente nas redes, cada faz com isso o que melhor lhe apraz. Por onde as pessoas podem encontrar seus produtos? Deixe nos alguns de seus meios de contatos! :) Me encontrem no inferno (risos) Meu perfil pessoal: facebook.com/maryroselavender3 Instagram da Loja: @ocvltaatelie Instagram Pessoal: @maryroseocvlta Site: ocvlta.loja2.com.br Obrigada, Bianca. Pelas perguntas maravilhosas, mas principalmente pelo convite para estar participando, mesmo que de forma tão sutil com seu projeto. te desejo muito sucesso nele e em todos os outros que se arriscar fazer. Me encontro sóbria, se estivesse ébria, provavelmente discursaria com mais veemência (mais risos). Beijos e quem os ventos sussurrem canções novas.

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Ilustrações do RPG Vampiro: A Máscara por Tim Bradstreet

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Bem vindo ao mundo das trevas: entre espadas, feitiçarias e vampiros.

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om as obras literárias de Robert E. Howard e do seu famoso personagem Conan o Bárbaro, e o seu outro filho consagrado, porém, subestimado, o Solomon Kane, sendo graças à ele que o subgênero chamado Espadas e Feitiçarias se popularizou e que seria um pontapé inicial para a obras que conhecemos hoje na fantasia moderna, como por exemplo Senhor dos Anéis, Game of Thrones, The Witcher , Elric of Melnibone, Prince oF Thorns, Harry Potter, Chronicles of Narnia e tanta outras. Um subgênero que nasceu nas mãos deste escritor por meio “não intencional”, já que não foi ele que criou o título e o patenteou como o criador deste subgênero. Antes dele já havia outros

autores que escreviam contos de Espadas e Feitiçarias, como por exemplo Abraham Grace Merit, mais conhecido como A.Meritt. Entretanto, estas histórias eram denominadas de forma pobre como Histórias Fantásticas, apenas futuramente ele seria definido como “Espada e Feitiçaria”, sub gênero ao qual consiste de histórias fantásticas compostas por guerreiros e feiticeiros, onde a fantasia e o sobrenatural existem só de forma sutil e não tão explícita. Após o falecimento do escritor culminado ao seu suicídio por causa do falecimento da mãe, surgiram outros autores que ingressaram neste meio, que o redefiniram como, por exemplo, o Michael Moorcock que inovou o gênero de Fantasia com as

histórias de sua maior obra depois de J.R.R Tolkien, vindo através dele de uma vez por todas, a definição do subgênero Espada e Feitiçaria, sem falar ainda ser o criador de outro subgênero chamado de Dark Fantasy com as crônicas do seu personagem o Elric de Melnibone. E assim, logo após o escritor britânico, veterano da primeira guerra mundial J.R.R Tolkien lançar a sua trilogia chamada O Senhor dos Anéis, nasce então a Fantasia Moderna que conhecemos hoje, servindo como o primeiro passo para a criação de mundos fantásticos e formas de se contar histórias.

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Ao chegar no advento dos jogos de tabuleiro na década de 30 e 50, principalmente os jogos de guerra aonde cada jogador tinha o objetivo de aniquilar um exército do adversário e conquistar territórios, mas que no entanto para que cada partida não fosse exatamente igual e premeditada, os jogadores começaram adicionar histórias e interpretação de papéis, fazendo com que assim toda tática de guerra que o jogo oferecia vinha adicionado com a diplomacia. Com tudo isso, dois jovens game designers Gary Gygax e David Arneson e logicamente, leitores aficionados pelas obras de fantasias literárias, criaram o primeiro jogo que trouxe uma nova modalidade de jogo que ficaria popular entre as crianças e adolescentes, o Dungeons and Dragons, que por aqui foi marcado pelo desenho Caverna do Dragão, sendo assim o primeiro jogo de RPG já surgido. Todavia você se deve está se perguntando, por onde O Vampiro se encaixa em tudo isso? Bom, infelizmente ele serviria apenas como mais um da gama de monstros que foram feitos para este tipo de jogo, sempre referenciado como o Vilão principal de toda história, exatamente inspirado na fantástica obra de Bram Stoker. Mais tarde, todo este misticismo em volta da lenda do Vampiro viria a ser material para algo que iria mudar o RPG por muito tempo. De Espadas e Feitiçarias para Coturnos, Sobretudos, Maquiagem

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e muito Gothic Rock Entrando no famigerado anos 80, a época onde a cultura pop literalmente estava explodindo como uma bomba atômica na cultura ocidental, o D&D era uma febre entre os jovens e crianças da época, o board game mais popular do momento. A Regra do jogo era que heróis interpretados pelos jogadores teriam que sobreviver as missões e após cumprirem com os objetivos, o jogador era recompensado por tesouros, mais pontos de experiência e artefatos mágicos. Tudo isso arquitetado com uma história pelo Mestre do Jogo, que é o condutor das histórias e o interpretador das ações dos personagens.


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Uma das ilustrações do artista Tim Bradstreet do RPG Vampiro A Máscara

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Basicamente era isso, não havia sequer muito espaço para quebra da narrativa e muita interpretação dos jogadores, não havia guias de como interpretar o seu personagem, desenvolvimento de personagem, alternativas e excepcionalismo do jogador. Sem falar que a ênfase de toda aventura era sempre a mesma, heróis se juntam numa taverna, uma missão é dada a eles, se agrupam e vão juntos no intuito de se aventurar nos calabouços, os heróis matam os monstros e coletam o prêmio e assim o ciclo se repetia, jogadores receberam seus prêmios pela sua bravura. Tudo ainda estava muito novo para os jogadores de RPG, nenhum jogo ainda ofereceu a oportunidade de arranhar a superfície do que o Storytelling (a arte de contar histórias) tinha para oferecer. Era preciso adicionar um elemento teatral onde a narrativa flui de acordo com as ações dos personagens baseado na improvisação. Ilustração por Tim Bradstreet

Não podemos deixar de citar que a grande maioria do público alvo eram frequentado por nerds e crianças, um público bem jovem que usavam o jogo como forma de escapismo depois do estudo, e como naquela época se você pertencia a esse grupo você era motivo de piada e chacota para as pessoas, nenhum dos garotos populares e descolados jogavam RPG. É claro que surgiram outros jogos depois do D&D, que ofereciam um outro tipo de sistema e novos ambientes para a jogatina como por exemplo Gurps, O Chamado de Cthulhu, Champions e RuneQuest, e isso continuou até os anos 90.

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Entretanto, estaria para chegar um jogo que daria uma cara nova para a cena RPG, veio ecoando um grito de horror inspirado pelas lendas europeias, exportado diretamente da Transilvânia na Romênia, os filmes de horror nos anos 80, especialmente de vampiros como Garotos Perdidos, A hora do Espanto, Fome de Viver, Depois do Anoitecer e Retorno de Salem. Os livros de vampiro da famosa escritora especialista no assunto Anne Rice, e mais a temática inspirada nos jovens rebeldes que gritavam por liberdade de expressão lá na Inglaterra. Isto é Punk- Gótico, isto é Vampiro: A máscara. Lançado pela White Wolf, uma empresa de jogos de RPG especializada em jogos de Horror, lançando em 1991 uma obra que causou estardalhaço tão forte onde nem mesmo D&D sonhava ir, mesmo com a febre infectando as crianças e adolescentes na América. Um impacto tão forte quanto, que atingiu até o mainstream, influenciando outras obras que viriam no futuro graças a ele. O jogo consiste na lenda do ser mitológico do Vampiro, que se originou desde a fábula do Gênesis da Bíblia onde a maldição que começou com Caim filho de Adão e Eva, que se alastrou durante toda a história da humanidade, através de uma sociedade secreta organizada onde a sua existência serve de apenas continuidade: proteger a espécie vampírica e os seus

segredos da humanidade, utilizando a eles como bonecos de corda ou até como gado influenciando ao seu bel prazer. Ambientado em um mundo Noir onde as maiores virtudes dos homens servem para serem esmagadas. Vampiro: A máscara não é um jogo onde os jogadores trabalham em um grupo de heróis em busca pelo tesouro perdido, matar o vilão e salvar a princesa aprisionada no castelo negro no alto da montanha mais alta. Este jogo é sobre uma missão pessoal, em que o jogador se encontra em um dilema entre viver como uma criatura da noite que acabou de se tornar um morto vivo tentando sobreviver em um mundo cercado por monstros que não irão pensar duas vezes em te amarrar numa cruz pra te deixar queimando ao sol só pra conseguir aquilo que eles mais querem: Poder e Diversão. Enquanto isso, você está condenado a viver eternamente se alimentando do sangue dos vivos e espalhando terror e caos numa guerra mais antiga do que você imagina entre duas facções políticas organizadas que brigam entre si por poder e território. Em que cada uma delas tem os seus devidos clans que as protegem e as clamam por fidelidade e servidão eterna.

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No meio deste conflito, o jogador se vê numa encruzilhada que não importa o caminho que percorrer, ele sempre o levará à perdição e assim lentamente irá consumir o que ainda resta da sua humanidade se perdendo. Até que, você se entregue de vez ao abraço desse espírito demoníaco que habita dentro de você chamado de A Besta.

Vieram os góticos, Headbangers, Punks Anarquistas, Estudantes de teatro, Satanistas e um grupo de indivíduos que realmente se denominam como Vampiros.

Com a chegada desse novo público, e popularizando a nova modalidade de se jogar existente desde a década de 70, a chamada Live Action Role Playing, ele consiste que a narrativa seja contada exatamente como se fosse numa peça de teatro, com atores sendo os jogadores, o mestre sendo o diretor, produtor e escritor da peça, porém sem script. Tudo na base do improviso e da imaginação. O sucesso do Vampiro: A máscara se espalhou pelos 5 continentes, existindo até eventos próprios de partidas Live Action. Uma recentemente aconteceu em Austin - Texas chamada The Night in Question: A End of Line que fez uma tour por Helsinki, Nova Orleans e agora em Berlim e a Convecção de Espinhos, que o próprio estúdio promove o evento entre os fãs ensaiando um evento histórico muito importante na história do jogo. Aqui no Brasil temos o RGBN na cidade de Rio grande no RS e o Curitiba By Night.

Apenas com a descrição do que este jogo se trata, pela sua temática e estética Noir, logo o jogo atraiu um público que jamais esperaria algo do gênero dentro de uma partida de RPG. Adicionando até uma diversidade para o StoryTeller, criando uma experiência única e imprevisível, em que os nerds em sua típica timidez e pouca relação social Muitos que entraram para o grupo não traria o mesmo resultado acabaram conhecendo uns aos outros, em uma partida de RPG. e assim havendo esse intercâmbio de convivência, troca de conhecimento e experiência de vida, não me arrisco a dizer que muitos que eram adeptos ao RPG se encontraram com essa junção de tribos urbanas que habitavam em uma mesa numa partida de RPG. Com isso, só enriqueceu mais ainda a experiência de se jogar, acrescentando mais diversidade de gêneros, estilos, religião e filosofia de vida.

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Não foi à toa também que a comunidade vampírica saiu das sombras se infiltrando no meio da cena da Subcultura Gótica americana e utilizaram o jogo como meio de comunicação com outras tribos para que o conhecimento adquirido pela comunidade vampírica se espalhe, cresça e se diversifique. Após que a comunidade foi crescendo e se espalhando pelo continente afora, nos EUA está concentrada na cidade de New Orleans, um Clan chamado “Sabertooth Clã” liderado pelo Father Sebastian, um dentista que constrói próteses dentárias personalizadas de vampiros. Aqui no Brasil, ela está mais representada pelo Axikerzus Sahjaza, mais conhecido pelo Lord A, que é autor de dois livros como Mistérios Vampyricos e Coleção Sobrenatural: Vampiros, fundador da Rede Vamp, o maior portal da comunidade Vampira do Brasil, DJ, Filantropo e promotor de eventos.

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Ilustração por Tim Bradstreet

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O sucesso do jogo foi enorme, bem mais do que se imaginava. Não era de surpreender, como todo produto de sucesso, que ele fosse ser adaptado para outras mídias como por exemplo: Livros, quadrinhos, video game, séries de Tv, Jogos de tabuleiro, Jogo de Cartas e Música. Na Música a própria White Wolf decidiu produzir um cd de música que seria de acompanhamento às partidas de RPG. Compraram direitos autorais de músicas de vários grupos da cena gótica como CruxShadows, Bella Morte, Paralyse Age, Nosferatu, Seraphim Shock, Diary of Dreams, The Mission, Kristen young, Wench, Carfax Abbey, Beborn Betton e NeuroActive. Cada música representa um clan do jogo e sendo a playlist do Dj Damascus trilha sonora do Clube Succubus que é um local fictício dentro do universo de Vampiro: A Máscara. No mesmo ano, a White Wolf, ao ingressar o seu mundo para atrair a atenção da comunidade gamer, eles lançam o Vampire The Masquerade: Redemption, desenvolvido pela Nihilistic Software VTM:R, foi a primeira tentativa da White wolf de transportar o jogo em vídeo game. O jogo consistia na história de um soldado francês, no período das cruzadas no século 12, chamado Christopher Romuald, que foi ferido em batalha, depois transformado em Vampiro pelo Clã Brujah, que o introduziu para o mundo das trevas. Um RPG de ação em perspectiva em terceira pessoa onde o jogador não só controlava o protagonista, mas como também outros companheiros para ajudar nas missões do jogo.

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No seu lançamento ele teve uma recepção muito binária. Alguns gostaram muito devido as mecânicas, a história e o diálogo, outros disseram que infelizmente foi uma transição muito precária, onde nem sequer ofereceu 1% da experiência que o próprio RPG oferecia comparando como sendo uma versão medíocre de Clone do Diablo 2, com problemas de balanceamento dos inimigos e dificuldade escalafobética desequilibrada. A White Wolf não parou por aí, em 2004 lança a continuação chamada Vampire The Masquerade: Bloodlines, desenvolvido pela Troika Games, o jogo saiu exclusivamente para PC, no entanto, infelizmente no seu lançamento ele foi um fracasso em vendas, e pelas críticas o jogo apresentou muitos

Dizia que o jogo deveria sair depois do lançamento oficial de Half-life 2, e pra dificultar mais as coisas, o jogo foi lançado na mesma semana que outros jogos de peso, saindo na mesma semana. Entretanto, apesar de todas as dificuldades e das duras críticas da mídia gamer, o jogo ao longo do tempo é considerado um produto cult, pelas suas mecânicas que na época eram muito inovadoras. A indústria de video game estava observando o potencial que a experiência de um jogo de RPG poderia proporcionar, adicionando a experiência visual que jogos de vídeo tem, já que o RPG é jogado apenas pela imaginação. A liberdade que uma partida de RPG de mesa oferece ao jogador sem seguir um script como explorar o cenário por soluções alternativas, interpretar o personagem de acordo com seu alinhamento, gerar novas histórias paralelas e etc. Com o potencial que este jogo oferece, o game gerou uma comunidade dedicada em modificá-lo

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bugs, e algumas mecânicas estavam quebradas e desniveladas. Sem falar que pela ambição que o jogo estava sendo desenvolvido, naquela época era bem desafiador, e o time de desenvolvedores fizeram de tudo, sem falar que a distribuidora Activision pressionava o estúdio com prazos muito apertados, por isso o jogo saiu incompleto devido ao contrato que o estúdio tinha para o uso do motor gráfico com a Valve.

e consertar os bugs apresentados desde o seu lançamento, além de aprimorá-lo, sendo até hoje, lançado novas modificações para este jogo, desde até novas missões, novos fases e novos personagens e clãs para jogar. Recentemente a uma revista especializada em video game chamada GAME INFORMER, tendo apresentado uma lista dos 100 maiores jogos de RPG de todos os tempo, Vampire The Masquerade Bloodlines se encontra no antepenúltimo lugar da lista e mérito que pouquíssimos jogos conseguem, sendo muito bem merecido.

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Em 1996, a White Wolf querendo expandir o mundo das trevas para a televisão, junto com o produtor Aaron Spelling e a Fox, decidiram produzir uma série chamada Kindred: The Embrace. A história se passava em Nova York, onde um detetive chamado Frank Konakek está numa investigação de uma onda de crimes que está ligado ao Julian Luna. O policial descobre que ele é um Vampiro do Clã Ventrue e se vê numa guerra entre facções de vampiros que manipulam os humanos para conseguir o que querem. Infelizmente a série só teve uma temporada, já que o público alvo não era o público nicho que realmente jogava o RPG e conhecia o universo. Com isso o público não se importava muito com os personagens e a narrativa das histórias, mais parecia uma série sobre uma máfia com vampiros ao invés de

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ser uma história de horror pessoal, onde uma sociedade organizada de vampiros se esconde para manipular a humanidade junto com a temática punk-gótico. A série estava se desviando da proposta do RPG e a audiência era bem abaixo do que se esperava, e a produtora FOX estava decidindo cancelar, e pra piorar o ator Mark Frankel, que interpretava o vampiro príncipe morreu em acidente de moto. Nunca sequer houve tentativas de interesse em adaptar o universo do RPG para as telas do cinema, com a experiência do fracasso da série, os motivos da chance disso acontecer eram improváveis. Em 2006 foi lançado o filme Anjos da Noite, que futuramente seria uma franquia de


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cinema de sucesso, entretanto as semelhanças, o plot do filme e o universo criado pela White Wolf eram quase que 80% confirmados. A produtora do filme o lançou sem o licenciamento da produtora do jogo e percebeu que o plot era muito parecido com uma história publicada pela Nancy Allen chamada The Love of Monsters, então a produtora alegou que o filme estaria plagiando e cometendo 17 violações de direitos autorais. O acordo pago pelas duas produtoras nunca foi divulgado oficialmente, mas mesmo assim a produtora do filme não deixou de produzir outras sequências do filme. Outras produções inspiradas nas obra da White Wolf foram produzidas como o seriado True blood que nunca negaram ter inspiração pelo RPG, a franquia de livros e filmes Crepúsculo, a série Sobrenatural muito inspiradas nos livros jogos do Hunter: The Reckoning, Demônio: A queda e Mago: A Ascensão. A série os Originais e Teen Wolf.

Nem todos os Vampiros são Góticos, nem todos os góticos são vampiros. Para que fique bem claro como um copo de água potável, o autor desta matéria que você está lendo tem todo o conhecimento e a plenitude ciente que a figura mitológica criado em torno do vampiro não faz parte diretamente da Subcultura Gótica, ele é apenas uma figura que serviu de tendência para a influência do movimento artístico. Sim por mais que isso soe hipócrita, pomposo e confuso, é perfeitamente normal se sentir confuso, isto até para quem participa na subcultura há mais de uma década é bastante confuso, imagine para o leitor leigo?

Ilustração por Tim Bradstreet

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No entanto, negar o impacto que a White Wolf produziu com uma obra que foi tão bem escrita e contextualizada na época em que ele se passava, redefinindo a figura mitológica da criatura mais popular das histórias de terror. Tendo através da figura do vampiro que é utilizada metaforicamente como um elemento de exploração do lado mais negro do homem. Isto é absolutamente um elemento de uma história gótica moderna e gótico faz parte da subcultura gótica, isto é lógico. White Wolf simplesmente não criou esta obra a toa, ela simplesmente assim como todos que possuem a habilidade do Storytelling em se tornar o observador do ambiente que o cerca, de acordo o tempo e espaço em que ele se passa, e daí criar os elementos para a sua história, e com esses elementos que te servirão de inspiração para a criação da sua história. Tudo que que é característica apresentada pelo Vampiro é bastante similar ao comportamento social entre as tribos urbanas das décadas de 80 e 90, e assim o RPG ajudou aos jogadores como introdução para assimilação para

que ele se identifiquem com cada tribo urbana, especialmente os góticos e punks. Tanto um como outro se inspiraram mutuamente e juntos alcançaram que os dois tanto desejavam: agregar o maior número de pessoas para diversificar e agregar novas experiências, e claro apoiar bons projetos. Negar a contribuição que a White Wolf fez para esta subcultura tão querida seria simplesmente negligenciar para os participantes a representação de um sentimento Elitista.

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Foto Reprodução: Poster oficial do filme

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Por: Nano Fregonese

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uando o falatório sobre o filme de terror A Bruxa começou, uma espécie de alerta soou na minha cabeça, um aviso de que vinha treta pela frente. Então o Stephen King em pessoa disse que havia se borrado durante a sessão e um templo satânico rasgou elogios à obra. Foi o que bastou para eu ter certeza que uma onda de confusão viria. Explico: Stephen King é um cara que enxerga o horror em tudo, desde que era criança. A mente dele funciona assim, traduzindo o mundano em algo assustador, enxergando o macabro de uma forma muito mais profunda e pura do que o resto de nós. Assim, quando ele disse que tinha se assustado com esse filme, estava claro que não dava pra esperar uma obra tradicional do gênero. Além disso, o elogio de um templo satânico pode ser facilmente mal interpretado por pessoas que não possuem contato com a ideologia. Ainda mais quando é um templo satânico ateísta.

Phillp's Ride Bill Crisafi 2018


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Em outras palavras, o filme tinha tudo para ser mais artístico e simbólico do que aterrorizante. E, com isso em mente, lá fui eu conferir.

O filme é lento, sem os clichês aos quais estamos acostumados – e que seguem nos fazendo pular da poltrona. A fotografia cria uma aura incômoda e claustrofóbica durante todo o longa e o som é extremamente eficiente em nos deixar angustiados.

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Poster alternativo do filme | Fonte: Google Imagens

Ao longo da projeção dava pra ouvir suspiros de impaciência e até mesmos alguns risinhos espalhados. O que é compreensível, já que a publicidade do filme o vendeu como uma história comum de terror. Não me admira que as pessoas esperassem por sustos, pulos e imagens de monstros possuídos por espíritos das trevas. E não me admira a frustração gigantesca quando nada disso aconteceu.


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Isso tudo nos faz ansiar por algum clímax que exploda toda a carga de tensão acumulada, mas esse clímax vem de uma forma tão ousada que oferece catarse a poucas pessoas da plateia.

Phillip's Ride - Bill Crisafi©

Pelo contrário. O clímax incomoda e tira da zona de conforto. Ele faz você repensar suas crenças. Nisso, a experiência de assistir A Bruxa me remeteu à experiência de assistir Sangue Negro, por exemplo.

Mas afinal, o filme

é de dar medo? Sim. A Bruxa é um dos filmes mais assustadores do cinema de horror recente, mas ele assusta por uma razão diferente daquela que esperamos. E, para explicar melhor esse argumento, vou ter que dar certos SPOILERS.

Ride or die pin por Bill Crisafi©

Então, se você não viu o filme ou se preocupa com esse tipo de informação, NÃO PROSSIGA.

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história começa com uma família de colonos sendo julgada por seus pares, em uma vila da Nova Inglaterra. Há uma discussão que não entendemos muito bem e a família é expulsa da comunidade – fato que é bem recebido pelo patriarca, já que ele considera seus vizinhos como seguidores menores de Deus. Somos deixados no escuro quanto às razões da expulsão, mas fica muito claro que estamos diante de uma família regida pela religião, que vê no divino a verdadeira autoridade e único modo de vida. Também fica claro o incômodo e medo da filha mais velha, Thomasin, com a situação. Incômodo este que se mostra totalmente justificado mais adiante. A família se estabelece em uma clareira, à beira de uma floresta, e tenta sobreviver através da plantação de milho e da criação de alguns poucos animais. A vida é dura, sem cor e se passa em uma tensão constante, já que a possibilidade de ir

para o inferno é tida não só como real, mas como provável. Imagine-se participando de um Big Brother cósmico onde é necessário seguir uma série de preceitos radicais, baseados em culpa e no qual, quando eliminado, você não apenas morre, mas também vai para um local de dor, fogo, miséria, desespero e enxofre por toda a eternidade. É esse o peso que cai sobre os personagens. Agora imagine que você passa por tudo isso que eu falei

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acima, além de sofrer moralmente nas mãos de uma mãe abusiva, de ser acusada e punida por atitudes que o seu pai fanático, hipócrita e covarde realizou e encontrar carinho apenas em seu irmão mais novo – que por acaso tem desejos incestuosos com você. Foda né? Mas piora: você também passa a ser acusada de

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Essa é a história de Thomasin, a primogênita da família. Mas também é a história de como a sociedade humilhou, massacrou e dominou mulheres ao longo de incontáveis gerações. Tudo com base em uma noção deturpada de que a mulher é a culpada pelo mal do mundo, que existe nela uma espécie de falha intrínseca que joga os homens em tentação e arruína outras mulheres “de bem”. A mulher carrega a semente do mal e, se não for purificada por Deus e trilhar a vida que se espera dela, trará desgraça, tristeza e ruína a todos que tocar. Não à toa, ao final de todas as dificuldades e provações, Thomasin se entrega às trevas – ou melhor, se afasta das noções religiosas da época. Por que continuar sofrendo sendo que as amarras que a prendiam agora foram cortadas? Por que condenar a si mesma a uma vida de martírio, quando isso não trouxe nenhum bem verdadeiro? Não seria melhor trilhar o próprio caminho?

She was summoned by Darkness - Bill Crisafi©

“Não seria melhor ter

as próprias conquistas e provar o sabor da manteiga, vestir um belo vestido, conhecer o mundo e viver deliciosamente? ” Não é para isso que ficamos até mais tarde em nossas agências e escritórios, afinal? Para ter meios de viver deliciosamente (nem que apenas aos finais de semana)?

Burial Ground Bill Crisafi©

Cena de início do filme , em que tomasin reza pelos seus pecados

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Então, ao final da trama, quando Thomasin toma seu lugar em um sabá negro, voltamos à interpretação de que satã não passa de uma metáfora para a liberdade. Aí está o motivo de tanto elogio por parte de templos satânicos.

Cena que Tomasin faz pacto com Baphomet em troca de sua liberdade


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Poster Oficial do filme | Fonte: Google Imagens

E também entendemos o simbolismo da cena final, na qual Thomasin não vai ao inferno, mas, ao invés disso, alça voo. Finalmente livre. A Bruxa é um símbolo para a injustiça, abuso e domínio que as mulheres têm sofrido ao longo da história. E, por essa razão, me deixou apavorado. Porque, quando os créditos finais finalmente surgiram, eu ouvi um monte de gente dizer que o filme era uma porcaria. Vi pessoas ofendidas com o fato de a protagonista ter abandonado um padrão que só a fez sofrer. Vi jovens xingando Thomasin, sem se preocupar em lançar um olhar mais questionador ou analítico ao que tinham visto. Eu me assustei porque vi, na tela, a semente do pensamento que tenta justificar a inferioridade feminina e a crença de que não podemos questionar a ordem imposta sob pena de irmos para uma prisão eterna. Mas eu me assustei ainda mais por perceber que, ainda hoje, há muita gente que se sente mais confortável em ver uma mulher ser vítima do que senhora da própria alma.

cena com os dois irmãos de thomasin e o bode da família, sendo a figura personificada de Baphomet durante o longa.

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Witches - Bill Crisafi Art ©

Mas e quanto à tal Bruxa do título? Ela existe mesmo? Isso fica por conta dos seus olhos. Da sua interpretação. Há, sim, uma bruxa em tela. E ela protagoniza algumas das cenas mais macabras e incômodas do filme. Muito embora o horror seja muito mais sugerido do que mostrado de fato.

Afinal de contas, é muito mais fácil colocar a culpa NO Demônio do que enfrentar os PRÓPRIOS demônios, não?

Eu preferi enxergar a “vilã” da história como uma metáfora dos medos e da culpa de todos os membros da família. O bebê sumiu? Foi a bruxa. A colheita foi um fracasso? Foi a Bruxa. Uma mãe deprimida e enciumada da filha finalmente perde a cabeça? Foi a bruxa.

Mas A Bruxa é o tipo de obra que será recebida de maneira diferente por cada um de seus espectadores, de acordo com as referências, bloqueios e repertório de cada um. E não há muito o que fazer a não ser entender que algumas pessoas irão adorar a obra enquanto outras vão detestar… você só não vai ficar indiferente a ela. Amém!

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Baphomet - Bill Crisafi Š

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Uma das ilustraçþes feitas pela artista, disponível em seu instagram - @ Nattskiftet

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Com uma boa dose de sarcasmo e humor negro, a artista e ilustradora sueca Lisen Haglund é famosa por criar ilustrações que misturam feminismo e cultura underground, criando assim ilustrações únicas e cheias de atitude. Muitas de suas ilustrações podem ser encontradas no instagram oficial da ilustradora, além do seu site, em forma de camisetas, posters e prints. Instagram da artista: @nattskiftet Site: www.nattskiftet.tictail.com Foto: Lisa Haglund

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Uma das ilustraçþes feitas pela artista, disponível em seu instagram - @ Nattskiftet

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o Patriarcado vai Morrer em Sangue & Chamas!!

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Uma das ilustraçþes feitas pela artista, disponível em seu instagram - @ Nattskiftet

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a verdade ĂŠ

Seja vocĂŞ

mesma e Foda-se os outros!

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Feminista Satânica

Uma das camisetas vendidas pela artista

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foto Reprodução: banda de witch house salem

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Por: Frater Dion

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á que falamos bastante de bruxaria por aqui, vamos falar de um estilo musical que combina bastante com esse tema: o witch house. É um tema um tanto controverso, pois muitos produtores musicais não consideram o witch house um estilo musical. Então vamos entender um pouco dessa discórdia entre produtores e a mídia. Nos meados de 2009 alguns artistas começavam a fazer um som que misturava música eletrônica com elementos mais sombrios com influência do Drone, Gótico, Darkwave, Noise e Shoegaze em meio a algumas batidas de Hip Hop e House. E tudo isso precisava de um nome que definisse essa sonoridade nova. O termo “witch house” foi criado pelo DJ nova-iorquino Travis Egedy (conhecido como Pictureplane) em 2009, que costumava usar o sarcasmo para descrever a música que ele fazia para seu círculo de amigos.

Foto: CRIM3S - Duo musical londrino bastante conhecido na cena Witch House

Eu e meu amigo Shams inventamos este termo para designar a house music obscura com uma temática dark, saca? música de casas mal assombradas ” Travis Egedy em uma entrevista para a revista Vice em 2015.

Um dos primeiros emais famosos àlbuns lançados pelo trio de Witch House - Salem

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Foto reprodução: Fever Ray

O termo se tornou viral em 2012 aparecendo em blogs de música, no Last. fm e, eventualmente, no New York Times, após Egedy conceder uma entrevista ao site Pitchfork sobre o seu álbum Dark Rift. Esse álbum falava sobre o significado astrológico de 2012 (e todo aquele boom esquisotérico da época). Deixando de lado a validade ou não da nomenclatura, sem dúvida toda uma cena musical soturna estava surgindo em 2009, com influência de ocultismo, bruxaria

e até xamanismo. Um dos nomes em destaque na época foi o projeto solo da artista sueca Karin Dreijer Andersson (do The Knife), conhecido como Fever Ray. O primeiro disco, homônimo, deu toda a estética e influência que o gênero adotou na época: simbolismo místico, vocal arrastado e batida desacelerada. A música mais conhecida do Fever Ray sem dúvida é If I Had A Heart, trilha sonora de abertura da série Vikings (que também se passa na Suécia).

Foto: Fever Ray | The Last Magazine

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Apesar do witch house permanecer no underground até hoje, alguns outros artistas se destacaram dentro do estilo. A principal banda da época, sem dúvida, foi o trio Salem. Também se destacam as bandas oOoOO (lê-se “oh”), Ritualz, White Ring e Crystal Castles. A sonoridade do Salem consolidou o que seria a estética sonora oficial de todo o witch house. A música mais conhecida do Salem, com certeza, é King Night, trilha sonora do ótimo filme Love, de Gaspar Noé. Confira abaixo alguns dos artistas citados, para entender um pouco mais. O simbolismo é amplamente utilizado no witch house. Os elementos atípicos fazem parte da composição artística do estilo, seja em samples dissonantes nas músicas, elementos visuais em clipes e capas de discos, quanto na adoção de diferente tipografia, oriundo muitas vezes de outros alfabetos, como o sânscrito, no nome das bandas, como por exemplo: †‡† (Ritualz), ▲(Black Triangle), GR†LLGR†LL (grill grill) e o †☉ℳᴯℨ. Nomes estes que acabam sendo muitas vezes impronunciáveis, salvo algumas exceções como as listadas. Apesar de toda essa imagem cabalística, ocultismo, satânica, herege, ou seja lá

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como muitos rotulam, o witch house não passa na verdade de uma expressão artística. Como dito pelo próprio Egedy, o “estilo” surgiu sem nenhuma base cultural ou de seita, sendo apenas uma representação musical utilizando referências já conhecidas, principalmente o Industrial e da Darkwave. Desse modo, temos um estilo que não era pra ser estilo e um lado artístico não muito compreendido ou aceito. Mas o que fica é um música que foge do padrão, rompe conceitos e traz um toque, digamos, diferente ao cenário musical. Esse gênero musical acabou encontrando na Rússia um lar acolhedor, devido ao sarcasmo e o lado soturno dos jovens russos. A maior festa de witch house no mundo chamase VV17CHOU7, que é basicamente “witch house” soletrado de um jeito todo errado e com números no meio. A festa acontece algumas vezes ao ano, em Moscow, difundindo novos artistas pelo mundo afora.


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Foto do vídeo - Russian Witch House do Canal Youtube: VV17CHØUZE

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Uma artista russa que se destaca bastante é a Zola Jesus. Seu timbre de voz lembra muito o de outra cantora bem conhecida na cena gótica: Siouxsie Sioux (do Siouxsie and the Banshees).

Mais recentemente, muitas bandas com vocalistas femininas dentro do witch house e da música mais obscura têm surgido, nos fazendo lembrar que a noite e a bruxaria tem uma relação forte com o feminino e com a imagem arquetípica tradicional da bruxa. Uma outra artista que representa muito bem esse arquétipo é a Chelsea Wolfe.

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Trio de Witch House - Salem

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Mesmo que o termo witch house eventualmente saia de moda, aposto que a música repleta de synths, gótica e depressiva vai continuar rolando na Rússia assim como rolou nos Estados Unidos por décadas, evoluindo e mudando com o tempo, enquanto se atualizava e se adaptava às gravadoras. Egedy concorda que, de certa forma, é tudo a mesma coisa. Os ciclos hype podem mudar, mas a sedução da dark music é para sempre.

Discografia básica Fever Ray – Fever Ray Zola Jesus – Stridulum EP Salem – King Night White Ring – Black Earth That Made Me Picturplane – Dark Rift GR†LLGR†LL – *GR†LLGR†LL Mater Suspiria Vision – Second Coming oOoOO – oOoOO EP Balam Acab – Wander/Wonder †‡† – †‡†

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Foto: Reprodução

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A definição indecifrável do Metal Extremo:

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Um vórtice sinistro oculto ao homem vulgar, e inevitavelmente próximo ao iniciado.”– Assim define

Magnaninus Sapientis a sua REX INFERNUS, que repudia absolutamente o “rótulo” Black Metal.

Por: Elaine Z

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uitos gêneros musicais apresentam uma sutil ligação com o ocultismo. Desde os compositores eruditos, como Paganini, passando pela era moderna, com Raul Seixas e Zé Ramalho (os exemplos a citar são muitos, bastam esses por enquanto). Mas nenhum apresenta uma ligação tão acentuada como o Rock (Led Zepellin, Black Sabbath, Marilyn Manson), a citar sua variação mais extrema: o metal. Este artigo se propõe a analisar o subgênero do metal mais contraditório e apreciado por boa parte dos apreciadores/as: o Black Metal. Percorrendo rapidamente uma parte de sua complexa e um tanto confusa origem (entre as décadas de 70 a 80), excetuandose sua ligação com o lançamento do álbum BLACK METAL do VENOM, naquela época a insatisfação dos apreciadores/as do metal extremo com a produção musical levou a muitos questionamentos quanto a sua identidade. O rock em sua essência tem como objetivo evocar a rebeldia, o abalo em

estruturas morais e sociais, o protesto em geral. E sua profundidade está no metal. Para isso, o metal extremo vale-se da arte sinistra e beliciosa para expressar-se, e quase todas as produções musicais trabalham sob este parâmentro. Se for preciso, corromper símbolos comumente aceitos. É exatamente neste “gancho” – corromper símbolos comumente aceitos – que entra o ocultismo. Os questionamentos quanto à identidade do metal extremo levaram algumas bandas a comporem músicas mais obscuras e agressivas, e a adoção de novos ideais, passando bem longe dos da que a cena “underground” da época praticava. E o que é o ocultismo, senão a volta do ser para o seu lado obscuro, aquela área do subconsciente onde reside forças ainda não despertas, por medo ou bloqueio impostos pela criação? Tudo se dá em meio a questionamentos, que, que geram novas atitudes. O ato de contestar valores comumente aceitos passam pelos sistemas mais dominadores existentes. E um é bem conhecido: a religião.

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Interessante mencionar o “Divino Marquês” Sade, que tratou em sua obra de exaltar os instintos mais naturais do homem: a libido e a violência, numa época de grande domínio da religião. Também é necessário mencionar Helena Petrovna Blavatsky, uma pioneira na divulgação do ocultismo pelo mundo com a Teosofia, que dispôs conhecimentos até então inacessíveis às pessoas, chocando a base religiosa monoteísta. As primeiras manifestações do que viria a ser conhecido como Black Metal se deram com os trabalhos musicais de Venom, Mercyfull Fate e Bathory, que tomaram como base o grande inimigo das religiões monoteístas: Satan. O que poderia ser mais chocante do que exaltar as características deste arquétipo/entidade em detrimento de um sistema dominador baseado nas limitações? Em detrimento de uma doutrina que repreende a elevação do ser humano por seu próprio esforço, “em nome de Deus”? O Black Metal é, em sua essência, satânico. Não necessariamente ligado à Filosofia proposta pela Church of Satan, fundada por Anton Szandor LaVey, mas especificamente por duas características: 1) A “metáfora” do Lobo; 2) Oposição aos estilos com influências judaico/cristãos

No que diz respeito à “metáfora do lobo”, é sua contraposição diante da “mentalidade de rebanho”. A violência e crueza de sua sonoridade é um “convite” para uma mudança radical de comportamento – de “servo” para “senhor”. “Senhor” de seus problemas, paixões, convicções e opiniões, de inserir-se na realidade compreendida pelo “Self”, e não por ditames ordenados por outros (os guiados como rebanho).

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Foto: Releitura da capa do รกlbum Transilvanian Hunger da banda de Black Metal Norueguesa Darkthrone, feita pelo artista John Paul

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Sua oposição aos estilos com noções cristãs (hippies, por exemplo) se deve ao fato destes evocarem conceitos de igualitarismo, justiça, bondade e maldade. O Black Metal, por outro lado, já evoca o individualismo – desafia a pessoa a provar o quão convicto é de tudo o que acredita para si mesma; é o desnudar-se de suas “máscaras” (auto enganação); submeter os inimigos e exterminar as “almas de espírito pobre e assistencialista”. E de cuidar de seus interesses, acima do interesse coletivo – claro, não desrespeitando as leis e constituição de seu País. Boa parte destas características estão presentes na Filosofia do Satanismo Moderno, mas o Black Metal, por possuir um ímpeto infinito de expressão, não se limitaria a uma base específica, pois assim não seria “música”, mas sim “hino de louvor”. Por isso, possui em sua abordagem o paganismo (seja nórdico, sulamericano, grego, etc.), a crítica (oposição ao sistema religioso, moral e social), menção de fatos históricos, filosóficos, e até mesmo elementos ritualísticos e de ambiente (ambient black metal e atmospheric black metal).

Foto Reprodução: banda holandesa de black metal Carach Angren

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Em outras palavras, o Black Metal, quando coerentemente apreciado, leva ao “despertar” de uma condição de subserviência, se valendo do metal mais cru e pesado. Então, se ele possui essa característica, parece um tanto incoerente dizer que possua uma “Filosofia de Vida”. Se aponta de forma direta todas as formas de auto-ilusão, de moral estúpida, então cada um que toma contato com este, despertando o gosto e apreço, produz uma ação independentemente em cada pessoa. Então, não há uma ideologia em comum, mas sim o individualismo. Conclui-se então que o Black Metal possui uma definição indecifrável pelo individualismo. Satânico, opositor, saudosista dos cultos antigos pagãos, guerreiro, abre um leque de sensações e horror, amado por uns e detestado por outros. Mas sempre de forma crua e profunda. Longa vida ao Black Metal – Sangue, Honra e Orgulho! Elaine Z

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O blackWork Tattoo de

Liz Minelli Entrevista por Bianca Santiago

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om tattoos obscuras e dotadas com uma boa dose de mistério, a tattoo artist Liz Minelli tem se tornado referência quando o assunto é Tatuagens. E mais especificamente no estilo de tatuagem hoje muito conhecido como Blackwork ("trabalho em preto" em português), ou seja, desenhos feitos somente na cor

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preta. Em seu instagram é notável perceber a quantidade de admiradores que possui, hoje tendo cerca de 27 mil seguidores, e com muito talento e criatividade, Liz Minelli consegue fazer criações divinas de estilo gótico e ou até mesmo relacionadas ao oculto. Em entrevista exclusiva, Liz conta um pouco da sua trajetória como tatuadora, suas inspirações e dificuldades que a tenham cercado dentro do ramo.


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Vrăjitoare | Instagram: @LizMinelliTattoo

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Foto divulgação: Liz minelli tatuando em seu estúdio no RJ

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Um pouco de sua Biografia

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iz Minelli, 24 anos. Nasci e Resido no Rio de Janeiro. Estudei Pintura na Escola da Belas Artes porém não concluí o curso para focar na minha carreira como tatuadora que já estava em andamento quando ingressei na faculdade. Tatuo a 6 anos e atualmente sou dona do meu próprio estúdio no RJ, o Black Arcana Tattoo. Viajo para outros estados e outros países tatuando como guest em Diversos estúdios. Foto divulgação: Logo do estúdio da artista

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entrevista

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Imagem do Facebook da Artista

Conte nos um pouco sobre você, de onde surgiu toda essa paixão pelo mundo das Tattoos? Você sempre gostou de desenhar ou foi por conta de outra coisa que a fez se interessar em trabalhar como Tatuadora? Sempre desenhei. Meu pai é escritor e desenhista, então sempre tive a influência artística dentro de casa desde pequena. O interesse por tatuagem começou na adolescência, quando descobri essas revistas de tatuagem nas bancas de jornal, comecei a colecionar e me apaixonar por tattoo, visto que em casa mesmo não tinha nenhum parente com tattoo ou que gostasse de tatuagens.

Qual foi sua maior referência ou inspiração para ingressar nesse mundo? Não tive uma referência em específico, foram diversas inspirações. Mas quem sugeriu que eu me tornasse tatuadora foi minha melhor amiga, Amanda. Em 2011, estávamos no primeiro ano do ensino médio. Um ano depois eu comecei como aprendiz em um estúdio só de mulheres aqui na zona norte do RJ. O que pensa a respeito desse mercado de tattoos aqui no Brasil? Acha que as mulheres estão tendo cada vez mais visibilidade nesse ramo? Tem alguma coisa no ramo que a incomoda de alguma forma? Acredito que ainda tem muito o que melhorar. De forma geral podemos falar que sim, nós mulheres estamos tendo mais reconhecimento e destaque,

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mas não estamos nem perto de chegar no mesmo nível de reconhecimento que um tatuador homem tem. Não por falta de qualidade no trabalho, muito pelo contrário! Cada vez mais surgem tatuadoras excelentes, mas o público ainda visualiza a profissão como algo exclusivamente masculino. Por exemplo, quando alguém manda email pro meu estúdio sem se informar de que sou a única tatuadora, já procuram o trabalho do “tatuador”, ou quando perguntam se o trabalho da imagem (mesmo com legenda explicativa) foi feita por mim. Ainda há muito machismo na profissão, e temos que lutar muito ainda pelo devido reconhecimento. De onde surgiu esse interesse em trabalhar especificamente com o estilo Blackwork? (Se assim posso definir). Acredita que a procura

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por esse estilo de tatuagem que realiza está cada vez maior? Sempre desenhei com grafite e carvão, então naturalmente preferi trabalhar com apenas tinta preta nas tattoos. O “Blackwork” sempre existiu, só não com essa nomenclatura moderna. Tatuagens em tinta preta são milenares, e dos mais diversos estilos de execução. Vários corpos foram encontrados preservados ao longo do tempo onde puderam identificar tattoos em preto no corpo mesmo mumificado por anos e anos. Ou tattoos feitas ainda hoje por tribos das mais diversas culturas, utilizando apenas tinta preta. Ou seja, a procura não aumentou, ela sempre existiu e acredito que sempre existirá, pois o uso da tinta preta é tão antigo quanto a existência da tatuagem na história da humanidade.

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Percebi que você gosta muito de tatuar criações relacionadas ao oculto, principalmente à Bruxaria e o Tarot, além de personagens da literatura e do cinema, e achei incrivelmente lindo. <3 Aproveitando essa observação, gostaria de saber o que mais as pessoas procuram que você faça? Tem alguma preferência de desenho e ou temática que as pessoas mais te pedem para fazer ou alguma que você mais gosta de fazer em especial? :) Tudo dentro do que você mencionou são temas que as pessoas me procuram para transformar em tattoos. Elas se identificam com a estética e percebem que é justo o que procuravam, não só na estética do tema mas por serem tattoos em blackwork, que reforçam mais ainda a estética que buscam. Atualmente, depois de anos fazendo um pouco de tudo na tattoo, felizmente tenho a possibilidade de realizar trabalhos que são totalmente dentro do meu estilo de criação. Então não me procuram para realizar outros estilos pois quando descobrem meu trabalho fica bem claro o que ofereço. Não tenho preferência de desenho, contando que eu tenha liberdade artística, toda ideia é bem vinda! Imagem do Instagram da Artista

Quais foram as maiores dificuldades ou desafios que já teve que passar ao trabalhar com isso? As maiores dificuldades no início são todas ligadas a quão longe você vai estar disposto a levar a sua dedicação. Porque não são flores, é bem puxado e muitas vezes você pensa em desistir. Quando começamos a tatuar temos que passar por várias fases e bem devagar, cada fase de aprendizado é muito importante e nem sempre temos paciência pra passar por todas elas. Mas passa, tudo passa. E só continua bem na profissão quem consegue passar por todas essas fases sem se “atropelar”. Entender que no início não vai fazer grana suficiente Imagem do Instagram da Artista

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com tattoo pra se sustentar sozinha e que leva anos pra criar um nome que aí sim se tornará seu sustento. As dificuldades atuais são apenas ligadas a quão pode ser lidar com pessoas, o que faz parte da profissão, então é algo que temos que encarar diariamente e tentar ser o mais profissional possível. Quais as dicas que dá para quem pretende ingressar nesse mundo? A dica que eu dou é: não comece a tatuar se você precisa pagar suas contas apenas com o dinheiro das tattoos. Vejo muita gente começando e se desesperando querendo já fazer trabalhos maiores, cobrando, sendo que estão num nível muito iniciante pra cobrar pelas tattoos. No início tudo é um teste, um estudo, se você se desesperar por fazer grana, vai se prejudicar e provavelmente vai demorar muito mais pra evoluir. Tenha PACIÊNCIA e HUMILDADE! Tem muito aprendiz pulando várias fases de aprendizado por vaidade, pelo status de “tatuador”. Procure as pessoas certas pra te orientar. Não caia na furada de pagar “cursinho” de tattoo, isso não existe - é tudo pra fazer dinheiro em cima de gente desesperada. Busque algum estúdio que abra espaço para aprendizes sem cobrar. Mostre dedicação, escute e tenha paciência. Pratique o desenho e não se atropele. Faça tattoos menores e mais simples até ter segurança para trabalhos maiores, sem pressa pra sair postando nas redes sociais. Tudo tem seu tempo.

Imagem do Instagram da Artista

Imagem do Instagram da Artista

Por onde as pessoas podem te encontrar para conhecer melhor seu trabalho e tatuar contigo? Deixe aqui seus principais meios de contato! :) Atualmente utilizo mais o Instagram para divulgar meu trabalho - instagram.com/ lizminellitattoo e os orçamentos são feitos apenas por e-mail! lizminelli.art@gmail.com Imagem do Instagram da Artista

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Bate Papo

a aTual subcultura gótica brasileira Entrevista por: Bianca Santiago

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ascido em 1970 no Rio Grande do Sul, Henrique Kipper é atualmente ilustrador, cartunista, artista gráfico desde 1988 em jornais e revistas do Brasil e Portugal. Publicou e editou quadrinhos, tendo administrado e co-editado o coletivo artístico FRONT que produziu diversos livros de HQ premiados no Brasil. É formado em Letras Inglês/Português, tendo lecionado na área. Também estudou Ciências Sociais e Publicidade. Atualmente é casado, e tem 2 filhos. Começou a frequentar a cena gótica em 1990, em São Paulo, sendo hoje bastante conhecido por organizar eventos góticos em São Paulo, e é também autor da revista Gothic Station - Estilo e Cultura, que nos dias de hoje, tem sido referência quanto a subculura gótica brasileira. Além de também ser autor do site gothicsstation.com.br onde ele divulga mais informações e entretenimento a respeito da subcultura. Em um pequeno bate papo, Henrique, conta um pouco da sua trajetória dentro da cena e do seu trabalho atual, e comenta a respeito da sua perspectiva perante o atual cenário brasileiro dentro da subcultura. 2018


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Capa da primeira edição do livro ilustrado de Kipper

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Conte nos um pouco da sua

trajetória dentro da subcultura! De gótica e ter acesso a toda rede de informações e onde veio todo esse interesse pela interações sociais online. Subcultura Gótica? :) Sobre o que "estraga" a cena gótica brasileira é uma longa história, detalhei essa questão aqui: Comecei a frequentar a cena gótica no começo de 1990 em São Paulo, gothicstation.com.br/Mitosqueprejudicamacen quando mudei para essa capital. Creio agóticabrasileira que tive uma identificação imediata com a subcultura gótica devido vários Percebo que a cena é muitas vezes, cercada de interesses culturais e interesses, além pessoas que são bem receptivas com quem já é ou de certas visões de mundo, que "se não da cena, como também há muitos que fazem um encaixaram" na subcultura gótica. A certo elitismo a respeito da mesma, e aproveitando confluência de referências artísticas essa observação, gostaria de te perguntar quais e comportamentais em pareceu "o tem sido os mitos que já viu/ouviu dizerem sobre lugar certo para mim", apesar de nem os góticos? O que mais tem acostumado a ouvir de eu nem ninguém se identificar pessoas que não conhecem a subcultura? E os que com tudo em uma subcultura, já são da subcultura, o que costuma ouvir desse socialmente escolhemos o espaço de pessoal falando? maior identificação. São duas questões diferentes: os mitos internos e os O que acha a respeito da cena externos. gótica atual aqui no Brasil? Acredita Sobre os mitos ou preconceitos externos comentei que a mesma esteja cada vez mais aqui: fortalecida ou tem estado, seja por algum motivo, em decadência nos últimos anos? Para você, o que estraga dentro da cena?

Creio que o problema é tentar comparar realidades históricas e sociais do século passado com hoje, ou realidades do mundo pré-internet com o atual. Não há como, não há escala contínua que permita essa avaliação: as mesmas funções sociais são realizadas de outras formas. Tendo isto em mente, podemos dizer que hoje temos uma cena gótica brasileira com muito mais gente interagindo e com pessoas espalhadas por todo Brasil, mas essa interação não vai ser necessariamente presencial. Uma pessoa isolada em uma cidade sem outros góticos pode estar totalmente identificada culturalmente com a subcultura

gothicstation.com.br/postunico/2018/09/29/10-Coisas que os Góticos não são

Como já comentei acima, a questão do elitismo - aí um problema interno- tem a ver com a transposição de ideias de underground do século passado para a atualidade: a ideia de um núcleo puro que se relaciona presencialmente e seleciona a corrente de acesso para manter o grupo reduzido. Algo que não faz nenhum sentido no século XXI. Dentro da subcultura gótica há alguns mitos, as influenciados por outras subculturas: a questão religiosa é uma, em que se dizia que não haveria cristãos entre góticos, ou que a maioria seria neo paganista ou ateu. A realidade se mostrou muito diferente em pesquisas que temos feito: apesar de termos na cena gótica uma diversidade muito maior de religiões que nem aparecem no censo brasileiro, com alto índice de paganistas e ateus, a presença de religiões tradicionais é proporcional e conseguem conviver bem. Esse é só um exemplo, há inúmeras questões desse tipo, tanto que no momento estou trabalhando em um censo gótico com vários assuntos.

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Entrevista

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Ilustração de uma das edições do livro ilustrado de Henrique Kipper - Mondo Muerto

O que pensa em relação ao que a mídia mainstream gótico "deveria ser" e não aceita a realidade da fala sobre as subculturas/ tribos urbanas?

evolução da subcultura gótica. Tanto que de fato ignora toda produção gótica e festivais desde 1990 Ha, já perdi as esperanças em relação à mídia aproximadamente! mainstream há muitos anos atrás (risos), tanto que há mais de 10 anos tenho trabalhado no Para a mídia musical mainstream, o gótico acabou lá desenvolvimento de uma mídia Gótica própria. por 1988, e há hoje apenas algumas bandas revival. No passado tentei colaborar com a mídia musical Já na mídia pop em geral o gótico geralmente mainstream, por exemplo passando informações aparece como "freak de plantão", quando querem coerentes e atualizadas, mas houve rejeição dessas mostrar algo estranho. Realmente não perco mais informações, porque por exemplo a mídia musical tempo com isso, aprendi que algumas subculturas "especializada" tem suas teorias sobre o que o não são tão bem assimiladas pela mídia mainstream como outras, de acordo com suas características. 2018


Lifestyle

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No seu ponto de vista, qual é o conceito de Subcultura?

Teria alguma referência bibliográfica a respeito disso para nos partilhar? O que é ser gótico para você? :) O conceito de subcultura passou por várias atualizações desde o início do século XX, e hoje trabalho com uma definição atualizada no final dos anos 90 e começo do século XXI, que é o contrário de Tribo. Descrevo essas diferenças aqui: gothicstation.com.br/post-unico/2018/09/29/DIFERENÇASENTRET RIBOESUBCULTURA, quanto ao conceito tradicional de subcultura e de subcultura translocal (que é o que existe hoje, na verdade), comento aqui: gothicstation.com.br/post-unico/2018/09/18/OQUEÉSUBCULTURA?

Percebo que há muitas pessoas dentro de uma subcultura que parecem

se sentir envergonhadas em se auto declarar góticas, punk, metaleiros, etc. Acha que dar a si mesmo um “rótulo” é necessário ou prejuízo? Existe uma confusão entre as palavras rótulo e classificação. Rótulo tem uma carga semântica negativa quando usada para seres humanos, já classificação social tem uma carga semântica neutra. O discurso ideológico contra identidades usa a palavra rótulo porque sabe que ideia será rejeitada pela carga semântica. Vamos discutir então, as classificações de grupos sociais: classificações de identidade grupal são socialmente necessárias , porque os grupos que não se dão um nome e delimitam seu espaço conceitual são dizimados ou desaparecem diluídos em grupos que ficam mais fortes

por fazer isso de alguma forma (ou na cultura hegemônica que é a única que pode se dar o luxo de "não se nomear" por se natularizar como natural ao se tornar hegemônica). Assim, se classificar como gótico ou qualquer outra coisa é necessário para manter nosso espaço de liberdade (e de outras pessoas) aberto. É importante não confundir essa identidade social que precisa ser firme com nossa identidade ontológica que é eternamente auto-questionante e um vir a ser que pode mudar: exatamente para que todas as opções ontológicas de ser permaneçam em aberto para todos os indivíduos é necessário que as classificações sociais de grupo permaneçam definidas.

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Lifestyle

Quais as suas dicas e ou conselhos que você o segundo volume de de meu livro "Happy House in

tem para dar aos que querem conhecer e a Black Planet: Uma introdução à subcultura Gótica ingressar na subcultura? VOL.2" . Siga seu prazer. É o caminho do prazer que vai levar à curiosidade e a busca por conhecer mais sobre qualquer assunto relacionado à subcultura, e só esse prazer autêntico sustenta nossa identificação a longo prazo.

Você está atualmente trabalhando em

algum projeto gráfico? Tem algum projeto atual que pretende lançar? Deixe nos alguma ilustração sua que mais gosta e suas redes para que possamos conhecer! :)

Ao mesmo tempo tenho trabalhado na reconstrução de nosso site Gothic Station - que está completando 10 anos - em uma nova plataforma, o que ainda vai dar bastante trabalho até 2019, ufa! Até 2019 ainda estaremos realizando o Censo Gótico Brasil, algo que também vai dar muito trabalho. E continuamos com nossa festa Gótica, o Projeto Absinthe. https://www.gothicstation.com.br/ h t t p s : // w w w. f a c e b o o k . c o m / G o t h i c Station-173357889371831/ https://www.facebook.com/MondoMuerto/ https://www.gothicstation.com.br/projeto-absinthe

No momento acabamos de lançar a edição número 4 da Revista Gothic Station, a primeira revista gótica brasileira e também

Ilustração de uma das edições do livro ilustrado de Henrique Kipper - Mondo Muerto

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Entrevista

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PHOTO:

OLIA PISHSCHANSKA


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