TFG - Sobre tantos Recifes: Paulo Bruscky

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SOBRE TANTOS RECIFES: PAULO BRUSCKY

Maria Beatrice Ferraz Trujillo Rodrigues



SOBRE TANTOS RECIFES: PAULO BRUSCKY

trabalho de conclusão de curso Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo

Maria Beatrice Ferraz Trujillo Rodrigues orientador

Luís Antônio Jorge

junho de 2016



AGRADECIMENTOS

Agradeço ao professor e orientador Luís Antônio Jorge pela companhia generosa e paciente na travessia que é este ensaio. Agradeço também, e sem dúvida, por João Cabral de Melo Neto. Ao professor Agnaldo Farias, que – talvez, sem saber – marcou o vinco estrutural da minha graduação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Sou grata pelas tantas trocas acolhedoras durante este percurso. Agradeço ao professor José Lira pelo interesse e participação na banca de avaliação. Ao meu pai, Antonio Carlos Trujillo, pela parceria incondicional e a demonstração de amor nas pequenas coisas cotidianas. Fizeram parte de minha trajetoria as grandes amigas Bruna Dias, Mariana Carvalho e Paula Bedin, meus reflexos por semelhança e diferença. Pelo diário de nossos amores, agradeço muito. Agradeço aos companheiros e amigos da graduação da FAU USP que estiveram presentes de forma mais ou menos direta nestes anos vida acadêmica. À Ana Claudia Amaral, Clarissa Lorencette, Gabriela Villas e Carla Takushi, pelo apoio e acolhimento mútuo na conclusão deste trabalho. Agradeço aos amigos Jaime Solares, Rafael Andrade, Rafael Monteiro e Olivia Bianco pelas valisosas colaborações.


Aos primos Divo Roberto e Marcos Aurélio, pela presença constante. Agradeço à Sabrina Fontenele pela atenção carinhosa ao longo da busca por um caminho possível dentro da profissão. Ao amigo Pedro Paulo Coelho, pelo reencontro. Lembro, ainda, Ana Olmos, por transmitir tanta a alegria durante este e outros projetos. Ademais, sou grata aos curadores Galciani Neves e José Augusto Ribeiro pelas pontuações bibliográficas. Agradeço também às equipes do Instituto Moreira Salles (SP/RJ) e da galeria Nara Roesler (SP), pela disponibilização de livros, revistas e imagens. Este trabalho parte tanto do interesse acadêmico sobre a cidade do Recife e suas grandes figuras, como dos vínculos afetivos estabelecidos com o estado de Pernambuco. Devo agradecer sinceramente à todos que me apresentaram às tantas dobras pernambucanas.




ÍNDICE

APRESENTAÇÃO

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capítulo um | contextos

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Uma cultura açucareira com uma arte açucarada Penambucanidade x pernambucália

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capítulo dois | você precisa saber de mim

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capítulo três | travessias Artexpocorponte, 1972. Arte/Pare, 1973.

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capítulo quatro | sobre tantos Recifes Cartografias Os tantos Recifes

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LISTA DE OBRAS

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ANEXOS

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BIBLIOGRAFIA

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“ [...] deve ser possível dizer melhor, dizer que os limites da linguagem são os do mundo, que os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo. E que falando, limito o mundo, termino-o. [...] Uma vez que não me posso arrancar à objetividade que me esmaga nem à subjetividade que me exila”. Jean-luc Godard, Deux ou Trois Choses Que Je Sais d’Elle, França, 1967.



APRESENTAÇÃO

Este ensaio é o fim e o começo – mas sempre mais começo que fim – de um processo de aprendizado. Nas entrelinhas dos textos encontra-se um esforço enorme para pensar o que é a linguagem. Este esforço foi construído a partir de uma inquietação pessoal crescente ao longo da graduação e em direção ao fenômeno da produção da linguagem.

DA INQUIETUDE

Dentro do redemoinho intelectual a que se está sujeito durante a graduação, foi primeiro nos estudos relativos ao campo da arte que se tornou claro o fato de que qualquer produção humana parte – antes de tudo – de um posicionamento frente à realidade, uma postura. Dessa forma, foi possível perceber que tão ou mais necessário que saber sobre o quê se irá falar, é entender como se irá falar. O contato logo no início com obras como Bed (Cama, 1955), do artista americano Robert Rauschenberg – em que ironiza com sagacidade certos enunciados do expressionismo abstrato acerca da manifestação de emoções primárias ou impulsos elementares do indivíduo, ao sugerir outro modo de aproximação ente arte e vida e trazer com humor a real arena do mundo interior – evidenciou a possibilidade de subversão do discurso a partir da forma. Além disso, o contato com os desafios que os próprios artistas se colocam gerava um fascínio que desassossegava o espírito, a fim de me aproximar do que eles viam nas mais diversas coisas e que eu não via. 11


Robert Rauschenberg, Bed (Cama), 1955, óleo e pincel em travesseiro, colcha e lençol em suporte de madeira, 191,1 x 80 x 20.3 cm. Disponível em: <http://bit.ly/1OntdBA>. Acesso em: 13 jun. 2016.

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Com a deterioração do cenário político brasileiro ao longo dos anos, a descrença na possibilidade de mudança através das vias tradicionais fez emergir uma urgência pela busca de um universo onde seria de fato possível pensar formas de intervenção e, a partir dele reunir ferramentas para a construção de alternativas frente a uma realidade insalubre. Além disso, o olhar voltado ao espaço urbano estimulado pelas diferentes disciplinas da graduação evidenciava que a consolidação de uma sociedade verdadeiramente democrática – com todos os perigos que esta expressão carrega – haveria de passar pela ativação do seu lugar de mediação por excelência: a cidade. Ainda, por ser o Brasil um país que sistematicamente trata a produção artística como atividade humana de pouco valor e institucionaliza o processo de sua marginalização, parece-me urgente que a potência de ruptura existente na arte seja constantemente reiterada e disseminada.

OS PRIMEIROS PASSOS

O encontro com a produção do artista recifense Paulo Bruscky (1949-) se consolidou, primeiramente, na consonância entre as inquietações colocadas acima e a afirmação brusckyana de que a ação artística está, antes de tudo, no olhar – e por olhar é possível compreender o modo de reconhecer o mundo e, portanto, inserir-se nele. Ora, se para reconhecer o mundo é preciso tentar explica-lo - e aqui não se deve extrair do termo explicação uma noção cartesiana de classificação das coisas, mas o interesse perene em voltar-se para aquilo que não é conhecido, o que não é luz -, as saídas possíveis para se dizer das coisas baseiam-se inteiramente na linguagem. Logo, ao investir no alargamento do espectro da linguagem, o indivíduo amplia sua capacidade de posicionar-se expandido, portanto, a si mesmo.

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Com base no interesse acerca da investigação poética em Bruscky frente ao entorpecimento cotidiano vivido nas cidades, foi planejado a princípio o estudo de determinadas obras de intervenção urbana na cidade do Recife. O recorte de tempo e espaço estabelecia dois desafios iniciais: as obras escolhidas datavam do período da ditadura militar brasileira – em que o cerceamento de certas liberdades e, consequentemente, da ocupação da esfera pública, em geral, era profundamente lesado – e as condições bastantes específicas da paisagem da capital pernambucana (uma cidade praticamente plana, atravessada pelo rio Capiberibe e o encontro deste com o mar) estimulavam de maneira única os projetos de Bruscky. Como será exposto mais adiante, o artista tira proveito não apenas das características físicas do Recife, mas entende a cidade como fenômeno comunicativo, ou seja, como espaço ou texto que se dá a ler. Isto quer dizer que em um só ambiente chocam-se uma série de leituras realizadas ao longo do tempo e, portanto, é impossível admitir uma narrativa única para este espaço. Com as características da cidade trabalhando numa espécie de mutualismo com a obra de arte – em que a materialidade do espaço dá subsídio à ação, e esta ação visa o diálogo com as percepções sensíveis da cidade –, a capital se torna além de suporte, objeto das ações artísticas. Com o desenvolvimento do trabalho e o estreitamento do contato com a produção de Bruscky, revelou-se a importância de uma investigação anterior à análise de suas obras: compreender que a atividade de reflexão humana é dirigida fundamentalmente pela língua – língua esta que nos foi dada e é constantemente atualizada. Portanto, a capacidade reflexiva é intrínseca ao domínio da língua. Isto quer dizer que qualquer produção humana traz em si os vínculos firmados pelo indivíduo com aquilo que lhe formou.

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A atividade cultural pernambucana, em seus mais diversos campos, tratou-se ao longo do tempo de representar a cidade do Recife com maestria e diversidade. Das narrativas quase míticas presentes na literatura de cordel até a fusão entre guitarra elétrica e maracatu pelo manguebeat, o olhar sobre a capital toma formas plurais. E, como é impossível estar indiferente à percepção sensível com que se entra em contato, a sugestão de aproximações ou distanciamentos entre as representações artísticas parece coerente. Ora, quem sabe um olhar mais atento pode ver João Cabral de Melo Neto em Chico Science e Nação Zumbi.

NOTAS DO PERCURSO

A constatação da pesquisa histórica – e, claro, artística – como premissa da produção de Paulo Bruscky trouxe à tona o valor conferido pelo artista à revisão das possibilidades já estabelecidas como ponto de partida para a insubordinação do olhar. Logo, tornou-se imperativo a confecção de um panorama das vozes que precederam a de Bruscky ou, ainda, que com ela conviveram de alguma forma. Voltando-se ao contexto cultural pernambucano, a variedade de produções ali presente sugeriu a criação de uma cartografia dos olhares. Entretanto, como a própria memória humana, o estabelecimento de conexões e tensões entre os diversos estímulos da vida não se limita à simples organização contextual ou à lógica de encadeamento linear. Para sua estruturação, este ensaio propõe, primeiramente, o reconhecimento do protagonismo dos autores pernambucanos nos mais diversos âmbitos da produção cultural e, consequentemente, da construção da sintaxe brasileira. A partir daí, torna-se possível contextualizar a postura brusckyana frente ao contexto em que

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se insere (a partir da década de 1960) e as urgências conceituais e formais que o artista apresenta através de seu trabalho. Em seguida, é construída a reflexão acerca da existência de uma política da arte. Num contexto conturbado como a ditadura militar brasileira, é atraente uma primeira ideia de aproximação entre arte e política – inferindo um certo ativismo panfletário. Contudo, o que se busca aqui é entender o olhar artístico como o modo de intervenção na estética da realidade, o que confere a ela uma postura política própria. Mais adiante, este ensaio tece um breve comentário sobre duas obras de intervenção artística no meio urbano do Recife, realizadas por Paulo Bruscky – uma delas em parceria com o pernambucano natural de Garanhuns, Daniel Santiago (1939) – no início dos anos 1970. Por meio desta reflexão, busca-se um levantamento das formas com que o artista é capaz de perceber a vida e de estimular o público à participação na ação, produzindo novas formas de compreensão da realidade cotidiana. Finalmente, afirmando a importância do olhar como a atividade artística primeira, o trabalho reúne obras de Ariano Suassuna, Manoel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Cícero Dias, Vicente do Rego Monteiro, Capiba, Daniel Santiago e Paulo Bruscky, além de registros fotográficos de Francisco du Bocage, Marcel Gautherot, Peter Scheier, Alcir Lacerda e Eduardo Simões. Ao longo das páginas, o encadeamento dos trabalhos constrói uma narrativa sobre cidade do Recife a partir do choque formal e não da linearidade cronológica ou conformidade temática.

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PARA MANTER SEMPRE TESO O ARCO DA PROMESSA* A coincidência do desenvolvimento do trabalho de conclusão de curso com um período de extrema fragilidade política no país deixou claro a necessidade de pensar a realidade a partir da estética dos discursos vigentes. Lançando mão da migração de conceitos e analogias, o trabalho deseja demonstrar a indissociabilidade entre a construção da linguagem e o modo com que o indivíduo toma parte na sociedade. Parece oportuno transcrever, aqui, um trecho do texto Tupi or not to be: Em nome de Deus e do New York Times, a disputa do impeachment e dos Brasis1 de Eliane Brum, ainda que um tanto extenso: “Criar o que pode ser chamado de um ‘em nome próprio’ foi o desafio dos principais movimentos culturais do século 20, dos modernistas de 22 ao Cinema Novo e à Tropicália. Não por coincidência, processos interrompidos por ditaduras. Em 2013, o novo voltou a ocupar as ruas com enorme potência, para ser reprimido pelas bombas de gás da Polícia Militar e pela violência da palavra ‘vândalos’ [...]. É de 2013 que ainda se trata hoje, e se tratará por muito tempo. Do que já não pode ser contido, do que reivindica novas palavras para poder ser dito. Não mais como discurso, como nos movimentos da modernidade, mas como fragmentos, ou como discurso contra discurso, em nossa principal irrupção estética de pós-modernidade. O Brasil não é pátria nem mátria, mas fátria, como cantou Caetano. Para encontrar as palavras com que construiremos a narrativa do hoje é preciso olhar para Oswald de Andrade, para Villa-Lobos, para Glauber Rocha, para Zé Celso Martinez Corrêa, para Davi Kopenawa e Ailton Krenak, para Mano Brown e Emicida, para Eliakin Rufino, para Sérgio Vaz, para Laerte, para Mundano. Para tantos. Para o

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perspectivismo ameríndio de Eduardo Viveiros de Castro. Para a literatura de Carolina Maria de Jesus. Para a Comissão da Verdade. A dos crimes da ditadura. E a dos crimes da democracia”. Assim, parece clara a necessidade de reconhecer em quê nos apoiamos para então investigar como podemos dizer sobre o que vemos. Pois em nossa existência, a arte precede, alicerça nossa forma de estar no mundo. É isso o que a arte faz.

1 – BRUM, Eliane. Tupi or not to be: Em nome de Deus e do New York Times, a disputa do impeachment e dos Brasis. Coluna publicada no jornal El País no dia 26 abril 2016.

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* Caetano Veloso, é claro.




UM | contextos

É 1964, o regime militar toma poder por meio de golpe, inaugurando toda a insensatez do período da ditadura brasileira. A vitória da direita toma forma entre acertos de generais, suprimindo qualquer gesto em direção às reformas de base intendidas pelo até então presidente João Goulart. Nos anos finais da década de 1960 e início dos anos 1970, 90 milhões em ação sufocavam ao ar do Ato Institucional No. 5 (1968), fruto do governo de Artur da Costa e Silva. Em 1970, com a taça da Copa do Mundo do México em mãos e os olhos ligados na televisão sintonizada na Rede Globo, o brasileiro via o milagre econômico expandir a classe média, ao mesmo tempo que grande parte de suas liberdades e direitos eram suprimidos; organizações sindicais e estudantis se encontravam sob constante vigília e qualquer ato de contestação podia censurado e punido. “Enquanto na fase Goulart a modernização passaria pelas relações de propriedade e poder, e pela ideologia, [...] o golpe de 1964 – um dos momentos cruciais da Guerra Fria – firmou-se pela derrota deste movimento, [...]. De obstáculo e resíduo, o arcaísmo passa a instrumento intencional da opressão mais moderna, como aliás a modernização, de libertadora e nacional passa a forma de submissão”. (SCHWARZ, 1970, p. 12).

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Esta combinação de moderno e antigo – onde a ação imperialista internacional está mancomunada com a ideologia burguesa mais obsoleta – pretende disseminar a ideia de um Brasil eternamente jovem e atual. Entretanto, tal empreitada constrói um horizonte de progresso apenas para os grupos dominantes, negando qualquer efetiva união nacional ou desenvolvimento enquanto nação. O novo projeto de Brasil apresenta fendas abissais de desigualdade social e se sustenta em pilares construídos ao gosto das conservadoras da sociedade. A ideia de modernização do país haveria de se consolidar não somente na política, mas nos diversos âmbitos da vida. O país teria de se definir para fora e para dentro: projetar ao mundo a imagem de um Brasil cosmopolita – sob a benção do imperialismo norteamericano – e, em terras nacionais, insuflar na população o espírito de nação desenvolvida por meio da modernização do espaço urbano e do consumo, ou melhor, do estilo de vida. Internamente, determinados setores da grande mídia estreitavam relações com o poder vigente e o seu alcance social favorecia não somente a disseminação de tais mudanças, mas também a educação da população para reconhece-las e incorpora-las. Tratava-se, assim, de um momento extremamente favorável para a imprensa consolidar o seu público enquanto massa e firmar-se como formadora de opinião. A cena cultural da época, contudo, apresentava-se majoritariamente de esquerda e construía um panorama extremamente rico em todas as suas esferas. Dentro de universidades ou redações de jornais, em palcos ou precários sets de filmagem, a produção artística intensificava-se a partir do fim da década de 1960. Mais do que luta direta, a ideia de compromisso com a resistência frente o autoritarismo da ditadura parece mais adequada, pois ainda que radicalmente diferentes entre si, autores, atores, cantores, diretores,

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cineastas, enfim, alimentavam uma oposição de maneira sistemática ao cerceamento da liberdade imposto pelos militares, de forma mais ou menos explícita. Além disso, com requinte de metáforas, analogias, humor e ironia, indivíduos ou grupos de artistas desnudavam pouco a pouco as tensões que faziam do Brasil um país complexo paradoxo social. Grande expoente deste quadro – e que, nomeadamente, se colocava para além da mentalidade típica de esquerda ou de seus usuais embates com a direita – é o Tropicalismo. Conforme propõe Roberto Schwarz em O pai de família e outros estudos: “Arriscando um pouco, talvez se possa dizer que o efeito básico do Tropicalismo está justamente na submissão de anacronismos desse tipo, grotescos à primeira vista, inevitáveis à segunda, à luz branca do ultramoderno, transformando-se o resultado em alegoria do Brasil. A reserva de imagens e emoções próprias ao país patriarcal, rural e urbano é exposta à forma ou técnica mais avançada ou na moda mundial – música eletrônica, montagem einsensteiniana, cores e montagem do pop, prosa de Finnegans Wake, cena ao mesmo tempo crua e alegórica [...]. É nesta diferença interna que está o brilho peculiar, a marca de registro da imagem tropicalista”. (SCHWARZ, 1970, p. 13). Vale aqui voltar-se, ainda que brevemente, à maneira com que a produção musical brasileira se apresentou neste contexto. Muitos são os exemplos que demonstram o requinte da música nacional neste momento, mas duas canções bastante interessantes neste sentido são Rosa dos Ventos, composta por Chico Buarque em 1971 e Janelas Abertas No 2, de Caetano Veloso, de 1972. A primeira traz diversas metáforas para se referir à dificuldade de viver e manifestar-se sob o

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regime ditatorial, como em “caminhar pelas trevas” e “murmurar entre as pregas”. Ainda, a metáfora “tirar leite das pedras” é empregada a partir do ditado popular, tendo assim base social e cultural, o que mostra um recurso típico do compositor, isto é, recorrer ao cotidiano para estruturar sua obra: Do medo criou-se o trágico No rosto pintou-se o pálido [...] E na gente deu o hábito De caminhar pelas trevas De murmurar entre as pregas De tirar leite das pedras De ver o tempo correr Mas sob o sono dos séculos Amanheceu o espetáculo Como uma chuva de pétalas Como se o céu vendo as penas Morresse de pena E chovesse o perdão Percebe-se também a personificação de certos elementos, conferindo a estes as ações humanas (“Como se o céu vendo as penas/ morresse de pena”), ou ainda, a construção de uma narrativa quase fabulosa com imagens grandiosas a partir da natureza. A canção reitera o desejo pelo fim das barbaridades do período, trazendo-o diluído através de fábula para que fosse possível circular naquele momento. Em Janelas Abertas No. 2, Caetano utiliza outras soluções para sua composição. Como é característico do compositor, a canção cria intertextualidade com a composição de Tom Jobim, Janelas Abertas, de 1958. Enquanto nesta Jobim quer iluminar o amor romântico, Caetano mergulha nas aflições e nos medos, cava seu

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mundo interior, abre as janelas também para “os insetos”. Além disso, o baiano vai acessar o campo da mitologia, como em “cruzar uma por uma as sete portas”: o verso pode ser uma alusão ao mito sumério onde a deusa Inana deseja descer ao mundo inferior e, para tanto, ela deveria passar pelas sete portas do Inferno, enfrentando desafios a cada etapa. “Sim, eu poderia abrir as portas que dão pra dentro [...] Penetrar no labirinto O labirinto de labirintos Sim, eu poderia procurar por dentro a casa Cruzar uma por uma as sete portas, as sete moradas Na sala receber o beijo frio em minha boca Beijo de uma deusa morta Deus morto, [...] Mas eu prefiro abrir as janelas prá que entrem todos os insetos”. A produção musical da época se colocava, muitas vezes, além das posições políticas de direita e esquerda, tal sua liberdade experimental e refinamento de composição – forma e conteúdo definiam formas inusitadas. Por debaixo dos versos, as mensagens muitas vezes passavam ilesas pela tosca censura. Canções como Enquanto seu Lobo não vem (1967) são exemplos claros desse processo. Segundo Caetano, ela “é música muito política…. É uma incitação às passeatas de protesto e uma insinuação de guerrilha, porque chama pra passear né… 'vamos passear na avenida'…" (VELOSO, 2013)2. Além disso, a canção conta com o primeiro verso do hino da Internacional Comunista nos arranjos de Rogerio Duprat (De pé, ó vítimas da fome!). Muitas empreitadas foram recebidas, inclusive pelos progressistas, como afronta às “pautas brasileiras”. Em meio ao caos da ditadura, os

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experimentos com a guitarra elétrica americana feitos em diversas de composições geraram verdadeiro furor, como se numa materialização da império yankee em terras nacionais. Em julho de 1967, São Paulo tem as ruas do centro ocupadas pela Marcha contra a Guitarra Elétrica. Dos festivais de música popular brasileira da TV Record (segunda metade da década de 1960) ao Terra em transe (1967) de Glauber Rocha, passando pelo O Pasquim e outros periódicos alternativos, a arte torna imprescindível o aproveitamento máximo da variedade de meios/veículos existentes e que possibilitam sua comunicação – rádio, televisão, cinema, rua, etc. –, reafirmando a conhecida expressão do sociólogo canadense Marshall McLuhan3: o meio é a mensagem. Em seu livro Arte-veículo (2015), a pesquisadora Ana Maria Maia afirma: “O ideal de um projeto construtivo [...], ganhou complexidade com o [...] acirramento do regime militar no Brasil. Para se alcançar a esfera pública [...] era preciso, [...] saber identificar, nas brechas dos seus [das instituições] estatutos e mecanismos de controle, oportunidades de intervenção. Era preciso encontrar, para isso, como alegaria Cildo Meireles, não só os ‘meios’ mas também os ‘modos’”. (MAIA, 2015, p.131)

2 – Caetano Veloso, em conversa com poeta Eucanaã Ferraz, em 2003, para a pesquisa Nu com a minha música: Caetano Veloso canção por canção. Instituto Moreira Salles,. Disponível em: <http://www.radiobatuta. com.br/Episodes/view/371>. Acesso em: 04 abr. 2016.

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3 – McLuhan (1911-1980): teórico canadense da comunicação Em meados dos anos 60/70, teve obras traduzidas para o português, influenciando a produção e crítica de arte no Brasil.


Enquanto Seu Lobo Não Vem Caetano Veloso, 1967

Vamos passear na floresta escondida, meu amor Vamos passear na avenida Vamos passear nas veredas, no alto meu amor Há uma cordilheira sob o asfalto (Os clarins da banda militar…) A Estação Primeira da Mangueira passa em ruas largas (Os clarins da banda militar…) Passa por debaixo da Avenida Presidente Vargas (Os clarins da banda militar…) Presidente Vargas, Presidente Vargas, Presidente Vargas (Os clarins da banda militar…) Vamos passear nos Estados Unidos do Brasil Vamos passear escondidos Vamos desfilar pela rua onde Mangueira passou Vamos por debaixo das ruas (Os clarins da banda militar…) Debaixo das bombas, das bandeiras (Os clarins da banda militar…) Debaixo das botas (Os clarins da banda militar…) Debaixo das rosas, dos jardins (Os clarins da banda militar…) Debaixo da lama (Os clarins da banda militar…) Debaixo da cama

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É importante frisar que, apesar deste momento tão específico no país, não se busca, aqui, necessariamente determinações mecânicas do universo político sobre o artístico, buscando formular premissas para a existência do segundo. A arte possui – e trabalha constantemente para tanto – autonomia diante desta e outras instâncias da vida. A revisão do panorama nacional passava também pela – ainda muito jovem – crítica de arte. Como exemplo, toma-se aqui como a Revista Malasartes. Com uma existência breve entre os anos de 1975 e 1976, a periódico pretendia estimular o debate relativo aos avanços conceituais e experimentais que se consolidavam no mundo e no Brasil, olhando para a produção que vinha desde os anos 1960. Em seu corpo editorial encontravam-se Carlos Vergara, Bernardo de Vilhena, Carlos Zilio, Cildo Meireles, José Resende, Luiz Paulo Baravelli, Ronaldo Brito, Rubens Gerchman e Waltercio Caldas. Apesar de seu eixo principal de reflexão se basear na análise do circuito da arte, um tema presente nas três edições publicadas era a reflexão sobre o conceito de arte nacional. Refletindo acerca das possíveis dimensões que emergem na dinâmica entre a arte e a formação da identidade brasileira, alertava-se para um possível direcionamento da primeira pelo projeto nacional-desenvolvimentista. Desejava-se pensar a possibilidade de desenvolvimento de uma arte produzida no Brasil, e não brasileira. Para apontar possíveis caminhos nesta direção, a revista abre espaço para artistas que propõem novas estratégias de abordagem ao elemento popular. A revista trazia alguns trabalhos de diferentes artistas, como Satélites (s.d.) de Miguel Rio Branco. Nesta série fotográfica, o artista apresenta o interior de casas em Ceilândia e Taguatinga – cidades satélites de Brasília onde, comumente, moravam os trabalhadores mais pobres da capital – mostrando a organização dos cômodos das casas. Pequenos espaços

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onde se veem retratos de atores ou cantores recortados e colados nas paredes, que se intercalam com imagens de motivos religiosos, assim como objetos ordinários feitos de plástico. A série ainda trazia imagens como a casa-móvel, um veículo com um tipo de abrigo de madeira erguido na carroceria, adaptando-o para transportar esses trabalhadores. Carências de diferentes naturezas, para além da meramente material. Dessa forma, assim como aos demais campos da produção artística, às artes visuais tampouco lhes interessava voltar-se à luz do progresso que parecia prosperar, mas caminhavam em direção ao menos nítido, tensionando cada vez mais o arco das disfunções do contexto social brasileiro da época. A ditadura já completava uma década de vigência, e a indústria e seus produtos – além da massificação da cultura – adentravam o cotidiano urbano de maneira transversal na sociedade. Logo, os sintomas desse processo-progresso – da organização da mobília da sala de estar que orbitava ao redor do aparelho de televisão até a objetificação da figura feminina4 – tornavam-se solo fértil para a arte construir sua postura frente a realidade, propondo-se a faze-lo a partir das novas linguagens. Era assim, mas não somente, nas micronarrativas rotineiras que se adentrava o abismo entre desenvolvimento e carência – no maior leque possível de sentidos que este vão compreende – da sociedade.

4 – A lembrar, como exemplo, o projeto Eat me: a gula ou a luxúria? (1976), de Lygia Pape, acerca da transformação da mulher em objeto sexual.

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I. Texto de Torquato Neto para a coluna Geleia Geral do dia 14 de setembro de 1971, no Jornal Última Hora (Rio de Janeiro). A expressão Geleia Geral foi cunhada por Décio Pignatari em 1963, sendo utilizada por Torquato Neto na letra da canção de mesmo título e para batizar a coluna em questão.

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UMA CULTURA AÇUCAREIRA COM UMA ARTE AÇUCARADA5

Protagonista da economia provinciana brasileira, quando seu grande foco era a exportação açucareira, Pernambuco mantevese como centro de vanguardas artísticas e de produção intelectual de pioneirismo, mesmo após o declínio dos engenhos de açúcar, que deslocou para o sul a hegemonia financeira do país. Com alicerces culturais bem consolidados, a primeira metade do século XX desenhou uma paisagem cultural no Recife, com as mais diversas narrativas. Nas primeiras décadas do século passado, Recife passaria por uma modernização a seus moldes. Isto quer dizer que, mesmo sendo submetida – assim como outras cidades do país – a uma forte remodelação urbana e intervenção na arquitetura existente, a fim de renovar o espírito da cidade, o arcabouço cultural produzido ali permitia que os artistas e intelectuais lançassem seus olhares sobre o Recife a partir de um vocabulário próprio para enxergar a si mesmos. O crítico e curador Paulo Herkenhoff particulariza as características da capital pernambucana:

5 – “Eu [...] enfrentava um problema da própria estrutura cultural de Recife, que sempre foi uma cultura açucareira, com uma ‘arte açucarada’”. Expressão utilizada por Paulo Bruscky em entrevista concedida a Antonio Sergio Bessa, em 2013. Disponível em: <http:// bit.ly/1ZGIspK> (versão em inglês). Acesso: 20 de fev. 2016.

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“Em 1922, Pernambuco já tinha sua lente moderna para ver o mundo e já tinha sua fala própria, com as mudanças urbanísticas, a pintura dos irmãos [Fédora, Joaquim e Vicente do] Rego Monteiro, a poesia de Manuel Bandeira, o cordel e o frevo modernos, e a sociologia de Gilberto Freyre [...] A Escola do Recife6 foi um farol intelectual que, no final do século XIX, se projetou no Brasil como uma base da cultura nas primeiras décadas do séc. XX”. (HERKENHOFF, 2006, apud silva, 2014, p. 22) Esta lente moderna talvez se mostre mais próxima a um caleidoscópio, na medida em que o guarda-chuva da modernidade abrigaria pensamentos e produções que das mais diversas. Gilberto Freyre (1900-1987), em sua produção de cunho social, “ressalta o espaço privilegiado reservado aos atos de pioneirismos na formação do imaginário pernambucano” (SILVA, 2014, p. 29). O multifacetado autor traz em obras como Guia Prático, Histórico e Sentimental para a Cidade do Recife (1934)7, um lirismo que atesta Recife como fruto de uma série de empreitadas que lhe confeririam lugar privilegiado no cenário sóciocultural do Brasil. Ilustra o argumento o seguinte trecho da obra mencionada:

6 – Segundo o pesquisador Itamar M. da Silva, a Escola do Recife denominava o “movimento jurídico surgido nos corredores da Faculdade de Direito pernambucana, conhecido como a Escola do Recife, participaram Tobias Barreto, Silvio Romero, Clovis Bevilacqua, e Joaquim Nabuco, nomes que alcançariam destaque nacional, e influenciariam as concepções etnológicas do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, perceptíveis no clássico Casa-Grande & Senzala, publicado em 1933”. (SILVA, 2014, p. 21)

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“Um outro Recife. Aquele que o inglês James Lancaster saqueou no século XVI. Onde, no século XVII, o conde Maurício de Nassau construiu seus palácios à beira do Rio. Recife do primeiro Centro de Cultura Israelita da América. Da primeira assembleia política. Cidade que, por algum tempo, reuniu a população mais heterogênea do continente [...] Gentes das mais diversas procedências, credos e culturas, que aqui se misturou, fundindo-se num dos tipos mais sugestivos de brasileiro”.8 A obra de Freyre ficaria conhecida por adjetivos como regionalista e tradicionalista que, a princípio, pareceriam termos anacrônicos ou mesmo contrários à ideia de lente moderna. Com efeito, sua figura viraria tabu em diversos meios, e Freyre era frequentemente cunhado como provinciano. Entretanto, ele, assim como Manuel Bandeira (1886-1968), por exemplo, constituíram eixos fundamentais para a consolidação do Modernismo no Brasil (eram vastas as trocas entre eles e os intelectuais do eixo Rio-São Paulo, a exemplo, Mário de Andrade). Ao longo de sua obra, o autor questiona o ser “apenas moderno, ou seja, os limites do moderno” (VICENTE, 2007, p. 9), numa postura contra o utilitarismo que tomava

7 – FREYRE, Gilberto. Guia Prático, Histórico e Sentimental para a Cidade do Recife. São Paulo: Global Editora, 2007.

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8 – Trecho do livro Guia Prático, Histórico e Sentimental para a Cidade do Recife (1934), declamado no documentário de mesmo nome, do diretor Léo Falcão, de 2008.


o modo moderno de estar no mundo, trazendo à tona as mazelas cosmopolitas e liberalizantes impregnados na sociedade. Assim, é necessário compreender que Freyre – assim como propõe a socióloga Lúcia Maria Lippi Oliveira – está “procedendo a um enfrentamento da modernização [...]. [Freyre] elabora respostas regionais ao processo – sempre desigual – de modernização” (OLIVEIRA, 2011, apud SILVA, 2014, p. 24). A seu modo, portanto, o escritor posicionava-se frente ao processo de desenvolvimento vigente, valorizando em sua produção a cultura brasileira, em especial, a nordestina. Mais além, é importante reforçar que o se busca apresentar aqui são as inovações trazidas ao campo formal das obras. O conteúdo tem frequentemente como base a temática regional e popular, mas o aprofundamento no estudo da forma empregada pelos autores e artistas é o que evidencia a riqueza do período em questão. Expoente desta lógica é o poeta recifense Manuel Bandeira. Do rio à igreja, passando pela preta ama da infância, o modo como fala é ditado pela coloquialidade, um prosaísmo formal que captura as analogias e memórias do autor. Em poemas como Cotovia (1952) e Recife (1963) percebe-se a analogias e memórias capturadas por uma grande intimidade com a capital pernambucana. “Há quanto tempo que não te vejo! Não foi por querer, não pude. Nesse ponto a vida me foi madrasta, Recife”.

(Recife, Manuel Bandeira, 1963)

Tanto a produção de Freyre quanto de Bandeira são verdadeiros manifestos em defesa de uma sintaxe do Brasil, que embate a descontinuidade imposta pela modernidade. Buscando na

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História somada ao universo do imaginário um arcabouço possível que sustentasse o homem moderno, saem em defesa do coloquialismo, isto é, do emprego da fala na escrita. Como imortaliza Bandeira em sua Evocação ao Recife (1925):

A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros Vinha da boca do povo na língua errada do povo Língua certa do povo Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil Ao passo que nós O que fazemos É macaquear A sintaxe lusíada

Dessa maneira, emana uma forma totalmente nova de se dizer sobre o Brasil. Sobre a postura compartilhada pelos autores, a professora do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, Silvana Moreli Vicente conclui: “Assim, Freyre e Bandeira apontam, em vários momentos, para a vontade de se reunirem experiência e mito, redirecionando o homem para um mundo encantado, em que se tome contato com uma dimensão original de tempo e de história, para além da ideia de um processo cronológico quantificável”. (VICENTE, 2007, p. 11) Um mediador possível entre Freyre e outras vozes modernistas é o pintor e poeta conterrâneo Vicente do Rego Monteiro (1899–1970), artista que compunha a vanguarda brasileira no campo. Alternando estadas entre Recife, Rio de Janeiro e Paris, Monteiro entra em contato com artistas como Pablo Picasso, Amadeo Modigliani e Fernand

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Léger, entre tantos outros, o que estimula a produção de Monteiro a abrir-se em um leque de formas e conteúdo diversos. Sua obra transita entre a temática de cunho social – frequentemente o universo dos trabalhadores, cenas indígenas, o folclore brasileiro, inúmeros retratos e, com igual presença, a arte sacra. É visível em suas pinturas a influência estética da produção de seus pares, as formas volumosas de Brancusi ou por vezes as figuras longilíneas de Léger, aplicadas em personagens e contextos brasileiros. Mesmo o tradicional tema sacro passaria pela sua lente moderna – como em sua leitura de Pietá (1924) – trazendo a discussão do moderno ainda mais ao âmbito visual, na composição e nas paletas utilizadas pelo artista. Monteiro e Freyre compartilhavam uma forte amizade, o que favorecia de certa maneira as trocas entre as vozes daquele período que se debruçavam sobre a cultura brasileira. Em 1930, Monteiro reitera a importância do Recife na cena artística do país, ao trazer a primeira grande exposição europeia de arte moderna ao Brasil, da qual participavam artistas como Joan Miró, Pablo Picasso, Georges Braque, entre outros que, posteriormente, seria levada a São Paulo. O pintor-poeta pernambucano seguiria sua produção aprofundandose na poesia de caráter visual e conceitual – em meados da década de 1950 – que, assim como todo sua obra, marcará profundamente o trabalho de Paulo Bruscky. Um laço estreito também se estabelecia entre Gilberto Freyre e outro pintor – além de gravador, desenhista, ilustrador, cenógrafo e professor –, o pernambucano natural de Escada, Cícero Dias (1907– 2003). Dias inicia sua carreira na década de 1920, aproximando-se do movimento regionalista pernambucano. Assim como Monteiro, vive entre Recife, Rio de Janeiro e – posteriormente – Paris, o que lhe permite circular entre o modernismo de Mário de Andrade e o olhar de Gilberto Freyre. Se no Rio ele irá colaborar – no final da década

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de 1920 – com a Revista de Antropofagia, ao retornar ao Recife na década de 1930, sua pintura investiria no universo nordestino através da combinação do elemento fantástico e do popular – presente também na literatura de cordel –, repleto de narrativas locais. Sua obra emblemática, o grande painel Eu Vi o Mundo... Ele Começava no Recife (1931), pode ser considerado a manifestação máxima desse universo na obra de Dias. No mesmo período, o pintor modernista ilustra o livro Casa Grande & Senzala, de Freyre, em 1933. Nas décadas seguintes, Dias enfrentaria um grande choque da comunidade pernambucana, por causa de sua linguagem que transitava entre o figurativo e o abstracionismo, trazendo formas e ritmos marcantes para a tela, com forte influência do período vivido em Paris. Retornando ao campo da poesia, um dos expoentes máximos da produção pernambucana – e sem dúvida, brasileira – é o poeta João Cabral de Melo Neto (1920–1999). A linguagem cabralina causa forte impacto visual e poético por meio de uma verdadeira lapidação das palavras. As suas imagens são construídas pela redução, como um corte exato, incisivo, como uma fruta é passada por uma espada9. O professor João Alexandre Barbosa explica que João Cabral, ao falar da coisa, “[...] transforma o discurso da imagem [percebida] na própria imagem do discurso poético [proferido].” (BARBOSA, 1975, apud TONETO, 2009, p. 459). Nascido também na elite pernambucana, João Cabral trata o Recife pelo viés da crítica social, porém sua linguagem está muito além de ser pensada no âmbito coloquial ou mesmo

9 – NETO, João Cabral de Melo. O cão sem plumas, 1950. In: OLIVEIRA, M. de. João Cabral de Melo Neto - Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

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erudito, uma vez que o grau de elaboração das figuras não pertence ao universo da linguagem reconhecida em qualquer esfera. O lirismo do poeta se dá pelo estabelecimento de tensões e rupturas bastante exatas, como coloca o Barbosa: “[...] não é a explosividade emotiva que orienta a sua determinação lírica [da poesia de João Cabral de Melo Neto], mas sim a instauração de uma linguagem orientada para a autonomia que constrói uma qualidade emotiva implosiva.” (BARBOSA, 1974, apud TONETO, 2009, p. 473).

A cidade é passada pelo rio como uma rua é passada por um cachorro; uma fruta por uma espada.

O Rio ora lembrava a língua mansa de um cão, ora o ventre triste de um cão, ora o outro rio de aquoso pano sujo dos olhos de um cão.

(O cão sem plumas, João Cabral de Melo Neto, 1950)

Mais adiante, um outro olhar de grande relevância se encontra na música e, aqui, de um dos maiores compositores de frevo – mas também de samba, choro e jazz – de Pernambuco, Capiba (1904– 1997). Sua produção atravessa o século XX e, já na década de 1930, algumas de suas letras se voltam para a cidade que lhe acolheu, o Recife (o compositor é natural de Surubim, PE). Como o ritmo acelerado do frevo, seus versos de sugerem uma cadência marcada – ora por evocação, ora por repetição –, com uma acumulação de

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elementos que espelha tanto a riqueza do próprio carnaval popular como a flexibilidade de seu trabalho, uma vez que o compositor transita com maestria entre os gêneros. Capiba se relaciona de maneira coloquial e muito afetiva com o passado histórico e a tradição pernambucana, a narrativa de suas canções se perde na cidade do Recife assim como quem se perde no amor. A observar a composição do seguinte maracatu:

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“Cadê Leão Coroado Cadê Cambinda Brilhante Cadê Cruzeiro do Forte Maracatu Elefante Olha o céu olha para o mar Verde mar de navegar verde mar Paixão pelo Pernambuco pelo P de Portugal Por Olinda por Holanda por Mauricio de Nassau Pelo Recife magia no dia de carnaval”

(Verde Mar a Navegar, Capiba, 1967)


PERNAMBUCANIDADE x PERNAMBUCÁLIA10

Avançando na década de 1960, é oportuno considerar o contexto político vigente em Pernambuco e, em especial, na capital. Eleito prefeito do Recife (1960-1962) – e, posteriormente, governador do estado (1962-1964, quando deposto pelas forças militares) –, Miguel Arraes traz a cultura como uma das pautas centrais em seu programa progressista. Com propostas referendadas por figuras como Anísio Teixeira, Paulo Freire e Darcy Ribeiro, a ação institucional dentro da cultura buscava, antes de mais nada, conferir autonomia à população e nela despertar consciência política. Em entrevista11 concedida ao curador do Bronx Museum (Nova Iorque, EUA) no ano de 2014, Paulo Bruscky comenta a inserção da arte dentro do governo de Arraes. Abaixo a transcrição de um trecho de sua fala: “Havia uma reação no país inteiro [contra as alas políticas conservadoras e os militares], mas aqui em Pernambuco a coisa era mais estruturada. O que Francisco Julião e Miguel Arraes fizeram aqui foi uma coisa muito bem estruturada, [...]. Quando Miguel Arraes foi prefeito de Recife, ele se assessorou de artistas extraordinários, como Maria de Jesus Costa e Abelardo da Hora, que participaram na criação do Movimento de Cultura Popular12, o MCP, que levava

10 – O termo pernambucália é creditado a Jomard Muniz de Britto e indica que o movimento tropicalista “não estava interessado em salvar nada” e se opunha à “ortodoxia” do espírito conservador presente, segundo o movimento, no tradicionalismo e regionalismo.

11 – Entrevista concedida a Antonio Sergio Bessa em 2013. Disponível em: <http://bit. ly/1ZGIspK> (versão em inglês). Acesso: 20 de fev. 2016.

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cinema e teatro de rua para bairros populosos, mostrando inclusive peças de Henrik Ibsen13 e outros clássicos. E havia o Departamento de Documentação e Cultura, algo genial criado na época, que tinha uma discoteca pública, [...]. Tudo isso amedrontava os militares porque havia um processo que conscientizava a população. O povo gosta de cultura, [...]. Então, em Pernambuco, sempre foi muito forte a reação à ditadura. É bom lembrar que no Estado de Pernambuco estava o único governo de esquerda a se organizar popularmente. E assim permaneceu, com uma forte estrutura popular [...]”. Arraes conectava-se também pessoalmente com o universo das artes, a exemplo da longeva amizade que mantinha com o grande dramaturgo, poeta e ensaísta Ariano Suassuna (1927–2014) – que viria integrar seu governo nos anos 1990 como Secretário Estadual da Cultura. Como projeto originado no âmbito universitário, Suassuna funda oficialmente o Movimento Armorial em 1970. Entoando em certa medida o coro regionalista e tradicionalista de Gilberto Freyre, o armorialismo construía um olhar sobre o Brasil – mais especificamente o Nordeste sertanejo – que lançava suas raízes no romanceiro popular em formato de literatura de cordel e das xilogravuras que a ilustravam, as imagens folclóricas, além da música de viola, pífano e rabeca. Ou ainda, refletia uma tradição ibérica, aludindo a um Brasil antes do Brasil, um Brasil quase medieval.

12 – O MCP (1960-1964) promovia ações educativas comunitárias, baseadas na cultura popular regional, realizava atividades pedagógicas convencionais e espetáculos de grupos tradicionais em praças. Recebeu diversas influências; nome foi herdado do movimento francês Peuple et Culture.

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13 – H. J. Ibsen (1828-1906): dramaturgo norueguês do séc. XIX; um dos criadores do teatro realista moderno. Sua obra faz crítica à burguesia e pensa a relação sujeito/sociedade.


II. Gilvan Samico, O fruto amargo ou a ilha do sonho, s.d, xilogravura, 93,7 x 55,6 cm

III. Gilvan Samico, Via Láctea-Constelação da serpente II, s.d., xilogravura, 92,7 x 47,5 cm

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O Movimento – que contava com nomes como Francisco Brennand, Aloísio Braga e Gilvan Samico – tinha este universo como a verdadeira matriz do povo brasileiro e assim o explorava na música, literatura, pintura, escultura, dança, cinema e teatro. Seu aspecto formal, contudo, partia da estética erudita, com uma construção dramática repleta de mitos, metáforas e analogias. O Movimento era, de certa forma, uma resistência à penetração estrangeira que atingia o país e a massificação da cultura, compreendendo aqui a entrada do estilo de vida norte-americano no Brasil, assim, como a contracultura e o underground. A grande inserção de Ariano Suassuna e Gilberto Freyre nos círculos intelectuais, bem como nos meios de comunicação, garantialhes uma certa projeção enquanto narrativa e estética maior da cultura e memória nordestina e brasileira, sugerindo – quem sabe, a um olhar distraído – uma linha única, que delimitasse a pernambucanidade. Esta proposta de enraizamento da identidade pernambucana/ nordestina – de um lugar consolidado e estático a que estaria relegada a origem e, portanto, a natureza de seus produtos, da cultura local – tinha como nomeada oposição o Movimento Tropicalista Pernambucano. A partir dos anos 1960, a sistemática resistência à consagração desses e outros cânones da cultura brasileira culminaria, em estado, na consolidação deste grupo, que se articularia com outros artistas nordestinos, em especial da Paraíba e do Rio Grande do Norte, além de contar com a valioso engajamento dos baianos que tomavam o sudeste – juntamente a outros tantos ali radicados –, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Uma estética híbrida, que transasse inúmeras fontes, contaminados pela linguagem do Cinema Novo14 e pelas colagens das influências internacionais, sem excluir o engajamento já incorporado ao modo se ser pernambucano. Em 1968, o Movimento ganha maior difusão ao lançar, no Jornal do Commercio do Recife no dia 20 de abril,

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seu primeiro Manifesto Tropicalista, chamado Porque somos e não somo tropicalistas – inspirado por Hélio Oiticica e oficializado no recém inaugurado Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco, em Olinda (1965). Assinado pelo poeta, performer e professor Jomard Muniz de Britto, o jornalista e cineasta Celso Marconi e o músico experimental Aristides Guimarães. Configurando uma terceira vertente no embate entre a velha esquerda e o conservadorismo da direita – assim como se via no tropicalismo do eixo Rio-São Paulo –, o professor da UFPE, Amílcar Almeida Bezerra, afirma que o novo projeto “incomodava tanto aos esquerdistas tradicionais quanto aos militares que estavam no poder [...] por adotar posturas estéticas e comportamentais transgressoras” (BEZERRA, 2009, apud SILVA, 2014, p.113).

14 – “Movimento cinematográfico surgido no Brasil, na segunda metade da década de 1950, o Cinema Novo inaugura uma perspectiva crítica em relação ao cinema produzido no Brasil. Seus diretores, críticos e teóricos procuravam contrapor novas ideias aos valores estéticos de uma cultura cinematográfica dominada por interesses industriais.

15 – Título alusivo ao romance A História d'O Rei Degolado nas caatingas do sertão: Ao sol da Onça Caetana, (1976), de Ariano Suassuna.

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O PALHAÇO DEGOLADO15 Jomard Muniz de Britto

-Mestre Gilberto Freyre! Mestre Gilberto Freyre! Mestre Gilberto Freyre! Muito bem situado nos trópicos... Casa grande, casa grande, alpendres, terraços, quartos e salas, casa grande, senzalas. Senzalas? Casa grande de detenção da cultura. Muito bem situado nos trópicos. Tristes trópicos! Democracia racial a seu modo; morenidade, brasilidade, a seu modo; lusotropicologia a seu modo; regionalismo ao mesmo tempo modernista - e tradicionalista- a seu modo; relações entre política e tecnocracia a seu modo. Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais; pesquisas sociais a seu modo. [...] Ai que saudades dos quitutes e dos quindins preparados pelas sinhazinhas formosas de seus engenhos e pelas piedosas freirinhas em seus conventos! [...] Onde escavar, no Nordeste, as mais legítimas raízes da cultura brasileira? Raízes da cultura? Isso é ou não é complexo de intelectuais? Tanto faz no Sul como no Norte. [...] O que temos em comum com a nostalgia dos meninos de engenho? [...] Nordestinados e todas as assombrações de sertanejos de ficção... muita ficção nas pedras e pedradas do Reino. Nossas vidas secas encontraram o sonho das grandes cidades, ou o medo de sempre? Ou a autocensura, dez anos depois. Dez anos depois, as manhãs de liberdade e as manhas do imperialismo insistem em dourar as pílulas de nossas ilusões televisivas. [...] -Mestre Ariano Suassuna! Mestre Ariano! Mestre Armorial! Como é dura a vida do colegial! Começar o ano com o lápis de classe assinalando os brasões e as armas armoriais. E tudo, pela força dos brasões familiares e dos poderes oficiais, tudo pode transformar-se em armorial.16

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16 – BRITTO, 1977. Transcrição da fala do protagonista do filme homônimo, dirigido e interpretado por Jomard Muniz de Britto.

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Páginas anteriores: IV. fotogramas do curta O Palhaço Degolado (1977), de Jommard Muniz de Britto.


Pernambuco semeava o terreno tropicalista: em 1967, Gil vai ao Recife para a turnê de Louvação e é apresentado à Banda de Pífanos de Caruaru. Formada pelos irmãos Benedito e Sebastião Biano, era um dos grupos de música popular mais antigos do país. A experiência transcendeu qualquer expectativa do baiano, como conta o jornalista Homero Fonseca17: “Gil ficou siderado: a bandinha tinha uma dissonância genial que, por um misterioso enlace, lhe remeteu ao estupendo álbum que os Beatles tinham acabado de lançar [...] ‘Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band’. O baiano saiu [...], ao se encontrar com Caetano Veloso, no Rio, propôs fundir, de alguma forma, o som dos irmãos Biano com o do quarteto de Liverpool. Assim nasceu uma nova opção estética, cujo disco-manifesto (‘Panis et Circensis’) seria lançado meses depois [...]”. (FONSECA, 2011, depoimento) A fusão entre linguagens e suportes era estimulada pelas inovações tecnológicas, estimulando a idealização de novos projetos poéticos – comumente concebidos no viés da comunicação. Em muitos campos, tais novidades iam ao encontro da tradição

17 – Texto E o Tropicalismo nasceu em Caruaru!, publicado no dia 28 de abril de 2011 no site Interblogs, pelo jornalista Homero Fonseca. Disponível em: <http://bit. ly/1VRTA4h> . Acesso em: 20 de mai. 2016.

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V. Encartes de álbuns Tudo isso é São João e Zabumba Caruaru, Banda de Pífanos de Caruaru.

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pernambucana: a práticas de produção gráfica, por exemplo, já contavam com saberes reunidos por figuras como Vicente do Rego Monteiro que, além das experimentações visuais dentro da poesia, assumiu posteriormente a direção da Gráfica Piloto na Universidade de Brasília. Além disso, vale lembrar a fundação d’O Gráfico Amador, em 1954, por um grande grupo de intelectuais e artistas, entre eles, o designer Aloísio Magalhães. Uma oficina experimental de artes gráficas, que chegou a contar com 57 colaboradores e – graças a uma antiga prensa manual – publicou obras de Ariano Suassuna, João Cabral de Melo Neto, Flávio Mota, entre outros. Assim, o invento de equipamentos como fotocopiadoras xerográficas e o barateamento da reprodução em offset alimentaram as possibilidades no leque da linguagem dos artistas. Ainda o surgimento da Super8 possibilitou ensaios e obras de todo a sorte temática – uma contribuição ímpar para a arte brasileira, como as produções de Jommard Muniz de Britto. A pesquisadora gaúcha Paola Fabres coloca, ainda: “E, sob a influência da caminhada literária que avançava pelo terreno da cultura visual, muitos artistas se engajaram no texto e no impresso como material de trabalho e de argumentação – artística e social –, adaptando linguagens às premissas contemporâneas e conceituais da época”. (FABRES, 2015, p. 98) É no seio dessa efervescência cultural e, em especial, na liberdade com que as poéticas visuais transbordam neste período, que o recifense Paulo Bruscky catalisaria o pensamento dos anos 1960 e 1970 frente às mais diversas questões. Iniciando sua produção nos primeiros anos da ditadura militar, Bruscky via na comunicação – a ser entendida como a real possibilidade de troca de informação e, portanto, omnidirecional – uma urgência e uma possibilidade de interação entre os artistas locais e internacionais18. Assim, a

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investigação do artista concentrava-se, a princípio, na “possibilidade de inserção da ideia ao meio/mídia” (NAVAS, 2012, p. 227), à sua forma, entoando a ideia de McLuhan de que o “meio é a mensagem”. Como conclui Fabres: “A reprodutibilidade, a circulação e a noção de rede são os princípios operatórios de sua poética, assim como a noção de autoria compartilhada apoiada na força do coletivo. Dessa maneira, seus trabalhos colocaram em cheque a ideia de criação individual assim como a exclusividade reinante dos sistemas correlatos de distribuição. Bruscky sempre procurou uma maneira de multiplicar seus trabalhos e atingir a sociedade de massa, utilizando esses meios e veiculando seu trabalho através deles”. (Ibidem, p. 103) A partir daí, ele começa associar-se a diferentes artistas para a realização de periódicos, inserções midiáticas, entre outras. Bruscky tinha, entretanto, predileção declarada ao contato com colegas do cinema e da literatura19. A sua parceria mais notória foi com o artista visual pernambucano natural de Garanhuns, Daniel Santiago (1939–). As personalidades e vivências díspares proporcionaram à dupla o

18 – Paulo Bruscky é pioneiro na Arte Correio no Brasil, prática artística que possibilitou sua participação no Grupo Fluxus (déc.1960-70). Numa rede internacional de artistas, a troca de correspondência dissolvia a barreira entre arte e não-arte e era, em si, a própria obra, pois a existência do grupo já era a ação artística.

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encontro de habilidades múltiplas, o que comumente resultava em obras que se esquivavam de normalizações e geravam estranhamento. No irreverente estatuto da Equipe Bruscky & Santiago – redigido mais tarde em 1982, mas que reforça a base da parceria, lê-se: “A Equipe poderá se expressar através de qualquer meio, desde as acadêmicas Belas Artes até as mais novas linguagens da arte contemporânea, de zero à quarta dimensão. [...] A Equipe poderá usar como materiais expressivos os sólidos, os líquidos e os gasosos, os raios, as ondas e os espíritos, o tempo e o espaço, os fenômenos percebidos pelo sentido e as emoções despertadoras do processo artístico tais como a esperança, o nacionalismo, e ou a solidão”. (Publicação do Estatuto da Equipe Bruscky & Santiago, 1982, apud SILVA, 2014, p. 140) Como será exposto ao longo deste trabalho, a obra de Bruscky revela com frequência um desejo pela interseção da pesquisa com a linguagem, especialmente ao voltar o olhar para a cidade do Recife, sua cidade natal e da qual jamais sentiu necessidade de mudar-se20. Exemplo das tantas intertextualidades que tece é a ação da Equipe Bruscky & Santiago sobre os muros de dois cemitérios, intitulada Propostas

19 – “Na época, eu tinha mais amigos nas áreas de literatura e música, pois geralmente são pessoas que têm cabeça mais aberta”. Fala de Paulo Bruscky em entrevista concedida a Antonio Sergio Bessa em 2013. Disponível em: <http://bit. ly/1ZGIspK> (versão em inglês). Acesso: 20 de fev. 2016.

20 – Paulo Bruscky sai do Recife para viver um ano entre Nova Iorque e Amsterdã nos anos 1970.

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Grafite (1987): “Ensina-se inglês às almas de outros cemitérios”. A frase, gravada no muro do Cemitério dos Ingleses, só faz sentido para os que também circularem pela calçada em frente ao Cemitério de Santo Amaro, em cujo muro se escreveu “Ensina-se português às almas do Cemitério dos Ingleses”. Fundado em 1814 por decreto real, o Cemitério dos Ingleses é testemunha de uma era em que a indústria britânica se afirmava na infraestrutura do país, provendo ferrovias e estruturas de ferro fundido para edifícios públicos, além da exportação de açúcar. Viriam os mortos do passado ensinarem a língua para os que habitam o presente? A língua, com sua potência de vida, seria capaz de reviavar a cultura britânica? Ou antes, faria sentido perpetuar um Recife morto? A apresentação, ainda que superficial, do panorama cultural nacional e pernambucano nesse capítulo se justifica pois este trabalho tem como fio condutor a obra de um artista que tem a pesquisa histórica como elemento fundamental para a consolidação de seu vocabulário. O constante diálogo com outros artistas de tempos e espaços diferentes, assim como as referências provindas dos mais diversos contextos, constroem pontes para infindas conexões e negam qualquer divisão entre arte erudita e arte popular e também entre as noções de local e global. Finalmente, sua produção investe na busca constante pela dissolução das barreiras entre arte e vida. Ao afirmar a ação de embrenhar-se na realidade cotidiana como a própria manifestação artística, já que a atitude, mais que o aspecto visual do objeto de arte, é capaz de penetrar os diferentes meios (das mídias ao espaço físico urbano) e assim questioná-los – em forma e conteúdo – enquanto sintoma daquela sociedade, fazendo resistência ao condicionamento e entorpecimento em todos os seus aspectos. A obra de Bruscky é, como será discutido a seguir, a consolidação de uma postura frente às estruturas da vida e, portanto, a constatação da existência a afirmação de uma política da arte.

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VI. Equipe Bruscky & Santiago, Ensina-se português às almas do Cemitério dos Ingleses, intervenção, 1987.

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VII. Equipe Bruscky & Santiago, Ensina-se inglês às almas de outros cemitérios, intervenção, 1987.

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IMAGENS DO CAPÍTULO 1: I. Texto de Torquato Neto para a coluna Geleia Geral do dia 14 de setembro de 1971. Jornal Última Hora (Rio de Janeiro). Reproduzido em: SALOMÃO e DUARTE, 1982, p. 34. II. Gilvan Samico, O fruto amargo ou a ilha do sonho, s.d, xilogravura, 93,7 x 55,6 cm. Disponível em: < http://www.galeriaestacao.com.br/artista/45>. Acesso em 10 jun. 2016. III. Gilvan Samico, Via Láctea-Constelação da serpente II, s.d., xilogravura, 92,7 x 47,5 cm. Disponível em: < http://www.galeriaestacao.com.br/artista/45>. Acesso em 10 jun. 2016. IV. fotogramas do curta O Palhaço Degolado (1977), de Jommard Muniz de Britto. Filmando na antiga Casa de Detenção no Recife (atual Casa da Memória). Disponível em: < https://www. youtube.com/watch?v=nvm1w-utZXM>. Acesso em: 12 jun. 2016. V. Encartes de álbuns Tudo isso é São João e Zabumba Caruaru, Banda de Pífanos de Caruaru. Disponíveis em: < http://www.forroemvinil.com/cd-banda-de-pifanos-de-caruaru>. Acesso em 05 jun. 2016. VI. Equipe Bruscky & Santiago, Ensina-se português às almas do Cemitério dos Ingleses, intervenção, 1987. Reproduzio em NAVAS, 2012, p. 36. VII. Equipe Bruscky & Santiago, Ensina-se inglês às almas de outros cemitérios, intervenção, 1987. Reproduzio em NAVAS, 2012, p. 37.

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DOIS | você precisa saber de mim

A primeira reflexão que se faz necessária para a abordagem do tema refere-se à relação entre arte e política. Para esta aproximação, aborda-se aqui o viés estético da política, uma vez que, essencialmente, ela é baseada no encontro – sempre conflitante – de percepções sensíveis individuais dentro de uma comunidade. A existência de uma comunidade baseia-se na organização de um comum – uma realidade espaço-tempo composta por diferentes atividades – no qual se reconhece a existência de um coletivo compartilhado (o comum) e, ao mesmo tempo, de partes exclusivas. Tais partes referem-se a diferentes atividades que determinam como uns e outros tomam parte nesse comum, em função do tempo, do espaço e do tipo de atividade realizada. Em seu livro A partilha do sensível: estética e política, o filósofo francês Jacques Rancière determina esse comum partilhado como uma espécie de jogo conturbado de lugares e da ocupação destes lugares, um espaço de contínua negociação da visibilidade de quem pode fazer parte do comum e quem não pode. Dessa forma, a partilha deste espaço-tempo da comunidade implica tanto a existência de um comum – como, por exemplo, a cultura, os direitos civis, a liberdade –, quanto da (re)distribuição perene dentro deste comum, baseada nas diferentes competências ou incompetências humanas para dele fazer parte. Como um jogo, esta partilha, ou melhor, a possibilidade de ser visível nesta partilha depende de um conjunto de regras, isto é, um ponto de partida, uma base formada por parâmetros sensíveis para reconhecer o espaço de 63


cada um. Assim, ser dotado de certas características define quem tem competência para ver e qualidade para dizer sobre o que vê. Existe, portanto, na base política desta comunidade, uma estética – que difere da estetização da política. Como reitera Rancière em sua obra: “O importante é ser neste nível, do recorte sensível do comum da comunidade, das formas de sua visibilidade e de sua disposição, que se coloca a questão da relação estética/política”. (RANCIÈRE, 2014, p. 26) A base estética compartilhada por uma comunidade é também ponto de partida para localizarmos as práticas artísticas – ou também hoje identificadas como práticas estéticas – dentro da realidade. Esta base coloca questões como as formas de visibilidade da arte, os lugares que ocupam no comum, o que e como dizem a seu respeito. Em relação ao campo da arte, as práticas artísticas devem ser compreendidas como formas de ação sobre uma realidade – o comum e sua configuração –, o que confere a arte um papel político intrínseco. A arte não é tradutora ou mera representação de estruturas sociais, conflitos políticos ou identidades sociais. Por seu caráter atuante, a arte deve intervir na natureza da distribuição geral das competências reconhecidas pela comunidade, nas relações entre as diferentes percepções sensíveis e formas de visibilidade dentro do comum. Na conferência realizada em São Paulo em 2005, Rancière afirma: “Ela (a arte) é política antes de mais nada pela maneira como configura um sensorium espaçotemporal que determina maneiras do estar junto ou separado, fora ou dentro, face a ou no meio de… Ela é política enquanto recorta um determinado espaço ou um determinado tempo, enquanto os objetos com os quais ela povoa

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este espaço ou o ritmo que ela confere a esse tempo determinam uma forma de experiência específica, em conformidade ou em ruptura com outras: uma forma específica de visibilidade, uma modificação das relações entre formas sensíveis e regimes de significação, velocidades específicas, mas também e antes de mais nada formas de reunião ou de solidão”. (RANCIÈRE, p.1, 2005) Para estruturar essa postura afirmativa da arte enquanto política, o filósofo pressupõe que a política existe antes mesmo de ela ser o próprio exercício do poder ou a luta pelo poder. De acordo com Rancière, a política é, inicialmente, a determinação do recorte de espaço que será partilhado e as formas de ocupa-lo – quem e o que fará parte de sua ocupação e da contínua distribuição de visibilidade. A arte, por sua vez, também recorta espaços e tempos, e reconfigura as relações ente sujeitos, objetos, habilidades ou inabilidades, público e privado, entre outras. Esta postura desassossegada que ela propõe interfere nas próprias maneiras de fazer que definem comunidade. Assim, a arte se assume como política pelo fato de suas proposições de recortes e formas de ocupação irromperem na dinâmica usual dessa comunidade. As práticas artísticas, não se prestam, contudo, ao serviço de mera panfletagem de uma causa política ou mesmo adequar forma e conteúdo para um ativismo social – embora não impeça um maior envolvimento com determinada ideologia. Sua maneira própria de existir implica a constante negociação com a estética comum primeira e reconhecida, provocando ruído de percepção. Possuindo a arte esta capacidade de intervir nas diversas comum sensível e, consequentemente, nas dinâmicas e consensos estabelecidos dentro do que é partilhado, é possível assumir, portanto, a existência de uma política própria da arte e de sua autonomia frente à realidade. A partir do reconhecimento da relação estética/política e da política da arte, Rancière afirma:

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“A partir daí pode-se pensar as intervenções políticas dos artistas, desde as formas literárias românticas do deciframento da sociedade até os modos contemporâneos de performance e da instalação [...]. A partir daí podem ser colocados em questão [...] vãos debates sobre a autonomia da arte ou sua submissão política. As artes nunca emprestam às manobras de dominação ou de emancipação mais do que lhes podem emprestar, ou seja, muito simplesmente, o que têm em comum com elas: posições e movimentos dos corpos, funções da palavra, repartições do visível e do invisível. E a autonomia de que podem gozar ou a subversão que podem se atribuir repousam sobre a mesma base”. (RANCIÈRE, 2014, p. 26) A partir das práticas modernas, a aproximação da arte à vida torna-se mais notória do ponto de vista da política e da estética. Isto significa que, ao contrário da produção artística tradicional, é no âmbito dos discursos que a arte vai afirmar seu compromisso perante a vida e seus temas. Sendo assim, é possível pensar o espectador não mais como simples observador do objeto artístico, mas que o conteúdo da obra – o discurso – o encara como sujeito social, cuja percepção sensível é marcada por questões étnicas, sociais, econômicas, sexuais, entre outras. As reflexões inauguradas a partir dos anos 1960 buscam a revisão dos parâmetros de compreensão da produção artística. A abstração minimalista repensa a relação entre objeto artístico e o espaço expositivo, uma vez que a intenção da obra em modificar a percepção do ambiente que a contém passa a ser parte de sua própria essência. É possível afirmar que se valoriza, aqui, o aspecto exterior

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da obra, rompendo com a ideia da autonomia da arte em relação ao espaço físico de apresentação. Logo, o contato do espectador com esta dinâmica objeto-espaço deve ser compreendido como uma definitiva experiência sensorial do ambiente e de sua habitabilidade. Ainda, manifesta-se então um maior interesse pela materialidade da obra, as propriedades e procedimentos próprios do material, emergindo uma postura consideravelmente antipictorialista. O termo site-specific, forjado inicialmente pela escultura minimalista, amplia o sentido da relação entre objeto e espaço físico, construindo a partir do contrato objeto-ambiente o sentido essencial da obra. O questionamento do hermetismo de locais como a galeria, assim como o desprezo do ateliê como campo privilegiado para a produção artística, irá gerar trabalhos cada vez mais intrinsecamente ligados aos contextos – de tempo e espaço. Encara-se, aqui, o lugar como o que a historiadora Miwon Kwon irá chamar de “vetor discursivo (Kwon, 2008), isto é, as especificidades e matizes simbólicas entranhadas no ambiente alimentam o significado da obra, ao passo que esta intervirá na percepção sensível daquele. Assim, a lacuna antes deixada pelo desinteresse relativo ao espaço físico enquanto agente produtor de sentido é agora tomada pela própria carga simbólica que o estrutura. Em 1976, o artista polonês Jan Swidzinski reitera o posicionamento fazer artístico enquanto crítica e comprometimento frente à realidade em que se insere, em seu manifesto Art as contextual art: “O artista como artista contextual não descreve a estrutura da realidade, mas é seu co-construtor, o que difere sua realidade do cientista, do filósofo e do profissional de propaganda. [...] O que se espera dele é uma relação reflexiva e crítica em relação à

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ideologia, uma consciência atenta de seu lugar no mundo, o cenário político e econômico, as relações de força e de poder no sistema da arte e da sociedade.” (SWIDINSKI, 1976 apud FREIRE, 2006, p. 110). A cidade onde o artista intervém deve ser encarada através de suas especificidades. Parece óbvio afirmar que a cidade sempre teve relações com a composição da sociedade. Logo, quando a sociedade muda em seu conjunto, a cidade também muda. Entretanto, o espaço físico urbano não é apenas fruto de transformações estruturais, oficiais ou globais, de narrativas maiores. As ações imediatas, as relações diretas entre indivíduos ou grupos mais ou menos amplos, também registram na cidade suas dinâmicas cotidianas. A cidade é, portanto, “uma mediação entre as mediações” (LEFEBVRE, 2001, p. 52). Tornam-se igualmente importantes, para a leitura da cidade, as mudanças conjunturais e as micronarrativas, encontros diários de diferentes percepções, baseadas nas características específicas daqueles grupos e indivíduos – história, memória, etnias, crenças, etc. –, ou seja, sua cultura. Para além da forma material, a cidade é fruto da das relações humanas. Em sua obra Direito à Cidade, o filósofo e sociólogo francês Henri Lefebvre conclui, a respeito da formação da cidade através desta dinâmica humana: “Desta forma, a cidade é obra a ser associada mais com a obra de arte do que com o simples produto material. Se há uma produção da cidade, e das relações sociais na cidade, é uma produção e reprodução de seres humanos por seres humanos, mais do que uma produção de objetos." (LEFEBVRE, 2001. p. 52)

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O lugar é abordado, portanto, por meio de seu elemento comunicativo, isto é, a cidade que se dá a ler. O espaço físico urbano – em constante construção e demolição – é atravessado pela cultura em suas diversas manifestações. A cultura traz à cidade o encontro entre o universo psíquico individual e coletivo que, sistematicamente, revisam a memória do passado, trazem à tona as urgências do presente e contemplam os possíveis paisagens futuras. Nas décadas de 1960 e 1970, o projeto conceitualista21 entoa este conjunto de ponderações, abordando a obra de arte enquanto ideia, reclamando, consequentemente, uma revisão dos acordos dentro do universo da arte. A noção de objeto de arte compreendida em sua forma tradicional é questionada, ou melhor, sua limitação a formatos como pintura e escultura tradicionais. Ao refutar tais produções, enfrentase, verdadeiramente, o valor conferido a tais formatos a partir do reconhecimento institucional desse tipo de produção em detrimento das demais práticas. Ora, a arte conceitual se depara com um circuito consolidado de museus, galerias, entre outras instituições, ao qual o trabalho artístico se submete à classificação enquanto produto, que irá alimentar o mercado fechado em si pelo qual irá circular. Em condiçãolimite, o conceitualismo discute as opressões de situações e condições hegemônicas a partir da proposição de novas mídias e usos de espaços. Tal dinâmica apresentará reverberações em diferentes escalas e formas

21 – É preciso estabelecer que, neste ensaio, aborda-se o tempo arte conceitual como equivalente ao sentido de conceitualismo, Assim como coloca Cristina Freie, adotando a expressão ‘arte conceitual’, afirma que para ela “a denominação arte conceitual num sentido estendido é equivalente à arte de endereçamento conceitual e conceitualismo”. FREIRE, Cristina. Poéticas do processo: arte conceitual no museu. São Paulo: Iluminuras, 1999, p. 15.

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por todo o mundo. Como resume Artur Freitas, em seu livro Arte de Guerrilha: vanguarda e conceitualismo no Brasil: “Crítico em relação às convenções da ‘alta cultura’, como se dizia, o pensamento conceitualista foi um fenômeno internacional que se propagou, em termos amplos, no embate direto entre a hegemonia dos grandes centros e as necessidades simbólicas das demais regiões do mundo – aí incluídos o Leste Europeu e [...] a própria América Latina”. (FREITAS, 2013, p. 47). Observa-se, em linhas gerais, duas grandes frentes adotadas pelo conceitualismo. Por um lado, ações anti-institucionais, com experiências artísticas realizadas em espaços públicos ou em circuitos alternativos e, de outro, produções que, embora inseridas na instituição e no circuito de arte, ressaltavam seu caráter processual, sua efemeridade, muitas vezes com materiais ordinários, se contrapondo, portanto, a um fetichismo relativo ao objeto de arte. A difusão deste novo panorama no campo da arte encontra no mesmo período o contexto atribulado de movimentos libertários, contracultura e mundialização dos fluxos econômicos que, na América Latina, irá ganhar novas matizes ao inserir-se em cenários políticos sob regimes ditatoriais. Nas décadas de 1960 e 1970, diversos países latino-americanos se percebem entre as mazelas do imperialismo e do subdesenvolvimento e os turbilhões de um afloramento cultural das mais diversas naturezas. O caso brasileiro é um terreno fértil para estas novas reflexões. A semente das práticas experimentais já havia sido plantada nos anos 1950 e 1960 com o neoconcretismo de grandes figuras como Hélio Oiticica e Lygia Clark. O sentido convencional do objeto de arte

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se ampliava à medida que novos campos da experiência estética eram explorados, buscavam-se estímulos plurissensoriais e a participação do espectador era solicitada. Dessa forma, uma vez que o regime ditatorial surge no país em meio a uma profusão cultural que conta com intelectuais nos mais diversos campos22, é possível afirmar que “não foi a arte que enfrentou a ditadura: foi a ditadura que enfrentou a arte, pois estava nesta, no Brasil dos anos 1950 e 1960, a semente de qualquer revolução” (CAYSES, 2014, p.115). A arte deste momento é uma arte pulsante, marcada pelo crescente arraigamento do tema político e a intensificação do debata acerca do caráter público da arte, embora não abandone as investigações formais e ambientais. A produção ao longo do período inicial da ditadura (1964-1968) é permeável a assuntos como o subdesenvolvimento, a massificação da cultura (ou, ainda, a globalização em suas diferentes esferas) e, evidentemente, o autoritarismo do poder vigente. Das intervenções do Grupo Rex23 e do 3NÓS324 em São Paulo às figurações críticas de Antonio Dias, consolidavam-se tendências coletivas do uso de novas linguagens e espaços. A urgência das pautas políticas adentra o campo das artes visuais impulsionando o debate acerca de seu caráter público, de modo que o viés político não estaria apenas em seu conteúdo mas tornava-se

22– O contexto da produção cultural brasileira das décadas de 1960-1970 é abordado com maior profundidade no capítulo 1.

23 – Grupo REX: Grupo paulista composto por Wesley Duke Lee (1931-2010), Geraldo de Barros (1923-1998) e Nelson Leirner (1932-) que, apesar da breve existência (1966-67) produziu exposições, palestras, happenings, projeções de filmes, etc. marcados pela irreverência, humor e crítica ao sistema de arte.

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I. Coluna do Jornal Folha Ilustrada, 2 de junho de 1966.

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muitas vezes uma condição para a viabilidade à obra, ou melhor, da possibilidade de sua realização/circulação. Como afirma Freitas, “[...] naqueles anos, a vanguarda brasileira, com sua ‘arte de guerrilha’, deixou uma contribuição importante ao investigar justamente os limites dessa confluência (entre estética e política). Ali, a dimensão social não foi um aspecto externo ao mundo das formas, mas [...] a condição mesma de sua existência enquanto linguagem”. (FREITAS, 2013, p. 75). A produção artística naquele momento encontra nas analogias, entre outros recursos, uma engenhosa estratégia para posicionar-se frente à realidade, seja o autoritarismo, o subdesenvolvimento, a cultura de massa ou o autorreferente circuito das artes. Entre 1968 e início dos anos 1980, o controle da esfera pública dos meios de comunicação suscitava tentativas de desvio, ações parasitárias de inserir-se nos meios que eram objeto da própria crítica. A respeito desta demanda, a pesquisadora pernambucana Ana Maria Maia destaca a investigação de Cildo Meireles:

24 – 3NÓS3: criado por Hudinilson Jr (1957-2013), Mario Ramiro (1957-) e Rafael França (1957-1991), o grupo propunha a ocupação e apropriação de equipamentos da cidade, no final da década de 1970. Realiza uma série de intervenções urbanas da cidade de São Paulo. Tinha como premissa ocupar, simultaneamente, o espaço da cidade e o da mídia.

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“Justamente em busca de uma existência do seu trabalho de arte no “corpo social”, Cildo começou a investigar noções mais amplas de ‘circuitos’. Segundo o texto que publicou em abril de 1970, 1) Existem na sociedade determinados mecanismos de circulação (circuito) 2) Esses circuitos veiculam evidentemente a ideologia do produtor, mas ao mesmo tempo são passíveis de receber inserções na sua circulação 3) E isso sempre que as pessoas as deflagram”. (MEIRELES, 1970, apud MAIA, 2015, p.137) Dessa forma, era imprescindível a invisibilidade do artista em sua ação e também a perecibilidade da obra, uma vez que a possibilidade de existência enquanto crítica e o acesso ao outro (outras pessoas, leitores, espectadores, consumidores, etc.) configurava a própria obra. Seu caráter efêmero é um indicativo dos parâmetros a partir dos quais a relação entre indivíduo e informação/produto se estabelecia naquele momento. A capacidade da obra de circular na sociedade – em sua velocidade, reprodutibilidade e descartabilidade – evidenciava como a cultura de massa se consolidava no país. Ainda em relação a tais inserções, Maia afirma: “A desaparição tornou-se uma condição para a obra de arte que, nessa conjuntura histórica, era formulada como protótipo de uma sociabilidade crítica. A despeito da incompreensão absoluta ou mesmo da neutralização por parte do sistema que a abrigava e controlava, continuava tendo sua existência ligada à negatividade, à possibilidade de corromper ordens de grandeza e afetar pessoas e não instituições, agir micropoliticamente, nem que fosse sobre apenas um”. (MAIA, 2015, p.140)

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É possível pensar, ainda, que esta presença pouco nítida do artista e do menor valor atribuído ao suporte-veículo da ação/obra artística revê a importância atribuída à noção de autoria no campo da arte e contribui para a dessacralização do objeto artístico e o espaço em que se apresenta, entoando o projeto de crítica aos meios tradicionais de circulação da arte e sua consequente transformação em mercadoria. Urgentes, efêmeras e muitas vezes performáticas, diversas obras contavam também com o espaço físico – público – das cidades para alçar o impacto almejado. É o caso das Trouxas Ensanguentadas espalhadas por Artur Barrio pelos esgotos de Belo Horizonte e Rio de Janeiro em 1970, do Enterro Aquático I realizado no Rio Capiberibe (Recife, PE) por Paulo Bruscky em 1972, ou ainda das Inserções em Circuitos Ideológicos, de Cildo Meireles, entre 1970 e 1976. As duas primeiras obras fazem clara alusão à frequente desova de cadáveres em latrinas e rios praticada pelos militares – a segunda sugere, ainda, a deterioração da arte enquanto campo autônomo, visto que o caixão lançado ao Capiberibe levava a palavra ARTE gravada na tampa. A escolha dos locais/objetos – suportes – para as ações passam pelo valor simbólico que carregam, seja pela memória atrelada – individual, coletiva ou de grupos determinados –, ainda pelo seu desconhecimento ou esquecimento. A cidade emerge, portanto, por meio da especificidades que apresenta, conferindo camadas de sentido à obra. O componente comunicativo faz do lugar algo que se dá a ler. O esgoto, a vala, o rio, a ponte, enfim, são tomados pela memória recente atrelada àqueles pontos, no caso, as duras histórias de massacres. O espaço físico é, portanto, um dos sujeitos na produção artística. Ele, além de dar força ao argumento da obra, possibilita o contato com um público mais amplo. A aleatoriedade com que este contato possa vir a acontecer – ou não acontecer em absoluto

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– acarreta à ação artística uma indefinição em seu percurso. Assim como ocorre com as diversas esferas da própria vida. A ação no espaço público da cidade engendra um ruído nos parâmetros de convivência cotidiana. A sua escolha pelo fazer é, portanto, pela natureza da arte, um posicionamento político. Já a obra de Cildo Meireles tem capacidade autorreflexiva. Em linhas gerais, as Inserções repunham em circulação objetos diversos e ordinários, que haviam sofrido algum tipo de intervenção de caráter crítico – garrafas de Coca-Cola, cédulas monetárias, entre outros. Indagando sobre sua função no mundo, o objeto vai questionar sua penetração e seu valor simbólico na sociedade – urbana por excelência. Tais e tantas outras obras que se valem do espaço físico da cidade a partir da compreensão deste espaço enquanto circulação e pelo seu viés comunicativo, buscam recursos para se posicionar de maneira mais ou menos explícita quanto ao contexto vigente. São obras extremamente viscerais, ora se valem do aspecto ritualístico inerente à sua realização, ora prevalece a força das palavras, ou mesmo por vezes se dão pela sutileza, mas ali está presente a força através da subversão. A visceralidade estava no gesto, na estética e, porque não, no silêncio que reverberavam. Eram violentas. A impetuosidade destas produções dialogava diretamente com a violência real e simbólica exercida pela ditadura. Não se pretende, aqui, estabelecer uma relação direta entre o contexto artístico, o cenário político da época e a obra de Paulo Bruscky. Atitude esta que, inclusive, se mostraria improfícua e limitadora, visto que sua produção mostra uma abertura sistemática dos limites discursivos e representacionais, atravessando um vasto leque de meios, registros e suportes. Além disso, percebe-se que a função poética se encontra na inteligência com que é capaz de insinuar, mais

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que dizer expressamente. Ademais, a postura política encontra-se, antes de tudo, na maneira com que Bruscky se coloca no mundo. A ação é a mensagem e o fazer artístico como verdadeira práxis. Como afirma o poeta e crítico Adolfo Montejo Navas, “Estamos falando, então de uma poética contaminada e porosa que não esconde a raiz dos seus conteúdos ou intenções, que transpira uma vinculação com as várias instâncias da vida, sem querer permanecer presa nelas nem fazer sociologia; um ‘sensorium diferente de dominação’ de formas/ações que questionam a realidade e suas representações legitimadas”. (NAVAS, 2012, p.19). Este ensaio busca, de fato, aproximar-se dos vários estímulos e reflexões que levam Bruscky a enxergar o espaço urbano da cidade do Recife não só como suporte mas como objeto de suas intervenções artísticas. Em outras palavras, reconhece-la enquanto espaço comunicador, isto é, como um texto que se dá a ler, marcado por sua cultura e pelas leituras feitas por outros interlocutores – de todas as esferas, das ditas populares às classificadas como eruditas. Dessa maneira, é preciso entender que – desde sua chegada à cena artística em meados da década de 1960 – a presença do artista é de natureza pública e urbana. Esta premissa se estabelece a partir de três pilares: a cidade enquanto espaço físico, a cidade enquanto campo de circulação e o interesse constante em acessar os demais indivíduos que participam daquela realidade. Primeiramente, a associação direta entre arte e vida leva a primeira a tomar parte no cotidiano, afirmando o exercício artístico enquanto ação concreta na esfera social. Seria, portanto, inevitável que a investigação do artista deitasse raízes sobre os espaços de encontro,

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locais de organização da coletividade, carregados de carga simbólica – mesmo estando a ditadura em vigia constante da esfera pública. A prática situacionista25 reforça tal postura, investigando a realidade através do rompimento de seu fluxo natural, ou seja, propondo a sistemática subversão das representações coletivas já familiares a partir da proposição de novas situações. É a busca pelo afloramento do extraordinário no prosaico, pelo olhar de novo para alguma coisa, enfim, pela nova possibilidade dentro do silêncio que emana do condicionamento da vida. Assim, Bruscky perambula pelo Recife, se alimentando de sua geografia e da dinâmica cotidiana da capital pernambucana, o trânsito dos passantes e dos veículos, a apropriação do espaço feita pelo fatores naturais, pelos grupos e indivíduos, pela lógica econômica e regime político vigente e, igualmente importante, pelo acaso. “Eu ando a esmo pelo Recife. [...] Sempre presto atenção por onde sigo e a cidade me fascina. Recife sempre me vem à mente em vários trabalhos, por esse caminhar, por essa vivência da cidade, por esse relacionamento com a paisagem urbana”. (BRUSCKY, 2014, depoimento)

25 – “A construção de situações começa após o desmoronamento moderno da noção de espetáculo. É fácil ver a que ponto está ligado à alienação do velho mundo o princípio característico do espetáculo: a não-participação. Ao contrário, percebe-se como as melhores pesquisas revolucionárias na cultura tentaram romper a identificação psicológica do espectador com o herói, a fim de estimular esse espectador a agir, instigando suas capacidades para mudar a própria vida. A situação é feita de modo a ser vivida por seus construtores.” DEBORD, Guy. Relatório sobre a construção de situações e sobre as condições de organização e de ação da tendência situacionista internacional, 1957.

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A ação no espaço dá a chance também de questionar a estigmatização de certos grupos sociais, ao voltar-se para os lugares por eles apropriados – ou, por vezes, aos espaços a que são relegados – e a forma com que se dá este processo. É o caso de obras como Chantecler (1973), em que Bruscky realiza uma exposição coletiva numa região do Recife conhecida pela prostituição. A proposta conta com vários dos artistas locais e coloca em questão a pretensa incompatibilidade das duas esferas: um espaço marginalizado pelo preconceito que recai sobre a profissão e o objeto consagrado e imaculado – a obra de arte. O atrito deste encontro atravessa noções como a relação consumidor-produto – a própria dinâmica intrínseca à prostituição e também a ideia da arte como mercadoria. Questiona, ainda, o poder de legitimação das instituições e, em condição-limite de fetichismo do objeto, chegando à sua exploração. A galeria, o museu, a rua, a esquina, o objeto-produto, o corpo-objeto, o corpo-produto, enfim, ali se estabelece uma rede de tensões entre sagrado e profano. A compreensão da cidade enquanto matéria parece, à primeira aproximação, um tanto evidente. Contudo, é importante afirmar aqui o caráter deste espaço físico. É na possibilidade do encontro de diferentes percepções sensíveis de indivíduos ou grupos sociais – processo de redistribuição constante das partes do comum – que se reitera a dinâmica da sociedade. A pluralidade desta dinâmica é indicador da democratização deste espaço, enquanto a anulação de conflito pode sugerir o entorpecimento de uma lógica dominante Assim, mais que obra de engenharia ou fruto da tecnologia, pode-se dizer que a cidade é feita por e para a ação humana. Ao pensar a cidade enquanto campo de circulação, volta-se a atenção para os meios e veículos que a sociedade produz – oficiais ou não – para fazer circular informação e mercadoria. Os parâmetros que determinam a existência desses meios – onde e de que maneira

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a informação e a mercadoria se apresenta – são reflexo do projeto de sociedade e, consequentemente, de cidade que se constrói. Neste caso interessa as inserções de Paulo Bruscky em veículos publicitários – como anúncios em jornais e outdoors –, que comumente são utilizados para a venda de imóveis e divulgação de empreendimentos imobiliários. Propõe-se, assim, observar obras como a Arte Classificada, na década de 1970, e o Primeiro Exposição Internacional de Art-door, realizado mais tarde, em 1981. Ambos projetos foram empreitados pela Equipe Bruscky e Santiago. A Arte Classificada propõe o lançamento de anúncios pagos na imprensa, mais especificamente em jornais. Os textos divulgavam propostas artísticas a serem realizadas e frequentemente buscavam patrocinadores – embora muitas não tenham se consolidado. Desse modo, a proposta não só se insere num circuito alternativo a arte – espaço este controlado pela censura do período –, questionando a ação artística enquanto bem de consumo e, ao se aproximar do aspecto formal dos anúncios imobiliários, a arte se coloca enquanto possibilidade de construção de lugar – espaço físico dotado de valor simbólico. Ainda, assim como as já mencionadas Inserções em Circuitos Ideológicos de Cildo Meireles, a Arte Classificada atinge um público mais amplo que no restrito circuito de museus, galerias e salões. A professora e curadora Cristina Freire reitera a ampla função deste projeto: “Trata-se, no limite, de uma forma de fazer poesia marginal e de vê-la circular em circuitos alternativos. Essa estratégia orienta-se pela ideia de criar um ruído nos mecanismos de controle da informação. (...) e, finalmente, eliminar qualquer possibilidade de fazer obraobjeto-mercadoria”. (FREIRE, 2006, p. 46).

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II. Paulo Bruscky, Vervendo, publicado no Diário de Pernambuco (RecifePE), em 22/10/2008, inserção em jornal, da série: Arteclassificada.

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As experiências feitas com outdoors intervêm no suporte em forma e conteúdo. A partir de retalhos de imagens e elementos verbais, os artistas geram ruídos na linguagem visual e verbal quase primitiva desses formatos de propaganda, contaminando de ironia e irreverência a oficialidade e as ambições dos registros de autopromoção. A exposição contou com a participação de mais de uma centena de artistas nacionais, além de outros tantos de vinte e cinco diferentes países. Além disso, a cidade emerge como espaço contemplativo da arte, suas vias se tornam galerias públicas ao ar livre, subvertendo a imposição dos canais de propaganda que consolidavam as ruas como redes privilegiadas para estimular de consumo. Vale ressaltar a presença de uma proposta do coletivo japonês Gutai. O grupo, que atuou entre os anos de 1954 e 1972, influenciou de maneira direta a produção de Bruscky: o coletivo é ponta de lança nas investigações artísticas a partir de pinturas gestuais, happenings, performances, obras de site specific, entre outras, buscando as possibilidades do uso do corpo no trabalho. A relação entre o recifense e Gutai foi viabilizada por meio da Arte Postal – que fomentou a consolidação de uma rede de comunicação entre artistas pelo mundo, da qual Bruscky fez parte e é pioneiro no Brasil. Fica evidente, a partir da reflexão acima, o interesse intrínseco à obra de Paulo Bruscky em ampliar o contato entre a obra de arte e o espectador, a ponto de dissolver qualquer fronteira entre eles, tornando-o parte da ação artística. É importante, contudo, buscar os parâmetros dessa aproximação, isto é, de que maneira se dá este acesso ao outro. Bruscky incita a participação do público acessando o elemento popular – e por elemento popular pode-se pensar os objetos, imagens, atividades, modos de ser, conceitos e contextos ordinários, enfim,

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os subsídios que constroem a estética popular e que preenchem o cotidiano de qualquer pessoa, portanto facilmente reconhecíveis. Ao acessar este universo familiar, sua incisão subverte a maneira como aquilo se apresenta ao mundo. Esta atitude está presente no projeto Partituras (1982), por exemplo. Nele, Bruscky fotografa pedrinhas que estão presas em grelhas no chão do passeio público e, ao se tomar conhecimento do nome da série, as grelhas imediatamente podem ser lidas como partituras musicais. De fato, o músico experimental italiano Luca Mitti as tocou em um sintetizador no ano de 1986. Assim, as obras estabelecem uma espécie de mutualismo: contam com a dinâmica do cotidiano para que nele possam intervir, e esta realidade salta aos olhos a partir do seu reflexão colocada pela obra. As bases da relação individuo-objeto ou individuo-contexto parecem estremecer, sugerindo novas regras de convivência. Bruscky faz uma observação bastante simbólica em relação à sua produção: “Subverter sempre só tem sentido se não parecer palavra de ordem, se permitir recreação, que é o mesmo que recriação” (BRUSCKY, apud FREIRE, 2006, p. 66), botando em xeque quaisquer possíveis amarras que as novas correntes artísticas podem conter. Além disso, aproximar os termos recreação e recriação leva o pensamento à associação com a brincadeira, esta mesma do universo infantil, onde situações são imaginadas e novos papéis, assumidos. Esta multiplicação de dobras da própria realidade é o que amplia as possibilidades do ser e, portanto, a capacidade de falar sobre o mundo. É possível reconhecer uma leveza inerente à produção de Bruscky, um bom humor que, mesmo dotado de profunda crítica, determina a chave de operação daquele trabalho na realidade. Suas obras de intervenção artística comumente apresentam um caráter de jogo, algo que estimula e instiga, que pergunta e espera um tipo de

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resposta. Por intervir de maneira direta na realidade, a obra está sujeita – e é quase uma de suas premissas – à ação do acaso. Como uma garrafa lançada ao mar que busca um destinatário para a mensagem, que pode estar ou não lá. A obra se colocará como experiência, muitas vezes só é possível pela a ação do público e não do artista. “A ideia de participação do público está na base de muitas proposições de performances e ações do artista. A transitoriedade é o que dá unidade às diferentes proposições que incluem o acaso e o tempo. O tempo na poética de Paulo Bruscky diz respeito ao tempo da experiência, ao real, não às representações abstratas ou desencarnadas. É isso que se testemunha, mais claramente, em seus projetos efêmeros. Evidencia-se a ‘não-autonomia’ da obra de arte, uma vez sujeita às condições do ambiente, interação das pessoas, disposição dos próprios espaços da cidade”. (FREIRE, 2006, p. 37) Ao compreender o corpo como agente construtor de significados e conhecimentos sensíveis, Bruscky investiga a cidade através de outros sentidos para além da visão, lhe estimulam os sons e cheiros – “meu trabalho é consequência do que me entra pelos sentidos!” (BRUSCKY, 2007) –, e esta mistura impregna a maneira como ele busca estimular os demais indivíduos. Sobre este aspecto de sua produção, o artista conta em entrevista concedia ao curador Antônio Sérgio Bessa:

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“As cidades têm cheiro, por exemplo. O cheiro [...] lembra locais. [...] Eu pesquisei essa questão do cheiro em Ouro Preto na década de 1970, [...]. Pesquisava a relação dos cheiros das pessoas e dos lugares em que vivem. Então as cidades têm coisas que exalam, que não são só visuais e auditivas, mas olfativas também”. (BRUSCKY, 2014) Para falar da relação entre Paulo Bruscky e a cidade do Recife, é necessário se aproximar, antes de mais nada, da cidade que há dentro do artista. O recifense afirma ter uma relação muito visceral com a capital pernambucana. Em seus aspectos físicos, a geografia recortada por rios e banhada pelo mar sempre lhe foi muito estimulante, e o fato de a cidade ser praticamente plana é vantajoso para a realização e visibilidade de suas intervenções. Ele afirma: “sempre parto de alguma coisa real” (BRUSCKY, 2014) e, de fato, seus trabalhos demonstram o profundo conhecimento sobre o espaço físico do Recife. Na obra Enterro Aquático I (1972), Bruscky realiza um cortejo fúnebre pelas ruas da capital, carregando um caixão em cuja tampa lia-se a palavra ARTE. Um grande grupo de pessoas se mobilizou e acompanhou a procissão até uma das pontes sobre o rio Capiberibe, de onde pôde observar o morto ser levado pela correnteza do rio. Para o funeral da Arte, ou ainda, a apoteose do fim da Arte, tornava-se necessário o estudo meticuloso do percurso sobretudo por causa o cerceamento por parte do regime militar – e o conhecimento dos tempos do rio. Entretanto, os aspectos técnicos são mais um dos olhares que o artista carrega consigo. Paulo Bruscky é conhecido por reunir – fisicamente – uma infinidade de vozes. No Recife, o artista possui um imenso acervo documental, fruto de uma vida de pesquisa em toda sorte de fontes. Seu ateliê é chamado de ateliê-arquivo e ali se encontram os mais diversos objetos e imagens, testemunhos e discursos, representações

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III. Paulo Bruscky, Enterro Aquático I, 1972. Intervenção urbana (Recife, PE).

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de vida. Em 2015, o artista foi entrevistado pela professora da UFPE, Madalena Zaccara26. Sobre o acervo que mantém, Bruscky conta: “Mantenho em meu arquivo cerca de 70 mil itens de Arte Contemporânea e 50 mil de arte pernambucana (de Nassau a 2015). Tudo isso, com a misturAção com a minha trajetobra: é a minha VidArte”. (Bruscky, 2015) Com efeito, a postura de Bruscky perante o mundo transparece uma infinita capacidade de relacionar universos – de Um Lance de Dados (1897) de Mallarmé até as inúmeras camadas do camelô do centro do Recife antigo – de enredar as coisas que são díspares. No que se refere à sua cidade natal, a lógica não poderia ser diferente. A intervenção que faz no jornal Estado de Minas (Belo Horizonte, MG) em 2009 pode ajudar a entender a ideia de cidade que habita Bruscky. Na entrevista concedia a Bessa, o artista relata a história por trás desta obra: “Em 1998, por exemplo, eu estava com uma amiga em um barzinho em Belo Horizonte, e vi um ônibus com uma placa em que estava escrito a palavra “Saudade”. [...] pegamos o próximo ônibus para [o bairro chamado] Saudade. Caminhamos um pouco por lá. [...] Depois disso,

26 – entrevista de Paulo Bruscky concedida a Madalena Zacarra e Itamar Morgado, presente no trabalho Sobre a inquietação das mentes insubmissas, fluências e confluências na obra de Paulo Bruscky: entrevista com o artista, em maio de 2015.

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já fiz duas obras sobre o bairro da Saudade, de Belo Horizonte. Uma delas era um classificado no jornal que dizia ‘Saudade não é apenas um bairro ou uma cidade, é um sentimento, é um exercício, é arte’. Então sempre trabalho com a questão da geografia”. (BRUSCKY, 2014) A cidade é sentimento. Recife, Belo Horizonte, Amsterdã, Montevidéu, enfim, o espaço físico urbano que existe é tão real quanto o que habita cada pessoa. A cidade imaginária de cada um é viva, porque é ela a cidade que se encontra efetivamente presente no indivíduo, portanto, é real. Tendo a pesquisa como um dos pilares de seu trabalho artístico – e, por dedução, de seu modo de estar no mundo, a vida do artista, assim como a de qualquer pessoa – tem sua existência alimentada por todos os olhares que vieram antes do seu e que lhe tocam de alguma maneira. Afinal, a partir do momento em que a arte mostra um modo de ver (ouvir, falar, sentir) alguma coisa, simplesmente não se pode mais não ver daquela forma. Bruscky procura incessantemente ampliar suas linguagens para dizer da cidade – da vida –, pois ao se alargar a linguagem, aumentam as maneiras de reconhecer as coisas e de se relacionar com elas no mundo, ampliando, assim a nos mesmos.

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IMAGENS DO CAPÍTULO 2: I. Coluna do Jornal Folha Ilustrada, 2 de junho de 1966. Disponível em: <http://www. geraldodebarros.com/main/wp-content/uploads/2013/03/1966_0602_FSP.pdf>. Acesso em 04 abr. 2016. II. Paulo Bruscky, Vervendo, publicado no Diário de Pernambuco (Recife-PE), em 22/10/2008, inserção em jornal, da série: Arteclassificada. Reproduzido em NAVAS, 2012, p. 81. III. Paulo Bruscky, Enterro Aquático I, 1972. Intervenção urbana (Recife, PE). Foto: Leo Caldas. Reproduzido em NAVAS, 2012, p. 188.

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TRÊS | travessias ARTEXPOCORPONTE, 1972, RECIFE (PE) Equipe Bruscky & Santiago

Se a memória for um tanto generosa, é possível se lembrar - em alguma medida - dos princípios básicos de funcionamento das brincadeiras da infância. Em linhas gerais, a coisa se dava: para uma pergunta, uma resposta. Para uma ação, uma reação, compondo uma comunicação clara e eficaz. Arriscando uma dedução, Bandeira tem clara lembrança de como jogar Coelho sai da toca!, como recupera em Evocação ao Recife (1925). De um lado, uma criança dá sinal para todos os coelhos saírem das tocas (as outras crianças que ocupam lugares definidos) e estas devem correr todas ao mesmo tempo para ocupar as outras tocas momentaneamente disponíveis, enquanto o emissor da ordem também disputa por um desses abrigo:

A gente brincava no meio da rua Os meninos gritavam: Coelho sai! Não sai!

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A comunicação baseada numa dinâmica simples e eficaz parece ser, de fato, uma saída conveniente para quem quer se fazer entender. À primeira vista, é isso que propõem Paulo Bruscky e Daniel Santiago em Artexpocorponte. Ao meio dia de um sábado, dois grandes grupos de pessoas foram colocados frente a frente em duas pontes paralelas e consecutivas sobre o rio Capiberibe – a ponte da Boa Vista e a ponte Duarte Coelho –, dispondo de cartazes cuja cor de um lado era azul e do outro, amarela. O objetivo era que cada lado apresentasse uma única cor, diferente da do outro grupo. A ordem era a seguinte: quando você visse o outro lado mostrando uma cor, você expunha a outra. Os artistas tinham claro que esta tarefa, por mais elementares que fossem suas premissas, seria impossível que os membros de cada lado se alinhassem, uma vez que não era possível saber qual cor a pessoa do seu lado estaria mostrando. As instruções seguiam: quando a pessoa se impacientasse – como diz Bruscky – era recomendado jogar o cartaz no rio, pois ele se dissolveria ali e a atividade estaria terminada. O jogo durou algum tempo e o registro está gravado em Super827. Havia, de quebra, um segundo interesse na empreitada, pois a dupla vinha gestando a ideia de colorir os mais diversos elementos da paisagem da capital pernambucana. Vale lembrar a tentativa, anos mais tarde em 1976, de realizar uma aurora tropical artificial no céu do Recife, projeto denominado Composição Auroral (nome que faz lembrar algo de Movimento Armorial), para o qual Bruscky e Santiago chegaram a solicitar patrocínio inclusive da NASA – pedido a que ainda hoje esperam resposta. A pesquisa para o trabalho foi alimentado pelo repertório imagético absorvido do sistema de sinalização do PARASAR10028, que Santiago conheceu na década de 1960 quando serviu a Aeronáutica. Ademais, a dupla construía há algum tempo uma investigação

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I. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Artexpocorponte (vista do centro da cidade com destaque Ă s pontes Duarte Coelho e Boa Vista), 1972.

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prática: Bruscky e Santiago vinham observando o diálogo por meio de sinais visuais que se estabelece entre pilotos de avião e técnicos nas pistas de pouso e decolagem dos aeroportos, para a orientação das aeronaves. Em entrevista concedida ao jornalista Augusto César Costa no programa Vozes do Nordeste (Fortaleza, 2007), Bruscky conta: “[o Recife] é uma cidade que tem uma geografia fabulosa – todo o centro – para você fazer esse tipo de trabalho [de intervenção artística urbana]. E a gente [Paulo Bruscky e Daniel Santiago] discutia muito e uma das coisas que nos levou a fazer esse trabalho é: nos aeroportos – nas pistas –, onde hoje é tudo informatizado, [havia] aquelas bandeiras, aquela sinalização – de que a gente até comprou um livrinho pra ver - que fazia “para a esquerda”, “para a direita”, “venha reto”... Tem toda uma codificação e decodificação. E a gente resolveu fazer”. (BRUSCKY, 2007)

página ao lado, de cima para baixo:

27 - Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Artexpocorponte, 1972. Super8, 2’21’’, cor; som.

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28 - Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento da Força Aérea Brasileira. Fonte: Portal do Governo Brasileiro; disponível em: <http://www.fab.mil.br/ index.php>. Acesso em: 10 jun. 2016.

II. Ponte Duarte Coelho, Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Artexpocorponte, 1972. III. Ponte da Boa Vista, Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Artexpocorponte, 1972.


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IV. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Artexpocorponte, 1972. Intervenção urbana (Recife, PE).

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É curioso observar que as pontes são torcidas em sua função primeira. Se as estruturas são construídas para ligar as margens do Capiberibe, agora a sua função passa a ser a comunicação no outro sentido, ou seja, ao longo do rio e não mais cruzando-o. As margens se tornam outras. Ainda, o que é essencialmente via, passagem, articulação entre duas bases, se apresenta ali como lugar de permanência. Na proposição de uma conversa cujo sucesso é improvável, o complicador de Artexpocorponte encontra-se antes de tudo nos parâmetros impostos à atividade, uma vez que o hiato entre os interlocutores é físico, é a própria distância entre as bases. Além disso, cabe pensar que – se o que interessava de fato a cada grupo era alinhar-se enquanto cor e, uma vez unificado, opor-se à outra equipe, num cenário em que ambas chegariam ao seu objetivo – a solução encontrava-se, na verdade, no funcionamento interno de cada um desses grupos, tendo portanto a resposta a seu alcance. Ora, parece descabido voltar-se incessantemente ao outro – ao fora de si, ao nãoeu – quando o que se busca está, de fato, dentro de si. Contudo, distanciando-se de qualquer discurso motivacional, uma reflexão resida talvez num outro hiato, um hiato seco. O que existe entre o que é necessário se dizer e o que é de fato possível? Qual o limite entre a ação e a inação ou, simplesmente, se algo for tentado com muita intensidade, ele chega acontecer? O desejo do indivíduo existe fora dele? Talvez Artexpocorponte, em seu tom leve e arejado como uma manhã de sábado, escolha ser pela impossibilidade, ou mesmo, como possibilidade da comunicação que prefere não acontecer.

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TRÊS | travessias ARTE/PARE, 1973, RECIFE (PE) Paulo Bruscky

De todas as surpresas que podem atravessar o distraído e apressado dia-a-dia de cada um, estar na lembrança de uma outra pessoa e por ela ser presenteado certamente se coloca como uma das mais emocionantes. Aquele inesperado pacote carrega a expectativa de, ao menos por um momento, refletir ambas vidas – presenteador e presenteado –, reforçando o vínculo, a conexão. Pode, contudo, gerar certo desconcerto se o destinatário já possuir algo semelhante ao presente – situação na qual a oportuna “etiqueta para a troca” entra em cena. Ainda mais constrangedor seria dar-lhe um objeto que lhe pertence, maquiando-o com tons de novidade, na tentativa de iludir a pessoa celebrada. Em 1973, Paulo Bruscky propõe a reinauguração da Ponte da Boa Vista, no centro de Recife. Sem nenhuma intervenção que a tivesse renovado, a estrutura construída em 1640 por Maurício de Nassau29 seria comemorada como um presente para a capital pernambucana. Para tanto, como atencioso remetente, Bruscky amarra uma grande fita cor de rosa que passa por todas as pistas da ponte, culminando em um laço bem ao centro. A fita então bloqueia o tráfego entre Boa Vista e Guararapes, tanto o passeio de pedestres como o caminho dos veículos, gerando em poucos minutos uma situação caótica numa das

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passagens mais utilizadas na cidade. Por cerca de quarenta minutos parte da população que se encontrava ficou aguardando. É bastante provável que não se sabia pelo quê esperava, a que se prestava tal ritual e tampouco quem apareceria para dar destino ao imbróglio. Por fim, alguém ali mesmo decidiu desamarrar a fita e a polícia logo chegou a fim de dispersar a multidão, liberando o trânsito. Tal qual o olhar hesitante de quem reconhece num presente recebido algo que já é sua propriedade, a população é levada a olhar de novo para o que já conhece, se deparando com um ruído no curso natural de sua rotina, uma interrupção sem contexto ou maiores explicações. É exatamente na perplexidade imobilizadora de Arte/Pare que reside a chance de atentar-se para aquele instante de vida. Ora, se haveria uma reinauguração, quem e de que maneira se teria intervindo na tão familiar ponte, em primeiro lugar? Como é recorrente na produção de Bruscky, a circunstância é colocada de maneira sutil pela ação do artista, mas ainda assim – ou talvez justamente por isso – gera inquietação. A simples fita posta exata como o horizonte faz saltar aos olhos a forma como cada indivíduo toma parte naquele espaço urbano compartilhado.

29 – Erguida por Nassau (1604-1679), durante o período de ocupação holandesa no Brasil, que persistiu até 1654. Uma das pontes icônicas da capital liga atualmente a Rua Nova no bairro de Santo Antônio à Rua da Imperatriz na Boa Vista.

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V. Página ao lado: fotogramas da intervenção de Paulo Bruscky, Arte/Pare, 1973.


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Naquele exato momento, não era possível identificar o responsável pelo que ocorria e, pela o estética oficialesca da situação, era natural que se atribuísse a ação a instituições formais. Quem poderia, de fato, romper aquele laço? A delimitação feita pela fita suspende por um instante o reconhecimento da cidade ou, ainda, da noção coletiva do que era o espaço público. Vacilante, o primeiro movimento de quem se aproximava poderia ser de deter-se e aguardar novas instruções, novos modos de usar o espaço. Os que hesitaram e os que permaneceram – veículos em especial – viram ali, na espera, na eterna iminência de acontecer algo – e, de fato, não acontecer nada, mas tampouco podiam estar imunes à situação –, que se suprimia temporariamente a função da ponte. Havia ali um presente que não apenas nunca se desembrulhava como também subtraía uma liberdade do presenteado. A maioria dos pedestres, contudo, transpunha a barreira e seguia caminho, passando por cima, por baixo, mas sem intervir no obstáculo ou mesmo questiona-lo. Seria apenas mais um empecilho na dura rotina? Vale a pena encara-lo de fato? Até onde é possível se adaptar a certas imposições? Gota a gota, pequenas (ou grandes) barreiras – placas de PARE – forçam a criação de engenhosos labirintos particulares para a sobrevivência de cada um. Pelo reconhecimento da incapacidade de envolver-se em todos os eventos ao seu redor ou pelo legítimo desinteresse em acontecimentos que não impossibilitem os objetivos pessoais imediatos, ou simplesmente por imaginar possíveis conjunturas maiores a que a fita se associaria, a decisão por ignorar o confronto com o laço atado se torna inteiramente justificável. Contudo, mais além destas possibilidades, talvez falte a cada um a flexibilidade de espírito para encarar de fato situações inusitadas ou irreconhecíveis. Com ares oficialescos, o ritual de reinauguração desta ponte – um dos ícones da cidade – também ironizava uma prática frequente

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da gestão de Augusto Lucena (1971-1975), prefeito do Recife naquele momento. Conhecido pela grande quantidade de projetos urbanos de realizou, as obras conduzidas acabaram por modificar intensamente a área central da capital, tais como a abertura de conexões entre os bairros históricos de São José e Santo Antônio no centro da capital, pela Avenida Dantas Barreto (ver imagens 85 e 86, página 195) e a Avenida N. Sra. do Carmo, além da reurbanização de um trecho próximo à margem do rio Capiberibe para a construção da Praça Machado de Assis. Suas ações levantaram questionamentos por intervir em regiões de estreita conexão com a memória recifense, a fim de favorecer a consolidação de uma lógica de mercado no espaço urbano que priorizava os interesses comerciais determinados grupos da sociedade. Afirmando que o novo projeto “não quer ser parte da cidade, mas seu equivalente ou substituto”30, a visão deste governo para o espaço físico urbano acabaria por segregar e homogeneizar parte da região central, isto é, constituindo ambientes neutralizados em relação às dimensões históricas e simbólicas das relações sociais. Afinal, por que reinaugurar um marco histórico? É possível pensar que o humor e ironia típico da produção brusckyana sugere uma revisão da memória coletiva frente o espaço da cidade e, ainda, quebra o otimismo atrelado a ideia de progresso ou modernização. Aonde tantas aberturas e reconstruções dos espaços da capital levariam de fato?

30 – JAMESON, Fredric. PósModernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Editora Ática, 1996, p. 64. In: NASCIMENTO p. 1, 2013.

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Em poucos minutos de existência, Arte/Pare barra e estimula a memória – no caso, um ponto específico da história brasileira e pernambucana –, removendo sua função, ou melhor, engolindo-a e ameaçando devolve-la como coisa nova. Bruscky potencializa o viés comunicativo daquele espaço físico urbano através da subversão, entoando João Cabral de Melo Neto, em seu poema Fábula de um arquiteto31:

A arquitetura como construir portas, de abrir; ou como construir o aberto; construir, não como ilhar e prender, nem construir como fechar secretos; construir portas abertas, em portas; casas exclusivamente portas e teto.

O arquiteto: o que abre para o homem (tudo se sanearia desde casas abertas) portas por-onde, jamais portas-contra; por onde, livres: ar luz razão certa.

Para além da metáfora ou da analogia, percebe-se mais uma vez a diluição das fronteiras entre arte e vida como axioma do trabalho de Paulo Bruscky. Já no título percebe-se a contaminação mútua: a frequência com que o artista nomeia suas obras com a palavra arte somada a outro termo (Arte/Pare, Artemcâgado32, Artexpocorponte33, Artedoor34, etc.), sugere que é premissa da arte a sua penetração em qualquer âmbito da vida. Para melhor dizer, ela é fundamento da vida, é linguagem, e o deixa claro de maneira muito arejada e bem humorada, estabelecendo relações entre a ideia de obra de arte e os elementos supostamente mais díspares.

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31 – Poema publicado pela primeira vez no livro A educação pela pedra (1966). In: NETO, João Cabral de Melo. Obra completa. Org. Marly de Oliveira. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. 32 – Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Artemcâgado, 1972, happening, Recife (PE).

33 – Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Artexpocorponte, 1972, intervenção urbana/ happening, Recife (PE).

34 – Em 1981, Bruscky organiza a Exposição Internacional de Arte em outdoor – Artdoor, Recife (PE).

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IMAGENS DO CAPÍTULO 3: I. Paulo bruscky e Daniel Santiago, Artexpocorponte (vista do centro da cidade com destaque às pontes Duarte Coelho e Boa Vista), 1972. Intervenção urbana (Recife, PE), caderno do artista. Foto: cortesia galeria nara roesler e artista. II. Ponte Duarte Coelho, Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Artexpocorponte, 1972. Intervenção urbana (Recife, PE), caderno do artista. Foto: cortesia galeria nara roesler e artista. III. Ponte da Boa Vista, Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Artexpocorponte, 1972. Intervenção urbana (Recife, PE), caderno do artista. Foto: cortesia galeria nara roesler e artista IV. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Artexpocorponte, 1972. Intervenção urbana (Recife, PE). Foto: leo caldas. Reproduzido em navas, 2012, p. 186. V. Página ao lado: fotogramas da intervenção urbana de Paulo Bruscky, Arte/Pare, 1973. Intervenção urbana (Recife, PE), Disponível em: <https//:www.artsy.com>. Acesso em: 10 mai. 2016.

Nas páginas XXX, da esquerda para a direita, de cima para baixo: Paulo Bruscky, Arte/Pare, 1973. Intervenção urbana (Recife, PE). Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP). Grande Prêmio dos EUA de Fórmula 1, 2012. Disponível em: <http://photoblog.statesman. com/2012-formula-1-united-states-grand-prix-man-that-is-one-loud-race>. Acesso em: 13 jun. 2016. Paulo Bruscky, Arte/Pare, 1973. Intervenção urbana (Recife, PE). Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP). Fronteira da cidade de Melilla, Espanha. Disponível em: <https://www.noticiasaominuto.com/ mundo/159021/imigrantes-entram-em-melilla-depois-de-saltar-fronteira>. Acesso em 13 jun. 2016. Black Friday, EUA, 2014. Disponível em: <http://www.usatoday.com/story/money/ business/2014/11/19/americans-wont-shop-black-friday/19269049/>. Acesso em: 13 jun. 2016. Paulo Bruscky, Arte/Pare, 1973. Intervenção urbana (Recife, PE). Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP).

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Maratona, Noruega, 2013. Disponível em: <https://gallowaymsp.files.wordpress.com/2013/03/atthe-starting-line-of-a-marathon>. Acesso em 13 jun. 2016. Fronteira, Macedônia, 2015. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/mundo/policia-macedonia>. Acesso em: 13 de jun. 2016. Paulo Bruscky, Arte/Pare, 1973. Intervenção urbana (Recife, PE). Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP). Imigração na fronteira entre Hungria e Sérvia. Disponível em: <http://www.folharegiao.com.br/ mundo/pol%C3%ADcia/policia-hungara-lanca-gas-lacrimogeneo-contra-migrantes-na-fronteira>. Acesso em 13 jun. 2016. Paulo Bruscky, Arte/Pare, 1973. Intervenção urbana (Recife, PE). Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP). Linha de chegada da maratona de Boston, 2013. Disponível em: <http://www.bostonmagazine. com/news/blog/2013/04/15/boston-marathon-finish-line/>. Acesso em: 13 jun. 2016.

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QUATRO | sobre tantos Recifes Cartografias

A investigação acerca da poética de Paulo Bruscky sugere a aproximação espaço físico urbano não somente por sua concretude – ou, ainda, como produto de processos econômicos, sociais e tecnológicos –, mas pelo seu aspecto comunicativo, isto é, olhar a cidade como algo que se dá a ler. Hábito, memória, comportamento, personagens, sons, cores... Estes e outros elementos dão a voz à sua singularidade. Como se fala da cidade? O artista trabalha a partir da materialidade que ali está, mas transborda necessariamente outros tantos Recifes narrados por outras figuras que lhe precederam ou com que convive, pertencentes às mais diversas esferas, dentre elas a dos intelectuais e artistas. A relação entre sujeito e o espaço físico passa pela percepção subjetiva, atravessada por uma série de fatores, entre os quais, a concepção histórica ou ainda, a tradição reconhecida como bem comum por um grupo, coletiva. A cultura – e nela, sobretudo, a arte – é um dos campos mais nítidos onde encontros são firmados entre a materialidade do espaço habitado e a subjetividade. Como afirma o professor e pesquisador da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Monclar Valverde,

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I. Gerhard Richter, Atlas (prancha 422: Baysracher Forest), a partir dos anos 1960.

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“podemos dizer que a cultura, entendida como a dimensão simbólica da vida humana, é a condição social de possibilidade, quer do que chamamos a experiência ‘material’ dos indivíduos, quer de suas concepções ‘ideais’”. (VALVERDE, 1992 apud NETO, 1999) É pelo viés da cultura, portanto, que se comunicam a cidade enquanto espaço construído e as representações da cidade que habitam um indivíduo, espaço que ele reconhece – ou não – enquanto possibilidade para sua existência. A cultura lança pontes entre a dimensão material – o que ali está – e a representação ligada à dimensão ideal. É por este viés que se é possível fazer da existência uma experiência. Assim, a experiência de espaço vivida por este indivíduo deve ser atualizada à medida que novas representações se revelam aos sentidos, rompendo a sintaxe conhecida. É possível admitir que o mundo é o que existe fisicamente, independente da existência do indivíduo. Ora, mas se a realidade é reconhecida e nomeada a partir da linguagem, é possível assumir, portanto, o mundo como sendo o que a experiência humana apreende dele, isto é, passa pelo ser humano a construção da realidade. A cidade como espaço físico não se admite, portanto, mais ou menos real que a cidade que vive em cada um, constituída a partir de um incontável número de imagens, memórias e conexões. Ao pensar o homem na Modernidade – frente ao funcionalismo e às mazelas cosmopolitas – Gilberto Freyre se aproxima do tempo de maneira semelhante:

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“Talvez se possa dizer do tempo que não há um tempo só vivido de modo unilinear pelo indivíduo; e sim vários tempos, variamente, contraditoriamente, vividos por ele, um que morre antes do indivíduo; outros que lhe sobrevivem. O mesmo poderá dizer das relações sociedadecultura-tempo”. (FREYRE, 2001, p. 140)35 Somos cotidianamente inundados por uma quantidade imensurável de informações a partir de plataformas-universos que se expandem em progressão geométrica. É bastante provável que uma visão predefinida se imobilizará diante das coisas que não conhece, ou melhor, o olhar condicionado dificilmente saberá como se comportar em situações frente às quais sua sintaxe simplesmente não funciona. Como seria possível enredar as coisas que nos rodeiam e que são aparentemente tão desconexas? A chave parece não estar nas respostas que se têm à mão, mas na capacidade de formular perguntas. Esta habilidade de ligar pontos entre coisas que supostamente não se assemelham de maneira alguma está, portanto, no constate rompimento do olhar acomodado e, desse modo, na expansão de seu léxico. A arte busca incessantemente novas linguagens – novos modos de dizer – e, munida deste arcabouço formal, volta-se para o que não é conhecido, o que não é luz. Ela é fundamento desta postura desassossegada e da capacidade de fazer perguntas. A arte precede, alicerça esta forma de estar no mundo. É isso o que a arte faz.

35 – FREYRE, Gilberto. Além do apenas moderno. Rio de Janeiro: Topbooks, 2001, p.140.

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II. Gerhard Richter, Atlas (prancha 68: experimentos fotogrรกficos), a partir dos anos 1960.

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A imensidão do mundo representado pelas várias linguagens anula qualquer chance de construção de uma narrativa única, ao espelhar uma realidade fragmentada por inúmeras micronarrativas. As tentativas de cartografar ou identificar constelações em meio a um volume imenso de contextos é uma prática reconhecida em diferentes momentos no campo da arte. Um caso bastante conhecido é o Mnemosyne Atlas (1924), do historiador de arte alemão Aby Warburg. Tendo em vista a possibilidade de situar a tradição da iconografia da Antiguidade até o presente – narrando, talvez, uma história da arte sem palavras –, Warburg justapunha uma grande variedade de imagens em painéis que eram continuamente montados e desmontados – 79 ao todo. Entre reproduções de obras artísticas, imagens de edifícios, baixo-relevos antigos, recortes de jornais, moedas, entre outras coisas, Warburg evidenciava que qualquer produção de cultura é um encontro de múltiplos deslocamentos de conceitos e formas. Outros projetos podem ser lembrados, como o Atlas36 (a partir de meados dos anos 1960), de Gerhard Richter ou ainda Le Musée Imaginaire37, publicado pela primeira vez em 1947, por André Malraux. As situações citadas acima têm na produção de um atlas, ou mesmo de uma cartografia ou constelações, um fim em si. Isto é, o produto final das diferentes empreitadas estaria no reconhecimento dos diversos elementos que migram constantemente e de forma não linear, para (re)compor tais panoramas.

36 – Atlas é uma coleção de fotografias, recortes de jornais e esboços que Gerhard Richter (1932-) vem reunindo desde meados dos anos 1960. Relacionando arte e vida, a obra reúne assuntos banais, como um rolo de papel higiênico até imagens do Holocausto. Excedendo uma documentação simples, Atlas é considerada como uma obra de arte independente.

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iii. Aby, Warburg, mnemosyne Atlas (prancha 39), 1924. iV. Aby, Warburg, mnemosyne Atlas (detalhe da prancha 48), 1924.

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V. Eduardo Souto de Moura, arquivo do arquiteto, 2011.

VI. Eduardo Souto de Moura, arquivo do arquiteto, 2011.

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O caminho inverso é identificado na prática do arquiteto português Eduardo Souto de Moura, por exemplo. Através do livro Eduardo Souto de Moura: atlas de parede, imagens de método38, o leitor se aproxima do ateliê onde se desenvolvem os seus projetos e pode recolher fragmentos que dão pistas seu modo de conceber a arquitetura. O livro traz uma série de pequenos elementos reunidos pelo arquiteto em seu cotidiano, objetos de toda sorte, como uma fotografia de uma antiga olaria ou um recorte de jornal com a imagens de imigrantes ilegais na Sicília. Ali aproximados, geram atritos seja pelas analogias visuais criadas, pela sua recorrência ou mesmo por materializarem conceitos latentes que atravessam o pensamento de Souto de Moura, reiterando a transversalidade da cultura na concepção do projeto arquitetônico. Fotografias, pequenos objetos, recortes de revistas e jornais, citações, croquis de sua autoria, plantas e cortes de outros projetos, enfim, uma infinidade de referências que alimentam a prática profissional. Organizadas no suporte, as imagens criam uma narrativa nada linear, ou ainda, vê-se ali uma montagem einsensteiniana. O jogo com a imagem, segundo, o Souto de Moura, se aproxima da arquitetura em si, por questionar os seus próprios limites, sendo simultaneamente um meio, um veículo e um fim. É passível de deslocamento e, mesmo que vinculada à sua origem, é apropriável pelo contexto em que se insere.

37 - Le Musée Imaginaire (1947-1951) é uma obra do escritor francês A. Malraux (1901-1976), sobre relação entre o museu como espaço institucional e o imaginário. O autor investiga o museu como espaço de produção de sentidos e de imagens que dialogam com o espectador, pensando o olhar e a função social da arte.

38 – LOPES, Diogo Seixas, URSPRUNG, Philip, BANDEIRA, Pedro. Eduardo Souto de Moura: atlas de parede, imagem e método. Porto: Editora Dafne, 2011.

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No texto Amarcord. Analogia e Arquitetura, presente no livro sobre o arquiteto português, o autor Diogo Seixas Lopes coloca: “A recordação do passado projecta (sic) uma longa sombra, indissociável do presente. Esta herança, dispersa em estilhaços, compromete qualquer narrativa linear dos acontecimentos. Assim, sem ingenuidades, é preciso entrar nos labirintos da memória e procurar uma saída”. (LOPES, 2011, p. 135) Seja qual for o caminho a ser seguido, fica evidente em algum ponto dos processos a existência de uma construção de hipóteses, à medida que são feitas aproximações às formas – e pode-se pensar a aproximação como uma trilha percorrida de um ponto a outro, tendo a subjetividade no ponto de partida. Nenhuma suposição é óbvia, pois o que interessa é o modo de olhar presente neste acercamento e, portanto, o que estaria entre as coisas aproximadas. Em outras palavras, interessa na coisa o que não é a coisa. Interessa o que está entre a imagem dos vasos abandonados na olaria e a maneira como se acomodam os refugiados – amontoados – para descansar. O exercício proposto neste ensaio encontra-se, talvez, entre os caminhos percorridos por Warburg e Souto de Moura. Enquanto o primeiro destrincha a História da Arte para supor estruturas entre linguagens, abrindo cada vez mais o leque de narrativas, o atlas que preenche as paredes de Souto de Moura compõe – forçando um pouco – uma metodologia pouco científica39 de projeto, tendo como síntese a obra arquitetônica. Aqui, no entanto, pretende-se a construção de hipóteses acerca da postura de Paulo Bruscky sobre o Recife. Ao mesmo tempo que o exercício tem como linha de largada o olhar brusckyano, ele se volta para este mesmo olhar, supondo conexões entre passado, presente e memória, ao passo que também sugere

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novas narrativas, desviando-se totalmente da noção de tempo linear. Assim, a montagem é construída pela aproximação das linguagens dos artistas e por meio do choque entre obras a princípio desconexas. Tensionando cada vez mais o arco envergado pela distância entre elas, a proposta a seguir pensa o discurso artístico enquanto forma. Como exposto anteriormente neste ensaio, a pesquisa é uma prática inerente ao modo de Paulo Bruscky pensar o trabalho. Filho do fotógrafo russo Eufemius Bruscky e de Graziela Barbosa Bruscky, uma das primeiras deputadas mulheres do Nordeste, já no ambiente familiar era possível contemplar os pontos de contato entre arte, vida e política. A dissolução das fronteiras entre estas três esferas, ao materializar-se no espaço, faz da cidade um agente vivo no trabalho de arte, por refletir tantas representações de si própria e abrigar tantas outras percepções sensíveis de seu espaço físico.

39 – Termo que faz referência ao texto Uma autobiografia pouco científica, escrito por Eduardo Souto de Moura, presente no livro Eduardo Souto de Moura: atlas de parede, imagens de método.

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Para a viabilização deste trabalho, tornou-se necessário delimitar um número restrito de artistas e intelectuais presentes na cena cultural pernambucana a partir do começo do século XX. Contextualizados no panorama exposto no primeiro capítulo, aparecem aqui Ariano Suassuna, Vicente do Rego Monteiro, Cícero Dias, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Capiba, Daniel Santiago – este último aparece enquanto membro da Equipe Bruscky & Santiago – e, obviamente, Paulo Bruscky. Além disso, o exercício traz fotografias da cidade do Recife registradas ao longo do século passado, pelos fotógrafos Alcir Lacerda (1927-2012), Eduardo Simões (1956-), Marcel Gautherot (1910-1996), Fancisco du Bocage (entre os séculos XIX e XX, datas desconhecidas) e Peter Scheier (1908-1979). É na pressuposição de uma entropia inerente a uma hipótese que se estabelecem tensões, deslocamentos e analogias. Interessa, aqui, a confecção de uma cartografia que permita o trânsito entre essas dinâmicas, a transferência de escalas, de lugares e de tempos. Em seu texto de apresentação da exposição Atlas – Como levar o mundo nas costas?40, o filósofo e crítico de arte Georges Didi-Huberman conclui:

40 – Exposição realizada em 2010 no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madri, Espanha.

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“É, pois, o próprio tempo que se torna visível na montagem de imagens. Cabe a cada um — artista ou sábio, pensador ou poeta — converter tal visibilidade na potência de ver os tempos: um recurso para observar a história, para poder manejar a arqueologia e a crítica política, ‘desmontando-a’ para imaginar modelos alternativos”. (DIDI-HUBERMAN, 2010) Dessa forma, propõe-se a composição de um panorama dos olhares sobre a cidade do Recife através da obra de Paulo Bruscky, um artista que declara que a arte está antes de tudo na maneira de enxergar o mundo. Mais que reconhecer afinidades ou contextualizar os trabalhos, pretende-se levantar hipóteses a partir da aproximação das diversas linguagens – modos de falar –, de maneira que estimulem o leitor através por seus aspectos formais, pela semelhança ou pela diferença. Afinal, como afirma o filósofo italiano Antônio Negri, “a arte não é mais conclusão – ao contrário, é suposição”. As páginas a seguir recusam a existência de uma narrativa única e linear na vida e traçam um olhar desassossegado sobre a capital pernambucana.

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IMAGENS DO CAPÍTULO 4: I. Gerhard Richter, Atlas (prancha 422: Baysracher Forest), a partir dos anos 1960. Disponível em: <https://artblart.com/category/gerhard-richter/>. Acesso em: 11 jun. 2016. II. Gerhard Richter, Atlas (prancha 68: experimentos fotográficos), a partir dos anos 1960. Disponível em: <https://artblart.com/category/gerhard-richter/>. Acesso em: 11 jun. 2016. III. Aby, Warburg, Mnemosyne Atlas (prancha 39), 1924. IV. Aby, Warburg, Mnemosyne Atlas (detalhe da prancha 48), 1924. V. Recortes encontrados no ateliê do arquiteto Souto de Moura. In: LOPES, Diogo Seixas, URSPRUNG, Philip, BANDEIRA, Pedro. Eduardo Souto de Moura: atlas de parede, imagem e método. Porto: Editora Dafne, 2011. VI. Recortes encontrados no ateliê do arquiteto Souto de Moura. In: LOPES, Diogo Seixas, URSPRUNG, Philip, BANDEIRA, Pedro. Eduardo Souto de Moura: atlas de parede, imagem e método. Porto: Editora Dafne, 2011.

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QUATRO |

os tantos Recifes

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Duas tôrres iguais de Santo-Antônio São as “pedras do Reino”, as Encantadas, Incrustradas de prata e diamantes, ungidas pelo Sangue e consagradas: tôrres da Catedral dos sertanejos, proibida, luzente e soterrada. 1

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Ariano Suassuna, Canto Armorial ao Recife, capital do Reino do Nordeste, s. d.


2

Daniel Santiago e Paulo Bruscky, Limpos e Desinfetados, 1984.

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Marcel Gautherot, Sem tĂ­tulo, c. 1944. Caboclos lanceiros, festa popular.


4

Vicente do Rego Monteiro, As religiosas, 1969.

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Francisco du Bocage, Sem título, c. 1910. Novo cais e armazém.


6

Sem título, c. 1910. Avenida Marquês de Olinda e Rio Branco.

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Sabia dos caranguejos de lodo e ferrugem. Sabia da lama como de uma mucosa. Devia saber dos polvos. Sabia seguramente da mulher febril que habita as ostras. Aquele rio jamais se abre aos peixes, ao brilho, à inquietação de faca que há nos peixes. Jamais se abre em peixes. 7

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João Cabral de Melo Neto, O cão sem plumas, 1950.


8

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Paulo Bruscky, Enterro Aquรกtico i, 1972.

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Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Exponรกutica/Expogente, 1970.


Nas ondas da praia Nas ondas do mar Quero ser feliz Quero me afogar. Nas ondas da praia Quem vem me beijar? Quero a estrela-d'alva Rainha do mar. Quero ser feliz Nas ondas do mar Quero esquecer tudo Quero descansar. 11

Manuel Bandeira, Cantiga, 1936.

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Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Exponรกutica/Expogente, 1970.


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CĂ­cero Dias, Mulher na sacada, s. d., e O sonho da prostituta, c. 1930.

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CĂ­cero Dias, A colheita, s. d.


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Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Exponรกutica/Expogente, 1970.

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Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Exponรกutica/Expogente, 1970.


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Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Exponรกutica/Expogente, 1970.

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Paulo Bruscky, Uma tarde no bar da esquina, 1981.

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Lá vem a frota-ibérica das Naus: Brancas velas, tosões, cruzes, bandeiras! São Cavalos-marinhos, Bois-azuis, Hipocampos-vermelhos de madeira Ferrados com a Cruz-de-Leopardo, Do Cachorro-de-Deus-e-da-Roseira! Vem nelas o assassino, o Mau-poeta, O Fidalgo-judeu blasfemador: Canta o Leão e as quinas-da-nobreza, Os castelos e o preço do Senhor, Voz dos autos, das trovas e sonetos Que, para nós, é o Sol-começador! 22

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Ariano Suassuna, Canto Armorial ao Recife, capital do Reino do Nordeste, s. d.


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Alcir Lacerda, Sem título, 1964. Procissão no rio Capiberibe em homenagem a São Pedro.

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Marcel Gautherot, Sem título, c.1955. Rio Capibaribe, estivadores, barcos. E Sem título, c. 1955. Recife, Rio Capibaribe, estivadores, Ponte Santa Isabel e Assembléia Legislativa de Pernambuco.


26

Vicente do Rego Monteiro, Poema 100% Nacional, 1941.

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27

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Paulo Bruscky, Pelos nossos desaparecidos, 1985.


Cadê "Toureiros"? Cadê "Bola de Ouro"? As "pás", os "lenhadores" O "Bloco Batutas de São José"? Quero sentir A embriaguez do frevo Que entra na cabeça Depois toma o corpo E acaba no pé 28

Capiba, Voltei, Recife, s. d.

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Vicente do Rego Monteiro, Pietรก, 1924.


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Paulo Bruscky, Arte cemiterial, 1971.

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Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu 34

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Manuel Bandeira, Evocação ao Recife, 1925.


35

CĂ­cero Dias, Cortejo, c. 1930.

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Batuqueiro que baque é esse? É o baque de nossa alteza E não há mais que outro baque Ó senhor mas é só tristeza Cadê Leão Coroado Cadê Cambinda Brilhante Cadê Cruzeiro do Forte Maracatu Elefante 36

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Capiba, Verde mar a navegar, 1967.


37

Marcel Gautherot, Sem tĂ­tulo, 1949. Carnaval.

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Marcel Gautherot, Sem tĂ­tulo, 1957. Carnaval.


39

Peter Scheier, Sem tĂ­tulo,1950. Desfile de bloco de carnaval.

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Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Artexpocorponte, 1972.


42

Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Artexpocorponte, 1972.

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Rua da União... Como eram lindos os montes das ruas da minha infância Rua do Sol (Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal) Atrás de casa ficava a Rua da Saudade... ...onde se ia fumar escondido Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora... ...onde se ia pescar escondido Capiberibe - Capibaribe 43

164

Manuel Bandeira, Evocação ao Recife, 1925.


44

Paulo Bruscky, ARTE PAISAGEM: SAUDADE não é apenas um bairro em Belo Horizonte, é uma proposta, um sentimento, é arte (da série Arte Classificada), 2009.

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Minha ciranda não é minha só É de todos nós, é de todos nós A melodia principal quem dirá É a primeira voz, é a primeira voz Pra se dançar ciranda juntamos mão com mão formando uma roda cantando uma canção. 45

166

Capiba, Minha ciranda, s. d.


46

Paulo Bruscky, Intervenções urbanas/ exercício para a cidade No. 1 - Silhuetas, 1980.

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Paulo Bruscky, Inserções em jornais, (1984-2008).


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Paulo Bruscky, Inserções em jornais, (1984-2008).

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Do mar podeis extrair, do mar deste litoral, um fio de luz precisa, matemática ou metal. Na cidade propriamente velhos sobrados esguios apertam ombros calcários de cada lado de um rio. Com os sobrados podeis aprender lição madura: um certo equilíbrio leve, na escrita, da arquitetura. 53

João Cabral de Melo Neto, Pregão turístico do Recife, 1956.

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Recife Não a Veneza americana Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais Não o Recife dos Mascates Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois - Recife das revoluções libertárias Mas o Recife sem história nem literatura Recife sem mais nada 54

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Manuel Bandeira, Evocação ao Recife, 1925. Paulo Bruscky, Poesia visual em outdoor, 1998.


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Paulo Bruscky, Poesia visual em outdoor, 1998.

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Cícero Dias, Composição II, 1951.


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Paulo Bruscky, Partituras, 1982.

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A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem Terras que não sabia onde ficavam Recife... Rua da União... A casa de meu avô... Nunca pensei que ela acabasse! Tudo lá parecia impregnado de eternidade Recife... Meu avô morto. Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro como a casa de meu avô. 63

176

Manuel Bandeira, Evocação ao Recife, 1925.


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Paulo Bruscky, Vervendo, 1996.

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Paulo Bruscky, Vervendo, 1996.


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Vicente do Rego Monteiro, Tête de massacre [Cabeça de massacre], s. d.

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A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros Vinha da boca do povo na língua errada do povo Língua certa do povo 67

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Manuel Bandeira, Evocação ao Recife, 1925.


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Paulo Bruscky, Poesia Viva, 1998.

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As nadadoras, Vicente do Rego Monteiro, 1924.


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Recife/Cheia, Paulo Bruscky, 1977. Eduardo SimĂľes, Sem tĂ­tulo, c. 1996. Homens apanhando caranguejos no mangue.

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Cícero Dias, Eu vi o mundo... Ele começava no Recife (detalhe), 1926-1929.


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Equipe Bruscky & Santiago, A estética do camelô, 1982.


Sim! Porque na Colina-consagrada onde o leão do Coelho pôs a pata (Ouro-Velho, Ouro-Preto, Pombo-Verde do Salvador, das águas e das arcas) se funde todo o Império do Brasil, o ouro das Minas e o torçal-de-prata. Por isso aqui, brilham também, fundidos, o clarim do Sertão e o dos Engenhos, a Lua-moura, a Estrela-da-Judéia, a Onça-negra, a Parda, o rubro Lenho, - a corneta das quinas e padrões encravados de estrelas e desenhos. 75

Ariano Suassuna, Canto Armorial ao Recife, capital do Reino do Nordeste, s. d.

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Paulo Bruscky, Moradia x ilusĂŁo, 1986-1987.


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Paulo Bruscky, Moradia x ilusĂŁo, 1986-1987.

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Paulo Bruscky, Moradia x ilusĂŁo, 1986-1987.


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Paulo Bruscky, Postes da Rua do Futuro (Da Série Postes), 1978.


Saí menino de minha terra. Passei trinta anos longe dela. De vez em quando me diziam: Sua terra está completamente mudada, Tem avenidas, arranha-céus... É hoje uma bonita cidade! Meu coração ficava pequenino. Revi afinal o meu Recife. Está de fato completamente mudado. Tem avenidas, arranha-céus. É hoje uma cidade bonita. Diabo leve quem pôs bonita a minha terra! 82

Manuel Bandeira, Minha terra, 1948.

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Marcel Gautherot, Sem título, c. 1955. Recife, Igreja São Pedro dos Clérigos. Marcel Gautherot, Sem título, c. 1955. Recife, Rua do Fogo e Igreja de São Pedro dos Clérigos.


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Alcir Lacerda, Sem título, 1973. Abertura da Av. Dantas Barreto, Igreja dos Martírios ainda existia. Alcir Lacerda, Sem título, 1973. Abertura da Av. Dantas Barreto.

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Alcir Lacerda, Ondas III, 1983.

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Primeiro, o mar devolve o rio. Fecha o mar ao rio seus brancos lençóis. O mar se fecha a tudo o que no rio são flores de terra, imagem de cão ou mendigo. 88

198

João Cabral de Melo Neto, O cão sem plumas, 1950.


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Paulo Bruscky, A arte nĂŁo pode ser presa (atitude do artista), 1978.

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Depois, o mar invade o rio. Quer o mar destruir no rio suas flores de terra inchada, tudo o que nessa terra pode crescer e explodir, como uma ilha, uma fruta. 90

200

JoĂŁo Cabral de Melo Neto, O cĂŁo sem plumas, 1950.


91

Paulo Bruscky, A arte nĂŁo pode ser presa (atitude do museu), 1978.

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Na paisagem do rio difícil é saber onde começa o rio; onde a lama começa do rio; onde a terra começa da lama; onde o homem, onde a pele começa da lama; onde começa o homem naquele homem. 92

202

João Cabral de Melo Neto, O cão sem plumas, 1950.


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Paulo Bruscky, Fungo, 1988.

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Alcir Lacerda, Sem tĂ­tulo, c. 1980. Escadaria no bairro de Casa Amarela, Recife.


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Paulo Bruscky, Via Crucis, 1979.

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Paulo Bruscky, Totem, 1993.


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Paulo Bruscky, Burocracia, 1976.

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Paulo Bruscky, Amsterdรฃ erรณtica, 1982.


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Avenida MarquĂŞs de Olinda e Rio Branco, c. 1910.

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Sem tĂ­tulo, c. 1910. Ponte Sete de Setembro.


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Paulo Bruscky, Passaporte, 2006.


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Sem tĂ­tulo, s. d. Ponte da Boa Vista.

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Marcel Gautherot, Sem tĂ­tulo, c. 1955. Recife, Rio Capibaribe e pontes.

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Paulo Bruscky, Arte/Pare, 1973.


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Paulo Bruscky, Arte/Pare, 1973.

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Marcel Gautherot, Sem tĂ­tulo, c. 1955. Recife, Rio Capibaribe e Ponte Duarte Coelho.


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Paulo Bruscky e Daniel Santiago, EdifĂ­cio/Escultura de Natal, 1987.

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Paulo Bruscky e Daniel Santiago, EdifĂ­cio/Escultura de Natal, 1987.


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Marcel Gautherot, Sem tĂ­tulo, c. 1953. Carnaval.

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Os artistas*.


O Recife da poesia sonora dos sapos franceses: [ui, ui, ui, ui...; O Recife dos ventos uivantes; O Recife das Ar tes e dos Ar tistas; O Recife Da artdoor, transformando a cidade numa grande [galeria a céu aberto; O Recife do baixo meretrício com a boate Chantecler servindo [de galeria e eu na prisão; O Recife da pintura a óleo comestível; O Recife da Geo/rádio/grafia: como parte e sendo a [minha própria obra: poetiCidade; O Recife do poema/processo ao visual da Poazia; O Recife das minhas presepadas trazidas da infância [para o ser infante; O Recife dos mo(vi)mentos liberta/dores; O Recife das aspirinas de João Cabral de Melo Neto; O Recife das assombrações de Gilberto Freyre; O Recife das fantasias tropicalistas de Manoel [Bandeira para o carnaval de 1938; O Recife do modernismo de Ascenso Ferreira e [Benedito Monteiro; O Recife do multiartista Vicente do Rego Monteiro; O Recife das entre/vistas de todos e do Nadaísmo; O Recife da cheia, da des/graça (do bairro aos [telegramas glub, glub, glub e obras de lama); O Recife dos mercados (de arte) públicos por bairros; Paulo Bruscky, AR-RECIFES de Poesia de PBY (O Recife em Prova e Prosa) - Roteiro I, 2008.

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O Recife das Personas sem sentido; O Recife de Campo Grande ao Sossego, via Boa Vista, [Graças e Oh, linda cidade; O Recife do buraco de Otília, com de tudo um pouco e [outros bares e lupanares: Venda do Seu João, [Leiteria, Gregório, Tita, Bragantino, Espanhol, [Samburá, Tepan, Gambrinos, Mangueirão, [Chantecler, entre outros Eus; O Recife da Palarva e da Palavra; O Recife da Poesia Viva e da Arte Cemiterial; O Recife da Lógica x Acaso; O Recife para Credelever; O Recife do Arte/Pare e de Silhuetas; O Recife do Humo(i)ronia; O Recife da Cotidiarte; O Recife da Arte em Trânsito e em Todos os Sentidos; O Recife em Recife: respirando o Recife, a primeira [lembrança é arte; O Recife: hoje a arte é este comunicado. 127

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Paulo Bruscky, AR-RECIFES de Poesia de PBY (O Recife em Prova e Prosa) - Roteiro I, 2008.


*Francisco Du Bocage: nao foi encontrado registro fotogrรกfico do artista.

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lista de obras 1. SUASSUNA, Ariano. Canto Armorial ao Recife, capital do Reino do Nordeste. In: COUTINHO, Edilberto. Presença Poética do Recife: crítica e antologia poética. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1977. p. 59-66. Ver ANEXO 1. 2. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Limpos e desinfetados, 1987, offset ed. 2 exemplares, 12 x 16 cm. Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP). 3. Marcel Gautherot, Sem título, c. 1944. Caboclos lanceiros, festa popular, Recife-PE. Negativo flexível/ Diacetato. i: 6 x 6cm. Gelatina/ Prata. P&B. Cortesia: Acervo Instituto Moreira Salles. 4. Vicente do Rego Monteiro, As Religiosas, 1969, óleo sobre tela, óleo sobre hardboard, c.s.e., 68.00 x 79.10 cm. Reprod. fot. Romulo Fialdini. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Disponível em: <http://bit.ly/28kKRfQ>. Acesso: 07 jun. 2016. 5. Francisco du Bocage, Sem título, c. 1910. Novo cais e armazém, Recife-PE, P&B. Cortesia: Acervo Instituto Moreira Salles. 6. Sem título, c. 1910. Avenida Marquês de Olinda e Rio Branco, Recife - PE. P&B. Cortesia: Acervo Instituto Moreira Salles. 7. NETO, João Cabral de Melo. O cão sem plumas, 1950. In: OLIVEIRA, M. de. João Cabral de Melo Neto - Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. 8. Paulo Bruscky, Enterro Aquático I, 1972. Intervenção urbana (Recife, PE). Foto: Leo Caldas. Reproduzido em NAVAS, 2012, pp. 188-189. 9. Paulo Bruscky, Enterro Aquático I, 1972. Intervenção urbana (Recife, PE). Foto: Leo Caldas. Reproduzido em NAVAS, 2012, pp. 188-189. 10. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Exponáutica/Expogente, 1970. Intervenção urbana (praia de Boa Viagem, Recife, PE). Foto: Paulo Bruscky. Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP). 11. BANDEIRA, Manuel. Cantiga, 1936. In: Estrela da Manhã. (3a. ed.) São Paulo: Global, 2012. 96 p. VER ANEXO 7. 12. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Exponáutica/Expogente, 1970. Intervenção urbana (praia de Boa Viagem, Recife, PE). Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP).

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13. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Exponáutica/Expogente, 1970. Intervenção urbana (praia de Boa Viagem, Recife, PE). Foto: Paulo Bruscky. Reproduzido em NAVAS, 2012, p.43. 14. Cícero Dias, Mulher na sacada, s. d., serigrafia, 55 x 75 cm. Disponível em: <http://bit. ly/25M5CCu>. Acesso em: 14 mai. 2016. 15. Cícero Dias, O Sonho da Prostituta, 1930, aquarela e nanquim sobre papel, 56.50 x 51.50 cm. Coleção Gilberto Chateaubriand (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro). Disponível em: <http://bit.ly/1XEEXDa>. Acesso em: 13 mar. 2016. 16. Cícero Dias, A colheita, s. d., óleo sobre tela. Disponível em: <http://bit.ly/1RXbYBB>. Acesso em: 25 mai. 2016. 17. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Exponáutica/Expogente, 1970. Intervenção urbana (praia de Boa Viagem, Recife, PE). Foto: Paulo Bruscky. Reproduzido em NAVAS, 2012, p.43. 18. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Exponáutica/Expogente, 1970. Intervenção urbana (praia de Boa Viagem, Recife, PE). Foto: Paulo Bruscky. Reproduzido em NAVAS, 2012, p.43. 19. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Exponáutica/Expogente, 1970. Intervenção urbana (praia de Boa Viagem, Recife, PE). Foto: Paulo Bruscky. Reproduzido em NAVAS, 2012, p.43. 20. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Exponáutica/Expogente, 1970. Intervenção urbana (praia de Boa Viagem, Recife, PE). Foto: Paulo Bruscky. Reproduzido em NAVAS, 2012, p.43. 21. Paulo Bruscky, Uma tarde no bar da esquina (Montevidéu, Uruguai), 1981. Super8. Fotografia e livro de artista. Reproduzido em NAVAS, 2012, p. 184. 22. SUASSUNA, Ariano. Canto Armorial ao Recife, capital do Reino do Nordeste. In: COUTINHO, Edilberto. Presença Poética do Recife: crítica e antologia poética. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1977. p. 59-66. VER ANEXO 1. 23. Alcir Lacerda, Sem título, 1964. Procissão de jangadas no rio Capiberiibe em homenagem a São Pedro, Recife-PE. P&B. Disponível em: <http://glo.bo/YG7ryh>. Acesso em: 05 jun. 2016. 24. Marcel Gautherot, Sem título, c. 1955. Recife, Rio Capibaribe, estivadores, barcos, Recife-PE. Negativo flexível/ Diacetato. i: 6 x 6 cm. Gelatina/ Prata. P&B. Cortesia: Acervo Instituto Moreira Salles.

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25. Marcel Gautherot, Sem título, c. 1955. Recife, Rio Capibaribe, estivadores, ao fundo a Ponte Santa Isabel e a cúpula da Assembléia Legislativa de Pernambuco, Recife-PE. Negativo flexível/ Diacetato. i: 6 x 6cm. Gelatina/ Prata. p&b. Cortesia: Acervo Instituto Moreira Salles. 26. Vicente do Rego Monteiro, Poema 100% Nacional, 1941. Poesia visual. 27. Paulo Bruscky, Pelos nossos desaparecidos, 1985, Outdoor. Foto: Leo Caldas. Reproduzido em NAVAS, 2012, p. 216. 28. Capiba, Voltei, Recife, s. d. VER ANEXO 4. 29. Vicente do Rego Monteiro, Pietá, 1924, óleo sobre tela, 80 x 90 cm. Coleção Gilberto Chateaubriand (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro). Reprod. fot. Zé de Boni. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. Disponível em: <http://bit. ly/28kKRfQ>. Acesso: 07 jun. 2016. 30. Paulo Bruscky, Arte cemiterial, 1971. Exposição/happening/instalação (Recife, PE). Foto: Leonhard Frank Duch. Reproduzido em NAVAS, 2012, pp. 38-41. 31. Paulo Bruscky, Arte cemiterial, 1971. Exposição/happening/instalação (Recife, PE). Foto: Leonhard Frank Duch. Reproduzido em NAVAS, 2012, pp. 38-41. 32. Paulo Bruscky, Arte cemiterial, 1971. Exposição/happening/instalação (Recife, PE). Foto: Leonhard Frank Duch. Reproduzido em NAVAS, 2012, pp. 38-41. 33. Paulo Bruscky, Arte cemiterial, 1971. Exposição/happening/instalação (Recife, PE). Foto: Leonhard Frank Duch. Reproduzido em NAVAS, 2012, pp. 38-41. 34. BANDEIRA, Manuel. Evocação ao Recife, 1925. In: BANDEIRA, Manuel. Libertinagem. (2a ed.). São Paulo: Global. VER ANEXO 8. 35. Cícero Dias, Cortejo, 1930, nanquim e aquarela s/ papel, 47 x 30 cm. Coleção: Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. Disponível em: <http://bit. ly/2181LIY>. Acesso em: 01 jun. 2016. 36. Capiba, Verde mar a navegar, 1967. VER ANEXO 3. 37. Marcel Gautherot, Sem título, 1949. Carnaval, Recife-PE. Negativo flexível/ Diacetato. i: 6 x 6cm. Gelatina/ Prata. P&B. Cortesia: Acervo Instituto Moreira Salles.

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38. Marcel Gautherot, Sem título, 1957. Carnaval, Recife - PE. Negativo flexível/ Diacetato. i: 6 x 6cm. Gelatina/ Prata. P&B. Cortesia: Acervo Instituto Moreira Salles. 39. Peter Scheier, Sem título, 1950. Desfile de bloco de carnaval, Recife-PE. Negativo flexível. Gelatina/ Prata. P&B. Cortesia: Acervo Instituto Moreira Salles. 40. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Artexpocorponte, 1972. Intervenção urbana (Recife, PE). Foto: Leo Caldas. Reproduzido em NAVAS, 2012, pp. 186-187. 41. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Artexpocorponte, 1972. Intervenção urbana (Recife, PE). Foto: Leo Caldas. Reproduzido em NAVAS, 2012, pp. 186-187. 42. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Artexpocorponte, 1972. Intervenção urbana (Recife, PE). Foto: Leo Caldas. Reproduzido em NAVAS, 2012, pp. 186-187. 43. BANDEIRA, Manuel. Evocação ao Recife, 1925. In: BANDEIRA, Manuel. Libertinagem. (2a ed.). São Paulo: Global, ano. 128 p. VER ANEXO 8. 44. Paulo Bruscky, ARTE PAISAGEM: SAUDADE não é apenas um bairro em Belo Horizonte, é uma proposta, um sentimento, é arte (publicado no jornal Estado de Minas - Belo Horizonte, MG), 2009. Da série: Arteclassificada. Jornal. Texto em jornal. Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP). 45. Capiba, Minha Ciranda, s. d. VER ANEXO 2. 46. Paulo Bruscky, Intervenções urbanas - exercícios para cidade No. 1: Silhuetas, 1980. Reproduzido em FREIRE, 2006. 47. Paulo Bruscky, Proposta de arte paisagem (publicado no Jornal do Commercio Recife, PE), 28/08/2008. Da série: Arteclassificada. Jornal. Texto em jornal. Reproduzido em NAVAS, 2012, p. 78. 48. Paulo Bruscky, Eletroencefalógrafo musicado (publica no Jornal do Commercio Recife, PE), 31/08.1986. Da série: Arteclassificada. Jornal. Texto em jornal. Reproduzido em NAVAS, 2012, p. 81. 49. Paulo Bruscky, II Confederação do Equador (publicado no Jornal do Commercio Recife, PE), 16/04/1989. Da série: Arteclassificada. Jornal. Texto em jornal. Reproduzido em NAVAS, 2012, p. 77.

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50. Paulo Bruscky, Vervendo (publicado no Diário de Pernambuco - Recife, PE), 22/10/2008. Da série: Arteclassificada. Jornal. Texto em jornal. Reproduzido em NAVAS, 2012, p. 81. 51. Paulo Bruscky, Disco Antropofágico (publicado no Jornal de Anúncios - Recife, PE - ano 1, No. 11), 1984. Da série: Arteclassificada. Jornal. Texto em jornal. Reproduzido em NAVAS, 2012, p. 77. 52. Paulo Bruscky, Pintura bifocal (publicado no Jornal de Anúncios - Recife, PE), 1984. Da série: Arteclassificada. Jornal. Texto em jornal. Reproduzido em NAVAS, 2012, p. 78. 53. NETO, João Cabral de Melo. Pregão turístico do Recife. In: Duas águas - poemas reunidos. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1956, p.27-28. VER ANEXO 6. 54. BANDEIRA, Manuel. Evocação ao Recife, 1925. In: BANDEIRA, Manuel. Libertinagem. (2a ed.). São Paulo: Global, ano. 128 p. VER ANEXO 8. 55. Paulo Bruscky, Poesia visual em Outdoor (1998). Intervenção em Outdoors (Recife, PE). Foto: Leo Caldas. Reproduzido em NAVAS, 2012, flap. 56. Paulo Bruscky, Poesia visual em Outdoor (1998). Intervenção em Outdoors (Recife, PE). Foto: Leo Caldas. Reproduzido em NAVAS, 2012, flap. 57. Paulo Bruscky, Poesia visual em Outdoor (1998). Intervenção em Outdoors (Recife, PE). Foto: Leo Caldas. Reproduzido em NAVAS, 2012, flap. 58. Cícero Dias, Composição II, 1951, óleo sobre tela, 116 x 73 cm. Disponível em: <http://bit.ly/1UB0N3i>. Acesso em: 08 jun. 2016. 59. Paulo Bruscky, Partituras, 1982. Série fotográfica. Reproduzido em FREIRE, 2006, pp. 104-105. 60. Paulo Bruscky, Partituras, 1982. Série fotográfica. Reproduzido em FREIRE, 2006, pp. 104-105. 61. Paulo Bruscky, Partituras, 1982. Série fotográfica. Reproduzido em FREIRE, 2006, pp. 104-105. 62. Paulo Bruscky, Partituras, 1982. Série fotográfica. Reproduzido em FREIRE, 2006, pp. 104-105.

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63. BANDEIRA, Manuel. Evocação ao Recife, 1925. In: BANDEIRA, Manuel. Libertinagem. (2a ed.). São Paulo: Global, ano. 128 p. VER ANEXO 8. 64. Paulo Bruscky, Vervendo, 1996. Série Fotográfica. Reproduzido em FREIRE, 2006, pp. 82-85. 65. Paulo Bruscky, Vervendo, 1996. Série Fotográfica. Reproduzido em FREIRE, 2006, pp. 82-85. 66. Vicente do Rego Monteiro, Tête de massacre (cabeça de massacre), giz de cera e tinta hidrocor sobre papel colado sobre papel, 31,9 x 23,8 cm. Acervo Pinacoteca do Estado de São Paulo. Disponível em: <http://bit.ly/1OdvDml>. Acesso em: 10 mai. 2016. 67. BANDEIRA, Manuel. Evocação ao Recife, 1925. In: BANDEIRA, Manuel. Libertinagem. (2a ed.). São Paulo: Global. 128 p. VER ANEXO 8. 68. Paulo Bruscky e Unhandeijara de Carvalho Lisboa, Poesia Viva, 1977. Happening. Foto: Ângelo José. Reproduzido em NAVAS, 2012, pp. 30-31. 69. Paulo Bruscky e Unhandeijara de Carvalho Lisboa, Poesia Viva, 1977. Happening. Foto: Ângelo José. Reproduzido em NAVAS, 2012, pp. 30-31. 70. Vicente do Rego Monteiro, As nadadoras, 1924, óleo sobre tela, 80 x90 cm. Coleção Gilberto Chateaubriand (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro). Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural. Disponível em: <http://bit.ly/28kKRfQ>. Acesso: 07 jun. 2016. 71. Paulo Bruscky, Recife/Cheia, 1977. Intervenção urbana (Recife, PE). Foto: Francisco Lapenda. Reproduzido em NAVAS, 2012, p. 252. 72. Eduardo Simões, Sem título, c. 1996. Homens pegando caranguejos no mangue, s. l. In: Cadernos da literatura brasileira - João Cabral de Melo Neto. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1996. 73. Cícero Dias, Eu vi o mundo… Ele começava no Recife, 1926, guache e técnica mista sobre papel, colado em tela, 198 x 1200 cm. Col. particular. Reproduzido em Herkenhoff; Diniz, (2012, p. 16-17). 74. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Estética do camelô, 1982, Super8, 5'51''. Fotogramas. Reproduzido em: Freire, 2006, pp.76-77.

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75. SUASSUNA, Ariano. Canto Armorial ao Recife, capital do Reino do Nordeste. In: COUTINHO, Edilberto. Presença Poética do Recife: crítica e antologia poética. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1977. p. 59-66. VER ANEXO 1. 76. Paulo Bruscky, Moradia x ilusão, 1986-87, livro de artista, 12,5 x 18,5 cm. Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP). 77. Paulo Bruscky, Moradia x ilusão, 1986-87, livro de artista, 12,5 x 18,5 cm. Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP). 78. Paulo Bruscky, Moradia x ilusão, 1986-87, livro de artista, 12,5 x 18,5 cm. Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP). 79. Paulo Bruscky, Série Postes: Rua do Futuro, 1978. Livro de artista. Fonte: FREIRE, 2006, p. 27. 80. Paulo Bruscky, Série Postes: Rua do Futuro, 1978. Livro de artista. Fonte: FREIRE, 2006, p. 27. 81. Paulo Bruscky, Série Postes: Rua do Futuro, 1978. Livro de artista. Fonte: FREIRE, 2006, p. 27. 82. BANDEIRA, Manuel. Minha terra, 1948. In: Belo belo. São Paulo: Global, 2014. VER ANEXO 9. 83. Marcel Gautherot, Sem título, c. 1955. Recife, Igreja São Pedro dos Clérigos, RecifePE. Negativo flexível/ Diacetato. i: 6 x 6cm. Gelatina/ Prata. P&B. Cortesia: Acervo Instituto Moreira Salles. 84. Marcel Gautherot, Sem título, c. 1955. Recife, Rua do Fogo, ao fundo Igreja de São Pedro dos Clérigos, Recife-PE. Negativo flexível/ Diacetato. i: 6 x 6cm. Gelatina/ Prata. P&B. Cortesia: Acervo Instituto Moreira Salles. 85. Alcir Lacerda, Sem título, 1973. Abertura da Av. Dantas Barreto, Igreja dos Martírios ainda existia, Recife-PE. P&B. Disponível em: <http://glo.bo/YG7ryh>. Acesso em: 05 jun. 2016. 86. Alcir Lacerda, Sem título, 1973. Abertura da Av. Dantas Barreto, Recife-PE. P&B. Disponível em: <http://glo.bo/YG7ryh>. Acesso em: 05 jun. 2016.

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87. Alcir Lacerda, Ondas III, 1983. Disponível em: <http://glo.bo/YG7ryh>. Acesso em: 05 jun. 2016. 88. NETO, João Cabral de Melo. O cão sem plumas, 1950. In: OLIVEIRA, M. de. João Cabral de Melo Neto - Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. VER ANEXO 5. 89. Paulo Bruscky, A arte não pode ser presa: atitude do artista/atitude do museu, 1978. Intervenção urbana no muro do Museu do Estado de Pernambuco (Recife, PE). Foto: Francisco Lapenda. Reproduzido em NAVAS, 2012, pp. 33-34. 90. NETO, João Cabral de Melo. O cão sem plumas, 1950. In: OLIVEIRA, M. de. João Cabral de Melo Neto - Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. VER ANEXO 5. 91. Paulo Bruscky, A arte não pode ser presa: atitude do artista/atitude do museu, 1978. Intervenção urbana no muro do Museu do Estado de Pernambuco (Recife, PE). Foto: Francisco Lapenda. Reproduzido em NAVAS, 2012, pp. 33-34. 92. NETO, João Cabral de Melo. O cão sem plumas, 1950. In: OLIVEIRA, M. de. João Cabral de Melo Neto - Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. VER ANEXO 5. 93. Paulo Bruscky, Fungo, 1988. Livro de artista, ed 1/1, 12 x 18,5 cm. Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP). 94. Paulo Bruscky, Fungo, 1988. Livro de artista, ed 1/1, 12 x 18,5 cm. Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP). 95. Paulo Bruscky, Fungo, 1988. Livro de artista, ed 1/1, 12 x 18,5 cm. Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP). 96. Alcir Lacerda, Sem título, c. 1980. Escadaria no bairro de Casa Amarela, Recife-PE. P&B. Disponível em: <http://glo.bo/YG7ryh>. Acesso em: 05 jun. 2016. 97. Paulo Bruscky, Leonhard Frank Duch e Ulises Carrión, Via crucis, 1982. Super-8, 7'38'', Offset ed PA, 29 x 21,5 cm. Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP). 98. Paulo Bruscky, Totem, 1993. Colagem de fotografias sobre postal, 10,7 x 15 cm. Reproduzido em NAVAS, 2012, p. 116. 99. Paulo Bruscky, Bureaucracy (Burocracia), 1976. Poesia visual. Litogravura. Foto: Leo Caldas. Reproduzido em NAVAS, 2012, p. 97.

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100. Paulo Bruscky, Amsterdã erótica, 1982. Happening (Amsterdã, Holanda). Foto: Socorro Bruscky. Reproduzido em NAVAS, 2012, p. 54. 101. Sem título, c. 1910. Avenida Marquês de Olinda e Rio Branco, Recife-PE. P&B. Cortesia: Acervo Instituto Moreira Salles. 102. Sem título, c. 1910. Ponte Sete de Setembro, Recife-PE. P&B. Cortesia: Acervo Instituto Moreira Salles. 103. Paulo Bruscky, Passaporte, 2006. Fotografia. Reproduzido em NAVAS, 2012, p. 183. 104. Sem título, c. 1910. Ponte da Boa Vista, Recife-PE. P&B. Cortesia: Acervo Instituto Moreira Salles. 105. Marcel Gautherot, Sem título, c. 1955. Recife, Rio Capibaribe, pontes, Recife-PE. Negativo flexível/ Diacetato. i: 6 x 6cm. Gelatina/ Prata. P&B. Cortesia: Acervo Instituto Moreira Salles. 106. Paulo Bruscky, Arte/Pare, 1973. Intervenção urbana (Recife, PE). Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP). 107. Paulo Bruscky, Arte/Pare, 1973. Intervenção urbana (Recife, PE). Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP). 108. Paulo Bruscky, Arte/Pare, 1973. Intervenção urbana (Recife, PE). Foto: Ângelo José; Leo Caldas. Reproduzido em NAVAS, 2012, pp. 50. 109. Paulo Bruscky, Arte/Pare, 1973. Intervenção urbana (Recife, PE). Cortesia: artista; Galeria Nara Roesler (SP). 110. Marcel Gautherot, Sem título, c. 1955. Recife, Rio Capibaribe, Ponte Duarte Coelho, Recife-PE. Negativo flexível/ Diacetato. i: 6 x 6cm. Gelatina/ Prata. P&B. Cortesia: Acervo Instituto Moreira Salles. 111. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Edifício/escultura de Natal. Escultura com luz (Recife, PE). Foto: Leo Caldas. Fonte: NAVAS, 2012, p. 172. 112. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Edifício/escultura de Natal. Escultura com luz (Recife, PE). Foto: Leo Caldas. Fonte: NAVAS, 2012, p. 172.

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113. Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Edifício/escultura de Natal. Escultura com luz (Recife, PE). Foto: Leo Caldas. Fonte: NAVAS, 2012, p. 172. 114. Marcel Gautherot, Sem título, 1953. Carnaval, Recife-PE. Negativo flexível/ Diacetato. i: 6 x 6cm. Gelatina/ Prata. P&B. Cortesia: Acervo Instituto Moreira Salles. 115. Capiba (1904-1997). 116. Peter Scheier (1908-1979). 117. João Cabral de Melo Neto (1920-1990). 118. Marcel Gautherot (1910-1996). 119. Manuel Bandeira (1886-1968). 120. Alcir Lacerda (1927-2012). 121. Vicente do Rego Monteiro (1899-1970). 122. Eduardo Simões (1956-). 123. Cíceros Dias (1907-2003). 124. Ariano Suassuna (1927-2014). 125. Daniel Santiago (1939-). 126. Paulo Bruscky (1949-). 127. Paulo Bruscky, AR-RECIFES de Poesia de PBY (O Recife em Prova e Prosa) - Roteiro I, 2008.

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ANEXOS

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ANEXO 1 | Ariano Suassuna CANTO ARMORIAL AO RECIFE, CAPITAL DO REINO DO NORDESTE, s. d. I Eram sete as Coroas deste Reino, sete as Tôrres sagradas da Cidade, sete Arcanjos de bronze, fogo e cobre, sete Clarins de calcedônia e jade, e o meu Reino-sagrado do Nordeste luzia, do Recife à claridade. Eu velava na pedra do Arrecife, E vi, nesse repente, uma Visagem: A esmeralda do Mar se alumiava E o Sertão lhe infundiu sua coragem. O rubi resplandece na turqueza: Mar e Sol, água e pedras da Pastagem. A Coroa-de-ferro de Canudos resplende sobre a Tôrre-quadrejada. O “Sertão de Acauhan”, da casa-forte, na do “Engenho Pombal”, limpa e sagrada. Os clarins de Princesa e Piancó reluzem na da tôrre-ameaçada.

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E a colina-sagrada da Batalha Brilha na Conceição-dos-Militares: As quilhas afundadas dos navios são púlpitos, Cariátides e altares. Estalam tiros sêcos de mosquetes, as Espadas rebrilham pelos ares. Duas tôrres iguais de Santo-Antônio São as “pedras do Reino”, as Encantadas, Incrustradas de prata e diamantes, ungidas pelo Sangue e consagradas: tôrres da Catedral dos sertanejos, proibida, luzente e soterrada. O Castelo-roqueiro, em “Cinco-Pontas”, é a “Casa da Pólvora” também: os Fortes do meu Reino, reluzindo, pelas pontas da estrêla se detêm, como, na esfera-de-ouro do Brasil, as moedas de Ourique e Santarém. Sim! Porque na Colina-consagrada onde o leão do Coelho pôs a pata (Ouro-Velho, Ouro-Preto, Pombo-Verde do Salvador, das águas e das arcas) se funde todo o Império do Brasil, o ouro das Minas e o torçal-de-prata.

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Por isso aqui, brilham também, fundidos, o clarim do Sertão e o dos Engenhos, a Lua-moura, a Estrela-da-Judéia, a Onça-negra, a Parda, o rubro Lenho, - a corneta das quinas e padrões encravados de estrelas e desenhos. E por isso o Recife era a Esmeralda e a Muralha-de-pedra, a Vastidão: Pedra-angular do Reino-esverdeado, Rosa-vermelha-e-bruna do Brasão, Porta-azul dos Engenhos e do Mar, Porta-rubra-e-castanha do Sertão.

II La vem a frota-ibérica das Naus: brancas velas, tosões, cruzes, bandeiras! São Cavalos-marinhos, Bois-azuis, Hipocampos-vermelhos de madeira ferrados com a Cruz-do-Leopardo, do Cachorro-de-Deus-e-da-Roseira! Vem nelas o Assassinos, o Mau-Poeta, o Fidalggo-judeu blasfemador: canta o Leão e as quinas-da-nobreza, os castelos e o preço do Senhor, - Voz dos autos, das trovas e sonetos que, para nós é o Sol-começador!

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Pois o Recife é um Cisne sacro e branco, um Búzio desigual e retorcio que se sentou na Pedra-cavernosa, de pérolas e aljôfar guarnecido, de coral fino, crespo e marchetado, depois de o Mar azul ter dividido.

III E a Voz forja a Sereia-nordestina, a Anfitrite de penas-coloradas: as casas são Guaràzes-escarlates, são penas de Saíra recamadas: estrelas e topázios da Jandaias são cachos-de-ouro em Campo de esmeralda. E as heráldicas Flôres do meu Reino: o flamejante, o cravo, o girassol, a acácia-de-ouro, e a rainha, a Rosa, e a rosa da Paixão-do-Rouxinol o emblema, a cruz-de-cristo, as chagas roxas, a lança, o sangue e espinhos do meu Sol! E assim moldou-se o sangue da Cidade, essa fêmea e pantera dos Bruxedos. Ela entreabre seu Manto e nos revela seis encantos musgosos e secretos, seu sangue macho-e-fêmea, seus contrastes, seus embruxos, e filtros, e segrêdos.

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Sua tigre-bravura se admira, seus encantos de Fêmea se deseja, a finura da Faca e da coragem, a nobreza e a Faminta-malfazeja, essa Gata de graça-florentina e o Sol dessa muralha-sertaneja.

IV Canta, ó clarim do Teuto-sergipano, a onça-da-pobreza, a Desumana. Não te enganes: o cheiro dêsse Mel (mesmo de prata, mesmo em Massangana) é forjado no sangue que bebeu a leoa-dos-nobres, a Tirana! Vai! Chama teu irmão desabusado, teu irmão sertanejo e brasileiro, Lagarto alumiado pelo sol, escorpião da Raça e do brasileiro, gila-do-sangue, Povo-coroado, Arauto-inicial do Romanceiro. Que o Nordeste é uma Onça e estão seus ombros queimados pelo Sol e pelo sal: as garras dos arrecifes, os Lajedos, são seus dentes-de-pedra e ossos-de-cal. A Liberdade e o sangue da Inumana precisam de teu Gládio e do Punhal!

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V Quanto a ti, canta o Sol nosso e Castanho, Que êsse Golfim de corpo bronzeado Que sai da espuma branca-e-azul do Mar (êsse sangue-estanhoso do Sagrado) é o mesmo da Batalha, ali gravada nêsse painel castanho e esbraseado! Canta as Flechas no campo de Ouro-verde, As bandeiras, a espada do Latino. Não cantaste a Onça-negra veludosa, Nem a Parda-castanha (meu destino), Mas o urucu-vermelho, as áureas-penas, Como escudos, brasões e Paladinos! Tu viste teus fidalgos em Castelos, E Peri com a cor de sua Dama. Viste a Loura-fidalga (azule ouro) E a Morena-bastarda em sua cama. Teu Gato-pardo é nosso Cavaleiro, A corneta-de-tíbia é nossa Fama. Passa o Capitão-mor das Oiticicas Com seu Gibão dourado de d]fidalgo. É falso? É sertanejo o Cavaleiro: Vem outro e mostra a fome, o Gibão-pardo! Que é preciso, tambpém, nesta Insensata, Cantar a prata e o Sonho do sonhado!

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VI Tu, Clarim-sertanejo do meu sangue, canta os Campos, de sangue já laivados, a arena-rubra, a terra-bem-fadada, sol dos pulsos-de-ferro venerados que, em perpétua Aliança, reluziram o Reino, o território-consagrado. E a Rota da cruzada-sertaneja, teu “Reino de Acauhan”, o gado-crioulo com seus tipos de Raça e de nobreza, nas Malhada-da-Onça côr-de-ouro, onde o Sol e o brasido das Estrêlas são esporas-do-céu – Gibão de couro! VII Soa o quinto Clarim, Cunha de foto, E a pedra, o Espinho, ruge em sua Fala. A faca. A lazarina de Canudos, No Pajeú-da-raiva, cresce e estala. O foto é um tabocal se incendiando Ao som das Ladainhas e das balas. E a Catedral – o antro, o doido templo, Reduto, fortaleza e Santuário, De fachada sem módulos e regras, Vasto, retangular, desafrontado, Cortado e esburacado de troneiras, O brutal Hipogeu desenterrado!

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VIII Junto a ti (cunha, fogo, pedra e ferro), Junto a ti(que és mortal e ensolarado), Sopra o Clarim-augusto-dos engenhos, O noturno Duende enferrujado: Canta as asas do Corvo e canta a Morte, O Sangue e as coisas podres do Paudarco. As canas, o homem-sem-conchêgo-nobre, o musgo-verde, os Bois, o lodo-insonte, as lagartixas-dos-esconderijos, o doido Sol-ignívomo da Ponte... E a Máquina-do-mundo queima tudo na sua pele-de-rinoceronte! Se êle cantou o mel de seus Engenhos, pressentiu meu Sertão com seus segredos: os Rifles pipocando o som das quedas de mil lajedos sôbre mil lajedos e os Capitães-de-couro se matando nas pontas escarpadas dos Rochedos! Ouço na Voz-noturna dêsse Engenho os jambeiros verdosos do “Paudarco” chovendo roxa-púrpura no chão do Recife do “signo-estrelado”, e o Dono dos escudos-da-bandeira no Cais-da-aurora canta seu passado.

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IX Ó paudarco, flôr-de-ouro! O “Corredor”, com seu búzio-de-sonho, sonha e passa: no açafrão, nos vestidos das meninas, no cheiro de jasmins que ali perpassa, na argamassa do Tempo impiedoso, pedra e cal dos boeiros sem fumaça! Salvou, assim, o verde de seu Reino e o Pajeú-de-pedra do Sertão: gemem os Catolés, estrala a bala, e passa, doido, El-Rei Sebastião, suja de sangue e pó a real Fronte, mas vivo no chapéu do Capitão! E o búzio-decadente troa a Raça E forja o Cavaleiro-destroçado, O de esporas-quebradas, mas sem freio Na Burra que é castanha e que é sem rabo! E eu bebo o Mel cheiroso dos Engenhos No “Pombal” que é meu Reino-conquistado!

X E todo o Reino canta nêsse nome, pela Dama-de-sangue-coroado: o Sínople, os Pescoços-de-serpente, a Banda-sanguinosa do Enforcado: quatro Laivos-de-sangue que meu Sangue tinha visto nos campos do Sagrado!

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Ela era leve, e tinha os olhos garços como o paudarco-âmbar da “Acauhan”, e os ouros das acácias do Recife nos cabelos de sol-pela-manhã: olhos-andrades, crespos, ôr-de-ouro, bôca, vermelha flôr de flamboiã! E, misturando tudo, o mel do Engenho mais o mel das abelhas do Sertão. cana-caiana doce, olhos-estranjas, tão bonita, tão boa, tão do chão! era, mesmo, a Leoa-coroada, flecha em meu sangue, anel da solidão! E eu vi que a minha Dama era o Recife, o engenho e o sertão do meu Sagrado. Os clarins já se calam e as Coroas fulgiam pelo Reino-do-Escampado. O Sol comia o cobre do horizonte: terminava a Viagem do sonhado! Soltou-se a Onça-negra da estrelada e o meu Recife, ali, na escuridão, era, agora, o Fortim-iluminado, o baluarte, a Nau, o bastião, colocado entre o Reino-azul do Mar e o meu Reino-castanho do Sertão!

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ANEXO 2 | CAPIBA MINHA CIRANDA, s. d. Minha ciranda não é minha só É de todos nós É de todos nós. A melodia principal,quem dirá É a primeira voz É aprimeira voz. Pra se dançar ciranda Juntamos mão com mão Formando uma roda Cantando uma canção.

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ANEXO 3 | CAPIBA VERDE MAR A NAVEGAR, 1967. Minha ciranda não é minha só É de todos nós É de todos nós. A melodia principal,quem dirá É a primeira voz É aprimeira voz Pra se dançar ciranda Juntamos mão com mão Formando uma roda Cantando uma canção

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ANEXO 4 | CAPIBA VOLTEI, RECIFE, s. d. Voltei, Recife Foi a saudade Que me trouxe pelo braço Quero ver novamente "Vassoura" Na rua abafando Tomar umas e outras E cair no passo Cadê "Toureiros"? Cadê "Bola de Ouro"? "As Pás", Os "lenhadores" O "Bloco Batutas de São José"? Quero sentir A embriaguês do frevo Que entra na cabeça Depois toma o corpo E acaba no pé

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ANEXO 5 | JOÃO CABRAL DE MELO NETO O CÃO SEM PLUMAS, 1950. (Paisagem do Capibaribe) A cidade é passada pelo rio como uma rua é passada por um cachorro; uma fruta por uma espada. O Rio ora lembrava a língua mansa de um cão, ora o ventre triste de um cão, ora o outro rio de aquoso pano sujo dos olhos de um cão. Aquele rio era como um cão sem plumas. Nada sabia da chuva azul, da fonte cor-de-rosa, da água do copo de água, da água de cântaro, dos peixes de água, da brisa na água.

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Sabia dos caranguejos de lodo e ferrugem. Sabia da lama como de uma mucosa. Devia saber dos polvos. Sabia seguramente da mulher febril que habita as ostras. Aquele rio jamais se abre aos peixes, ao brilho, à inquietação de faca que há nos peixes. Jamais se abre em peixes. Abre-se em flores pobres e negras como negros. Abre-se numa flora suja e mais mendiga como são os mendigos negros. Abre-se em mangues de folhas duras e crespos como um negro. Liso como o ventre de uma cadela fecunda, o rio cresce sem nunca explodir. Tem, o rio, um parto fluente e invertebrado como o de uma cadela.

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E jamais o vi ferver (como ferve o pão que fermenta). Em silêncio, o rio carrega sua fecundidade pobre, grávido de terra negra. Em silêncio se dá: em capas de terra negra. em botinas ou luvas de terra negra para o pé ou a mão que mergulha. Como às vezes passa com os cães, parecia o rio estagnar-se. Suas águas fluíam então mais densas e mornas; fluíam com as ondas densas e mornas de uma cobra. Ele tinha algo, então, da estagnação de um louco. Algo da estagnação do hospital, da penitenciária, dos asilos, da vida suja e abafada (de roupa suja e abafada) por onde se veio arrastando.

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Algo da estagnação dos palácios cariados, comidos de mofo e erva-de-passarinho. Algo da estagnação das árvores obesas pingando os mil açúcares das salas de jantar pernambucanas, por onde se veio arrastando. (É nelas, mas de costas para o rio, que “as grandes famílias espirituais” da cidade chocam os ovos gordos de sua prosa. Na paz redonda das cozinhas, ei-las a revolver viciosamente seus caldeirões de preguiça viscosa.) Seria a água daquele rio fruta de alguma árvore? Por que parecia aquela uma água madura? Por que sobre ela, sempre, como que iam pousar moscas?

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Aquele rio saltou alegre em alguma parte? Foi canção ou fonte em alguma parte? Por que então seus olhos vinham pintados de azul nos mapas?

II (Paisagem do Capibaribe) Entre a paisagem o rio fluía como uma espada de líquido espesso. como um cão humilde e espesso. Entre a paisagem (fluía) de homens plantados na lama; de casas de lama plantadas em ilhas coaguladas na lama; paisagem de anfíbios de lama e lama.

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Como o rio aqueles homens são como cães sem plumas (um cão sem plumas é mais que um cão saqueado; é mais que um cão assassinado. Um cão sem plumas é quando uma árvore sem voz. É quando de um pássaro suas raízes no ar. É quando a alguma coisa roem tão fundo até o que não tem). O rio sabia daqueles homens sem plumas. Sabia de suas barbas expostas, de seu doloroso cabelo de camarão e estopa. Ele sabia também dos grandes galpões da beira do cais (onde tudo é uma imensa porta sem portas) escancarados aos horizontes que cheiram a gasolina.

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E sabia da magra cidade de rolha, onde homens ossudos, onde pontes, sobrados ossudos (vão todos vestidos de brim) secam até sua mais funda caliça. Mas ele conhecia melhor os homens sem pluma. Estes secam ainda mais além de sua caliça extrema; ainda mais além de sua palha; mais além da palha de seu chapéu; mais além até da camisa que não têm; muito mais além do nome mesmo escrito na folha do papel mais seco.

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Porque é na água do rio que eles se perdem (lentamente e sem dente). Ali se perdem (como uma agulha não se perde). Ali se perdem (como um relógio não se quebra). Ali se perdem como um espelho não se quebra. Ali se perdem como se perde a água derramada: sem o dente seco com que de repente num homem se rompe o fio de homem. Na água do rio, lentamente, se vão perdendo em lama; numa lama que pouco a pouco também não pode falar: que pouco a pouco ganha os gestos defuntos da lama; o sangue de goma, o olho paralítico da lama.

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Na paisagem do rio difícil é saber onde começa o rio; onde a lama começa do rio; onde a terra começa da lama; onde o homem, onde a pele começa da lama; onde começa o homem naquele homem. Difícil é saber se aquele homem já não está mais aquém do homem; mais aquém do homem ao menos capaz de roer os ossos do ofício; capaz de sangrar na praça; capaz de gritar se a moenda lhe mastiga o braço; capaz de ter a vida mastigada e não apenas dissolvida (naquela água macia que amolece seus ossos como amoleceu as pedras).

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III (Fábula do Capibaribe) A cidade é fecundada por aquela espada que se derrama, por aquela úmida gengiva de espada. No extremo do rio o mar se estendia, como camisa ou lençol, sobre seus esqueletos de areia lavada. (Como o rio era um cachorro, o mar podia ser uma bandeira azul e branca desdobrada no extremo do curso – ou do mastro – do rio. Uma bandeira que tivesse dentes: que o mar está sempre com seus dentes e seu sabão roendo suas praias.

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Uma bandeira que tivesse dentes: como um poeta puro polindo esqueletos, como um roedor puro, um polícia puro elaborando esqueletos, o mar, com afã, está sempre outra vez lavando seu puro esqueleto de areia. O mar e seu incenso, o mar e seus ácidos, o mar e a boca de seus ácidos, o mar e seu estômago que come e se come, o mar e sua carne vidrada, de estátua, seu silêncio, alcançado à custa de sempre dizer a mesma coisa, o mar e seu tão puro professor de geometria.) O rio teme aquele mar como um cachorro teme uma porta entretanto aberta, como um mendigo, a igreja aparentemente aberta.

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Primeiro, o mar devolve o rio. Fecha o mar ao rio seus brancos lençóis. O mar se fecha a tudo o que no rio são flores de terra, imagem de cão ou mendigo. Depois, o mar invade o rio. Quer o mar destruir no rio suas flores de terra inchada, tudo o que nessa terra pode crescer e explodir, como uma ilha, uma fruta. Mas antes de ir ao mar o rio se detém em mangues de água parada. Junta-se o rio a outros rios numa laguna, em pântanos onde, fria, a vida ferve.

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Junta-se o rio a outros rios. Juntos, todos os rios preparam sua luta de água parada, sua luta de fruta parada. (Como o rio era um cachorro, como o mar era uma bandeira, aqueles mangues são uma enorme fruta: A mesma máquina paciente e útil de uma fruta; a mesma força invencível e anônima de uma fruta – trabalhando ainda seu açúcar depois de cortada – . Como gota a gota até o açúcar, gota a gota até as coroas de terra; como gota a gota até uma nova planta, gota a gota até as ilhas súbitas aflorando alegres.)

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IV (Discurso do Capibaribe) Aquele rio está na memória como um cão vivo dentro de uma sala. Como um cão vivo dentro de um bolso. Como um cão vivo debaixo dos lençóis, debaixo da camisa, da pele. Um cão, porque vive, é agudo. O que vive não entorpece. O que vive fere. O homem, porque vive, choca com o que vive. Viver é ir entre o que vive.

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O que vive incomoda de vida o silêncio, o sono, o corpo que sonhou cortar-se roupas de nuvens. O que vive choca, tem dentes, arestas, é espesso. O que vive é espesso como um cão, um homem, como aquele rio. Como todo o real é espesso. Aquele rio é espesso e real. Como uma maçã é espessa. Como um cachorro é mais espesso do que uma maçã. Como é mais espesso o sangue do cachorro do que o próprio cachorro. Como é mais espesso um homem do que o sangue de um cachorro. Como é muito mais espesso o sangue de um homem do que o sonho de um homem.

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Espesso como uma maçã é espessa. Como uma maçã é muito mais espessa se um homem a come do que se um homem a vê. Como é ainda mais espessa se a fome a come. Como é ainda muito mais espessa se não a pode comer a fome que a vê. Aquele rio é espesso como o real mais espesso. Espesso por sua paisagem espessa, onde a fome estende seus batalhões de secretas e íntimas formigas. E espesso por sua fábula espessa; pelo fluir de suas geleias de terra; ao parir suas ilhas negras de terra.

271


Porque é muito mais espessa a vida que se desdobra em mais vida, como uma fruta é mais espessa que sua flor; como a árvore é mais espessa que sua semente; como a flor é mais espessa que sua árvore, etc. etc. Espesso, porque é mais espessa a vida que se luta cada dia, o dia que se adquire cada dia (como uma ave que vai cada segundo conquistando seu voo).

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ANEXO 6 | JOÃO CABRAL DE MELO NETO PREGÃO TURÍSTICO DO RECIFE, 1956. Aqui o mar é uma montanha regular redonda e azul, mais alta que os arrecifes e os mangues rasos ao sul. Do mar podeis extrair, do mar deste litoral, um fio de luz precisa, matemática ou metal. Na cidade propriamente velhos sobrados esguios apertam ombros calcários de cada lado de um rio. Com os sobrados podeis aprender lição madura: um certo equilíbrio leve, na escrita, da arquitetura.

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E neste rio indigente, sangue-lama que circula entre cimento e esclerose com sua macha quase nula, e na gente que se estagna nas mucosas deste rio, morrendo de apodrecer vidas inteiras a fio, podeis aprender que o homem ĂŠ sempre a melhor medida. Mais: que a medida do homem nĂŁo ĂŠ a morte mas a vida.

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ANEXO 7 | MANUEL BANDEIRA CANTIGA, 1936. Nas ondas da praia Nas ondas do mar Quero ser feliz Quero me afogar. Nas ondas da praia Quem vem me beijar? Quero a estrela-d’alva Rainha do mar. Quero ser feliz Nas ondas do mar Quero esquecer tudo Quero descansar.

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ANEXO 8 | MANUEL BANDEIRA EVOCAÇÃO AO RECIFE, 1925. Recife Não a Veneza americana Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais Não o Recife dos Mascates Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois - Recife das revoluções libertárias Mas o Recife sem história nem literatura Recife sem mais nada Recife da minha infância A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê na ponta do nariz Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras mexericos namoros risadas A gente brincava no meio da rua Os meninos gritavam: Coelho sai! Não sai! A distância as vozes macias das meninas politonavam: Roseira dá-me uma rosa Craveiro dá-me um botão

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(Dessas rosas muita rosa Terá morrido em botão...) De repente nos longos da noite um sino Uma pessoa grande dizia: Fogo em Santo Antônio! Outra contrariava: São José! Totônio Rodrigues achava sempre que era são José. Os homens punham o chapéu saíam fumando E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo. Rua da União... Como eram lindos os montes das ruas da minha infância Rua do Sol (Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal) Atrás de casa ficava a Rua da Saudade... ...onde se ia fumar escondido Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora... ...onde se ia pescar escondido Capiberibe - Capibaribe Lá longe o sertãozinho de Caxangá Banheiros de palha Um dia eu vi uma moça nuinha no banho Fiquei parado o coração batendo Ela se riu Foi o meu primeiro alumbramento Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu E nos pegões da ponte do trem de ferro os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras

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Novenas Cavalhadas E eu me deitei no colo da menina e ela começou a passar a mão nos meus cabelos Capiberibe - Capiberibe Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas Com o xale vistoso de pano da Costa E o vendedor de roletes de cana O de amendoim que se chamava midubim e não era torrado era cozido Me lembro de todos os pregões: Ovos frescos e baratos Dez ovos por uma pataca Foi há muito tempo... A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros Vinha da boca do povo na língua errada do povo Língua certa do povo Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil Ao passo que nós O que fazemos É macaquear A sintaxe lusíada A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem Terras que não sabia onde ficavam Recife... Rua da União... A casa de meu avô... Nunca pensei que ela acabasse! Tudo lá parecia impregnado de eternidade Recife... Meu avô morto. Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro como a casa de meu avô.

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ANEXO 9 | MANUEL BANDEIRA MINHA TERRA, 1948. Saí menino de minha terra. Passei trinta anos longe dela. De vez em quando me diziam: Sua terra está completamente mudada, Tem avenidas, arranha-céus... É hoje uma bonita cidade! Meu coração ficava pequenino. Revi afinal o meu Recife. Está de fato completamente mudado. Tem avenidas, arranha-céus. É hoje uma cidade bonita. Diabo leve quem pôs bonita a minha terra!

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ANEXO 10 | MAPA RUA DA AURORA BAIRRO DO RECIFE

RUA PRINCESA ISABEL

PONTE BUARQUE DE MACEDO PONTE DUARTE COELHO PONTE DA BOA VISTA PONTE MAURÍCIO DE NASSAU RUA VELHA BAIRRO DE SANTO ANTÔNO

AVENIDA DANTAS BARRETO

BAIRRO DE SÃO JOSÉ

Mapa da região central do Recife (PE), sem escala.

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BIBLIOGRAFIA

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FAU USP TFG junho 2016


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