Um abraço a António Torrado

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Aqui estamos para partilhar o que nesta biblioteca está guardado desde 2010 ‐ dois anos. Escrito a muitas mãos, a muitas vontades ‐ aquelas que em 2010, caminharam até Beja e em forma de carta deixaram “ UM ABRAÇO A ANTÓNIO TORRADO” .


Caro António Liguei‐lhe há dias para lhe dar os parabéns e esqueci‐me do mais importante: Dizer‐lhe que estamos prontos para lhe devolver finalmente o Abraço que foi deixado ao nosso cuidado. Levámos tanto tempo para o fazer, que aposto que todos pensaram que estávamos esquecidos. Juntámos ao abraço, outros braços* e aqui estamos para partilhar o que foi escrito a muitas mãos, a muitas vontades: aquelas que em 2010, caminharam até Beja e em forma de carta deixaram este “ ABRAÇO A ANTÓNIO TORRADO” . Nas centenas de linhas de textos que lerá já de seguida, faltavam ainda estas, as minhas, as nossas. Pedimos desculpa pela demora. Temos andado numa “ fona”. Tanto que fazer, tanto que lutar, tanto que pensar. Minorar estragos, encher vazios, cuidar da semente e sempre com livros na mão é um trabalho imenso, especialmente em contextos de crise. Está cada vez mais difícil para as bibliotecas continuarem a servir os leitores sem se enredarem na penúria de meios, no desânimo, na chicana, na bravata – os leitores e até os não leitores, dentro e cada vez mais, fora da biblioteca. Há tanta coisa por fazer fora das bibliotecas meu amigo, que nem 20 vidas chegariam. Temos andado perdidos em casas de papel, parques de poetas, buscando o destino das fadas, fazendo de laboratórios da língua, verdadeiras escolas de sentidos. O António tem estado, sem saber, muitas vezes presente nestas sessões, no que lemos para adultos, idosos, crianças, jovens, mas sobretudo presente no olhar que fomos construindo sobre a infância, a tradição, a escola, a leitura, a literatura. A homenagem que lhe fizemos e que agora celebramos com este abraço ‐ nosso e de todas as bibliotecas que no meio do ruído mais ou menos para literário, das modas, dos mídias, ainda assim o conseguiram escutar a sua voz – é apenas isso, um Abraço. O António tem uma voz muito especial, única… a carta que aqui lhe deixo, lhe deixamos, é sobretudo uma forma de celebrar a nossa amizade. Pelas Palavras Andarilhas Cristina Taquelim


O Serviço de Educação e Bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian não podia deixar de se associar à homenagem que a Biblioteca Municipal de Beja vai prestar a António Torrado. Um dos mais importantes escritores para crianças do nosso país, António Torrado mantém, desde há longos anos, uma estreita ligação à Fundação, tendo sempre acedido aos diversos convites que lhe foram feitos, fosse para emprestar o seu brilho de comunicador a algum dos muitos congressos organizados, fosse para nos ajudar com o seu brilhantismo imaginativo na organização de um encontro, fosse ainda para, misturando memória e ficção, descrever o encontro de Calouste Sarkis Gulbenkian com José Azeredo Perdigão. Este convite culminou no livro O Mundo dá muita volta, com desenhos de António Modesto, onde, cruzando as biografias do milionário arménio com o advogado português, narra, para os leitores mais jovens, a génese da criação da Fundação Calouste Gulbenkian. O Grande Prémio Calouste Gulbenkian de Literatura para Crianças, que lhe foi atribuído em 1988, consagrou o conjunto da sua obra para aquela faixa etária e inscreveu o seu nome no rol dos escritores nacionais inequivocamente apreciados pelos seus pares e pelos seus leitores. Fazemos votos para que António Torrado continue a encantar e a estimular a imaginação das crianças deste país, contribuindo, com a magia das suas palavras, para a formação de mais leitores, e, consequentemente, de melhores cidadãos. Lisboa, 15 de Setembro de 2010 Pelo Serviço de Educação e Bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian Manuel Carmelo Rosa

Maria Helena Melim Borges


Homenagem a António Torrado Em nome da Direcção e da Administração da Sociedade Portuguesa de Autores, mas também em meu nome pessoal, associo‐me à justíssima homenagem que as “Palavras Andarilhas”prestam hoje ao escritor António Torrado, de quem tenho a honra de ser amigo há muitos anos e cuja obra e qualidade humana e cívica tanto admiro. António Torrado, sempre discreto, sempre afastado da claridade intensa dos projectores, é, como autor de literatura para os mais jovens, mas igualmente como dramaturgo, contista e poeta (faceta que faço sempre questão de não esquecer), um dos nomes mais criativos e destacados da literatura portuguesa contemporânea. A sua obra extensa e plurifacetada revela e confirma, título a título, um talento e uma capacidade criadora que nunca deixou de me surpreender e fascinar. Grande contador de histórias, mas também e sempre poeta inspirado, António Torrado tem contribuído, de forma decisiva, para a dignificação e emancipação da literatura para os mais jovens como área maior da criação literária. Todos lhe somos devedores desse contributo que tem na sua obra exigente, rigorosa e inovadora a sua máxima e inequívoca expressão. Não posso, por outro lado, nesta mensagem, esquecer o labor de António Torrado como membro de várias direcções da SPA, função em que sempre evidenciou um assinalável bom senso, um grande rigor ético e uma dedicação exemplar à luta dos autores portugueses pelo reconhecimento dos seus direitos no quadro da vida cultural portuguesa. Também por esse motivo, os autores portugueses em geral têm para com ele uma dívida de gratidão. Há anos que me honro de o ter a meu lado nesse combate tão exaltante quanto desgastante e por vezes dolorosamente inglório. Também não esqueço o seu contributo fundamental para a mudança operada na vida e na história da SPA em Setembro de 2003 e que iniciou o ciclo de modernização e requalificação da instituição que se encontra em curso e ao qual ele permanecerá ligado. Deixo para o fim o que, embora sendo pessoal e consequentemente subjectivo, é para mim, neste dia, o mais relevante e comovente. António Torrado é um amigo que faz da amizade, da lealdade, da solidariedade e da exigência ética um imperativo de consciência e uma forma única de estar na vida. É esse querido amigo que hoje, em nome dos autores portugueses, eu saúdo e abraço, felicitando‐o por esta mais que merecida homenagem, à qual a SPA se associa por inteiro dizendo‐lhe aquilo que em poucas palavras pode e deve ser dito àqueles de quem gostamos muito e muito admiramos: obrigado, António, por seres como és e por tudo aquilo que nos tens dado, luz sempre acrescentada à claridade dos sonhos e das esperanças que se recusam a morrer Lisboa, Setembro de 2010 José Jorge Letria Presidente do Conselho de Administração


Vice‐Presidente da Direcção

Torradíssimo António... Uma cartita que deveria ser o maior dos elogios, mas, como sabes muito bem, isto de elogiar nem sempre é fácil, sobretudo quando o elogiado é bem maior do que o elogio e o elogiador não tem credenciais para tarefa tão ilustre. A coisa segue, então, neste gosto, puro e simples, de testemunhar o quanto mereces meter o elogio no saco, como às violas, fazê‐lo render, como os trigos das searas, e continuar a largar por aí entre ventos e fantasias, mirando sempre mais além onde pousam, feitos pássaros, os moinhos do Quixote. Notas, portanto, que a missiva vai a quente e mais veloz que as falas de Hermes com as suas asinhas nos pés, mas vai de coração a coração, anunciando‐te que vai daqui o bom abraço. Boas andanças, meu caro António. Abel Neves


Olá Sr. Escritor Quando a minha filha Mariana era pequena eu contava‐lhe histórias de um escritor chamado António Torrado e ela um dia perguntou‐me: “Mãe onde está o Torrado?” Nunca mais esqueci esta expressão e de cada vez que tropeço neste nome lembro‐ me da pergunta tão simples da pequena Mariana. Eu também me apetece perguntar: ‐ António onde vai buscar essa imaginação tão fértil? Tão genuína e com um sentido de humor extraordinário que da mais pequena coisa faz uma história fantástica? É uma pergunta que todos lhe devem fazer, mas já agora não responda, porque há perguntas que não merecem resposta. Eu acho que o António tem um Dom e esse Dom faz com que muita gente fique feliz ao saborear as histórias que ao longo de toda uma vida o António Torrado nos ofereceu. Desde sempre me tenho deliciado com a sua escrita simples e completa que me tem feito sorrir, gargalhar, reflectir e sonhar e porque sou mãe e professora de meninos pequeninos tenho usado e abusado de muitas das suas histórias. Não faz mal pois não? Nunca tive oportunidade de lhe perguntar se as histórias em demasia costumam fazer azia, mas já agora não responda também. Eu acho que quem faz quarenta anos de carreira deve de ter o direito de responder só ao que lhe apetecer. Obrigada António Torrado por ser assim, mas já agora responda‐me, onde é que está o Torrado? Um abraço de uma leitora Aida Mira


Olá, Havia num quarto fechado, carinhosamente chamado quarto dos ratos. Nesse quarto em cima de uma cama um caixote de livros. Eu estava nesta casa a morar, era inverno, fazia frio e tínhamos a lareira acesa e estávamos um pouco cansados e sem nada para fazer mas a televisão estava com má imagem, era um dia de tempestade, vivia, e vivo, num monte. Nessa caixa havia um livro com as páginas coladas pela humidade e uma capa encarquilhada: "histórias da rua do contador para a rua do ouvidor", comecei a descolar as páginas e a ler, em cada duas páginas havia uma pequena e original história que líamos lentamente, cuidadosamente, para render, víamos os desenhos e riamos... Todos! Ratos incluídos... ih! ih! ih! ‐‐ Ana Carla Gouveia


Caro António: Com os “ Cinco Sentidos e Outros “, mais ou menos atilados, assim que comecei a conseguir juntar letras e depois frases, não mais parei de ler. Ansiosa pelo desenrolar de cada história e pelo seu desfecho, acreditava piamente no “Coração das Coisas “, ainda que fosse um candeeiro que tudo aguenta ou uma janela que tudo espreita. Achava muita graça às expressões utilizadas que me deixavam sem entender muito bem o que aquilo queria dizer, e perguntava ao meu pai ou mãe o seu significado, ao que me respondiam “ ‐ vai ver ao dicionário. “ Claro que eu ficava irritada e não achava piada nenhuma àquela perda de tempo e que aumentava a minha ansiedade para chegar ao fim do livro. Alguns anos mais tarde só lhes dei razão. Que bom que foi mandarem‐me vasculhar naquele catrapázio todas as palavras que não conhecia... tanto me enriqueceu... Obrigada Pai, obrigada Mãe... E obrigada a todos os escritores que por mim passaram e ainda passam e me obrigam a isso. “ Conto Contigo “ António, no papel que desempenhou e ainda desempenha tal qual “ O Pagem não se Cala “. “ Devagar ou a Correr “ foi‐nos brindando com textos tradicionais portugueses, com textos de raiz popular recolhidos da “ Rua do Ouvidor para a Rua do Contador “e também com Contos e Poesia. E fê‐lo tão bem... soube mostrar à criançada “ Como se Vence um Gigante “. Aquele da hipocrisia, o da opressão, promovendo em cada mensagem sua o respeito pela diferença e da liberdade de expressão, entre outros. Soube fazer‐nos sonhar, imaginar, entrar nesse rico Mundo da Fantasia... Agora, qual “ Rei Menino “ celebra 40 anos de uma carreira literária recheada de letras que se transformam em frases, de frases que se transformam em histórias e histórias que se transformam em livros com grande sucesso... “ Há Coisas Assim “ e de “ Fita Verde no Chapéu “ lá vem o António ouvir os merecidos elogios e agradecimentos. Que as “ Estrelas “ o continuem a alumiar, que nós “ Toca que Toca, Dança que Dança “ , cá estamos a fazer‐lhe a merecida festa. Muito obrigada por tudo o que nos tem oferecido e muitos, muitos PARABÉNS. A leitora, Ana Cristina Campos Biblioteca Municipal João Brandão, em Tábua 26/08/2010


Caro António:

Chapinhar com os pés na água, correr pelo campo e sentir a brisa na cara, ver o pôrdo-sol ao fim de uma tarde de Verão, ouvir os risos das crianças, comer um chocolate quando me sinto triste, subir a uma árvore, ver as estrelas no céu, tomar banho ao luar ou pular um muro é como me sinto de cada vez que leio ou releio as suas histórias com os meus alunos. A sua escrita é e sempre será como um líquido refrescante que nos desce pela garganta num dia de muito calor: um verdadeiro prazer!

Bem-haja e até sempre.

Ana Custódio


Beja, dia 20 do mês mais quente do ano, ano da crise, mas também da ESPERANÇA andarilha num mundo melhor! Caro António Torrado, (Amigo e Companheiro, nas horas de solidão; Inspirador nos momentos criativos; tantas vezes Recurso Didáctico quando quero dar uma aula activa, divertida, coerente, onde a ficção não contradiz a verdade científica; Mestre, que me ensina a compreender as palavras para as saber usar com propriedade; Artista, que sabe esculpir, limpar, cinzelar as palavras; Camponês, de olhar penetrante, que sabe encontrar a palavra certa, derramada na eira do Léxico, como se escolhesse a semente mais vigorosa e sadia de cada colheita para a semear na história certa, de modo a que dê fruto biológico e abundante. Sou professora, dessas que têm vagueado, por essas terras perdidas do nosso Alentejo. Há 57 anos que nasci, mas o meu espírito ficou sempre “imaturo”, “inseguro” (dizem), desejoso de sonho e aventura, embora o meu corpo nem sempre o consiga acompanhar. Foi através dos meus alunos, das suas leituras e dos seus projectos, que conheci o António Torrado e a sua paixão pelos temas que mais prendem os jovens: os animais; as coisas que detestam mas queriam amar (a Matemática, por exemplo); o cómico; o fantástico e impossível; o real e imprevisível; etc. Comecei a gostar de ler há muitos, muitos anos, quando o Fascismo não dava oportunidades iguais e eu acabei a 4ª classe e fui “despedida” das coisas da cultura e obrigada a deixar a vila e voltar para o meu Monte, a 5 km da povoação mais próxima. Livros não tinham, nem os meus pais tinham dinheiro nem motivação para os comprar; continuar a estudar? Impossível o colégio era caríssimo e a escola pública em Serpa terminava ali! Foi então que se deu o “milagre” das primeiras Bibliotecas públicas da Gulbenkian, que emprestavam livros “sem termos de pagar”! Então é que era, podia levar livros para o Monte e ler, ler, ler, sonhar, sonhar, sonhar, viajar, aprender, dialogar, saborear e cheirar coisas novas e estranhas … Assim passou o tempo sem dar por isso. Dois anos depois apareceu a 5ª classe e foi o máximo, eram mais 2 anos para preencher o meu sonho… Terminada a 6ª classe esboçava‐se a abertura do ciclo Preparatório em Serpa, mas era só o 1º ano e eu tinha equivalência ao 2º, aí os meus pais “entenderam”o meu sonho e eu fui para Beja frequentar a Escola Industrial e Comercial. Aos 17 anos terminei e empreguei‐me durante 8 anos mas o meu sonho continuava adiado, foi então que consegui horário especial no emprego e fui tirar o curso de professora.


Foi como professora e como mãe que consegui “viver o meu sonho” (aquele que só vem nos livros), foi nas palavras ditadas, lidas, embaladas, cantadas e semeadas nos corações daqueles jovens que eu aprecio e considero como pessoas a crescer, com todos os direitos! É como se neles e nos sonhos deles eu concretizasse os meus! É nos seus projectos “malucos”, nas suas leituras inimagináveis, nos seus textos cheios de erros ortográficos, mas repletos de verdades e plenos daquela sabedoria que o tempo ainda não moldou, nem encheu de poeira, que eu consigo realizar‐me e tornar concreto o meu sonho! Obrigado António Torrado por ter sido um dos principais obreiros das “paredes” deste meu sonho! Até logo, no próximo livrito! Ana Maria Valente Ferreira


Beja, 3 de Setembro de 2010 Querido António,

Tive uma vez o privilégio de o ouvir em pessoa, num daqueles encontros que acabam por acontecer sob o patrocínio da nossa querida biblioteca, para que os leitores se encontrem com o escritor. Hoje, dia 3, dia em que comemoro o nascimento da pessoa mais importante que passou na minha vida e que me despertou para os afectos, através das palavras – a minha avó materna, queria agradecer‐lhe o relembrar‐me esse relação carinhosa com as palavras expressas através da sua voz macia e doce, cheia de carinho e ternura que passa para a palavra escrita. Uma não passa, agora, sem a outra, porque passei a ligar a sua imagem às histórias que leio. Num tempo em que, cada vez mais, as notícias que ouvimos e lemos nos enchem de tristeza, maldade, mesquinhez, corrupção, violência … Abrir um livro seu é encontrar um oásis de paz, de alegria, de luz, de sorrisos, é relembrar os momentos em que, pela voz da minha avó, eu me deliciava a ouvir histórias e adormecia no embalar daquela voz maravilhosa. Obrigada pela graça que me dá de poder encontrar as suas palavras! Obrigada pelas recordações de infância que me fez redescobrir! Obrigada pela doçura! Obrigada, simplesmente, por existir! Beijo grande e carinhoso duma professora agradecida! Abraço apertado duma mãe empenhada em fazer passar às suas filhas a doçura das palavras! Bem Haja! Ana Paula Baptista


Agosto 2010 Querido António. Escrevo‐lhe na condição de enamorada. Enamorada pelos seus textos, pela sua simpatia e pela sua voadora imaginação que nos faz notar as mais simples das coisas como o cotão no chão, os ponteiros do relógio ou as pedras da calçada. Depois de descobrir os seus textos, voltei a casa na expectativa de flagrar os meus pratos a darem uma festa na cozinha ou de encontrar a esfregona destrambelhada a pintar com água suja as paredes da minha sala sobe o olhar reprovador da fotografia sem cor do meu bisavô materno. A verdade é que tudo estava aparentemente normal dentro das quatro paredes, mas dentro de mim não... os seus textos rasgaram horizontes e deram importância vital ás coisas mais vulgares do dia a dia, e com isso fui‐me apercebendo que assim mesmo é a vida! Obrigado querido António, muito obrigada! Andreia Vidal


O António Torrado já É Para as futuras gerações e continuará a ser É Um fabuloso escritor, contador, autor teatral, argumentista Resumindo: Constrói com letras sonhos, fantasias. Realidades Nunca banalidades E olha de frente prá gente ! António Casimiro Setembro 2010


Carta a António Torrado Sabes, Racib… – interrompi o que ia dizer no momento em que o empregado do pequeno bar colocava em cima da nossa mesa naquela esplanada à sombra da grande árvore da praça, num dos dias mais quentes deste verão, as duas canecas de cerveja, bojudas, que tínhamos pedido para refrescar as gargantas e sem pensar, acto automático e quase instintivo, agarrei uma delas, sorvi dois goles e ali fiquei a sentir por alguns momentos a gravidade a fazer escorrer aquele líquido fresco para dentro de mim enquanto o calor no interior do meu peito se dissipava lentamente como as brumas da manhã num vale. Esses breves momentos foram os suficientes para que tu, Racib, te libertasses, te evadisses qual Houdini, daquele lugar, daquele tempo e daquela situação e, com a caneca na mão, já estavas a saciar não a sede do teu corpo pela tua boca mas outras sedes... Com a caneca alinhada na direcção do sol, contemplavas o nascimento das bolhas de gás que surgiam no meio da cerveja, umas no fundo da caneca, outras na sua parede curva, como curvo dizias ser o espaço. Contemplavas a criação das bolhas e pensavas na singularidade de cada um daqueles pontos, daquelas fontes a partir das quais as bolhas surgiam. Como eram diferentes todas aquelas bolhas. De cada ponto subiam todas na vertical, ordenadas como um carreiro de formigas. Por vezes juntavam‐se a outros carreiros e chegando à superfície ali se aglomeravam e ali, juntas, adquiriam cor branca como branca é a cor da nata que flutua. A forma como olhavas para aquelas bolhas mostrava aquilo que tu, Racib, fazes como ninguém: observas com todo o teu ser, com tudo aquilo que tu foste, és e hás‐de ser. Estou certo de que com essa forma de olhar o mundo estavas a ver cada uma daquelas centenas de bolhas desde que surgiam nos pontos singulares até à grande massa branca que flutuava. Estou certo de que vias a criação, o percurso e a explosão de cada uma e de todas em simultâneo. E quando estavas nesse estado de consciência indagadora, costumavas levar o indicador aos teus lábios e dizias‐me para observar. Todas as bolhas sobem, nenhuma desce, nenhuma quebra as leis universais da física. Se fosses tu uma delas, não sei se Sir Isaac Newton repousaria tranquilo...


E contavas‐me o que vias. Contavas‐me o que viam os teus olhos, tão diferentes dos meus. E tantas vezes me contaste coisas tão diferentes que comecei a aprender imitando‐te, Racib. Comecei a observar como observas e foi esse o primeiro passo para aprender a ler o mundo… Sabes, Racib – voltei à frase inicial do início desta página – eu queria agradecer‐te e felicitar‐te. – Porquê? – Perguntaste admirado, estranhando. – Olha Racib, por não teres ficado na loja do teu pai a vender tapetes. António Gouveia Narrador, membro dos Contabandistas de Estórias


Vilarelho, 16 de Setembro de 2010 António, Há muito tempo que não nos carteámos, e acredita que era um imenso prazer ler as palavras que me enviavas, feitas com letras miudinhas, enchendo duas, três, quatro folhas. E eu lia e voltava a ler aquelas páginas vezes sem conta. E aprendi muito com elas. E sonhei muito. O tempo passou, apareceram os telemóveis e os e‐mails, e eu engordei e ganhei alguns cabelos brancos. Escrevo‐te para te oferecer o texto que segue mais abaixo, recordando o sótão que me mostraste em Lisboa, o livro que me ofereceste, e as nossas Ilse Losa e Matilde. Gostas? Um abraço António Mota Reencontro A história que vou contar passou‐se no dia quinze de Setembro do ano de 2010, numa terra chamada Lugar do Torrado. Nesse local, numa casa grande, pintada de branco, com muitas janelas e um sótão espaçoso, mora um senhor que ganha a vida a escrever histórias. Trabalha muito, esse escritor. Trabalha há muitos anos no sótão da sua casa. Todos os dias, antes de anoitecer, o escritor, cansado de tanto inventar e tanto corrigir, calça umas velhas sapatilhas e começa um longo passeio pelo bosque, que está a sul do Lugar do Torrado. Ele adora fazer caminhadas, e nunca contou aos seus leitores porque nunca foi capaz de tirar a carta de condução. Mas eu sei. Esse escritor, que usa óculos graduados, redondinhos, apara todas as semanas um bigode respeitoso e uma barbicha que lembra a cor da farinha de trigo, tem muito medo. Sim, ele tem pavor de atropelar borboletas gigantes, leões emplumados, serpentes luminosas, cisnes transparentes e elefantes lunares, que são enormes e raríssimos, e costumam aparecer embrulhados numa nuvem de mosquitos verdes com asas vermelhas. “Era terrível se eu atropelasse os bichos que tanto me custaram a criar. É melhor não conduzir”, pensa o escritor, horrorizado. Como é muito distraído, tem muita imaginação e anda muito depressa com as suas velhas sapatilhas, o escritor afasta‐se para muito longe do Lugar do Torrado e, por vezes, desemboca em sítios onde acontecem coisas estranhas. Como aconteceu ontem à tarde. Estava a escurecer, e ele parou, subitamente, numa floresta silenciosa, com o chão coberto por um interminável tapete de musgo. E logo começou a contar: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete … “ Extraordinário! “, pensou o escritor, depois de ter contado e recontado.


Por entre as árvores estavam setenta e um veados a olhar para ele, com os seus focinhos aguçados, humedecidos de ternura. Nas longas e recortadas hastes que lhes ornavam as cabeças havia flores brancas, azuis, vermelhas e amarelas. “ Extraordinário! Há trinta e cinco anos vi um veado florido. Agora encontro setenta e um…Valeu a pena esperar por este momento “, pensou o escritor antes de atender o telemóvel. Era a mulher dele, preocupada, a perguntar onde é que ele se tinha metido.


Querido António Torrado, O Adorável Homem das Neves. Como Se Vence um Gigante, Devagar ou a Correr. Com certeza a saída está na imaginação de um escritor lusitano que dedica sua vida a enfeitiçar crianças que tenham a oportunidade de ler suas belas histórias Da Rua do Contador para a Rua do Ouvidor. Minha porta de entrada para o universo de Torrado foi Conto Contigo comprado numa livraria de Lisboa. Naquele distante ano de 1997 pouco conhecia da literatura voltada para os miúdos escrita em Portugal. Devo ter tomado uma bica enquanto folheava o livro, mas pensei Este Rapaz Vai Longe. Mas reza a lenda... que eu ia conhecer uma bruxa em Beja que tudo sabe. E ao perguntar a ela sobre os grandes escritores portugueses de literatura infantil e juvenil comentei sobre António Torrado. A bruxa era íntima amiga dele. Daí foi um pulo para conhecê‐lo pessoalmente. Assim no ano de 2004 tive a honra de recebê‐lo no Simpósio Internacional de Contadores de Histórias no Rio de Janeiro para Dez Dedos de Conversa e Ler, Ouvir e Contar esse talentoso e generoso homem português. Há Coisas Assim que acontecem com a gente como num Tabuleiro das Surpresas deixando uma História em Ponto de Contar. O Rei Menino fascinou a todos com sua alegria e conhecimento. Foram dias inesquecíveis onde compartilhamos idéias e projetos que ainda vamos fazer. Agora éramos amigos e nos encontramos também em Lisboa para continuar nossos planos de encontrar A Chave do Castelo Azul.


Já faz tempo que não falo com você, mas isso pouco importa quando os amigos são verdadeiros. Com carinho, Benita Prieto Rio de Janeiro, Inverno de 2010.


Carta a António Torrado Que dizer de um grande escritor numa simples página, para mais sabendo que ele lerá o que escrevemos? Por certo muito pouco. E há o risco de parecermos excessivos, piegas, românticos. Não saberei por isso dizer‐te de forma aceitável, António, o que com certeza já muitas crianças te disseram com toda a eloquência: os teus livros ajudam‐nos a ler o mundo e a viver. Há autores intratáveis como pessoas. Nada a opor. Um escritor faz‐se verdadeiramente grande através dos seus textos. Mas outros, como tu, são grandes escritores e grandes pessoas. Sabes escrever e dizer histórias; és um criador e dizedor de histórias. Também és um grande comunicador, um grande contador de histórias ou de episódios do quotidiano no quotidiano. Quem, como eu, já teve o privilégio de conviver contigo sabe que estas palavras não são meramente protocolares. Já deves estar a pensar que exagero, que erro no tom; mas eu disse‐te que não tenho a eloquência de uma criança. Ainda assim, continuo; sei que és um ouvinte e um leitor paciente. Leio e gosto de falar dos teus livros porque a tua imaginação é prodigiosa e inesgotável e a tua escrita é despretensiosa, límpida, insinuante, melódica, e sabe adaptar‐se a formas muito distintas. É ritmo e música quando assume um tom mais grave e poético: “Contaram‐me que, lá muito atrás de todos os séculos conhecidos, houve um tempo de maravilha em que os homens entendiam a fala dos bichos. Quando e como deixaram de perceber o sussurro das formigas, o apelo do gavião, o queixume do caracol ou o pausado discorrer dos tigres, na hora do semicerrar os olhos o sol do meio‐dia, quando e como os homens ensurdeceram às outras vozes da terra, não sei. Só sei que foi pena” (O Coelho de Jade, colecção “Contos e Lendas de Macau”). Mas também é ritmo e música quando quer provocar o riso ou o sorriso: “Era uma vez um macaco mariola, que andava de bata e sacola, como se fosse para a escola” (O Macaco de Rabo Cortado, colecção “Histórias Tradicionais Portuguesas Contadas de Novo”). O teu jeito de contar faz da leitura de cada texto um encontro de prazer e conhecimento. Esse magnetismo vem muito das atitudes de espírito dos narradores ou das personagens (no caso dos textos teatrais); penso no humor, na ironia e na sátira que atravessam muitos dos teus livros: no riso, afinal, que ora é sobretudo um fim em si mesmo (o que já não é pouco), ora acompanha uma das missões mais antigas e elevadas da literatura: a crítica social, a denúncia das injustiças e a construção de um mundo mais humano. Se me pedissem que destacasse uma das tuas obras mais recentes, escolheria talvez o Milagre de Natal (2008), por ser um livro em que o animal não se limita a dar a medida do humano, das suas virtudes e dos seus defeitos; o animal não humano é visto ao mesmo tempo como um mundo em si mesmo: elo numa cadeia de vida e corpo de afectos a quem há que reconhecer a sua dignidade intrínseca.


A boa literatura é sempre a outra voz (Octávio Paz): a voz que nos guia por realidades desconhecidas ou apenas entrevistas, que nos faz vislumbrar a dimensão oculta e desejada que existe para lá da nossa vida de todos os dias. Milagre de Natal propõe uma perspectiva sobre o mundo de um cão vadio no mundo dos humanos. E deste modo dá‐nos uma visão sobre o nosso próprio mundo. Não quer censurar‐nos, doutrinar‐nos ou iluminar‐nos; não se ergue em moralismos mas mostra‐nos um modelo de sociedade. Milagre de Natal é enunciado por um narrador que poderia dizer “Chamo‐me António Torrado e vou contar‐vos uma das mais belas histórias de sempre”. Este narrador dá voz à interioridade de um animal cuja vocação parece ser a de encarnar e dizer o Amor. O pequeno cão é corpo e voz desse Amor que procuramos no Outro. No Outro que pode ser um cão. É bom saber que te homenageiam, António. Nada mais justo. “Dificílimo acto é o de escrever, responsabilidade das maiores” (José Saramago). A tua vida tem sido inteiramente dedicada à formação cultural e intelectual das crianças e dos jovens portugueses (e não só). Uma vida de serviço público, no sentido mais nobre da expressão. Carlos Nogueira


Beja, 15 de Setembro de 2010

O António Torrado escrevo eu um poema, o escritor convidado a esta festa suprema. As Palavras Andarilhas só têem a ganhar por poeta de maravilhas nos vir aqui visitar. Poeta que me deu a conhecer a terra que me viu nascer através de lendas e histórias Macau fica nas minhas memórias. Que continue sempre assim o escritor António Torrado com imaginação sem fim que mora para lá do Sado. Carmen Margarida Fernandes Machado


Viseu, 12 de Setembro de 2010 Caro António Torrado: Sinto‐me um pouco constrangida ao escrever estas palavras e até certo ponto, incapaz de lhe fazer uma justa homenagem. Sei muito pouco sobre si… Uma vez, estava eu a chegar de Vila Nova de Paiva, onde trabalho, e vi o sentado, sozinho, num banco do Rossio em Viseu. Apeteceu‐me parar o carro ali mesmo, no meio da estrada, e ir‐me sentar ao seu lado, a ouvi‐lo falar da beleza dos grãos de areia e das gotas de água. Não parei, mas esta é uma das imagens mais bonitas e mais significativas, do Rossio da minha cidade, e muitas vezes, quando o fim do dia chega e ali passo, sinto que gosto um bocadinho mais dela, só por causa disto. Penso que o primeiro conto que li seu, foi “O Mercador de Coisa Nenhuma”. Se não foi o primeiro, foi de certeza o que me fez ter vontade de o conhecer melhor, e de o partilhar com outros olhos, ouvidos e corações. É tão bonita a coragem de fazermos o nosso caminho e tão maravilhosamente bela a luta pelo sonho, que este se tornou um dos contos que de alguma forma me caracterizam, me constituem, me compõem. Mas pensar em António Torrado, também me faz pensar em como é difícil, por vezes, conseguir a colaboração de professores para fazer um trabalho extra curricular, e em como, por altura de umas “Olimpíadas da Leitura”, me senti extremamente revoltada por não ter conseguido a ajuda de um único professor de um agrupamento, para dramatizar “Um macaco à solta na minha Rua”. Os alunos queriam tanto oferecer‐lhe este presente, que foi com lágrimas nos olhos que me ouviram dizer que não era possível. Felizmente o António Torrado não sabia de nada disto e foi a Vila Nova de Paiva e ofereceu‐lhes momentos que serão, para muitos, inesquecíveis. Podia falar também da dificuldade que tenho em fazer perceber às escolas que as coisas têm que ser pensadas, preparadas e calendarizadas com a devida antecedência, e ciclicamente lá pego eu no telefone para ouvir dizer do outro lado: “Este ano já não é possível, só se for para o próximo”. As coisas não acontecem só porque queremos, é preciso fazer por merece‐las. Uma outra imagem bonita que guardo se si é em Beja, ao lado da Matilde Rosa Araújo… Há momentos tão perfeitos, que calam todas as palavras. Fica a ternura toda, guardada para sempre. Parabéns! Que as suas palavras continuem a encher páginas e que nós possamos continuar a lê‐las e a partilha‐las. Bem haja !!

Cláudia Sousa


De Évora… com calor O «Torradinho» apresentou‐se um dia de há alguns anos atrás na biblioteca de uma

escola em Évora e, como é costume seu, derreteu o público, de miúdos e graúdos, e confidenciou que era assim, «Torradinho», que lhe chamavam quando era pequeno. Verdade ou ficção? Isso agora não interessa nada… O que interessa é que este homem chamado António e também Torrado nos encanta a todos e em todos os suportes: da página impressa à página Web ou, com ou sem microfone, a olhar‐nos directamente nos olhos. É claro que não foi em Évora que o li pela primeira vez, pois não nasci nesta Cidade mas fiz nela nascer os meus dois tesouros e foi nela que lhes li pela primeira vez os livros do António Torrado e eles se fizeram seus leitores. Foi nela que pela primeira vez lhes mostrei que mesmo a ditadura se pode transformar em obra de arte, quando já cientes do que tinha sido esse mau momento do nosso País o conheceram pela metáfora de um veado que tinha hastes floridas em Liberdade (esse que outros meninos desta mesma geração que ainda está a crescer fez com as suas próprias mãos e enfeita o recreio de uma escola do bairro da Cidade). Foi no Verão passado que nos sentámos, em tête‐à‐tête num júri na margem sul do Tejo, a descobrirmos talentos e a trocarmos sabedorias. E agora, neste Verão quente, desafiam‐me para escrever ao Escritor… Os elogios serão em uníssono e, por isso, as únicas palavras que aqui lhe deixo, António Torrado, de Évora e com calor, são «muito obrigada»! Cláudia Sousa Pereira Évora, Julho 2010


Querido príncipe!

Ouso chamar‐lhe querido, porque fará eternamente parte da minha história de vida como professora, como leitora, como “contadora de histórias”... Chamo‐lhe príncipe, porque foi como Príncipe de Todas as Histórias que o apelidei no encontro de Montargil, no dia 2 de Junho deste mesmo ano – um dia realmente mágico, pela sensibilidade e, especialmente, pela simplicidade que demonstrou perante os seus súbditos no Palácio da Boa‐Vontade.

Quando soube que podia ter a honra de participar, ainda que de longe, numa homenagem tão sentida como esta, não hesitei e resolvi enviar‐lhe o texto com que, ao jeito da História do Dia, o apresentei no início do encontro.

Despeço‐me com um abraço ‐ revelador da paixão pelas histórias, e com uma vénia que expressa todo o meu respeito pelo homem, pelo escritor que jamais esquecerei. A História do Dia é...

Um Momento Único No reino longínquo da bela Lisboa, corria o ano de 1939, as fadas Sabedoria, Imaginação e Vontade alegravam‐se com o nascimento do Príncipe de Todas as Histórias – António era o seu nome. Herdeiro do trono das Palavras Mágicas, há muito que era esperado. Os oráculos diziam que reinaria com o ceptro da Poesia e que elevaria a arte das letras, dotando‐as de uma vida prenhe de beleza, humor e fantasia. Não admirava, portanto, que as fadas procurassem, cada uma mais do que a outra, disputar a sua atenção e apadrinhar o jovem príncipe... Com ele teriam a fama e a eternidade... jamais seriam esquecidas... António, Príncipe de Todas as Histórias, sorria no seu berço de fantasia e olhava‐as fascinado. O destino estava traçado – correria mundo, encantaria os mais pequenos e até os mais graúdos. E, num desses momentos – partilhados, encantados – o talento e a fama levá‐lo‐iam junto de um Monte apelidado de Montargil onde o esperariam, no Palácio da Boa‐Vontade, centenas de súbditos, ávidos de Histórias Bem-Dispostas, querendo aprender Como Se faz Cor-de-Laranja e sonhando com Dez Dedos de Conversa. Por muito, muito tempo... por mais tempo que vivessem, guardariam, na alma e na memória, o Príncipe de Todas as Histórias... ... e, claro, as fadas Sabedoria, Imaginação e Vontade... E contariam, de geração em geração, esse momento único ‐ A História do Dia. Cristina Maria Alves dos Santos Prof. Bibliotecária no Agrupamento de Escolas de Montargil


Caro António Torrado Quando me sugeriram para lhe dirigir uma carta, a minha primeira atitude foi de negação. “Meu Deus, como é que eu vou escrever uma carta para um magnífico escritor de que admiro tanto, não sou capaz!” Depois pensei, de certeza que António Torrado tem imensos admiradores e se todos agirem como eu, a Cristina Taquelim não vai poder fazer esta surpresa. E António Torrado bem que a merece! Decidi então tentar. Pois aqui vai! Sou Educadora de Infância e tenho um amor muito grande por livros (não falo de paixão porque geralmente as paixões são passageiras e este amor acompanha‐me desde que eu me lembro) e principalmente pela literatura infantil. Por isso sempre li muito e sempre utilizei o livro e a leitura no meu trabalho e no meu dia‐a‐dia. António Torrado esteve muitas vezes presente nas minhas leituras, na minha partilha do livro com as crianças, nas nossas conversas e imaginações. Assim como foi sempre uma referência para mim, o António também se tornou uma referência para as crianças que me escutaram e que me escutam. A obra de António Torrado com o humor, a simplicidade dos textos, o trocadilho de expressões, a grandeza das palavras, a sensibilidade para os verdadeiros valores da vida, a personificação de tantos objectos, todos os sentimentos intrínsecos, a beleza dos contextos… faz‐nos despertar um novo olhar para tudo o que nos rodeia e nunca nos poderemos sentir sós. Parabéns por toda a sua obra e obrigado por partilhá‐la connosco. Com muito carinho, Cristina Rebocho


Dois dedos de conversa com «os dedos à conversa» do António Torrado Desde que conheço os dias que me conhecem que conheço os livros. Os meus primeiros contactos com os livros fizeram‐se com «a polpa dos dedos» a separar umas das outras as páginas e a lombada a que pertenciam. Mais tarde, ainda o tempo da escola não pertencia ao tempo, chegou o tempo de viajar por entre as páginas para voltar uma e outra vez às mesmas páginas que os sentidos me guardaram na memória. A primeira viagem teve como destino «a ilha misteriosa» que acolheu «os náufragos do ar». «O abandonado», que deu nome à segunda viagem, não viu nenhuma das suas páginas votadas ao abandono. E a terceira viagem, ao mesmo tempo que revelava «o segredo da ilha» via nascer o leitor que sonhava (e ainda sonha) descobrir sempre mais e mais ilhas de páginas. E neste périplo dos sentidos movidos pelos significados das palavras acontecia muitas vezes encontrar‐me com personagens que já tinha conhecido noutras páginas de outras ilhas. Na «ilha» das «vinte mil léguas submarinas» onde mergulhei nas mesmas palavras vezes e vezes sem fim entendi melhor tudo o que tinha vivido na «ilha misteriosa». E quando conheci «os filhos do capitão Grant» também me senti de volta à «ilha misteriosa». E ao guia (Júlio Verne) que povoou de palavras estas e muitas outras ilhas de páginas devo, como ao António, sempre o que sou. E são muitos mais os outros guias de palavras que conheço e reconheço como os autores que me acompanham para além da leitura e das palavras para sempre impressas na minha memória de leitor. Ao «pai de palavras» que encontrei ao ler «da escola sem sentido à escola dos sentidos» gostaria de pedir que recebesse estas outras palavras como um pai de outros pais recebe as suas netas acabadas de nascer. Para estas palavras nascerem, muitas centenas/milhares foram as palavras convocadas para se juntarem aos milhares de caracteres e às centenas de palavras que me contam a conversa dos dedos. Olhadas e folheadas, das páginas sobram as interrogações que conduzem os sentidos dos dedos ao sentido do mistério contido nas palavras moradoras de páginas. E em novas páginas desejo continuar todos os dias a descobrir novas interrogações, sentidas com todos os sentidos, com as palavras de quem, como o António, escreve com muito e muito(s) sentido(s).

David Cláudio Messias da Silva Argel


Arganil, 13 de Setembro de 2010 Meu querido António Torrado Somos um grupo de meninos de Arganil que cresceu a ouvir as suas histórias, quer em casa com os nossos pais, quer na Biblioteca Municipal Miguel Torga. Vamo‐nos sempre lembrar das primeiras histórias suas, que ouvimos. Eram do livro “da Rua do Contador mora a Rua do Ouvidor” e eram uma delícia! Mas essas histórias da sua autoria, como por exemplo: ‐ A Nuvem e o Caracol; ‐ Hoje há Palhaços; ‐ Como se faz Cor‐de‐Laranja; ‐ Os Meus Amigos; ‐ Uma História em Quadradinhos; ‐ Dez Contos de Reis; ‐ Ler, Ouvir e Contar; ‐ O Elefante Não Entra Na Jogada; E tantas, tantas outras! Sabe António, nós sentimos que as personagens dos seus livros já fazem parte das nossas vidas. Para nós, o António Torrado com poderes especiais, é um mágico que tem o poder de nos transportar para lugares mágicos da nossa imaginação. Por favor nunca pare! Precisamos de continuar a sonhar. Um beijinho cheio de Contos! Diogo Pereira Mariana Travassos Fábio Neves


Torreira, 28 de Agosto de 2010 Caríssimo amigo: É em férias que a mente se liberta e o tempo se alonga, permitindo fazer o que durante o ano nunca é feito, atribuindo sempre o não fazer à falta de tempo. O alongar do meu tempo, em férias, levou a que tivesse tempo de lhe escrever esta carta, um meio de comunicar pouco comum, actualmente. Tal fica‐se a dever ao facto de ter perdido o meu telemóvel, o que me impede, assim, de o contactar, já que fiquei sem o número do seu, e devido ao meu computador, tal qual o relógio de um dos muitos contos do meu bom amigo, ter decidido descansar… Tem esta o fim de lhe dar conhecimento de algo de anormal, referente a uma folha de papel, em branco, que se nega a ser utilizada, ziguezagueando, continuamente, o que impossibilita qualquer tipo de escrita. Exige que seja o meu prezado amigo a enchê‐la de palavras, sempre tão bem escolhidas, esmeradamente agrupadas em frases, que dão origem a textos em prosa ou em verso, narrativos, líricos ou dramáticos, reveladores do talento que lhe sobra. Para o efeito, junto a folha em branco, certa de que ela se sentirá muito feliz, pois sei que o meu caro amigo satisfará gostosamente, o inteligente que decidiu, sabiamente, aceitar apenas, ser preenchida pela sua escrita que tão suave soa aos nossos ouvidos e tão bem nos faz ao coração, capaz de cativar os mais exigentes. Um forte abraço cheio de gratidão e de saudade da amiga

Dolores Tavares


Se recordar é VIVER…Eu … vou mergulhar nas minhas memórias e recordar alguns acontecimentos, algumas das histórias de alguém muito especial que povoou o meu imaginário à muitos anos atrás e graças a Deus continua a fazer parte dos meus dias. Esta história começa assim: Nasci no Alentejo (Valongo), uma aldeia do concelho de Avis, no meio de árvores, flores, animais e pessoas que me amavam. Durante o dia brincava com as crianças da minha idade, à noite, ouvia as corujas, as rãs, as ovelhas e outros animais que não conseguia identificar. Ficava acordada para os ouvir, sentia‐me triste. Terminei a 4ª classe como se dizia na altura e não fui mais para a escola. Quantas vezes, fui para a porta da casa onde vivia, para olhar as outras crianças que iam para a escola? Ficava preocupada e receosa de não saber comunicar e não ter acesso a livros, confesso que ficava até com ciúmes dos professores e das pessoas que escreviam os livros, na altura nem sabia que eram os escritores. Fui aprendendo, tentando aprender os segredos da infância e da juventude, uma descoberta viva, todos os dias. Tive sorte. Um dia algo de bom me aconteceu, recebi um livro. “ A Chave do Castelo Azul” que me ofereceu o meu primo que estudava na Pontinha, quase que o “devorava” naquele momento. Rapidamente chegou ao fim. No meu imaginário ficou a chave ferrugenta, o palácio encantado, aquele lugar maravilhoso, quem será este senhor, questionava eu: um autor, um escritor, um contador de histórias? Permanecia em mim uma vontade enorme de conhecer o senhor que escreveu aquela história. Passaram mais de 20 anos e finalmente conheci o Grande Senhor António Torrado, distribuindo sorrisos, atenções, contando histórias e mais histórias! Histórias alegres, criadas por quem sabe brincar com as palavras, que não faz cerimónia com os seus leitores e sobretudo os respeita tenham estes a idade que tiverem. Obrigado por tudo o que me transmitiu e transmite. Um Grande Abraço a António Torrado, Domicília Rodrigues


Olá, António Torrado; Algumas palavras soltas sobre o que li: sonho; cor; espanto; inquietação; admiração; caminho … chegada. Um até breve Fátima


Olá, eu sou a Fátima Costa e quero desde já escrever que adoro as suas histórias. A Imaginação e a Criatividade são coisas que poucas pessoas têm e você faz parte do grupo das pessoas que tem posse delas. Eu gostaria de ter tanta Imaginação como a que você tem para os meus livros, sim, porque eu gostaria de ser escritora e os escritores têm de ter a cabeça carregada de Imaginação para escreverem muito. Não sei o que mais poderei dizer, mas que este livro é uma boa ideia e que sou fã dos seus muitos livros. Fátima Mendes Costa, Beja, 31/08/2010


Senhor escritor Venho por este meio saber como está…. Eu, felizmente estou bem, assim como todos os meus …não estou a esquecer os “ bichos” que o senhor deixou por aí fora, por esse país das letras que depois se encontram na “casa das histórias” Posso informá‐lo que tanto o “caracol” que quase se abrigava debaixo de uma “nuvem”, mas o que não aconteceu, porque “nuvens” são lágrimas que caem na terra… e aquele “caranguejo” que devido à crise teve que tocar órgão para ganhar a vida….vi também “o Veado Florido” cumprimentei‐o…ia a banhos….talvez encontre o “Pinguim em Fundo Branco”…Ah! …mas o Rato, o Rouxinol… pode acreditar que os ouvi em amena cavaqueira…histórias…histórias… Senhor escritor como tem andado dos dedos? Já recuperaram a inspiração? Eles estavam demasiado queixosos…o mesmo aconteceu à menina “ Borracha” (já não faz nada?) ou recuperou? Deixe‐me perguntar o “caranguejo” já regressou de férias do campo? Foi o que eu ouvi (Da rua do Contador para a rua do Ouvidor) …È verdade? Mas não me fiquei por aqui, porque no país do senhor escritor conheci o “ Adorável Homem das Neves”, vi um”Relógio que tinha uma janela”…. será para o tempo cantar?...Conheci o “Vizinho de Cima”….simpático, mas não deixa que o “Elefante” entre na jogada, que fazemos no átrio…paciência a verdade é que continuo a “Contar Contigo” e provavelmente poderemos brincar ao “Toque e Foge” ou encontrar uma “Flauta sem Mágica”…não é preciso na terra do” Era uma Vez “…AH! Já me esquecia de dizer que aprendi a fazer”Cor de laranja”… e com todos estes recados tenho que te falar que também conheci “Verdes Campos”…parecia um verso de Camões…mas não, são os campos lindos vergados ao peso dos choupos que se miram nas águas do rio Minho e onde descobriste lindas e antigas lendas ….e como descobriu que “As coisa têm Coração”…ah! Já sei os escritores têm dois corações; um de homem outro de fazedor de palavras. È bom, está prevenido e assim teve mais fôlego para dar uma “Vassourinha entre Abril e Maio”… “e nesse ano estreava/ novo ano em Abril” Boa amigo eu também esperei por esse ano onde tudo parecia uma eterna Primavera…. Penso que já disse muitas coisas que fiz com aquilo que descobri contigo…que as dei também, servidas no dia á dia de uma mestra dum tempo onde as primaveras eram cinzentas…. Agora posso terminar com palavras que tu conheces, “Não se percam na viagem…não demorem…não se esqueçam de chegar” E como se fosse a “história”…” A história que vou contar/ começa por um ponto/ de uma volta, reviravolta, meio tonto e acaba tal e qual, mesmo ao lado donde tudo tinha começado.”


Tudo começou, porque o senhor que é homem é também fazedor das palavras, semeou‐as plantou‐as e depois colheu o mundo maravilhoso da fantasia que leva aos afectos…ao amor. Obrigada, até à volta do correio,

Fani (Fernanda Frazão)


O MUNDO DÁ MUITA VOLTA… Quem me diria a mim, acompanhante cúmplice pela mediação da leitura e mais tarde pela divulgação militante no meu exercício de educador de infância, que de 40 anos de uma vida literária viria a ter o direito de partilhar na primeira pessoa os últimos dez. Ao conseguir colocar Portalegre na rota afectiva de António Torrado, para além de um formador de características únicas, que ao longo do anos partilhou com centenas de educadores e professores um saber feito na primeira pessoa, conquistei um amigo e um companheiro de sonhos e projectos. Para o mundo a face visível deste encontro chamar‐se‐á seguramente HISTÓRIA DO DIA, e pena que não se possa chamar muitas outras coisas que em conversas, acompanhadas pela boa gastronomia alentejana, arquitectámos em conjunto… mas para mim chama‐se tão só ANTÓNIO TORRADO um amigo. Povoar o mundo de histórias intemporais, através de uma escrita que convida ao crescimento é como plantar sobreiros…. Sabemos que ao longo de séculos serão refúgio, riqueza, sombra, que ficam lá, que nos esperam… Pois é… mas nem todos sabem plantar sobreiros. Poderia recordar aqui centenas de episódios, conversas… enfim, aquelas coisas que de uma forma natural acontecem nas amizades verdadeiras, mas não…. Vou apenas dizer algumas coisas simples que acabei por retirar das inúmeras dedicatórias que religiosamente guardo nos livros com que António Torrado me tem enriquecido… ‐ A casa da lenha que pelos vistos descobriu em Portalegre está de pé e recomenda‐se ‐ A amizade sem sombras que o levou a colocar em letras de forma os nomes da minha família, enche‐nos de orgulho ‐ Também acredito que há “estrelas propícias” A terminar, um agradecimento e uma revindicação: O agradecimento: Do muito que tenho para lhe agradecer, elejo hoje a possibilidade que me deu de os meus filhos terem podido crescer na companhia de um escritor. A reivindicação: Se de 40 anos de vida literária apenas me deu o prazer de partilhar na primeira pessoa os últimos dez… contas feitas deve‐me 30… espero que me pague com os próximos Um abraço amigo de quem neste momento tem pena de não dominar a escrita, pelo menos um bocadinho, ao jeito de António Torrado FRANCISCO PACHECO


Caríssimo António Torrado Cruzámo‐nos pela primeira há muitos anos. Já não consigo recordar exactamente a circunstância, mas creio que teve a ver com um interesse partilhado – a escritora Virgínia de Castro e Almeida. E ao longo de muitos anos tenho tido o prazer de acompanhar a sua escrita, sobretudo a teatral, e a imensa satisfação de ver muitas vezes essa escrita subir ao merecido palco – o palco que dá vida às palavras tecidas e corpo aos ambientes apenas imaginados. Na história da literatura dramática e do teatro ficará sem dúvida registado o seu contributo decisivo para essa arte da escrita e do espectáculo. Não posso deixar de registar e agradecer, agora em ”público”, o apreço subjacente aos diálogos telefónicos que temos trocado ao longo dos tempos – mais por iniciativa do António, a verdade seja dita. Retenho com imensa satisfação essa presença regular e a sua amizade ocupa um lugar especial, que as palavras não sabem exprimir cabalmente. Que a força do verbo esteja sempre presente. Um abraço e muita estima, Glória Bastos


Eu acreditava no menino Jesus quando era pequenina. Colocava o sapatinho na chaminé e esperava ansiosamente pelo presente que pedia de joelhos. A magia era imensa e cada vez mais exigente, não com brinquedos, mas sim livros. O 1º encanto foi um dicionário de língua portuguesa. Fantástico e com tantas páginas! Aos 9 anos disseram‐me a verdade aterradora, na escola. Que meninos eram esses que não acreditavam na magia do menino Jesus? A magia escapou‐se das minhas mãos e tinha, rapidamente, que encontrar o deslumbramento perdido. Consegui encontrá‐lo nos livros, ao longo de toda a minha vida. Em todas as ocasiões. E que poderemos nós escrever sobre essa fantástica capacidade que têm os escritores, especial para crianças – porque são elas as mais exigentes – de nos maravilhar, de nos encantar, de nos assustar, de nos fazerem sonhar? Lembro‐me de umas “andarilhas”, as minhas primeiras e, infelizmente, as minhas únicas. Estavam tantas pessoas à minha volta e comecei a ouvir uma voz, quentinha, aconchegante, que me embalava. E sem mais nem menos vi‐me transportada para o meu quarto de criança e tudo mudou. Estava deitada e alguém me contava uma história. O espantoso da situação é que quem o fazia não tinha nenhum livro na mão e eu, criança, achava tão estranho aquele senhor saber tão bem a história sem ter nenhum livro! A voz continuava alheia aos meus pensamentos. Envolvente, sábia, aconchegante. Lembro‐me de querer que aquele momento nunca terminasse. Ouvi palmas. Acordei para a realidade. Era tão bom sonhar e são maravilhosas e únicas as pessoas que nos fazem sonhar. Olhei à minha volta. O senhor que agradecia as palmas era o mesmo que estava no meu quarto. Acordei. Olhei para o programa e li de novo o nome: António Torrado. Não me consegui levantar e só me lembro que as minhas colegas perguntaram:” Graça porque choras? Vamos almoçar.” Senti‐me perdida mas de alma cheia. As minhas lágrimas eram só minhas, não queria naquele momento partilhá‐las com ninguém. Não consegui responder, mas agora posso dizer: OBRIGADA ANTÓNIO.

Graça Martins Caneira


Caro António Torrado: Escrevo‐lhe para agradecer ter‐me enviado A CHAVE DO CASTELO AZUL. Muito obrigada, mas afinal vou continuar a viver nA CASA DA LENHA, que fica no cruzamento DA RUA DO CONTADOR PARA A RUA DO OUVIDOR. Estive no Castelo, mas acabei por sair de lá a correr. Vou‐lhe contar como tudo se passou: Quando cheguei ao Castelo Azul a primeira coisa que vi foi O TRONO DO REI ESCAMIRO e ao lado UMA CADEIRA QUE SABE MÚSICA. Junto à parede havia uma fileira de VASOS DE PÉ FOLGADO. Não se via ninguém mas ouvia‐se uma música dO TAMBOR‐MOR e vozes que vinham do andar de cima. Subi UMA ESCADA EM CARACOL e no primeiro andar estavam O REI MENINO, O MERCADOR DE COISA NENHUMA, O ADORÁVEL HOMEM DAS NEVES e O PAJEM QUE NÃO SE CALA. Entretinham‐se os 4 a jogar um jogo nO TABULEIRO DAS SURPRESAS enquanto davam DEZ DEDOS DE CONVERSA. Quando notaram a minha presença, chamaram‐me para perto deles e pediram‐me que lhes contasse uma história. Disseram‐me que para além de jogar, LER, OUVIR E CONTAR eram os seus passatempos favoritos. Recusei‐me a contar uma história porque sou péssima contadora. Então o PAJEM QUE NUNCA SE CALA disse: _ Se quiserem eu tenho UMA HISTÓRIA PRONTA PARA CONTAR. É a história dA NUVEM E do CARACOL. _ Está bem, então conta lá!! _ disseram os outros. E o Pajem começou a contar: A NUVEM gostava de pintar, mas tela após tela só pintava PINGUINS EM FUNDO BRANCO. Resultado: todos os seus quadros eram pretos e brancos. Certo dia O CARACOL perguntou à NUVEM: _ Porque é que só usas o branco e o preto? Porque é que só fazes pinguins? Se usares também o vermelho podes fazer, por exemplo UMA JOANINHA À JANELA. Ou se quiseres posso te ensinar COMO SE FAZ COR DE LARANJA e depois podes pintar uma cabaça a correr, CORRE, CORRE CABACINHA. E o verde? Porque não o usas? Não sabes que VERDES SÃO OS CAMPOS? E o amarelo? De que cor eram as ESTRELAS QUANDO OS REIS MAGOS ERAM PRÍNCIPES? Então a NUVEM pegou no Arco‐íris e fez UMA HISTÓRIA EM QUADRADINHOS, uma bela HISTÓRIA COM UM GRILO DENTRO, a que chamou O LIVRO DAS SETE CORES. O CARACOL ficou tão maravilhado que lhe comprou o livro por DEZ CONTOS DE REIS. A partir daquele dia NUVEM passou a pintar sempre com o Arco‐íris. E vitória, vitória acabou‐se a história.


Ninguém gostou muito desta história, por isso voltaram a pedir‐me para contar eu uma história. Voltei a recusar. Então O MERCADOR DE COISA NENHUMA sugeriu: _ VAMOS CONTAR UM SEGREDO? Cada um conta o seu segredo. Todos estiveram de acordo e de imediato notou‐se uma certa electricidade no ar. O primeiro a começar foi O MERCADOR DE COISA NENHUMA: _ À noite sonho com A DONZELA GUERREIRA. Depois foi a vez do PAJEM QUE NUNCA SE CALA: _ Eu sou UM VEADO FLORIDO. _ disse e ficou muito vermelho. A seguir foi a vez do REI MENINO: _ Eu imagino que sei COMO SE VENCE UM GIGANTE e que à minha passagem todos dizem ESTE RAPAZ VAI LONGE. Depois falou O ADORÁVEL HOMEM DAS NEVES: _ OS MEUS AMIGOS não sabem que sou sonâmbulo. E ficaram por momentos calados a pensar nos segredos revelados e a saborear a amizade. Inevitavelmente acabaram por se voltar para mim e perguntaram‐me qual era o meu segredo. Engasguei‐me, titubeei, a situação era desesperada: não tinha contado nenhuma história e agora não queria partilhar nenhum segredo. Despedi‐me às pressas e saí dali a correr. O meu segredo era demasiado cruel para eles ouvirem. O meu segredo é que me apropriei dos títulos das suas obras António Torrado, para escrever esta carta em jeito de agradecimento, pelo muito que tenho aprendido consigo na arte de narrar. Helena Gravato


António, A sua escrita tem acompanhado, em vários formatos, toda a minha vida. Primeiro, ainda criança, como simples leitora, altura em que me deliciava com as sua histórias, imaginando‐me fazendo parte delas. Numa segunda fase, profissionalmente, altura em que tive a oportunidade de o conhecer. Afinal, aquela pessoa que escrevia histórias maravilhosas e que fazia o meu imaginário voar, era mesmo real, não era ele também imaginário. É certo que só alguém com muita sensibilidade, e imaginação terá capacidade para chegar ao coração das crianças e fazê‐las sonhar, rir, encantar e imaginar. Mas naquela altura eu pôde materializar o autor das histórias, que me proporcionaram muitos momentos de felicidade. Este encontro em que tive o privilégio de me cruzar consigo, teve como base um pequeno livro de contos tradicionais "Ler. Ouvir e Contar", de sua autoria, onde constavam histórias como “Corre Corre Cabacinha”; "O Pinto Pintão"; "O rapaz Fino e Ladino", que foi distribuído por todas as escolas do primeiro ciclo do país, com o intuito de promover o livro e a leitura. Estou certa que neste ano de 2000, milhares de crianças se congratularam ao serem presenteadas com um livro de sua autoria, e também elas tiveram o privilégio de “beber” as suas palavras e entregarem‐se à imaginação. Os meus filhos foram uns privilegiados, li‐lhes vezes sem conta as histórias que escrevera, naquele livro, e eles ainda muito pequenos apenas com dois e cinco anos, já as sabiam de cor. Quando me enganava eles corrigiam: “mamã saltaste... mamã enganaste‐te... mamã não estás a contar toda a história... mamã agora sou eu que conto.” Isto só demonstra que o António, tem a capacidade de despertar nas crianças um interesse cognitivo, que as faz quer ouvir, ler e imaginar o seu imaginário. Passados estes anos, enquanto responsável pelas Bibliotecas de um concelho continuo a gostar da sua escrita, mas sobretudo continuo a ver que os meninos procuram os seus livros e os sentem como fazendo parte das suas histórias. A sua missão está longe de acabar, ela está apenas no início, um início sem fim, porque as suas histórias ficarão para sempre gravadas na nossa memória de criança e perpetuaram‐se pela nossa vida, acompanhando‐nos como se fizessem intrinsecamente parte de cada um de nós. Que a sua energia chegue sempre até nós através da sua escrita, seja ela infantil, teatral ou filosófica. Helena Jardim Coordenadora do Sector de Bibliotecas e Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Odivelas


Angra do Heroísmo, 6 de Agosto de 2010 Estimado Escritor António Torrado É com muito gosto que lhe dirijo estas palavras para, em primeiro lugar, elogiar e enaltecer o distinto trabalho que tem desenvolvido em prol da Literatura Infantil e Juvenil, onde a sua obra assume um papel preponderante não só pela sua abundante e profícua produção, onde se enquadram os recontos da tradição oral, que primam pela presença da memória popular, enquanto fonte viva de sabedoria, mas também por encontrarmos na sua escrita uma grande preocupação com o enaltecimento de determinados valores, como a coragem ou a solidariedade, e a crítica de outros, como a inveja e a vaidade, temperados com uma boa dose de humor. Gostaria ainda de enaltecer a sua capacidade em adequar a linguagem dos seus textos ao público mais jovem, verificando‐se um enorme respeito pelo leitor e o respectivo reconhecimento das suas qualidades e competências, não se assistindo, contudo, a uma tendência para uma infantilização das histórias. É provavelmente a proximidade que estabelece regularmente com o seu público que lhe dá alento e virtude para continuar a escrever empenhadamente para um auditório tão merecedor e importante, pelo que não posso deixar passar esta oportunidade sem manifestar o desejo de trazê‐lo um dia à “minha” Biblioteca (BPARAH – Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Angra do Heroísmo). Sei que já visitou a nossa ilha e que também esteve em algumas escolas, mas como a vinda de escritores não é muito frequente e quando acontece não consegue cobrir todas as crianças dos dois concelhos, sei que será muito bem acolhido por todos os que tiverem a felicidade de contatar consigo de perto. Por último, gostaria de destacar um título, do conjunto da sua obra, que me seduziu em particular: Como se faz o cor‐de‐laranja. Penso que neste texto cruza, de uma forma muito sábia e bela, a poesia com a realidade, a curiosidade com a ingenuidade, levando‐nos a questionar o mundo que nos rodeia, despido de sensibilidade e interesse pelas coisas mais simples e mais genuínas da vida. Desejando que continue a acarinhar‐nos com novas histórias e que continue a ser reconhecido pelo excelente trabalho que desenvolve, despeço‐me enviando cordiais cumprimentos, Helena Martins


Santa Catarina, 10 de Setembro de 2010 Olá António, Escrevo esta carta como leitora atenta das suas obras que tanto me deliciam. Desde pequena que fui habituada a histórias, não do livro propriamente dito pois não eram recursos que me entrassem pela casa dentro, mas sim da narração oral, das memórias mais recônditas dos meus pais e avós. Na minha infância, os serões no Inverno eram sempre passados em redor da lareira de casa da minha mãe. A minha mãe e o meu pai, sem sequer o saberem, eram, na minha opinião, excelentes contadores de histórias. Histórias do antigamente, amores inocentes e os desamores distantes em tempos de guerra. Histórias de gentes do campo, de crianças traquinas com muita comédia à mistura, histórias de dor, de sofrimento… Situações a que hoje na nossa vida tão pouco sondada chamamos de banalidades, mas que outrora foram a causa de muitas lutas diárias e certamente a revelação do carisma de muita gente. Eu e os meus irmãos penetrávamos de tal forma naquele mundo tão distante, que parece que flutuávamos conduzidos pelo som daquela voz, não fosse por vezes o crepitar mais intenso da lenha ou a chuva tocada a vento que nos acordassem deste estado tão aprazível e profundo. Lembro‐me de adormecer inúmeras vezes deitada na cama, a contar histórias à minha irmã que dormia a meu lado. Histórias essas que inventava, sem perceber muito bem como iriam acabar. Histórias de mundos e de vidas que eu sonhava para mim e de personagens que me acompanhavam diariamente no meu imaginário de criança. Uma das muitas histórias que me marcou muito enquanto criança e que ouvi e contei vezes sem conta foi “O macaco de rabo cortado”. Não posso esconder a minha alegria, quando anos mais tarde encontrei essa mesma história agora recuperada pelo António. Talvez assim, eu consiga dar a entender um pouco, de como o gosto pelas histórias me ficou de tal forma entranhado, que me abandonei às Palavras Andarilhas. Cresci, tive os meus filhos e a verdade, é que as histórias são uma constante nas prateleiras da minha vida, desta vez, acompanhada por livros, muitos livros. Tal como iniciei esta carta, não escrevo por outro motivo que não seja de o felicitar pelo seu maravilhoso percurso de gratuidade e de partilha de saberes para com o público infantil e não só. Admiro a sua capacidade de fazer sonhar qualquer um que se atreva a cruzar no caminho dos seus livros, inclusive aquele adulto, por mais sisudo que seja. Quero que saiba, que é para mim um autor de referência, por quem nutro um grande carinho (apesar de ser uma leitora à distância), e deixar o meu profundo agradecimento por me fazer reavivar memórias. Hoje são os meus filhos que me pedem para contar, e eu…eu volto de novo a ser criança e a viajar pelo mundo encantado das letras, das imagens e da voz surda da imaginação.


Um abraço do tamanho de todas as letras que já escreveu… Hortense Fialho Firme Desculpem o abuso, mas pedi à minha filha (10 anos) que escrevesse uma mensagem Ela escreveu o seguinte: Artista de crianças iNédito para todos Todos o apreciam. Órgulho em si mesmo Não consegue parar de escrever Inesquecível O seu talento é tanto que até descreve o seu encanto. Márcia Ramos


Penamacor, 25 de Agosto de 2010 Caro António Torrado, Espero que esta carta o vá encontrar de boa saúde e disposição. Eu cá estou bem, tentando manter‐me bem‐disposta e sempre de boa saúde! Acabei de receber um desafio secreto da Cristina Taquelim, uma ideia linda, diria mesmo, ternurenta: escrever secretamente uma carta para alguém que não só merece a homenagem que se lhe prepara, mas que merece também a prova de carinho proposta. Aceitei imediatamente o desafio, primeiro, porque adoro escrever cartas, depois, porque tenho uma grande admiração e carinho pela pessoa em questão. Em Outubro de 2000, iniciei as minhas funções como bibliotecária em Penamacor, cheia de ideias e esperanças, entusiasmadíssima! Por volta dessa altura, mais dia, menos dia, recebi a comunicação para participar, juntamente com a Escola EB 2,3 Ribeiro Sanches, nas Olimpíadas da Leitura. Escolhemo‐lo a si, António Torrado. Foi a minha primeira grande actividade. A visita do escritor ficou agendada para, salvo o erro, o dia 25 de Janeiro de 2001. No desdobrável que enviei para as escolas, informava que esta actividade era para os alunos do 2º ciclo, no entanto, os jardins‐de‐ infância e as escolas do 1º ciclo também marcaram a vinda, eu, com medo de magoar as professoras e educadoras, não fui capaz de dizer que não, ainda por cima seria um péssimo começo… No noite anterior, com um motorista da Câmara, fomos buscar o escritor à estação dos comboios a Castelo Branco, eu ia ansiosa. Encontrei uma pessoa serena, comunicativa, muito acessível, que me deixou logo menos nervosa e à vontade. Descobri que era desta zona, e que, portanto, conhecia estas nossas bandas desérticas melhor que eu! No dia 25 de manhã, um dia frio e chuvoso de Janeiro, a minha Biblioteca, que na altura funcionava nas velhas instalações, no quartel, encheu‐se, melhor, abarrotava pelas costuras! de tanta gente que albergava. Não havia espaço para cadeiras, apesar da intempérie lá fora, as crianças sentaram‐se no chão em cima de jornais. O Presidente da Câmara veio receber o escritor e dar‐lhe as boas vindas. A turma da criativa professora Maria de Jesus, preparou uma breve representação dramática para apresentar o escritor. Um momento delicioso oferecido pelos nossos jovens ao escritor. Os miúdos estiveram muito bem! Seguiram‐se quase duas horas de interacção do escritor com o seu heterogéneo público. Durante essas duas horas, crianças, jovens, professores, educadores, curiosos, assistiram e responderam quando solicitados, sem a mínima prova de cansaço ou enfado. Eu assistia com um grande sorriso e enorme admiração pela pessoa que conseguia cativar assim, desta forma hipnotizante, uma plateia de muitas cores e feitios, num dia invernoso de Janeiro. Ao partir, recomendou‐me que evitasse misturar públicos daquela forma, pois era contraproducente. Pedi‐lhe desculpa e justifiquei‐me com o facto de não querer dececionar ninguém… Claro, tornou‐se muito cansativo para si, percebi. Mas para além de não se notar nada, eu estava tão feliz pela forma como os cativou! E, o António Torrado, apesar do cansaço, continuava uma pessoa serena e afável.


Passando um ano ou dois, recebi uma longa carta sua em que era expresso o convite, para ir ver uma peça sua a Lisboa… Arranjei um grupo de amigos e fomos ver a peça. A peça era infantil, nós éramos todos adultos. Recebeu‐nos com um sorriso e de braços abertos, para meu espanto, que não esperava que ao fim daquele tempo ainda me reconhecesse! Fiquei admirada, mais uma vez. Há pessoas que nos surpreendem! Voltei a receber uma outra carta, mais tarde, onde me comunicava a criação do site História do dia. Voltei a convidá‐lo a visitar Penamacor, em 2006, no âmbito do projecto de animação do livro e da leitura À descoberta na Biblionave, mas por motivos de saúde, o reencontro ficou sem efeito. Algumas crianças lembravam‐se de si e estavam entusiasmadas, mas a vida é mesmo assim! Nestes 10 anos de trabalho na Biblioteca, conheci vários escritores e escritoras, mas o António Torrado, pela maneira como presenteou o público naquele dia, pela forma serena como me alertou para algumas falhas – qualidade que poucas pessoas exercem –, assim como pela gentileza de se recordar de alguém com quem tinha estado uns minutos há uns anos atrás – outra qualidade rara –, tornou‐se para mim, uma pessoa inesquecível. Um ser humano único, atento, criativo, sensível. Não é fácil, pelo menos para mim, dizer às pessoas de quem gosto o que sinto por elas, mas a Cristina Taquelim, também ela, seguramente, alguém muito especial, deu‐me esta oportunidade e eu não quis deixar passar… A propósito dos 40 anos de carreira, a que eu posso dizer que assisti, porque tenho mais um aninho ☺, só posso dizer que… eu nem sei o que dizer… gosto, especialmente, da Vassourinha e do Caidé, este último porque lembro‐me de uma menina de sete anos a lê‐lo em voz alta para umas 10‐12 pessoas, cheia de força para ler logo ali a história toda! E muitas outras, tantas! Todas as honras a dedicar‐lhe, serão merecidas. Com um grande abraço carregado de ternura, despeço‐me,

Ilda Lopes


Na Homenagem a António Torrado Grande amigo, de humor fino, homem de muitos talentos, grande companheiro ao longo de quase 15 anos na RTP, em estado permanente de criatividade, sensível, o António Torrado nasceu fora do seu tempo. Por um lado, o século XIX assenta‐lhe que nem uma luva. Por outro, tem visão de futuro, um futuro para além do tempo, um futuro que ele acredita mais humano, como a sua escrita. Ainda bem que existem homens como tu, querido amigo. Que as palavras continuem a crescer dos teus dedos, divertindo‐nos e iluminando‐nos. Bem hajas por teres cruzado o meu caminho. Isabel Medina


Querido António, empresta‐me o menino que tem debaixo do chapéu? Só conheço o António Torrado dos livros. Não o conheço de outras vidas. Nem de cursos, nem de seminários, nem de idas as escolas ou lançamentos. O mais perto que estive dele foi num Encontro da Gulbenkian, há alguns anos, onde tive oportunidade de o ouvir pela primeira (e única) vez e de onde saí absolutamente deliciada. Não era a única: nessa tarde apercebi‐me de que todas as professoras e bibliotecárias presentes no auditório (eram quase só mulheres, como é costume nestes lugares), novas e velhas, gordas e magras, contra o “eduquês” ou a favor de outros ventos, tinham um fraquinho pelo António. E com toda a razão, fiquei eu a achar, espantada por nunca o ter ouvido, por não imaginar que “ao vivo” a voz soasse igualzinha à dos livros, divertida, nova, empolgante, aqui e ali irónica, quase mordaz, mas sem nunca perder a ternura. (Parece‐me que é esta a primeira vez que escrevo a palavra ternura, já viram isto?) Em pequena tinha dois ou três livros assinados pelo António. Aquele de que me lembro melhor será talvez “O Mercador de Coisa Nenhuma”, de capa azul escura e ilustrações a duas cores. No conto que lhe dá título, o filho de um vendedor de tapetes troca o negócio do pai, por um outro mais arriscado: propunha‐se o rapaz deixar os tapetes e passar a vender às gentes apressadas do mercado (sem grandes hábitos poéticos ou contemplativos) grãos de areia, “à unidade” e gotas de água, “uma à uma”. O rapaz acaba vendendo sonhos, que é outra palavra para histórias, e até faz bom dinheiro… Mas, como sucede a muitos dos que decidem ganhar o pão neste mundo da histórias e dos livros, já no final, o rapaz distrai‐se e perde nas areias do deserto todas as moedas ganhas no decorrer da aventura. Apesar do desaire financeiro, não há dúvida de que o rapaz conseguiu um feito, foi assim uma espécie de Palavras Andarilhas por terras do Oriente em tempos já distantes: imaginava as histórias (ou os sonhos), contava‐as, porventura dinamizava rodas, serões, gerava diálogo, discussão e é bem provável que assim tenha inspirado novos contadores, novas histórias… não se sabe. Em miúda, li outros livros do António, “A Nuvem e o Caracol”, “Pinguim Em Fundo Branco”, muitos contos tradicionais. Quando a certa altura fiz algumas adaptações (apressadas) de contos tradicionais portugueses tentei — sem grande consciência, mas vejo agora que assim foi — fazer como o António, falando directamente ao leitor, interpelando‐o aqui e ali, procurando as palavras antigas que recordava de ouvir à minha avó, sentada sobre um mocho, junto ao lume ou enquanto descascávamos feijão, lá na aldeia onde vivia e onde no Verão passávamos algumas semanas. Claro que não cheguei aos calcanhares do António (nem aos dele, nem aos de qualquer outro) e isto não é modéstia nenhuma, podem acreditar. Por estes dias voltei a mergulhar nos seus livros. Fui a uma livraria, visitei uma biblioteca, vasculhei as prateleiras lá de casa, viajei entre as páginas dessa “imensa nave espacial”, como tão bem lhe chamou o António, que é a Internet. Esta viagem deu‐me a oportunidade de olhar mais demoradamente para a sua escrita e fez‐me também reflectir um pouco sobre o Estado da Nação…


Na dita livraria encontrei apenas três livros do António, julgo que mais ou menos recentes, mas não fiquei surpreendida: como já terão reparado, as secções infantis de algumas lojas têm gradualmente deixado de ser apenas livrarias para se virem a transformar em pequenos supermercados de lazer e cultura infantil, dando cada vez mais destaque aos produtos derivados das marcas que passam nos cinemas e na televisão (livros incluídos e editoras implicadas, claro). E que eu saiba o Torrado não é produto Disney, não é amigo do Noddy, nem anda de mão dada com a Hello Kitty… por isso, três livros, confirmam‐me aqui, até que nem é mau… Mas a mim pareceu‐me pouco. Apesar de a rotatividade do mercado assim o obrigar, apesar de uma livraria não ter “obrigações” de biblioteca, pareceu‐me pouco... Talvez haja edições esgotadas, talvez o Torrado esteja a precisar de comemorar com pompa e circunstância não sei bem quantas décadas de escrita ou de inaugurar uma pequena rubrica no Canal Panda… fica a ideia. Na Biblioteca de Oeiras, a oferta era, felizmente (e naturalmente), consideravelmente maior: aí encontrei dezenas de livros do António Torrado, entre a secção de contos tradicionais, a de Literatura e as várias prateleiras dedicadas aos leitores mais novos. Havia edições bastante antigas, outras mais recentes e muito por onde escolher. No quarto dos meus filhos, o cenário não me deixou propriamente orgulhosa: entre alguns livros muito bons, uma grande maioria de aceitáveis e uma boa dezena de títulos vergonhosos, encontrei apenas dois livros do António Torrado (menos do que na FNAC, estão a ver?). E tudo isto me deu também para pensar: porque há por aqui tantos livros assim‐assim, e alguns mesmo mauzitos? Respondeu‐me a mãe mais ou menos liberal: “ora, porque quando começamos a nossa caminhada de leitores, somos assim: ecléticos, sem preconceitos, pouco pacientes, em certos aspectos ainda não muito exigentes… Mas precisamos de passar os primeiros degraus para chegar aos lances superiores da escada, não é?”. A esta dúvida, respondeu‐me a outra mãe, mais analítica, mais exigente, talvez: “será isso ou será antes um sintoma dos tempos modernos, tipo pressa, preguiça, deixa‐andar?”. Ficámos nós, a mãe mais liberal e a outra, a discutir, às voltas com a pergunta, e o caso é sério porque ainda não chegámos a uma conclusão definitiva. Na Internet, leio as biografias disponíveis – e repetidas até ao infinito – e fico a saber que António Torrado nasceu em Lisboa, em 1939. É um pouco mais velho do que o meu pai, penso. Nas fotografias e nos vídeos do Youtube parece ter menos duas ou três décadas, com o seu olhar que‐brilha‐que‐se‐farta e aquele sorriso contagioso. Fiquei sem perceber se as fotografias são antigas se é o António que bebe um elixir da juventude todas as manhãs, mal põe o pé fora da cama. Quando não conhecemos um autor, mas imaginamo‐lo a partir da sua obra, depressa somos tentados a fazer aquilo que se chama “um filme”. E, neste que fiz, vi o António a escrever junto a um cesto de cerejas da Beira Baixa, com um cajado do bisavô Germano pendurado na cadeira, estampas orientais nas paredes e várias edições de contos de Andersen nas prateleiras próximas. Também vi livros de Filosofia, de Teatro, de Poesia, alguns de Pedagogia e uma caixa de rebuçados de ovo de Portalegre (mas isto já sou eu a delirar). Aos pés da escrivaninha, pareceu‐me ver


uma espécie de arca do tesouro com cartas dos leitores e alguns trabalhos das escolas. Não cabem todos na arca, mas podem folhear‐se os mais especiais: o filme continua e vejo uma capa de plástico transparente, e dentro dela uma folha A4 com um acróstico escrito a feltro de muitas cores por uma menina do 3.º ano: António, amigo escritor Não duvides um só dia Tudo representas para nós Ontem, hoje e amanhã Nos teus livros encontramos Imaginação, humor e vida O que podemos pedir mais? Na Wikipédia lê‐se que o António é um escritor português “voltado” para a Literatura infanto‐juvenil. Não simpatizo por aí além com a Wikipédia, essa enciclopédia tão livre que por vezes exagera, mas não posso deixar de simpatizar com a expressão: “voltado”, pois sim, que se movimenta e dá uma volta; que roda em torno do seu corpo para ver de outra perspectiva; que se vira, brusca ou lentamente, para outro lado onde por acaso está alguém, neste caso uma multidão de crianças, ávidas de peripécias: “Ah, ah… Com que então estavam aqui deste lado?” diz o António a recuperar do susto. “Mas que caras são essas? Que ar de enfado é esse? Ah querem histórias…? Então tomem lá”. E o António começa a contá‐las, assim voltado para as crianças, bem de frente para elas, convocando‐as, fazendo com que se sentem naturalmente à sua volta, sem grandes alaridos ou estratégias complicadas. As histórias do António são simples sem ser simplórias, divertem e são próximas do leitor, mas não caem em facilitismos. Sentimos que não passa pelo texto aquela preocupação um pouco bacoca de simplificar tudo até à exaustão, não vá o leitor baralhar‐se e tropeçar. O António confia que o leitor chegará ao sentido da frase porque a história é boa e o leitor corre atrás de uma boa história. Está envolvido com as personagens e o enredo, preocupado com o desfecho, curioso, angustiado ou divertido e, por isso, segue o fio, estica‐se todo para lá chegar, se necessário corre como um louco, salta obstáculos, atravessa um parágrafo mais escuro para ver a luz no seguinte. O António sabe que é assim: que quando estamos entusiasmados, vamos a lugares que não ousaríamos. O António leva‐nos lá e é um pouco como o Pedro Ovelheiro, que pertence à tribo dos afoitos. “Não fossem eles e não havia histórias que valessem a pena. E o que seria de nós?”. O António está voltado para o leitor mas fala‐lhe cá de cima (não por arrogância, mas porque é apenas mais alto), cá de cima, com respeito. Eu diria até que o António tem um respeitinho de morte pelo leitor… senão vejamos este caso, relatado no livro “O Pajem Não Se Cala” (Livros Horizonte, 1981, com ilustrações de Madalena Raimundo), que António dedica ao filho André: Estava o escritor tranquilamente sentado num banco do Jardim da Estrela lendo um livro, quando surge um menino que lhe interrompe o sossego e a leitura para lhe perguntar o que está ele a ler. A princípio o António faz birra e não lhe responde


logo... Diz ele “tenho, às vezes, destes amuos de pouca dura”, mas deu‐se que “o vento que levantava as folhas do jardim, levantou também as folhas do livro à nossa frente” e o António lá lhe explica que aquele livro traz histórias de um escritor dinamarquês chamado Hans Christian Andersen, que aquelas histórias são muito antigas, mas que “as histórias, mesmo as do arco‐da‐velha, têm sempre a mesma idade. Nunca crescem. A gente quando entra a lê‐las, seja novo, não tanto assim, assim‐assim ou mesmo já assim‐assado na curva do tempo, a gente, enquanto as lê, é que fica da idade das histórias.” Então o António decide‐se a contar aquele conto “onde se fala de um rei que perde a cabeça por fatos novos e muitos valiosos” (ainda os há, reis assim). “No final o tal menino que apareceu no banco do Jardim da Estrela, fez‐me a pergunta que nunca me tinha ocorrido: E o que é que aconteceu ao menino que disse que o rei ia nu?”. E, já entusiasmado, o António responde: “Essa é outra história, uma nova história que eu vou contar. Aí vai!” E vai mesmo. Mas o leitor é exigente. No final não se contenta com o desfecho apresentado. Exige justiça, exige tudo explicado tim‐tim‐por‐tim, não tem paciência para histórias mal contadas. O menino do Jardim da Estrela protesta e diz que ficou tudo igualzinho ao que era: o menino em casa dos pais e o rei (apesar de aldrabão) no palácio: “Ainda se o rei mais os gabirus dos cortesãos tivessem apanhado um bom apertão, vá lá… Isso era giro, aceitava‐se (…)” protesta o menino. O António aceita a crítica e até agradece a dica: “Finalmente percebi onde é que ele queria chegar. Achava o fim fraquito, deslavado, poucochinho (…)” e tem finalmente uma ideia certeira: no final, o povo dispensou o rei e os cortesãos do palácio “e no lugar deles colocou gente de sua confiança, gente sem vaidades, que não tinha medo que lhes apontassem as faltas, de que lhes dissessem as verdades duras que todos os governantes têm de saber ouvir.” O menino do Jardim da Estrela só arredou pé com a garantia de que aquele final era definitivo e ainda ameaçou: “se eu sei que contas a história e não metes esse fim, chamo a malta lá do meu sítio, vamos atrás de ti e fazemos‐te uma surriada”. Com leitores assim, um escritor não precisa de mais nada: pia fininho, dá o seu melhor e mais nada… O que eu desconfio é que este menino – que talvez seja o mesmo que aparece na história “O Cavalo Azul”, o tal que vê um cavalo azul no mar – este menino, dizia eu, vive ainda debaixo do chapéu do António ou no bolso da sua camisa (no caso do António não usar chapéu). Já imagino os títulos nos jornais quando se descobrir o fenómeno: “António Torrado escreve com criança debaixo do chapéu” ou “ António Torrado guarda menino no bolso da camisa” (e em subtítulo para vender mais jornais “E o menino é que lhe dita os textos”) ou “Escritor António Torrado ouve vozes enquanto escreve (e estas vozes discutem e berram entre si)” e, finalmente, uns dias mais tarde “António Torrado dá um murro na mesa e diz: quem manda aqui sou eu!”. Ao ler de novo os seus livros (alguns de novo, alguns pela primeira vez) sinto que é algo assim que acontece – o pequeno leitor ou o grande com exigências de pequeno – está lá sobre a mesa onde o Torrado escreve, não sei se à mão, se à máquina, se no computador. O leitor está lá, mas não está calado; o leitor está lá, mas não está quieto. Dá‐me ideia, até, que não pára, que entorna o copo das canetas, que interfere com o movimento do rato de modo cansativo, que tira as folhas da ordem e


as espalha pelo soalho. E, pior que tudo, o leitor faz perguntas a meio das frases (das frases do António, claro), interrompe‐lhe um parágrafo para tirar uma dúvida ou sugerir, com olhos doces, “uma alteraçãozinha, se faz favor”. O pequeno leitor da mesa do Torrado (e só lhe chamamos pequeno porque ele é mesmo uma criatura de pequenas dimensões, portátil, capaz de caber em qualquer bolso ou chapéu) mete o bedelho, pede explicações, atreve‐se a dizer que o final está chocho, que podia ter mais piada, enfim que não surpreende por aí além. E o António estica‐se, esmera‐se, dá o litro. O leitor aplaude e o António fica também mais feliz porque gosta mais das histórias assim: divertidas, inesperadas, bem construídas. A mim, já me perguntaram dezenas de vezes se penso nas crianças quando escrevo. E, na verdade, talvez não pense o suficiente. Há uma ideia que me persegue e que a partir de certa altura sou obrigada a agarrar, mas sinto que muitas vezes me faria muita falta um menino desses que dormem dentro do chapéu e saltam ao pé coxinho sobre as teclas do computador (li numa revista que o menino do chapéu do Torrado, no outro dia encravou o “S” do teclado e foi um sarilho, pois já nem “SARILHO” se podia escrever em condições… e todos sabemos como nas suas histórias o que não faltam são sarilhos). É por isso, Professor António Torrado, Querido António, Sr. Escritor, que lhe pedia, humilde mas encarecidamente, que fizesse o favor de me emprestar (de quando em quando, pois nem chego a escrever que chegue para que me chamem escritora), o seu pequeno leitor endiabrado. Desejosa estou que me faça a vida negra, me obrigue a suar as estopinhas e a ser exigente com os finais que, como toda a gente que escreve me confirmará, são a parte mais difícil de qualquer livro. Acha um abuso ou posso contar consigo? Um abraço! Isabel Minhós Martins


SOU

Sou como os outros Sou como os que andam Como os que apontam Sou imperfeito. Como imperfeito estou desertado Olho para o céu escuro como breu Nele não posso entrar E simplesmente desaparecer. Fiquei sem norte Mas tenho o sul Espero que me ajude Que não me abandone. Como os imperfeitos Contra a imperfeição não posso lutar Por isso vou viver o mundo Para depois o deixar. Sou como os outros Sou como os que andam Como os que apontam Sou imperfeito. José Lança de Matos António, Escrevi este poema porque não somos perfeitos e que nos perdemos. Eu também me perco nos teus livros. Adoro as tuas obras e as que tenho já as li imensas vezes. Adoro a tua maneira de escrever, utilizando palavras difíceis. Espero que gostes do poema que escrevi para ti. Abraços.



«ROSAS CHÁ, as mais lindas!» No campo saborear livros eram pausas raras às soleiras das portas. Uma prima soletrava coisas maravilhosas e também assustadoras! Para lá dos caminhos das matas e terra lavrada, outros mundos existiam… Lobos? Esses moravam lá na serra, pela certa, mas quem sabe, a Velha da Cabaça, talvez um dia a víssemos a rebolar naquelas descidas de terra vermelha e o João Pateta poderia ser, um daqueles estranhos, dos dias de feira, comprando uma bilha de barro, que depois arrastaria até casa, atada com um cordel à asa! Hoje é mais fácil. Reencontro‐me nos contos tradicionais, porque um escritor, homem de cidade, muito culto, dado às letras, bem vestido e elegante, como se as palavras simples o protegessem e iluminassem, nunca se desviando de um mundo poético ancestral. Escreveu de novo esse património da tradição popular. Nisso se vê, o quanto estuda e investiga! E como transmite as suas descobertas sobretudo às ‘ensinadoras’ professoras e professores em conferências sobre literatura/livros para crianças, a que chama ‘Bosque Mínimo’. Conheci‐o nos anos oitenta, rodeado de uma geração soberana de pessoas escritoras, Maria Alberta Menéres, Matilde Rosa Araújo, Ricardo Alberty, Lúcia Namorado, Natércia Rocha, Alice Gomes, Ilse Losa, Adolfo Simões Müller, Madalena Gomes, Leonoreta Leitão, Luísa Ducla Soares, António Mota, Alice Vieira, etc…. Mas, António Torrado é mais que um escritor, é um mestre. Um dia, descobri‐o numa oficina para gente grande, fazendo sair de uma taça de vidro um ovo dourado, galinha dos ovos de ouro, (?) talvez! Tratava‐se de um ciclo sobre lendas de ouro… fiquei fascinada. Inscrevi‐me num curso sobre arte de narrar, (não me lembro bem do título…), porque o mestre era António Torrado. Num inverno chuvoso lá o frequentei, infelizmente poucas vezes, mas não perdi a sessão que nos colocou no caminho de um outro mestre, Ítalo Calvino! Imaginava que tinha a sorte de estar na Grécia antiga sendo discípula de um filósofo. «Os três reis do Oriente» davam‐me esse lado do escritor, que tinha começado a admirar com o «Veado Florido», esse grito de Liberdade, em pequeno/grande formato saía à rua na primeira Feira do Livro para crianças, que o 25 de Abril trouxe, à então, vila de Alcobaça. Mais tarde encantei‐me pelos seus teatros e as peças representadas no palco. A última que recordo é em memória de Fernando Lopes Graça. Um dia houve, que na minha escola do 2.º ciclo, no projecto de visita de escritor, foi anunciada a sua vinda! Foi uma azáfama de preparação. Andava‐se na altura em reuniões para a constituição do que agora de chama uma Agrupamento de Escolas. Quando a notícia chegou à Escola do 1.º ciclo, esta abriu uma guerra com o 2.º ciclo, afirmando que tinha sido o 4.º ano, que estava estudar a obra do escritor, quem primeiro tinha solicitado o escritor A. Torrado. Só se acalmaram porque foram todos convidados a almoçar com o escritor. Na hora do lanche houve flores e António Torrado disse: «São ROSAS CHÁ, as mais lindas!»

Lúcia Serralheiro


Na Homenagem a António Torrado Como os protagonistas do “Sr. Aurélio”, o António também participou numa corrida ao ouro. Mas a um ouro que sai da sua caneta e só nos enriquece o espírito. Luís Filipe Costa


Caríssimo Amigo, Pediram‐me para lhe dirigir uma carta, António, e acho que é a primeira, em mais de 50 anos de amizade. Nunca precisei de lhe escrever porque nos vemos e falamos tantas vezes… Nascemos no mesmo ano, cursámos a mesma Faculdade de Letras, demos o coração a amigos comuns, partilhámos as mesmas causas, encaminhámo‐nos ambos pelas veredas da literatura infantil, apostados em não a infantilizar, antes a enriquecermos de palavras, imaginação, dignidade. Eu poderia alargar‐me aqui a falar do esplendor da sua escrita, digna de antologia, e no entanto capaz de, como flauta mágica, encantar os meninos que ficam presos à magia das suas histórias. Poderia falar do seu talento como dramaturgo, das suas qualidades de formador. Poderia falar do trabalhador incansável ao serviço da Cultura e da defesa dos seus direitos na Sociedade Portuguesa de Autores. Poderia falar da sua versatilidade, do excepcional repentismo na criação que lhe permitiu manter um site na internet com uma história diferente para cada dia. Poderia falar de uma sabedoria milenar e extremamente moderna que você transmite, da filosofia que mal transparece em certos textos mas é afinal, a sua essência. Poderia falar do seu humor divertido mas crítico que nos faz sorrir e pensar. Poderia falar da generosidade que compartilha com colegas de ofício, da simpatia que oferece a toda a gente. Da sua sinceridade. Não caberia num calhamaço, daqueles pesados e sem desenhos, não caberia numa tese tudo o que eu poderia dizer de si. Mas nesta justa homenagem que lhe prestam, é uma grande alegria que desejo manifestar. Uma alegria bem sentida porque o António é o meu maior amigo, aquele com quem compartilho momentos bons e maus, o companheiro a quem peço conselho, falando consigo horas a fio, pelo fio de um telefone. Obrigada por ser como é! Um grande abraço, António. Luísa Ducla Soares


Caro António Torrado, hoje lembrei‐me de si. Aliás são muitos os dias em que me lembro de si. Muitas foram as coisas que aprendi consigo naquela workshop em 2007 na Biblioteca de Algés "Estratégias da narrativa no conto tradicional e no conto para crianças", muitas coisas interessantes e divertidas e bonitas. Como gosto de o ouvir falar, discorrer sobre os contos... Como gosto de ler os seus contos, alguns tão poéticos, outros tão engraçados, todos tão bem escritos. As crianças portuguesas têm mesmo muita sorte de existir o António Torrado! Eu, quando era criança não tive essa sorte, já era adulta quando o descobri. Também não admira, quando eu era criança o António Torrado ainda não tinha nascido e assim não tive a sorte de ler os seus contos com olhos de criança. Mas o António Torrado sim, tem olhos de criança. Aqueles olhos que tudo admiram e com nada se espantam, que animam os objectos de todos os dias, que vêm a alma das coisas, que compreendem animais e plantas e tudo envolvem num turbilhão de vida, sentimentos e emoções, enredos e aventuras. Faz do mundo uma espécie de baú mágico: é só fechar os olhos e de lá sai tudo o que existe e não existe mas é como se existisse e nos arrasta consigo num entusiástico faz‐de‐conta. Isto é, só fechar os olhos às coisas prosaicas e aborrecidas mas abrir bem os olhos para ler as histórias ‐ os olhos para ler e os olhos para entender e para pensar e para imaginar e para sentir. Meu caro António Torrado, obrigada por existir! E faça‐me um grande favor: exista ainda por muito, muito tempo! E aceite um grande abraço da Luísa Rebelo "Contabandistas de Histórias"


11 de Setembro de 2010 | 02:58 | Mafalda Milhões ‐Matilde, queres escrever uma carta com a mãe. É para um amigo, para o António Torrado. ‐Mãe, o António Torrado é um avô? ‐É, acho que sim. ‐E... tem as Histórias na cabeça? Olha vamos escrever uma carta porquê? Está longe ou porque temos saudades? ‐Sim... e também porque todos os amigos estão a escrever cartas para lhe fazer uma surpresa. ‐Se ele é amigo pode vir aos meus anos? ‐Tu gostavas? ‐Sim... eu não me lembro dele mas assim é que era surpresa e ele gostava mais. ‐Sabes que história é que ele escreveu? O pato patareco. ‐Eu sei qual é!...é a dos desenhos que a Cristina andava à procura e fomos nós que encontramos. Querido António, Depois de ter estado à conversa com a Matilde, eu continuei na escrita enquanto ela desenhava uma história. No final explicou que é uma rainha no seu castelo de letras que é muito bonita mas tinha medo de formigas e de estar longe da mãe e do pai. Desenhou, pensou e escreveu tudo num instante. Quando acabou deu sinal. Acabei... posso ir brincar agora? Dei por mim perdida no tempo, resgatando as memórias e a pensar quando é que nos cruzamos pela primeira vez. Estive dias até me lembrar que quando o vi pela primeira vez, o António não usava óculos, não tinha cabelo grisalho nem rosto, era feito de papel. Lembro‐me que estava sentado na prateleira do armário, ao fundo da sala de aula da minha escola. Uma escolinha plantada numa aldeia chamada Sobredo, situada no coração de Trás‐os‐Montes ao lado da casa da Tia Lurdes ‐ que era tia de toda a gente. Estava sentado, se não me engano, ao lado da Maria dos olhos grandes e do Zé Pinpão, tinha um ar cansado e gasto, só tinha capa da parte da frente e as folhas estavam presas ao que restava da capa com fita cola amarela muito dura e seca. Lembro‐me bem que quando a minha mãe ou a professora Isabel contavam histórias nunca liam uma só. Quando se levantavam para ir ao armário aproveitavam a viagem e ficávamos por ali, na companhia de um soldado chamado João, uma Maria de olhos grandes, uma menina que tinha um amigo que lhe dava presentes e mais presentes...


É... recordo agora, que a biblioteca da minha escola não tinha muitos livros, era apenas um armário que tinha o essencial, uma mão cheia de livros que nos proporcionaram fantásticas viagens. Afinal eram feitas por uma mão cheia de autores que liam o mundo de uma ponta à outra. Não se esqueça que a nossa casa também é sua... tem bicho e é de conto. Um beijinho, Mafalda Milhões, Pedro, Matilde e Maria às voltinhas dentro da barriga da mãe. Deixo mais uma mão cheia de recadinhos, abraços e admiração de todos os que vivem a leitura aqui no cimo do monte onde os seus livros estão voltados de frente para o mar. Um beijinho da Cris, do António, da Nicole e da Elsa.


Era uma vez um António Torrado. Torrado de nome, não de ter sido esmagado dentro de uma torradeira. Chamava‐se assim, é só isso. Vivia a tratar das suas abóboras, todos os dias regadas com imaginação, humor e muita vontade de partilhar. Mais não eram que histórias em potência, só que o António ainda não sabia disso, só desconfiava em sonhos… Conta‐se que certo dia lhe apareceu um mendigo. Era bastante obstinado, pois insistia em querer uma sopinha de abóbora. O António lá lhe disse que tivera demasiado trabalho com aquelas abóboras e que não as queria abrir assim… Só que o mendigo não se calava. Queria a sopinha de abóbora e não se cansava de repetir a mesma ladainha. Quem se cansou de o ouvir (enfim, quem teve pena dele) foi o António e, partilhador como era, lá abriu uma para o contentar. Pobre António! Nem queria acreditar nos seus olhos! Então não era que estavam cheiinhas de inícios de histórias?! Pasmado, virou‐se para o mendigo, a fim de lhe dizer qualquer coisa, mas este desaparecera… Por cada ideia, lá nascia uma história. Muita história nasceu a partir desse dia! A notícia deve ter corrido veloz, pois houve cada vez mais gente a tentar conhecer o produto das abóboras. E o António, partilhador por excelência, nunca se cansou de as distribuir a todos os que as quisessem. Há mesmo quem diga que dava uma por dia, imaginem! O Rei da Literatura resolveu presenteá‐lo – uma generosidade daquelas teria de ser compensada. Parece que lhe ofereceu um elixir especial, que se propaga pelo horizonte até onde os olhos gostariam de chegar – desta forma, permitiu‐lhe nunca se cansar de escrever. E é por isso que o António, Torrado de nome, jamais deixou de dar a todos histórias, contos e teatros, que nos fazem sorrir, pensar, sonhar, comover. E sabe‐se que vão viver muitos anos, estas histórias, a habitar as pessoas que gostam de as ler e ouvir. Margarida Fonseca Santos


Uma carta… E faz mesmo sentido que para o António seja uma carta tanto ele ama esta forma de comunicação em que as palavras não se diluem ao vento mas permanecem, ainda que envelhecido o suporte, e permitem que as saboreemos e façamos nossas sempre que o desejarmos. Eu, que também ainda me emociono quando recebo uma carta e que tento reinstaurar entre os amigos esta forma de contacto, escrevo agora uma carta ao António… Cresci entre cartas, cartas que traziam e levavam notícias e tanto quanto a memória o permite sentíamos a vida suspensa de uma carta, de uma linha ou até de uma palavra que nos chegava. Além das notícias a carta tecia e (des) tecia afectos, abria frestas para clareiras de luz ou transformava brumas cinzentas em auroras luminosas. Hoje ao escrever ao António também tenho algo a transmitir que traz alegria aos corações e permite admirar a grandeza do universo povoado de estrelas sob cuja quentura nos sentimos aconchegados e confiantes. O António, que é sem qualquer dúvida uma estrela de primeiríssima grandeza, conquistou um lugar único como artífice da palavra oferecendo a sucessivas gerações de crianças e jovens livros que permitem um encontro encantado com o mundo das palavras. O estilo inconfundível deste Mestre não permite a indiferença e cativa para sempre quem o lê ou escuta. Por outro lado também se aprende a percorrer os caminhos da vida seguindo os fios da narrativa de António que numa oratura permanente segredam subtis ensinamentos em cumplicidades que os ritmos da sua escrita tornam sempre agradáveis. É de facto uma escrita singular: concisa sem esquecer os requebros necessários à sedução, acutilante sem perder a delicadeza, erudita preservando a acessibilidade, imaginativa sem perder os elos com o quotidiano e sempre povoada desse humor distinto a que nos habituou e que maneja com primor e esta seria característica suficiente para o querermos junto das crianças e jovens. Mas eu não quero fazer apreciações específicas à obra deste meu Mestre pois este não é o lugar embora nunca seja demais que se reflicta sobre a mesma… Também no domínio dos afectos, quem o conhece completa a veneração que a sua escrita provoca. António Torrado é um homem cuja hombridade transparece facilmente para os que têm o privilégio de privar mais de perto com ele; a delicadeza atenta para é constante e leva‐o a esquecer‐se de si para que outros possam aceder a um primeiro plano de atenções; pude assistir a até participar em situações concretas desta lindeza de carácter – provavelmente o António nem se recorda – e também de a experimentar.


Obrigada pelo carinho sempre manifestado e pelos privilégios concedidos! Bem haja, António, pelo extraordinário legado com que nos enriquece! Não espero a resposta na volta do correio – como outrora terminávamos as cartas – mas espero a continuação de muita saúde e bem‐estar para que possamos saborear tão agradável presença e usufruir dos frutos de uma pena tão abençoada. Despeço‐me com muito carinho e apreço Sempre dedicada Maria da Conceição Costa (Lisboa, 3 de Setembro de 2010)


Caro António Torrado: Li às minhas filhas e aos meus alunos os seus livrinhos iniciais, publicados numa colecção dirigida por Liba da Fonseca. Depois, recordo‐o nos Encontros de Literatura para Crianças, organizados pela Natércia Rocha, amiga comum. Mas estas são memórias comuns a desvairadas gentes que, anualmente, "peregrinavam" até à Gulbenkian para apreenderem e compreenderem o poder da literatura para crianças, e em especial da oratura, na criação de leitores fiéis.... Neste texto, porém, vou deter‐me apenas numa memória "única“ em que não me cruzei consigo mas cujas consequências foram devastadoras na minha carreira! Diz respeito à exposição Imagem do Lobo na Literatura para Crianças organizada na Escola do 2° Ciclo da Trafaria, pela nossa amiga comum, Margarida Leão, que ali ensaiava práticas "manhosas" para caçar leitores rebeldes e incautos. Uma exposição inovadora, à época, que me deixou pasmada e rendida às artimanhas para fazer vir à Escola crianças da pele do diabo e que viria a agravar a minha tendência para crer que a culpa do insucesso escolar está mais do lado do professor que do aluno!!! (Que o Ministério da Educação leve a sério a formação docente!). Consegui que a exposição viajasse para a escola em frente, na margem norte do Tejo onde trabalhei longos anos com a Margarida Leão, sua também criativa amiga. Um dia, chegou a volumoso encomenda: as imensas folhas de papel de cenário que suportavam a história da evolução da "imagem" do animal, desde as fábulas escritas em grego, até aos contos tradicionais, passando por La Fontaine, de farta cabeleira aos caracóis...; os fantoches de pasta de papel dos três parquinhos, com fatiotas aos quadrados, o lobo feroz de dentes arreganhados, uns cordeiros vestidos de pano de lençol puído, tudo fabricados pelas mãos inábeis dos absentistas alunos da Trafaria que, no entanto, não faltavam a estas funções!!!; a listagem de obras a contar e a recriar: O Lobo e os Sete Cabritinhos, As Três Fortunas do Lobo Feroz, O Lobo e o Cordeiro, O Capuchinho Vermelho...A proposta de um "julgamento do lobo" por tantas malfeitorias contra crianças e animais indefesos...A biblioteca da Escola, habitualmente sombria e sisuda, com os livros fechados atrás das grades, encheu‐se de gargalhadas. Não consegui reeditar o tal julgamento onde o António Torrado foi juiz, em terras da outra margem do Tejo. Mas sei, de cor, o que aconteceu na Trafaria, incluindo a sentença que lavrou depois de ouvidas as testemunhas de acusação e de defesa do Lobo...Pobre animal que até é bom pai de família, como apuraram os alunos a quem coube demonstrar que as vítimas das histórias carregam com os defeitos dos seres humanos, para seu aviso. Mais tarde, fui cúmplice da introdução, nos Programas de Língua Portuguesa do 2° Ciclo, do seu nome. Mais tarde, tive a honra de receber uma carta escrita pelo seu punho para ser lida na apresentação do meu livrito Rimas e Jogos Infantis, no Museu João de Deus... Mais tarde, construí, com um grupo de Educadoras, o Projecto Literatura & Literacia que haveria de me fazer peregrinar pelo país_ e conversar consigo, ao serão de um dos Encontros da ESE de Castelo Branco. Os seus livros, publicados na Colecção Caracol ‐ que permitiam aos leitores incipientes concluir a tarefa de uma leitura integral‐ pertenciam ao acervo enviado às escolas, em caixas de brinquedos!...Mais tarde, vi uma inesquecível dramatização d' O Mercador de Coisa Nenhuma, texto autobiográfico, dito pela voz das marionetas do Delfim Miranda...Mais tarde, contei com o seu testemunho sobre Matilde Rosa Araújo, na festa de aniversário


em que a escritora deu nome a uma das salas do Centro de Estudos de Literatura e Literacia... Mais tarde, levei as minhas netas à Feira do Livro para conhecerem tão prodigioso autor...Creio que não saberá quanto o meu trabalho foi influenciado pelo seu! Tivesse eu o seu talento! Estou‐lhe grata por tudo! São Miguel das Areias (antigo e mais bonito nome da aldeia que hoje se chama Coimbrão) 14 de Agosto de 2010 Maria da Conceição Rolo


Querido Amigo Descobri o encanto das janelas consigo, com Beaudelaire e com as viagens a países mais a norte. Quando eu guardava o encanto das histórias de infância como memória e descobria outros interesses na literatura, lia “Les Fenêtres”, de Beaudelaire, e suspeitava também que aquele que olha para fora através de uma janela aberta não vê tantas coisas como aquele que olha uma janela fechada. As janelas sem cortinas (hábito que não temos em Portugal…) fascinaram‐me quando passeei pelas ruas de Amesterdão, permitindo a quem estava dentro ver os canais e abrindo‐se ao olhar de quem passava e via lá dentro as estantes com livros, as mesas, o sofá onde alguém lia confortavelmente, indiferente a quem olhasse para o seu refúgio. Eu ficava imaginando conversas, paixões e dramas, os sonhos de quem lá vivia. Poucos anos depois, as tais histórias de infância voltaram a fazer parte do meu dia‐a‐dia, enriquecidas, alargadas, saborosas, musicais, pela mão do António. E entre muitas outras coisas que descobri no que o António tem escrito lá estão as janelas! Através dos seus contos, querido António, tentei também que os meus alunos compreendessem melhor o mundo, as alegrias, as dificuldades, o sentido de humor, o brincar com a adversidade para a ultrapassar. Uma aluna, com o seu curso de futura professora ainda “fresquinho”, escreveu‐me há dias: “Muito obrigada por todo o apoio dado ao longo dos anos, pelas partilhas de tão doces livros e por me mostrar como somos mais e melhores quando aprendemos a respeitar e amar as palavras “. Comovi‐ me. Mas quero dizer‐lhe que os seus livros também fazem parte desta partilha. E acho que a tal menina que um dia, numa escola, lhe perguntou “Quantas vezes é que já ganhou o Prémio Nobel?” lá tinha as suas razões bem fundamentadas… Descobri também pontes entre a infância e outras etapas da vida encontrando, não só nos seus contos “para crianças”, mas também no teatro, nos contos “para adultos” fios entrelaçados que nos mostram como a sua obra literária é um todo coerente, sólido, construído a par e passo sem rupturas, ainda que, às vezes , os “críticos” a comentem “em fatias”. Por isso lhe dediquei parte do trabalho mais importante da minha vida académica, como sabe, e gostei de falar dos seus textos na célebre Sala dos Capelos, em Coimbra. Mas, voltando às janelas, continuo a pensar em si como “um escritor no peitoril da janela”, como escrevi há 15 anos atrás. Alguém que olha o “dentro” e o “fora”, num equilíbrio instável, talvez por isso mesmo criativo… E foi desde aí que trocámos postais com janelas de muitas cores e muitas formas. Janelas tradicionais, como algumas das suas histórias, janelas modernas, janelas com vasos de flores, tendo o António escrito, uma vez, que numa delas faltava um gato. Agora, tenho um gato. Um felino esperto, meigo e fugidio, com patas de veludo que rapidamente se transformam em pequenas garras ameaçadoras e de novo em almofadinhas suaves. Por isso, quero enviar‐lhe, junto com esta carta, uma janela de onde o meu gato por vezes nos espreita dentro de casa ou observa lá fora as folhas das árvores tremendo quando passa o vento, os pássaros que poisam nos ramos. Sempre observador, sempre à descoberta do mundo.


Como o António.

A sua amiga de sempre, partilhando consigo a miopia que nos faz ver o mundo com contornos variáveis, Maria da Natividade Pires


Alhandra, 26 de Agosto de 2010

Meu querido António Torrado Perdoe‐me esta intimidade porventura excessiva no trato, mas ela vem do afecto que por si sinto. A verdade é que, quando nos conhecemos em 1996, há já quase vinte anos que eu sabia que dialogava inteligentemente com a infância. A si, enquanto leitora, descobri‐o tarde, já teria passado os meus 10 anos de idade; voltei a lê‐lo depois, e desde então continuadamente, assim que o destino me proporcionou trabalhar na área da literatura para crianças e jovens. Nunca tive oportunidade de lhe contar, mas desse primeiro encontro com a sua literatura, o que me ficou na memória foi um livro forrado com um papel de fundo branco e grandes corações vermelhos que muito me encantava; debaixo dessa forra estava o Livro Aberto, um manual escolar de 1976, para a 1ª fase do Ensino Primário, que a minha mãe trabalhava com os seus alunos, feito em colaboração com Maria Alberta Menéres. Ficou‐me sempre gravado na memória o quanto me surpreendeu aí ler O Trono do Rei Escamiro: falar de um ditador que cai de uma cadeira a crianças pareceu‐me um acto ousado e necessário, na percepção que então tinha de uma revolução recente, associada a pormenores semelhantes… Até então não tinha encontrado ninguém que me tratasse, na literatura, com igual consideração enquanto criança… Já depois de nos conhecermos pessoalmente, descobri que nasceu no mesmo ano do meu pai e tal me fez sentir como que filialmente envolvida na estima que sempre generosamente por mim tem manifestado, a qual retribuo, acrescentando‐lhe uma admiração imensa, que aumenta conforme vou procurando saber mais sobre as suas diferentes frentes de trabalho e criação. Não tenho dúvidas sobre o facto de conhecer uma figura ímpar do nosso tempo, com um trabalho sólido, erudito e criativo, nomeadamente na literatura que tem produzido tendo como alvo leitores infanto‐juvenis. Aliás, para o grande público tal tornou‐se evidente desde que Maria José Costa coordenou e a Editorial Civilização editou o primeiro volume da colecção “Uma pequenina luz bruxuleante”, de 1994, intitulado António Torrado. Também são evidentes desde há muitos anos os sinais de que a instituição literária o integrou no seu cânone, pela atribuição de prémios, pelos estudos académicos, pelos seminários em que aspectos da sua obra são estudados. Pessoalmente, no entanto, desagrada‐me o facto de a crescente crítica literária em meios de grande difusão, se preocupar excessivamente à vol d’oiseau com a novidade, a qual se assinala com entusiasmo e por vezes confrangedora falta de perspectiva histórica. Também no sistema educativo não é óbvio que esteja garantido que todos aqueles que o frequentam convivam com as suas obras e as compreendam – com as suas obras e outras, de outros príncipes e princesas das Letras.


Bom, o certo é que se anuncia tempos de festa e não de amargura: até Setembro, nas Palavras Andarilhas! Estou ansiosa por voltar a dar‐lhe um abraço! Com afecto, Maria do Sameiro Pedro


Montalegre, Setembro de 2010 Querido António Torrado solicitam‐me para que te escreva... Missão quase impossível, escrever o quê para um Escritor? Lembrei‐me então, que poderia aproveitar o ensejo para te agradecer não só em nome particular mas também em nome de todos aqueles que diariamente visitam a nossa casa ‐ Biblioteca Municipal de Montalegre. Obrigada por: Seres quem és, pessoa de “corpo inteiro”; Pelo teu engenho e arte revelados na escrita; Por não deixares morrer a arte de contar; Pela tua vasta obra que nos delicia a todos; Por Andarilhares connosco; Pelo sorriso que sempre ofereces sem pedir nada em troca. Certamente que haveriam muitas coisas mais a enumerar que pudessem ser agradecidas, mas deixo isso, para um abraço fraterno, amigo e quente, das gentes da Terra Fria, de que sou portadora para to dar! Post Sciptum: Aproveito ainda para te lembrar que o Convite está de pé – quando é que podes vir a Montalegre? Tua Leitora e Amiga, Maria Gorete Barroso Afonso Biblioteca Municipal de Montalegre


Ao António Torrado “ Uma Carta sem nada de novo” Aconteceu. Naquele dia em 1939 Traços de alegria nas faces Outras sensações. Nasceu o menino Iniciou‐se uma vida Onde a PALAVRA será Rainha. Tantas são as ideias Os pensamentos infinitos. Reúne imagens, constrói histórias Reflecte valores, enobrece a vida Abraça o universo infantil Dá de si histórias sem fim Onde o AFECTO é mesmo Rei.

Quarta‐feira, 25 de Agosto de 2010 Um abraço Da professora que muito o estima Maria Irene Serrão


A‐das‐Palavras, 23 de Agosto de 2010 Ex.mo Sr. António Torrado Maria João Silvestre, na qualidade de leitora e no defeito de reclamante, vem, por este meio, denunciar um conjunto de situações deveras danosas e moralmente condenáveis causadas por Vossa Excelência. Aconteceu pois que, enquanto criança, cedo foi vítima do assédio intelectual das letras da sua autoria, ali, sempre a torrar‐lhe o juízo, de páginas abertas, sedutoras, prometendo, e cumprindo!, momentos de puro prazer. Quando professora, foi com grande consternação e verdadeiro horror que constatou o quão perniciosa pode ser a sua obra, comprometendo a formação e educação dos nossos jovens e sendo a verdadeira e real causa da falta de disciplina nas escolas nacionais: sempre que, por ossos e bifes do ofício, se viu obrigada a trabalhar nas aulas Vem aí o Zé das Moscas, apercebeu‐se de uma espécie de histeria colectiva desencadeada nos alunos, levando‐os a construírem cenários, fazerem pesquisas, escreverem, dramatizarem. Um verdadeiro drama: bzz p'ra'qui, gargalhada p' ra' li! E a coisa tende a repetir‐se sempre que surge um texto com a sua marca registada. Acresce que um autor de missivas do tipo Da rua do Contador Para a Rua do Ouvidor, sem identificação de remetente, receptor ou, pior ainda !, do código postal, e com as despesas de envio a pagar pelo destinatário, não revela a competência e o perfil moral desejados para exemplo das futuras gerações disciplinadas, conformadas e devidamente enformadas que o sistema de ensino nacional tanto preza. Perante esta enumeração, é evidente que a supracitada reclamante deverá ser compensada pelos danos sofridos, vindo, assim, exigir que Vossa Senhoria continue a escrever e a provocar sorrisos. Sem mais, com os melhores cumprimentos,

M.ª João Silvestre P.S.: Se for necessário, a reclamante predispõe‐se a emprestar‐lhe uns sapatos bem apertadinhos...


Querido Torrado : )

Era uma vez quatro (ou seriam 100?) histórias bem‐dispostas que tu um dia me vieste contar, histórias que ficaram à solta nas ruas dos meus sentidos. Sentamo‐nos os dois na cerejeira da minha lua e, depois de dez dedos de conversa já tínhamos partilhado o coração das coisas. Então começaste a transmitir todas aquelas histórias em ponto de contar. Sabes Torrado, o meu coração ficou como uma noite luminosa no meio do teatro do meu silêncio. Quando me viste deslumbrada com o que me contavas disseste: "Ó Lua… estas histórias são apenas maluquices de um menino maluquinho que se recusa a envelhecer… mas o que tu não sabes, é que apesar de mais nova do que tu também eu me sinto assim: prefiro ser uma mercadora de coisa nenhuma do que andar numa escola sem sentido. Eu preciso usar os meus sentidos! E foi ai que pensei com os meus botões: Este rapaz vai longe! Um dia tive a oportunidade (única) de me pôr da rua do contador e a ti na rua do ouvidor. Como quem diz: sentaste‐te e ouviste‐me contar‐te um conto que escreveste, e foi bom ver‐te sonhar! Para mim aquele momento foi: trinta por uma linha. Torrado, vou contar‐te um segredo: dentro de mim os teus livros têm sete cores como o arco‐íris, para mim tu és um homem sem sombra mas do tamanho e da cor de um coração que nos sabe fazer sentir. Quando te leio ou te escuto sinto‐me por vezes uma Joaninha à Janela deslumbrando‐se com o mundo, doutras uma Donzela Guerreira à espera de partir para guerrear em mais uma guerra qualquer a favor da promoção da leitura… Quero que saibas que estás entre os meus amigos do peito. E quero que contes comigo, assim como eu conto contigo para continuares a completar o meu imaginário. Quando te conheci estava Dezembro à porta. E nesse ano tu foste o meu milagre de Natal. P.S. Como já reparaste esta carta foi toda escrita a partir de nomes de livros que escreveste e me fazem sentir… Obrigada por seres quem és!

Maria Lua


Caro António, Serve esta para termos Dez Dedos de Conversa, ainda que não em Vasos de Pé Folgado, nem tão pouco em versos de pé boto – tão só em Dez Contos de Reis e Rainhas ou d’ O Rei Menino ‐ uma História em Ponto de Contar que é como quem diz uma cruz, que já lá vai o tempo em que se atravessava Da Rua do Contador para a Rua do Ouvidor como O Vizinho de Cima desce as escadas para vir pedir que lhe trate do cão, do gato, do periquito, da rã e do hamster enquanto vai de férias – O Jardim Zoológico em Casa, como pode ver. Agora já não, agora é tudo um Toca e Foge frenético, sempre sem tempo para ouvir ou para contar. Os Meus Amigos dizem que tanto dá, Devagar ou a Correr, porque desde os tempos da Joaninha à Janela que a floresta dos ouvidores é um Bosque Mínimo onde cada vez mais se encena o Teatro do Silêncio, e por isso Conto Contigo para tornar esse bosque um bosque em expansão. Vamos Contar um Segredo, pode ser? Vamos explicar Como se Vence um Gigante, vamos contar como se vence o silêncio e a indiferença e como jogando O Tabuleiro das Surpresas passaremos de Obscuros a qualquer outra coisa maior e mais luminosa como o encontro com esse Adorável Homem das Neves, branco e frio, frio e branco só no princípio, porque depois se derrete e desdobra como o arco‐íris, O Livro das Sete Cores. E continuo os Dez dedos de Conversa prometidos porque, se O Pajem não se cala, tão pouco me calo eu que sou Donzela Guerreira e avanço em espiral como A Escada de Caracol e O Trono do Rei Escamiro. Antes queria sentar‐me numa Cadeira que sabe música do que num trono de rei – juro! Adorava conhecer uma cadeira que soubesse de música e me ensinasse a tocar e a rufar O Tambor‐Mor. Há Coisas Assim e eu creio nelas como creio nas Estrelas de quando os Reis Magos eram Príncipes e o verdadeiro Príncipe, O Mercador de Coisa Nenhuma. Nada que se compare com O Macaco do Rabo Cortado, que esse mercava tudo, troca‐tintas como era, e acho mesmo que, se não tivesse cortado o rabo, poderia agora jogar futebol, já que O Elefante não entra na Jogada e o Macaco poderia ocupar o seu lugar em vez de ir tocar viola pr’Angola. Sabe quem toca que a música é como O Rato que Rói, mesmo que não a rolha da garrafa de rum do rei Rodolfo da Rússia. Pois sim, dirão, pois sim como um Manequim. E o Rouxinol ao sol, em si maior, como o vejo d’A Janela do Meu Relógio ‐ um rouxinol e não um cuco a dar as horas e os minutos ‐ Vejo é Como quem diz, que nem sempre vejo, às vezes A Nuvem e o Caracol louro do Sol tapam‐me a visibilidade e, nessa altura, vejo tudo como Uma História aos Quadradinhos, entrecortada, emoldurada como O Veado Florido no quadro do quarto da minha infância. A minha infância. As crianças não sonham a preto e branco como se o mundo fosse um Pinguim em Fundo Branco, as crianças sonham com cores. Como se faz o cor‐ de‐laranja, perguntam, como se faz? Não és capaz? E zás‐pás‐trás, sai um cor‐de‐ laranja fresquinho com O Perfume dos Limões. Querem maior magia? Só se for esta outra: na era da informatica, Uma História com um Grilo Dentro, como um vírus sonoro – Cri, cri, cri, estou aqui num solilóquio, crilo‐grilo‐consciência do Pinóquio.


Pois daqui me vou, António Topa‐tudo, e levo comigo o Caidé – Era uma vez dois cães, um chamado Tarique, ruivo e esguio, e outro chamado Caidé, que rima com António José, pois é, e desconfio que assim mesmo me despeço fechando o texto com a chave que recebi aos oito anos ‐ A Chave do Castelo Azul, um azul não propriamente escuro nem propriamente claro, acho mesmo que só o posso definir como um azul…torrado.

Maria Teresa Meireles


Para o Senhor Torrado, Quando eu digo Senhor Torrado ao telefone ele sabe que sou eu. Assim eu o chamo desde quando nos conhecemos no Brasil. Não tivemos um bom começo de amizade. Éramos vizinhos de quarto no hotel lá de Copacabana no Rio de Janeiro no Simpósio Internacional de Contadores de Histórias. Terminadas as sessões programadas para o evento, saídas para o jantar, passeios pelo Rio de Janeiro e mais tarde, todas as noites serões intermináveis de contos no meu quarto. Meus quartos sempre tiveram "má fama" nesses encontros. Mas, creiam, é lá que o encontro paralelo acontece. Encontros, trocas de livros, histórias, culturas e muitas e boas amizades e até contatos de trabalhos foram feitos em meu quarto. A Cristina Taquelim conheceu minha Mala de Leitura num desses serões. Depois ela me deu um belíssimo livro de imagem francês que fala de um amor que seria impossível Le chat et le poisson e para minha alegria e contentamento me convidou para participar da Palavras Andarilhas. Viagem que mudaria o rumo da minha vida. Por amor e encanto por Portugal, vivo aqui já há 5 anos. Tanto movimento, histórias, risos, cantos adentrando a madrugada acabavam por perturbar o sono do nosso amigo escritor. Não fui um bom vizinho. Eu não conhecia o escritor e nem a pessoa do António Torrado. Sabia que era o português meu vizinho que quarto que de vez em quando pedia silêncio. Sua esposa Lourdes Fragateiro dizia depois quando nos conhecemos: mas eram 6 horas da manhã e eles ainda contavam histórias!! rs.rs.rs... Certa manha do Simpósio assisto a uma conversa entre meu vizinho portugues, agora sim conhecia‐o como o escritor António Torrado entre duas grandes profissionais do Brasil Marina Colasanti, escritora que dispensa apresentações e a Professora Eliana Yunes, ambas também minhas amigas. Elas diziam coisas maravilhosas e mui respeitosas sobre o Senhor Torrado. Neste dia mais tarde, ele me viu trabalhando com umas crianças no distante bairro de Nova Iguaçu, zona norte carioca. Só depois é que nos encontramos, nos conhecemos e ... somos amigos. Na minha primeira vinda a Portugal em 2004 ele me ofereceu um belíssimo almoço em sua casa de Sesimbra. Me mostrou a cidade e a Professora Lourdes e uma amiga me deram boleia até Lisboa. Melhor acolhida não há. Ah, é claro que ganhei também alguns livros autografados na hora "valiosos tesouros". Vez por outra me encontro com ele na Gulbenkian, nas Andarilhas e vez por outra ele me telefona. Sempre para dizer que viu alguma entrevista em que apareço na tv ou no jornal. Ligo também algumas vezes e fico sempre impressionado com seu rítmo de trabalho, com sua falta de tempo, com tantos compromissos com escolas, editoras, entrevistas, participações em congressos e palestras e sessões de autógrafos. Mantém ainda um site, e escreve lindos livros sem parar. O que? Como? Ah, era para escrever uma carta para António Torrado? Querido Amigo Senhor Torrado, eis aqui a história da nossa amizade. Com toda minha gratidão Maurício Leite


PARA ANTONIO TORRADO Había una vez un home bo. Había una vez un home que sabía todos os contos. Había unha vez un home que era quen de inventar moitos máis contos (e daquela xa todos os contos deixaron de ser todos os contos). Había unha vez un home que tiña unha voz marabillosa que facía acordar aos nenos e ás nenas, quen só querían durmir ao marchar a voz (e, cando a voz marchaba, durmían con soños á vez viaxeiros e descansados… ai, que soños tan raros!). Había unha vez un home que sabía contar mellor ca ninguén todos os contos (agora sabemos que todos os contos xa non son todos os contos, mais é verdade verdadeira que este home sabía contar todos os contos, mesmo os contos que aínda ninguén inventara antes de que el os contara). Había unha vez un home que amaba o teatro e andaba sempre na procurar de palabras dialogadas, estas palabras tan engrasadas que o mesmo se namoran e se beixan que se dan entre elas de labazadas (hai mulleres e homes que collen logo as palabras dialogadas e as acompañan ata o alto dunha escena: non é a iso que chaman teatro?). Había unha vez un home que era moitos homes (nunca acabaría de contalos se quixera dicilos todos). Todos eses homes chámanse Antonio e chámanse Torrado: o Antonio Torrado. E todos son, sendo tantas cousas e tan diferentes, sempre, homes bos. Miguel Vázquez Freire Galiza, Agosto 2010


Caro António Torrado: Há muito que desejava ter uma oportunidade para lhe demonstrar toda a gratidão e o prazer que é ler as suas histórias. Foram elas e alguns poemas, escritos também há uns anitos que me inspiraram neste texto e nesta ilustração. Veja‐as como uma humilde homenagem a tudo aquilo, muito, que nos oferece através da sua obra. Com muita amizade e um abraço carinhoso Natércia Almeida Mar Mar Na tua espuma A minha alma Declina‐se E vem espraiar‐se Na areia onde O Sol a aquece. Mar Mar As tuas neblinas, Vejo o barco que me leva, para além Do infinito onde Serei eu


Portalegre, 15 de Setembro 2010

Caro António Torrado Setembro à porta e a Casa dos Homens e dos Livros enche‐se, não do perfume de limões mas de gente, de todos os cantos, contadores de histórias, andarilhos e andarilhas. Este ano algo frenético é guardado, sorrateiramente no âmago de cada um, presentes e ausentes. Lançado o repto, com indescritível gozo lhe envio esta carta, singela celebração do muito que o António nos dá. O António confessou algures que queria ser arquitecto mas…se bem entendermos, é um arquitecto, sim e dos melhores! (abençoados sapatos de verniz que ao apertarem‐ lhe os calos o desviaram para outras invenções, da escrita, pois claro…) Assim podemos alar com seus contos e continhos. Mas o António Torrado é também um artista porque tece, borda essas lindas histórias. Ao contrário da lagarta especulativa, as suas palavras não nos provocam indigestão mas são um bálsamo, preclaro lenitivo para as agruras desta vida. Porém, não se pense que é tudo venerandas macaquices: consigo pensamos, reflectimos (digo das suas peças de teatro…) e tal como o pequeno grão de areia à beira mar, aprendemos a respeitar a diferença, a criticar com ironia e (porque não dizê‐lo) bom gosto. Assim são feitos os sonhos de homens e mulheres, de vontade, fantasia, humor. Pimpim, pimpão, chega de prosápia. Que esta não seja uma mensagem lacónica e que eu não descarrilhe, aflita, com a urgência de chegar a tempo… Bem‐haja António Torrado: conto contigo (desculpe‐me o tutear) e, já agora, permita‐me, um beijo carinhoso da Olga P.S. Qualquer semelhança com títulos, frases ou expressões criadas nos livros do António não são mera coincidência!


Quinta do Anjo, 13 de Agosto de 2010 Caro amigo António, é com enorme prazer que me junto a esta iniciativa, que tem como objectivo homenagear um escritor de quem muito gosto! Um escritor com a mão cheia de magia, capaz de nos fazer sorrir e sonhar! Além do mais, não é todos os dias que temos a possibilidade de escrever uma carta secreta, não é? Só esta ideia me deixa com um sorriso de orelha a orelha…

Devo confessar que me tenho divertido muito consigo ao longo destes anos, pois

as suas palavras são repletas de uma saborosa magia, capazes de nos transportar através do tempo e do espaço, de nos fazer sonhar bem acordados!

Dou comigo, muitas vezes, a questionar‐me sobre a sua fonte de inspiração. Como

pode uma cabeça ter tantas ideias lá dentro? Já o deve ter revelado em alguma entrevista… só eu não a devo ter lido! Agradeço o que nos tem dado ao longo dos anos! Obrigada pelas suas palavras! Obrigada pelas suas personagens! Obrigada pelas suas histórias! Obrigada pela sua obra!

Um grande abraço!

Sem mais, Olinda Bastos


Que sentido me fez e faz “Da escola sem sentido à escola dos sentidos” Utilizei muito dos seus contos para dar à escola uma outra dimensão. Um abraço sentido

Paula


Esse brilho dos olhos de quem ri Às vezes, quando conheces uma pessoa, sabes, por uma sensação que faz cócegas no peito, que algo vai cambiar na tua vida. Pode ser que essa pessoa te descubra o amor, ou a amizade, ou o silêncio, ou o mistério, e também pode ser que essa pessoa te descubra todas essas coisas juntas, porque sabe imagina‐las com palavras. Uma dessas pessoas, para mim, foi o António Torrado. E falo do António Torrado em carne e osso, já não o António Torrado que está escondido entre as linhas dos seus livros. O António Torrado que tem esse brilho dos olhos de quem ri a vida, porque o sentido do humor é fundamental para pôr um pé detrás do outro, dia a dia, até chegar á casa da morte e quedar conversando um pouco com ela antes de seguir a viagem. Qualquer bom conversador quereria falar com António Torrado em qualquer caminho, no médio de qualquer viagem. Falar com António Torrado é ir além da realidade e da ficção, até os limites do teatro, onde a ficção é realidade, e dos contos, origem de todas as fantasias. Eu, que vivo da ilusão do cenário e da narração oral, gostaria de que o mundo não fosse tão grande para ir visitar o António Torrado e ouvir as suas palavras, e sonhar com elas, e ver esse brilho nos seus olhos, o brilho de quem ri a vida. Paula Carballeira

(Actriz e narradora de histórias)


Setembro de 2010 Perdemos a cabeça e graças a malabarismos e festas voltamos a encontrá‐la no meio de palavras. Pensar em si e voltar ao tempo da sede natural, do genuíno, do sorriso fraterno, da Gulbenkian, da definição de caminhos. Pensar em si é … lembrar da facilidade com que as palavras nos pregam partidas! Partilhar consigo é … um sorriso na certa! Sorrisos fizeram com que, fosse a primeira pessoa a reparar num pequeno apontamento meu … uma simples manchinha do dente! È um homem de pequenos nadas e grandes feitos! Gosto muito disso professor! Consigo dou mais sentido à vida como professora, como pessoa. Aprendo a dar sentido! E de humor também! Parabéns professor! Rita Alves


Para o António Torrado A capacidade de rir é dos dons mais fantásticos de que podemos desfrutar. Mas para isso é preciso que, desde o nascimento, o homem seja educado para o humor, que aprenda a ver o cómico onde ele nem sempre parece existir – ou, até mesmo, a inventá‐lo caso ele não faça o favor de aparecer. E é por isso que a literatura do António Torrado se tornou tão importante para mim. As histórias do António convidam‐nos a ir mais além, a ver outras perspectivas e, como consequência, a crescer. Conhecer o António Torrado é confirmar a sua escrita. Recordo‐me de uma conferência que me marcou muito, em Novembro de 2002, no Congresso de Literatura Infantil da Gulbenkian, em que o António, ao explicar a sua versão da História do Macaco do Rabo Cortado, me levou às lágrimas de tanto rir; ou os dias passados em Munique, no Congresso Alemão de Lusitanistas, em Setembro de 2009, em que o grupo de portugueses foi contagiado com o seu bom humor. Lembro‐me da manhã em que o António ia falar no congresso. Quando nos encontrámos no hall do hotel, dei com ele aos saltos: “É preciso estar bem acordado para falar com energia!” Acho que ele também está bem acordado quando escreve e se lembra de nos dizer coisas que, em todo o mundo, só poderiam ser ditas por ele! Um beijinho e obrigada, Rosário Alçada Araújo


Caro António

“Antes que me esqueça”… Estarei a lembrar bem as palavras de prometidas

memórias? Para o caso não importa, a memória sofre, naturalmente, de inexactidão, carrega subtilezas, detalhes que mais ninguém viu e afectos. As memórias são mais ricas que os factos que relatam, por isso são melhores as dadas de viva voz. Contamos para lembrar, escrevemos para não esquecer, para haver gente acordada. Nem todos vivem a infância no seu tempo. Alguns só pela vida fora vão descobrindo o tempo de ser a criança que (não) foram. Abri pela primeira vez os seus livros como madrasta. A palavra é terrível mas ainda não inventaram outra! As madrastas já se reinventaram em novas vidas mas ficaram reféns da má fama das vidas passadas. Condenadas para todo o sempre a ler histórias onde são maltratadas, sonham um dia ser redimidas. Foi, dizia, como madrasta que eu descobri “Histórias em Ponto de Contar” e uma “Vassourinha” que, sem o saber na altura, havia de vir a dar‐me muito jeito! Voltei a encontrar os seus livros como mãe (boa e má, tenho dias…). E um dia, como Bruxinha inventada que gostava de ser de verdade, tive o privilégio de conhecer a pessoa por detrás dos livros. Presenciei vários encontros seus com leitores. Tem o dom admirável de, mesmo ao fim de muitas sementeiras e colheitas, falar como se fosse a sua primeira faina. O último encontro foi num almoço, na escola João de Deus, em Leiria, no qual o António, generosamente, partilhou memórias. Se relembrar a conversa desse dia concordará: não devemos adiar as celebrações da vida. “Menina dos olhos doces/Adormece ao meu cantar/ Tenho menina de trapos, /Tenho uma voz de luar…” (Matilde Rosa Araújo) No universo que ajudou a iluminar com os seus livros uma “filha” voou, a minha “Joaninha à Janela” já faz longas viagens e o meu Francisco aprende “Como se Faz Cor‐ de‐Laranja”. Eu sonho com um “O Mercador de Coisa Nenhuma” que guarda “A Chave do Castelo Azul” e me tem levado em passos leves e vagarosos como “A Nuvem e o Caracol” por um inesquecível Verão feito de palavras. Nestes dias, caminharemos com sorrisos entre “Dez Dedos de Conversa” trocados “Da Rua do Contador para a Rua do Ouvidor”. Em Beja “Vamos Contar um Segredo”, daqueles que se sussurram de orelha a orelha: “Este Rapaz Vai Longe”! Saúde, António Torrado! Sílvia, a Bruxinha Leiria, 1 de Setembro de 2010


“Prazado” António (porque seria assim, talvez, que o próprio começasse esta maluqueira devido ao imposto prazo…), (“Às vezes vem ter comigo cada complicação, que nem imaginam…”) Este texto já teve pelo menos vinte começos…e sai sempre o óbvio ” o António e a sua obra são isto e aquilo” cheios de adjectivos bem qualificativos e muito sérios…Tanto eu como o escritor em questão apreciamos a criatividade e o sentido de humor, então pensei em virar o feitiço contra o feiticeiro (sei que já não é muito original, mas tenta‐se): o António passa para a Rua do Ouvidor e eu para a do Contador. Apetece‐me contar‐lhe uma história e saber se ele sente o mesmo que eu quando leio as suas. Ao mesmo tempo, ofereço‐lhe um pouco de descanso… já que estamos no Alentejo… É esta a minha homenagem. Começa assim… O reino das palavras estava em polvorosa! Algumas haviam desaparecido! Ninguém sabia o seu paradeiro. Contudo, nem todas as classes se queixavam… depois de muito contarem, as subclasses apresentaram as suas baixas: faltava um nome próprio; um determinante artigo definido; dois determinantes possessivos; dois nomes comuns; um verbo e uma preposição contraída. O que teria acontecido para se evaporarem assim?! O léxico e a sintaxe choravam dia e noite. A notícia espalhou‐se. Os escritores sentiam‐se limitados na sua imaginação (afinal não tinham as palavras todas à sua disposição!). Após reunião de emergência, presidida pelo Imperativo, deliberou‐se que teriam de pedir ajuda ao ponto final, declarativo e assertivo, e algo desocupado (o tal que caiu do ponto de exclamação e ficou no desemprego). Entregaram‐lhe uma lista com as desaparecidas e pediram‐lhe que descobrisse o encalço destas palavras andarilhas, o mais depressa possível! “ E agora? Por onde começar? Não havia a mínima pista…” pensou, pensou…até que se lembrou que talvez o seu amigo‐escritor António Torrado (que ele tratava carinhosamente por Tó Rado) o pudesse ajudar. Afinal ele arranjou‐lhe emprego e, para além disso, estava habituado a brincar com elas…conhecia‐as bem…as suas manhas…E assim fez. Contactou de imediato a editora do Tó Rado que o informou que ele estaria em Beja durante três dias, a participar num evento importantíssimo! Não podia esperar tanto tempo! O défice de palavras já provocava um crise literária sentida sobretudo pela classe mais erudita…e os poetas precisavam tanto duma delas, nem sequer havia sinónimos! Já muitos viviam do rendimento mínimo…tinha de ir ter com ele. Apanhou o comboio e sentado em cima do i aí foi ele para Beja. A cidade estava em festa! As ruas cheias de gente, de cores, de cheiros e palavras! Muitas, por todo o lado! Seria ali que as palavras da sua cábula se encontravam? E o Tó Rado, onde estaria ele? O ponto estava tão animado que mais parecia um trema! Abriram‐se as portas da Biblioteca… o seu amigo‐escritor estava sentado numa mesa enorme, cheia de pompa e circunstância, com flores e tudo… muito solene e…esperem aí! No letreiro, por cima da mesa, estavam penduradas umas palavras que pareciam coincidir com as da sua lista… e eram mesmo elas! “António a sua obra mora no nosso coração”.

Teresa Coelho Leitora e professora


Caro António Pego na caneta pela fresca, à beira do meu jardim aqui para os lados de Azeitão, para te escrever umas palavras simples. Penso nas razões para o fazer e não consigo decidir‐me. Sim... temos alguns amigos em comum: o Luís Mendonça, o Emílio Remelhe, especialmente a Helena e o Fábio (que falava de ti com um orgulho imenso e conseguiu trazer‐te até nós numa manhã mágica, em que até o nosso menino autista se juntou à turma para te saudar com uma canção). Sim... sou professora, amo os livros, sou aprendiz de escritora e até partilhei contigo, nessa manhã, alguns escritos fechados em livros que te dediquei. Mas nada disso me bate agora à porta como pretexto para uma carta onde queria deixar palavras doces com asas, que te fizessem sorrir e perceber o tamanho que tem a tua presença nas nossas vidas. E se alguém sabe da importância das palavras és tu. Vives mergulhado nelas a pensar quais escolhes e quais casas antes de nos escreveres com elas as tuas cartas feitas histórias e poemas no envelope dos livros, com selos de todas as cores que te fazem chegar a todas as partes do mundo. Talvez seja isso. Mereces assim uma espécie de carta‐resposta às cartas que já nos escreveste (ai tantas!) e continuas a escrever todos os dias. É assim para teres a certeza, naqueles momentos em que a dúvida nos pinta de pedras o caminho, que recebemos todas as tuas notícias, que escutamos todos os teus segredos, que não nos esquecemos de ti. És o Amigo distante que nos envia flores sempre que precisamos delas. Flores sempre diferentes que nos fazem sentir maiores, sonhar coisas especiais e ganhar o alento necessário para perseguir os sonhos (mesmo que seja no fim do mundo, seja lá onde isso for). É esse o teu exemplo, António, essa a razão desta carta. Ofereces‐nos generosamente, carinhosamente, persistentemente a tua vida em forma de palavras de ternura. Nem que estivesse aqui a escrever‐te cartas até ao fim dos meus dias, conseguiria que elas, as palavras, dissessem tudo o que me apetece dizer. Em vez disso, deixo‐te duas apenas: Obrigada Abraço Teresa Martinho Marques


Lisboa, 15 de Setembro de 2010

Meu caro António Torrado:

Penso que esta carta te encontrará no buliço de uma homenagem que te preparam em Beja! Espero que a leias no regresso a Lisboa e que essa leitura seja emoldurada pelas magníficas planícies alentejanas, porque elas – as planícies – têm a mesma idade dos teus livros. São do tempo das palavras, das palavras que permanecem em mim enquanto a infância se demora. Nesse tempo de caligrafia e descoberta, eu encontrava nos livros o que era próprio das planícies e dos montes. Brincava aos livros. Brincava contigo. Com a Alice. Com a Sophia. E ia construindo mundos feitos de palavras. Construí alicerces feitos de palavras. Construí paredes feitas de palavras. Por fim, fabriquei um tecto com palavras entrelaçadas umas nas outras. Não há casa mais forte, António!, não há casa mais sólida! E não te sei dizer quantas dessas palavras te foram roubadas a ti. O ladrão de palavras enriquece aquele que rouba e eu roubei, roubei, roubei! Tornei‐me eu próprio a minha casa e, agora, quando olho ao meu redor, não vejo as palavras que vos roubei, mas sei que as paredes da minha sala de trabalho estão impregnadas de ti e dos outros escritores a quem roubei as palavras da minha infância. Hoje, já muitos cabelos brancos me envelhecem as frases. Cabelos que corto no velho barbeiro que partilhamos ali ao pé do Teatro Nacional e que me dá sempre notícias tuas: Já há muito tempo que não vejo o Sr. António Torrado, deve estar por aí a aparecer! Ou: Foi por um triz... O Sr. Torrado acabou mesmo agora de sair. O tempo está a levar‐me os cabelos, António, está a levar‐mos como se fossem palavras. Já antecipo a minha cadeira vazia no velho barbeiro do Rossio. E no entanto, tu levas‐me para um tempo em que eu tinha o cabelo forte e negro. O tempo em que eu ia ao Rossio pela mão do meu pai e era preciso pôr uma almofada suplementar para que o velho barbeiro (que então não era assim tão velho mas a mim, criança de um punhado de anos, parecia) me pudesse cortar a trunfa, como ele dizia para me fazer rir. Nas palavras que partilhas comigo, eu sou e serei sempre esse menino que não consegue chegar à cadeira do barbeiro... mesmo quando, há poucos anos, no exercício da tua generosidade imensa, me convidaste para escrever a quatro mãos o texto de um espectáculo. O espectáculo não chegou a existir, mas, a gratidão pelo teu convite nunca mais me saíu do peito. Tornou‐se mais uma palavra, mais uma dessas que tu me deste. Uma entre mil. Uma entre um milhão. E, no entanto, não se confunde com nenhuma outra. Porque a gratidão vale por todas as palavras. A gratidão é, a um tempo, alicerce, parede, telhado e, principalmente, é porta... é janela para tudo... Neste caso, é janela para esta carta que já vai cheiinha de palavras e no entanto poderia ter sido escrita em cinco segundos. Era só eu ter escrito Obrigado! … e teria dito tudo o que guardo para te dizer! Um grande abraço do amigo Tiago Torres da Silva


Beja, 15 de Setembro de 2010 Caro António Faço votos que esta missiva o encontre tão bem disposto quanto as cartas do nosso amigo, o macaco Umbelino e as suas peripécias. Apesar de não o ver há algum tempo, é como se estivesse sempre presente cá em casa, não só pelas palavras inspiradoras que, volta e meia, leio ou releio como também pela voz serena com que conta a História do Dia que me descontrai não raras vezes no meio destes nossos dias e correrias. Escrevo‐lhe da cidade onde o vi pela primeira vez mas conheci‐o em terras do oriente de onde trouxe na bagagem as lendas de Macau. E como todas as lendas também estas esperaram alguns anos, não muitos porém, que uma menina crescesse e um dia as lesse e com elas conhecesse um pouco da sua terra. Obrigada por essas lendas António pois que melhor modo de dar a conhecer a sua terra a alguém do que a sonhar? Um passarinho soprou‐me ao ouvido a certeza de que nos veríamos em breve aqui nesta cidade de contos e encontros e estou a contar com isso – se esta carta fosse uma mensagem de telemóvel ou do messenger ou do facebook, agora apareceria aqui uma carinha sorridente ;‐) mas despeço‐me de um modo mais clássico com um: Creia‐me atentamente. A sua leitora andarilha, Vanda Soares Machado


António Torrado no Reino das Maravilhas Todos os conhecimentos têm uma origem, uma primeira nota, a do primeiro encontro. Conhecemo‐nos num jantar organizado pela Sociedade Portuguesa de Autores, vai para 20 anos. Ficámos na mesma mesa e conversámos. Desde logo ganhei para com ele um clima de simpatia e não apenas porque conhecia alguns dos livros que escrevera para crianças e que, ainda em Moçambique, comprava para os meus filhos na "Minerva Central", tal como hoje o faço para os meus netos, fora aqueles com que António Torrado os distingue. À saída ofereci‐me para o levar a casa. Ficara a saber que era, por opção própria, um apeado. Vivia em Sintra, num alto, numa bela casa, quase casarão, num local estimulante para a criação do caleidoscópio de boas intenções e de imagens que a sua escrita desperta. No regresso a Caxias, fantasmaticamente, no negrume de noite, visionei o escritor no secular Castelo dos Mouros, no irreal e romântico Palácio da Pena, na densidade histórica do Paço da Vila e no escrínio que é Monserrate, cenários propícios à imaginação infantil, à liberdade e dimensão criativa do autor teatral, sempre voando mais longe do que se lê, se vê e em que se acredita. Antes de ofertar os livros, dava e dou, sempre, um olhar, mesmo que rápido, pelas histórias que escreve ou que re‐escreve quando lhes conserva o sentido mas as enroupa de novo, com as asas do sonho e as imagens da memória colectiva. Encantei‐me, sempre, com o mundo infantil e com a criação teatral. Apetece pertencer‐lhes: navegar pelo espaço num tapete voador, pastorear ovelhas felpudas tão brancas como a neve da Serra da Estrela, desnichar fadas, príncipes encantados e seres escorreitos! Conhecer os heróis da ficção teatral e os outros, os da escrita infanto‐juvenil, enriquecedores das virtudes da ternura e do afecto, triunfadores do Mal, dos demónios da inveja, do rancor e dos corações empedernidos que se soltam dos Infernos para provocar os bons que povoam os contos populares e os tradicionais. Encontro no António Torrado, um homem digno, sonhador, autocontrolamdo‐se pelo amor à brandura, um amante do seu trabalho de escritor, uma cabeça sempre dominada pela criação literária, seja ela dirigida às crianças ou a quantos seguem a sua carreira de autor para o palco. Desde que João de Deus incluiu no Campo de Flores uma afloração titulada "Para as Crianças" que a literatura infantil ganhou espaço na edição portuguesa. Por esse caminho enveredaram, também, Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Gomes Leal, até Eça com a "Literatura do Natal", Ana de Castro Osório, Raul Brandão e tantos outros que se perfilaram até aos nossos dias e a que António Torrado se junta num cântico de amor às crianças que ouvem e lêem em português. O seu talento enreda‐se, ainda, no perfume e na sedução de outras gentes, aquelas que são a alma dos tablados. Vitor Wladimiro Ferreira 2010/09/14


Textos e coordenação: Cristina Taquelim Ilustração: Susa Monteiro Digitalização e composição: Hermes Picamilho Apoio: Pedro Oliveira Biblioteca Municipal de Beja – José Saramago bibliotecamunicipaldebeja@cm‐beja.pt Beja, 2 de Maio de 2012


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